Categoria: Conhecimento científico para entender pandemia

  • O cérebro em quarentena

    Como ajudar nosso cérebro a driblar a ansiedade e lidar melhor com o estado de isolamento?

    [Esta é uma versão expandida de um texto escrito para a edição de maio de 2020 da revista Ciência Hoje, por André L. Souza e Lucas Miranda]

    O corpo humano é um organismo altamente complexo, cheio de segredos ainda não descobertos e com habilidades que você provavelmente nem sabe que existe. É estranho imaginar que a gente não conhece o próprio corpo e muito menos o controlamos por completo. Mas isso é normal! Aprender mais sobre como nós funcionamos é essencial para mantermos um estado de bem-estar e de saúde mental. E é sobre isso que vamos conversar.

    Nosso cérebro é uma máquina feita para buscar respostas e perceber padrões. O tempo todo, esse órgão que controla tudo que você faz e pensa, está analisando o mundo e as coisas ao seu redor na tentativa de encontrar esses padrões e, com isso, prever o que vai acontecer.

    cérebro jogando bola
    Ilustração do Vitor Hugo de Oliveira (@myFairy_King) feita com exclusividade para esse texto

    Imagine, por exemplo, uma partida de futebol. Neymar está com a bola e um adversário, bem na sua frente, aguarda o momento de dar o bote. Para o atacante decidir o que fazer, o cérebro dele vai analisar um monte de coisas: a distância que o adversário está, o quão bem o adversário joga, a presença de outros jogadores do seu time, a distância que ele está do gol, o seu nível de cansaço, etc. Essas informações vão ajudar o cérebro do Neymar a prever o que pode acontecer em cada uma das suas possíveis escolhas. E é com essas previsões que uma decisão será tomada.

    Esse processamento de informações ocorre no cérebro o tempo todo e em frações de segundo! Você poderia pensar: então, quanto mais informações o meu cérebro processa mais bem fundamentadas serão as minhas decisões, certo? Não exatamente. Imagine se o cérebro do Neymar decidisse analisar também a cor do cabelo do adversário, a vaia de alguém que está na torcida, uma borboleta que passou voando… Essas informações não serão nada úteis para a previsão específica da sua próxima jogada. Elas só irão dar mais trabalho para o cérebro e dificultar a tomada de uma decisão.

    Em momentos de incertezas, como é o caso de uma pandemia e de isolamento, não é fácil para o nosso cérebro saber quais informações são relevantes para fazer as suas previsões: “devo prestar atenção nas notícias de saúde? Ou devo me preocupar mais com as notícias da economia? Será que preciso saber como o coronavírus funciona? Ou posso mesmo só entender que lavar as mãos ajuda?”. Todo esse excesso de informação vai deixando o nosso cérebro perdidinho, sem saber como fazer suas previsões.

    Quando isso acontece e o cérebro não consegue mais montar padrões, ele aciona uma espécie de alarme interno para te avisar que tem algo errado e que alguma coisa precisa ser feita. É como se dissesse: “Ei, estou sendo sobrecarregado aqui. Precisamos fazer alguma coisa”. Esse sentimento, que chamamos de ansiedade, nos paralisa, porque exige toda a nossa atenção e energia voltadas para resolver o que precisa ser resolvido no cérebro para que ele volte a se sentir bem e a encontrar suas respostas e padrões.

    Por isso, é uma boa ideia adotar estratégias que tragam uma maior sensação de controle para o seu cérebro, para evitar que esse alarme seja acionado.

    Tudo sob controle

    Você acabou de chegar de uma atividade e tudo que você quer é um delicioso suco de frutas. Se você decidir jogar no liquidificador 300 tipos de frutas, de vários tamanhos e formatos, o que vai acontecer quando você o ligar? Obviamente, ele não vai conseguir triturar tudo e ainda vai transbordar e fazer a maior bagunça.

    Assim é o nosso cérebro com as informações. Não adianta jogar lá um tanto de informação de diferentes fontes e formatos e esperar que o cérebro faça um suco legal com elas. Se para fazer um bom suco é importante escolher poucas frutas, de preferência as que você gosta e que te deixam bem, e cortá-las em pedaços pequenos, o mesmo deve ser feito com nosso cérebro. Escolha um número pequeno de informações essenciais e de fontes que sejam confiáveis e se exponha apenas a elas. Dessa forma, seu cérebro vai conseguir digerir essas informações com calma e formar os padrões que ele precisa sem se sentir bombardeado.

    Mas como saber que fruta escolher, ou melhor, como saber que informação devo consumir? Basta você pensar o seguinte: a maioria de nós não vai descobrir sozinho a vacina do coronavírus e nem a melhor política pública para lidar com essa pandemia. Essas soluções virão através do esforço coletivo de especialistas das diversas esferas da nossa sociedade. Assim, você não precisa ficar consumindo toda e qualquer informação que apareça, isso só vai adicionar “mais frutas” e deixar o seu sistema cognitivo sobrecarregado. Foque em informações que dizem respeito diretamente a você, e foque nas fontes seguras e que te fornecem informações corretas, precisas e que não te deixem em pânico.

    Ficar em casa é um ato heroico

    Existem várias coisas que não estão sob nosso controle: a composição genética do vírus, a sua letalidade, a maneira como ele ataca as nossas células. E isso é um tanto ruim para o nosso cérebro, porque, como você deve ter percebido, ele é um pouco controlador. Mas que tal focarmos mais em coisas que estão sob nosso controle?

    Você deve saber que o coronavírus não tem asas e nem sabe se teletransportar. Isso significa que para ele chegar no nosso sistema nosso sistema respiratório e alcançar outras pessoas ele precisa de uma carona. Carona das nossas mãos, do nosso corpo, da nossa saliva, do nosso espirro. E essa carona é uma das coisas que podemos controlar. Como garantem os cientistas em todo o mundo, o ato de se isolar fisicamente é uma ótima forma não dar carona para o vírus.

    Pode ser difícil perceber o ato de ficar em casa como uma ação que está sob nosso controle. Afinal, muitos pensam que estamos apenas “esperando o tempo passar”. Mas não encare dessa forma. O ato de ficar em casa é uma ação que dificulta o trabalho do coronavírus de se espalhar e de chegar nas pessoas mais vulneráveis. E, nesse sentido, ficar em casa (para as pessoas que podem) é um ato heroico, principalmente para o nosso cérebro, que não encara muito bem essa história de isolamento físico.

    Ajudando o cérebro a lidar com o isolamento

    Nosso cérebro é, por natureza, um órgão que precisa das interações sociais. Como ajudá-lo a se acostumar com um estado de isolamento físico? A resposta é: através da criação de hábitos e rotina.

    A gente está o tempo inteiro criando hábitos e rotinas no nosso dia-a-dia. E isso é bom. Hábito é uma forma que o nosso cérebro encontra de economizar energia nas coisas que faz. É como se ele colocasse certas ações no piloto automático e usasse a energia que sobra pra fazer outras coisas. Só tem um problema: uma vez que um comportamento entra no piloto automático, é muito difícil o interromper. Se você tem o hábito de entrar no Twitter a cada 5 minutos, quebrar esse hábito será extremamente difícil. Mas como nosso cérebro sabe criar novos hábitos com facilidade, a melhor forma de acabar com um hábito é criar um outro em seu lugar.

    Ao invés de falar: “não vou entrar no Twitter”, você deve falar “vou fazer outra coisa ao invés de entrar no Twitter”. Crie hábitos bons que substituam hábitos que te fazem mal. Modificar seu ambiente para facilitar que esse novo hábito seja criado também é uma boa ideia. Não adianta querer diminuir o acesso a alguma rede social se ela fica a um clique de distância de você.

    E para contribuir para a sensação de controle, que é tão importante para o nosso cérebro, você pode criar pequenas rotinas no seu dia-a-dia. Ficar em casa o dia todo sem hora definida para nenhuma atividade é como estar em um barquinho no meio do oceano, você vai acabar se perdendo e não indo para lado nenhum.

    Se você precisa estudar durante a quarentena, é importante avisar seu cérebro da hora de estudar. Para isso, você pode criar uma rotina que envolva se arrumar como se estivesse indo pra escola, definir um lugar para estudar e se sentar sempre lá, como se fosse o seu lugar na sala de aula, e se comportar nesse lugar como você se comportaria na escola (de preferência sem pegar o celular a cada 5 minutos).

    Estabeleça a hora de começar, a hora de fazer um intervalo e a hora de acabar. A criação de uma rotina como essa faz com que seu cérebro entenda e se prepare para esse momento. Isso não apenas vai dar a ele uma sensação de controle, como vai te ajudar a se organizar e separar um tempo do seu dia para fazer as coisas que são importantes para você.

    Isolamento físico vs. Isolamento social

    É importante ter em mente que o isolamento necessário para conter a pandemia é um isolamento físico, não social. E há uma diferença muito grande entre essas duas coisas!

    O nosso cérebro é cheio de neurônios, que são células que estão o tempo todo se comunicando umas com as outras. Um neurônio “fala” com outro que fala com outro que fala com outro, e é com esse bate-papo que as informações são processadas. Essa comunicação dos neurônios é estimulada por várias coisas, mas a principal delas é a estimulação social. Como estamos o tempo todo conversando uns com os outros, trocando ideias, emoções e experiências, os nossos neurônios ficam em constante contato para processar todas essas informações que estão recebendo.

    Quando nos isolamos socialmente, nós perdemos esses estímulos e os neurônios vão parando de se comunicar uns com os outros. Sem essas conexões entre os neurônios, todo o nosso processamento cognitivo fica pior. Imagine isso acontecendo com o cérebro do Neymar, por exemplo. Ele vai levar muito mais tempo para decidir o que fazer com a bola (e talvez nem consiga chegar facilmente a uma boa decisão).

