Categoria: Conhecimento científico para entender pandemia

  • 6 graus de co(VID)nexões

    Sim, estou falando com você que está lendo.

    É pouco provável que nos conheçamos pessoalmente (nesse caso teríamos grau de conexão 1);

    Porém é um pouco mais provável que alguma das pessoas que eu conheço você também conheça (nesse caso teríamos grau de conexão 2);

    Contudo, é bem mais provável que das pessoas que eu conheço, alguma delas conheça alguma das pessoas que você conhece (nesse caso teríamos grau de conexão 3).

    Podemos seguir nessa lógica até afirmarmos com quase 100% de certeza de que estamos a no máximo 6 graus de conexão.
    Surpreendente não acha?

    Mas isso também significa muito em questão de proliferar uma doença. Pois se eu estiver infectado, há no máximo 6 pessoas que me separam de você. Por exemplo:

    1. Posso apertar a mão de João no ônibus;
    2. João compartilha o computador com Pedro no trabalho;
    3. Pedro dá um abraço em Luiza na faculdade;
    4. Luiza vende trufas para sua vizinha Mariana;
    5. Mariana janta com sua mãe Cristina;
    6. Cristina visita você.

    [uma nota sobre contatos…]

    Esse é apenas um exemplo bem específico, mas se considerarmos todas as pessoas que conhecemos, todas as pessoas que cada pessoa conhecida nossa conhece, e assim vai. Percebemos que estamos separados de todas as outras a no máximo 6 graus.

    Em tempos de festividades de final de ano, é importante termos esta ideia presente em nossos pensamentos, pois cada “furada” de isolamento, estes 6 graus de conexão trazem possibilidades de infecção que vão se multiplicando.

    E esta “furada” nem está sendo julgada – nós, aqui do Blogs de Ciência da Unicamp – sabemos que está muito difícil manter o isolamento, muitos estão sendo obrigados a trabalhar, pegar transporte público e se expor de maneiras que não são passíveis de controle.

    Mas é fundamental pensarmos se, ao multiplicarmos as chances de contaminação, a cada contato, vale a pena nos reunirmos nestas festas de final de ano, em nome de tradições que inclusive cultuam empatia.

    [vamos pensar se abrir mão dos encontros este ano, não seria uma possibilidade de termos encontros nos próximos anos?]

    Se ficou interessado neste tema, no repositório do M³ temos um material muito legal em áudio explicando/justificando/contextualizando essa temática e também um guia do professor, para que você não se surpreenda como uma pessoa do outro lado do mundo pode estar próxima o suficiente de você a ponto de infectá-lo. Estes e muitos outros materiais podem ser encontrados no repositório do M³, mas para facilitar sua busca, abaixo está o link para estes materiais em específico.

    https://m3.ime.unicamp.br/recursos/1329

    Se gostou, tem alguma dúvida ou crítica, poste nos comentários, ficaremos felizes em respondê-los 🙂

    Imagem de capa de Miroslava Chrienova por Pixabay

    Autor: Zero

    Este texto foi publicado originalmente no Blog M3

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como os engenheiros químicos podem contribuir para combater o COVID-19?

    O novo coronavírus foi identificado pela primeira vez em meados de novembro de 2019 na cidade de Wuhan, China, e desde então tem se alastrado por todo o mundo, levando a coronavirus disease 19 (COVID-19) a ser considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), já em Fevereiro de 2020. O vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, já infectou milhões de pessoas no mundo e matou milhares de pessoas.

    Na época da escrita desse texto (dezembro de 2020), houve 67 210 778 casos confirmados de COVID-19, incluindo 1 540 777 mortes, relatados à OMS. Números estes que não param de crescer tendo em vista a fácil transmissão do vírus por vias aéreas, através de gotículas de saliva presentes na tosse, espirro e fala, portanto, apenas o contato próximo com uma pessoa infectada já seria suficiente para ocorrer a transmissão entre humanos. Tal facilidade de transmissão levou bilhões de pessoas, ao redor do mundo, a permanecer sob quarentena em suas casas, mantendo um rígido distanciamento social [1–4]. É reportado que por volta de 80% dos pacientes infectados com o vírus desenvolvem sintomas leves a moderados, enquanto que, 20% destes podem desenvolver sintomas graves, como pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, sepse pulmonar, inclusive desfecho de óbito. Já se têm relatos de que a doença também acomete outros órgãos, além dos pulmões, como o coração, cérebro e rins [5,6].

    O Sars-Cov-2 pertence à família Coronaviridae tendo em vista que, sob análise (microscopia eletrônica) de sua superfície e morfologia, identificam-se espículas formadas por trímeros da proteína S as ‘spike proteins’ que dão aparência de coroa, daí o nome ‘coronavírus’. Observa-se assim, que o novo vírus é da mesma família que o SARS-CoV, que infectou 8000 pessoas e matou 800 em 2002, e do MERS-CoV, que em 2012 infectou 2294 pessoas e matou 35% delas. Até o momento, já foram identificados mais de 14 diferentes eventos de mutação no vírus, com alterações estruturais em sua coroa, dificultando o processo de desenvolvimento de vacinas, devido a transitoriedade de pontos alvo no tratamento contra o vírus, ou seja, sua maior resistência às estratégias propostas pelos pesquisadores envolvidos. Entretanto, sua semelhança com os outros vírus da família Coronaviridae auxilia o processo estratégico de desenvolvimento, além da maior rapidez nas pesquisas sobre a SARS-CoV-2 [2,4,7,8]. O que levou a vacina contra a Covid-19 ser o mais rápido na história [você pode ver, por exemplo, como a vacina da Pfizer funciona nesse link].

    Diante dessa crise sem precedentes na história da humanidade, diversos grupos de pesquisas, empresas e governos estão empenhados no desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Isso incluí virologistas, imunologistas, epidemiologistas, oncologistas, biotecnólogos, químicos, bioquímicos , bioinformáticos etc. E não só profissionais dessas áreas estão se empenhando para combater o COVID19. Pessoas das mais diversas áreas do conhecimento estão fazendo a sua parte para que todos nós possamos superar essa crise. Engenheiros químicos também estão tentando contribuir para que possamos conter o vírus SARS-CoV-2. Entretanto, muitos não sabem como utilizar os conhecimentos que possuem em Engenharia Química e colaborar no combate ao COVID19.

    Foi pensando nisso que eu e meus colegas publicamos recentemente o artigo “How Chemical Engineers can contribute to fight the COVID-19” no periódico Journal of the Taiwan Institute of Chemical Engineers. Nesse trabalho nós discutimos algumas áreas do conhecimento que o engenheiro químico e profissionais afins podem utilizar o amplo espectro de conhecimentos que possuem.

    O papel do engenheiro sempre foi buscar soluções criativas para problemas da sociedade. Desde o início do século XX, os engenheiros químicos vem se especializando no design e operação de processos que sintetizam uma ampla gama de produtos com valor agregado, que vão desde energia, polímeros a chips de computador. Esses engenheiros trabalham em industrias químicas, empresas ambientais, agências administrativas, escritórios, empresas bancárias etc. O engenheiro químico é ensinado a trabalhar no limiar com outras ciências e tecnologias, sem abdicar de conhecimentos bases de Termodinâmica, Fenômenos de Transporte e Engenharia das Reações Química, além de bases científicas da Matemática, Física, Química e Biologia [9,10]. Nesse trabalho nós mostramos como os engenheiros químicos podem utilizar os seus conhecimentos e colaborar no combate ao COVID19.

