Categoria: / Ciências Biológicas

  • O bem-estar do povo brasileiro e o êxito econômico dependem da conservação do oceano

    Qual a importância da conservação marinha para o Brasil e seu desenvolvimento econômico e bem-estar da população?

    Autoria

    Juliana Di Beo

    Arquipélago de Trindade e Martim Vaz. Foto: Wikimedia Commons

    Levantamento inédito sobre a biodiversidade marinha e costeira brasileira e seus serviços ecossistêmicos alerta os tomadores de decisão sobre a importância econômica da preservação do oceano.

    Salvador (BA) – Milhares de fiéis comparecem à Praia do Rio Vermelho, com oferendas para Iemanjá, durante as comemorações de seu dia. Foto: Wikimedia Commons

    O sumário para Tomadores de Decisão do “1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” foi lançado no dia 23 de novembro pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. O relatório reúne os principais resultados de forma contundente e objetiva que demonstram o papel do oceano na economia, no bem estar, na regulação climática e na geração de benefícios imateriais – relacionados à cultura, aprendizagem e experiências –  inestimáveis.

    As atividades econômicas relacionadas a regiões marinhas e costeiras respondem por 20% do Produto Interno Bruto nacional e abrangem setores distintos, como pesca, aquicultura, turismo, mineração e navegação. Por outro lado, a degradação a que o oceano vem sendo submetido ameaça os ambientes marinhos  – que abrigam a rica diversidade de espécies, responsável por sustentar processos ecossistêmicos que são a base dos benefícios providos pelo oceano.

    A fragmentação e a perda dos ambientes marinhos  – explica o diagnóstico – são causadas, sobretudo, pela transformação no uso do solo e do mar; poluição, sobre-exploração de recursos, ou seja, a exploração para além da capacidade de recuperação natural; a introdução de espécies exóticas invasoras e mudanças climáticas.

    Dentre os ambientes marinhos que são mais impactados, estão os manguezais que perderam 2% de área entre 2000 e 2022, praias e dunas sofreram diminuição de 15% entre 1985 e 2019, e as pradarias e gramas marinhas perderam entre 30 e 50% no período de 1980 até os anos 2010. A perda gradativa desses ambientes expõe a zona costeira aos danos intensificados ou provocados pela mudança climática, como erosão, aumento do nível do mar e tempestades.

    Trazer à luz a agenda oceânica

    O relatório sistematiza conhecimentos que não deixam dúvidas sobre a urgência de ações de conservação para reverter essa crise ambiental. Mas, para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e um dos autores do diagnóstico, ainda são poucas as ações dos tomadores de decisão para conservação oceânica.

    Nas palavras dele: “as pessoas e os tomadores de decisão estão mais preocupados com a temática porque isso vem sendo fortalecido no âmbito da sociedade e com isso eles se sentem pressionados. Pontualmente, vemos alguns tomadores de decisão trabalhando com isso de forma muito estruturada e consistente, mas não necessariamente isso é algo generalizado”.

    O estudo lança luz para a importância da implementação efetiva de políticas públicas para frear a degradação dos ambientes, segundo o diagnóstico “o futuro do oceano e da biodiversidade da zona marinha-costeira depende da implementação efetiva e da avaliação de políticas públicas com vistas à sua adaptação”.

    É preciso também de ações de divulgação e difusão da cultura oceânica, um movimento global que tem a intenção de fazer as pessoas reconhecerem a influência do oceano em suas vidas e a influência humana sobre o oceano, com potencial de engajamento da população tornando o conhecimento acessível e democrático. Além disso, o relatório enfatiza que o oceano sustentável depende da sinergia entre conhecimentos científicos e das comunidades tradicionais, pesqueiras e indígenas.

    “A valorização dos diferentes saberes e o fomento à pesquisa preencherão importantes lacunas de informação para a tomada de decisão, como a compreensão da estrutura e do funcionamento dos sistemas ecológicos e sociais, o monitoramento das tendências sociais e ambientais ao longo do tempo e o desenvolvimento de novas tecnologias para a inovação”, concluem os autores do relatório.

    Fonte: BPBES – Adaptado (cores)

    Agora é preciso que os tomadores de decisão pautem o relatório em suas ações políticas para consolidar uma agenda oceânica robusta. Turra comenta sobre este próximo passo, “espero que o relatório seja usado para trazer bastante objetividade na forma como a gente discute a temática de oceano, para que a transição para um oceano sustentável ocorra, considerando os princípios de governança que nós trazemos, e que aqueles indicadores, ou aquela situação que a gente colocou seja alterada.

    Eu também imagino que seria muito importante que a gente conseguisse fortalecer um sistema de indicadores que pudesse permitir uma variação mais periódica do que a gente traz no diagnóstico, que são as importâncias do ambiente marinho, as informações sobre biodiversidade que sustentam essas importâncias e os vetores que vão pressionar. Precisamos colocar isso em prática”.

    Parceria:

    Sobre quem escreveu

    Juliana Di Beo: sou bióloga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista Mídia-Ciência Fapesp pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Atuo com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica e o acesso aberto ao conhecimento na Rede Ressoa Oceano.

    Como citar:  

    Di Beo, Juliana. O bem-estar do povo brasileiro e o êxito econômico dependem da conservação do oceano. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/o-bem-estar-do-povo-brasileiro-e-o-exito-economico-dependem-da-conservacao-do-oceano/, Acesso em: DD/MM/AAAA

     

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Por keemkai villadums no Pexels (original) e expansão generativa Photoshop

    Edição: clorofreela

  • Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos

    Autoria

    Paulo Andreetto de Muzio

    O plástico é um produto barato, versátil e bastante difundido por todo o mundo. Seu descarte inadequado constitui um problema ambiental que cresce cada vez mais. Microplásticos já haviam sido encontrados em peixes, aves, água engarrafada e até mesmo no leite materno humano. Neste contexto, uma pesquisa recém-publicada apresentou o primeiro registro de morcegos contaminados por microplásticos.

