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  • Cientistas usam inteligência artificial e humana para monitorar corais na costa brasileira

    Autoria

    Livia Savoia

    O oceano está na encruzilhada dos grandes desafios que enfrentamos hoje, que são também ambições do grupo do G20: a crise do clima, a perda de biodiversidade, a poluição, o combate à fome e a redução das desigualdades.

    Os corais são organismos de muita importância para vida marinha e humana, e têm sofrido o processo de branqueamento, ou morte, pelos impactos do aquecimento e acidificação das águas oceânicas.  Mas por sua extensão, monitorar esses seres vivos é uma tarefa quase impossível. Pensando nisso, pesquisadores  das universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Paraná (UFPR), estão usando a  inteligência artificial como  aliada, junto com a ação humana, no monitoramento desses organismos. 

    Hoje, a forma de monitorar os corais é a partir da ação humana, com mergulhadores especialistas, que coletam amostras de corais  que são levadas para análise em laboratórios.  Uma das técnicas utilizadas e é o uso de redes neurais da inteligência artificial (IA) que processa grandes quantidades de dados em modelo inspirado no cérebro humano. A IA permite fazer uma análise completa e com rapidez, sem a qual hoje pesquisadores levariam horas e dias para realizar, devido à complexidade do processo manual, que tem seu início na coleta das amostras até as etapas finais de análise.  

    Cena do vídeo “Monitoramento e manejo do coral-sol” do canal do youtube ICMbio Alcatrazes (SP). Crédito: O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

    A partir de um grande número de imagens capturadas por mergulhadores,  as redes são treinadas para fazer a identificação dos organismos, como sua forma, textura e cores. “Ferramentas de IA são capazes de analisar imagens para encontrar sinais de branqueamento de corais, doenças ou outras condições adversas, além de identificar outras formas de vida marinha”, afirma o pesquisador Luiz de Oliveira, do departamento tal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um dos responsáveis pelo estudo.

    Uso de IA para analisar imagens e identificar branqueamento de corais, aqui um coral baba-de-boi (Palythoa caribaeorum). Crédito: Furtado 2022, PeerJ.

    A nova etapa da pesquisa tem parceria com pesquisadores franceses, serão utilizados drones subaquáticos para obter as imagens dos corais. O objetivo principal é fornecer essa atividade como parte de um passeio turístico, como explica o biólogo e coordenador do projeto, Guilherme Longo, da UFRN: “A ideia é conseguir oferecer essa atividade como parte de um passeio turístico, assim as pessoas geram as imagens, podem compartilhar em suas redes sociais já com informações de espécies”, mas Longo afirma que essa nova etapa da pesquisa ainda está em estágios iniciais. Proporcionar interação com público é uma das metas do biólogo. O projeto #De Olho nos Corais  no instagram permite que o público acompanhe o trabalho de monitoramento dos corais.

    A rede social #DeOlhoNosCorais tem cerca de 11,2
    mil seguidores e 640 publicações no Instagram,
    as postagens são feitas semanalmente.
    O que são corais?

    Os corais são conhecidos pela beleza de cores vibrantes, responsáveis por deixar o oceano ainda mais bonito, mas também servem como alimento, berçário e proteção para outros seres vivos, e têm grande importância na atividade filtradora da água do mar e contribuem na economia através da pesca. São organismos do reino Animalia, dos animais, e do filo Cnidária, grupo das águas-vivas e anêmonas. Entre os corais há também as espécies invasoras, que necessitam de monitoramento constante, como o caso do coral-sol (Tubastraea spp.), presente em toda costa brasileira. O acompanhamento é feito com frequência pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, visando diminuir os impactos à biodiversidade que a espécie pode causar. 

    Leia mais:

    Artigo “#DeOlhoNosCorais: a polygonal annotated dataset to optimize coral monitoring”, de Daniel Furtado, Edson Vieira, Wildna Nascimento, Kelly Inagaki, Jessica Bleuel, Marco Zanata Alves, Guilherme Longo, Luiz Oliveira. Publicado na revista científica  Peerj PeerJ, volume11 (e16219), 2023. Disponível gratuitamente em acesso aberto em: https://peerj.com/articles/16219/ 

     

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  • Oceano ganha reconhecimento histórico no G20

    Autoria

    Juliana Di Beo

    O oceano está na encruzilhada dos grandes desafios que enfrentamos hoje, que são também ambições do grupo do G20: a crise do clima, a perda de biodiversidade, a poluição, o combate à fome e a redução das desigualdades.

    Créditos: Oceans20 Brasil

    Apesar do oceano cobrir cerca de 71% da superfície do planeta, ser o principal regulador do clima e atenuador das mudanças climáticas absorvendo mais de 25% de gás carbônico emitido pelas atividades humanas e 90% do excesso de calor causado principalmente por esse gás, ele ainda não figura no palco das decisões sobre políticas públicas globais. Essa verdade inconveniente, tem causado preocupação, o que tem levado o tema paulatinamente para espaços de discussão de grande importância internacional.    

    Com um oceano de desafios, mas também de soluções, especialistas, representantes de organizações não-governamentais e líderes políticos se reuniram na Casa de Cultura Laura Alvim em Ipanema no Rio de Janeiro nesta segunda feira (18) para o primeiro evento do Oceans20 (O20) no Brasil, dentro do escopo da agenda do G20. O O20 é um dos 13 grupos de engajamento social que foi inicialmente pensado e embrionado em encontros anteriores do G20, na Índia e Indonésia entre 2021 e 2022, mas somente agora com a presidência brasileira foi de fato criado. 

    Por meio deste primeiro evento disruptivo e sem precedentes, o Brasil inaugura um reconhecimento histórico ao buscar colocar o oceano no palco das discussões e “no coração e mente dos chefes de Estado do G20”, destaca Alexander Turra, coordenador da  Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e um dos idealizadores do O20 no Brasil. 

    A economia azul precisa ser pensada além da sustentabilidade

    Créditos: The Ocean Agency

    O oceano está na encruzilhada dos grandes desafios que enfrentamos hoje, que são também ambições do grupo do G20: a crise do clima, a perda de biodiversidade, a poluição, o combate à fome e a redução das desigualdades. “É impossível discutir esses desafios sem olhar para o oceano, como ator e como palco das relações internacionais. As três prioridades brasileiras do G20 vão se encontrar com a agenda oceânica”, destacou Lucas Padilha, coordenador de relações internacionais e presidente do comitê do G20 da prefeitura do Rio de Janeiro. “É importante que todos e todas aqui, na academia, dos negócios, dos organismos multilaterais, dos bancos de desenvolvimento, dos governos locais, tenhamos a sensibilidade para trabalhar juntos”, ressaltou, referindo-se a necessidade de unir esforços para vencer os principais desafios mencionados acima.

    O encontro discutiu o papel da economia azul para o desenvolvimento econômico de forma sustentável e como fonte de emissões de carbono e poluição que precisam ser superadas. Oriana Romano chefe da Unidade, Governança e Economia Circular da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), recomendou uma abordagem de economia azul que considere que ela tem duas faces que caminham juntas, a econômica e a ambiental. Segundo Oriana, deveríamos ir além da sustentabilidade, mas considerar a resiliência, a inclusão e a circularidade. “Em um mundo que está crescendo em termos de população para a qual a demanda de recursos naturais aumenta, em um mundo com mudanças climáticas que são potencializadas pela urbanização, a economia azul não deve ser apenas sustentável para o futuro, acreditamos que ela deveria ser resiliente a choques econômicos e ambientais”.

    Oriana destacou também a importância de adotar uma abordagem integral da água, considerando não apenas o oceano, mas outros corpos de água para resolver problemas como a poluição. Ana Asti, da subsecretaria de recursos hídricos e sustentabilidade do estado do Rio de Janeiro, seguiu nesta mesma linha ao mencionar que precisamos olhar para o oceano de forma integrada ao ecossistema de água doce. Segundo Ana, se quisermos ter um oceano saudável e produtivo precisamos limpar nossos rios e promover o saneamento, porque toda a poluição que sai da terra chega ao mar. “Até 2033 queremos chegar a 100% do saneamento básico na região Metropolitana do Rio de Janeiro, hoje temos 46%, então ainda há um desafio enorme pela frente”, afirmou.

    Letícia Cotrim, professora de oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), destacou a importância de trazer a descarbonização, o corte de emissões de gases do efeito estufa (GEEs) e a transição energética como temas chaves para abordar o oceano na agenda do G20. Letícia que também é co-autora do Sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ressalta que o relatório aponta que o oceano mudou de maneira que não vai voltar a ser o que era antes do período pré-industrial. “O principal desafio aqui é planejar incluindo a descarbonização e transição energética, caso contrário vamos pagar um alto custo de adaptação e mitigação, embora estejamos protegendo algumas áreas”, concluiu, referindo-se aos impactos do aumento da temperatura no planeta.  

