Dia: 2 de maio de 2024

  • Space Economy

    Autoria

    Leonardo Dias Nunes

    Introdução

    Realizaremos uma introdução à space economy nos artigos que serão publicados este ano no Blog Sobre Economia. Iniciaremos essa introdução tomando como base o livro Space Economy, escrito pela astrofísica italiana Simonetta Di Pippo [1]. O tema foi escolhido devido ao destaque que essa indústria vem recebendo na mídia e por ser a fonte de inúmeras reflexões, especulações e promessas de novas formas de desenvolvimento capitalista.

    As possíveis transformações econômicas e sociais advindas das tecnologias mais complexas são sempre um material rico para a criação de tendências, perspectivas e ficções. Analistas dessa matéria mostram como é grande a capacidade do homem de se maravilhar com os avanços tecnológicos sem dar maior atenção à análise da sociedade em que tais avanços são observados [2].

    A internet, a inteligência artificial e a conquista do espaço pelo homem são avanços tecnológicos transformadores, sem dúvida. Por isso, muitas vezes, esses avanços foram e continuam sendo apontados como um remédio milagroso que resolverá todos os problemas da humanidade. Será que resolverão? Antes de tentar responder a esse questionamento, buscaremos dimensionar a space economy para compreendê-la de forma introdutória. Posteriormente, teremos condições de fazer uma análise das promessas de transformações econômicas e sociais que são difundidas com base nessa indústria que cresce vertiginosamente.

    Assim, para iniciar essa série de artigos, o primeiro foi dividido em duas partes. Na primeira, serão apresentadas as dimensões econômicas da space economy. Na segunda, será apontada uma característica diferenciadora da atual space economy e a relação desse setor com a transformação digital.

     

     

    As dimensões da space economy

    No livro Space Economy, publicado no ano de 2023, Simonetta Di Pippo defende que esse setor será o fundamento de um novo boom no desenvolvimento da economia global e sua democratização irá melhorar as condições de vida no Planeta Terra.

    Sem dúvida, a space economy utiliza as tecnologias mais avançadas produzidas pelo homem e nela há uma conjunção de setores de alta complexidade, fazendo dela um imenso centro de atração de investimentos. De acordo com os argumentos da autora, com o desenvolvimento desse setor, a espécie humana poderá se transformar em uma espécie multiplanetária que extrairá minerais da Lua, desenvolvendo uma economia lunar. Consequentemente, tais transformações terão efeitos positivos para a economia capitalista global.

    Fundamentada no Space Report publicado em 2021 [3], Di Pippo afirma que a space economy estava dimensionada em 428 bilhões de dólares em 2019, 447 bilhões de dólares em 2020 e 469 bilhões de dólares em 2021.

    Já de acordo com os dados da The Satellite Industry Association [4], a space economy valia 371 bilhões de dólares em 2020. As diferenças entre as estimativas apresentadas pela autora ocorrem devido às distintas metodologias de mensuração utilizadas pelas instituições de pesquisa.

    Deve ser ressaltado que o setor cresceu de forma considerável. Ao utilizar mais uma vez os dados presentes no relatório da Space Report de 2021, observa-se um crescimento de 176% da space economy entre 2005 e 2020. Adicionalmente, as projeções presentes no Space Economy Report elaborado pela Euroconsult apontam para um crescimento de 74% do setor até 2030, atingindo assim o valor de 642 bilhões de dólares [5]. Por fim, o Bank of America estima que o setor valerá 1,4 trilhões de dólares em 2030, cifra similar ao valor global da economia do turismo.

     

     

    New space economy e a transformação digital

     

     

    New space economy

    Simonetta Di Pippo afirma que a old space economy tinha suas atividades desenvolvidas por instituições de pesquisa governamentais, como a NASA (National Aeronautics and Space Administration) nos Estados Unidos. Já a new space economy tem Elon Musk e Jeff Bezos como os principais representantes de uma indústria que está repensando a forma de fazer negócios. Atualmente, a new space economy está atraindo cada vez mais investimentos devido à diminuição das barreiras à entrada e ao aumento das práticas empreendedoras das áreas relacionadas e não relacionadas a esse setor.

    Esses empreendedores possuem grandes ambições, quais sejam, realizar viagens para qualquer parte do Planeta Terra em menos de uma hora, realizar o turismo espacial e transformar os seres humanos em uma espécie multiplanetária [6]. Esses projetos são o prelúdio de um novo estilo de vida no Planeta Terra.

     

     

    Transformação digital

    Simoneta Di Pippo afirma que a space economy está diretamente relacionada com a transformação digital que ocorre em todas as partes do mundo. De acordo com os dados do ano de 2021, 63% da população mundial tinha acesso à internet. Dos 37% que não tinham acesso, 96% viviam nos chamados países em desenvolvimento.

    De acordo com o The Age of Digital Interdependence [7], existe o objetivo de alcançar a conectividade completa para todos os adultos do mundo em 2030. A conexão total levará a internet para regiões remotas, possibilitará o desenvolvimento de sistemas de utilização mais fácil e aprimorará serviços financeiros e de saúde. Para alcançar esses objetivos, Di Pippo argumenta que a space economy oferece soluções com as mega constelações de satélites, definidas como “(…) um conjunto de satélites que são utilizados de forma coordenada em órbita”.

    As mega constelações de satélites auxiliarão na implementação da conectividade de todos os humanos adultos à internet e no funcionamento dos sistemas autônomos. Além de todos esses desenvolvimentos que a space economy pode gerar, a autora também aponta para os futuros desenvolvimentos relacionados ao mercado lunar, quais sejam, comunicação extraterrestre, assentamentos humanos na Lua, comunicação e infraestrutura de navegação lunar.

     

     

    Considerações finais

    Nesse artigo, apresentamos de forma sucinta as dimensões da space economy, as novas características desse setor em relação à segunda metade do século XX e sua estreita conexão com a transformação digital. Para concluir, destacamos o otimismo apresentado pela autora em relação ao progresso que a space economy poderá induzir na economia global. Será que já existem críticas às promessas de desenvolvimento capitalista orientadas pela space economy? Essas críticas e outros temas presentes no livro escrito por Simonetta Di Pippo serão explorados nos próximos artigos.

     

    Notas

    [1] DI PIPPO, S. Space economy: the new frontier for development. Milano: Bocconi University Press, 2023. Informações adicionais da autora podem ser encontradas aqui. [2] Sobre essa discussão, ver: PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. v. I. [3] Os dados apresentados nessa seção foram citados pela autora no capítulo intitulado Definition and size of the space economy. [4] O relatório da Satellite Industry Association de 2021 pode ser acessado aqui. [5] O Euroconsult Space Report pode ser acessado aqui. [6] Um vídeo explicativo sobre esse tipo de viagem pode ser encontrado aqui. [7] O relatório The Age of Digital Interdependance pode ser acessado aqui.

    Sobre quem escreveu

    Leonardo Dias Nunes, Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2008), mestrado (2012) e doutorado (2018) na área de História Econômica do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. 

    Como citar:  

    NUNES, Leonardo Dias. (2024). Space Economy. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/space-economy/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Foguete futurista e ultrarealista gerado pelo Midjourney 5.2, disponibilizado no Freepik (original) e expansão generativa Adobe Photoshop

    Moedas: Elementos Canva Pro

    Edição: clorofreela

  • Brasilianização do mundo e precarização do trabalho

    Autoria

    Leonardo Dias Nunes

    Introdução

    Neste artigo, de acordo com a obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização [1], apresentamos de forma sucinta a noção de brasilianização do mundo e sua relação com a precarização das condições de trabalho no capitalismo contemporâneo. Para tanto, dividimos o artigo em duas seções. Na primeira parte, apresentamos a noção de brasilianização do mundo. Na segunda parte, apresentamos o fenômeno da precarização do trabalho enquanto uma das consequências da brasilianização do mundo. Nas considerações finais, consolidamos a relação proposta no artigo e apontamos para a atualidade da obra de Paulo Arantes.

