Dia: 21 de janeiro de 2025

  • Conectar a sociedade ao oceano é urgente para a saúde do oceano

    Autoria

    Juliana Di Beo

    Evento preparatório para a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia discute como conectar oceano e sociedade

    Fonte: Wikimedia Commons

    Em 2030 se encerra a Década do Oceano, iniciativa mundial da Unesco, que mobiliza a sociedade para melhorar a saúde do oceano. Nessa corrida contra o tempo, especialistas em divulgação sobre o oceano se reuniram no painel “Oceano Inspirador e Sociedade”, como parte da Reunião Temática “Oceano, Ciência e Políticas Públicas”, nesta quinta-feira (04) em Brasília, com transmissão ao vivo pelo Youtube. O encontro faz parte das Conferências Preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acontecerá na primeira semana de junho em Brasília, e que pretende traçar diretrizes para avanços nas ações dos próximos 6 anos em prol do gigante azul.

    Painelistas durante a reunião temática. Foto: Divulgação

    Mariana Martins de Andrade, oceanógrafa, Jovem Embaixadora do Oceano Atlântico no Brasil e co-fundadora da agência que promove soluções para projetos de conservação do oceano Bloom, destacou a importância de colocar a sociedade no centro das discussões para alcançarmos um oceano inspirador e um Brasil justo, sustentável e desenvolvido. Mariana buscou ilustrar os movimentos necessários para conectar sociedade e oceano, por meio da representação de um cubo mágico, no qual cada peça é fundamental para atingir o objetivo do jogo. “Os movimentos que fazemos para organizar esse cubo são ações que implementamos em busca de soluções que podem e precisam ser baseadas em ciência”, explicou.

    Representação de cubo mágico para exemplificar formas de conectar sociedade-oceano. Foto: Divulgação

    Para orientar as próximas ações sobre o tema, Mariana apresentou um levantamento sobre como as ciências oceânicas têm aparecido nos relatórios da Nações Unidas nos últimos dez anos. “Cooperação internacional e engajamento de stakeholders foram os temas que mais cresceram nos relatórios da ONU, esse resultado pode ter uma grande correlação em como vamos olhar para os processos em escala internacional, que tem guiado nosso entendimento da relação da sociedade com o oceano”, destacou.

    Nessa complexa rede de ações Ronaldo Christofoletti, professor associado do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp), disse ser essencial fortalecer políticas públicas para a educação oceânica  na formação das pessoas. “Hoje o Brasil já é uma liderança mundial, com 18 municípios em dois estados com Lei da cultura oceânica”, explicou Ronaldo referindo-se a Lei Municipal nº 3.935/2022 que estabelece a cultura oceânica no currículo de escolas municipais de forma transversal para todos os anos da educação básica. Ronaldo coordena o projeto de extensão “Maré de Ciência” que criou o programa “Escola Azul”, inspirado em Portugal, para fortalecer e ampliar a formação científica e a cultura oceânica nas escolas de todo o Brasil.  Em novembro de 2021, Santos (SP) se tornou a primeira cidade no mundo a definir que a cultura oceânica deve ser parte da educação.

    Apesar do avanços ainda são inúmeros os desafios pela frente. Ronaldo destacou o resultado de uma pesquisa de 2022 da Unesco, Grupo Boticário e Unifesp que mostrou que 40% dos brasileiros não sabem que suas ações influenciam o oceano. “Para que tenhamos um Brasil justo, sustentável e desenvolvido precisamos que a sociedade entenda a sua relação com o oceano”, enfatizou. 

    Ele também destacou a necessidade de alocação de recursos em espaços para participação social para alcançar engajamento, como ocorre desde 2010 em edital do CNPq que apoia feiras e mostras científicas. 

    Nessa mesma linha, Germana Barata, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da rede colaborativa de comunicação sobre o oceano Ressoa Oceano, destacou a importância de alocar recursos na criação de editais que envolvam a participação de influenciadores, jornalistas e comunicadores que não tenham uma vínculo institucional, para que esses projetos sejam profissionalizados e para potencializar os resultados esperados. Uma vez que muitos projetos de divulgação científica estão sendo feitos por pessoas com pouco ou nenhuma formação ou experiência na área

    A democratização do conhecimento científico é outro grande desafio que Germana vislumbra para superar a distância entre o oceano e a sociedade. “Cerca de dois terços do conhecimento científico sobre oceano está publicado em acesso restrito, então para fazermos esse movimento em prol de avanços precisamos incentivar que essa comunicação seja feita nos princípios da ciência aberta”, destacou referindo-se a crescente tendência em compartilhar dados, publicações e outras etapas da ciência de forma gratuita, transparente e acessível.  

    Reflexões sobre prioridades e planos de ação foram levantados por Jana del Favero, pós-doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editora-chefe do blog e podcast de divulgação das ciências do mar, Bate-papo com Netuno. “O que de fato estamos fazendo? O que conseguimos fazer e podemos fazer?”, indagou. Segundo Jana, precisamos atingir e formar as crianças em cultura oceânica, mas não podemos esperar a mudança vir delas. “Não serão elas as principais responsáveis pela mudança até 2030. Estamos correndo contra o tempo”, pontuou. 