    Próximos passos do Oceans20

    O O20 é coordenado pela Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, o Pacto Global da ONU, o Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio) e o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicos (INPO/MCTI). A realização desse primeiro evento do Oceans20 marca o início de uma série de eventos que darão continuidade às discussões do grupo sobre temas como financiamento para a economia azul, conservação do oceano, nexo oceano-clima, justiça social e equidade, ciência, tecnologia e inovação e governança global. Um próximo evento oficial vai acontecer em setembro, o “Ocean-Summit” para levar um resumo do que conseguiram avançar do temas para os outros grupos e para o G20. 

    Como sendo parte de um dos grupos de engajamento social, que marca a nova proposta do atual governo em promover espaços de escuta da sociedade civil para criação de políticas públicas, será feita uma chamada para a participação social no meio desses eventos, o “Ocean-Dialogues”. “Este grupo de engajamento inédito busca contribuir para a agenda da presidência brasileira do G20, dando lugar às diversas vozes que falam pelo nosso Oceano”, enfatiza  Simone Pennafirme, da Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e Gerente do Núcleo de Vida Marinha da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro, durante a inauguração oficial do O20.

     

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo é bióloga formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atua na área de comunicação científica, com foco no fortalecimento da cultura oceânica e no acesso aberto ao conhecimento por meio da Rede Ressoa Oceano.

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  • Precisamos de um tratado ambicioso para combater a poluição plástica

    Autoria

    Livia Savóia e Germana Barata

    O oceano está na encruzilhada dos grandes desafios que enfrentamos hoje, que são também ambições do grupo do G20: a crise do clima, a perda de biodiversidade, a poluição, o combate à fome e a redução das desigualdades.

    Em abril, terminou a 4ª Sessão do Encontro do Comitê Intergovernamental de Negociação, para debater o Tratado Global Contra a Poluição Plástica (INC-4), coordenada pelas Nações Unidas, no Canadá. Durante o evento, no qual 170 nações debateram um tratado para regulamentar e diminuir a poluição plástica no mundo, cientistas brasileiros assinaram e entregaram um manifesto para pressionar o governo brasileiro a assumir compromissos para reduzir a poluição de plásticos e aumentar a reciclagem. O país foi responsável pela produção de 2% do total mundial, em 2022, e a tendência mundial é que aumente até 2050 e, com ela, a poluição. Para frear o tsunami de plástico, precisamos de um Tratado ambicioso a ser acordado em novembro próximo, quando ocorrerá a 5a e última sessão.

    Natalia Grilli, oceanógrafa que integra a Coalizão de Cientistas para um Tratado Global de Plásticos Efetivo, esteve no evento e contou que o manifesto é uma forma de pressionar o governo brasileiro a adotar posicionamentos mais ambiciosos que envolvem o chamado ciclo do plástico – da extração do petróleo até seu descarte – para que a indústria e governos assumam mais responsabilidade e controle deste produto que impacta o meio ambiente e a saúde humana. 

     

    Obra #TurnOffThePlasticTap do artista canadense Benjamin Von Wong (2021) foi exibida na frente do centro de convenções onde ocorreu a 4ª sessão para debater o tratado contra a poluição plástica em Ottawa. Crédito: INC-4


    “O Brasil está bem receptivo nas questões relacionadas à reuso, responsabilidade dos produtores, inclusão social de catadores de recicláveis, mas algumas outras está mais resistentes como mexer na produção de polímeros plásticos primários, ainda não há posição sobre isso”, avaliou Natalia, que atua na Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, da Universidade de São Paulo (USP), e é membra da Liga das Mulheres pelos Oceanos

    Dia 30 de abril, foi lançada a declaração Bridge to Busan, em que alguns países se comprometeram a endereçar todo o ciclo de produção de plásticos a produção de polímeros plásticos. O Brasil ainda não é signatário e, como outras nações que também possuem uma indústria petroquímica forte, ainda é resistente. 

    Natalia diz ter “um otimismo realista”, pois a declaração, a ser aprovada no final do ano, ainda possui muitos trechos em aberto, o que indica a necessidade de avanços nos acordos sobre o plástico. “Mais de 300 cientistas do mundo inteiro que se voluntariaram para oferecer o melhor conhecimento científico para formular políticas públicas e o trabalho da sociedade civil. Ainda temos a opção de ter um Tratado eficiente e ambicioso, mas ainda há muito trabalho pela frente para que isso aconteça”. A pesquisadora menciona o forte lobby da indústria petroquímica, por meio de participação no evento para defesa de pontos positivos do plástico. “O conflito de interesse nas negociações precisa estar endereçado, e estar mais focado na gestão de resíduos do que endereçar o ciclo de vida do plástico como um todo e consiga lidar com o problema na fonte”.

    A reunião reuniu 2.500 representantes e 71 organizações da sociedade civil como a Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), WWF Brasil, Oceana Brasil, Vozes do Oceano, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), além dos parceiros da rede Ressoa Oceano, a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano e a Liga das Mulheres sobre o Oceano. 

    As metas debatidas na capital canadense, em Ottawa, foram uma preparação para a 5a e última sessão que ocorrerá em novembro deste ano na Coreia do Sul, quando deverá ser publicado um texto final contra a poluição plástica. 

    Preocupação crescente

    “Se o oceano fosse transparente, e não azul, estaríamos completamente envergonhado do que fizemos”, com essa frase impactante sobre a poluição dos plásticos no oceano que Barbara Karuth-Zelle, da Allianz Board Member and Group COO, participou da Conferência da Década do Oceano, que terminou em abril na Espanha. Se a situação da poluição plástica está ruim, pode piorar. Dados de uma pesquisa da Universidade da Califórnia estima que a produção anual de plástico vai crescer 22% até 2050 e, com ela, aumentará a poluição em 62%. 

    A poluição plástica ganhou visibilidade e repercussão na sociedade. Porém, a dimensão da poluição é preocupante e exige, mais do que ações individuais, regulamentação e responsabilização da indústria do plástico. Alguns projetos de lei tentam emplacar no congresso ainda sem sucesso. Um dos exemplos é a PL 2424/2022, em tramitação no Senado, que define regras para estimular a economia circular do plástico, “internalizando os custos ambientais e sociais na produção”, com incentivos à reciclagem e reuso, eliminação de produtos de itens descartáveis e “encorajar a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços”, entre outras propostas. 

    Enquanto a produção de plástico segue acelerada, pesquisadores do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) coletaram, no início do ano, lixo no fundo do mar brasileiro, entre 200 e 1.500m de profundidade e há 200km da costa dos estados de São Paulo e Santa Catarina, com resíduos de vidro da década de 1920 e de plástico dos anos 1960, como indica a data de fabricação de algumas embalagens plásticas. A pesquisa, que buscava estudar a biodiversidade de peixes, se surpreendeu com a quantidade de lixo plástico recuperado nas amostras.

    Mar plástico, o que fazer?

    Em meio ao chamado tsunami de plásticos, o que nós como cidadãos podemos fazer?

    O Brasil irá contribuir com o Acordo Global de Plásticos da Organização das Nações Unidas, com sugestões de como minimizar os impactos de plásticos no mundo. Maria Inês Bruno Tavares, diretora do Instituto de Macromoléculas (IMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou “[Vamos apontar] o que temos que fazer para minimizar o efeito do plástico pelo descarte indiscriminado de pessoas e empresas, efeitos que não são benéficos para a saúde humana, marinha e para o meio ambiente”. 

     

     

     

     

    Entre algumas das sugestões do IMA está a identificação do tipo de plástico, que facilita a decisão de consumo e a possibilidade de reciclagem, e a substituição de materiais utilizados atualmente. Para a população participar deste processo, a equipe da UFRJ aposta na reciclagem, na devolução da embalagem para as lojas onde o produto foi comprado e com recebimento de descontos para as próximas compras. O instituto vai começar um processo de ensino para os profissionais que fazem reciclagem na Cidade Universitária do campus da Universidade. O objetivo do projeto é fornecer conhecimento sobre as diferenças dos materiais plásticos, e o seu potencial financeiro, entender quais são os valores agregados ao produto que está sendo reciclado. 

     

    A equipe de Douglas McCauley, da Universidade da Califórnia de Santa Bárbara (UCSB), nos Estados Unidos, defende que é preciso estratégias para acelerar o processo de reciclagem e maneiras de diminuir a produção e o uso de plásticos para que não tenhamos que testemunhar uma montanha de 3,8km de altura ocupando a ilha de Manhattan, na cidade de Nova York, apenas no ano de 2050. O projeto da UCSB utiliza inteligência artificial para combater a poluição, divulga dados de pesquisa e de produção e incentiva ações de controle à produção de plásticos. Entre as sugestões para diminuir a produção estão: os plásticos serem fabricados com um mínimo de 30% de materiais recicláveis; limitar a produção de plástico virgem; investir em infraestruturas de tratamento de resíduos de plástico e em nova capacidade de reciclagem e cobrar taxa sobre embalagens plásticas. Segundo os pesquisadores da Califórnia, um tratado resultante de acordos fracos poderá resultar em uma produção de plástico na casa dos 89,6 milhões de toneladas em 2050, enquanto acordos ambiciosos poderão reduzir esta produção para 17.7 milhões de toneladas. 