    Indústria química. Image by LEEROY Agency from Pixabay.

    Nosso trabalho foi organizado a partir do desenvolvimento de vacinas, uma vez que é uma das estratégias eficazes mais comuns para obtenção de imunização populacional. Também foram explicados os protocolos médicos, incluindo os fármacos ativos testados no combate ao COVID-19. Em seguida, foram elucidados os aspectos mais importantes da dinâmica dos fluidos, uma vez que estão diretamente ligados à propagação da doença pelas vias de transmissão por via aérea e à dinâmica das gotas.

    Em seguida, para atender à demanda material gerada a partir da pandemia, por exemplo, equipamentos de proteção individual, foi detalhado o uso da engenharia reversa e da manufatura aditiva (impressão 3D) para contornar tal problema. Finalmente, algumas tecnologias de ponta no diagnóstico de doenças e no monitoramento de pandemia foram exploradas, incluindo diagnósticos baseados em Microfluídica e o uso de Inteligência Artificial.

    Nesse sentido, esta revisão foi dividida nas seguintes seções: vacinas e medicamentos, dinâmica de fluidos, impressão 3D, microfluídica e inteligência artificial. As metas de forma geral de cada seção do artigo são familiarizar o leitor com os trabalhos mais importantes sobre o COVID19 e o tópico em questão e fornecer ao leitor um guia para direcionar suas pesquisas fornecendo pesquisas atuais nessas áreas. Nosso objetivo é que o artigo sirva como uma fonte de informação para pesquisadores, professores, profissionais e estudantes na área de Engenharia Química e áreas correlatas.

    Para ler o artigo de revisão completo intitulado “How Chemical Engineers can contribute to fight the COVID-19”, visite o site do periódico Journal of the Taiwan Institute of Chemical Engineers [link aqui].

    Referências

    [1] T. Mohamed, A. El-aziz, J.D. Stockand, Infection , Genetics and Evolution Recent progress and challenges in drug development against COVID-19 coronavirus ( SARS-CoV-2 ) – an update on the status, Infect. Genet. Evol. 83 (2020) 104327. doi:10.1016/j.meegid.2020.104327.
    [2] M. Cascella, M. Rajnik, A. Cuomo, S.C. Dulebohn, R. Di Napoli, Features , Evaluation and Treatment Coronavirus (COVID-19), StatPearls. (2020). https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554776/.
    [3] Corona Time Map, (2020). https://coronatimemap.com/ (accessed May 25, 2020).
    [4] M. A. Sherren, S. Khan, A. Kazmi, N. B., R. Siddique, COVID-19 infection: Origin, transmission, and characteristics of human coronaviruses. Journal of Advances Research. 24 (2020) 91-98. https://doi.org/10.1016/j.jare.2020.03.005
    [5] Q. Gao, L. Bao, H. Mao, L. Wang, K. Xu, M. Yang, Y. Li, L. Zhu, N. Wang, Z. Lv, H. Gao, X. Ge, B. Kan, Y. Hu, J. Liu, F. Cai, D. Jiang, Y. Yin, C. Qin, J. Li, X. Gong, X. Lou, W. Shi, D. Wu, H. Zhang, C.Q. Lan, Development of an inactivated vaccine candidate for SARS-CoV-2, Science (80-. ). 1932 (2020) 1–10. doi:10.1126/science.abc1932.
    [6] S. Zaim, J.H. Chong, V. Sankaranarayanan, A. Harky, COVID-19 and Multi-Organ Response, Curr. Probl. Cardiol. 45 (2020) 1–21. doi:https://doi.org/10.1016/j.cpcardiol.2020.100618.
    [7] B. Korber, W.M. Fischer, S. Gnanakaran, H. Yoon, J. Theiler, W. Abfalterer, B. Foley, E.E. Giorgi, T. Bhattacharya, M.D. Parker, D.G. Partridge, C.M. Evans, T.I. de Silva, C.C. LaBranche, D.C. Montefiori, Spike mutation pipeline reveals the emergence of a more transmissible form of SARS-CoV-2, BioRxiv. (2020) 2020.04.29.069054. doi:10.1101/2020.04.29.069054.
    [8] R. De Alwis, S. Chen, E.S. Gan, E. Eong, Impact of immune enhancement on Covid-19 polyclonal hyperimmune globulin therapy and vaccine development, EBioMedicine. 55 (2020). doi:10.1016/j.ebiom.2020.102768
    [9] Himmelblau, D. M.; Riggs, J. B. Basic Principles and Calculation in Chemical Engineering. 8°. Ed. FT Press, 2012.
    [10] PORTAL LABORATÓRIOS VIRTUAIS DE PROCESSOS QUÍMICOS, O que é a Engenharia Química.
    http://labvirtual.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=113&Itemid=426, (accessed 06 August 2020)


    Este texto foi publicado originalmente no Blog Microfluídica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, Com Dr. Marcelo Mori

    O que é e como funciona a pesquisa por dentro da Força Tarefa da Unicamp tem a participação do Dr. Marcelo Mori, coordenador da Força Tarefa.

    Nosso convidado vai falar para nós sobre como é o trabalho coletivo, em várias áreas de conhecimento, contra a Covid-19!

    Entrevistado de hoje:

    Dr.Marcelo Mori, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Força Tarefa da Unicamp

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, com Dr. Alessandro Farias

    O que é e como funciona a pesquisa? O por dentro da Força Tarefa da Unicamp estreia com o Dr. Alessandro Farias, coordenador da Frente de Diagnósticos e cientista responsável pela pesquisa sobre as semelhanças entre o coronavírus e o HIV na infecção do corpo humano!


    Entrevistado de hoje: Dr.Alessandro Farias, chefe do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Frente de Diagnósticos da Força Tarefa

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

    PARA SABER MAIS

    Davanzo, G; Codo, A; Brunetti, N; (…) Mori, M; Farias, A (2020) SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. doi: https://doi.org/10.1101/2020.09.25.20…

    O vírus SARs-CoV-2 pode ter uma ação parecida com o vírus do HIV, ao infectar linfócitos https://bit.ly/sars-hiv1

    Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV https://bit.ly/sars-hiv2

  • Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire”

    Sabe aquela vez que você topou, nas redes sociais ou fora delas, com uma pessoa muito convicta defendendo algo que você tinha certeza de que estava errado?

    Pode ter sido um antivacina, um terraplanista, um negacionista da pandemia ou um apoiador ferrenho de algum político, daqueles dispostos a defender qualquer bobagem ou mentira que seu ídolo tenha dito.

    Identificou o diálogo aí nas lembranças, né?

    Então, você têm os fatos e a ciência a seu favor. Você argumentou contra o que essa pessoa convictamente defendia e ela obviamente mudou de opinião diante das evidências que você apontou, não foi? Pois é, comigo também nunca aconteceu. A verdade é que, diante de pessoas inflexíveis sobre algo, muitas vezes não as convencemos nem mesmo de fatos elementares.