    As ações que resultam em mudanças necessárias para conectar oceano e sociedade estão acontecendo, reflete Mariana. “Somos essas sementes que tentam levar essa palavra para diversos outros locais, isso por si só representa nosso papel como ponte dessas conexões oceânicas”, concluiu. 

    Em busca de promover ações que incentivem as pessoas a reconhecerem a influência do oceano em suas vidas, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação  liderou a iniciativa “Aliança pela Cultura Oceânica” em parceria com a Unesco e a Unifesp. Em 2022 a Aliança lançou o curso online e gratuito “Formação de Multiplicadores da Cultura Oceânica” para fomentar a conexão entre a sociedade e o oceano. Para mudar a percepção de estudantes de todos os níveis educacionais e o público geral sobre o território brasileiro, o IBGE, a Marinha do Brasil e o Ministério da Educação desenvolveram um novo Mapa do Brasil que inclui a Amazônia Azul formada por toda vastidão marítima nacional. O contra-almirante da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da Marinha do Brasil, Ricardo Jaques Ferreira enfatizou a importância desse novo mapa. “Pela primeira vez as crianças vão olhar o mapa e não vão ver só terra, terça-feira (09) o IBGE vai lançar oficialmente o novo Atlas, com a representatividade do território marinho”, destacou.

    Ressoa Oceano

    A Ressoa Oceano, que em abril completou o primeiro ano de atuação, é uma rede de comunicação colaborativa sobre o oceano, fruto de parceria entre o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano da USP, a Liga das Mulheres pelo Oceano e Ilha do Conhecimento com financiamento do CNPq.

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo é bióloga formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atua na área de comunicação científica, com foco no fortalecimento da cultura oceânica e no acesso aberto ao conhecimento por meio da Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Di Beo, Juliana (2025). Conectar a sociedade ao oceano é urgente para a saúde do oceano. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/conectar-a-sociedade-ao-oceano-e-urgente-para-a-saude-do-oceano/ Acesso em: DD/MM/AAAA.

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    Edição: clorofreela

  • Rede de comunicação debate os desafios de comunicar o oceano para a sociedade

    Autoria

    Germana Barata
    Juliana Di Beo

    Workshop da Rede Ressoa Oceano elencou a baixa leitura dos jovens, o alto grau de analfabetismo funcional e a desconexão com o oceano como barreiras a serem superadas

    Equipe da Ressoa Oceano e convidados se reúnem para fortalecer a comunicação sobre o oceano. Crédito: Ressoa Oceano

    Cerca de 55% dos brasileiros vivem no litoral, mas 40% acreditam que suas ações não afetam o oceano. Estes dados, do IBGE e de pesquisa de 2022 que identificou a relação de brasileiros com o oceano, indicam o tamanho do desafio que a Ressoa Oceano, uma rede colaborativa para comunicar o oceano, tem pela frente. A iniciativa reuniu especialistas nos dias 29 e 30 de abril para debater os desafios e buscar estratégias para tornar a comunicação do oceano mais afetiva e efetiva.

    O Workshop contou com a participação de especialistas em comunicação, como a radialista e jornalista ambiental Paulina Chamorro e a jornalista Juliana Vilas, especialista em neurocomunicação, além do coordenador da Amazônia Vox e a engenheira de pesca Juliana Schober, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

    Dentre os principais desafios levantados está a diminuição da leitura e do consumo de notícias jornalísticas entre os jovens, somados às altas taxas de analfabetismo funcional (aquelas pessoas alfabetizadas, mas com grande dificuldade de interpretar e compreender textos), e a ausência de conexão da sociedade com a natureza, especialmente o oceano.

    Mas nem tudo é dificuldade. A equipe, majoritariamente feminina, trouxe aspectos positivos que devem fortalecer as estratégias da Ressoa Oceano para pensar estratégias de como tornar o oceano mais envolvente, inspirador e acessível.

    No primeiro dia do encontro, a equipe fez um balanço sobre a atuação da Rede e os necessários desdobramentos futuros. A Ressoa tem como propósito desenvolver ações em quatro frentes: curadoria de ações e iniciativas sobre o oceano; cursos de formação para jornalistas e comunicadores; produção de conteúdos originais e relevantes sobre o oceano; e ciência cidadã com enfoque para envolver estudantes no processo de produção de conteúdos. A produção de conteúdos foi a que mais avançou no primeiro ano da rede. A produção foi majoritariamente em texto e em gêneros diversificados, como a coluna no jornal ambiental o eco, “Oceano é fonte de temas para educação básica”, notícia como a publicada no blog Um Oceano “Oceano ganha destaque no debate sobre mudanças climáticas na COP 28”, entrevista no blog da Liga das Mulheres pelo Oceano “Entrevista com a Bia da Marulho”, coluna na revista Ciência Hoje das Crianças ”Maneiras de se conectar com o oceano mesmo sem colocar o pé na água”, artigo no site da Ilha do Conhecimento “Crenças e atitudes sobre tubarões e as implicações para sua conservação” e press release na Agência Bori “Recuperação de espécie ameaçada de tubarão-limão em Atol das Rocas”.