    O morcegos são uma ordem de mamíferos bastante diversa, prestando serviços ecossistêmicos imprescindíveis, como a polinização, a dispersão de sementes e o controle de insetos (inclusive pragas agrícolas). Algumas espécies de plantas pioneiras necessárias à regeneração de áreas degradadas, por exemplo, são polinizadas e dispersas exclusivamente por morcegos.

    Desde 2017, foram analisados 81 morcegos de 25 espécies diferentes, que ocorrem em 26 pontos rurais e urbanos do estado do Pará, como áreas de vegetação natural, de plantação de cacau e dentro de cidades ou próximo a elas. Os resultados mostraram que 96,3% dos morcegos possuíam resíduos plásticos em pelo menos um de seus órgãos analisados: pulmões, estômago e intestino.

    Os microplásticos compreendem tamanhos micro (1 a 5 milímetros) e nano (menores que 1 milímetro). Os resíduos plásticos estão distribuídos em todos os ambientes, seja no ar atmosférico, seja no ambiente terrestre. Aqueles do tipo fibra são os mais abundantes no ambiente e provêm principalmente das roupas, da degradação das fibras têxteis plásticas. Esse produto de degradação tem sido observado na precipitação atmosférica, transformando-se em microfibras respiráveis, o que por si só sugere potencial exposição das microfibras a organismos que apresentam respiração pulmonar.

    O estudo acende um alerta, já que seres humanos e morcegos possuem sistemas respiratórios semelhantes, podendo ser suscetíveis a contaminações semelhantes. Ainda assim, nos resultados da pesquisa, houve uma diferença significativa entre a contaminações do sistema respiratório e do digestivo, sendo que o segundo foi mais afetado.

    A ingestão de microplásticos causam efeitos adversos em diferentes espécies, como alteração das funções endócrinas alteradas, diminuição da massa corporal dos filhotes e inflamação dos tecidos. Nas aves, causa desaceleração no desenvolvimento sexual. Em altas concentrações, podem ainda causar uma falsa sensação de saciedade, levando os indivíduos à fome. Além disso, microrganismos e metais podem aderir às superfícies dos microplásticos, sendo contaminantes adicionais. Nos morcegos, a ingestão e a inalação de microplásticos podem causar até a extinção local de espécies, afetando as funções do ecossistema, como como polinização, dispersão de sementes e controle de insetos.

    Os morcegos possuem diferentes características de forrageamento, considerando tanto o tipo de alimento (flores, frutos, invertebrados e vertebrados) e estratégia de captura (áreas abertas, clareiras, bordas de vegetação) e habitat (urbano ou intocado). Assim, a contaminação de morcegos insetívoros e onívoros pode ser explicada pela transferência de resíduos plásticos entre diferentes níveis tróficos. As microfibras também podem ser depositadas nas superfícies de frutas e organismos terrestres. Dessa forma, os morcegos podem absorver alimentos e inalar microfibras em aerossol, permitindo a contaminação por ingestão e inalação, respectivamente.

     

    Sobre quem escreveu

    Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor. Atua na Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).

    Como citar:  

    Muzio, Paulo Andreetto. (2024). Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/estudo-traz-primeiro-registro-de-contaminacao-por-microplasticos-em-morcegos/. Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Morcego – CC BY 2.0 por Andy Morffew no Wikimedia Commons (original); identificado na wikipedia como Carollia perspicillata

    Recipientes plásticos – Imagem por rawpixel.com (original)

    Edição: clorofreela

  • Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil

    Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil

    Autora

    Amanda Magalhães

    Outubro tem sido um mês movimentado para o mercado de carbono. No dia 2, as manchetes foram dominadas por um escândalo de fraude envolvendo a venda de créditos de carbono de terras públicas na Amazônia. Apenas dois dias depois, o Senado aprovou a proposta substitutiva da PL 412, que desenha as diretrizes para a regulamentação desse mercado no país.

    No artigo de hoje, vamos explorar os principais pontos dessa proposta de regulação do mercado de carbono brasileiro, alguns de seus desafios e, claro, como a tecnologia pode ajudar a endereçá-los.

    Começando pelo começo: o que é o mercado de carbono?

    De forma bem resumida, o mercado de carbono é um sistema que permite que empresas, organizações e indivíduos compensem as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir da compra de créditos gerados por projetos de redução de emissões e/ou de captura de carbono.

    Nesse sentido, é importante saber que há dois tipos de mercado de carbono: o voluntário e o regulado.

    No mercado voluntário, não há uma obrigação legal de redução das emissões. Porém, muitas organizações possuem suas próprias metas de descarbonização para atender às demandas do mercado por operações mais sustentáveis. Assim, podem recorrer por livre e espontânea vontade (e pressão 😅) à compra de créditos de carbono para compensar suas emissões, negociando o preço deste crédito com a contraparte.

    Já no mercado regulado, a conversa é diferente. Aqui, entidades governamentais definem as regras,  delimitando metas ou limites de emissões para os setores e suas organizações. Aquelas que conseguem emitir menos que o teto estabelecido podem vender seus créditos de carbono às que excederem o limite, a um preço definido pelo regulador. Ao longo do tempo, os tetos ficam cada vez mais baixos, o que encarece o fechamento da conta e cria incentivos para a descarbonização.

    Imagem extraída de Infográfico do BNDES

    E por falar em mercado regulado….

    A proposta aprovada na Comissão de Meio Ambiente do Senado e que, na ausência de contestações, seguirá para a Câmara dos Deputados propõe a instituição do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), um mecanismo de cap and trade semelhante ao existente na União Europeia.

    Você pode estar se perguntando: o que é esse tal de cap and trade? 🧐

    Simplificando, esse termo chique significa que os entes regulados recebem, de forma gratuita ou onerosa, permissões para emitir uma certa quantidade de poluentes (cap). Cada uma dessas autorizações de emissão, chamadas de Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), equivale a uma tonelada de CO2.

    Para fechar a conta, se a organização regulada emitir mais que as CBEs que possui precisará comprar créditos de carbono que sigam as metodologias credenciadas. A organização que emitir menos do que tinha direito – ou seja, tiver um saldo positivo de CBEs – pode vender o excedente para outra que esteja no negativo (trade). 