    Efeito backfire: quando a tentativa de argumentar sai pela culatra.
    (fonte: https://web.northeastern.edu/nulab/backfire-effects-misinformation)

    Seria essa tentativa de argumentar com os muito convictos, então, puro desperdício de tempo e energia? A realidade dura nos mostra que pode ser ainda pior do que isso. Sua tentativa de convencer o fanático pode ter um efeito totalmente negativo e torná-lo ainda mais convicto de sua crença. Esse é o chamado “efeito backfire” e é bem provável que você já o tenha produzido em alguém ou nele incorrido em discussões por aí.

    Entendendo o conceito

    “Nenhuma opinião deve ser defendida com fervor (…) O fervor apenas se faz necessário quando se trata de manter uma opinião que é duvidosa ou demonstravelmente falsa.” — Bertrand Russell

    O efeito backfire foi verificado pela primeira vez em um estudo publicado em 2010 [1], conduzido pelos cientistas políticos Brendan Nyhan e Jason Reifler das universidades de Michigan e da Georgia, EUA. Nesse estudo, eles criaram artigos fictícios de jornal que reproduziam informações falsas amplamente difundidas nos EUA à época. Por exemplo, como a ideia de que as forças armadas estadunidenses teriam encontrado armas de destruição em massa no Iraque do ditador Sadam Husseim. Os voluntários da pesquisa liam esses artigos e, na sequência, recebiam outro texto com a informação correta. Isto é as supostas armas de destruição em massa jamais foram encontradas.

    Um curioso resultado encontrado pela pesquisa foi o de que os voluntários mais conservadores e favoráveis à guerra contra o Iraque relataram, após a leitura do artigo com a informação verdadeira, que tinham ainda mais certeza de que as tais armas de destruição em massa realmente existiam. Em outras palavras, a tentativa de correção da crença incorreta desses voluntários “saiu pela culatra” (o efeito backfire) e eles ficaram ainda mais convictos sobre algo que nunca aconteceu de fato. Por acaso isso te soa familiar e te faz lembrar de alguma discussão que já teve com alguém?

    Mas, podemos chamar de ignorância?

    Não! Esse efeito não é fruto de ignorância ou burrice, como se poderia imaginar a princípio. Ele ocorre, na verdade, como um desdobramento do raciocínio motivado. Ou seja, é uma forma de pensar na qual selecionamos somente as evidências que nos agradam para embasar uma conclusão à qual já tínhamos chegado de antemão. Assim, ao receber uma informação que se choca com sua crença, a pessoa tende a revisar mentalmente as “evidências” (não importa muito que possam ser falsas) que a induziram a ter essa concepção equivocada e, nesse processo de revisão de suas memórias, pode acabar reforçando sua crença inicial.

    Efeito backfire e política em contexto de pandemia

    Até o uso das máscaras tem sido objeto de disputa na polarização política (fonte: Pixabay)

    No âmbito da política, que tem como motor as ideologias e paixões humanas, não faltam exemplos de racionalização de “evidências” que levam ao efeito backfire de forma coletiva. Em um cenário de intensa polarização política, quase tudo é politizado e não seria diferente com os aspectos que envolvem a pandemia de coronavírus. Nesse contexto, um exemplo do efeito backfire coletivo pôde ser observado nos que passaram a minimizar a pandemia, buscando equivaler a Covid-19 a uma gripe comum.

    As políticas negacionistas

    Nos EUA e no Brasil, foram os presidentes os principais líderes políticos a sistematicamente minimizar a gravidade do coronavírus [2, 3]. Tanto lá como cá, os seguidores de ambos, ao receberem o sinal de seus ídolos, passaram a reproduzir sua concepção. Diante do crescente número de casos comprovados e das complicações, sequelas e mortes causadas pelo vírus, parte expressiva dos defensores da ideia de que se tratava de uma “gripezinha”, ao invés de mudarem de posição perante evidências contrárias, passaram a intensificar seu negacionismo por meio de teorias conspiratórias, ou seja, acionaram o raciocínio motivado resultando no efeito backfire.

    Da afirmação — jamais comprovada — de que governadores estariam inflando os números de óbitos [4], passando pelo questionamento sobre a lotação de hospitais (com sugestão do presidente para que populares os invadissem e filmassem os leitos) [5], até o enfoque no número de casos recuperados [6], foram muitos os esforços dos negacionistas convictos para minimizar o terrível impacto da pandemia no segundo país em número de óbitos causados pela Covid-19 no mundo.

    Minimizando a pandemia

    Quanto àquele esforço de se minimizar a pandemia por meio do enfoque nos milhões de recuperados, é quase cômico observar que, na verdade, isso pesa contra o negacionismo dos fanáticos: a constatação de que há milhões de recuperados pressupõe a existência de um número ainda maior de infectados, o que por si só já expõe a extensão e a gravidade da pandemia.

    Animados pelo mesmo impulso negacionista, surgiram também inúmeros apoiadores do presidente cujos parentes ou conhecidos supostamente tiveram diagnóstico positivo para Covid-19, mas que morreram, juram eles, de câncer ou outra doença grave. Por suposto, trata-se aqui do que chamamos, em ciência, de evidência anedótica; é razoável a probabilidade, porém, de que a leitora tenha visto alguma história do tipo em suas redes sociais durante a pandemia.

    A “vacina chinesa” e o efeito backfire

    Nem mesmo a vacina contra o coronavírus escapou à lógica da polarização política. Bastou o Ministério da Saúde anunciar a intenção de adquirir a CoronaVac [7]– vacina que está sendo produzida em associação entre o Butantã e a Sinovac, uma empresa chinesa — que o presidente, pressionado por apoiadores contrários à vacina [8], cancelou o acordo de compra [9]. Após esse imbróglio, várias fake news sobre a CoronaVac inundaram as redes sociais [10], como a de que a vacina usaria células de bebês abortados [11]. Isso tudo nos faz levantar a questão: existe a possibilidade de ocorrer o efeito backfire ao argumentarmos com um antivacina? Considerando-se a ciência sobre o tema, a resposta infelizmente é “sim”.

    [Fonte: Renato Machado — cartunista]

    Os mesmos pesquisadores citados, Reifler e Nyhan, conduziram, em 2015, um estudo sobre mitos relativos a vacinas [12]. À época, 43% dos estadunidenses acreditavam que a vacina da gripe poderia fazê-los ter gripe. Assim, nesse estudo, eles buscaram verificar a eficácia de se oferecer as informações corretivas dessa crença infundada. Como resultado, o estudo apontou que informações corretas — que a vacina não causava a gripe — foram suficientes para reduzir bastante essa crença específica.

    Efeito colateral

    No entanto, os voluntários da pesquisa que demonstraram níveis mais altos de preocupação com supostos efeitos colaterais de vacinas (como acreditar que elas causam autismo) passaram a manifestar menor disposição a vacinarem seus filhos. Nesse estudo, o efeito backfire ocorreu não na crença específica, alvo da informação corretiva, mas na postura dos voluntários que já tinham uma perspectiva antivacina, os quais ficaram ainda mais convictos sobre isso.

    A esta altura, a leitora pode estar se perguntando se, por causa da possibilidade do efeito backfire, não devemos jamais argumentar com as pessoas muito convictas que estejam defendendo algum absurdo. Todavia, na realidade, há uma situação bastante frequente na qual convém, sim, debater com dogmáticos.