    Os exemplos acima somam mais de 50 produções de conteúdos sobre o oceano, todos em acesso aberto e dando destaque para a ciência brasileira. No entanto, a Rede planeja investir na curadoria de ações de comunicação sobre o oceano. Uma delas é coordenada pelo jornalista Daniel Nardin, o Amazônia Vox, um hub de jornalistas da região amazônica que quer dar visibilidade e fortalecer a cobertura sobre a maior floresta tropical no país e no mundo com profissionais da região. O jornalista aposta no jornalismo de soluções para projetar iniciativas de impacto socioambiental positivo no público. O jornalismo de soluções busca dar enfoque nas soluções de problemas, portanto um viés mais proativo para a sociedade do que as tragédias e dificuldades. Ele também destacou a possibilidade de trazer a comunidade local para atuar na comunicação, como lideranças de comunidades tradicionais na região, e a necessidade de dar mais destaque à Amazônia Azul, região costeira somada à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país.

    Comunicar com afeto 

    Para enfrentar o desafio da falta de conexão do público com o oceano, a jornalista ambiental Paulina Chamorro trouxe o conceito de comunicação amorosa. Com 25 anos de prática jornalística, ela busca elementos que toquem a emoção de forma positiva, como a dedicação de Mulheres na Conservação, série de documentários que aborda a atuação de cientistas como Bárbara Pinheiro, pós-doutoranda da Universidade Federal de Alagoas, que se dedica a estudar o branqueamento dos corais, e Zélia Brito, chefe da reserva biológica do Atol das Rocas (RN), que devota sua vida a conservação deste Patrimônio Natural Mundial pela Unesco.

    Os impactos das ações humanas no clima e no oceano têm sido retratados pela mídia pelo viés negativo e catastrófico, que pode afastar o público de uma possibilidade de ação ou mudança de comportamento. “Estamos alterando nossa casa, o planeta em que vivemos. Mas como vamos transformar isso não apenas em revolta, mas em algo que possa ser transformador?”, questiona. Paulina lembra que não se trata de ocultar os problemas, mas de enfatizar que é preciso focar nas ações e contribuir para a educação, sensibilização e engajamento.

    Além da conexão afetiva para tocar o público, Juliana Vilas mostrou para a equipe da Ressoa Oceano que os processos cognitivos mudaram com as novas formas de comunicação, voltada para a imagem, o vídeo, e mensagens curtas das redes sociais. Neste cenário, ela mostrou as inúmeras vantagens no formato de podcasts, comunicação por meio do áudio e que permite que o ouvinte divida sua atenção com outras atividades como lavar a louça ou fazer exercício físico, por exemplo.

    Ela tratou da importância da entonação de voz, da narrativa atraente, na sonorização para deixar as histórias mais atraentes. Como a informação em áudio não costuma ser interrompida e repetida para mais esclarecimentos, como ocorre no texto, Juliana sugere que na conclusão de cada episódio se recupere três informações principais, como forma de facilitar a compreensão da mensagem que se quer passar.

    Os podcasts são um dos meios de comunicação mais usados pela população brasileira. São cerca de 45 milhões de brasileiros que ouvem podcasts pela internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2023. Apesar de não sabermos ao certo quantos desses ouvintes consomem podcasts relacionados  ao oceano, identificamos em um levantamento que os podcasts sobre oceano aumentaram substancialmente a partir de 2020, ano que marca o início da pandemia de Covid-19 e o início dos esforços de implementação da Década do Oceano no Brasil. A maioria destes podcasts se concentram em estados litorâneos da região sudeste e apenas 33% deles se mantêm ativos.

    Em busca de fortalecer a comunicação por meio dessa ferramenta de áudio, um dos frutos do I Workshop Ressoa Oceano será a criação de um podcast colaborativo sobre o oceano que poderá contribuir para sensibilizar e conectar o público ao oceano com elementos trazidos pelos convidados: comunicação afetiva, jornalismo de soluções, com a participação de diferentes atores sociais e informação científica. Aguardem os próximos passos.

    Ressoa Oceano

    A Ressoa Oceano, que em abril completou o primeiro ano de atuação, é uma rede de comunicação colaborativa sobre o oceano, fruto de parceria entre o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano da USP, a Liga das Mulheres pelo Oceano e Ilha do Conhecimento com financiamento do CNPq.

    Sobre quem escreveu

    Germana Barata é jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

    Juliana Di Beo é bióloga formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atua na área de comunicação científica, com foco no fortalecimento da cultura oceânica e no acesso aberto ao conhecimento por meio da Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Barata, Germana; Di Beo, Juliana (2025). Rede de comunicação debate os desafios de comunicar o oceano para a sociedade. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/rede-de-comunicacao-debate-os-desafios-de-comunicar-o-oceano-para-a-sociedade/ Acesso em: DD/MM/AAAA.