    Brasilianização do mundo

    A obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização, escrita por Paulo Arantes e publicada em 2001, recebeu nova edição neste ano de 2023. A obra é composta por um conjunto de ensaios e, em suas três partes, o autor nos convida a refletir sobre a impossibilidade de superação do subdesenvolvimento e sobre a nova clivagem social existente no capitalismo contemporâneo. Como apresentamos em dois artigos anteriores, na década de 1970, os processos de mundialização do capital e de transnacionalização da classe capitalista trouxeram modificações radicais no funcionamento do sistema capitalista. Uma das consequências dessa nova conjuntura foi a morte do mito de que a sociedade brasileira estava condenada ao progresso. Paulo Arantes argumenta que a destruição desse mito criou em parte da intelectualidade brasileira um sentimento de frustração, pois os seus integrantes eram os técnicos que planejavam e geriam o caminho para o progresso. Na segunda parte do ensaio, Paulo Arantes apresenta a noção de brasilianização do mundo. Para o autor, diante da impossibilidade de difusão do progresso, a atual fase do capitalismo criou uma sociedade em que a) a desigualdade social é tão grande que se assemelha à sociedade de castas; b) há uma dimensão horizontal da guerra de classes na qual o ressentimento é um importante ingrediente; c) os detentores da riqueza vivem entrincheirados. Tais características são a expressão do divórcio ocorrido entre a economia política do livre mercado e a economia moral da civilização burguesa. Elas são mais evidentes nas metrópoles, local onde a simbiose entre riqueza e pobreza se apresenta em cada esquina, em cada viaduto, em cada semáforo. Nesses pontos observamos com facilidade os contrastes de uma cidade cindida [2].

    Precarização do trabalho

    Na terceira parte do ensaio, Paulo Arantes menciona obras de literatura e de cinema para apreender uma característica marcante da sociedade brasileira, qual seja, por aqui a norma é frouxa e, por isso, a infração é feita sem remorso. Tal apreensão foi realizada por meio de cenas selecionadas do filme Cronicamente inviável e do livro Cidade de Deus que mostram a convivência cotidiana entre o legal e o ilegal, entre a ordem e a desordem. A norma frouxa existente nas relações de trabalho criou um trabalhador totalmente flexível que atualmente se difunde para todas as partes do mundo. Na conjuntura histórica em que os postos de trabalho são concentrados nas atividades de trabalhadoras domésticas, motoristas de aplicativo, coaches e freelancers das mais diferentes atividades, a sociedade brasileira se destaca por saber gerir desigualdades e por exportar esse know-how para o mundo. Como sabemos, na economia brasileira há sinal verde para a precarização do trabalho.

    Considerações finais

    O artigo apresentou o argumento de Paulo Arantes de que a precarização do trabalho é um destacado aspecto do processo de brasilianização do mundo. Ressaltamos que a relação entre a brasilianização do mundo e a precarização do trabalho apresentada nesse artigo foi publicada pela primeira vez em 2001. Quando se iniciava o século XXI, antes mesmo de acontecimentos turbulentos que marcaram esse período no Brasil, o autor já apontava para características estruturais da sociedade brasileira difíceis de serem transformadas e para a difusão delas para outras partes do mundo. Por essa razão, e também por outras que não foram apontadas nesse sucinto artigo, a obra A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização oferece uma profunda reflexão para pensarmos o atual mundo dual, de acentuada desigualdade e violência. Portanto, o mundo da brasilianização.

    Notas

    [1] ARANTES, Paulo Eduardo. A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização. São Paulo: Editora 34, 2023. A versão eletrônica dessa obra pode ser encontrada aqui. Uma resenha dessa obra pode ser lida aqui.

    [2] Sugerimos que a leitora e o leitor desse artigo visitem ao site https://unequalscenes.com/projects, organizado pelo fotógrafo Johnny Miller cujo objetivo é mostrar através de fotos aéreas as linhas de desigualdade inscritas pelo homem em diferentes cidades do mundo.

    Sobre quem escreveu

    Leonardo Dias Nunes, Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2008), mestrado (2012) e doutorado (2018) na área de História Econômica do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

    Como citar:  

    Nunes, Leonardo Dias. Brasilianização do mundo e precarização do trabalho. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/brasilianizacao-do-mundo-e-precarizacao-do-trabalho/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

     A foto que ilustra este artigo é do fotógrafo Johnny Miller, encontra-se no site unequalscenes.com e mostra a vista aérea do Jurujuba Iate Clube e de uma tradicional colônia de pescadores na cidade de Niterói.

    Edição: clorofreela

  • Febre do Oropouche: Um Alerta Científico para a Região Norte do Brasil

    Autoria

    Mariene Amorim

    Aumento de casos de febre do Oropouche na região Norte

    O Brasil sofre com doenças causadas pelos arbovírus, que são vírus transmitidos por artrópodes, como os mosquitos. Caso exista alguma dúvida: de fato, estamos vivendo uma epidemia de Dengue, com incidência cerca de 2x maior que a observada no ano passado (Informe semanal de arboviroses). Outros arbovírus conhecidos são o Zika, Chikungunya e Febre Amarela. Mas hoje nós vamos falar sobre um vírus descoberto há mais de 60 anos, que causa doença em humanos, principalmente na região Amazônica. Dessa forma, esse é mais um vírus que causa uma doença que faz parte das chamadas “doenças tropicais negligenciadas”.

    Recentemente, em 2023, casos de uma doença de caráter febril transmitida por artrópodes têm sido diagnosticados nos estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre. 

    Trata-se da febre do Oropouche, já ouviu falar?

    Se você é da região norte do Brasil, provavelmente sim.

    Esse último surto, o qual ainda está acontecendo, já contabilizou mais de 2.000 casos. Até o dia 6 de março, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) contabilizou 1.821 casos no Amazonas, 172 em Rondônia, 51 no Acre e 12 em Roraima. A prefeitura de Manaus reportou 829 casos confirmados por critério laboratorial até o dia 2 de março de 2024 e o óbito de uma jovem, que apresentou infecção pelo vírus Oropouche (OROV) e que também estava com covid-19.

    Aqui vale ressaltar: a emergência e reemergência de arboviroses não é trivial. Dessa forma, serve de alerta para as intervenções humanas sobre o meio ambiente. Assim como para o descuido, carência em diagnóstico e a negligência em se entender o real impacto de muitas doenças tropicais.

    Entre o início de janeiro de 2024 e o dia 09 de abril de 2024 foram identificados 3.324 casos, divididos entre os estados da região Norte Amazonas (2.575),  Rondônia (592), Acre (110), Roraima (18), Pará (29). Um aumento de 400% em relação a 2023.

    Oropouche, que vírus é esse?

    Para entender a composição de um vírus, talvez seja importante entender que ele é divido em duas partes: o envelope e a partícula viral. No Oropouche o envelope é lipoproteico. Isto é, a parte de fora do vírus é uma camada composta por gordura (“lipo”) e proteínas (“proteico”).

    Já a partícula viral,  seu material genético, é de RNA de fita simples, dividido em três fragmentos: um pequeno (S), um médio (M) e um mais longo (L). A partícula possui glicoproteínas em sua superfície, e uma enzima responsável pela replicação viral, uma RNA polimerase RNA dependente (RdRp). Ou seja, uma enzima capaz de fazer molécula de RNA usando como molde uma outra molécula de RNA (Figura 1).

    Este vírus pertence à família Peribunyaviridae, junto com outros vírus causadores de doenças em seres humanos e animais. Foi descoberto em 1955, em um paciente febril na vila Vega de Oropouche em Trindade e Tobago. Desde então, já foram identificados surtos em países como Brasil, Peru, Colômbia, Guiana Francesa e Panama. Mais de 500 mil casos da doença foram reportados anteriormente. 

    Figura 1. Febre do Oropouche: partícula viral e sintomas comuns. S = fragmento pequeno, do inglês small; M = fragmento médio, L = fragmento longo; RdRp = RNA polimerase RNA dependente.

    É um número bem alto para uma doença infecciosa pouco conhecida, não acham? E não para por aí… 

    Estudos de vigilância imunológica, que avaliam a presença de anticorpos no sangue das pessoas indicando que houve uma infecção prévia, apontam que muitos outros casos podem ter passado despercebidos, sem diagnóstico, ao longo dos anos. Por exemplo, algumas regiões na Amazônia indicam uma alta soroprevalência (proporção de pessoas em uma população que têm anticorpos específicos em seu sangue, em um determinado momento), com até 50% das pessoas tendo anticorpos para Oropouche, indicando uma resposta à exposição prévia ao agente infeccioso.