    Com isso em mente, já dá para começar uma conversa bacana sobre a proposta em tramitação no governo, mas aqui vão alguns outros pontos importantes para saber:

    • Abrangência: as regras do SBCE se aplicarão a empresas e instalações que emitirem acima de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano. Elas devem monitorar e entregar um relatório de suas emissões. As que passarem de 25 mil toneladas anuais estarão sujeitas a limites.
    • Governança: A governança será composta pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, pelo órgão gestor do SBCE e pelo Grupo Técnico Permanente. A proposta também define que os ativos do SBCE e os créditos de carbono são ativos mobiliários e que sua negociação deverá ser regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
    • Comunidades tradicionais: o texto da proposta assegura aos povos indígenas e comunidades tradicionais o direito à comercialização de créditos de carbono gerados nos territórios que tradicionalmente ocupam, caso cumpridas salvaguardas socioambientais e algumas condições adicionais.
    • E o Agro? 🐮 O setor agropecuário ficou de fora da proposta de regulação, o que gerou controvérsias, já que as atividades do setor respondem por parte significativa das emissões do país. Segundo dados do Observatório do Clima, em 2021, quase 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil foram relacionadas ao uso do solo: 49% provenientes do desmatamento e 25% da agropecuária.

    A tecnologia como grande aliada

    Ainda sobre a polêmica do Agro, um dos argumentos da bancada ruralista para a exclusão do setor da proposta é que mensurar as emissões do agronegócio é extremamente complicado. Sem entrar no mérito da argumentação (o assunto daria pontos e contrapontos para mais um artigo inteiro), aqui temos um bom gancho para pensar como a tecnologia está sendo empregada para endereçar desafios como este.

    Olhando especificamente para as mudanças no uso do solo, não faltam exemplos de inovação com impacto positivo para o clima. A começar pelas tecnologias de sistemas agroflorestais, que introduzem técnicas de produção mais sustentáveis, com a valorização do policultivo e da floresta. Em levantamento de 2020, a Aliança pela Restauração da Amazônia identificou na região mais de 1.600 iniciativas de restauração por meio de sistemas agroflorestais.

    Outros exemplos que vale destacar são as soluções de monitoramento territorial, que analisam dados capturados por drones e satélites para detecção de áreas desmatadas, pastagens degradadas e zonas específicas de emissão de GEE. Um case interessante é o da startup Bioflore, que utiliza inteligência artificial e dados obtidos por sensoriamento remoto para monitorar o estoque de carbono e a diversidade de espécies em diferentes ecossistemas do Brasil.

    Fonte: Journal of the Society for Ecological Restoration

    Sobre o controle de emissões da pecuária, existem dispositivos não invasivos que mensuram a produção de metano e outros gases diretamente do hálito do animal. Além do desenvolvimento de suplementos e aditivos alimentares introduzidos na dieta do gado para reduzir suas emissões de metano.

    A startup australiana Rumin8, por exemplo, produziu em laboratório um suplemento que contém bromofórmio, o ingrediente ativo das algas marinhas que inibe a produção de metano. Segundo o site da companhia, os testes do produto demonstram um potencial de redução de até 85% do gás metano emitido pelo gado. Nada mal, né? 🤔

    Expandindo o olhar para outros setores da economia, poderíamos escrever um livro com cases fascinantes do uso de tecnologia para mensurar, reduzir e monitorar as emissões de carbono.

    De plataformas sofisticadas de MRV (monitoramento, relato e verificação) ao uso de blockchain nas transações de créditos de carbono, a inovação tecnológica está desempenhando um papel crucial para encarar os desafios não só do mercado de carbono, mas dos esforços climáticos como um todo.

    Até a próxima!

    Dica Extra:

    No dia 10/10, a Climate Ventures lançou a versão beta da Plataforma Onda Verde, ferramenta que consolida a maior base de soluções verdes da América Latina. Lá, você conseguirá se conectar gratuitamente com diversas startups, cooperativas e demais iniciativas construindo uma economia de baixo carbono.

    Para saber mais

    A ONDA VERDE (sd) Conexões inteligentes para impulsionar negócios verdes Plataforma Onda Verde

    BNDES (2022) Infográfico BNDES: Como funcionam os mercados de carbono? Blog do Desenvolvimento, Agência de Notícias BNDES

    CLIMATE VENTURE Case – Bioflore: novos caminhos para a restauração e conservação florestal Climate Venture

    MAGALHÃES, A (2023) Do satélite às manchetes de jornal: como os dados de desmatamento chegam até você Blogs de Ciência da Unicamp: Natureza Crítica

    SENADO FEDERAL (2022) Projeto de Lei n°412, de 2022Atividade Legislativa, Senado Federal

    TEIXEIRA JUNIOR, S (2023) O agro está fora do mercado de carbono. O que isso significa? UOL, re|set

    Wri Brasil Sistemas Agroflorestais (SAFs): o que são e como aliam restauração e produção de alimentos Wri Brasil Notícias

     

    Sobre a autora

    Como citar:  

    Magalhães, Amanda. (2023). Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/entre-regulacao-polemica-e-inovacao-o-mercado-de-carbono-no-brasil/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem de Freepik, arte por Juliana Luiza.

  • Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo

    Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo

    Autora

    Jaqueline Nichi

     Brasil enfrentou o mês mais quente em 62 anos e foi só mais um reflexo do recorde de calor registrado em todo o mundo: a China estabeleceu um novo recorde de temperatura nacional de 52,2 °C, geleiras da Antártida alcançaram recordes de derretimento e inundações na Índia e na Coreia do Sul deixaram milhares de desabrigados. Um sistema de alta pressão chamado Cerberus — em homenagem ao cachorro de três cabeças da mitologia grega — causou incêndios florestais e condições extremas de calor na Europa, resultando na morte de mais de 60 mil pessoas.