    Argumentar ou não argumentar, eis a questão

    Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” — Carl Sagan

    Em uma conversa privada, no tête-à-tête mesmo, com alguém defendendo radicalmente alguma inverdade, talvez seja melhor não insistir. O risco de você contribuir para que a pessoa fique ainda mais convicta é real. Por isso, vale muito mais a pena argumentar com as pessoas que podem ter caído em alguma desinformação, mas que têm maior abertura ao debate. E elas são muitas. Dessa forma, como sustenta o cientista político David Redlawsk, isolam-se os fanáticos de todo tipo, reduzindo sua influência.

    Estudos mais recentes, como o dos cientistas políticos Thomas Wood e Ethan Porter, da George Washington University, não encontraram o efeito backfire em relação a fatos específicos [13]. Os pesquisadores argumentam que é possível, sim, mudar a opinião equivocada das pessoas com a exposição de fatos.

    Mas…

    É preciso lembrar, no entanto, que existe sempre a possibilidade de que elas reforcem sua postura — como ocorreu no estudo mencionado sobre a vacina — apesar de se dobrarem a um fato específico. Como um exemplo, imagine que você vai argumentar com uma pessoa que defende um remédio comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 porque o político que ela apoia insiste se tratar de um medicamento salvador. A depender de sua abordagem e do nível de convicção dessa pessoa, talvez até a convença do fato de que o remédio é ineficaz. Não espere, porém, que diminua o apoio dela ao político, pois o mais provável é que o contrário aconteça.

    No entanto, como parte significativa de nossas vidas atualmente acontece em rede, quando o debate for em público, como no Facebook ou em grupos de Whatsapp, convém demonstrar que os radicais estão equivocados. Nas redes, terceiros quase sempre estão observando as conversas alheias. Eis aí a situação na qual vale a pena travar o bom combate contra a desinformação, a mentira e as concepções falsas. Se seu interlocutor direto ficar ainda mais convicto na defesa de alguma desinformação qualquer, paciência. Quase sempre há vários outros que podem se beneficiar do seu esforço de argumentação em prol do restabelecimento da verdade.

    Por fim

    Vivemos em tempos nos quais vicejam posturas anticientíficas e esforços de relativização da verdade, quando não de sua negação completa. Como é bastante conhecido, isso é impulsionado por líderes políticos cujo comportamento é replicado por milhões de seguidores. Por isso, é importante que continuemos disputando, se não os corações, ao menos as mentes das pessoas e ter consciência da possibilidade de que o efeito backfire ocorra é um passo fundamental nessa jornada.

    Referências:

    [1] Nyhan, B, Reifler, J (2010) When Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions; Political Behavior, Vol 32, No 2, pp 303-330.

    [2] (2020) Timeline: How Trump Has Downplayed The Coronavirus Pandemic. National Public Radio (NPR), 02 de outubro de 2020.

    [3] “Gripezinha” e “histeria”: cinco vezes em que Bolsonaro minimizou o coronavírus (2020)

    [4] Bolsonaro endossa notícia falsa para dizer que Estados inflam mortes por coronavírus, Valor Econômico, 31 de outubro de 2020.

    [5] Bolsonaro recomenda invadir hospitais, Correio Braziliense, 11 de junho de 2020.

    [6] Na data em que Brasil ultrapassa 100 mil mortos, Bolsonaro destaca pacientes recuperados, Agência Brasil (EBC), 20 de outubro de 2020.

    [7] Brasil anuncia que vai comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, Agência Brasil, 20 de outubro de 2020.

    [8] Bolsonaro sabia da intenção de compra da CoronaVac, mas recuou, Estado de Minas, Edição de 21 de outubro de 2020.

    [9] Bolsonaro diz que Governo Federal não comprará vacina CoronaVac Agência Brasil (EBC), 21 de outubro de 2020.

    [10] Aos Fatos (agência de fact-checking) – resultados de busca do verbete “coronavac”

    [11] (2020) É falso que CoronaVac usa células de bebês abortados, Aos Fatos, 28 de julho de 2020.

    [12] Nyhan, B, Reifler, J (2015) Does correcting myths about the flu vaccine work? An experimental evaluation of the effects of corrective information. Vaccine 33 (3): 459–464.

    [13] Wood, T., Porter, E. (2018). The elusive backfire effect: Mass attitudes’ steadfast factual adherence. Political Behavior, Vol41, pp135-163.

    OBS:

    Esse texto contou com a revisão primorosa de Caroline Frere Martiniuc e Eduardo Jesus Veríssimo, aos quais agradeço enormemente.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Política na Cabeça

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Todavia, não necessariamente representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Como se faz ciência em um grupo de pesquisa?

    Este texto é uma apresentação dos trabalhos dos bastidores das pesquisas do EMRC. Antes de entrar “mesmo” no laboratório, vamos falar um pouco do que é esse trabalho, como montamos projetos, como formamos pesquisadores e nos formamos pesquisadores. Ou seja, antes de falar da Medicina Experimental e o que significa trabalhar com isso, gostaríamos de falar sobre como chegamos até aqui . O que seria isso? Esse trabalho de formiguinhas coletivas, que pensam, escrevem, propõem, formam e fazem pesquisa, juntos.

    Para isso, gostaríamos de começar com a noção de que não basta estar numa universidade para fazermos pesquisa. É preciso, também, cumprir várias etapas anteriores. Hoje vamos falar um pouco dos editais de pesquisa e das propostas que fazemos a estes editais!

    O que é fazer pesquisa como grupo de pesquisa?

    Parece que fazer pesquisa é estar em laboratório, com jaleco, cheio de equipamentos. Talvez analisando dados que aparecem em uma placa de petri, tubos de ensaio, lupas ou microscópios. Há quem pense que por sermos professores e pesquisadores universitários de universidade pública, “nosso salário está garantido”. Portanto, é só entrar no laboratório e fazer nosso trabalho (nossa pesquisa).

    No entanto, não é tão simples assim… A pesquisa não é um simples “entrar em laboratório e trabalhar”. Vamos falar um pouco sobre isso hoje…

    Como se forma pesquisadores

    Somos um grupo de 9 pesquisadores. Parte do nosso trabalho é usar nossa trajetória de pesquisa anterior. E isto inclui nossa formação pregressa (tanto a graduação, quanto nossa especialização em uma área no Mestrado e Doutorado).

    No EMRC cada pessoa tem uma formação ligeiramente diferente uma da outra. Isto é, ali somos todos da área “biomédicas” – temos biólogos, veterinários, farmacêuticos, biomédicos, bioquímicos. Consideramos, aqui no Brasil, a pós-graduação nossa entrada em projetos de pesquisa de maneira cada vez mais “autônoma”. Ou seja, termos uma atuação mais propositivas. Não apenas executando as etapas experimentais, de campo e coleta de dados, mas elaborando-os também – que é um pouco do que falaremos aqui hoje). Cada pesquisador aqui do grupo tem formações também diferentes. Como assim? Isso não se restringe apenas ao “diploma” (como bioquímica ou biologia molecular, por exemplo). Mas diz respeito à linha de pesquisa dentro destas áreas de conhecimento. 