    Características da Febre do Oropouche

    A doença, conhecida como febre do Oropouche, tem um período de incubação de 4 a 8 dias. Ou seja, desde a transmissão até o aparecimento dos sintomas. Os sintomas mais comuns são febre em torno de 39॰C, dores musculares (mialgia), dores nas articulações (artralgia), calafrios, náuseas, vômito e tontura.

    Além disso, algumas pessoas podem apresentar uma condição denominada fotofobia, que é quando os olhos se tornam muito sensíveis à luz, causando desconforto. Mas, também podem aparecer dor na região dos olhos, anorexia e fraqueza.

    Os sintomas duram em torno de 7 dias, sendo que aproximadamente 60% das pessoas podem apresentar recidiva (reaparecimento dos sintomas após um período de remissão ou recuperação) cerca de duas semanas depois, os quais podem voltar mais severos. Isto é, os sintomas podem voltar a aparecer como consequência desta infecção, não se configurando em uma nova infecção.

    Sintomas menos frequentes

    Sintomas menos frequentes descritos na literatura incluem fenômenos hemorrágicos como sangramento gengival e aparecimento de manchas vermelhas na pele, período menstrual intenso ou prolongado (menorragia) e aborto espontâneo.

    Por fim, o Oropouche é capaz de causar infecção no sistema nervoso central, como observado em surtos anteriores, com evidências também levantadas em estudos realizados em laboratório. Dessa forma, é importante ficar atento às dores de cabeça intensas. Este sintoma em particular torna-se relevante, uma vez que pode preceder o desenvolvimento de meningite asséptica ou viral. Assim, neste caso, os sintomas incluem rigidez no pescoço, tonturas, náuseas, vômitos, letargia, visão dupla (diplopia) e um movimento involuntário e repetitivo dos olhos (nistagmo), que podem persistir por até duas semanas.

    Apesar desta lista longa de sintomas (e alguns bem graves), a febre do oropouche pode ser tratada, sem deixar sequelas. Destacamos, nesse sentido, a importância da realização do diagnóstico e acompanhamento médico.

    Esse vírus tem grande potencial de disseminação?

    Primeiramente, vamos observar os dois ciclos de transmissão do vírus, como mostrado na figura 2. O Oropouche circula em regiões de floresta (ciclo silvestre), podendo infectar animais silvestres como preguiças, primatas não-humanos, pequenos roedores e pássaros. Os vetores do vírus, ou seja, os responsáveis por transmitir a doença, são mosquitos, que ainda são pouco estudados pela ciência.

    Além disso, o Oropouche também circula em áreas urbanas (ciclo urbano) em seres humanos, transmitido pela picada de pequenas moscas hematófagas, também conhecidas como maruim ou mosquito-pólvora. A espécie Culicoides paraensis, encontrada principalmente na região Norte do Brasil, é apontada como vetor principal (Figura 2). Os seres humanos, ao adentrar as florestas, podem contrair o vírus e levar para a área urbana, funcionando como uma “ponte” entre os dois ciclos (Figura 2).

    Figura 2. Os ciclos silvestre e urbano do vírus Oropouche.

    Figura 2. Culicoides paraensis, o maruim ou mosquito-pólvora. Créditos da imagem: Maria Luiza Felippe-Bauer, Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

    Figura 3. Culicoides paraensis, o maruim ou mosquito-pólvora. Créditos da imagem: Maria Luiza Felippe-Bauer, Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

    Sempre é relevante lembrar que as alterações severas no ambiente são parte do aumento de doenças como esta!

    Como as intervenções humanas sobre as florestas e vida silvestre tem se intensificado ao longo dos anos, as chances de aparecerem novos surtos também aumentaram. De fato, estudos apontam para um aumento do número de casos de Oropouche em regiões impactadas por queimadas e outras atividades que promovem o desmatamento.

    Agora temos um segundo ponto: os vetores. Além disso, sobre o C. paraensis já foi demonstrado que mosquitos mais comuns, como a espécie Culex quinquefasciatus (a famosa e insolente muriçoca), encontrada em diversas regiões do Brasil, nas Américas, entre outros continentes, também é um vetor potencial do vírus.

    Ou seja, precisamos ficar atentos, não é mesmo?

    Afinal, a diversidade de vetores pode favorecer a circulação do vírus além da região Amazônica. E casos de Oropouche já foram identificados em outros locais, como São Paulo, Bahia, Curitiba e mais recentemente no Rio de Janeiro, oriundos de viajantes que estiveram na região Norte. 

    Os rearranjos dos genomas e a variabilidade genética

    O universo dos vírus, assim como a sua história, é algo intrigante! E já sabemos o quanto é importante estudar a sua estrutura submicroscópica. Pesquisadores em Manaus conseguiram identificar uma particularidade no genoma do vírus Oropouche que está causando o surto atual.

    O que seria?

    Veja bem, depois da pandemia da covid-19, ficou claro que precisamos de uma vigilância genômica atrelada à vigilância epidemiológica, para acompanhar variações nos genomas virais que podem favorecer sua disseminação. E o que foi observado em amostras de Oropouche do surto atual foi uma variação genética em que houve um rearranjo dos segmentos virais, fenômeno conhecido como “rearranjo gênico”, do inglês reassortment

    Esse fenômeno pode acontecer entre vírus de genoma segmentado, em que duas partículas da mesma espécie, porém com algumas diferenças genéticas, infectam a mesma célula. Nesses casos, ocorre um rearranjo dos segmentos no momento da produção de novos vírus. Isso resulta na geração de descendentes virais híbridos, com uma combinação única de características genéticas (Figura 4).

    Figura 4. Rearranjo genético, ou reassortment. 

    É importante saber que isso pode ter um impacto no surgimento de novos surtos.

    Os vírus Influenza A, por exemplo, também são segmentados, podendo ocorrer rearranjo entre duas variantes, o que confere variabilidade genética. Esse evento é chave para o surgimento de novos vírus Influenza A causadores de grandes pandemias. 

    E o que sabemos sobre o aumento da variabilidade genética no contexto dos vírus?

    Sabemos que isso pode ocasionar alguns benefícios para o vírus, entre eles escape da resposta imunológica, ou até mesmo uma melhor adaptação a vetores, o que também é algo preocupante e precisa ser investigado!

    Mas esse assunto vai ficar para o nosso próximo texto!

    Sendo assim, vamos ficar alerta a emergência e reemergência das arboviroses, que são muitas. Você já conhecia a febre do Oropouche?

    Para mais informações

    Chiang, JO et al (2021) Neurological disease caused by Oropouche virus in northern Brazil: should it be included in the scope of clinical neurological diseases? Journal of NeuralVirology, v 27, p. 626–630.

    Naveca, FG et al (2024) Emergence of a novel reassortant Oropouche virus drives persistent outbreaks in the Brazilian Amazon region from 2022 to 2024. Virological

    Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde. Atualização Epidemiológica: Oropouche na Região das Américas, 6 de março de 2024. Washington, D.C.: OPAS/OMS; 2024.

    Romero-Alvarez, D & Escobar, LE (2017) Vegetation loss and the 2016 Oropouche fever outbreak in Peru Mem Inst Oswaldo Cruz, v112, n4, p 292-298. 

    ___ Oropouche fever, an emergent disease from the Americas Microbes and Infection, v20, n3, p135-146.

    Secretaria Municipal de Saúde (Semsa Manaus) (2024) Boletim Arboviroses 2024. Semsa.Wesselmann, KM et al (2024) Emergence of Oropouche fever in Latin America: a narrative review, Lancet Infectious Disease, p1-14.

    Bonora Junior, M (2023) O que é Dengue?, Blogs de Ciência da Unicamp, EMRC.

    Sobre quem escreveu

    Mariene Amorim Natural de Salvador, Bahia, e biomédica formada pela Universidade Tiradentes – Aracaju, Sergipe. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, na área de Virologia. Trabalha com vírus emergentes desde 2015. Atualmente é doutoranda em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, e participa de um estudo genômico-epidemiológico e de multi ômicas do novo coronavírus (SARS-CoV-2), a fim de acompanhar a evolução molecular do vírus, entender o desenvolvimento da COVID-19 e acompanhar o avanço da pandemia na cidade de Campinas e região metropolitana. Mariene também é membro da Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp.