    O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, anunciou que entramos na era da “fervura global” devido aos eventos climáticos destacados em 114 primeiras páginas de 84 jornais em 32 países, segundo o Carbon Brief.

    Ao avaliar a cobertura do tema em jornais e revistas de todo o mundo, fica evidente que a notícia precisa se aproximar mais do público e reduzir o jargão técnico. Essa análise também é resultado de uma pesquisa do Instituto Modefica, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que também aponta ser preciso ir além das pautas sobre Amazônia e explorar com mais profundidade as causas e os responsáveis pelas crises ambientais.

    De fato, o jornalismo é um instrumento relevante para conscientizar e gerar diálogo a respeito das mudanças climáticas. A cobertura da pauta climática pode influenciar as políticas públicas, as ações individuais e empresariais e mobilizar soluções.

    A partir da análise do estudo e da cobertura midiática global sobre a crise climática, cinco aspectos se destacam:

    1. Enquadramento da notícia: como a mídia apresenta as histórias climáticas é crucial. Isso inclui a escolha de palavras, títulos, manchetes e imagens utilizadas. Enquadramentos positivos podem inspirar ações, enquanto enquadramentos negativos podem causar desânimo e apatia. A cobertura também pode se concentrar em impactos locais ou globais, bem como em diferentes setores da sociedade.
    2. Precisão e evidências: as questões climáticas são complexas e multidisciplinares, o que exige que os jornalistas tenham um entendimento sólido dos conceitos científicos subjacentes. A utilização de fontes confiáveis e cientificamente embasadas é fundamental para manter a credibilidade.
    3. Diversidade de vozes: a pauta climática deve refletir uma variedade de perspectivas, incluindo científicas, políticas, econômicas e a visão das comunidades mais afetadas. Isso ajuda a enriquecer o debate e oferece uma compreensão mais completa das implicações das mudanças ambientais.
    4. Soluções e ações: além de relatar os problemas, a mídia deve destacar soluções e ações concretas. Isso pode envolver apresentar iniciativas aplicáveis, políticas inovadoras, tecnologias verdes e mudanças de comportamento que contribuam para a mitigação e adaptação às mudanças do clima.
    5. Contextualização e intersecções: as questões climáticas não estão isoladas de outros eventos e tendências sociais, políticas e econômicas. As notícias climáticas devem compor um cenário mais amplo e destacar as conexões entre clima, saúde pública, justiça social, economia e outros aspectos relevantes.

    A cobertura das mudanças climáticas também enfrenta desafios, como a polarização política, a desinformação e o ceticismo em relação à ciência. É importante que a mídia aborde esses desafios de maneira eficaz para fornecer uma compreensão precisa e completa dos diferentes cenários e evitar o negacionismo climático.

    Em última análise, a cobertura da pauta climática pela mídia desempenha um papel crucial na educação pública e na promoção de ações significativas para enfrentar os desafios impostos por esta questão que afeta a todos. Assim, a qualidade e a abrangência dessa cobertura têm o potencial de moldar atitudes, influenciar políticas e contribuir para um presente com mais esperança para um futuro possível.

    Para Saber Mais

    CARBON BRIEF (2023) From Africa to Antarctica, all seven of Earth’s continents have experienced extraordinary extreme weather events this month, Carbon Brief, Clear on Climate

    FONSECA, B, GAMA, G (2023) Dados do Instituto de Meteorologia apontam novo recorde de temperaturas no meio do inverno Agência Pública

    MODEFICA (2023) Jornalismo e Engajamento Climático, São Paulo.

    Sobre o autora

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutora pelo Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Como citar:  

    Nichi, Jaqueline. (2023). Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/cobertura-sobre-mudancas-climaticas-e-distante-tecnica-e-limitada-diz-estudo/
    Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem Freepik, arte por Juliana Luiza.

  • MAGMA fora do vulcão? Conheça o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia do interior paulista

    Magma fora do vulcão? Conheça o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia do interior paulista

    Autor

    Vinicius Nunes Alves

    A ciência é dinâmica, mas tem coisa que não mudou até hoje. Ainda está valendo aquela definição que se aprende na escola sobre magma, como sendo uma camada de rochas fundidas, derretidas e extremamente quentes que ficam abaixo da superfície da Terra. Às vezes, o magma sobe por vulcões ativos em erupção e quando entra em contato com a atmosfera e se resfria, já chamamos de lava. Mas no interior paulista, existe um museu que se chama magma por outros motivos, é o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia – MAGMA, que se localiza na Rodovia Gastão Dal Farra, Km 4, Botucatu-SP. O MAGMA é um dos poucos museus do Brasil que dispõe de uma coleção com mais de 2 mil peças moldadas pela história da Terra, contando com rochas, minerais e fósseis de milhões de anos da cuesta de Botucatu e outras regiões do mundo.  

    Uma persona em foco que compartilha uma história de experiências com o MAGMA, bem como suas fases e planos futuros é Berenice Balsalobre. Ela é advogada por formação (Direito-USP), depois, por influência do museu, também se graduou em Geografia (Universidade de Brasília) e fez outras especializações na área. Até hoje Berenice é atuante dessas áreas e compõe a diretoria do MAGMA, exercendo funções de curadora e tesoureira. 

    Nesta entrevista exclusiva (originalmente publicada no blog Natureza Crítica), conheça uma pitada desse distinto e belo museu do interior paulista, que é bastante ativo e longe de se estagnar.

     

    Arquivo pessoal: Berenice Balsalobre

     

    Em 2006, o Museu de Mineralogia Aitiara foi fundado pelo alemão Erich Otto Blaich, que teve uma trajetória de vida como artista, pintor, escultor, mineralogista e educador por vocação e formação. Pouco depois, em 2008, veio o estatuto da Associação Museu de Mineralogia Aitiara. A elaboração do Estatuto foi um processo feito a várias mãos e atores?