    Por isso, precisamos manter o contato social constante, mesmo com o distanciamento físico, conversando com os amigos, rindo, brincando, e explorando novas ideias e emoções. Isso vai manter seu cérebro ativo e fazendo o que ele faz de melhor: processar informações, montar padrões, prever o que vai acontecer e, no caso do Neymar, ajudá-lo a fazer gols.


    André L. Souza
    Neurocientista e divulgador de ciências
    https://twitter.com/andrelesouza

    Lucas Miranda
    Físico e divulgador de ciências
    Colunista na Ciência Hoje e Editor do Ciência Nerd

    Agradecimento especial ao Vitor Hugo de Oliveira (https://www.instagram.com/myfairy_king/), que nos presenteou com sua ilustração do cérebro jogando bola, e à Ciência Hoje, pela publicação do texto e pela parceria de sempre!


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
    Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • A ciência pelos olhos da Profª Drª Tania Ueda-Nakamura

    É com satisfação que hoje, em parceria com minha colega de blog Marina Felisbino, publicamos a entrevista realizada com a Professora universitária, farmacêutica e microbiologista Dra. Tania Ueda-Nakamura, dando seguimento ao nosso Especial Epidemias, em virtude da atual pandemia causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença COVID-19.

    A Drª Tania graduou-se em Farmácia pela Universidade Estadual de Maringá em 1980, obteve seu título de Mestrado em Ciências Biológicas – Microbiologia (1990) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o título de Doutorado em Ciências Biológicas – Biofísica (2001) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    Realizou, entre 2010 e 2011, um pós-doutorado no Centro Nacional para a Pesquisa Científica (em francês, Centre National de la Recherche Scientifique), considerado pela revista britânica Nature como a primeira instituição mundial de pesquisa especializada em ciências e pesquisa, e  a maior instituição pública de pesquisa científica na França.

    De volta ao Brasil, Tania atualmente é professora associada ao Departamento de Ciências Básicas da Saúde na Universidade Estadual de Maringá, onde orienta projetos de pesquisa de alunos de Mestrado e Doutorado no laboratório de Atividade Antiviral junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.

    Sua pesquisa tem focado na área de Microbiologia e Virologia, como a avaliação da atividade antiviral de produtos naturais e sintéticos. Possui uma produção científica de destaque, com quase 200 artigos publicados ao longo de sua carreira em revistas científicas, além de capítulos de livros e inúmeros resumos em anais de congressos internacionais. 
    Na entrevista a seguir, a Professora Tania compartilha conosco suas experiências e seus posicionamentos sobre a pandemia causada pela COVID-19 e sobre mulheres na ciência, além de abordar também dificuldades e carreira acadêmica. Confira abaixo:

    1. Cientista – Era isso que você queria ser quando crescesse?

    Na infância, não me lembro de ter esse tipo de pensamento: o que queria ser quando crescesse. Apenas brincava. De casinha, com bonecas, pega-pega, e como quase todas as crianças brincava de escolinha, e fazia de conta que eu era a professora. Sempre gostei de observar as coisas e depois, tentar buscar soluções para os problemas. 

    Possivelmente isso já sinalizasse a vocação para a academia, mas acredito que na época, ser “cientista” parecia ser algo muito distante e inatingível para alguém crescendo no interior do Brasil, e talvez isso ainda seja uma realidade.

    2. Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

    Nem um cientista, nem uma descoberta científica em particular, mas vários fatores podem ter contribuído para seguir essa carreira. Quem viveu a infância e a adolescência nas décadas de 60 ou 70 foi muito influenciado pelos filmes e seriados de ficção científica, e que a mim particularmente chamavam muito a atenção. 

    Meus pais, apesar de não terem o curso superior, sempre nos estimularam a dedicar aos estudos de uma forma leve, respeitando as nossas limitações, e fornecendo meios e ferramentas para buscar conhecimentos. Tínhamos acesso a muitos livros e revistas em casa. 

    No início da década de 70, uma coleção chamada “Os cientistas” podia ser adquirida nas bancas de revistas. Cada fascículo era dedicado a um cientista acompanhado por um kit contendo peças que permitiam reproduzir experimentos relacionado ao cientista: Lavoisier, Dalton, Pasteur, Newton, e assim por diante. 

    Assim, a cada quinze dias minha mãe chegava em casa com um kit novo, e o que mais me chamou a atenção foi o kit que trazia um microscópio juntamente com uma coleção de lâminas. A única peça desta coleção, que guardei por muito tempo foi o microscópio. Coincidência ou não, hoje sou Microbiologista.

    3. Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à especialidade de virologia?

    O fascínio pelos vírus surgiu quando, logo após a graduação, no início da década de 80, eu precisei estudar para a obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas. O conteúdo contemplava vários assuntos, e entre eles a Virologia. E ao aprofundar o estudo nesta matéria, fiquei fascinada por este agente infeccioso tão pequeno, mas ao mesmo tempo tão intrigante. 

    Quando me vi inclinada a seguir a carreira acadêmica, a primeira oportunidade foi a Bioquímica, mas tinha maior afinidade mesmo com a Microbiologia, a área que finalmente escolhi. Porém, cultivar vírus é um desafio, pois além da partícula viral ativa precisamos também de uma célula hospedeira, portanto, a pesquisa em Virologia era restrita aos grandes centros de ensino e pesquisa. 

    Apesar de ouvir opiniões de que eu não teria chance de progredir nesta área em uma universidade jovem no interior do Paraná, eu decidi enfrentar esse desafio e fiz o meu mestrado na área de Virologia, na Universidade Federal de Minas Gerais. Ao ingressar definitivamente na carreira acadêmica, de fato, trabalhar com vírus resumia-se em realizar testes imunológicos e de biologia molecular, que eram onerosos e faltavam recursos financeiros para desenvolver pesquisa. 

    No doutorado, sob orientação do Dr. Wanderley de Souza do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), estudando a biologia das leishmânias, tive a oportunidade de me atualizar em biologia celular, aprender a cultivar células e trabalhar com modelos animais. 

    Era início do século 21, a economia no país melhorara, e como consequência os recursos destinados à pesquisa aos poucos foram chegando às instituições do interior do país, juntamente com os cursos de pós-graduação. 

    A busca por agentes antimicrobianos a partir de produtos naturais, a linha de pesquisa iniciada na década de 90 pelo nosso grupo de forma tímida com bactérias e fungos, foi então ampliada para Leishmania sp e Trypanosoma cruzi. E por que não buscar agentes antivirais? 

    Incentivado pelo nosso colega Dr. Benedito Prado Dias Filho, contando com o apoio de meu companheiro de vida e trabalho, Dr. Celso Nakamura, e com a ajuda de um grande amigo que conhecemos durante o doutorado, Dr. José Andrés Morgado Diaz, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) no Rio de Janeiro, começamos a cultivar as células de mamíferos em nosso laboratório. 

    O próximo passo foi cultivar os vírus, e eis que agora contamos com um Laboratório de Atividade Antiviral e também um biotério experimental, onde realizamos os ensaios pré-clínicos. Foram muitos os pesquisadores, colegas, pessoal técnico e alunos que contribuíram, e ainda contribuem para esta realidade. Não é possível nominar a todos, mas é o resultado do trabalho de uma grande equipe.

    4. Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

    Para realizar pesquisa com bactérias e fungos precisamos de um laboratório equipado e condições mínimas para garantir qualidade e segurança, e se contarmos com pessoal treinado é possível realizar um bom trabalho. 

    O grande desafio quando se trata de pesquisas em virologia reside na necessidade de cultivar o vírus. Além dos quesitos segurança e estrutura adequada, o fato do vírus ser um parasita intracelular obrigatório, aumenta a complexidade do estudo, pois precisamos sempre lidar com dois modelos biológicos: a célula e o vírus. 

    Claro que quando estudamos outros parasitas, precisamos também levar em consideração a relação parasita-hospedeiro, mas quase sempre é possível cultivá-los em meio artificial, sem o seu hospedeiro, o que simplifica muito o trabalho. 

    A evolução das metodologias de biologia molecular e imunológicas propiciou um salto muito grande na evolução da Virologia, agilizando a descoberta e o estudo dos vírus emergentes, tal qual o mundo vem testemunhando nos últimos tempos, particularmente nos últimos meses, com a pandemia do COVID-19. 

    No entanto, para compreender a biologia do vírus, buscar agentes antivirais e vacinas eficazes precisamos realizar os testes in vitro e os ensaios pré-clínicos, que invariavelmente leva à necessidade de cultivar o vírus. No caso do SARS-CoV-2, um vírus novo altamente contagioso e potencialmente fatal, assim como outros vírus (Hepatites virais, Dengue, etc) requerem laboratórios com alto nível de biossegurança, porém é uma estrutura onerosa que em nosso país é rara, estando disponível e concentrada em determinadas regiões. 

    Considerando as dimensões geográficas e a densidade demográfica de nosso país, constatamos na prática que esta situação é muito desfavorável num cenário de pandemia como a que estamos vivendo, ou seja, não há estrutura disponível para a realização das pesquisas, e inclusive dos testes para o diagnóstico da doença por falta de infraestrutura adequada longe dos grandes centros. E durante a pandemia da COVID-19 pudemos perceber também que mesmo em grandes centros, a estrutura existente – assim como pessoal qualificado e treinado – ainda não é suficiente.

    5. Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

    Sim, se considerarmos os avanços tecnológicos e os conhecimentos acumulados, que ainda estão em franca evolução, é possível que tanto um fármaco antiviral assim como uma vacina, eficazes e seguros, sejam disponibilizados em curto de espaço de tempo. Mas isso tudo dependerá das características do novo Coronavírus e da doença, cuja fisiopatologia ainda não é totalmente conhecida. 