    Como citar:  

    Amorim, Mariene. (2024). Febre do Oropouche: Um Alerta Científico para a Região Norte do Brasil. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/febre-do-oropouche-um-alerta-cientifico-para-a-regiao-norte-do-brasil/. Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Reprodução de figura integrante da tese: Fauna de Culicoides (Diptera: Ceratopogonidae) do estado de Rondônia, Brasil / Luis Paulo Costa de Carvalho. — Manaus: [s.n.], 2016.

    Edição: clorofreela

  • Nyad reflete a bravura de uma nadadora na implacável travessia pelo Atlântico Norte

    Autoria

    Juliana Di Beo

    As estrelas estavam alinhadas a seu favor  para cruzar o Estreito da Flórida. A corrente do Golfo foi “minha amiga”, disse Diana Nyad, “desta vez tive sorte”. Nyad aos 64 anos se tornou a primeira pessoa a cruzar a nado os 166 km entre Cuba e Flórida sem uma jaula protetora contra tubarões. Em 2023, sua façanha foi adaptada em um live-action de tirar o fôlego que teve seu roteiro baseado na autobiografia de Nyad, “Find a Way”.

    O filme narra a saga desta nadadora destemida em duas horas de cenas emocionantes, que mostram a incansável e resistente Diana Nyad, um esforço sobrehumano. Ultrapassar limites, colocar sua vida a todo o tipo de risco que o oceano abarca, de vespas do mar, caravelas portuguesas e tubarões, até correntes marinhas e tempestades em alto mar para superar condições extremas para o corpo humano, por impensáveis 52 horas de travessia.

    Mas Nyad, de tanta persistência, preparou seu corpo para as adversidades do mar em um processo de aclimatação e para além dele, um preparo mental que levou trinta anos. Para marcar a passagem do tempo, a super atleta decorou uma playlist com mais de 85 canções, tendo o guitarrista canadense Neil Young como seu preferido e a frase da poeta estadunidense Mary Oliver como inspiração para sua persistência:

    “Me diga, o que você está planejando fazer com esta sua vida preciosa e selvagem?”.

    A força do oceano, a força humana 

    Toda a tensão dramática deste filme se passa no oceano em contato íntimo com a água, de tal forma que se pode experimentar o barulho das ondas e até o sabor salgado das águas. A fotografia do filme também impressiona por representar cenas em larga escala mostrando o ambiente marinho com sua profundidade e vastidão e ao mesmo tempo que mostra o íntimo da protagonista trazendo o espectador para perto da luta travada entre Nyad e o mar.

    Nyad concorreu ao Oscar 2024 pelas interpretações de Annette Bening e Jodie Foster – Imagem: Netflix

    O oceano é colocado em um lugar simbólico por onde mergulhamos junto com Nyad em seu destemido destino dual, por um lado desconhecido e perigoso, entendendo que o oceano não é apenas um local onde se faz uma travessia. Mas uma grande massa de água viva pulsante, que precisa ser respeitada e compreendida, pois pertence aos seres marinhos que ali habitam e que podem ser mortais para seres humanos. E por outro lado, conhecido e previsível, através dos conhecimentos que Nyad obteve enquanto nadadora e a expertise e persistência dos membros de sua equipe, sem a qual o feito seria impossível.

    São muitas as mensagens que podemos filtrar dessa longa travessia de Diana Nyad que deixaram certamente muitos espectadores emocionados pela forma como a atleta encara sua vida e seus sonhos. O filme traz os desafios da idade que podem ser superados com uma boa dose de determinação e uma rede de apoio, os conhecimentos e a tecnologia que permitem superar as difíceis condições marítimas e marinhas. 

    A cena de chegada de Nyad retrata o momento mais esperado do filme ao revelar que até em uma situação de extremo esgotamento físico, a nadadora encontra forças para seu discurso de vitória. Diana segue surpreendendo fora das telas, com palestras motivacionais e em um outro esporte, o tênis, com o qual conquistou em janeiro deste ano, com sua treinadora e amiga Bonnie, a taça Los Angeles Tennis Club over 65 Silver Fox.

    Parceria:

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo: sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Di Beo, Juliana. (2024). Nyad reflete a bravura de uma nadadora na implacável travessia pelo Atlântico Norte. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/nyad-reflete-a-bravura-de-uma-nadadora-na-implacavel-travessia-pelo-atlantico-norte/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Divulgação Netflix

    Edição: clorofreela

  • O bem-estar do povo brasileiro e o êxito econômico dependem da conservação do oceano

    Qual a importância da conservação marinha para o Brasil e seu desenvolvimento econômico e bem-estar da população?

    Autoria

    Juliana Di Beo

    Arquipélago de Trindade e Martim Vaz. Foto: Wikimedia Commons

    Levantamento inédito sobre a biodiversidade marinha e costeira brasileira e seus serviços ecossistêmicos alerta os tomadores de decisão sobre a importância econômica da preservação do oceano.

    Salvador (BA) – Milhares de fiéis comparecem à Praia do Rio Vermelho, com oferendas para Iemanjá, durante as comemorações de seu dia. Foto: Wikimedia Commons

    O sumário para Tomadores de Decisão do “1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” foi lançado no dia 23 de novembro pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. O relatório reúne os principais resultados de forma contundente e objetiva que demonstram o papel do oceano na economia, no bem estar, na regulação climática e na geração de benefícios imateriais – relacionados à cultura, aprendizagem e experiências –  inestimáveis.

    As atividades econômicas relacionadas a regiões marinhas e costeiras respondem por 20% do Produto Interno Bruto nacional e abrangem setores distintos, como pesca, aquicultura, turismo, mineração e navegação. Por outro lado, a degradação a que o oceano vem sendo submetido ameaça os ambientes marinhos  – que abrigam a rica diversidade de espécies, responsável por sustentar processos ecossistêmicos que são a base dos benefícios providos pelo oceano.

    A fragmentação e a perda dos ambientes marinhos  – explica o diagnóstico – são causadas, sobretudo, pela transformação no uso do solo e do mar; poluição, sobre-exploração de recursos, ou seja, a exploração para além da capacidade de recuperação natural; a introdução de espécies exóticas invasoras e mudanças climáticas.

    Dentre os ambientes marinhos que são mais impactados, estão os manguezais que perderam 2% de área entre 2000 e 2022, praias e dunas sofreram diminuição de 15% entre 1985 e 2019, e as pradarias e gramas marinhas perderam entre 30 e 50% no período de 1980 até os anos 2010. A perda gradativa desses ambientes expõe a zona costeira aos danos intensificados ou provocados pela mudança climática, como erosão, aumento do nível do mar e tempestades.

    Trazer à luz a agenda oceânica

    O relatório sistematiza conhecimentos que não deixam dúvidas sobre a urgência de ações de conservação para reverter essa crise ambiental. Mas, para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e um dos autores do diagnóstico, ainda são poucas as ações dos tomadores de decisão para conservação oceânica.

    Nas palavras dele: “as pessoas e os tomadores de decisão estão mais preocupados com a temática porque isso vem sendo fortalecido no âmbito da sociedade e com isso eles se sentem pressionados. Pontualmente, vemos alguns tomadores de decisão trabalhando com isso de forma muito estruturada e consistente, mas não necessariamente isso é algo generalizado”.

    O estudo lança luz para a importância da implementação efetiva de políticas públicas para frear a degradação dos ambientes, segundo o diagnóstico “o futuro do oceano e da biodiversidade da zona marinha-costeira depende da implementação efetiva e da avaliação de políticas públicas com vistas à sua adaptação”.

    É preciso também de ações de divulgação e difusão da cultura oceânica, um movimento global que tem a intenção de fazer as pessoas reconhecerem a influência do oceano em suas vidas e a influência humana sobre o oceano, com potencial de engajamento da população tornando o conhecimento acessível e democrático. Além disso, o relatório enfatiza que o oceano sustentável depende da sinergia entre conhecimentos científicos e das comunidades tradicionais, pesqueiras e indígenas.