    Foi feito a várias mãos, sim, porque essa coleção do professor Blaich já era muito antiga e o desejo dele sempre foi de proteger essa coleção passando adiante para mais pessoas. Inicialmente, ele achou que a escola Aitiara poderia ficar com a coleção para cuidar e explorar sozinha, mas passados alguns anos, ele viu que isso era uma tarefa difícil para ficar só com a escola. Um museu tem necessidades particulares e uma escola também. Por isso Blaich decidiu fundar uma Associação para proteger melhor o acervo e foi quando, formalmente, o museu ganhou uma pessoa jurídica. Mas esse estatuto, desde sua concepção, foi elaborado junto com um professor da escola, além de uma equipe bem reduzida que já ajudava no museu. Eu atuei nesse processo como advogada e, então, nós criamos essa pessoa jurídica para responder pelo museu e também para ter uma administração plural. Nesse momento, o acervo não era só do Erick Blaich, mas da Associação Museu de Mineralogia.

    A equipe que fundou essa Associação era composta por um mantenedor, um professor da escola, eu como advogada e a geóloga Valéria Teixeira. Ela foi cofundadora da escola Aitiara e se tornou professora da pedagogia Waldorf. O tempo que essa geóloga atuou foi muito importante para começar a expor toda a coleção, pois era quem tinha bastante conhecimento por formação e sempre teve muito amor pelas peças do Blaich. Em 2006, o acordo que o professor Blaich fez com a escola para fundar o Museu foi que ele pudesse ocupar uma das salas de aula da escola para estudar, cuidar e expor minerais. Esse acordo que ele fez com a escola entrou como uma doação de um fundo financeiro que essa iniciativa tinha para construir um museu.  A escola cedeu uma sala para ele e todo o acervo dele, que estava guardado em muitas caixas em sua casa, começou a sair e preencher o museu. No começo era bem precário e muitas peças ficavam em mesas improvisadas. Para deixar mais bonito, a gente colocava um pano azul sobre as mesas e em cima dispunha os minerais. A primeira exposição foi assim e depois, devagarzinho, foram sendo construídas prateleiras, daí os minerais deixaram as mesas e começaram a ir para as prateleiras.

     

    Desde a sua concepção, Erich vinculou o museu à Aitiara Escola Waldorf. Pensando em uma explicação para o público amplo, como basicamente a Pedagogia Waldorf potencializa a proposta do museu?

    Blaich, entre outras coisas, era um professor e sempre foi muito querido e carismático pelas escolas da pedagogia Waldorf que ele visitava. No início, o acervo dele ficou em uma escola Rudolf Steiner/SP que segue a pedagogia Waldorf e fica em São Paulo. Mas lá também não conseguiram ter um museu na escola e, quando o professor se mudou para Botucatu, a ideia foi vincular com a escola Aitiara, mas não com a escola tomando a frente, pois uma escola já tem o tempo ocupado por várias atividades. Então o museu passou a ser mais ligado à área da cultura, embora um museu de mineralogia seja transversal passando pelas áreas de meio ambiente, educação e artes. Dentro da grade curricular das escolas Waldorf tem uma época dedicada à mineralogia, principalmente no sexto ano. As escolas Waldorf abordam o assunto por épocas, então quando tem a época da mineralogia, os estudantes passam cerca de quatro semanas imersos em aulas desse assunto. São aulas estendidas de uma hora e meia só trabalhando mineralogia. O mesmo acontece quando é uma outra época da grade curricular, por exemplo, cultura grega é a época que as turmas só trabalham questões que envolvem direta ou indiretamente essa temática. A época da mineralogia é bastante importante dentro do currículo do ensino fundamental e os estudantes realizam inclusive uma viagem de quatro dias explorando minerais do ambiente. Uma viagem de campo leva as turmas até o Pico de Itatiaia, no Parque Nacional do Itatiaia. E por aqui na nossa região também tem visitas de campo para estudar o arenito e o basalto. Por exemplo, nessa época de mineralogia as turmas vão atrás de quartzos que ocorrem no basalto da cuesta. Todas essas atividades da época de mineralogia fazem muito sucesso dentro do ensino fundamental e é uma época muito esperada pelos alunos, então foi quase que natural essa extensão do museu para escola.

    Cada dia o museu apresenta minerais diferentes com objetivo de despertar e manter o encantamento dos alunos. A pedagogia Waldorf busca muito o encantamento para o aprendizado e quando os estudantes veem beleza, aprendem junto com o encanto. Sabemos que a Geociências tem o potencial de mostrar muitas belezas da Terra, né? A natureza já tem muitas joias naturalmente e Erick Blaich sempre teve esse olhar, não só como professor, mas também como artista plástico. Os minerais que ele queria mostrar para os estudantes tinham que ser sempre lindos. Blaich nunca se acomodava, quando ele alcançava aquele mineral lindo, ele achava que aquele era bom, mas devia ter um mais lindo que aquele. Então o que a gente tem no acervo é uma seleção de peças realmente muito bonitas. Se a gente considerar o grande museu que tem no estado de São Paulo que é o de Geociências da USP, não acho que deixamos nada a dever para ele em termos de beleza de acervo. A gente tem quartzos maravilhosos de ametista no museu que fazem sucesso entre os alunos, inclusive um quartzo verde que é uma grande drusa verde que conseguimos depois. É importante dizer também que a gente faz isso sempre respeitando as questões do meio ambiente, pois hoje a sociedade e a educação estão muito preocupadas com a sustentabilidade para não agirmos de forma predatória. Sabemos e rastreamos de onde veio aquele mineral e como foi feito aquele garimpo. É importante que a gente admire os minerais, sem deixar devastação para trás.

     

    A ideia do nome do espaço ser Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia – MAGMA contempla a interdisciplinaridade. Pode comentar sobre isso?