    Até que as nações e autoridades governamentais entrem em consenso para assinar um Tratado dos Plásticos ambicioso (esperamos!) em Busan, na Coreia do Sul, no final deste ano, é preciso pressão social e mudança de comportamento de consumo para evitar ou diminuir o consumo de plásticos e contribuir para a reciclagem de embalagens. Ainda dá tempo de lutar para que em 2050 tenhamos mais peixes do que plásticos no oceano.

    Dicas para diminuir o consumo de plásticos no dia-a-dia

     

    Dicas para diminuir o consumo de plástico. Acesse outras dicas no site do Grupo Iberdrola. Crédito: Grupo Iberdrola

     

    Leia mais:

    Artigo de Natalia Grilli Por dentro dos bastidores do Tratado Global contra Poluição Plástica: estamos mesmo no meio do caminho? para o jornal O Eco em 15 de dezembro de 2023.

    Em fevereiro de 2024, o Jornal da Ciência, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicou um dossiê sobre plásticos com 20 artigos, que abordavam a urgência de atentar com a quantidade de plástico presente no mundo e formas de diminuir o seu uso.

     

    O Blog Um Oceano tem parceria com a Rede Ressoa Oceano

    Sobre quem escreveu

    Germana Barata é jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

    Como citar:  

     

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    Edição: clorofreela

  • Conectar a sociedade ao oceano é urgente para a saúde do oceano

    Autoria

    Juliana Di Beo

    Evento preparatório para a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia discute como conectar oceano e sociedade

    Fonte: Wikimedia Commons

    Em 2030 se encerra a Década do Oceano, iniciativa mundial da Unesco, que mobiliza a sociedade para melhorar a saúde do oceano. Nessa corrida contra o tempo, especialistas em divulgação sobre o oceano se reuniram no painel “Oceano Inspirador e Sociedade”, como parte da Reunião Temática “Oceano, Ciência e Políticas Públicas”, nesta quinta-feira (04) em Brasília, com transmissão ao vivo pelo Youtube. O encontro faz parte das Conferências Preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acontecerá na primeira semana de junho em Brasília, e que pretende traçar diretrizes para avanços nas ações dos próximos 6 anos em prol do gigante azul.

    Painelistas durante a reunião temática. Foto: Divulgação

    Mariana Martins de Andrade, oceanógrafa, Jovem Embaixadora do Oceano Atlântico no Brasil e co-fundadora da agência que promove soluções para projetos de conservação do oceano Bloom, destacou a importância de colocar a sociedade no centro das discussões para alcançarmos um oceano inspirador e um Brasil justo, sustentável e desenvolvido. Mariana buscou ilustrar os movimentos necessários para conectar sociedade e oceano, por meio da representação de um cubo mágico, no qual cada peça é fundamental para atingir o objetivo do jogo. “Os movimentos que fazemos para organizar esse cubo são ações que implementamos em busca de soluções que podem e precisam ser baseadas em ciência”, explicou.

    Representação de cubo mágico para exemplificar formas de conectar sociedade-oceano. Foto: Divulgação

    Para orientar as próximas ações sobre o tema, Mariana apresentou um levantamento sobre como as ciências oceânicas têm aparecido nos relatórios da Nações Unidas nos últimos dez anos. “Cooperação internacional e engajamento de stakeholders foram os temas que mais cresceram nos relatórios da ONU, esse resultado pode ter uma grande correlação em como vamos olhar para os processos em escala internacional, que tem guiado nosso entendimento da relação da sociedade com o oceano”, destacou.

    Nessa complexa rede de ações Ronaldo Christofoletti, professor associado do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp), disse ser essencial fortalecer políticas públicas para a educação oceânica  na formação das pessoas. “Hoje o Brasil já é uma liderança mundial, com 18 municípios em dois estados com Lei da cultura oceânica”, explicou Ronaldo referindo-se a Lei Municipal nº 3.935/2022 que estabelece a cultura oceânica no currículo de escolas municipais de forma transversal para todos os anos da educação básica. Ronaldo coordena o projeto de extensão “Maré de Ciência” que criou o programa “Escola Azul”, inspirado em Portugal, para fortalecer e ampliar a formação científica e a cultura oceânica nas escolas de todo o Brasil.  Em novembro de 2021, Santos (SP) se tornou a primeira cidade no mundo a definir que a cultura oceânica deve ser parte da educação.

    Apesar do avanços ainda são inúmeros os desafios pela frente. Ronaldo destacou o resultado de uma pesquisa de 2022 da Unesco, Grupo Boticário e Unifesp que mostrou que 40% dos brasileiros não sabem que suas ações influenciam o oceano. “Para que tenhamos um Brasil justo, sustentável e desenvolvido precisamos que a sociedade entenda a sua relação com o oceano”, enfatizou. 

    Ele também destacou a necessidade de alocação de recursos em espaços para participação social para alcançar engajamento, como ocorre desde 2010 em edital do CNPq que apoia feiras e mostras científicas. 

    Nessa mesma linha, Germana Barata, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da rede colaborativa de comunicação sobre o oceano Ressoa Oceano, destacou a importância de alocar recursos na criação de editais que envolvam a participação de influenciadores, jornalistas e comunicadores que não tenham uma vínculo institucional, para que esses projetos sejam profissionalizados e para potencializar os resultados esperados. Uma vez que muitos projetos de divulgação científica estão sendo feitos por pessoas com pouco ou nenhuma formação ou experiência na área

    A democratização do conhecimento científico é outro grande desafio que Germana vislumbra para superar a distância entre o oceano e a sociedade. “Cerca de dois terços do conhecimento científico sobre oceano está publicado em acesso restrito, então para fazermos esse movimento em prol de avanços precisamos incentivar que essa comunicação seja feita nos princípios da ciência aberta”, destacou referindo-se a crescente tendência em compartilhar dados, publicações e outras etapas da ciência de forma gratuita, transparente e acessível.  

    Reflexões sobre prioridades e planos de ação foram levantados por Jana del Favero, pós-doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editora-chefe do blog e podcast de divulgação das ciências do mar, Bate-papo com Netuno. “O que de fato estamos fazendo? O que conseguimos fazer e podemos fazer?”, indagou. Segundo Jana, precisamos atingir e formar as crianças em cultura oceânica, mas não podemos esperar a mudança vir delas. “Não serão elas as principais responsáveis pela mudança até 2030. Estamos correndo contra o tempo”, pontuou. 

    As ações que resultam em mudanças necessárias para conectar oceano e sociedade estão acontecendo, reflete Mariana. “Somos essas sementes que tentam levar essa palavra para diversos outros locais, isso por si só representa nosso papel como ponte dessas conexões oceânicas”, concluiu. 

    Em busca de promover ações que incentivem as pessoas a reconhecerem a influência do oceano em suas vidas, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação  liderou a iniciativa “Aliança pela Cultura Oceânica” em parceria com a Unesco e a Unifesp. Em 2022 a Aliança lançou o curso online e gratuito “Formação de Multiplicadores da Cultura Oceânica” para fomentar a conexão entre a sociedade e o oceano. Para mudar a percepção de estudantes de todos os níveis educacionais e o público geral sobre o território brasileiro, o IBGE, a Marinha do Brasil e o Ministério da Educação desenvolveram um novo Mapa do Brasil que inclui a Amazônia Azul formada por toda vastidão marítima nacional. O contra-almirante da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da Marinha do Brasil, Ricardo Jaques Ferreira enfatizou a importância desse novo mapa. “Pela primeira vez as crianças vão olhar o mapa e não vão ver só terra, terça-feira (09) o IBGE vai lançar oficialmente o novo Atlas, com a representatividade do território marinho”, destacou.

    Ressoa Oceano

    A Ressoa Oceano, que em abril completou o primeiro ano de atuação, é uma rede de comunicação colaborativa sobre o oceano, fruto de parceria entre o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano da USP, a Liga das Mulheres pelo Oceano e Ilha do Conhecimento com financiamento do CNPq.

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo é bióloga formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atua na área de comunicação científica, com foco no fortalecimento da cultura oceânica e no acesso aberto ao conhecimento por meio da Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Di Beo, Juliana (2025). Conectar a sociedade ao oceano é urgente para a saúde do oceano. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/conectar-a-sociedade-ao-oceano-e-urgente-para-a-saude-do-oceano/ Acesso em: DD/MM/AAAA.

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    Edição: clorofreela

  • Rede de comunicação debate os desafios de comunicar o oceano para a sociedade

    Autoria

    Germana Barata
    Juliana Di Beo

    Workshop da Rede Ressoa Oceano elencou a baixa leitura dos jovens, o alto grau de analfabetismo funcional e a desconexão com o oceano como barreiras a serem superadas

    Equipe da Ressoa Oceano e convidados se reúnem para fortalecer a comunicação sobre o oceano. Crédito: Ressoa Oceano

    Cerca de 55% dos brasileiros vivem no litoral, mas 40% acreditam que suas ações não afetam o oceano. Estes dados, do IBGE e de pesquisa de 2022 que identificou a relação de brasileiros com o oceano, indicam o tamanho do desafio que a Ressoa Oceano, uma rede colaborativa para comunicar o oceano, tem pela frente. A iniciativa reuniu especialistas nos dias 29 e 30 de abril para debater os desafios e buscar estratégias para tornar a comunicação do oceano mais afetiva e efetiva.