    “A valorização dos diferentes saberes e o fomento à pesquisa preencherão importantes lacunas de informação para a tomada de decisão, como a compreensão da estrutura e do funcionamento dos sistemas ecológicos e sociais, o monitoramento das tendências sociais e ambientais ao longo do tempo e o desenvolvimento de novas tecnologias para a inovação”, concluem os autores do relatório.

    Fonte: BPBES – Adaptado (cores)

    Agora é preciso que os tomadores de decisão pautem o relatório em suas ações políticas para consolidar uma agenda oceânica robusta. Turra comenta sobre este próximo passo, “espero que o relatório seja usado para trazer bastante objetividade na forma como a gente discute a temática de oceano, para que a transição para um oceano sustentável ocorra, considerando os princípios de governança que nós trazemos, e que aqueles indicadores, ou aquela situação que a gente colocou seja alterada.

    Eu também imagino que seria muito importante que a gente conseguisse fortalecer um sistema de indicadores que pudesse permitir uma variação mais periódica do que a gente traz no diagnóstico, que são as importâncias do ambiente marinho, as informações sobre biodiversidade que sustentam essas importâncias e os vetores que vão pressionar. Precisamos colocar isso em prática”.

    Parceria:

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo: sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Di Beo, Juliana. O bem-estar do povo brasileiro e o êxito econômico dependem da conservação do oceano. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/o-bem-estar-do-povo-brasileiro-e-o-exito-economico-dependem-da-conservacao-do-oceano/, Acesso em: DD/MM/AAAA

     

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Por keemkai villadums no Pexels (original) e expansão generativa Photoshop

    Edição: clorofreela

  • Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos

    Autoria

    Paulo Andreetto de Muzio

    O plástico é um produto barato, versátil e bastante difundido por todo o mundo. Seu descarte inadequado constitui um problema ambiental que cresce cada vez mais. Microplásticos já haviam sido encontrados em peixes, aves, água engarrafada e até mesmo no leite materno humano. Neste contexto, uma pesquisa recém-publicada apresentou o primeiro registro de morcegos contaminados por microplásticos.

    O morcegos são uma ordem de mamíferos bastante diversa, prestando serviços ecossistêmicos imprescindíveis, como a polinização, a dispersão de sementes e o controle de insetos (inclusive pragas agrícolas). Algumas espécies de plantas pioneiras necessárias à regeneração de áreas degradadas, por exemplo, são polinizadas e dispersas exclusivamente por morcegos.

    Desde 2017, foram analisados 81 morcegos de 25 espécies diferentes, que ocorrem em 26 pontos rurais e urbanos do estado do Pará, como áreas de vegetação natural, de plantação de cacau e dentro de cidades ou próximo a elas. Os resultados mostraram que 96,3% dos morcegos possuíam resíduos plásticos em pelo menos um de seus órgãos analisados: pulmões, estômago e intestino.

    Os microplásticos compreendem tamanhos micro (1 a 5 milímetros) e nano (menores que 1 milímetro). Os resíduos plásticos estão distribuídos em todos os ambientes, seja no ar atmosférico, seja no ambiente terrestre. Aqueles do tipo fibra são os mais abundantes no ambiente e provêm principalmente das roupas, da degradação das fibras têxteis plásticas. Esse produto de degradação tem sido observado na precipitação atmosférica, transformando-se em microfibras respiráveis, o que por si só sugere potencial exposição das microfibras a organismos que apresentam respiração pulmonar.

    O estudo acende um alerta, já que seres humanos e morcegos possuem sistemas respiratórios semelhantes, podendo ser suscetíveis a contaminações semelhantes. Ainda assim, nos resultados da pesquisa, houve uma diferença significativa entre a contaminações do sistema respiratório e do digestivo, sendo que o segundo foi mais afetado.

    A ingestão de microplásticos causam efeitos adversos em diferentes espécies, como alteração das funções endócrinas alteradas, diminuição da massa corporal dos filhotes e inflamação dos tecidos. Nas aves, causa desaceleração no desenvolvimento sexual. Em altas concentrações, podem ainda causar uma falsa sensação de saciedade, levando os indivíduos à fome. Além disso, microrganismos e metais podem aderir às superfícies dos microplásticos, sendo contaminantes adicionais. Nos morcegos, a ingestão e a inalação de microplásticos podem causar até a extinção local de espécies, afetando as funções do ecossistema, como como polinização, dispersão de sementes e controle de insetos.

    Os morcegos possuem diferentes características de forrageamento, considerando tanto o tipo de alimento (flores, frutos, invertebrados e vertebrados) e estratégia de captura (áreas abertas, clareiras, bordas de vegetação) e habitat (urbano ou intocado). Assim, a contaminação de morcegos insetívoros e onívoros pode ser explicada pela transferência de resíduos plásticos entre diferentes níveis tróficos. As microfibras também podem ser depositadas nas superfícies de frutas e organismos terrestres. Dessa forma, os morcegos podem absorver alimentos e inalar microfibras em aerossol, permitindo a contaminação por ingestão e inalação, respectivamente.

     

    Sobre quem escreveu

    Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor. Atua na Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).

    Como citar:  

    Muzio, Paulo Andreetto. (2024). Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/estudo-traz-primeiro-registro-de-contaminacao-por-microplasticos-em-morcegos/. Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Morcego – CC BY 2.0 por Andy Morffew no Wikimedia Commons (original); identificado na wikipedia como Carollia perspicillata

    Recipientes plásticos – Imagem por rawpixel.com (original)

    Edição: clorofreela

  • De onde vem a hegemonia do dólar?

    Autoria

    Victor Augusto Ferraz Young

    Introdução

    Conforme havíamos prometido, este ano trataremos de recortes sobre a economia global contemporânea. Não temos a pretensão de explicar aqui o funcionamento do sistema capitalista e as relações que este determina entre os países que dele fazem parte. Buscaremos trazer as questões mais relevantes para instigar aqueles que se interessam pelo tema e nos procuram com suas dúvidas. Tratarei primeiramente do que considero fundamental para o funcionamento do atual sistema econômico global, ou seja, o uso do dólar estadunidense como o principal meio internacional para as trocas comerciais e operações financeiras que é, ao mesmo tempo, o principal ativo financeiro de reserva de valor. Pretendo apresentar, dessa maneira, como a centralidade do dólar no sistema internacional se deu por determinações político históricas.

    O Ouro e a Libra Esterlina

    Primeiramente, e de forma bastante suscinta, podemos dizer que, antes do advento de um sistema econômico com base no dólar, o principal meio para a conservação da riqueza e para as trocas comerciais e financeiras internacionais era o ouro. Havia, até o início do século XX, moedas de diferentes países que podiam ter seu valor cotado em ouro, sendo a libra esterlina a referência mais estável. Este era o chamado padrão-ouro ou padrão libra-ouro. Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a crise financeira internacional desencadeada alguns anos depois com a Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, este padrão monetário internacional deixou de ser predominante até o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), momento em que o Sistema Financeiro Internacional foi redefinido.

    A Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Dólar-Ouro

    O fim da Segunda Guerra Mundial marca, ao mesmo tempo, a emergência da hegemonia norte-americana sobre o bloco de países capitalistas e dá início ao antagonismo norte americano em relação ao bloco de países comunistas sob a liderança da então União Soviética, a chamada Guerra Fria. A constituição desse bloco passou a ser vista pelos Estados Unidos como uma ameaça vital a seus interesses e até mesmo à sua própria existência, já que sua forma de organização sócio-política não considerava a propriedade privada do capital e dos meios de produção.

    Os Estados Unidos, que não haviam passado pela destruição da guerra em seu próprio território, eram, por sua vez, uma potência vencedora que havia projetado sua marinha e exército por todo o globo terrestre. Eles detinham a tecnologia da bomba atômica, haviam renovado sua capacidade industrial e tecnológica, contavam com superávits comerciais crescentes, eram os maiores credores das potências econômicas sobreviventes e possuíam um estoque de ouro equivalente a 70% das reservas mundiais. Os americanos, dessa maneira, se empenharam na reconstrução do sistema capitalista e buscaram estabelecer sua liderança sobre a nova ordem capitalista emergente. O desenho dessa ordem levaria em conta o objetivo de enfraquecer e/ou anular a chamada ameaça comunista.