    Sabemos que a chave do problema será o desenvolvimento de uma vacina, pois assim protegemos a população de risco. Vários candidatos à vacina em breve serão disponibilizados, e se tudo der certo, ou seja, se o nosso organismo for capaz de responder prontamente à vacina e conseguir manter os níveis de anticorpos capazes de neutralizar o vírus, ainda precisaremos aguardar pelo menos um ano para que se possa comprovar se a imunização foi eficiente, e seguir monitorando se não surgem cepas mutantes do vírus. 

    Para os indivíduos infectados, que apresentam sintomas e podem desenvolver quadros mais graves, não há outra possibilidade senão lançar mão de procedimentos terapêuticos e de suporte, sendo que o tratamento farmacológico parece envolver uma estratégia complexa na COVID-19. 

    Considerando que a disponibilização de um novo agente antiviral eficaz e seguro no mercado pode levar pelo menos dez anos, a tendência atual é optar pelo reposicionamento de fármaco, que acelera o processo, pois estes já são utilizados no tratamento de outras doenças, e se tem informações sobre a toxicidade e a farmacocinética. 

    Mesmo assim, estamos percebendo que não é tão simples. Desta forma, ainda precisamos compreender a fisiopatologia da COVID-19, de modo a buscar uma estratégia terapêutica adequada e eficaz para cada fase da doença.

    6. Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

    Embora a humanidade já tenha enfrentado diversas pandemias no passado e outras tragédias, a pandemia em curso vem causando um impacto devastador não apenas no sistema de saúde, mas na vida das pessoas em nível mundial nunca presenciado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

    Os tempos são outros, temos uma tecnologia avançada, conhecimento e informação, e por isso, tudo acontece numa velocidade muito grande, e a globalização vem influenciando o rumo da epidemia em vários países. Entre erros e acertos, só o tempo para nos mostrar quais foram as medidas mais efetivas. 

    Assim, a vida pós-COVID-19 no mundo dependerá da forma como os governantes, as autoridades e a população conseguirão equilibrar as medidas necessárias para controlar a pandemia e as medidas políticas de sustentação econômica, minimizando ao máximo os problemas sociais. Mas uma coisa é certa: dias muito difíceis ainda estão por vir em praticamente todo o planeta. 

    Independente das consequências, as mudanças que aconteceram certamente vão influenciar diretamente no modo de vida das pessoas no mundo todo. Da mesma forma que pessoas e nações sempre se solidarizam diante de uma grande tragédia, agora não é diferente, mas percebemos que de um modo geral muitos passaram a ter outros valores. 

    A valorização da Ciência é notória em vários países, mas no Brasil ainda precisamos avançar muito. A situação que estamos vivendo é uma oportunidade para que todos percebam a importância do investimento em prol da Ciência. E quando pensamos em Ciência não se trata somente da busca de um remédio para a cura de uma doença, mas o conhecimento em todas áreas que contribuirão para a solução dos problemas.

    7. Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do novo coronavírus em breve?

    O conhecimento das características do vírus e da doença, o entendimento de como o vírus pode ter surgido, e como ele evoluiu serão essenciais para tomar as medidas de vigilância e de prevenção adequadas. Assim, acredito que outro vírus semelhante não apareça tão cedo, mas não podemos descartar a possibilidade de surgimento de outro vírus, talvez com outras características.

    8. Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

    A minha formação e a carreira acadêmica se desenvolveram em paralelo aos meus projetos pessoais graças ao incentivo e apoio de meu marido, de minha família, e de todos que estiveram ao meu redor. E na carreira acadêmica normalmente a mulher não enfrenta grande dificuldade e nosso trabalho tem sido reconhecido. 

    As dificuldades que encontramos, na verdade são desafios inerentes a qualquer profissão, pois na maioria das vezes, a mulher divide o tempo entre o trabalho fora de casa, a tarefa de administrar uma casa e os cuidados com a família, mesmo que ela tenha a ajuda de outras pessoas. 

    9. Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Dra. Tania Ueda-Nakamura.

    Desde sempre a Ciência tem definido os rumos da humanidade contribuindo para a sua evolução. Cabe ao homem a difícil tarefa de tomar as decisões certas.

    Equipe de trabalho da profª Tania no laboratório de Microbiologia aplicada a produtos naturais e sintéticos (Universidade Estadual de Maringá) em diferentes anos. Arquivo pessoal.

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    É um prazer enorme divulgar um pouco do trabalho e dar visibilidade para mulheres cientistas que contribuem imensamente para a pesquisa brasileira. Agradecemos profundamenteà Profa. Tania pela oportunidade de entrevistá-la nesse momento em que a valorização da ciência se faz tão necessária.

    Nota

    Confira aqui o nosso primeiro “Colírio Científico” do Ciclo temático “Epidemias”.


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O problema da ação coletiva para o enfrentamento da Covid-19 no Amazonas

    Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade

    Este artigo tem como objetivo de estabelecer conexões entre a teoria da Ação Coletiva e a crise pandêmica do novo coronavirus e as soluções propostas por Ostrom (1990). Como já é divulgado pela imprensa, o Estado do Amazonas é o epicentro da pandemia do novo coronavírus na Região Norte do Brasil. Dentre muitos outros fatores, o problema da Ação Coletiva discutida por Olson (1965) e Ostrom (1990) torna-se o foco deste artigo.

    Olson (1965) descreve que, o alinhamento de interesses em uma ação coletiva não está na equivalência do interesse próprio da pessoa, mas sim, no fato de que os indivíduos têm necessidades em comum e que, somente podem atingir satisfatoriamente os objetivos propostos por meio de ações em conjunto. Contextualizando com a pandemia atual do novo coronavírus, percebe-se que o achatamento da curva de contaminação ocorrerá com a colaboração de todos, por meio de atitudes como o isolamento social, a higienização pessoal e das residências, o uso de máscaras e a solidariedade para com o próximo. A concepção de Ação Coletiva reside na colaboração mútua, solidariedade e empatia pelo próximo.

    Com todas essas orientações propagadas pela mídia, o isolamento social manteve-se baixo e, em contrapartida, os casos de coronavírus começaram a aumentar vertiginosamente, alcançando, inclusive, áreas indígenas de municípios do sul do Amazonas e, tão logo, a cidade de Manaus entrou em colapso funerário e de saúde, visto que os casos graves são deslocados para a capital por meio de UTI aérea, sendo apenas três aviões equipados para atenderem 61 municípios do interior do Estado. Além disso, o transporte de suspeitos e/ ou enfermos das comunidades rurais para os centros urbanos dar-se-ão via embarcações com motores ‘rabeta’ e de ‘ambulanchas’, dada as especificidades geográficas da região amazônica.

    Como proposta de solução para redução de casos confirmados, o governo decretou o fechamento de serviços não-essenciais e de fronteiras internacionais e interestaduais sob pena de multa e prisão, com o objetivo de evitar aglomerações e contaminações. Essa questão é discutida por Ostrom (1990) ao afirmar que as instituições são importantes mecanismos para resolução do problema da Ação Coletiva. As instituições, de acordo com North (1991), são as restrições (regras) criadas pela humanidade para estruturar as interações humanas, e atuam como mecanismos para reduzir a incerteza em ambientes e cenários complexos e incertos, como é o caso da pandemia do novo coronavirus.

    A adoção dessas instituições são capazes de gerar mudanças institucionais em dois grandes grupos, segundo North (1991): o primeiro grupo refere-se aos países flexíveis às mudanças institucionais e que se anteciparam em adotar medidas restritivas de circulações de pessoas, como foi o caso da Costa Rica, Índia e Portugal; e o segundo grupo diz respeito aos países conservadores e que adotaram tardiamente as regras de isolamentos sociais, como Itália, Espanha e Estados Unidos. Infelizmente, o Brasil e, especificamente o Estado do Amazonas, enquadram-se neste último grupo, em que criaram os primeiros comitês de enfrentamento ao novo coronavirus para definição dessas restrições e ações de combate à pandemia após dezenas de vítimas fatais.

    Sobre os diversos comitês de estratégias de enfrentamento ao Covid-19 criados em diferentes esferas, Olson (1965) discute sobre o tamanho desses grupos. Contextualizando, o autor afirma que, quanto maior e mais diversificado esses grupos (comitês), dotados de pensamentos e posições heterogêneas, mais difícil para se constituir estratégias efetivas para combater o Covid-19, pois a complexidade dos comitês aumenta conforme a inclusão de novos integrantes. Ao contrário que, em comitês menores, a tomada de decisões é mais célere e direcionada.

    Em linhas gerais, Orenstein (1998) corrobora com Olson (1965) pois, defende que comitês menores possuem membros mais atuantes e que os comitês maiores são mais susceptíveis a não atingirem seus objetivos, desestimulando o indivíduo, e que a ausência de um integrante não apresenta grande impacto sobre o resultado, como geralmente ocorre em grupos pequenos.

    Nessa perspectiva, espera-se que durante essa pandemia, possamos fortalecer a Ação Coletiva sob as premissas da colaboração, solidariedade e que nos tornamos mais humanos e que nossos representantes políticos sejam mais efetivos na adoção de instituições mais rígidas e que sejam fiscalizadas a contento. A humanidade está ultrapassando um momento delicado, mas que é necessário a união de todos, mesmo que isolados, para conter essa crise pandêmica.

    REFERÊNCIAS

    NORTH, Douglas. Institutions, institutional change and economic performance. The Journal of Economic Perspectives, Vol. 5, No. 1. (Winter, 1991).

    OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo, Edusp, 1965.