    O Workshop contou com a participação de especialistas em comunicação, como a radialista e jornalista ambiental Paulina Chamorro e a jornalista Juliana Vilas, especialista em neurocomunicação, além do coordenador da Amazônia Vox e a engenheira de pesca Juliana Schober, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

    Dentre os principais desafios levantados está a diminuição da leitura e do consumo de notícias jornalísticas entre os jovens, somados às altas taxas de analfabetismo funcional (aquelas pessoas alfabetizadas, mas com grande dificuldade de interpretar e compreender textos), e a ausência de conexão da sociedade com a natureza, especialmente o oceano.

    Mas nem tudo é dificuldade. A equipe, majoritariamente feminina, trouxe aspectos positivos que devem fortalecer as estratégias da Ressoa Oceano para pensar estratégias de como tornar o oceano mais envolvente, inspirador e acessível.

    No primeiro dia do encontro, a equipe fez um balanço sobre a atuação da Rede e os necessários desdobramentos futuros. A Ressoa tem como propósito desenvolver ações em quatro frentes: curadoria de ações e iniciativas sobre o oceano; cursos de formação para jornalistas e comunicadores; produção de conteúdos originais e relevantes sobre o oceano; e ciência cidadã com enfoque para envolver estudantes no processo de produção de conteúdos. A produção de conteúdos foi a que mais avançou no primeiro ano da rede. A produção foi majoritariamente em texto e em gêneros diversificados, como a coluna no jornal ambiental o eco, “Oceano é fonte de temas para educação básica”, notícia como a publicada no blog Um Oceano “Oceano ganha destaque no debate sobre mudanças climáticas na COP 28”, entrevista no blog da Liga das Mulheres pelo Oceano “Entrevista com a Bia da Marulho”, coluna na revista Ciência Hoje das Crianças ”Maneiras de se conectar com o oceano mesmo sem colocar o pé na água”, artigo no site da Ilha do Conhecimento “Crenças e atitudes sobre tubarões e as implicações para sua conservação” e press release na Agência Bori “Recuperação de espécie ameaçada de tubarão-limão em Atol das Rocas”.

    Os exemplos acima somam mais de 50 produções de conteúdos sobre o oceano, todos em acesso aberto e dando destaque para a ciência brasileira. No entanto, a Rede planeja investir na curadoria de ações de comunicação sobre o oceano. Uma delas é coordenada pelo jornalista Daniel Nardin, o Amazônia Vox, um hub de jornalistas da região amazônica que quer dar visibilidade e fortalecer a cobertura sobre a maior floresta tropical no país e no mundo com profissionais da região. O jornalista aposta no jornalismo de soluções para projetar iniciativas de impacto socioambiental positivo no público. O jornalismo de soluções busca dar enfoque nas soluções de problemas, portanto um viés mais proativo para a sociedade do que as tragédias e dificuldades. Ele também destacou a possibilidade de trazer a comunidade local para atuar na comunicação, como lideranças de comunidades tradicionais na região, e a necessidade de dar mais destaque à Amazônia Azul, região costeira somada à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país.

    Comunicar com afeto 

    Para enfrentar o desafio da falta de conexão do público com o oceano, a jornalista ambiental Paulina Chamorro trouxe o conceito de comunicação amorosa. Com 25 anos de prática jornalística, ela busca elementos que toquem a emoção de forma positiva, como a dedicação de Mulheres na Conservação, série de documentários que aborda a atuação de cientistas como Bárbara Pinheiro, pós-doutoranda da Universidade Federal de Alagoas, que se dedica a estudar o branqueamento dos corais, e Zélia Brito, chefe da reserva biológica do Atol das Rocas (RN), que devota sua vida a conservação deste Patrimônio Natural Mundial pela Unesco.

    Os impactos das ações humanas no clima e no oceano têm sido retratados pela mídia pelo viés negativo e catastrófico, que pode afastar o público de uma possibilidade de ação ou mudança de comportamento. “Estamos alterando nossa casa, o planeta em que vivemos. Mas como vamos transformar isso não apenas em revolta, mas em algo que possa ser transformador?”, questiona. Paulina lembra que não se trata de ocultar os problemas, mas de enfatizar que é preciso focar nas ações e contribuir para a educação, sensibilização e engajamento.

    Além da conexão afetiva para tocar o público, Juliana Vilas mostrou para a equipe da Ressoa Oceano que os processos cognitivos mudaram com as novas formas de comunicação, voltada para a imagem, o vídeo, e mensagens curtas das redes sociais. Neste cenário, ela mostrou as inúmeras vantagens no formato de podcasts, comunicação por meio do áudio e que permite que o ouvinte divida sua atenção com outras atividades como lavar a louça ou fazer exercício físico, por exemplo.

    Ela tratou da importância da entonação de voz, da narrativa atraente, na sonorização para deixar as histórias mais atraentes. Como a informação em áudio não costuma ser interrompida e repetida para mais esclarecimentos, como ocorre no texto, Juliana sugere que na conclusão de cada episódio se recupere três informações principais, como forma de facilitar a compreensão da mensagem que se quer passar.

    Os podcasts são um dos meios de comunicação mais usados pela população brasileira. São cerca de 45 milhões de brasileiros que ouvem podcasts pela internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2023. Apesar de não sabermos ao certo quantos desses ouvintes consomem podcasts relacionados  ao oceano, identificamos em um levantamento que os podcasts sobre oceano aumentaram substancialmente a partir de 2020, ano que marca o início da pandemia de Covid-19 e o início dos esforços de implementação da Década do Oceano no Brasil. A maioria destes podcasts se concentram em estados litorâneos da região sudeste e apenas 33% deles se mantêm ativos.

    Em busca de fortalecer a comunicação por meio dessa ferramenta de áudio, um dos frutos do I Workshop Ressoa Oceano será a criação de um podcast colaborativo sobre o oceano que poderá contribuir para sensibilizar e conectar o público ao oceano com elementos trazidos pelos convidados: comunicação afetiva, jornalismo de soluções, com a participação de diferentes atores sociais e informação científica. Aguardem os próximos passos.

    Ressoa Oceano

    A Ressoa Oceano, que em abril completou o primeiro ano de atuação, é uma rede de comunicação colaborativa sobre o oceano, fruto de parceria entre o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano da USP, a Liga das Mulheres pelo Oceano e Ilha do Conhecimento com financiamento do CNPq.

    Sobre quem escreveu

    Germana Barata é jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

    Juliana Di Beo é bióloga formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atua na área de comunicação científica, com foco no fortalecimento da cultura oceânica e no acesso aberto ao conhecimento por meio da Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Barata, Germana; Di Beo, Juliana (2025). Rede de comunicação debate os desafios de comunicar o oceano para a sociedade. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/rede-de-comunicacao-debate-os-desafios-de-comunicar-o-oceano-para-a-sociedade/ Acesso em: DD/MM/AAAA.

    Sobre a imagem destacada:

    Edição: clorofreela

  • Então você acha que sexo biológico é binário?

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt
    Daniel Santana de Carvalho

    Há um certo tempo que todos os anos que têm Olimpíadas, em algum momento, surgem questões acerca do gênero de alguma atleta. Na edição de 2024, não haveria de ser diferente. Imane Khelif, boxeadora argelina de 25 anos, classificada nas quartas de final na categoria feminina de até 66kg, vem sendo alvo de especulações e discurso de ódio, após sua vitória contra a italiana Angela Carini, também de 25 anos.

    Mas afinal, o debate é sobre o quê mesmo?

    A boxeadora Carini abandonou a luta após 2 golpes. Em poucos minutos, perfis de redes sociais espalhavam, com voracidade e crueldade, desinformações que acusam Khelif de ter mudado de sexo para competir nas Olimpíadas. Os ataques justificam que Khelif foi barrada de participar das lutas de boxe pela Associação Internacional de Boxe (IBA), após testes de gênero. O Comitê Olímpico Internacional (COI), por outro lado, comunicou que a atleta está dentro das condições de elegibilidade para a competição.

    “Toda pessoa tem o direito de praticar esporte sem discriminação.
    Todos os atletas participantes do torneio de boxe dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 cumprem os regulamentos de elegibilidade e inscrição da competição, bem como todos os regulamentos médicos aplicáveis ​​definidos pela Unidade de Boxe de Paris 2024 (PBU) ( encontre todas as regras aplicáveis ​​aqui ). Assim como nas competições olímpicas anteriores de boxe, o gênero e a idade dos atletas são baseados em seus passaportes (Tradução livre do site oficial COI, 2024 ).”