    A reconstrução dos países capitalistas exigia certo controle sobre as relações econômicas dentro do sistema, assim, a determinação do dólar como a principal moeda internacional foi elemento de fundamental importância nas conferências para reestruturação do sistema financeiro em Bretton Woods em 1944. Naquela convenção, a proposta do representante norte-americano, Harry Dexter White, estabeleceu que o dólar lastreado em uma certa quantia de ouro seria a divisa internacional balizadora para o valor fixo (mas ajustável) de outras moedas dos outros países que fizeram parte da reunião[1].

    Com o poder que detinham, os EUA impuseram o dólar como moeda internacional em contraposição a ideia de uma unidade monetária alternativa, o bancor, sugerida na conferência pelo economista e representante inglês, John Maynard Keynes[2]. Esta outra seria uma moeda internacional a ser emitida por uma entidade internacional multilateral, não estando, dessa forma, sob supervisão do banco central norte-americano. Naquele momento, os EUA fizeram valer sua força política e econômica e ficou estabelecido o padrão dólar-ouro como divisa chave para todas as operações comerciais e financeiras entre os países. A vantagem desse modelo ficava, obviamente, para a economia norte-americana, já que seu governo poderia, no futuro, dispensar superávits comerciais e empréstimos internacionais para conseguir recursos para comprar e/ou financiar qualquer coisa que desejasse no exterior. Ou seja, o Estado americano não precisaria necessariamente acumular reservas internacionais, bastaria, grosso modo, emitir a sua própria moeda.[3]

    Além do Dólar

    Em Bretton Woods, além do dólar-ouro, havia por parte dos norte-americanos a preocupação com a reconstrução de um sistema capitalista destruído física e moralmente. Era necessário superar a atração exercida pela ideia de igualdade comunista. Naquela conferência, estabeleceu-se que os fluxos financeiros seriam controlados unilateralmente pelos estados, eliminando a livre circulação de capitais e seus consequentes efeitos especulativos. Além disso, as taxas de câmbio seriam fixadas em relação ao dólar. Estas iniciativas visaram estabilizar no longo prazos as finanças e o comércio internacional, permitindo crescimento econômico mais rápido. Além disso, duas novas instituições de auxílio ao novo sistema foram criadas. No caso em que os países viessem a ter reiterados déficits no balanço de pagamentos com eventual falta de divisas fortes, tais países poderiam recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em busca de socorro financeiro.

    Para a reconstrução do pós-guerra e o financiamento do desenvolvimento econômico, os países requerentes poderiam buscar financiamento junto ao Banco Mundial. O que ocorreu, todavia, foi que estas novas instituições tiveram seus aportes, em grande medida, reaizados pelos próprios EUA o que as tornou na maioria das vezes dependentes de suas decisões. Os recursos alocados também não foram suficientes para os objetivos propostos e as futuras demandas. Depois da conferência, e ainda no sentido de evitar a ameaça comunista, os Estados Unidos criaram o Plano Marshall para ajuda econômica à Europa e os planos de ajuda econômica ao Japão que tinham como objetivo acelerar a recuperação desses países. As empresas norte-americanas não deixaram de penetrar nos mercados europeu e japonês, assim como, em função dos interesses geopolíticos, os EUA permitiriam a expansão e penetração das empresas daqueles países em seus mercados.

    O redesenho da estrutura financeira e comercial internacional com base no dólar-ouro depois de 1944 foi o que definiu, num primeiro momento, sua preponderância até os dias de hoje. Assim, a recuperação do sistema capitalista do pós-Segunda Guerra Mundial foi feita com o uso do dólar e definiu que esta moeda seria a forma da reserva de riqueza propriamente dita. Até que sua validade fosse questionada em momento posterior houve duas décadas ininterruptas de recuperação e desenvolvimento econômico nos principais países capitalistas e em outros em desenvolvimento. No próximo texto veremos como foi o fim da ordem de Bretton Woods, o fim do dólar-ouro e o início da ordem globalizada com o advento do dólar flexível.

     

    Referências:

    ANDERSON, Perry. A política externa norte-americana e seus teóricos. São Paulo, SP: Boitempo, 2015.

    EICHENGREEN, Barry J. A globalização do capital: uma história do Sistema Monetário Internacional. São Paulo, SP: Editora 34, c2000.

    HOBSBAWM, E. J. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1998, 1994.

    MAZZUCCHELLI, Frederico Mathias. Os dias de sol: a trajetória do capitalismo no pós-guerra. Campinas, SP: FACAMP, 2013.

    MEAD, Walter Russell. Special providence: American foreign policy and how it changed the word. New York, NY; London: Routledge, 2002.

    VAROUFAKIS, Yanis. O Minotauro Global: a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia global. São Paulo, SP: Autonomia Literária, 2016.

    YOUNG, Victor Augusto Ferraz. O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) e a Consolidação da Nova Ordem Econômica Internacional. 2018. 1 recurso online (220 p.) Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, SP.

    [1] Uma onça troy de ouro (31,104 gramas) passaria a valer 35 dólares.

    [2] Temos vários textos sobre Keynes e suas ideias em nosso blog. Ver: As ideias fundamentais de Keynes; As propostas de reforma social de Keynes; e A Teoria Geral de Keynes: uma apresentação didática.

    [3] Os detalhes sobre este ponto específico veremos no próximo texto.

    Sobre quem escreveu

    Victor Augusto Ferraz Young, economista, pesquisador do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI) do Instituto de Economia da UNICAMP, Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico nesta mesma Universidade, é professor de graduação da FACAMP.

    Como citar:  

    Young, Victor Augusto Ferraz. (2024). De onde vem a hegemonia do dolar? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/de-onde-vem-a-hegemonia-do-dolar/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Moeda do fundo – reproduzida de coleção de moedas (original)

    Mapa-mundi de moedas – por Monstera Production no Pexels (original)

    Edição: clorofreela

  • E se você adicionar a PREP nas suas ações de 2024?

    Autoria

    Alexandre Borin

    O HIV e a AIDS são um desafio para a ciência e a saúde pública desde meados de 1980. Uma das formas mais eficazes conhecidas de prevenção é a PREP.

    O que é PREP?

    Desde o surgimento do HIV e da AIDS na década de 80, a ciência já avançou muito em relação ao entendimento, tratamento e prevenção da infecção. Uma das formas mais eficazes conhecidas atualmente é a PREP. Mas por que ela é tão importante?

    A PREP é a Profilaxia Pré-Exposição, e serve como uma medida preventiva frente a possíveis infecções pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV. Seu fornecimento acontece pelo Sistema Único de Saúde do Brasil desde 2017. Atualmente existem dois protocolos para o uso de PREP: A PREP diária e a PREP sob demanda. A aplicação dos protocolos dependem de uma análise de risco, feita junto ao médico, levando em consideração a vida de cada pessoa.

    A PREP diária é a administração de um comprimido por dia, de forma contínua. Ela não tem efeito imediato, por isso é importante estar atento às orientações do serviço de saúde.

    Já a PREP sob demanda possui recomendação apenas em casos específicos. Costuma ser realizada no esquema de 2 comprimidos em um período de 2 a 24 horas antes da relação sexual, + 1 comprimido 24 horas após a dose inicial de dois comprimidos + 1 comprimido 24 horas após a segunda dose.

    Mas qual a importância da PREP, se ela só protege contra o HIV?

    Apesar da PREP em si ser uma prevenção ao HIV, para fazer a retirada do medicamento é necessário um acompanhamento médico a cada 3 meses, que consiste em uma série de exames para teste de HIV, e detecção de outras infecções sexualmente transmissíveis além do acompanhamento do bom funcionamento do seu fígado e rins.

     

     

    Mandala de Prevenção Combinada / Ministério da Saúde

    É importante lembrar que além de tratamento, o diagnóstico e monitoramento de infecções é uma das principais medidas de saúde pública. A visita clínica para o encaminhamento para PREP não está isolada de outras medidas. Isto é, existe sempre o incentivo ao uso de preservativos e de sexo seguro e consciente. Além disso, nos postos de saúde há, disponível para retirada, camisinhas e lubrificante. Esse esquema é chamado de Prevenção Cruzada. Ela busca articular sexo seguro, reduzir os estigmas e preconceitos em relação ao assunto, e realizar o controle de ISTs.