    Em cada uma destas etapas de formação, aprendemos sobre nossa área e nossos objetos de pesquisa, mas também aprendemos vários detalhes de como ser pesquisadores. Isso inclui: escrever projetos, orientar e formar novos pesquisadores, formar grupos de pesquisa, elaborar experimentos, desenvolver, analisar e debater dados obtidos em nossos experimentos.

    Nosso trabalho na universidade

    Ao organizar nosso trabalho na Unicamp, parte de tudo o que pensamos como cientistas é que não se caminha sozinho para produzir conhecimento. Neste sentido, o EMRC foi se organizando a partir da premissa de que fazer ciência junto é melhor, mais produtivo, mais criativo. Colaborativamente, temos ideias diferentes exatamente pela nossa formação que andou por caminhos que divergem. Mas também complementares, por trazerem olhares que não são sempre iguais, para o que estamos pensando.

    Isso é relevante, uma vez que a pesquisa não é – como dissemos no início deste texto – um ato de “entrar no laboratório e sair fazendo”. Isso contando que já temos um espaço para fazer pesquisa. Isto é, que os laboratórios e salas que trabalhamos já existiam quando entramos na Unicamp, ao menos em parte. Calma que isto é um capítulo a parte e vamos falar de estrutura em outro momento também, aguarde. Dessa forma, uma das etapas que precisamos para iniciar nossa pesquisa é verba para manter o trabalho cotidiano dos laboratórios. E como se consegue isso?

    Os editais! 

    Existem várias modalidades de investimento na ciência. Os mais comuns são os editais de pesquisa públicos e privados. Todos os anos – alguns anos com mais verba do que outros – os governos Federal e Estadual lançam editais de pesquisa via agências de fomento. Mas o que é isso? São instâncias do governo que são destinadas exclusivamente a captar recursos e lançar linhas de investimento. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – mais conhecida como FAPESP é uma destas instâncias no Estado de São Paulo. No âmbito federal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – mais conhecido como CNPq – é responsável por isso. Estas agências, anualmente, buscam recursos para financiar pesquisas científicas. Por exemplo, no caso da FAPESP há uma porcentagem do ICMS arrecadado destinado à agência, mas pode haver outras fontes também. Há também agências de fomento internacionais e privadas que podem lançar editais.

    Os editais são chamadas públicas para que propostas de pesquisa sejam inscritas. Isto é: qualquer instituição, grupos de pesquisa ou pesquisadores que se encaixarem nos critérios podem se inscrever. Estes editais não são para ganharmos dinheiro automaticamente… Eles são de concorrência. Ou seja: fazemos uma proposta do que pretendemos pesquisar. O que é isso? Escrever um projeto é montar um referencial teórico, perguntas, hipóteses, metodologias (que variam dependendo do tipo de pesquisa) e como analisaremos. Também há nesta proposta quantas pessoas se envolverão na pesquisa, no tempo que teremos para desenvolvê-la. Importante ressaltar que o tempo é estabelecido pelo edital, e não por nós, pesquisadores. Por fim, nós indicamos quanto dinheiro precisaremos para esta pesquisa e como nós o usaremos.

    Ah então vocês ganham dinheiro para isso???

    Sim, claro! O dinheiro para manter a pesquisa vem, exatamente, destes editais! E usamos o dinheiro no quê? No caso de um edital de pesquisa de laboratório, há vários itens. Por exemplo, há compras de equipamentos específicos, ou manutenção de equipamentos que já temos, compra de reagentes, cobaias, manutenção de cobaias. Além disso, temos pagamento de inscrição em eventos nacionais e internacionais para apresentar resultados, submissão dos resultados e artigos em periódicos. Muitas vezes, também podemos pedir bolsistas. Isto é, pagar para que parte do trabalho seja feito por pesquisadores em formação, tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

    As propostas que mais se encaixarem nos critérios dos editais, ficam melhor colocados. No caso de sermos contemplados, há todo um trâmite burocrático para tocarmos este projeto. Isso inclui usar o recurso financeiro. No entanto, mais do que isso, além dos resultados da pesquisa, publicações e tudo mais, prestamos contas de como usamos o recurso. Se não usamos tudo, devolvemos à agência de fomento.

    Tá e a pandemia, hein?

    Nós tivemos, este ano, vários desafios na pesquisa. Um desses desafios foi nos adaptarmos na pesquisa com os projetos que já estavam em andamento. Além disso, tivemos editais emergenciais para a Covid-19. No EMRC há alguns dos pesquisadores que deram o ponta-pé inicial para a Força Tarefa da Unicamp. Várias pesquisas desenvolvidas neste grupo começaram a ser pensadas a partir da Covid-19. Assim, fomos procurando verbas específicas de editais internos (da própria Unicamp) ou externos – ganhamos alguns. Todavia isso não era tudo…

    Precisávamos de mais ações, então tivemos ações de diagnósticos, por exemplo. Isto é essencial: o conhecimento científico acumulado na universidade, e por pesquisadores do EMRC, foram fundamentais para prestar este serviço para a sociedade neste momento.

    Isto é, o trabalho de pesquisa, os editais, as verbas que são investidos em longo prazo na ciência, revertem em condições de termos respostas rápidas e práticas. E aqui falamos tanto como grupo de pesquisa. Mas também falamos como parte de uma universidade que teve faz pesquisa arduamente para ter esta condição. Isto é, em momentos de crise como a que estamos vivendo agora, temos pesquisadores e estruturas para pesquisa!

    Por fim…

    Vocês perceberam que não falamos nada de Medicina Experimental hoje, nem usamos termos dificílimos da área biomédica neste texto? Pois é! Nem só de terminologias técnicas vivem cientistas!

    Tudo o que estudamos na área da saúde e ciências biológicas serve para pensarmos a pesquisa e estruturarmos os próximos passos. Todavia, isso não basta. E foi um pouco disso que buscamos falar na postagem de hoje.

    Para Saber Mais

    LATOUR, B; WOOLGAR, S (1997) A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

    SCHWANTES, L (2020) “Só dá aulas”: o que faz (ou deveria fazer) um professor de universidade pública? Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    SCHWANTES, L; ARNT, A (2020) “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia) Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    FAPESP

    CNPq

    EMRC

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto foi publicado originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Quando o aumento das Fake News mexe com a temperatura

    Os termômetros clínicos digitais infravermelho, esses usados para aferir a temperatura na entrada nos estabelecimentos, são seguros. Eles medem a quantidade de luz que emitimos no infravermelho.

    Imagem: Rawpixel.

    Esses dias recebi algumas mensagens dos meus tios me perguntando se há perigo no uso do termômetro clínico infravermelho. 

    A pergunta: 
    Esses termômetros de apontar podem danificar o cérebro? 
    Resposta: Não, eles são seguros. 

    O princípio do uso dos novos termômetros clínicos, os termômetros digitais infravermelho,  vem de uma observação antiga de um astrônomo e músico chamado Frederick William Herschel. Há mais de 200 anos atrás, Herschel observou que havia uma correlação entre o calor emitido e a cor de cada um dos espectros obtidos por meio de um prisma.

    Fonte: OpenClickArtVectors em Pixabay.