     

    As condições médicas elegíveis para o boxe estão descritas, em inglês, também no site oficial do COI, e podem ser conferidas abaixo:

    Tradução livre da imagem:

    8. Condições de elegibilidade médica para o boxe
    A evidência ou o histórico revelado das seguintes condições em um exame anual é considerado suficiente para que um boxeador seja considerado “inapto para o boxe”:
    – Infecções crônicas graves
    – Discrasias sanguíneas graves, por exemplo, doença falciforme
    – Histórico de infecção por HIV, hepatite ativa ou hepatite potencialmente transmissível
    – Descolamento de retina
    – Miopia de mais de -5,0 dioptrias
    – Acuidade visual registrada em cada olho de:
    – Não corrigida pior que 20/200 e corrigida pior que 20/50
    – Lesões de pele expostas, abertas e infectadas
    – Deficiências ou anormalidades cardiovasculares, pulmonares ou musculoesqueléticas significativas, congênitas ou adquiridas
    – Sintomas pós-concussão não resolvidos, que precisarão de autorização de um neurologista
    – Distúrbios psiquiátricos significativos ou abuso de drogas
    – Lesões de massa intracranianas congênitas ou adquiridas significativas ou sangramento
    – Qualquer atividade convulsiva nos últimos três (3) anos
    – Hepatomegalia, esplenomegalia, ascite
    – Diabetes mellitus não controlado ou doença da tireoide não controlada
    – Gravidez
    -Uma pessoa que não tenha feito cirurgia de correção ocular deve apresentar um atestado de um oftalmologista declarando que está apto para a cirurgia.

    Fonte: Paris 2024 Boxing Unit


    Carteira rosa e as comprovações de feminilidade

     

    Entre os anos de 1948 e 2000 foram exigidos testes de feminilidade nos jogos olímpicos, através de fotografias e verificação de genitálias. As aprovadas recebiam uma carteira, que ficou conhecida como carteira rosa. Após vazarem fotos, causando constrangimento das atletas, exames sanguíneo e genéticos passaram a ser adotados. A partir de 1992, o COI adotou os testes cromossômicos, analisando casos suspeitos por peritos em medicina desportiva. Os testes passam a ser obrigatórios e eliminatórios. A partir das Olimpíadas de Atenas, em 2004, apenas foram realizados testes em casos excepcionais.

    Se por um lado as mulheres vinham ganhando espaço dentro da competição, ao longo do Século XX, também aumentava o controle dos corpos, a partir de definições de o que é ser mulher e qual o limite de mulheridade aceito para que estas atletas participem das competições olímpicas e esportivas. Isto é, na medida em que delimitamos “o que é ser mulher”, também delimitamos o que fica de fora, quais padrões de feminilidade são aceitos dentro do que concebemos ser mulher – e portanto quais corpos fora do padrão e que não serão considerados mulheres.

    Corpos de mulheres?

     

    A diferenciação do corpo masculino e feminino como conhecemos atualmente nem sempre foi assim, em que homens possuem pênis e testículos e mulheres possuem vagina, útero e ovários. Até meados do século XVII, entendia-se que humanos apresentavam apenas um sexo, mas separado em dois gêneros.

    A ideia de isomorfismo sexual, como era chamada a existência de apenas um sexo e um tipo de corpo, propunha que o corpo da mulher era igual ao do homem, só que menos desenvolvido. Inclusive, considerava-se que a genitália das mulheres era igual à dos homens, só que invertido por falta de calor vital. Ou seja, caso fossem submetidas a mais calor, as mulheres passariam da categoria feminina para a masculina. Foi somente no século XVIII que a diferenciação sexual e fisiológica dos sexos passou a ser feita.

    Os corpos de mulheres vêm sendo analisados e julgados por suas formas, quantidade de hormônios naturais, peso, musculatura e, também, trejeitos e comportamentos sociais. Tudo aquilo que destoa do que se considera naturalmente mulher é constantemente cerceado, eventualmente isolado e, em casos mais extremos, excluído de competições.

    Talvez seja relevante apontar sobre o quanto todo este debate é feito em torno de uma construção social acerca do que é um corpo feminino. Imane Khelif não é a primeira atleta a passar por este constrangimento.

    O caso de Maria José Martinez-Patiño, ao final da década de 80, torna o debate emblemático a partir dessa busca cada vez mais interna e minuciosa desse lugar da feminilidade. Martinez-Patiño era atleta de nível olímpico e foi aprovada em inúmeros testes de feminilidade ao longo dos anos 80, até ser reprovada em um teste de cromatina sexual em 1986, sendo impedida de participar das competições olímpicas de 1988.

    O que é cromatina sexual, e qual sua relação com testes de feminilidade?

    Cromatina é a molécula de DNA enrolada em proteínas, chamadas histonas, no núcleo das células. Talvez o nome mais comum que vocês, leitores, aprendam na escola seja o cromossomo, que é quando a molécula de DNA está enrolada em sua compressão máxima – o que acontece pouco antes de uma célula se dividir. A Cromatina é esta mesma molécula menos comprimida, dentro da célula. Em seres humanos, em geral, temos 23 pares de cromossomos (somando 46). Pode haver diferença para mais ou para menos, em casos específicos. No caso das cromatinas sexuais, pode-se ter variações como XX, X , XY ou XXY. Quando há em nossas células mais do que uma cromatina X, a segunda cromatina forma um condensado, que permanece inativo, o que chamamos de corpúsculo de barr. E é a partir da detecção da presença e ausência deste corpúsculo – ou de uma quantidade de cromatinas sexuais diferentes de 2, que analisamos isso que chamamos de sexo biológico.

      No Brasil também temos o caso da judoca Edinanci Fernandes da Silva, que se viu em meio a uma disputa pelo direito de participar dos campeonatos, necessitando comprovar que é mulher, em 1996.

    Dutee Chand, atleta indiana, em 2015 passou pelo processo de provar que é mulher e deveria ter seu direito garantido nas competições. Segundo a reportagem do El País, “o Comitê Olímpico Internacional (COI) (…) está com problemas para decidir quem não é mulher para competir sem vantagens injustas”.

    O termo ”vantagens injustas”, para nós, grita nessa frase acima. O que seria uma vantagem justa ou injusta, dentro do panorama biológico? Essa é uma pergunta importante que vamos falar mais para frente. Antes disso, gostaríamos de voltar para a questão cerne disso tudo que é:

    sexo é biológico, gênero é social?

    De maneira geral, existe um senso comum que diz que sexo é um fato biológico e gênero uma construção social. Nesta perspectiva, sexo biológico é vinculado a um conjunto de características pragmáticas e incontestáveis, padronizáveis e factuais.

    Sexo, assim, é a presença de cromossomos sexuais, hormônios sexuais, genitálias específicas internas e externas, gametas, etc. Mais do que isto, o sexo biológico, que demarca fêmea e macho, são linearidades compostas por todo este conjunto.

    Ainda dentro dessa premissa, tudo o que diz respeito à identidade de gênero, é uma construção social. Ou seja, ser mulher e homem diz respeito a papéis desempenhados socialmente e são parte do aprendizado que constitui isso que chamamos de identidade.

    Todavia, essa separação entre gênero e sexo não é tão límpida e tranquila como pode parecer.

    Primeiramente, em função de que alguns elementos biológicos participam do que conceituamos como comportamentos. Hormônios, como a testosterona e o estrogênio, por exemplo. Por outro lado, ambos hormônios estão presentes em corpos que foram designados como machos e fêmeas. Mas também são carregados de sentidos e noções de feminilidade e masculinidade que transbordam (e muito) de características mensuráveis e facilmente delimitadas em modelos científicos.

    Em um volume recente do renomado periódico Cell Press, há um debate intenso exatamente sobre o que define sexo biológico, apontando o quão frágil é usar a noção de ”sexo biológico” como categoria dentro da ciência.

     Ao contrário do imaginário social mais comum, existem muitos modelos que identificam o que é macho e fêmea. E será somente no século XIX que acontecerá uma profissionalização e especialização acerca dos estudos sobre sexo biológico.

    Esses modelos dizem respeito a quais características e elementos biológicos estão sendo levados em conta quando apontamos para alguém e dizemos que é homem ou mulher.

    São inúmeros modelos que se centram ora nas genitálias, ora nos hormônios, hora em genes e cromossomos, ora em características físicas ao longo dos últimos dois séculos. E uma das grandes questões que foram sendo percebidas é que quanto mais se pesquisava e mais se buscava uma definição simples para o que é sexo biológico, menos precisas se torna essa categoria.

    Ou seja, existem sempre exceções às regras dos estudos científicos. Mas nesta busca pela categorização simples e linear, os corpos que não se encaixavam, à revelia da sua qualidade e condição de vida autônoma, funcional e independente, eram tomados como patológicos.

    Há cientistas que, em um debate crescente, vem discutindo outra possibilidade, que vem se fortalecendo!

    Não, o sexo não é binário!