    Pensar em estratégias de proteção cruzada são um avanço nas medidas de contenção da AIDS e na melhora da qualidade de vida de toda a população!

    Rolou uma emergência e talvez eu esteja exposto ao HIV.  E agora?

    Em casos de imprevistos ou emergências, em que a pessoa possa estar exposta a uma infecção pelo HIV, é possível solicitar atendimento nos postos de saúde para o tratamento com a PEP, a Profilaxia Pós-Exposição. Ela também é uma combinação de antiretrovirais. O que isso quer dizer? Antiretrovirais são remédios que impedem que o vírus se instale e se replique nas células, o que ocasionaria uma infecção.

    Para que seja eficaz, os medicamentos para a PEP devem ser tomados durante 28 dias ininterruptos. 

    Desse modo, a pessoa que enfrentou uma situação de risco deve iniciar o tratamento logo após a exposição de risco. Preferencialmente, nas duas primeiras horas após a exposição. Mas o tratamento pode ter início em até 72 horas. Lembrando mais uma vez que os medicamentos devem ser tomados durante 28 dias ininterruptos.

    Diferente da PREP, que é de uso contínuo, a PEP deve ser utilizada apenas em casos excepcionais.

    E como a PREP funciona?

    Cada frasco de PrEP contém 30 comprimidos de uma combinação de dois compostos, o Tenofovir e a Emtricitabina. Essa combinação foi utilizada inicialmente para o tratamento de pessoas com HIV (talvez você já tenha ouvido falar do TRUVADA). Além de ser usado nessa população, vários estudos já comprovaram que esse remédio pode proteger as pessoas se tomado de maneira preventiva.

    Os dois compostos que compõem a PrEP atrapalham uma enzima do HIV, a transcriptase reversa. Ao impedir o funcionamento da transcriptase reversa, o DNA viral não será incorporado ao DNA da célula. Dessa forma, não será possível realizar a produção de novas partículas virais, impedindo que o HIV consiga se multiplicar nas células das pessoas.

    A novidade é ela, a PrEP injetável!

    A ANVISA aprovou em junho um novo tipo de PrEP, o cabotegravir. Ele é um medicamento que afeta outra enzima, a integrase. Ao impedir o funcionamento correto dessa enzima, ele impedirá que o DNA viral se integre ao DNA humano.

    Portanto, este medicamento atua em uma etapa diferente do ciclo de replicação do vírus. Além disso, ele é um medicamento injetável, que possui como atual recomendação a aplicação a cada 2 meses. Isso é ótimo para quem tem problemas em conseguir a rotina de tomar a PrEP de maneira contínua. O cabotegravir também está disponível em comprimido oral. No entanto, apenas para avaliação da tolerabilidade dos efeitos do medicamento e em casos de emergência para quem perdeu a dose programada da injeção.

    A PrEP tem efeitos colaterais?

    Assim como todo remédio, a PrEP pode causar efeitos colaterais. Mas sua frequência é baixa e possui pouca relevância em relação aos benefícios que a prevenção traz. A maioria dos efeitos acontecem na fase inicial, e podem ser dor de cabeça, dor de estômago, perda de apetite, náuseas, flatulência, dentre outros. Os efeitos, caso ocorram, desaparecem em poucos meses. Todavia, em casos de permanência, recomenda-se procurar o atendimento médico. Em alguns casos raros, também podem acontecer alterações no fígado e nos rins, por isso é importante o acompanhamento regular do serviço de saúde.

    Qualquer um pode usar PrEP?

    Não! Como falamos, o uso de PrEP deve realizar-se apenas com acompanhamento médico. Dessa maneira, torna-se necessária uma avaliação para saber se você, ou a pessoa que buscou o atendimento médico, se encaixa nas situações com recomendação desse tipo de prevenção. No quadro abaixo, apresentamos alguns exemplos.

    Algumas situações que podem indicar o uso da PrEP segundo recomendação do Ministério da Saúde:

    – Homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e mulheres transexuais

    – Frequentemente deixa de usar camisinha em suas relações sexuais (anais ou vaginais);

    – Faz uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV);

    – Apresentar histórico de episódios de Infecções Sexualmente Transmissíveis;

    – Contextos de relações sexuais em troca de dinheiro, objetos de valor, drogas, moradia, etc.

    – Chemsex: prática sexual sob a influência de drogas psicoativas (metanfetaminas, Gama-hidroxibutirato (GHB), MDMA, cocaína, poppers) com a finalidade de melhorar e facilitar as experiências sexuais.

    Usando PrEP ou não, não deixe de pensar na sua saúde e na prevenção e diagnóstico de ISTs neste novo ano!

    Saiba Mais!

    Ministério da Saúde, Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis:

    Serviços de Saúde por estado

    Prevenção combinada

    PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV)

    Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

    Anvisa aprova novo medicamento para prevenção do HIV

    São Paulo, Secretaria de Saúde

    Informações sobre PrEP

    Outras Informações

    CDC

    About PREP

    Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP)

    Sobre quem escreveu

    Alexandre Borin, ou Koda, é biólogo, doutorando em genética e biologia molecular pela UNICAMP. Trabalha com vírus transmitidos por mosquitos e faz Divulgação Científica em diferentes redes sociais.

    Como citar:  

    Borin, Alexandre. E se você adicionar a PREP nas suas ações de 2024? Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/e-se-voce-adicionar-a-prep-nas-suas-acoes-de-2024/. Acesso em DD/MM/AAAA.

     

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Renderização 3D de comprimidos da PREP por niphon no iStock (original) e expansão generativa Canva.

    Edição: clorofreela

  • Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos?

    Autoria

    Jaqueline Nichi

    A agenda dos candidatos a prefeitos e vereadores, na eleição de 2024, engloba diversos temas complexos com intersecção com o clima e meio ambiente, como saneamento, saúde e redução da poluição, segurança alimentar, gestão dos resíduos sólidos, transporte público, áreas verdes e eficiência energética.

    É quase impossível medir a sensibilidade ao tema dos milhares de candidatos que disputam prefeituras ou câmaras municipais no país, mas com base nos últimos pleitos, os temas ambientais ainda não são centrais nas campanhas da maioria dos aspirantes ao comando das cidades brasileiras.

    Nos últimos anos, o tema começa a ganhar relevância nas propostas que todos têm de apresentar ao registrarem suas candidaturas. E a população está cada vez mais atenta aos indicadores socioambientais que impactam diretamente as suas experiências como cidadãos. Em 2023, mais de 5 milhões de brasileiros, ou 7 em cada 10 cidadãos, foram afetados pelo impacto das chuvas e das secas no ano mais quente já registrado na história, segundo a Pesquisa Ipec encomendada pelo Instituto Pólis.

     

    Esta compreensão é ainda mais importante no Brasil de 2024, após um histórico de governo federal que agiu na contramão da agenda ambiental. O aumento dos riscos decorrentes das variações climáticas, como inundações e deslizamentos cada vez mais recorrentes, não nos deixa esquecer que um grande esforço coletivo e político precisa ser colocado em prática.

    A edição 2021 da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que apenas 390 dos 5.570 municípios do país têm alguma legislação sobre adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

    A próxima eleição, portanto, não permite mais a inação ao custo de vidas, especialmente de pessoas em comunidades vulneráveis, mais propensas aos impactos negativos do clima. Em 2024, só no primeiro mês do ano, mais de 100 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas na região metropolitana do Rio de Janeiro, resultando em 12 mortes​​. Porto Alegre também enfrentou inundações, deixando 1,3 milhão de pessoas sem energia.

     

    O que isso significa em ano de eleições?

    Os desastres ambientais e climáticos têm relação direta com a administração das cidades no Brasil. Os centros urbanos estão entre os principais agentes do aquecimento global, por emitirem a maior parte dos gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, são os espaços mais impactados por eventos extremos, devido à alta densidade populacional e baixa infraestrutura adaptada às alterações do clima.

    Embora algumas políticas ligadas ao combate à mudança climática sejam compartilhadas entre o ente federal, estados e municípios, é papel dos governos municipais gerir a drenagem urbana, zeladoria, mobilidade, moradia e gestão e uso do solo. Câmaras municipais podem propor leis e políticas que melhor preparem seus municípios para eventos extremos ou aperfeiçoem normas ligadas ao tema, como é o caso dos planos diretores e leis de uso e ocupação do solo.