    De alguma forma, temos essas três áreas aqui. Estamos em um espaço de apenas 90 metros quadrados, mas também fazemos exposições itinerantes como a do Aquífero Guarani. A gente percebeu que a equipe fala muito mais do que só sobre os minerais e vai além de Geociências. A divulgação científica também ocorre de diversas formas pelo museu, por exemplo, colocamos placas educativas e explicativas sobre o Morro de São Cristóvão na escadaria da prefeitura de Botucatu. A própria Geociências é um campo aberto para outras áreas, como meio ambiente e astronomia. A formação da Terra conta muitas histórias e nosso planeta interage com o espaço, objetos como meteoritos são buscados para nosso acervo. Na escola quando chega a época da Mineralogia que comentei, os alunos não deixam de passar por Astronomia, pois acabam estudando o céu. Lembramos que os elementos químicos que estão aqui na Terra e no nosso corpo também estão no Cosmos. Já o nome “aberto” é porque o museu conversa com áreas culturais e artísticas, além de receber exposições e trabalhar para ampliar a acessibilidade. Eu sempre falo para jovens, e não só alunos da Aitiara, que o museu aos sábados é aberto à visitação pública. Nós estamos em processo de mudança para outro espaço maior na Demétria e lá nós teremos mais horários para visitação. Nesse novo espaço também teremos um pequeno observatório astronômico que será coordenado pelo geólogo e astrônomo Paulo Varela. Aliás, ele foi quem fez a feliz sugestão para do nome MAGMA para o museu.

     

     

    Qual o parentesco de Han Jorg Blaich, atual presidente do MAGMA, com o saudoso Erich Blaich? Ele também herdou a admiração pelas pequenas coisas da natureza, como uma pedra, uma flor ou um inseto?

    Filho e pai. A gente chama o Hans Jorg de “Jorge”, é como ele ficou conhecido por aqui. O Jorge veio para a Demétria nos anos 70. Nessa época havia atividades na Estância Demétria, que era uma fazenda e era o núcleo do bairro. Quando a fazenda começou aumentar de trabalhadores, foi quando a escola começou a ser pensada para os filhos dos trabalhadores. Cada ano escolar foi criado aos poucos e, com a escola, também começaram a nascer os condomínios. O pai do Jorge, Erich Blaich, veio depois que se aposentou em São Paulo. Ele foi professor lá há muitos anos e se mudou para cá depois de aposentado. Aqui ele não era mais professor de alunos, mas sim de professores. Dava aula de artes e mineralogia. Mas gostava de chamar os alunos da escola para visitar a sua casa e conhecer sua coleção de minerais. Na casa do Erich, a gente “tropeçava” em minerais e ele ensinava muitas histórias. Como a escola que estava nascendo é particular, havia também uma preocupação com a integração social de boa parte das crianças dos trabalhadores que não tinham condição financeira para pagar a mensalidade. Erich vendia parte dos seus minerais para Alemanha e com o dinheiro ele ajudava a construir salas de aula e bazares.  Ele construiu muitas salas de aula, inclusive no Chile e na Argentina pediram para ele fazer um bazar para arrecadar dinheiro e construir sala de aula.

    O Jorge sempre teve muita ligação com o pai e a casa onde nasceu e cresceu já era praticamente um museu. Erich sempre gostou de minerais e Jorge herdou isso do pai. As pequenas coisas da natureza estão no coração do Jorge. Ele adora minerais, mas o coração dele bate mais forte pelas plantas e ele foi um dos pioneiros na construção da fazenda Estância Demétria. Uma grande parte das árvores que existe aqui, Jorge que plantou porque quando eles chegaram aqui já era uma área não vegetada e com terra pobre, já usada por sucessivas monoculturas. Jorge tem formação na área de Agronomia. Até ano passado, ele fazia consultoria para Centro Flora nas áreas de cultivo de abelhas, de plantação de ervas e de extração de óleos orgânicos. Então sua ligação com a natureza é imensa.

     

    Você, Berenice Balsalobre, é a curadora e a tesoureira do MAGMA, além de geógrafa por formação. Na sua história, quais são as principais motivações e circunstâncias que levaram você a trabalhar com Geologia?

    Minha formação original é em Direito e foi depois de muito tempo que cursei Geografia. Eu também fiz mestrado na Unicamp na área de Geociências, mas devido algumas circunstâncias pessoais, acabei não defendendo. Mas em toda a minha vida me dediquei à área jurídica como advogada. Eu me formei em Direito na USP em 1981 e antes mesmo de me formar eu já exercia a profissão de alguma forma. Entre 2004 e 2005, fui presidente da mantenedora da escola Aitiara na época que estava construindo o ensino médio, então eu estava bastante envolvida com a gestão da escola. Foi quando fizemos o acordo com o professor Blaich sobre o museu junto com a escola. Na época faltava um pouco de dinheiro para acabar as obras e Blaich tinha um fundo de doações de campanhas. No acordo, ele doou esse dinheiro para terminar a escola, enquanto a escola doou uma sala para ele expor os minerais até construir o museu. Aí vieram as mesas de cavalete onde ele expunha suas caixas de minerais. Nessa época, em 2006, ele já tinha uns 86 anos e, às vezes, ele me chamava para ajudar a limpar os minerais. Ele era uma pessoa bem-humorada e super agradável de ficar junto. Foi em um desses dias de limpeza e arrumação, que ele e eu pensamos em abrir o museu todo sábado para quem quisesse visitar. Depois de um tempo, ele até me deu uma chave da porta do museu e assim meu envolvimento com esse espaço e com essa área de conhecimento foi crescendo. Daí após cinco anos, ele morreu, o museu ficou órfão e eu também fiquei órfã junto.

    Começou então um outro momento no museu que foi chamar uma museóloga para catalogar todo o acervo. Fui percebendo que o museu é um espaço não só lindo e que as pessoas olham e querem voltar, mas também um espaço social e de questionamento. Questionar a partir daquilo que está vendo, por exemplo, qual função tem isso na natureza? Como isso foi retirado da natureza? Tem muito ou pouco disso na natureza? Então o museu foi nascendo e eu fui gostando muito dessa área, por isso decidi fazer Geografia. Fiz o curso de bacharelado pela Universidade de Brasília, que tinha um polo à distância em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Mas fiz muitas aulas presenciais também que foram muito ricas. Assim, eu descobri uma nova profissão, mas a minha profissão de origem e onde eu me sustento é como advogada. Como curadora do Magma, meu trabalho é quase totalmente voluntário, mas eu gosto muito do que faço, pois considero um engrandecimento espiritual trabalhar com a natureza, além de ser muito prazeroso.