    Durante a formação escolar em ciências e biologia, aprendemos que o corpo humano possui dimorfismo sexual. Isto é, o corpo de machos e fêmeas são diferentes. De um lado, entendemos como corpo masculino aquele que possui cromossomos XY, pênis, testículos, maior produção de pelos, etc. Já do outro lado, temos o corpo feminino, que possui ovários, útero, vagina e seios. Mas será que essa classificação binária é suficiente para descrevermos o corpo humano?

    Em 1993, há 21 anos atrás, foi publicado um importante estudo que já apontava a não adequação da visão binária de sexo biológico. Anne Fausto-Sterling, professora de Biologia e Estudos de Gênero do departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioquímica da Universidade de Brown, vem sendo uma referência em estudos neste âmbito.

    Em seu trabalho intitulado “The Five Sexes: Why Male and Female Are Not Enough” Fausto-Sterling explica a existência de, pelo menos, cinco sexos. Para isso, leva-se em consideração a diversidade de genitálias e combinações de características físicas, fisiológicas, genéticas e características cromossômicas. Na história, conhecemos casos de pessoas XY com características físicas femininas e casos de pessoas XX com características masculinas. Sua pesquisa foi muito importante para demarcar e colocar em xeque a lógica do binarismo sexual.

    O que se define como sexo biológico não é a mera existência de uma ou outra genitália, portanto. Assim, o que delimita o sexo de uma pessoa passa por diversas camadas, sendo a caracterização cromossômica apenas a primeira delas. Os cromossomos vão auxiliar na formação de ovários ou testículos embrionários, mas após isso temos a atuação dos hormônios sexuais fetais, produzidos pela estrutura embrionária formada. Nesse passo os hormônios fetais vão direcionar o desenvolvimento do sexo reprodutivo daquele ser humano em formação, que se completa por volta do quarto mês de gestação.

    É importante destacar que as diferentes camadas de diferenciação não são, necessariamente, binárias e podem, inclusive, ser conflitantes entre si. Como se não bastasse toda a complexidade sexual durante a formação embrionária, também existe a produção de hormônios sexuais na puberdade, o que vai levar à maturação de órgãos sexuais. Por essas razões, entra em debate a existência das pessoas intersexo (cujas características físicas e/ou cromossômicas não se adequam ao padrão masculino/feminino da sociedade).

    Corpos dissidentes e o padrão imposto

    Segundo pesquisa da ONU, entre 0,05% e 1,7% da população mundial seria intersexo. Levando em conta que a população mundial atual é de, aproximadamente, 8,2 bilhões de pessoas, cerca de 41 milhões a 140 milhões de pessoas são intersexo no mundo todo.Para se ter ideia, essa quantidade de pessoas no mundo, equivalem à aproximadamente 70% de toda a população brasileira (203.080.756, censo do IBGE de 2022). Se a quantidade de pessoas intersexo é tão alta, não deveríamos apagar essas pessoas através do binarismo de gênero, impondo como única possibilidade.

    Por falta de leis e políticas públicas que defendam pessoas intersexo, essas pessoas acabam sendo submetidas, em muitos casos, a cirurgias de redesignação sexual. Tal cirurgia é uma suposta correção para adequação ao que se tem como padrão e leva-se em conta a proximidade com uma genitália masculina ou feminina. Esse tipo de procedimento, além de ser violento, tem como pressuposto uma padronização binária, a partir do saber médico e senso comum social. Quando esses corpos ousam existir fora do padrão binário imposto, vemos surgir corpos dissidentes.

    Pessoas trans também possuem corpos dissidentes, já que o padrão é que pessoas sejam cisgêneras (ou seja, se expressem e se comportem dentro dos padrões de gênero designados ao nascer, levando em conta sua genitália). Além disso, a transgeneridade desafia o que é ser homem ou ser mulher, já que são pessoas que possuem corpos lidos como sendo de um gênero, mas são expressos socialmente como sendo de outro. A vivência e existência de corpos que habitam espaços antes dominados, exclusivamente, por pessoas cisgêneras levanta a questão da transfobia e exclusão de pessoas desses espaços.

    A dissidência, portanto, reafirma que padrões sociais foram impostos. Padrões estes que criam regras de existência que marginalizam, oprimem e, também, violentam pessoas. Isso também vale para direitos sociais que parecem básicos e todos têm direito em nosso país, mas não são, como registro civil. Isto é, ter um corpo dissidente, em nosso país (e vários outros), é perder direitos considerados mínimos a qualquer cidadão brasileiro.

    O esporte como espaço de generificação e exclusão de corpos

    O que estamos trazendo aqui não é um trabalho isolado e perdido no meio de consensos científicos binários. Pelo contrário, são trabalhos acadêmicos que vêm apontando o quanto o binarismo, quando se trata de sexo biológico, tem história, viés, perspectiva. Mais do que isso, regulamenta e legitima lugares sociais, patologiza corpos e os tornam marginais em acesso à saúde, dignidade, registros e, também, em condições de, por exemplo, participar de competições esportivas.

    No contexto da valorização da família, da higienização dos corpos e do fortalecimento da raça, ser feminina é ser saudável e bela para cumprir os desígnios de seu sexo: o casamento e a procriação, circunscrevendo suas atribuições majoritariamente ao espaço privado. O temor de que a mulher pudesse romper com algumas barreiras que delimitavam as diferenças culturalmente construídas para cada sexo tornou imperiosa a sua feminização, caso contrário, considerando a lógica binária dos sexos, estaria se virilizando. Consoante esse discurso, a inserção performática das mulheres no esporte era observada como uma forma de masculinizá-la, seja porque alteraria seu corpo, potencializando-o, seja porque interferiria em sua conduta, concedendo ao seu caráter atributos reconhecidos como viris (GOELLNER, 2016).

    Silvana Goellner, professora e pesquisadora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vem debatendo sobre como o esporte é um espaço de legitimação do sexo e gênero, definindo como esta participação se dá.

    É importante trazer à pauta o quanto esta luta de Imane Khelif traz inúmeros preconceitos juntos, dentre eles a reafirmação da feminilidade como traço do que é ser mulher. Imane é uma mulher, cisgênera, que foi fortemente atacada nesta última olimpíadas em Paris (2024) e dentre os ataques, a ideia de perda de feminilidade – ou de masculinização – esteve presente.

    Quando Goellner aponta para o esporte como um campo de generificação de corpos, ela afirma o quanto este é um tipo de prática cultural que recoloca, o tempo inteiro, até onde determinados corpos podem ser definidos como mulheres e, portanto, podem competir sem vantagens injustas.

    O que o esporte faz, constantemente, é dizer que tipo de feminilidade é aceita como natural, mesmo os corpos existindo em sua naturalidade.

    Vantagens injustas

    O que se toma como vantagem injusta, em uma competição, é a quantidade de testosterona – e somente ela – no que diz respeito ao corpo de mulheres cis e trans. Não vamos nos alongar aqui neste tópico, mas apenas fazer uma provocação sobre o quanto a ideia de vantagem diz respeito mais à legitimação constante de gênero, do que efetivamente um ou outro tipo de corpo ter uma suposta vantagem biológica.

    Esportes de alto rendimento se vinculam a corpos extremamente diferentes. Ginastas artísticos possuem baixa estatura, em geral. Já no basquete, os atletas são altos. No levantamento de peso, definitivamente possuem musculatura muito desenvolvida e definida. Já em alguns esportes, como judô, arremesso de peso e outros, apesar da força, não necessariamente temos definição muscular aparente – com corpos que culturalmente chamamos de gordos.

    Existem algumas características físicas que são proporcionadas pela prática esportiva – aumento da massa muscular certamente se inclui nisso. E o treinamento aumenta habilidades dos atletas. Mas existem tipos de corpos, ou características físicas, que são mais condizentes com o tipo de esporte desenvolvido. A altura para a ginástica artística e o basquete são um exemplo disso. Mas não chamamos de vantagem injusta, nem delimitamos tamanhos mínimos e máximos para participar de competições (apesar de ambos estarem fora do padrão de tamanho da maioria das nossas sociedades).

    A biologia, aparentemente, só pode ser vista como vantagem e exaltada se estiver em corpos de homens cisgênero.

    A biomecânica do corpo de Michael Phelps, unida à presença de genes que provocam uma recuperação muscular mais rápida, ou as fibras de contração muscular, que também são características genéticas e melhoram o desempenho de Usain Bolt, aparentemente, podem e devem ser exaltadas como incríveis destes seres humanos.

    Todavia, a testosterona natural no corpo de mulheres será apontado, notificado, calculado, notificado e, se possível, usado para eliminar estas pessoas de competições.

    Discurso de ódio e moralização dos corpos nas redes

    Recentemente, a boxeadora Imane Khelif deu uma entrevista em que disse que ter sido confundida com uma mulher trans, ter sido lida, por conservadores, como homem trouxe vergonha para sua família e mulheres de todo o mundo. Infelizmente, esse tipo de discurso não é surpreendente, levando-se em conta que atos considerados homossexuais são criminalizados na Argélia. A transfobia é um assunto que deve ser tratado com bastante seriedade e combatido em toda sua forma – e não coadunamos, nem deixaríamos de demarcar isto em nosso texto.