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    Edição: clorofreela

  • Então você acha que sexo biológico é binário?

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt
    Daniel Santana de Carvalho

    Há um certo tempo que todos os anos que têm Olimpíadas, em algum momento, surgem questões acerca do gênero de alguma atleta. Na edição de 2024, não haveria de ser diferente. Imane Khelif, boxeadora argelina de 25 anos, classificada nas quartas de final na categoria feminina de até 66kg, vem sendo alvo de especulações e discurso de ódio, após sua vitória contra a italiana Angela Carini, também de 25 anos.

    Mas afinal, o debate é sobre o quê mesmo?

    A boxeadora Carini abandonou a luta após 2 golpes. Em poucos minutos, perfis de redes sociais espalhavam, com voracidade e crueldade, desinformações que acusam Khelif de ter mudado de sexo para competir nas Olimpíadas. Os ataques justificam que Khelif foi barrada de participar das lutas de boxe pela Associação Internacional de Boxe (IBA), após testes de gênero. O Comitê Olímpico Internacional (COI), por outro lado, comunicou que a atleta está dentro das condições de elegibilidade para a competição.

    “Toda pessoa tem o direito de praticar esporte sem discriminação.
    Todos os atletas participantes do torneio de boxe dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 cumprem os regulamentos de elegibilidade e inscrição da competição, bem como todos os regulamentos médicos aplicáveis ​​definidos pela Unidade de Boxe de Paris 2024 (PBU) ( encontre todas as regras aplicáveis ​​aqui ). Assim como nas competições olímpicas anteriores de boxe, o gênero e a idade dos atletas são baseados em seus passaportes (Tradução livre do site oficial COI, 2024 ).”

     

    As condições médicas elegíveis para o boxe estão descritas, em inglês, também no site oficial do COI, e podem ser conferidas abaixo:

    Tradução livre da imagem:

    8. Condições de elegibilidade médica para o boxe
    A evidência ou o histórico revelado das seguintes condições em um exame anual é considerado suficiente para que um boxeador seja considerado “inapto para o boxe”:
    – Infecções crônicas graves
    – Discrasias sanguíneas graves, por exemplo, doença falciforme
    – Histórico de infecção por HIV, hepatite ativa ou hepatite potencialmente transmissível
    – Descolamento de retina
    – Miopia de mais de -5,0 dioptrias
    – Acuidade visual registrada em cada olho de:
    – Não corrigida pior que 20/200 e corrigida pior que 20/50
    – Lesões de pele expostas, abertas e infectadas
    – Deficiências ou anormalidades cardiovasculares, pulmonares ou musculoesqueléticas significativas, congênitas ou adquiridas
    – Sintomas pós-concussão não resolvidos, que precisarão de autorização de um neurologista
    – Distúrbios psiquiátricos significativos ou abuso de drogas
    – Lesões de massa intracranianas congênitas ou adquiridas significativas ou sangramento
    – Qualquer atividade convulsiva nos últimos três (3) anos
    – Hepatomegalia, esplenomegalia, ascite
    – Diabetes mellitus não controlado ou doença da tireoide não controlada
    – Gravidez
    -Uma pessoa que não tenha feito cirurgia de correção ocular deve apresentar um atestado de um oftalmologista declarando que está apto para a cirurgia.

    Fonte: Paris 2024 Boxing Unit


    Carteira rosa e as comprovações de feminilidade

     

    Entre os anos de 1948 e 2000 foram exigidos testes de feminilidade nos jogos olímpicos, através de fotografias e verificação de genitálias. As aprovadas recebiam uma carteira, que ficou conhecida como carteira rosa. Após vazarem fotos, causando constrangimento das atletas, exames sanguíneo e genéticos passaram a ser adotados. A partir de 1992, o COI adotou os testes cromossômicos, analisando casos suspeitos por peritos em medicina desportiva. Os testes passam a ser obrigatórios e eliminatórios. A partir das Olimpíadas de Atenas, em 2004, apenas foram realizados testes em casos excepcionais.

    Se por um lado as mulheres vinham ganhando espaço dentro da competição, ao longo do Século XX, também aumentava o controle dos corpos, a partir de definições de o que é ser mulher e qual o limite de mulheridade aceito para que estas atletas participem das competições olímpicas e esportivas. Isto é, na medida em que delimitamos “o que é ser mulher”, também delimitamos o que fica de fora, quais padrões de feminilidade são aceitos dentro do que concebemos ser mulher – e portanto quais corpos fora do padrão e que não serão considerados mulheres.

    Corpos de mulheres?

     

    A diferenciação do corpo masculino e feminino como conhecemos atualmente nem sempre foi assim, em que homens possuem pênis e testículos e mulheres possuem vagina, útero e ovários. Até meados do século XVII, entendia-se que humanos apresentavam apenas um sexo, mas separado em dois gêneros.