     

    O Erich, em corpo e alma, deixou a Terra em 2011, mas a sua coleção ficou para educação e sociedade. Desde então, o quanto o acervo cresceu e por quais meios vocês buscam arrecadar verba e ampliar a coleção? E como está o Plano Museológico do Magma?

    Depois do Erich, acho que a gente comprou mais de 200 peças, pois a gente fez um amigo em Marrocos que é comerciante e nos ajuda bastante com doações para o acervo. Com ele e em feiras a gente já adquiriu materiais muito lindos. A gente também pede um subsídio com visitas de escolas não públicas. Todo ano a gente recebe escolas de São Paulo e de Bauru, principalmente da Pedagogia Waldorf. Pedimos uma colaboração por cada criança e temos também uma lojinha no museu. E todo fim de ano, a gente tem o bazar de Natal da escola Aitiara que ajuda também. Outra verba vem de oficinas ligadas ao nosso acervo e que servem para capacitação museológica. Todos esses valores nós vamos juntando e o museu tem pouca despesa fixa, por isso conseguimos aumentar o acervo devagar e sempre. Às vezes, aparece alguma peça que a gente fica com muita vontade de comprar como meteorito palacito que é bastante raro, daí lançamos uma campanha pública para doações até conseguir comprar. Mas os projetos que escrevemos e enviamos para editais, como os do Programa de Ação Cultural do governo do estado de São Paulo, não são para manter o museu nem para aumentar o acervo, mas sim destinados para desenvolver projetos educativos e culturais. Projetos para financiar a estrutura do museu precisam ser projetos formatados, como o que fizemos para mudar o mobiliário do museu. Nesse caso, a gente uniformizou toda a marcenaria, construímos a estante de vidro e tudo vem de dinheiro carimbado que a gente fala. O maior projeto que temos no momento é o que ganhamos para fazer o nosso plano museológico, disponível em nosso site, que contou com uma série de especialistas e questionários. Estamos saindo de 90 metros quadrados e indo para 500 metros quadrados. Então é muita mudança, um verdadeiro desafio. A gente vai para um prédio doado em comodato pela Associação Cambará que ficou mais de 15 anos fechado. Ele também fica no bairro Demétria e precisa de reformas estruturais. Estamos com metade do espaço pronto, onde já realizamos algumas oficinas com experimentações têxteis e arqueológicas. 

     

    Em 2021, eu tive o prazer de receber com minhas turmas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio de escolas estaduais onde trabalhei as visitas didáticas da equipe do MAGMA com o Projeto Proteção das águas: Aquífero Guarani, apoiado pelo Programa de Ação Cultural São Paulo – PROAC. O que você destaca dessa experiência?  

    Esse projeto era para ser presencial e foi transformado em online por causa da pandemia e depois ele também teve o formato híbrido como foi com suas turmas. Por exemplo, a parte do trailer contando a história da transformação do deserto em cuesta foi por vídeo e não com a apresentação do trailer. Mas as suas turmas já tiveram a oficina de pintura com terra presencialmente. Para mim, esse projeto serve como uma mosquinha que pica o aluno para ele perceber que essa área é legal e, então, o olhar dele se abre. Eu percebo isso quando acompanho turmas que ficam três dias conhecendo a Cuesta, entrando em contato com a paisagem e colhendo cristais de quartzo da região. Esse tipo de experiência descortina o olhar dos alunos que percebem que o mundo físico é muito interessante. Uma visita pode mostrar que um simples barranco tem muita memória que pode ser interessante. Quando você só fala sobre um fato aos alunos é uma coisa, quando você fala mostrando uma pegada é outra coisa. Nesse exemplo você coloca os alunos para imaginar um animal que andou numa areia fresca, deixou a pegada, o vento cobriu e hoje a gente está vendo a pegada desse dinossaurinho ou desse mamífero. Acho que o potencial da Geologia é subestimado dentro das escolas que também precisam de mais formas de estímulo.

     

    Trailer de projeto itinerante sobre a Cuesta e o Aquífero Guarani. Uma das atividades do Programa Guarani, realizado pelo MAGMA em escolas e praças públicas de Botucatu e região, com apoio do ProAC

     

    Visitas didáticas como a dos meus sétimos anos da Emef Profª Elda Moscogliato ao Magma é uma forma de estímulo?

    Certamente, e de escola municipal acho que foi a primeira que recebemos como visita guiada. Eu estou conversando com a Secretária da Educação para mais alunos visitarem o museu. Isso é importante e está no plano municipal de educação a recomendação de aproveitar os instrumentos educacionais e culturais do município. Falar que existem minerais lindos é uma coisa, ir ao museu e ver esses materiais lindos é outra coisa. A partir desse contato podemos buscar mais diálogo com os alunos, inclusive o museu é um lugar de perguntas, não só de observar. É importante, por exemplo, a pergunta de onde e como são conseguidos esses minerais, pois precisa ser de modo sustentável, respeitando as leis e os limites da natureza. Todo material adquirido para o museu deve ter rastreabilidade. 

     

    Visita do sétimo da Emef Profª Elda Moscogliato ao MAGMA como atividade do componente de Ciências

     

    Para Carlos Vogt, os museus são espaços fundamentais do ensino para a ciência e contribuem para compor a espiral da cultura científica. Além dos horários de visitação aberta aos sábados, vocês têm objetivos e projetos de receberem jovens com visitas guiadas?