    Contudo, cabe ressaltar também o quanto vários discursos transfóbicos contra a boxeadora foram amplamente difundidos nas redes sociais. A repercussão foi aumentada pelo candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo bilionário dono da SpaceX e X, Elon Musk, que se referiram a Khelif no masculino. Além do caso da medalhista olímpica, outras celebridades já utilizaram sua plataforma e voz nas redes sociais para atacar direitos de pessoas trans. Um dos casos recentes mais famosos é o da escritora da franquia Harry Potter, J. K. Rowling, que segue insistindo em seus ataques violentos contra toda a comunidade trans e travesti em suas falas – dentro e fora das redes sociais.

    Este tipo de posicionamento é inadmissível e não há, em nenhum contexto, justificativas para isto. E tomando tudo o que discutimos neste texto, tomar Imane Khelif como homem por julgar seu corpo masculinizado, entra em tantas camadas de crueldade, preconceito e desinformação, que jamais aceitaremos como tranquilo.

    Finalizando

     Infelizmente, este debate não se encerra de maneira simples. A proposta de compreensão de que corpos dissidentes existem e precisam ser reconhecidos como tal ainda está andando em passos lentos em nossa sociedade – e na ciência.

    Contudo, é preciso que consigamos pautar com mais frequência estas questões. A ciência, assim como a divulgação científica têm (ou deveriam ter) uma atuação que possibilitasse vivências com mais dignidade e direitos sociais, a partir de seus estudos.

    Reconhecer a diversidade que existe e é parte de nossa sociedade, nossa biologia enquanto espécie, faz parte dessa atuação, é compromisso diário com a produção de conhecimento e a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e ética.

    Recentemente, em fala na FLIPEI, Rita Segato apontou sobre como nossa sociedade deveria rumar para uma democracia da diversidade, mais do que uma democracia da maioria. E isto implicaria em reconhecer, como espaços de ciência, cultura, sociedade, saúde, educação, a diversidade como premissa de nossa vida. Hoje, encerramos este texto com a esperança de poder contribuir, ainda que minimamente, com este debate público e científico.

     

    A ciência e a divulgação científica que negligenciam a diversidade de corpos, negligenciam direitos humanos e civis básicos.

     

    Para Saber Mais

    ANTISS, L (2023) Sexual Orientation and Gender Identity-Based Asylum Claims in Algeria: Challenges and Implications, Electronic Immigration Network.

    ARCOVERDE, L e SOUZA, S (2024) Quais testes de gênero podem barrar atletas nas Olimpíadas? Nexo Podcast, 01 de Agosto de 2024.

    AZEVEDO, Luis Felipe (2024) ´Homem biológico´e ´trans´: bolsonaristas propagam informação falsa sobre lutadora intersexo que compete em Paris, O Globo

    BBC MUNDO (2024) A polêmica luta de boxe de 46 segundos entre argelina e italiana na Olimpíada, BBC Mundo.

    BBC NEWS BRASIL (2022) Natação barra de competições femininas as atletas trans que passaram por puberdade masculina, BBC News Brasil

    BEZANTS, J (2024) Imane Khelif responds to Donald Trump calling her a man Daily Mail UK.

    CESAR, C (2024) Caso de boxeadora argelina reprovada em teste de gênero provoca onda de desinformação nas redes, Carta Capital

    COI (2018) IOC Gender Equality Review Project, COI

    COI (2024a) Medical Rules for the Olympic Boxing Qualifying Tournaments and the Boxing Competition at the Olympic Games Paris 2024, COI Paris 2024 Boxing Unit

    FAUSTINO, M (2024) Atleta não mudou de sexo para disputar boxe feminino nas Olimpíadas, Aos fatos

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    IG Gente (2024) Boxeadora argelina é trans? Entenda a polêmica que gerou ataques nas Olimpíadas, IG Queer

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    GUIMARÃES, TF (2011) A construção do corpo sexuado: uma reflexãosobre os significados de gênero e de como este se articula com o corpo, Sociais e Humanas, Santa Maria,  v24, n02, jul/dez, p148-16.1

    G1 (2024) Intersexo: entenda o termo que foi pela primeira vez reconhecido em um registro civil no Brasil. G1, 10/03/2024.

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    MANEY, D (2024) Sex contextualism in laboratory research: enhancing rigor and precision in the study of sex-releated variables, CELL PRESS, Volume 187, ISSUE 6, P1343-1346, March 14. 

    ROHDEN, F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher [online], Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, Antropologia & Saúde collection, 224 p

    RUMBSY, B (2024) Not a transgender issue: what you need to know about Imane Khelif at the Olympics, The Telegraph

    UFMG Notícias (2021) História das Olimpíadas é marcada por exclusão de corpos dissidentes, UFMG Notícias Externas, 27 de Julho de 2021.

    VELOCCI, B (2024) The history of sex research: Is sex a usefull category? CELL PRESS, Volume 187, ISSUE 6, P1343-1346, March 14.

    Sobre quem escreveu

    Daniel Santana de Carvalho é mestre e doutor em genética, atualmente trabalha como pós-doc no Laboratório de Botânica (LABOT) da Universidade Federal da Bahia e faz divulgação científica de genética, bioinformática e diversidade na ciência no instagram @cienciaforadoarmario. Nas horas vagas gosta de costurar, ir à praia e receber amigues em casa.

    Ana de Medeiros Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Como citar:  

    Arnt, Ana de Medeiros; Carvalho, Daniel Santana (2025). Então você acha que sexo biológico é binário? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/entao-voce-acha-que-sexo-biologico-e-binario/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Ilustração digital e edição: clorofreela

  • Brasilianização do mundo e precarização do trabalho

    Autoria

    Leonardo Dias Nunes

    Introdução

    Neste artigo, de acordo com a obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização [1], apresentamos de forma sucinta a noção de brasilianização do mundo e sua relação com a precarização das condições de trabalho no capitalismo contemporâneo. Para tanto, dividimos o artigo em duas seções. Na primeira parte, apresentamos a noção de brasilianização do mundo. Na segunda parte, apresentamos o fenômeno da precarização do trabalho enquanto uma das consequências da brasilianização do mundo. Nas considerações finais, consolidamos a relação proposta no artigo e apontamos para a atualidade da obra de Paulo Arantes.

    Brasilianização do mundo

    A obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização, escrita por Paulo Arantes e publicada em 2001, recebeu nova edição neste ano de 2023. A obra é composta por um conjunto de ensaios e, em suas três partes, o autor nos convida a refletir sobre a impossibilidade de superação do subdesenvolvimento e sobre a nova clivagem social existente no capitalismo contemporâneo. Como apresentamos em dois artigos anteriores, na década de 1970, os processos de mundialização do capital e de transnacionalização da classe capitalista trouxeram modificações radicais no funcionamento do sistema capitalista. Uma das consequências dessa nova conjuntura foi a morte do mito de que a sociedade brasileira estava condenada ao progresso. Paulo Arantes argumenta que a destruição desse mito criou em parte da intelectualidade brasileira um sentimento de frustração, pois os seus integrantes eram os técnicos que planejavam e geriam o caminho para o progresso. Na segunda parte do ensaio, Paulo Arantes apresenta a noção de brasilianização do mundo. Para o autor, diante da impossibilidade de difusão do progresso, a atual fase do capitalismo criou uma sociedade em que a) a desigualdade social é tão grande que se assemelha à sociedade de castas; b) há uma dimensão horizontal da guerra de classes na qual o ressentimento é um importante ingrediente; c) os detentores da riqueza vivem entrincheirados. Tais características são a expressão do divórcio ocorrido entre a economia política do livre mercado e a economia moral da civilização burguesa. Elas são mais evidentes nas metrópoles, local onde a simbiose entre riqueza e pobreza se apresenta em cada esquina, em cada viaduto, em cada semáforo. Nesses pontos observamos com facilidade os contrastes de uma cidade cindida [2].

    Precarização do trabalho

    Na terceira parte do ensaio, Paulo Arantes menciona obras de literatura e de cinema para apreender uma característica marcante da sociedade brasileira, qual seja, por aqui a norma é frouxa e, por isso, a infração é feita sem remorso. Tal apreensão foi realizada por meio de cenas selecionadas do filme Cronicamente inviável e do livro Cidade de Deus que mostram a convivência cotidiana entre o legal e o ilegal, entre a ordem e a desordem. A norma frouxa existente nas relações de trabalho criou um trabalhador totalmente flexível que atualmente se difunde para todas as partes do mundo. Na conjuntura histórica em que os postos de trabalho são concentrados nas atividades de trabalhadoras domésticas, motoristas de aplicativo, coaches e freelancers das mais diferentes atividades, a sociedade brasileira se destaca por saber gerir desigualdades e por exportar esse know-how para o mundo. Como sabemos, na economia brasileira há sinal verde para a precarização do trabalho.