    A ideia de isomorfismo sexual, como era chamada a existência de apenas um sexo e um tipo de corpo, propunha que o corpo da mulher era igual ao do homem, só que menos desenvolvido. Inclusive, considerava-se que a genitália das mulheres era igual à dos homens, só que invertido por falta de calor vital. Ou seja, caso fossem submetidas a mais calor, as mulheres passariam da categoria feminina para a masculina. Foi somente no século XVIII que a diferenciação sexual e fisiológica dos sexos passou a ser feita.

    Os corpos de mulheres vêm sendo analisados e julgados por suas formas, quantidade de hormônios naturais, peso, musculatura e, também, trejeitos e comportamentos sociais. Tudo aquilo que destoa do que se considera naturalmente mulher é constantemente cerceado, eventualmente isolado e, em casos mais extremos, excluído de competições.

    Talvez seja relevante apontar sobre o quanto todo este debate é feito em torno de uma construção social acerca do que é um corpo feminino. Imane Khelif não é a primeira atleta a passar por este constrangimento.

    O caso de Maria José Martinez-Patiño, ao final da década de 80, torna o debate emblemático a partir dessa busca cada vez mais interna e minuciosa desse lugar da feminilidade. Martinez-Patiño era atleta de nível olímpico e foi aprovada em inúmeros testes de feminilidade ao longo dos anos 80, até ser reprovada em um teste de cromatina sexual em 1986, sendo impedida de participar das competições olímpicas de 1988.

    O que é cromatina sexual, e qual sua relação com testes de feminilidade?

    Cromatina é a molécula de DNA enrolada em proteínas, chamadas histonas, no núcleo das células. Talvez o nome mais comum que vocês, leitores, aprendam na escola seja o cromossomo, que é quando a molécula de DNA está enrolada em sua compressão máxima – o que acontece pouco antes de uma célula se dividir. A Cromatina é esta mesma molécula menos comprimida, dentro da célula. Em seres humanos, em geral, temos 23 pares de cromossomos (somando 46). Pode haver diferença para mais ou para menos, em casos específicos. No caso das cromatinas sexuais, pode-se ter variações como XX, X , XY ou XXY. Quando há em nossas células mais do que uma cromatina X, a segunda cromatina forma um condensado, que permanece inativo, o que chamamos de corpúsculo de barr. E é a partir da detecção da presença e ausência deste corpúsculo – ou de uma quantidade de cromatinas sexuais diferentes de 2, que analisamos isso que chamamos de sexo biológico.

      No Brasil também temos o caso da judoca Edinanci Fernandes da Silva, que se viu em meio a uma disputa pelo direito de participar dos campeonatos, necessitando comprovar que é mulher, em 1996.

    Dutee Chand, atleta indiana, em 2015 passou pelo processo de provar que é mulher e deveria ter seu direito garantido nas competições. Segundo a reportagem do El País, “o Comitê Olímpico Internacional (COI) (…) está com problemas para decidir quem não é mulher para competir sem vantagens injustas”.

    O termo ”vantagens injustas”, para nós, grita nessa frase acima. O que seria uma vantagem justa ou injusta, dentro do panorama biológico? Essa é uma pergunta importante que vamos falar mais para frente. Antes disso, gostaríamos de voltar para a questão cerne disso tudo que é:

    sexo é biológico, gênero é social?

    De maneira geral, existe um senso comum que diz que sexo é um fato biológico e gênero uma construção social. Nesta perspectiva, sexo biológico é vinculado a um conjunto de características pragmáticas e incontestáveis, padronizáveis e factuais.

    Sexo, assim, é a presença de cromossomos sexuais, hormônios sexuais, genitálias específicas internas e externas, gametas, etc. Mais do que isto, o sexo biológico, que demarca fêmea e macho, são linearidades compostas por todo este conjunto.

    Ainda dentro dessa premissa, tudo o que diz respeito à identidade de gênero, é uma construção social. Ou seja, ser mulher e homem diz respeito a papéis desempenhados socialmente e são parte do aprendizado que constitui isso que chamamos de identidade.

    Todavia, essa separação entre gênero e sexo não é tão límpida e tranquila como pode parecer.

    Primeiramente, em função de que alguns elementos biológicos participam do que conceituamos como comportamentos. Hormônios, como a testosterona e o estrogênio, por exemplo. Por outro lado, ambos hormônios estão presentes em corpos que foram designados como machos e fêmeas. Mas também são carregados de sentidos e noções de feminilidade e masculinidade que transbordam (e muito) de características mensuráveis e facilmente delimitadas em modelos científicos.

    Em um volume recente do renomado periódico Cell Press, há um debate intenso exatamente sobre o que define sexo biológico, apontando o quão frágil é usar a noção de ”sexo biológico” como categoria dentro da ciência.

     Ao contrário do imaginário social mais comum, existem muitos modelos que identificam o que é macho e fêmea. E será somente no século XIX que acontecerá uma profissionalização e especialização acerca dos estudos sobre sexo biológico.