    ORENSTEIN, Luiz. A estratégia da ação coletiva. Rio de Janeiro, 1998. OSTROM, Elinor. Governing the Commons: the evolution of institutions for collective action. UK, Cambridge University Press, 1990.

  • O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 2

    No último post falamos sobre como analisar e obter muitas informações de um gráfico. Agora vamos dar mais um passo para entender de vez o que é essa curva que a gente tem que achatar e o que resulta disso.

    Para começar, vamos observar o que podemos entender de um gráfico que mostra o curso de uma doença levando em conta o número de casos e o tempo.

    Observe que o gráfico abaixo começa em uma curva que sobe até um nível máximo (que é o pico) e depois começa a diminuir. O pico está representado pelo ponto amarelo no topo do gráfico, achou!? Mas, se observamos mais atentamente, observamos que a inclinação dessa curva varia ao longo do tempo. Vemos isso analisando as retas que traçamos ao longo da curva! Quanto mais inclinada (mais vertical) mais rápido o curso da doença. Quando menos inclinada (mais horizontal), mais lento o curso da doença.

    Sabendo disso, fica mais fácil entender a variável R. Ela indica quantas pessoas são contaminadas a partir de cada indivíduo contaminado.

    Temos estimado para o Brasil (em 01/05/20) um R entre 2 e 3. Isso significa que, para cada caso confirmado, espera-se que ocorram mais 2-3 novos casos. Podemos falar que quanto menor o R, mais suave (menos inclinada) é a curva de crescimento de casos. Quando o R=1, a curva fica plana, uma linha horizontal, porque não há aumento ou diminuição de casos (é a linha amarela). E, para que a curva comece a diminuir, o valor de R deve ser negativo.

    É a partir dessa ideia do valor que R que vem a expressão “VAMOS ACHATAR A CURVA!”. Vamos falar disso aqui embaixo, usando como base o gráfico que ilustra a nossa série– e que parece o morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro!

    Em ROSA temos uma curva qualitativa de número de casos por tempo. Como você deve ter visto, a COVID tem muitos sintomas graves que podem levar os infectados a dependerem de hospitalização. Em alguns casos, inclusive, os pacientes precisam ser internados em UTIs. A quantidade de leitos é limitada e mal distribuída pelo país. Mesmo dentro dos estados, esses leitos podem estar concentrados em uma determinada cidade ou região. Esse limite imposto pelo número de leitos é o que estou chamando aqui de “capacidade máxima do sistema de saúde”. A partir do momento em que essa capacidade é atingida, pessoas deixam de ser atendidas e a chance de morte aumenta muito (lembra o que aconteceu na Itália?). Olhe no gráfico acima como uma parte dos casos fica acima dessa capacidade limite… esses casos representam as pessoas que não terão nem mesmo a chance de tentarem um leito, já que não haverá nenhum disponível.

    Agora podemos falar da curva AZUL. Nela vemos uma situação em que medidas de contenção da contaminação foram tomadas, reduzindo o valor de R. Observe como o aumento de casos foi menor e espalhado por um período de tempo maior. Com isso, observamos que o número de novos casos foi suportado pelo sistema de saúde até iniciar seu declínio. Veja que o ponto máximo do gráfico (o pico) ficou bem mais embaixo.

    Você provavelmente deve ter ouvido que o pico seria em março, depois no início de abril, aí falaram que seria no final de abril, em maio, em junho… Por que isso acontece? Vamos entender, agora, por que o pico da COVID está sendo estimado cada vez mais para frente

    Como falamos ali em cima, R é uma variável e ela é impactada diretamente pelas medidas de prevenção que estão sendo tomadas (quarentena, lock down, uso de máscaras….). Quanto mais efetivas as medidas de proteção e maior a adesão pela população, menor o R. Quanto menor o R, mais a curva é achatada. Quanto mais achatada a curva, mais o pico é postergado (deslocado para frente no tempo). Ficou complicado? Olha essa figura aqui embaixo que vai ficar mais claro! 

    Isso mostra que, quanto mais afastada a nova data do pico, mais as medidas de distanciamento social estão funcionando e menos sobrecarregado fica o sistema de saúde.

    Então, só para falar mais uma vez: O objetivo dessa estratégia (achatar a curva) é permitir que as pessoas sintomáticas de COVID que necessitem ser internadas tenham leitos hospitalares disponíveis. 

    No site especial sobre a COVID no Our World in Data temos acesso a vários gráficos interativos, nos quais podemos selecionar os países que queremos comparar.

    Separei dois gráficos que relacionam mortalidade por COVID e tempo, ambos atualizados até o dia 01/05/2020. A seleção dos países foi feita com o objetivo de obter diferentes padrões de curva para que possamos aplicar os conceitos que trabalhamos nesses dois posts. Vamos trabalhar agora com uma análise quantitativa – e com dados reais!

    O primeiro gráfico nos mostra dados que permitem avaliar se estamos atingindo o pico da curva com base no número de mortes por dia em cada país. Selecionei o Brasil e o Equador porque eles apresentam comportamentos bem interessantes. Comentários de interpretação estão nas bordas dos gráficos.

    Este segundo gráfico nos mostra o número total de mortes por país. Ou seja, diariamente são acrescentadas, ao montante anterior, as novas mortes ocorridas naquele dia. Para esse gráfico selecionei os Estados Unidos, a Espanha, o Brasil e a China – todos com comportamentos bem distintos. Como no outro gráfico, os comentários estão nas laterais. Mas quero chamar atenção para as letrinhas de A a E que coloquei nos gráficos. Se observarem com atenção, bem clarinho no fundo, conseguimos observar o desenho das curvas de acordo com a velocidade de aumento no número de mortes (as letrinhas indicam essas curvas) – é bem interessante!

    Espero que você tenha gostado dessa postagem e que eu tenha conseguido mostrar como analisar esses gráficos pode não ser tão difícil como pode parecer, além de ser bem interessante e nos fornecer muita informação!

    Se você ainda ficou com alguma dúvida ou tem algum gráfico que quer que a gente dê uma olhadinha, entre em contato em alguma rede social!

    Até a próxima! =)

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook!

    Para mais informações, além das dicas passadas, dê uma olhadinha nesses sites também!

    *Doença Causada Pelo Novo Coronavírus (COVID-19): mais perguntas do que respostas, no site da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

    *Site especial sobre a COVID-19, no Our World in Data


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1

    Oi! Nas últimas semanas o que mais estamos vendo nas notícias, reportagens e posts são gráficos… E quase sempre acompanhados da frase: “Vamos achatar a curva!

    Mas… Como a gente analisa um gráfico? Quanta informação a gente consegue tirar dele? O que é essa tal curva que temos que achatar? E mais… O que significa achatar a curva? E esse pico da infecção que vive mudando de dia?

    Então… vamos falar um pouquinho isso?

    Mas como o assunto é grande, vamos dividir em dois posts… Neste aqui, o primeiro, vamos falar sobre como analisar um gráfico e das informações que conseguimos retirar dele. No próximo (em breve coloco o link aqui) vamos tentar entender os gráficos da COVID; a tal da curva exponencial; como e porque a gente achata a curva; o que é e porque o pico da infecção muda de data. Vamos lá!?

    Para isso vou usar como exemplo esse gráfico que tem circulado e feito muito sucesso nas redes sociais!

    O gráfico dessa figura é um GRÁFICO DE LINHA, que é usado para demonstrar como, ao longo do tempo, um fenômeno que está sendo observado evoluiu. Pode ser a variação da velocidade de um carro, o preço do dólar, ou o número de casos de ativos de COVID.

    1. OS EIXOS X e Y: Vamos primeiro observar as linhas em preto. Temos o eixo HORIZONTAL (ou X) que aqui mostra a passagem do TEMPO (a setinha indica que quanto mais à direita, maior o tempo decorrido). O eixo VERTICAL (ou Y), neste gráfico indica o número de casos ativos de COVID-19 (da mesma forma, a setinha indica que quanto mais acima, maior o número de casos).

    2. CADÊ OS NÚMEROS?: Reparou que ele não dá os valores dos eixos X e Y? Ou seja, não sabemos exatamente de quantos dias ou casos estamos falando. Isso acontece porque tratamos aqui apenas de uma análise QUALITATIVA da informação. Quando estamos colocamos valores reais ou estimados (obtidos por análise estatística, por exemplo), falamos que estamos fazendo uma análise QUANTITATIVA dos dados!

    3. LINHAS DE CORES DIFERENTES: Nós temos duas linhas coloridas, mas o que elas significam? Para isso a gente consulta a LEGENDA. Ali a gente tem as informações que nos indicam que: em VERMELHO vamos observar a evolução de casos ativos numa situação “sem medida alguma” de prevenção; já em VERDE, vamos observar a evolução de casos em uma situação “com medidas de prevenção”.

    4. VAMOS OLHAR AS LINHAS: Vamos agora analisar o gráfico com as informações que temos disponíveis (os eixos X e Y e as cores das linhas). Escolheremos uma linha e vamos seguindo-a horizontalmente para ver a evolução ao longo do tempo e verticalmente para acompanharmos a variação do número de casos. Tudo isso ao mesmo tempo! Vamos começar pela linha vermelha.

    5. A CURVA VERMELHA: A gente começa no cantinho esquerdo, onde a linha vermelha está no tempo zero e com o número de casos igual zero, também! Isso representa uma situação em que não temos pessoas contaminadas. Até que isso muda… observe que a medida em que o tempo vai passando (para a direita), a curva vai subindo! Isso mostra que o número de casos ativos está aumentando com o passar do tempo.