    Assim, Herschel passou a luz por meio de prisma de vidro e mediu a temperatura de cada cor refratada visível por meio de um termômetro de mercúrio. Os resultados dele mostraram que a temperatura aumentava do violeta para o vermelho. Isto é, ele descobriu que havia uma relação entre a radiação e calor. 

    Mas Herschel não parou por aí. Ele resolveu medir a temperatura para uma região em que não havia cor visível, para além do espectro do vermelho e descobriu que aquela região tinha uma temperatura ainda maior, a região que hoje conhecemos como o da radiação infravermelha. Além disso, desses resultados que mostraram a relação entre radiação e calor, ele descobriu que há tipos de luz ou radiação que não são visíveis aos nossos olhos.  

    Imagem: Desenho experimental presente no artigo de William Herschel. 

    Como você está radiante hoje: os termômetros digitais infravermelhos. 

    Sim, nós emitimos luz, mas calma aí, todos os objetos emitem, desde que estejam acima do zero absoluto

    Mas qual é a relação com a sua temperatura? 

    Pois veja, toda matéria emite uma radiação térmica ou radiação eletromagnética. Todavia, isso inclui os nossos corpos? Sim! Isso acontece graças ao movimento dos átomos e moléculas que acabam movimentando partículas carregadas que compõem a matéria. Assim, no processo, a energia cinética é transformada em radiação.

    No caso da radiação infravermelha, um material emite essa radiação de acordo com a sua temperatura e do seus constituintes, ou sua capacidade de emitir essa energia, ou seja, sua emissividade. Isso quer dizer que materiais diferentes vão emitir radiação infravermelha de forma distinta. 

    [Existem equipamentos que disponibilizam a imagem do calor, ou radiação infravermelha, são as câmeras termográficas] 

    Crédito da imagem: Rawpixel
    Mas, que faz o termômetro clínico infravermelho?

    Medir a energia radiante do corpo é uma forma indireta de se medir a temperatura. O que o termômetro clínico infravermelho faz é mensurar a energia radiante por meio de um sistema ótico, ou seja, tem uma lente no termômetro capaz de captar a radiação infravermelha. Ele lembra uma câmera, mas ao invés de registrar uma imagem transforma as informações recebidas e a transforma em um dado, a temperatura de um corpo. 

    O termômetro não causa dano, mas uma medida errada pode ter consequências para as pessoas. Como os termômetros clínicos infravermelho foram ajustados para medidas da radiação/temperatura da testa, medir a temperatura apontando para outra parte do corpo, pode levar a medidas erradas da temperatura da pessoa. 

    Mas e aquele laser que sai de alguns termômetros infravermelho? Alguns termômetros vem com um laser, mas ele serve só para saber para onde o equipamento está sendo apontado. Vai que a pessoa mira no cabelo! 

    O importante no caso do laser: Como qualquer apontador, não pode mirar no olho do coleguinha viu!  

    Então quando alguém apontar o termômetro para a sua testa fica tranquilo: seja um ser de luz e deixa o termômetro captar a sua radiação! 

    Tá pronto para dicas de leituras e atividades?

    Dica de leitura:

    Para entender o processo experimental e de descoberta de William Herschel, recomendo a leitura do artigo em português Os raios invisíveis e as primeiras ideias sobre radiação infravermelha. O artigo contextualiza os experimentos de Herschel e analisa as conclusões de uma série de artigos do autor sobre a luz e os raios invisíveis.

    Dica de atividade:

    [1] A National Aeronautics and Space Administration (NASA) preparou um guia para testar em casa o experimento do Herschel. Você vai precisar de uma caixa, um prisma de vidro e termômetros de álcool. Os de mercúrio não são mais usados, pois esse metal é tóxico. Atividade para fazer em casa sobre temperatura e espectro eletromagnético. Uma versão em português pode ser encontrada em O experimento de Herschel no site do Instituto de Física da UFRGS

    [2] A NASA Science – Space Place Explore Earth and Space preparou uma atividade sobre correlação entre imagens em infravermelho de rostos e temperatura.

    Para saber mais

    Herschel, William, XIV. ” target=”_blank” rel=”noreferrer noopener”>Experiments on the refrangibility of the invisible rays of the sun (1800). Philosophical Transactions

    NASA (2020) Discovery of Infrared Light

    Oliveira, Rilavia Almeida de; Silva, Ana Paula Bispo da (2014) William Herschel, os raios invisíveis e as primeiras ideias sobre radiação infravermelha Revista Brasileira de Ensino de Física, v36, n4.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Calma Pitágoras… a gente resolve

    Com a atual pandemia a necessidade de distanciamento dentro dos estabelecimentos públicos fez com que vários materiais propondo essa distância segura fossem criados… entre elas, temos a imagem de capa desse post que virou um meme envolvendo o Matemático Grego Pitágoras (570 – 495 a.C.) sendo detido por outros colegas das Ciências para não surtar diante dessa imagem.

    O motivo de Pitágoras estar surtando diante isso, é que vemos a proposta de que 4 pessoas fiquem equidistantes 1,5 m cada uma no plano. O erro dessa representação pode ser percebido facilmente ao desenharmos um triângulo retângulo como na figura abaixo. Temos nele que os dois catetos valem 1,5 m e a hipotenusa também vale 1,5 m.

    Mas se os três lados são iguais, então não é um triângulo retângulo, e sim equilátero. Sim, 3 pessoas podem ficar equidistantes no plano a 1,5 m cada, mas na figura temos 4 pessoas, e isso complica a coisa. Vamos fazer algumas contas e ver qual valor podemos manter e qual é melhor trocar.

    Se a informação dos catetos estiver certa, teremos:

    Se a informação da hipotenusa estiver certa, teremos:

    Assim, como desejamos um distanciamento maior entre as pessoas, é melhor adotarmos que os catetos estivessem certos (valeriam 1,5 m) enquanto a hipotenusa estava errada, e neste caso valerá 2,12 m (melhor prevenir do que remediar).

    Mas o post não termina aqui… e se na verdade a imagem estivesse certa? É possível 4 pessoas ficarem equidistantes cada uma 1,5 m? Como disse antes, no plano não é possível… mas no espaço sim! No caso, para considerar a imagem inicial correta, precisaríamos imaginar que as 4 pessoas estivessem cada uma em um vértice de um tetraedro regular (uma pirâmide de base triângular na qual todos os seus lados ou faces, tem a mesma medida).

    Assim, se o aviso foi feito para uma loja na qual os clientes se distribuem por vértices de tetraedros regulares, ele está correto.

    Viu Pitágoras, no fim a gente resolve 😀

    (E resolve mais ainda se, além da conta do distanciamento, lembrarmos que é preciso respeitar a distância por nós e pelos outros. Cumpra o distanciamento social, use máscara, lave as mãos com frequência e, se possível, não se exponha)

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV

    Estudo de pesquisadores ligados à Força Tarefa da Unicamp mostra que a SARS-CoV-2 infecta células do sistema imune de forma similar ao HIV. 

    Entender o mecanismo de infecção do SARS-CoV-2 é essencial para buscar formas de se combater o vírus. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores da Unicamp, de diferentes laboratórios se uniram para entender como o sistema imune humano é afetado pela infecção decorrente do novo coronavírus. O estudo acabou de ser publicado na forma de pre-print1.