    Esses modelos dizem respeito a quais características e elementos biológicos estão sendo levados em conta quando apontamos para alguém e dizemos que é homem ou mulher.

    São inúmeros modelos que se centram ora nas genitálias, ora nos hormônios, hora em genes e cromossomos, ora em características físicas ao longo dos últimos dois séculos. E uma das grandes questões que foram sendo percebidas é que quanto mais se pesquisava e mais se buscava uma definição simples para o que é sexo biológico, menos precisas se torna essa categoria.

    Ou seja, existem sempre exceções às regras dos estudos científicos. Mas nesta busca pela categorização simples e linear, os corpos que não se encaixavam, à revelia da sua qualidade e condição de vida autônoma, funcional e independente, eram tomados como patológicos.

    Há cientistas que, em um debate crescente, vem discutindo outra possibilidade, que vem se fortalecendo!

    Não, o sexo não é binário!

    Durante a formação escolar em ciências e biologia, aprendemos que o corpo humano possui dimorfismo sexual. Isto é, o corpo de machos e fêmeas são diferentes. De um lado, entendemos como corpo masculino aquele que possui cromossomos XY, pênis, testículos, maior produção de pelos, etc. Já do outro lado, temos o corpo feminino, que possui ovários, útero, vagina e seios. Mas será que essa classificação binária é suficiente para descrevermos o corpo humano?

    Em 1993, há 21 anos atrás, foi publicado um importante estudo que já apontava a não adequação da visão binária de sexo biológico. Anne Fausto-Sterling, professora de Biologia e Estudos de Gênero do departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioquímica da Universidade de Brown, vem sendo uma referência em estudos neste âmbito.

    Em seu trabalho intitulado “The Five Sexes: Why Male and Female Are Not Enough” Fausto-Sterling explica a existência de, pelo menos, cinco sexos. Para isso, leva-se em consideração a diversidade de genitálias e combinações de características físicas, fisiológicas, genéticas e características cromossômicas. Na história, conhecemos casos de pessoas XY com características físicas femininas e casos de pessoas XX com características masculinas. Sua pesquisa foi muito importante para demarcar e colocar em xeque a lógica do binarismo sexual.

    O que se define como sexo biológico não é a mera existência de uma ou outra genitália, portanto. Assim, o que delimita o sexo de uma pessoa passa por diversas camadas, sendo a caracterização cromossômica apenas a primeira delas. Os cromossomos vão auxiliar na formação de ovários ou testículos embrionários, mas após isso temos a atuação dos hormônios sexuais fetais, produzidos pela estrutura embrionária formada. Nesse passo os hormônios fetais vão direcionar o desenvolvimento do sexo reprodutivo daquele ser humano em formação, que se completa por volta do quarto mês de gestação.

    É importante destacar que as diferentes camadas de diferenciação não são, necessariamente, binárias e podem, inclusive, ser conflitantes entre si. Como se não bastasse toda a complexidade sexual durante a formação embrionária, também existe a produção de hormônios sexuais na puberdade, o que vai levar à maturação de órgãos sexuais. Por essas razões, entra em debate a existência das pessoas intersexo (cujas características físicas e/ou cromossômicas não se adequam ao padrão masculino/feminino da sociedade).

    Corpos dissidentes e o padrão imposto

    Segundo pesquisa da ONU, entre 0,05% e 1,7% da população mundial seria intersexo. Levando em conta que a população mundial atual é de, aproximadamente, 8,2 bilhões de pessoas, cerca de 41 milhões a 140 milhões de pessoas são intersexo no mundo todo.Para se ter ideia, essa quantidade de pessoas no mundo, equivalem à aproximadamente 70% de toda a população brasileira (203.080.756, censo do IBGE de 2022). Se a quantidade de pessoas intersexo é tão alta, não deveríamos apagar essas pessoas através do binarismo de gênero, impondo como única possibilidade.

    Por falta de leis e políticas públicas que defendam pessoas intersexo, essas pessoas acabam sendo submetidas, em muitos casos, a cirurgias de redesignação sexual. Tal cirurgia é uma suposta correção para adequação ao que se tem como padrão e leva-se em conta a proximidade com uma genitália masculina ou feminina. Esse tipo de procedimento, além de ser violento, tem como pressuposto uma padronização binária, a partir do saber médico e senso comum social. Quando esses corpos ousam existir fora do padrão binário imposto, vemos surgir corpos dissidentes.

    Pessoas trans também possuem corpos dissidentes, já que o padrão é que pessoas sejam cisgêneras (ou seja, se expressem e se comportem dentro dos padrões de gênero designados ao nascer, levando em conta sua genitália). Além disso, a transgeneridade desafia o que é ser homem ou ser mulher, já que são pessoas que possuem corpos lidos como sendo de um gênero, mas são expressos socialmente como sendo de outro. A vivência e existência de corpos que habitam espaços antes dominados, exclusivamente, por pessoas cisgêneras levanta a questão da transfobia e exclusão de pessoas desses espaços.