    6. A FORMA DA CURVA VERMELHA: Você reparou que a linha vermelha não é uma linha reta? Ela é curva. Isso também traz uma informação para a gente. E tem a ver com a quantidade de novos casos por dia… Se o aumento fosse linear (por exemplo, 1 caso novo por dia), teríamos no dia 0 = 0 caso; dia 1 = 1 caso; dia 2 = 2 casos; dia 3 = 3 casos, […] dia 20 = 20 casos – e a linha seria uma reta. Na COVID sabemos que cada pessoa pode contaminar várias outras, e assim, o aumento de casos NÃO É linear. Vamos considerar que aqui, apenas para exemplo, que o número de casos dobre a cada dia. Assim, teríamos no dia 0 = 0 caso; dia 1 = 1 caso; dia 2 = 2 casos; dia 3 = 4 casos, no dia 4 = 16 casos, no dia 5 = 32 casos, […] dia 20 = 1.048.576 casos. Viu como o aumento é muito maior nesse segundo caso? Quando colocamos esses dados num gráfico, o resultado é essa linha curva, que vai aumentando muito em pouco tempo. A desenho final dessa curva depende de como o número de casos aumenta, mas ela terá um formato semelhante à curva vermelha!

    7. A CURVA VERDE: Vamos olhar a curva verde da mesma forma como olhamos a vermelha: número de casos e passagem do tempo ao mesmo tempo. Vamos lá?

    8. A CURVA VERDE SOBREPOSTA À CURVA VERMELHA: observe que o início da curva verde é igual ao da curva vermelha (eles se sobrepõem). Isso significa que a doença está se comportando igual nas duas curvas. Mas porque isso acontece? O início dos resultados da implementação das medidas de proteção só é visível algum tempo depois do início de casos, então, o início das duas curvas mostra uma situação semelhante nos dois casos!

    9. SOBRE O MORRINHO QUE A CURVA VERDE FAZ: Veja agora que após o início das medidas de proteção a curva verde muda de comportamento… Acompanhe! Primeiro era diminui o ritmo de crescimento do número de casos ativos até atingir um ápice. Em seguida, começa a diminuir aos poucos, indicando que menos pessoas estão desenvolvendo casos ativos de COVID.

    Vamos voltar no gráfico original?

    10. A CURVA VERDE QUE VIRA VERMELHA: O grande problema de as ações de prevenção funcionarem é por passarem a impressão de que “as coisas não são tão ruins quanto falaram que seria E isso pode levar ao afrouxamento dessas mesmas medidas que estavam funcionando. Esse relaxamento, por sua vez, leva às condições iniciais (sem medidas de proteção) fazendo a curva crescer novamente!

    Por isso, vamos cuidar de nós mesmos e vamos cuidar dos outros (os que estão perto ou longe – em todos os sentidos).  Saúde pública tem que ser discutida com seriedade e acontece com fatos e estudos científicos opiniões.

    Se você pode, fica em casa… 

    Mas se, como eu, você também tem que sair para trabalhar: toma cuidado

    Para ler a continuação, clique AQUI!

    E tem muita gente bacana divulgando informações acuradas sobre a COVID. Olha só:

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Conheça algumas divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus

    Camila Laranjeira, Virgínia Mota, Laura de Freitas, Ana Bonassa e Tabata Bohlen. Arquivos pessoais.

    Para dar início ao nosso ciclo temático sobre Epidemias, decidi escrever sobre a importância da divulgação científica especificamente durante a pandemia do novo  coronavírus (SARS-CoV-2, do inglês Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2).

    A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019), doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, em 11 de março deste ano e, desde então, a colaboração entre a comunidade científica mundial para a compreensão, diagnóstico e tratamento do novo coronavírus tem sido essencial.

    Além disso, tem-se visto também uma maior colaboração entre os comunicadores de ciência no Brasil, visando  mostrar como a ciência é feita e os seus  benefícios à sociedade. A análise de dados e artigos científicos em época de pandemia da COVID-19 por divulgadores de ciência e pesquisadores de diferentes áreas popularizaram terminologias como “achatar a curva” e “distanciamento social”. Isso só foi possível a partir do uso de metodologia científica sólida e a tradução desses conceitos de forma clara e precisa para a população.

    Entretanto, algumas páginas de divulgação científica chegaram a sofrer ataques nas redes sociais por seguirem as recomendações da OMS ao falarem sobre o novo coronavírus (como mostra a  reportagem da Folha de São Paulo publicada em 7 de abril).

    Por sermos uma página de divulgação científica que celebra e difunde a contribuição das mulheres nas diversas áreas da ciência, eu trago neste texto o trabalho de algumas mulheres que, além de pesquisadoras, são divulgadoras científicas e estão desempenhando um papel importante, especialmente durante a atual pandemia, esclarecendo dúvidas e nos ajudando a interpretar dados e informações disponíveis sobre o novo coronavírus e a COVID-19.

    Canal Peixe Babel

    Camila Laranjeira e Virgínia Mota, criadoras do Canal Peixe Babel. Arquivo pessoal.

    O Canal Peixe Babel foi criado em 2014 no YouTube por Camila Laranjeira, como uma forma de divulgar e falar mais sobre seu próprio projeto de pesquisa e seu interesse em robótica e inteligência artificial, além de ser uma maneira de conhecer mais pessoas interessadas pelo tema. Graduada em Sistemas de Informação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atualmente Mila Laranjeira é professora no Departamento de Ciências da Computação da UFMG.

    Na época da criação do Peixe Babel, Mila ainda não conhecia o significado de “divulgação científica”. O Canal cresceu e, em 2016, se tornou membro do Science Vlogs Brasil, o selo de qualidade que reúne os canais de divulgação científica no YouTube. Segundo Mila, o potencial do Peixe Babel ficou muito mais claro e ela então passou a investir mais em “formatos e assuntos que enriqueciam a divulgação científica”. No ano seguinte, em 2017, o canal trouxe uma convidada para falar sobre seu trabalho como professora no Colégio Técnico da UFMG sobre o tema de Saúde Mental entre adolescentes e jovens adultos.

    A convidada era Virgínia Mota que, um ano depois, passaria a integrar o Peixe Babel junto com a Mila. Vivi Mota é formada em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tem mestrado pela França (2010) e pelo Brasil (2011), e doutorado (2018) também em Ciências da Computação (UFMG). Atualmente, Vivi é professora no Departamento de Informática da UFMG e atua como pesquisadora nos grupos Núcleo de Processamento Digital de Imagens (NPDI) e Pattern Recognition and Earth Observation (PATREO).

    Como as duas divulgadoras científicas têm interesse na área de tecnologia e são duas mulheres LGBTQ+, Mila e Vivi usam o espaço do canal “para lembrar que tecnologia deve ser feita por todos e para todos”. O alcance do Canal Peixe Babel também rendeu um importante reconhecimento para o trabalho das duas, que passaram a receber financiamento do Serrapilheira, instituto privado que apoia a pesquisa e a divulgação científica no Brasil.

    No contexto da atual pandemia de COVID-19, Mila Laranjeira e Vivi Mota utilizaram sua curiosidade científica sobre os dados que eram liberados a respeito da doença no Brasil e no mundo para implementar algoritmos e gerar gráficos. Ao divulgarem o conteúdo que produziam e interpretarem os dados para os seguidores, outros divulgadores e cientistas também passaram a se interessar pela forma como as duas estavam divulgando as suas análises.

    Dentre eles, vale citar o biólogo e doutor em Microbiologia Átila Iamarino, que utilizou alguns dos gráficos gerados por elas em duas de suas lives no YouTube, de grande repercussão  na internet, para facilitar a explicação e visualização dos dados. De forma mais específica, os dados analisados por Vivi e Mila se referem principalmente ao Brasil e incluem número de casos, óbitos, leitos de UTI, e letalidade.

    Ainda, de acordo com as pesquisadoras e divulgadoras, “o principal objetivo nesse momento é conscientizar o brasileiro de que é um momento delicado, precisamos pensar com muita calma e muito carinho sobre cada uma de nossas atitudes. O acompanhamento dos dados acaba ajudando no diálogo.”

    O Canal Peixe Babel está em várias plataformas incluindo YouTube, Instagram, Facebook, Twitter, Medium, GitHub, e, ainda, o Podcast “Bit de Prosa”, com um alcance de 23 mil seguidores no Instagram e mais de 74 mil inscritos no YouTube. No momento, Mila e Vivi têm utilizado principalmente suas contas no Twitter e no Instagram para atualizações diárias dos dados liberados oficialmente pelo Brasil. Para conhecer mais e acompanhar o trabalho da Mila Laranjeira e Vivi Mota siga o Canal Peixe Babel no Instagram, no Twitter e no YouTube.

    Nunca vi 1 cientista

    Laura de Freitas e Ana Bonassi, idealizadoras do Nunca vi 1 cientista. Arquivo pessoal.

    “A gente está aqui para te aproximar da ciência e dos cientistas! Mostrar como a ciência funciona e como você pode aplicar no seu dia-a-dia!” – é assim que o Nunca vi 1 cientista se apresenta no seu canal do YouTube. O projeto surgiu em 2018 durante o FameLab Brasil, uma das maiores competições de divulgação científica do mundo, quando a Laura de Freitas decidiu recrutar alguns dos colegas participantes e a Ana Bonassa topou se juntar à equipe, dando a ideia do nome.

    A Ana é bióloga, mestre e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), e a Laura é farmacêutica-bioquímica, mestre e doutora em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Atualmente, as duas são pós-doutorandas na USP.

    Ana e Laura já utilizavam as redes sociais para desmentir informações falsas espalhadas pela internet e dar explicações baseadas em evidências científicas sobre temas variados. Entretanto, desde o começo da pandemia de COVID-19 no Brasil, elas têm focado em desmistificar notícias falsas como a “prevenção” da doença por erva doce, receitas caseiras de álcool gel, cloroquina na água tônica como “tratamento”, entre outras.