    O Sistema Imune e os Linfócitos

    O sistema imunológico é formado por células e moléculas que agem no sistema de proteção contra doenças. Esse sistema de defesa não atua em uma única frente. Há uma defesa inicial promovida pela imunidade natural, aquela que já está presente antes do aparecimento de uma infeção e é inicial no combate contra um microrganismo. Um exemplo de componente de proteção que faz parte da imunidade natural é a pele. Ela funciona como uma barreira de proteção. 

    Além da imunidade natural, há a imunidade adaptativa ou adquirida, aquela que é estimulada após a exposição ao agente infeccioso. A diferença principal entre elas, é que na imunidade adquirida, há uma “memória” em relação à exposição ao microrganismo. Elas atuam em conjunto na proteção do corpo contra um microrganismo. 

    No sistema de memória da imunidade adquirida, os linfócitos são as grandes estrelas. Essas células são capazes de responder a antígenos, partícula ou molécula, estranhos. Existem vários tipos, ou subpopulações, de linfócitos. Eles têm diferentes formas de reconhecimento de antígenos e mesmo em funções. 

    O que se sabia até agora?

    Até então, o que algumas pesquisas mostravam é que junto aos sintomas severos associados ao óbito dos pacientes, havia uma resposta inflamatória exacerbada. Junto a isso, as pesquisas identificaram uma baixa quantidade de linfócitos no sangue e desaparecimento de células T (uma das subpopulações de linfócitos) e pobre adaptação do sistema imune.

    Esses foram alguns dos pontos de partida da pesquisa coordenada pelos professores Alessandro Farias e Marcelo Mori da Unicamp. Na pesquisa, os pesquisadores de 13 laboratórios diferentes, muitos dos quais pertencem a Força Tarefa da Unicamp, investigaram quais tipos de células do sistema imune o vírus SARS-CoV-2 era capaz de infectar, incluindo os linfócitos. Além disso, os pesquisadores analisaram qual o mecanismo envolvido neste processo. 

    Para que o vírus infecte uma célula, é necessário que haja alguma forma de reconhecimento de uma proteína do vírus pelas células do nosso corpo. No caso do SARS-CoV-2, a infecção acontece a partir do reconhecimento com o receptor ACE2. 

    Quer saber mais Sobre o ACE2 e a infecção? Clica na imagem e corre para lá…

    Mas, aparentemente, nem tudo é simples com este vírus…

    No entanto, eles observaram que ACE2 não estava presente em grande quantidade em leucócitos, como em outras células infectadas, como a dos pulmões.  

    Então, o grupo de pesquisa resolveu avaliar primeiro se a proteína Spike do vírus poderia interagir com outras proteínas humanas. Dessa forma, antes de continuar o experimento na bancada, eles usaram um sistema de predição de interação entre proteínas, a do vírus e as presentes na membrana externa das células humanas por meio de um programa que consulta vários bancos de dados de proteínas. Como ainda não há muita informação sobre as interações da SARS-CoV-2 e as proteínas humanas, eles usaram uma proteína similar presente no SARS-CoV-1 para predição.

    O que eles descobriram? Que a proteína Spike do vírus SARS-CoV-1, que é similar com a do SARS-CoV-2, interagia com uma proteína humana chamada CD4, que é expressa principalmente em um tipo específico de linfócito, o linfócito T auxiliar.

    Mas o que os linfócitos T fazem no corpo humano?

    Elas são células de imunidade celular, não produzem anticorpo, mas são capazes de reconhecer antígenos de microrganismos intracelulares, que estão dentro da célula. Uma vez reconhecidos pelos linfócitos T, os microrganismo ou mesmo a célula do hospedeiro são destruídos pelas células de defesa. Os linfócitos T auxiliares respondem à ativação em resposta a presença de um antígeno e disparam um sistema de sinalização ao secretar proteínas chamadas de citocinas. E pelo que as citocinas são responsáveis? Acordam o sistema imune e mais células do sistema de defesa são produzidas, prontas para o combate. 

    Infectar as células T Auxiliares é algo que os cientistas já viram em uma infecção causada por outro vírus. Essas mesmas células são a porta de entrada do Vírus da Imunodeficiência Humana, o HIV, indicando que os dois vírus tem similaridade de infecção. 

    Depois dos resultados da predição, eles foram testar se realmente o SARS-CoV-2 infecta os linfócitos T. 

    E a pergunta é:

    Será que o vírus infecta as células imunidade adquirida? Qual delas? Em laboratório de nível de biossegurança nível 3, a partir de amostras de sangue de pessoas não contaminadas, eles separaram os linfócitos T do sangue, os linfócitos T CD8+ e os linfócitos T CD4+ e adicionaram o vírus SARS-CoV-2. Depois de um tempo na presença do vírus, as amostras foram analisadas. Eles avaliaram por meio de diferentes técnicas se havia presença do vírus no interior dessas células. Assim, eles descobriram que o SARS-CoV-2 era capaz de infectar células T CD4+. Mais do que infectar, eles observaram que o vírus é capaz de usar esses linfócitos para produzir mais vírus que podem infectar outras células. 

    A imagem mostra os linfócitos infectados pelo SARS-CoV-2. Perceba que em cada uma das imagens há um tipo de aumento e a barra serve para comparação. Os asteriscos indicam a presença do vírus. A imagem foi obtida a partir do artigo de Davanzo et al (2020).

    Dessa forma, eles encontraram o vírus em células saudáveis infectadas no laboratório, mas será que isso acontece com os pacientes? Eles purificaram as células T  de pacientes com COVID-19 e encontraram o vírus apenas na célula T CD4+. Mais do que isso, eles encontraram que a infecção está relacionada com a severidade da doença, quanto mais debilitado o paciente, mas células T CD4+ estavam infectadas. 

    Em seguida, os pesquisadores se perguntaram como a proteína do vírus interage com a proteína CD4. Com esta finalidae, eles fizeram outros experimentos para mostrar que assim como a proteína spike da SARS-CoV-1, a proteína da SARS-CoV-2 também interage com a proteína CD4 humana, indicando o mecanismo de infecção dos linfócitos. Mais do que isso, essa proteína pode ser a porta de entrada da infecção dos linfócitos por SARS-CoV-2. 

    Mas no que impacta a contaminação dos linfócitos T CD4+? Eles estão circulando pelo corpo e podem levar o vírus a outras células e órgãos. Eles mostraram também que a infecção dos linfócitos T alteram várias vias importantes na célula. Além disso, o estudo dá uma pista inicial para novas propostas de tratamento. 

    1O pre-print é um tipo de publicação que aumentou durante a pandemia. O manuscrito (ou texto) é publicado pela revista sem a análise por pares. Isso quer dizer que outros cientistas não ainda não avaliaram o trabalho, se a hipótese, os métodos e os resultados obtidos estão de acordo com as conclusões entradas pelos autores. Os pre-prints são importantes, pois agilizam a circulação das informações. No entanto, temos de ter cuidado, pois após a avaliação por revisores, outros cientistas, algumas das conclusões do artigo podem ser modificadas. 

    Para entender mais o que são pre-prints fica a sugestão do texto Pandemia acelera produção e acesso a preprints da Germana Barata.

    Para saber mais

    Abbas, AK; Lichtman, AH e Pillai, S. Imunologia Celular e Molecular. 6. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier.