    A dissidência, portanto, reafirma que padrões sociais foram impostos. Padrões estes que criam regras de existência que marginalizam, oprimem e, também, violentam pessoas. Isso também vale para direitos sociais que parecem básicos e todos têm direito em nosso país, mas não são, como registro civil. Isto é, ter um corpo dissidente, em nosso país (e vários outros), é perder direitos considerados mínimos a qualquer cidadão brasileiro.

    O esporte como espaço de generificação e exclusão de corpos

    O que estamos trazendo aqui não é um trabalho isolado e perdido no meio de consensos científicos binários. Pelo contrário, são trabalhos acadêmicos que vêm apontando o quanto o binarismo, quando se trata de sexo biológico, tem história, viés, perspectiva. Mais do que isso, regulamenta e legitima lugares sociais, patologiza corpos e os tornam marginais em acesso à saúde, dignidade, registros e, também, em condições de, por exemplo, participar de competições esportivas.

    No contexto da valorização da família, da higienização dos corpos e do fortalecimento da raça, ser feminina é ser saudável e bela para cumprir os desígnios de seu sexo: o casamento e a procriação, circunscrevendo suas atribuições majoritariamente ao espaço privado. O temor de que a mulher pudesse romper com algumas barreiras que delimitavam as diferenças culturalmente construídas para cada sexo tornou imperiosa a sua feminização, caso contrário, considerando a lógica binária dos sexos, estaria se virilizando. Consoante esse discurso, a inserção performática das mulheres no esporte era observada como uma forma de masculinizá-la, seja porque alteraria seu corpo, potencializando-o, seja porque interferiria em sua conduta, concedendo ao seu caráter atributos reconhecidos como viris (GOELLNER, 2016).

    Silvana Goellner, professora e pesquisadora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vem debatendo sobre como o esporte é um espaço de legitimação do sexo e gênero, definindo como esta participação se dá.

    É importante trazer à pauta o quanto esta luta de Imane Khelif traz inúmeros preconceitos juntos, dentre eles a reafirmação da feminilidade como traço do que é ser mulher. Imane é uma mulher, cisgênera, que foi fortemente atacada nesta última olimpíadas em Paris (2024) e dentre os ataques, a ideia de perda de feminilidade – ou de masculinização – esteve presente.

    Quando Goellner aponta para o esporte como um campo de generificação de corpos, ela afirma o quanto este é um tipo de prática cultural que recoloca, o tempo inteiro, até onde determinados corpos podem ser definidos como mulheres e, portanto, podem competir sem vantagens injustas.

    O que o esporte faz, constantemente, é dizer que tipo de feminilidade é aceita como natural, mesmo os corpos existindo em sua naturalidade.

    Vantagens injustas

    O que se toma como vantagem injusta, em uma competição, é a quantidade de testosterona – e somente ela – no que diz respeito ao corpo de mulheres cis e trans. Não vamos nos alongar aqui neste tópico, mas apenas fazer uma provocação sobre o quanto a ideia de vantagem diz respeito mais à legitimação constante de gênero, do que efetivamente um ou outro tipo de corpo ter uma suposta vantagem biológica.

    Esportes de alto rendimento se vinculam a corpos extremamente diferentes. Ginastas artísticos possuem baixa estatura, em geral. Já no basquete, os atletas são altos. No levantamento de peso, definitivamente possuem musculatura muito desenvolvida e definida. Já em alguns esportes, como judô, arremesso de peso e outros, apesar da força, não necessariamente temos definição muscular aparente – com corpos que culturalmente chamamos de gordos.

    Existem algumas características físicas que são proporcionadas pela prática esportiva – aumento da massa muscular certamente se inclui nisso. E o treinamento aumenta habilidades dos atletas. Mas existem tipos de corpos, ou características físicas, que são mais condizentes com o tipo de esporte desenvolvido. A altura para a ginástica artística e o basquete são um exemplo disso. Mas não chamamos de vantagem injusta, nem delimitamos tamanhos mínimos e máximos para participar de competições (apesar de ambos estarem fora do padrão de tamanho da maioria das nossas sociedades).

    A biologia, aparentemente, só pode ser vista como vantagem e exaltada se estiver em corpos de homens cisgênero.

    A biomecânica do corpo de Michael Phelps, unida à presença de genes que provocam uma recuperação muscular mais rápida, ou as fibras de contração muscular, que também são características genéticas e melhoram o desempenho de Usain Bolt, aparentemente, podem e devem ser exaltadas como incríveis destes seres humanos.

    Todavia, a testosterona natural no corpo de mulheres será apontado, notificado, calculado, notificado e, se possível, usado para eliminar estas pessoas de competições.

    Discurso de ódio e moralização dos corpos nas redes

    Recentemente, a boxeadora Imane Khelif deu uma entrevista em que disse que ter sido confundida com uma mulher trans, ter sido lida, por conservadores, como homem trouxe vergonha para sua família e mulheres de todo o mundo. Infelizmente, esse tipo de discurso não é surpreendente, levando-se em conta que atos considerados homossexuais são criminalizados na Argélia. A transfobia é um assunto que deve ser tratado com bastante seriedade e combatido em toda sua forma – e não coadunamos, nem deixaríamos de demarcar isto em nosso texto.