    Além disso, no canal do YouTube elas têm trazido conteúdo sobre estudos envolvendo tratamentos e vacinas para a COVID-19 com embasamento científico, além de esclarecer reportagens que citam cloroquina e hidroxicloroquina como um tratamento definitivo para a doença, ou que falam de vacina contra o coronavírus para cachorros. Por isso, elas afirmam que “é fundamental sempre preferir os jornais que consultam especialistas ou até mesmo os canais de cientistas especialistas”.

    Quando começaram o projeto, Laura e Ana tinham a intenção de levar informação científica de qualidade de forma divertida e acessível para quem não é cientista, utilizando as redes sociais. Hoje em dia, a equipe conta com 13 colaboradores na produção de conteúdo e 1 editor de vídeo voluntário.

    Nas redes sociais, o Nunca vi 1 cientista tem mais de 70 mil seguidores no Instagram e mais de 42 mil inscritos no canal no YouTube que, assim como o Canal Peixe Babel, também entrou para o selo do Science Vlogs Brasil depois de passar por um processo de seleção em 2019. O Nunca vi 1 cientista também tem contas no Facebook e no Twitter. Para conhecer mais sobre o projeto idealizado por Laura de Freitas e Ana Bonessa, siga o Nunca vi 1 cientista no YouTube, no Twitter ou no Instagram.

    Dragões de garagem

    Luiz Bento, Tabata Bohlen e Lucas Camargos fazem parte do Dragões de Garagem. Arquivo pessoal.

    O Dragões de Garagem surgiu em 2012 como um podcast de divulgação científica, com o objetivo de falar sobre ciência de forma mais acessível e descontraída. Atualmente a equipe conta com 14 integrantes produzindo conteúdo para o podcast e também para o canal deles no YouTube. O Dragões é formado majoritariamente por mulheres – a equipe conta com 8 colaboradoras no momento – e eu decidi falar mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen, que entrou para o Dragões há aproximadamente 3 anos, depois de várias conversas sobre o projeto com o Luciano Queiroz, um dos criadores do Dragões de Garagem.

    A Tabata é bióloga formada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestre e doutora em Ciências pela USP, e há 2 anos é coordenadora e responsável pelo canal do Dragões no YouTube. Além disso, ela participa do programa semanal “Notícias da Garagem”, que fala sobre descobertas científicas no canal. Entre os temas abordados no programa, está a questão do financiamento de Ciência e Pesquisa no país, para que as pessoas entendam a sua importância.

    Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, a programação do podcast e do conteúdo do canal no YouTube teve de ser alterada. Por ser um grupo formado por pessoas de várias áreas, o Dragões tem tentado abordar aspectos diferentes sobre a COVID-19 e as consequências do isolamento. Por isso, eles criaram as “Pílulas da Garagem” para o podcast, em que falam sobre assuntos relacionados à COVID-19 em programas de até 30 minutos. Já para o canal no YouTube, a Tabata tem feito as “Pílulas de Corona” com pequenos trechos sobre as lives semanais que ela faz com convidados, a fim de que mais pessoas assistam e recebam informação de qualidade.

    Um aspecto muito importante sobre a atuação dos cientistas durante a pandemia, que mencionei no início do texto, é a colaboração entre eles para que as informações corretas sobre o  momento atual cheguem até mais pessoas. E um ótimo exemplo disso é a colaboração que a Tabata do Dragões tem feito em lives no YouTube com a Laura do Nunca vi 1 cientista para responder algumas perguntas frequentes em relação ao novo coronavírus e à COVID-19, e com a Mila e a Vivi do Canal Peixe Babel sobre gráficos, estatísticas e o novo coronavírus.

    Tabata destaca os benefícios da colaboração entre mulheres na divulgação científica: “A Mila, a Vivi, a Laura e tantas outras, além de serem inspirações, nós nos tornamos suportes umas para as outras nesse mundo difícil de mulher fazendo ciência e divulgação.”

    Se quiser conhecer mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen e do Dragões de Garagem, no website deles você encontra diversos conteúdos sobre ciência, além de ter acesso ao podcast. Eles também estão no Instagram, no Twitter, e no YouTube, com o selo Science Vlogs Brasil, onde a Tabata participa do corpo diretor.

    Ao acompanhar o trabalho que essas cientistas e divulgadoras têm feito na internet, percebemos que o objetivo em comum entre todas elas é a vontade de falar sobre ciência de forma acessível, didática e descontraída, a fim de levar a ciência onde as pessoas estão – nas diversas redes sociais – e de aproximar a população do que fazemos nos laboratórios das universidades públicas e de outras instituições de pesquisa.

    Assim, aproveito a chance de novamente parabenizar a Mila Laranjeira, a Vivi Mota, a Laura de Freitas, a Ana Bonassa, e a Tabata Bohlen pelo excelente trabalho de divulgar e comunicar ciência de forma tão didática e trazer informação de qualidade de maneira acessível à população. Agradeço imensamente a atenção e contribuição de vocês para a construção deste texto!

    Referências:

    Para escrever este texto eu utilizei informações fornecidas pelas próprias divulgadoras científicas, além das fontes abaixo:

    https://medium.com/@canalpeixebabel

    https://noticias.r7.com/educacao/nunca-vi-um-cientista-esta-com-inscricoes-abertas-15102019

    http://dragoesdegaragem.com/video/coronavirus-noticias-da-garagem/

    Lives do Atila Iamarino utilizando dados do Canal Peixe Babel: https://www.youtube.com/watch?v=9GT9zqme9Mo e https://www.youtube.com/watch?v=vEwDdXim8bQ

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Lendo gráficos sobre a COVID-19

    Vemos cada vez mais nos jornais e outras mídias o uso de gráficos das mais variadas formas. Porém, uma pergunta relevante é: todo mundo sabe ler e interpretar estes gráficos? Conheça os principais tipos neste post!

    Estamos em uma época em que a troca de informações de forma rápida e eficiente é mais que necessária, não somente para pesquisadores que estão lutando para lidar com os problemas causados pelo coronavírus, mas para administradores públicos que precisam se organizar e para a população em geral que quer se manter informada. Logo é importante saber interpretar estes dados, para não acabar com visões distorcidas da realidade.

    Gráficos lineares

    Vamos pegar um exemplo:

    Gráfico de casos de COVID-19 no Brasil. Fonte: MonitoraCovid-19 (Icict/Fiocruz)

    Para a leitura de qualquer gráfico, começamos por identificar o que cada eixo representa. Neste exemplo, o eixo vertical representa o número de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 e no eixo horizontal representa a data desde o início da epidemia.

    Cada ponto neste gráfico representa um dado oficial de casos, isto é, são dados observados que mostram a situação real em um determinado instante. Já a curva formada pela ligação dos pontos é conhecida como interpolação linear, ela serve para termos uma noção do comportamento do número de casos entre cada medida experimental e dar uma idéia do comportamento geral dos dados, porém tem pouco poder preditivo sobre casos futuros.

    Gráficos logarítmicos

    Como o crescimento do número de casos é bastante rápido, sendo aproximadamente exponencial, é comum usar uma escala chamada “logarítmica” para mostrar os mesmos dados. Veja os mesmos dados em uma escala logarítmica:

    Gráfico semi-log de casos de COVID-19 no Brasil. Fonte: MonitoraCovid-19 (Icict/Fiocruz)

    Note a escala do eixo vertical. A cada trecho o valor é multiplicado por 10, essa é a principal característica que distingue um gráfico “linear” (isto é, uma escala proporcional) como caso anterior, e um gráfico em escala logarítmica. Neste tipo de gráfico distâncias iguais no eixo vertical não representam o mesmo acréscimo nos valores totais representados!

    Em especial, como somente o eixo vertical está em escala logarítmica, tendo o eixo horizontal sendo mantido em escala linear, este gráfico é comumente chamado de “semi-logarítmico” (ou semi-log).

    Quanto mais próximo de uma reta, mais o comportamento dos dados se aproxima de um comportamento exponencial. Podemos ver que nos primeiros dias o número de casos se multiplica por dez aproximadamente a cada oito dias, já nas últimas semanas temos uma diminuição na velocidade de aumento dos casos. Esta perda de força pode ser um bom sinal, isto é, que o número de pessoas sendo contaminadas pelos já doentes está diminuindo, ou um problema nos dados devido a subnotificação, uma vez que a falta de testes faz com que apenas casos graves sejam testados.

    Regressões

    Alguns gráficos, além de mostrar os pontos experimentais, mostram uma curva que representa uma função matemática que melhor descreve os dados reais. Esta curva é chamada regressão (ou projeção), e ajuda a ter uma ideia do comportamento geral dos dados e dá um poder preditivo maior em relação a uma simples interpolação linear.

    Gráfico linear com número de casos (linha sólida) e previsão para os próximos dias (linha pontilhada). Fonte: Painel Coronavírus Brasil (Fiocruz Bahia e UFBA)

    A confiabilidade dessas previsões depende muito do modelo matemático implementado, então é necessário buscar gráficos de fontes confiáveis como a Fiocruz.

    Conclusão

    Com a imensa chuva de informações que recebemos nesta época de pandemia, é necessário ter cuidado dobrado ao interpretar estes dados. Confira como estes dados estão passados para que você possa ter uma idéia concreta da situação e busque sempre fontes confiáveis para se informar!