    Alexandra C.Walls, Young-JunPark, M. Alejandra Tortoricim  Abigail Wall, Andrew T. McGuire, David Veesler (2020). Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.058

    Davanzo, GG et al. (2020). SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. Disponível em <https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.09.25.20200329v1>.

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

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    Unicamp – Coronavírus

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E essa roupa diferentona para fazer ciência serve para quê?

    Se você é fã de ficção científica provavelmente já viu cientistas usando roupas especiais para lidar com um micro-organismo perigoso. Entretanto, essa cena também virou algo comum nos noticiários, atualmente, para mostrar as pesquisas com o coronavírus causador da COVID-19. Como assim? Luvas, macacões, máscaras, viseiras e muitos materiais descartáveis. Mas, você já se perguntou como o cientista escolhe qual tipo de roupa usar?

    No Brasil, quem regulamenta as práticas de segurança em laboratórios de microbiologia é a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Biossegurança é o conjunto de práticas que minimizam os riscos de acidente nos laboratórios. Dessa forma, existe redução das chances dos profissionais se contaminarem com os micro-organismos que estão trabalhando, ou contaminarem o meio-ambiente e outras pessoas.

    Como se define níveis de biossegurança dos laboratórios?

    Para definir o nível de Biossegurança necessário para que um laboratório possa funcionar, são analisados fatores como: O micro-organismo, sua origem, rota e taxa de transmissão, infectividade (que significa o quão fácil e rápido ele consegue causar uma infecção), a severidade da doença e o tipo de trabalho que está sendo realizado. 

    Assim como personagens de videogame, para realizar sua “missão” o cientista deve contar com a “armadura” e os equipamentos corretos para cada tipo de situação. Ao todo, são 4 níveis de risco biológico, que possuem uma classificação proporcional ao nível de segurança necessário para o trabalho. Ou seja, o nível 1 é o menos perigoso e o 4 o mais. 

    O coronavírus é um agente transmitido pelo ar, com alta taxa de transmissão entre pessoas e que pode causar a morte. Por isso, pesquisas com ele devem ser realizadas apenas em ambientes com nível de biossegurança 3. Já a dengue é um vírus que possui um risco menor, podendo ser pesquisada em ambientes de nível 2.

    Manter um laboratório seguro custa muito dinheiro, e quanto mais alto o nível, maior o nível de investimento que precisa ser realizado. No Brasil, ainda não possuímos nenhum Laboratório de Nível de Biossegurança 4 e pouquíssimos de nível 3. Investir na ciência é investir também em infraestruturas para que pesquisas sejam realizadas com segurança!

    Conhecendo os Níveis de Biossegurança

    Nível de Biossegurança 1:

    O laboratório que é menos perigoso! Os micro-organismos manipulados neste laboratório não representam altos riscos à saúde dos pesquisadores, nem ao meio-ambiente. Portanto, é mais barato de ser mantido do que os outros. Nele, são seguidas práticas convencionais de laboratório, para que não ocorra nenhum tipo de acidente.  Neste tipo de laboratório podemos trabalhar com a bactéria E.coli, por exemplo.

    A infraestrutura do laboratório conta com portas que separam a área de experimentos do resto do prédio, uma pia para lavagem e uma bancada, onde será realizado o trabalho. 

    Equipamentos de Proteção Individual: Jaleco, luva e óculos de proteção.

    Fotos: Acervo pessoal; Laboratório do CNPEM

    Nível de Biossegurança 2: 

    Os laboratórios de Biossegurança classe 2 servem para trabalhar com micro-organismos que possuem um risco de segurança moderado para os cientistas e para o meio ambiente. Geralmente, esses micro-organismos são nativos, ou estão presentes naquela região. Assim, pesquisadores brasileiros trabalham com organismos do Brasil, e pesquisadores da Ásia trabalham com micro-organismos da Ásia.  

    Além disso, os cientistas que pesquisam no Nível de Biossegurança 2 devem ser treinados para compreender os riscos daquele trabalho, usar EPIs como jalecos descartáveis, luvas, óculos ou viseiras de proteção. Todas as regras dos laboratórios NB-1 ainda valem aqui. Todavia, ainda existem algumas regras a mais: o laboratório deve possuir uma entrada controlada, portas que fecham sozinhas, prevenindo que alguém as esqueça abertas, e sempre ter um chuveiro com lavador de olhos próximo do laboratório. Todos os procedimentos que podem resultar em derramamentos ou partículas suspensas no ar devem ser feitos numa cabine de proteção, chamada de Fluxo Laminar.  Por fim, é necessária uma autoclave, que é como uma panela de pressão gigante, para descontaminar tudo que precisar sair do NB2.

    Fotos: Acervo pessoal; Laboratório do CNPEM

    Nível de Biossegurança 3: 

    Mais biosseguro do que os laboratórios anteriores, temos poucos desses laboratórios no Brasil por conta do custo elevado de manutenção e construção. Aqui, podemos trabalhar com micro-organismos da região, ou de outros lugares do mundo, além disso eles apresentam um risco mais elevado para a saúde dos cientistas e para o meio ambiente, caso ocorra algum tipo de acidente que resulte na liberação dele em áreas não controladas. A construção desse laboratório conta com um rigoroso sistema de circulação e filtração do ar, e um sistema de portas que realmente isole a área de trabalho de áreas externas.

    Por conta desses riscos, o laboratório deve ser restrito e o acesso controlado para que apenas pessoas treinadas possam entrar nele. Os cientistas também devem fazer um acompanhamento médico constante, de forma que saibam que não se contaminaram com nada. 

    Para a proteção dos cientistas, é necessário um acompanhamento da saúde deles, EPIs mais seguros, como uso de macacões, viseiras, luvas descartáveis, e em alguns casos até respiradores. Neste laboratório, o Fluxo Laminar é onde acontecem todos os procedimentos envolvendo materiais biológicos, obrigatoriamente.

    Fotos: Acervo pessoal; Laboratório da UNICAMP

    Nível de Biossegurança 4:

    O NB-4 é aquele que tem pesquisas com vírus como o Ebola. Os micro-organismos são quase sempre exóticos e perigosos, facilmente transmitidos por vias aéreas. Ou seja, frequentemente fatais e não possuem nenhum tipo de vacina ou tratamento. O prédio tem que ter uma área isolada só para este laboratório. Além do sistema de ar de um NB-3, o NB-4 também deve contar com linhas de vácuo e de descontaminação para que não circule ar de dentro do laboratório para fora. 

    Os cientistas que trabalham no NB-4 devem trocar de roupa ao entrar, e tomar um banho na hora de sair do Laboratório. Dessa forma, os EPIs obrigatoriamente devem cobrir o corpo inteiro do pesquisador e possuir um respiradouro. 

    Woman working in a BSL-4 laboratory. She is wearing a full positive pressure suit. No skin is exposed; her air supply can be seen on the back of her suit. She working within a BSC.
    Fonte: Center for Disease Control

    Quer saber mais?

    FioCruz: Biossegurança, o que é?

    Comissão Tecnica Nacional de Biossegurança

    Manual de Biossegurança da OMS (em inglês)

    Curso rápido de biossegurança do CDC (em inglês)

    Força Tarefa da Unicamp

    Esta postagem faz parte de um conjunto de textos sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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