    Contudo, cabe ressaltar também o quanto vários discursos transfóbicos contra a boxeadora foram amplamente difundidos nas redes sociais. A repercussão foi aumentada pelo candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo bilionário dono da SpaceX e X, Elon Musk, que se referiram a Khelif no masculino. Além do caso da medalhista olímpica, outras celebridades já utilizaram sua plataforma e voz nas redes sociais para atacar direitos de pessoas trans. Um dos casos recentes mais famosos é o da escritora da franquia Harry Potter, J. K. Rowling, que segue insistindo em seus ataques violentos contra toda a comunidade trans e travesti em suas falas – dentro e fora das redes sociais.

    Este tipo de posicionamento é inadmissível e não há, em nenhum contexto, justificativas para isto. E tomando tudo o que discutimos neste texto, tomar Imane Khelif como homem por julgar seu corpo masculinizado, entra em tantas camadas de crueldade, preconceito e desinformação, que jamais aceitaremos como tranquilo.

    Finalizando

     Infelizmente, este debate não se encerra de maneira simples. A proposta de compreensão de que corpos dissidentes existem e precisam ser reconhecidos como tal ainda está andando em passos lentos em nossa sociedade – e na ciência.

    Contudo, é preciso que consigamos pautar com mais frequência estas questões. A ciência, assim como a divulgação científica têm (ou deveriam ter) uma atuação que possibilitasse vivências com mais dignidade e direitos sociais, a partir de seus estudos.

    Reconhecer a diversidade que existe e é parte de nossa sociedade, nossa biologia enquanto espécie, faz parte dessa atuação, é compromisso diário com a produção de conhecimento e a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e ética.

    Recentemente, em fala na FLIPEI, Rita Segato apontou sobre como nossa sociedade deveria rumar para uma democracia da diversidade, mais do que uma democracia da maioria. E isto implicaria em reconhecer, como espaços de ciência, cultura, sociedade, saúde, educação, a diversidade como premissa de nossa vida. Hoje, encerramos este texto com a esperança de poder contribuir, ainda que minimamente, com este debate público e científico.

     

    A ciência e a divulgação científica que negligenciam a diversidade de corpos, negligenciam direitos humanos e civis básicos.

     

    Para Saber Mais

    ANTISS, L (2023) Sexual Orientation and Gender Identity-Based Asylum Claims in Algeria: Challenges and Implications, Electronic Immigration Network.

    ARCOVERDE, L e SOUZA, S (2024) Quais testes de gênero podem barrar atletas nas Olimpíadas? Nexo Podcast, 01 de Agosto de 2024.

    AZEVEDO, Luis Felipe (2024) ´Homem biológico´e ´trans´: bolsonaristas propagam informação falsa sobre lutadora intersexo que compete em Paris, O Globo

    BBC MUNDO (2024) A polêmica luta de boxe de 46 segundos entre argelina e italiana na Olimpíada, BBC Mundo.

    BBC NEWS BRASIL (2022) Natação barra de competições femininas as atletas trans que passaram por puberdade masculina, BBC News Brasil

    BEZANTS, J (2024) Imane Khelif responds to Donald Trump calling her a man Daily Mail UK.

    CESAR, C (2024) Caso de boxeadora argelina reprovada em teste de gênero provoca onda de desinformação nas redes, Carta Capital

    COI (2018) IOC Gender Equality Review Project, COI

    COI (2024a) Medical Rules for the Olympic Boxing Qualifying Tournaments and the Boxing Competition at the Olympic Games Paris 2024, COI Paris 2024 Boxing Unit

    FAUSTINO, M (2024) Atleta não mudou de sexo para disputar boxe feminino nas Olimpíadas, Aos fatos

    FAUSTO-STERLING, A (1993) The five sexes: Why male and female are not enough, The Sciences, v 33, n 2, p. 20–24, 4 mar.

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    IG Gente (2024) Boxeadora argelina é trans? Entenda a polêmica que gerou ataques nas Olimpíadas, IG Queer

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    VELOCCI, B (2024) The history of sex research: Is sex a usefull category? CELL PRESS, Volume 187, ISSUE 6, P1343-1346, March 14.

    Sobre quem escreveu

    Daniel Santana de Carvalho é mestre e doutor em genética, atualmente trabalha como pós-doc no Laboratório de Botânica (LABOT) da Universidade Federal da Bahia e faz divulgação científica de genética, bioinformática e diversidade na ciência no instagram @cienciaforadoarmario. Nas horas vagas gosta de costurar, ir à praia e receber amigues em casa.

    Ana de Medeiros Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Como citar:  

    Arnt, Ana de Medeiros; Carvalho, Daniel Santana (2025). Então você acha que sexo biológico é binário? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2025/01/21/entao-voce-acha-que-sexo-biologico-e-binario/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Ilustração digital e edição: clorofreela

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