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
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  • Pandemia acelera produção e acesso a preprints

    Cães e gatos podem transmitir o Covid-19? Descoberto anticorpos com ação eficaz contra o novo coronavírus. Droga contra HIV tem ação animadora contra Sars-Cov-2. Estas são algumas notícias que devem ter chegado a você, todas baseadas em artigos ainda sem avaliação por especialistas. São os chamados preprints, que são disponibilizados para acelerar o acesso à informação científica, o intercâmbio e as chances da ciência achar respostas rápidas contra o novo coronavírus.

    No Brasil, a pandemia mobilizou editores de revistas científicas a disponibilizarem, o quanto antes, artigos relacionados ao Covid-19. A urgência do atual momento é incoerente com o período médio de 6 meses (sendo otimista) para que um artigo seja submetido, avaliado e publicado. 

    Pensando nisso e atendendo uma demanda de editores científicos, a SciELO (Biblioteca Científica Eletrônica Online) acaba de lançar seu repositório, que já conta com 10 preprints submetidos pelos próprios autores. E, em breve, a Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec) e o Instituto Brasileiro de Informação de Ciência e Tecnologia (Ibict) lançarão a EmeRI (Emerging Research Information), plataforma de preprints com o diferencial de ser alimentada por editores, com o aval dos autores. 

    “Muitas revistas do Brasil e de países hispano-lusófonos não têm condições de manter cada uma seu repositório de preprints. Além disso, a dispersão dessa alternativa seria enorme e os trabalhos difíceis de serem recuperados”, descreveu um dos idealizadores do repositório, Piotr Trzesniak, Secretário-Geral da Abec e professor da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE).

    Ritmo frenético

    Dentre as plataformas mais importantes de preprints estão o  BioRxiv e o MedRxiv, voltados para as áreas de ciências biológicas e medicina, respectivamente e que juntos já disponibilizam mais de 1.700 preprints sobre a Covid-19 ou o vírus Sars-Cov-2. Em março deste ano, o BioRxiv bateu record de publicações (3.037 submetidas) e de downloads (mais de 3 milhões), desde que o repositório foi criado em novembro de 2013. Essa frutífera fonte de informação científica foi também a fonte das notícias que abrem esta matéria. 

    Com a facilidade de acesso online, jornalistas de ciência, generalista que ou comunicadores que cobrem a pandemia, encontram ali pesquisas que trazem pistas, tratamentos potenciais e respostas para o grave momento em que vivemos. Mas essa agilidade vem atrelada à maior chance de erros, fraudes e pesquisas de baixa qualidade. 

    De acordo com o editor da revista centenária revista de medicina tropical Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Adeilton Alves Brandão, o momento de urgência por informações científica demanda processos éticos mais ágeis, e cuidados que todo cientista – e jornalista – deveria tomar diante de qualquer: “duvidar e verificar”. 

    Adeilton critica o fato de, frequentemente, a mídia consultar os autores de preprints ou mesmo de artigos para comentar sua própria pesquisa. “Isto não oferece perspectiva interessante de análise, pois há conflito de interesses (nenhum pesquisador jamais apresentará as limitações de seu próprio trabalho!)”, enfatiza.

    “A ciência é um aliado importante dos tomadores de decisão, em primeiro lugar, e da sociedade de um modo geral, pois é a única atividade que gera dados, evidências baseados (idealmente!) no conceito de que serão sempre postos à prova, questionados, criticados”, afirma o editor científico da Memórias. Apesar da aparente contradição, ele explica que faz parte do próprio processo de construção do conhecimento científica que a robustez de dados seja posta à prova através de questionamentos e contraprovas que possam diminuir as incertezas.

    Impacto dos preprints

    Uma análise, que acaba de ser publicada no Quantitative Science Studies, demonstra que os preprints geram mais citações para os artigos depois de publicados em revistas científicas, do que artigos que não tiveram preprints disponibilizados. A explicação, segundo artigo liderado por Nicholas Fraser do Leibniz Information Centre for Economics e co-autores, é que muitos cientistas citam preprints em seus trabalhos. A análise, verificou que os artigos ainda sem revisão por pares também são amplamente citados no Twitter e em blogs, o que pode influenciar na divulgação, visibilidade e consequente aumento nas citações. 

    Talvez esses resultados sejam um importante chamariz para convencer autores e editores sobre a importância dos preprints. mais importante que citações (sempre!) é a agilidade, a transparência e o acesso aberto às pesquisas científicas em andamento. A atual urgência deverá deixar importantes legados para cientistas e jornalistas.

    Tão rápida quanto a velocidade de publicação dos preprints é a reação e olhar crítico e as reação de especialistas. Especialistas já colocam em dúvida os resultados, ainda preliminares, do preprint sobre a infecção de cães e gatos pelo novo coronavírus. “Precisa de uma quantidade significativa de trabalho extra antes que [os resultados] sejam interpretados como evidência de infecção pelo [vírus] Sars-CoV2. Como está, [o preprint] deve ser melhor visto como um texto opinativo”, avaliou Mick Bailey, professor de imunologia comparativa da Universidade de Bristol, sobre o preprint para o Science Media Centre

    “O impacto de preprints no discurso e na tomada de decisão da referente a atual pandemia de Covid-19 sugere que temos que repensar como recompensamos e reconhecemos as contribuições da comunidade científica durante a atual e futura crise da saúde pública”, sugerem Maimuna Majumder, Kenneth Mandl da Faculdade de Medicina de Harvard em artigo para a revista The Lancet.

    • Este artigo foi produzido dentro das atividades da Oficina de Jornalismo Científico II do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor)/Nudecri, da Unicamp.

    Mais leituras sobre o tema você encontra em:

    Adesão ao acesso aberto é chave no acesso a informações científicas sobre Covid-19. De Germana Barata para Associação Brasileira de editores Científicos (Abec), março de 2020.

    Mudanças à frente em direção ao acesso aberto de revistas científicas, postagem que publiquei neste blog em 2017.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • COVID-19 e os riscos da modernidade: modernização como causa e como consequência

    Na sociologia contemporânea, principalmente na obra de Ulrich Beck, as pandemias já eram identificadas como um dos principais riscos da modernização. O caso atual da COVID-19 veio para confirmar isso, e mais que isso, é fácil identificar como o processo de modernização aparece como causa, mas também como consequência da pandemia. O difícil é vislumbrar quais serão os impactos das mudanças nos processos sociais no período pós-pandemia.

    A modernização como causa se apresenta a partir de duas transformações fundamentais vivenciadas pela humanidade no último século: degradação ambiental e desenvolvimento de meios de transportes, principalmente aéreo. A degradação ambiental, com redução das áreas de floresta, expansão das cidades, presença do homem em áreas de vida selvagem, propiciou o chamado spillover, isto é, o vírus deixou de ser hospedado apenas pelo morcego, migrando para outras espécies de hospedeiros. A alteração do meio natural é fruto direto do processo de modernização, e um fator importante para a ocorrência de epidemias, como da dengue, malária, zyca, etc.

    A modernização do sistema de transporte possibilitou intenso deslocamento de sujeitos por entre diversos territórios. O grande volume de voos, que passavam dos 250 mil voos diários no período pré-COVID-19, e o barateamento do transporte aéreo, sem dúvida foram fundamentais para a disseminação tão rápida da COVID-19 por praticamente todos os países do mundo. Em outros tempos, quando os meios de transporte não eram tão rápidos e acessíveis, as epidemias se restringiam a determinados territórios, como foi o caso da peste negra, que se desenvolveu ao longo da rota da seda.

    Ao analisarmos as rotas aéreas e a propagação do vírus entre as diversas localidades, percebemos que nas áreas com maior número de voos houve maior número de casos. As pessoas se deslocam entre países e com isso facilitam a propagação. A África e América do Sul, regiões com menor volume de tráfego aéreo, também tem apresentado até o momento menor número de casos. Obviamente, numa segunda fase, o contágio ocorre a partir da mobilidade dos indivíduos dentro do próprio país, e já não é possível traçar paralelo com o transporte aéreo. 

    Imagem: World Airline routemap 2009. Wikipedia.org

    Imagem: Genomic epidemiology of novel coronavirus. Nextstrain.org

    A situação atual ilustra perfeitamente a afirmação de Ulrich Beck “é o fim dos ‘outros’”. Todos os habitantes do planeta se veem ameaçados pela pandemia e, nesse momento, categorias tradicionais de análise sociológica, como as classes sociais, se veem fragilizadas, afinal a pandemia é, aparentemente, mais democrática, no sentido de ameaçar e atingir a todos, porém situações de vulnerabilidades podem potencializar a pandemia. Se dinheiro não impede a contaminação, a falta dele fragiliza ainda mais a população. Se todos somos igualmente atingíveis, o pobre, o negro, a mulher, o morador de rua, tem seus riscos amplificados.

    Essa situação é típica de países que ainda não solucionaram problemas da primeira modernidade, e num momento de modernização comprimida, tal qual o que vivemos agora, temos os riscos da modernidade intensificados, pois eles são cumulativos: não resolvemos o problema da distribuição de renda, da igualdade de gênero (problemas da 1ª modernidade) e temos novos problemas surgindo, como as pandemias, os riscos ecológicos, o desemprego por robotização (problemas da 2ª modernidade). Os países do sul global, de maneira geral, vivenciam essa tal de modernização comprimida, o que dificulta ainda mais a solução dos problemas atuais. 

    E dentro dessa ideia de modernização comprimida é que precisamos analisar a noção de modernização como consequência. Nas últimas semanas temos vivenciados uma modernização forçada em diversas esferas da nossa vida: seja pela obrigatoriedade do ensino à distância, pelo home office ou pelas teleconsultas médicas ou psicológicas. Por tantos anos essas atividades foram barradas pelos conselhos de classe, e ,de repente, nos vemos impelidos a executar.