    Considerações finais

    O artigo apresentou o argumento de Paulo Arantes de que a precarização do trabalho é um destacado aspecto do processo de brasilianização do mundo. Ressaltamos que a relação entre a brasilianização do mundo e a precarização do trabalho apresentada nesse artigo foi publicada pela primeira vez em 2001. Quando se iniciava o século XXI, antes mesmo de acontecimentos turbulentos que marcaram esse período no Brasil, o autor já apontava para características estruturais da sociedade brasileira difíceis de serem transformadas e para a difusão delas para outras partes do mundo. Por essa razão, e também por outras que não foram apontadas nesse sucinto artigo, a obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização oferece uma profunda reflexão para pensarmos o atual mundo dual, de acentuada desigualdade e violência. Portanto, o mundo da brasilianização.

    Notas

    [1] ARANTES, Paulo Eduardo. A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização. São Paulo: Editora 34, 2023. A versão eletrônica dessa obra pode ser encontrada aqui. Uma resenha dessa obra pode ser lida aqui.

    [2] Sugerimos que a leitora e o leitor desse artigo visitem ao site https://unequalscenes.com/projects, organizado pelo fotógrafo Johnny Miller cujo objetivo é mostrar através de fotos aéreas as linhas de desigualdade inscritas pelo homem em diferentes cidades do mundo.

    Sobre quem escreveu

    Leonardo Dias Nunes, Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2008), mestrado (2012) e doutorado (2018) na área de História Econômica do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

    Como citar:  

    Nunes, Leonardo Dias. Brasilianização do mundo e precarização do trabalho. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/brasilianizacao-do-mundo-e-precarizacao-do-trabalho/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

     A foto que ilustra este artigo é do fotógrafo Johnny Miller, encontra-se no site unequalscenes.com e mostra a vista aérea do Jurujuba Iate Clube e de uma tradicional colônia de pescadores na cidade de Niterói.

    Edição: clorofreela

  • Space Economy

    Autoria

    Leonardo Dias Nunes

    Introdução

    Realizaremos uma introdução à space economy nos artigos que serão publicados este ano no Blog Sobre Economia. Iniciaremos essa introdução tomando como base o livro Space Economy, escrito pela astrofísica italiana Simonetta Di Pippo [1]. O tema foi escolhido devido ao destaque que essa indústria vem recebendo na mídia e por ser a fonte de inúmeras reflexões, especulações e promessas de novas formas de desenvolvimento capitalista.

    As possíveis transformações econômicas e sociais advindas das tecnologias mais complexas são sempre um material rico para a criação de tendências, perspectivas e ficções. Analistas dessa matéria mostram como é grande a capacidade do homem de se maravilhar com os avanços tecnológicos sem dar maior atenção à análise da sociedade em que tais avanços são observados [2].

    A internet, a inteligência artificial e a conquista do espaço pelo homem são avanços tecnológicos transformadores, sem dúvida. Por isso, muitas vezes, esses avanços foram e continuam sendo apontados como um remédio milagroso que resolverá todos os problemas da humanidade. Será que resolverão? Antes de tentar responder a esse questionamento, buscaremos dimensionar a space economy para compreendê-la de forma introdutória. Posteriormente, teremos condições de fazer uma análise das promessas de transformações econômicas e sociais que são difundidas com base nessa indústria que cresce vertiginosamente.

    Assim, para iniciar essa série de artigos, o primeiro foi dividido em duas partes. Na primeira, serão apresentadas as dimensões econômicas da space economy. Na segunda, será apontada uma característica diferenciadora da atual space economy e a relação desse setor com a transformação digital.

     

     

    As dimensões da space economy

    No livro Space Economy, publicado no ano de 2023, Simonetta Di Pippo defende que esse setor será o fundamento de um novo boom no desenvolvimento da economia global e sua democratização irá melhorar as condições de vida no Planeta Terra.

    Sem dúvida, a space economy utiliza as tecnologias mais avançadas produzidas pelo homem e nela há uma conjunção de setores de alta complexidade, fazendo dela um imenso centro de atração de investimentos. De acordo com os argumentos da autora, com o desenvolvimento desse setor, a espécie humana poderá se transformar em uma espécie multiplanetária que extrairá minerais da Lua, desenvolvendo uma economia lunar. Consequentemente, tais transformações terão efeitos positivos para a economia capitalista global.

    Fundamentada no Space Report publicado em 2021 [3], Di Pippo afirma que a space economy estava dimensionada em 428 bilhões de dólares em 2019, 447 bilhões de dólares em 2020 e 469 bilhões de dólares em 2021.

    Já de acordo com os dados da The Satellite Industry Association [4], a space economy valia 371 bilhões de dólares em 2020. As diferenças entre as estimativas apresentadas pela autora ocorrem devido às distintas metodologias de mensuração utilizadas pelas instituições de pesquisa.

    Deve ser ressaltado que o setor cresceu de forma considerável. Ao utilizar mais uma vez os dados presentes no relatório da Space Report de 2021, observa-se um crescimento de 176% da space economy entre 2005 e 2020. Adicionalmente, as projeções presentes no Space Economy Report elaborado pela Euroconsult apontam para um crescimento de 74% do setor até 2030, atingindo assim o valor de 642 bilhões de dólares [5]. Por fim, o Bank of America estima que o setor valerá 1,4 trilhões de dólares em 2030, cifra similar ao valor global da economia do turismo.

     

     

    New space economy e a transformação digital

     

     

    New space economy

    Simonetta Di Pippo afirma que a old space economy tinha suas atividades desenvolvidas por instituições de pesquisa governamentais, como a NASA (National Aeronautics and Space Administration) nos Estados Unidos. Já a new space economy tem Elon Musk e Jeff Bezos como os principais representantes de uma indústria que está repensando a forma de fazer negócios. Atualmente, a new space economy está atraindo cada vez mais investimentos devido à diminuição das barreiras à entrada e ao aumento das práticas empreendedoras das áreas relacionadas e não relacionadas a esse setor.

    Esses empreendedores possuem grandes ambições, quais sejam, realizar viagens para qualquer parte do Planeta Terra em menos de uma hora, realizar o turismo espacial e transformar os seres humanos em uma espécie multiplanetária [6]. Esses projetos são o prelúdio de um novo estilo de vida no Planeta Terra.

     

     

    Transformação digital

    Simoneta Di Pippo afirma que a space economy está diretamente relacionada com a transformação digital que ocorre em todas as partes do mundo. De acordo com os dados do ano de 2021, 63% da população mundial tinha acesso à internet. Dos 37% que não tinham acesso, 96% viviam nos chamados países em desenvolvimento.

    De acordo com o The Age of Digital Interdependence [7], existe o objetivo de alcançar a conectividade completa para todos os adultos do mundo em 2030. A conexão total levará a internet para regiões remotas, possibilitará o desenvolvimento de sistemas de utilização mais fácil e aprimorará serviços financeiros e de saúde. Para alcançar esses objetivos, Di Pippo argumenta que a space economy oferece soluções com as mega constelações de satélites, definidas como “(…) um conjunto de satélites que são utilizados de forma coordenada em órbita”.

    As mega constelações de satélites auxiliarão na implementação da conectividade de todos os humanos adultos à internet e no funcionamento dos sistemas autônomos. Além de todos esses desenvolvimentos que a space economy pode gerar, a autora também aponta para os futuros desenvolvimentos relacionados ao mercado lunar, quais sejam, comunicação extraterrestre, assentamentos humanos na Lua, comunicação e infraestrutura de navegação lunar.

     

     

    Considerações finais

    Nesse artigo, apresentamos de forma sucinta as dimensões da space economy, as novas características desse setor em relação à segunda metade do século XX e sua estreita conexão com a transformação digital. Para concluir, destacamos o otimismo apresentado pela autora em relação ao progresso que a space economy poderá induzir na economia global. Será que já existem críticas às promessas de desenvolvimento capitalista orientadas pela space economy? Essas críticas e outros temas presentes no livro escrito por Simonetta Di Pippo serão explorados nos próximos artigos.

     

    Notas

    [1] DI PIPPO, S. Space economy: the new frontier for development. Milano: Bocconi University Press, 2023. Informações adicionais da autora podem ser encontradas aqui. [2] Sobre essa discussão, ver: PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. v. I. [3] Os dados apresentados nessa seção foram citados pela autora no capítulo intitulado Definition and size of the space economy. [4] O relatório da Satellite Industry Association de 2021 pode ser acessado aqui. [5] O Euroconsult Space Report pode ser acessado aqui. [6] Um vídeo explicativo sobre esse tipo de viagem pode ser encontrado aqui. [7] O relatório The Age of Digital Interdependance pode ser acessado aqui.

    Sobre quem escreveu

    Leonardo Dias Nunes, Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2008), mestrado (2012) e doutorado (2018) na área de História Econômica do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. 

    Como citar:  

    NUNES, Leonardo Dias. (2024). Space Economy. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/space-economy/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Foguete futurista e ultrarealista gerado pelo Midjourney 5.2, disponibilizado no Freepik (original) e expansão generativa Adobe Photoshop

    Moedas: Elementos Canva Pro

    Edição: clorofreela

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