    A nossa coluna vertebral hoje ainda é o conjunto de projetos que fazemos com as escolas. A gente recebe as escolas e faz monitoria, falando da formação da crosta terrestre, o seu tempo geológico e os tipos de rochas. O planeta Terra faz esse grande palco estruturado da crosta terrestre, a gente mostra os minerais mais bonitos, os mais importantes e os mais abundantes. Então é uma visita que, dependendo do grupo, às vezes as turmas ficam duas horas dentro do museu porque a gente convida os alunos para escolherem o mineral e desenharem. Com as crianças, esses projetos acabam sendo de sensibilização e de observação. A primeira coisa que eu falo quando entram no museu, deixem os celulares no bolso. Olhem antes de tirar foto, a ideia é desenvolver o olhar e, nesse sentido, a gente tem acumulado experiências prazerosas e formativas. Para o ensino de ciências, também temos textos de congresso de geologia falando sobre o Aquífero Guarani da nossa região que também podem ser aproveitados em aulas.  

     

    No site do MAGMA consta o projeto “Caminhos Geológicos / SP” que tem parceria com Departamento de Recursos Minerais (DRM) do RJ, da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e outras instituições. Em que pé está?

    Esse projeto foi inspirado em outro projeto parecido que é o “Caminhos Geológicos-RJ”. Nós queremos replicar o que esse projeto realiza há anos e já tem mais de 150 placas no estado do Rio de Janeiro, buscando despertar interesse geológico de forma dirigida através de placas rodoviárias. A nossa ideia é instalar painéis com informações do Sistema Aquífero Guarani (SAG) em toda a Rodovia Castelo Branco, começando pelo KM 166. A gente propôs uma placa nesse ponto para anunciar o começo do Aquífero Guarani e também outras placas de conscientização sobre esse importante e enorme aquífero na Rodovia Marechal Rondon. Nós escrevemos esse projeto e enviamos para a ARTESP, foram feitas algumas reuniões com os coordenadores, mas ainda não tivemos sucesso com esse projeto. Nós não desistimos e já conseguimos instalar duas placas no Morro de São Cristóvão, que fica às margens da R. Marechal Rondon, que trazem informações sobre o Aquífero Guarani. Lá é um ótimo lugar para aulas práticas sobre a geologia da região. Na Prefeitura de Botucatu, nós instalamos uma placa informando que o piso da escadaria é de mármore estromatolítico datado de 2,2 bilhões de anos. E também no gabinete do prefeito, existe uma grande placa com informações sobre a Cuesta que o MAGMA ofereceu. Queremos instalar muito mais placas educativas sobre pontos geológicos.

     

    Em 15 anos de funcionamento do MAGMA com a Escola Aitiara, alguns jovens já se inspiraram em vocês e embarcaram em áreas científicas relacionadas?

    Em geral, os alunos da escola gostam e aproveitam bastante o museu. Conheço muitos que saíram do ensino médio e foram cursar Geografia. Mas geólogos eu conheço poucos e não sei exatamente o porquê. Eu ainda não conheço nenhum ex-aluno nosso que se tornou geólogo. Mas a gente segue semeando e a colheita virá.

     

    Sobre o autor

    Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp-IBB, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU-Inbio e especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp-Labjor. É ex-professor substituto em Filosofia da Ciência na Unesp-IBB, atua como professor de Ciências na Prefeitura de Botucatu e como colunista no jornal Notícias Botucatu.

    Como citar:  

    Alves, Vinicius Nunes. (2023). Magma fora do vulcão? Conheça o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia do interior paulista. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2.
    Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/26/magma-fora-do-vulcao-conheca-o-museu-aberto-de-geociencias-mineralogia-e-astronomia-do-interior-paulista/. Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Fotos de Tess AI

  • O que é a dengue?

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Maurílio Bonora Junior, Mariene Ribeiro Amorim e Alexandre Borin Pereira

    Como citar:  

    Bonora Junior, Maurílio. Ribeiro Amorim, Mariene. Borin Pereira, Alexandre (2023) O que é a dengue?. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/04/o-que-e-a-dengue/  
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Mosquito transmissor da dengue.

    Atribuição:

    Foto por
    @jcomp no Freepik, arte por Clorofreela

  • Inserir fibras alimentares na dieta é saudável?

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    Autores

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Marcos Vinolo e Renan Oliveira Corrêa

    Como citar:  

    de Medeiros Arnt, Ana. Vinolo, Marcos. Oliveira Corrêa, Renan (2023) Inserir fibras alimentares na dieta é saudável?. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/04/inserir-fibras-alimentares-na-dieta-e-saudavel/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Variedade de legumes e verduras em um prato.

    Atribuição:

    Arte por Juliana Luiza.

  • Chikungunya no Brasil: O que sabemos sobre a última onda?

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, José Luiz Proença Modena, Shirlene de Lima e William M. de Souza .

    Como citar:  

    de Medeiros Arnt, Ana. Proença Modena, José Luiz. de Lima, Shirlene. M. de Souza, William (2023) Chikungunya no Brasil: O que sabemos sobre a última onda?. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/chikungunya-no-brasil-o-que-sabemos-sobre-a-ultima-onda/  
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Fotografia em close do mosquito Aedes aegypti sobre fundo verde, sobre o qual se lê “Chikungunya”.

    Atribuição:

    Elementos Canva Pro; arte por Clorofreela.

  • Um dinossauro no exílio e a luta contra o colonialismo científico

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Juan Carlos Cisneros

    Como citar:

    Cisneros, Juan Carlos (2023) Um dinossauro no exílio e a luta contra o colonialismo científico. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/um-dinossauro-no-exilio-e-a-luta-contra-o-colonialismo-cientifico/  
    Acesso em dd/mm/aaaa

    Sobre a imagem destacada:

    Reconstituição de um exemplar de Ubirajara jubatus, ilustradada por Lucas Kias. O plano de fundo está coberto por uma fotografia do fóssil

    Atribuição:

    Foto do fundo: Raul Vasconcelos/MCTI; Ilustração gentilmente cedida por Lucas Kias.

  • The Last of Us e os zumbis do mundo real

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Lucas Miranda

    Como citar:  

    Miranda, Lucas (2023) The Last of Us e os zumbis do mundo real. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/the-last-of-us-e-os-zumbis-do-mundo-real/
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Imagem ilustrativa de um homem com uma menina olhando para trás em um ambiente devastado pelo tempo.

    Atribuição:

    Edição da imagem de divulgação por Clorofreela.

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