    Essa modernização forçada ocorre sem infra-estrutura necessária (afinal, quantos lares possuem um computador para cada criança e cada adulto? Quantos dispõe de internet em velocidade adequada?) e sem formação adequada (quantos professores sabem usar as ferramentas para propiciar um ensino adequado? Quantos realizaram cursos para isso?). As empresas foram obrigadas a passarem por uma revolução digital que vinha sendo protelada ao longo das últimas décadas e o resultado disso é incerto. Será que o desemprego vai aumentar? O desenvolvimento de novos softwares para facilitar o trabalho remoto irá impactar no cotidiano das empresas e na maneira como estamos habituados a trabalhar? 

    A pandemia do COVID-19 forçou a modernização digital e se antes a internet era vista como responsável pelo distanciamento das pessoas, hoje ela é salvação para o encontro semanal entre amigos ou para a conversa com os pais. As relações sociais estão passando por uma profunda reestruturação, e essa mudança em um curtíssimo período de tempo pode estar repleta de efeitos adversos. Saberemos lidar com a depressão e ansiedade? Substituiremos bem o contato pessoal pelo encontro virtual? Como ficarão as relações quando a pandemia passar?

    A modernização como consequência nos traz dúvidas e ela materializa a noção de sociedade de risco. Estamos imersos em incertezas, ambiguidades, complexidades. O risco é invisível e ele só se materializa quando se confirma. A COVID-19 é um risco invisível, mas potente o suficiente para mudar as relações sociais e de trabalho, impactando tantas esferas de nossa vida, que é capaz de criar um novo mundo, uma nova ordem social – e não se sabe se ela será melhor ou pior que a atual.

    E por se tratar de um impacto global, já se discute a necessidade de uma governança global, o que coloca em questão as fronteiras geográficas, as respostas políticas locais, assim como os processos de individualização. A humanidade pode estar entrando em um novo momento e a imaginação sociológica deve estar aflorada entre nós, para que possamos captar essas mudanças, analisando-as com criticidade, propondo alternativas e soluções possíveis aos novos problemas que surgirão. 

    Para saber mais: 

    BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.

    NEXTSTRAIN. Real-time tracking of pathogen evolution. Novel coronavirus (2019-nCoV). Disponível em https://nextstraing.org

    QUAMMEN, David. Spillover: animal infections and the next human pandemic. New York: W. W. Norton & Company, 2012. 

    RICHARDS, Sarah Elizabeth. Como mutações do coronavírus podem ajudar a traçar rota de propagação e refutar conspirações. National Geographic, 3 de abril de 2020. Disponível em https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/04/como-mutacoes-do-coronavirus-podem-ajudar-tracar-rota-de-propagacao-e-refutar

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A desinformação azeda sobre o limão na COVID-19

    A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranha,  tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas tem utilizado em substituição ao álcool em gel.

    A primeira delas ocorreu logo após o governo de São Paulo decretar a quarentena oficial (anúncio feito dia 20/03 com quarentena a partir de 24/03). Confesso que precisei ir ao mercado para comprar insumos básicos e notei que, além da falta do álcool gel, o limão também era um item ausente nas gôndolas. Ao questionar um dos funcionários sobre o sumiço do limão, ele me informou que as pessoas estavam comprando pois acreditavam que o suco de limão preveniria a COVID-19.

    A segunda situação ocorreu mais recentemente, quando recebi uma mensagem relatando que a ingestão de alguns alimentos poderia proteger nosso organismo devido ao pH do alimento versus pH do vírus. A mensagem afirmava que o pH do limão era 9,9 e o do abacate 15,6, enquanto que o pH do vírus variava entre 5,5 e 8,5. No entanto, alguns estudos mostram que o pH desses dois frutos são respectivamente 2,17 (em uma média de três tipos distintos de limões)1 e 6,59 (na média de duas espécies de abacates)2;

    Bom, vamos buscar na Química o que é, qual a escala e como varia o pH para entender quais as explicações adequadas (se é que existem).

    O que significa o tal do pH?

    A medida de pH é um parâmetro que indica o quanto um sistema é ácido ou básico, algo que é uma das características das soluções químicas naturais ou sintéticas. Você provavelmente já ouviu falar que o limão ou laranja são frutas ácidas. Do mesmo modo, se olhar o rótulo de uma garrafa de água mineral, poderá notar a indicação do pH deste produto. 

    Mas a acidez não é igual em todos os casos. Existem soluções mais ácidas e menos ácidas e essa intensidade é medida por uma escala denominada “escala de pH”, que comumente é nos apresentada variando entre 0 (pH relacionado a uma solução mais ácida) a 14 (pH relacionado a uma solução mais básica – ou menos ácido), sendo o valor 7 um pH de uma substância / solução neutra.

    Assim, quanto mais distante da neutralidade (pH 7) maiores problemas as substâncias poderiam causar se consumidas. Ressalta-se no entanto, que consumimos alimentos ácidos (como algumas frutas cítricas) e alimentos com pH básicos (o leite, por exemplo). No entanto, substâncias extremamente ácidas ou básicas podem apresentar caráter corrosivo. 

    Quimicamente falando, o termo pH significa potencial hidrogeniônico e se representa a capacidade de liberação da espécie química H+ (íon hidrogênio ou próton, de modo simplificado) ou liberação de H3O+ (íon hidrônio) . Essa definição é a utilizada para o desenvolvimento de sistemas que permitem determinar os valores da escala mencionada. Mas de fato, o que nos interessa no momento é entender por que o pH está sendo associado ao combate do corona vírus.

    O pH e nosso organismo?

    No nosso caso, podemos citar o sangue, uma mistura de várias substâncias que circula por quase todas as partes do nosso corpo. Para que as transformações bioquímicas do nosso organismo aconteçam de modo adequado, o pH desse sistema deve estar com valores adequados. 

    No  caso do nosso sangue, o pH varia entre 7,34 e 7,44 unidades, sendo a média aceitável de 7,43. Ressalta-se que dependendo do local em nosso organismo, esses valores podem ser distintos. Nosso organismo se esforça para manter esse valor, e qualquer alteração desencadeia diferentes respostas, com diferentes transformações para corrigir tal alteração. 

    Sim, nosso organismo possui mecanismos para manter o equilíbrio interno existente, de modo que dificilmente conseguimos alterar esse valor. E mais, caso isso ocorra, provavelmente teremos sérios problemas, podendo mesmo levar a morte

    Por exemplo, valores de pH sanguíneo muito baixos, podem gerar o problema denominado acidose (ou acidulose) o qual está associado a sobrecarga respiratória, vasoconstrição renal, entre outros. Enquanto valores de pH elevados estão associados a alcalose, associada a hipocalcemia, ou seja, taxa de cálcio no sangue baixa, hipopotassemia, quantidade menor de potássio do que a recomendada, entre outros.

    Pois bem, o que as mensagens têm recomendado?

    Cabe então comentar a respeito de duas informações / recomendações contidas nessas mensagens.

    Será que  ao passarmos substâncias ácidas na mão (como o limão que estava em falta no mercado) estaríamos nos protegendo contra o vírus? Neste caso, o limão seria um produto anti séptico?

    Se por um lado, para que o vírus sobreviva são necessárias condições adequadas, incluindo o pH, por outro lado: 

    – não se sabe quais valores de pH (ou níveis de acidez) são suportados pelo coronavírus;

    – não existem quaisquer estudos que avaliaram a eficiência de frutas cítricas em contato com a pele no combate ao vírus;

    – não existem produtos a base de limão testados para esta finalidade nem em termos de anti-sepsia, nem em relação possíveis problemas dermatológicos.

    Para além de tudo isso, ao passar limão na pele você corre riscos de desenvolver queimaduras (alguns podem conhecer como queimaduras de limão), uma vez que a pele em contato com substâncias presentes no limão (e em alguns outros alimentos) em presença da luz solar gera o problema conhecido como fitodermatite. Portanto, ao passar limão na pele, você não só não terá certeza de que está protegido como poderá ficar com a pele queimada e manchada.

    A segunda mensagem propagada é a de que ao ingerirmos substâncias ácidas ou básicas, nosso corpo teria seu pH alterado e o vírus então não sobreviveria. Nesse caso, não há muita lógica.

    Qualquer alimento ingerido é metabolizado e passa por diversas transformações até seus nutrientes serem levados aos locais específicos. FELIZMENTE, o equilíbrio presente em nosso organismo faz com que o pH das diferentes partes do corpo se mantenha dentro da faixa adequada. Então, por mais  que você consuma grande quantidade de limão, seu sangue não ficará mais ácido. Na pior das hipóteses você terá uma boa azia causada pelo excesso momentâneo da sua acidez estomacal.

    Portanto, essa receita caseira não funciona. Se você deseja se proteger, as recomendações continuam as mesmas. Lavar as mãos com água e sabão e/ou utilizar álcool gel e manter-se, nesse momento, em distanciamento social.

    Não há soluções mágicas. Os estudos para o desenvolvimento de vacinas e o teste de medicamentos estão sendo feitos e cabe compreendermos que estes envolvem etapas necessárias para que se garanta a qualidade e segurança dos produtos que serão administrados.

    Para saber mais

    1BRIGHENTI, Deodoro. et al. Inversão da sacarose utilizando ácido cítrico e suco de limão para preparo de dieta energética de apis mellifera Linnaeus, 1758. Ciência e Agrotecnologia. Lavras. v. 35. n. 2. p. 297-304. 2011.

    2BORGES, C.D. et al. Características físicas e químicas de abacates das variedades Margarida e Breda. XXV Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Gramado. 2016.
    3FURONI, R. et al. Distúrbios do equilíbrio ácido-base. Revista da Faculdade de Ciências Médicas. Sorocaba. v.12. n.1. p. 5-12. 2010. 

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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