    Moradores retiram móveis e objetos danificados com a chuva em comunidade carioca.

    Foto: Márcia Foletto

    É certo que os eleitores continuarão a valorar outras pautas emergentes, como o desemprego, a saúde, a segurança e a inflação. Mas essas questões têm, de forma cada vez mais evidente, ligação direta com as mudanças climáticas. Os preços dos alimentos variam conforme as secas, a saúde pública precisa lidar com novos vírus e epidemias relacionadas à mudança de habitat de animais selvagens, e a economia pode se beneficiar com a criação de empregos verdes.

    Outro tema fundamental nestas eleições é acatar as evidências científicas e rejeitar as notícias falsas que os negacionistas do aquecimento global costumam propagar. Nessas próximas eleições, o acesso a informações qualificadas e confiáveis para melhor analisar os candidatos é de suma importância. Por isso, é preciso votar com consciência e exigir planos de adaptação com base na avaliação de vulnerabilidades dos municípios com estratégias e medidas específicas para lidar com os riscos identificados.

     

    Referências:

    MUNIC, Informações Básicas. Perfil dos municípios brasileiros. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2021. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/df/brasilia/pesquisa/1/74454?ano=2021

    IPEC. Crise Climática – Pesquisa de Opinião Pública. 2023. Instituto Polis. Disponível em: https://polis.org.br/estudos/crise-climatica-pesquisa-de-opiniao-publica/

     

     

    Sobre quem escreveu

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social. É doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP) e mestre em Sustentabilidade (EACH-USP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança multinível e multiatores.

    Como citar:  

    Nichi, Jaqueline. (2024). Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/clima-de-eleicao-adaptacao-climatica-estara-nas-propostas-dos-candidatos/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Ilustração digital e edição: clorofreela

  • Esse povo imprica com quarquér coisa…

    Autoria

    Beatriz Sayuri Higuti e Viviane Carvalho

    Por: @Guinanet – CC BY 2.0 DEED – Attribution 2.0

     

    Você sabia que essa “troca” é um fenômeno fonológico muito comum na história do português?

    Os linguistas deram até um nome pra ele e mostraram que todo esse estigma é, na verdade, um tipo de preconceito linguístico.

    Existem casos em que crianças em fase de aquisição de sua língua trocam sons durante muito tempo sem que esta seja uma característica do sotaque das pessoas que estão à sua volta. Porém, em alguns dialetos, é muito comum que os falantes “troquem” o L pelo R e pronunciem naturalmente, palavras como “crima” no lugar de “clima”, “sór” no lugar de “sol” e por aí vai.

    E mesmo que essa troca seja comum em alguns dialetos, muitas pessoas (inclusive alguns professores de língua portuguesa) afirmam que esse modo de falar é “errado” e deve ser corrigido a todo custo – quase como se esse modo de falar fosse um indício de distúrbios articulatórios, mas este não é o caso aqui, como veremos a seguir.

    O podcast SciKids responde uma pergunta mencionando o distúrbio articulatório: por que os balões em que o Cebolinha pensa estão com R e não com L?

    POR QUE ESSA TROCA ACONTECE?

    A fonologia é a área de estudos da Linguística que se interessa pelos fonemas, pelos sons (ou gestos no caso de línguas de sinais) presentes em uma língua.

    Em português, por exemplo, temos, dentre vários outros, os fonemas L ou U (/l/ ou /w/) e R (/r/), que se diferenciam no sistema dessa língua. Desse modo, “calo” e “caro” são palavras diferentes, assim como /mal/ e /mar/, justamente porque, para nós, esses dois pares de fonemas são diferentes. 

    O que acontece (e bastante!) na língua portuguesa é que, em alguns dialetos, tanto o fonema L (mais tecnicamente /l/) no meio da sílaba quanto o fonema U (/w/, oriundo de /l/) no final da sílaba são produzidos como o fonema R (/r/).

    Os linguistas chamam esse fenômeno de rotacismo.
    Vejamos alguns exemplos:

    • cli-en-te -> cri-en-te 
    • bi-ci-cle-ta -> bi-ci-cre-ta 
    • cal-do -> car-do
    • al-to -> ar-to

     

     

    E O QUE A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA TEM A NOS DIZER SOBRE ISSO?

    A Linguística Histórica é a área que estuda a história das línguas: seu surgimento, suas mudanças e, em alguns casos, seu desaparecimento. Graças a essa área sabemos que o português é uma língua românica, ou seja, surgiu a partir do latim (mais especificamente, do latim popular). E desde esse surgimento, os falantes nativos de português já realizavam o rotacismo. São diversos os exemplos de palavras que, em latim, eram pronunciadas com L (/l/) no meio da sílaba e em português passaram a ser pronunciadas com R (/r/): 

    • blandu (latim) > brando (português)
    • clavicula (latim) > cravelha (português)
    • flaccu (latim) > fraco (português)
    • gluten (latim) > grude (português)
    • plancto (latim) > pranto (português)

    Tão disseminado foi o processo que, em “Os Lusíadas” de Luís de Camões (em domínio público), é possível encontrar várias palavras que hoje são, de modo geral, pronunciadas com L (/l/) escritas com R (/r/). Este é um grande indício de que, no século XVI, de fato se falava assim:

    “E não de agreste avena ou frauta ruda, 
    Mas de tuba canora e belicosa” (Canto I) 
    “Algüas, harpas e sonoras frautas; 
    Outras, cos arcos de ouro, se fingiam” (Canto IX) 
    “O frecheiro que contra o Céu se atreve 
    A recebê-la vem, ledo e contente” (Canto IX)

    Muitos anos depois disso, no século XX, diversos linguistas e filólogos, como Amadeu Amaral, estudaram o dialeto caipira do estado de São Paulo. Nesse dialeto, formas como “fror (flor)” (conservada do português mais antigo), “mér (mel)” e tantas outras que ouvimos/produzimos até hoje já eram muito comuns.

    Portanto, é certo afirmar que o rotacismo faz parte da própria história da língua portuguesa. 

     

     

    ENTÃO POR QUE ESSE ESTIGMA?

    Em qualquer sociedade, os grupos sociais se distinguem pela forma como falam, ou seja, têm uma norma linguística própria, que faz os falantes se identificarem uns com os outros e se sentirem pertencentes ao grupo (Faraco, 2002)

    Na escola, o objetivo dos professores de português é ensinar a norma padrão, porque a padronização é importante (principalmente para um país de tamanho continental como o nosso). É preciso que os alunos saibam seus direitos e deveres como cidadãos e consigam se posicionar diante de injustiças sociais.

    Mas o problema surge quando as pessoas afirmam que apenas a norma padrão deve ser utilizada e criticam qualquer coisa que não pertença a essa norma, como o rotacismo no dialeto caipira. Esse modo de pensar é, na verdade, preconceituoso, porque, como mostramos neste post, não tem fundamento no sistema próprio da língua. 

    Portanto, para combater esse e outros tipos de preconceito linguístico é preciso uma mudança de atitude: respeitar o conhecimento linguístico de todo e qualquer falante, valorizando o que ele já sabe, e reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano. 

     

    Para Saber Mais

    AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: Iba Mendes, 2019 [1920]. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2007 [1999]. 

    BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolingüística & educação. Parábola, 2005. 

    ESPÍRITO SANTO, Júlia Maria França. Entre o campo e a cidade: rotacismo em São Miguel Arcanjo. Dissertação (Mestrado em em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. p. 116. 2019.

    FARACO, Carlos Alberto. Norma-padrão brasileira: desembaraçando alguns nós. In: BAGNO, Marcos (org.). Lingüística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 37-61.

    Sobre quem escreveu

    Beatriz Sayuri Higuti e Viviane Carvalho são alunas do curso de graduação em Linguística da Unicamp

    Como citar: 

    Higuti, Beatriz Sayuri e Carvalho, Viviane. (2024). Esse povo imprica com quarquér coisa… Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/esse-povo-imprica-com-quarquer-coisa/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Colagem com bocas em movimento (Freepik – original) e elementos ilustrados.

    Edição: clorofreela

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