Categoria: Covid-19

  • Vacina para crianças de 3 a 5 anos: o que sabemos sobre isso?

    Texto escrito por Ana Arnt e Maurílio Bonora Junior

    A vacina CoronaVac foi aprovada pela Anvisa, para crianças entre 3 e 5 anos, finalmente! As próximas etapas são de compra e distribuição de vacinas em quantidade suficiente para todo o território nacional.

    Há algumas regiões que possuem estoque desta vacina e já estão liberadas para iniciar a vacinação desta faixa etária. É o caso de Fortaleza (CE), São Luís (MA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Manaus (AM), Salvador (BA) e o Distrito Federal.

    Mas, essa vacina é segura mesmo?

    Junto com a notícia sobre a vacinação infantil, vemos crescer, novamente, discursos antivacina e novos receios surgindo sobre a segurança da vacina para as crianças. Nós entendemos, claro, o quanto estas idas e vindas de informações podem gerar confusão e medo nas pessoas que são responsáveis pelas crianças. Assim, antes de seguir o texto, já adiantamos que SIM, a vacina é segura para crianças de 3 a 5 anos!

    Mas é preciso mais do que segurança para uma vacina ser boa, não é mesmo? Assim, achamos importante retomar estudos que falem sobre como é fundamental que este público seja protegido o mais rápido possível, para seguirmos no combate à Covid-19!

    E a resposta imune?

    O mesmo estudo chinês que fala sobre segurança da vacina nesta faixa etária, também apontou estímulo do sistema imune para a defesa contra o SARS-CoV-2. Todavia, há estudos mais recentes, como o chileno, que foi publicado este ano, sobre a vacina CoronaVac, para crianças de 3 a 5 anos, em relação à variante Omicron.

    O estudo foi feito com um pouco mais do que 490 mil crianças, sendo que cerca de 189 mil não se vacinaram durante a pesquisa e 194 mil se vacinaram com 2 doses de CoronaVac, com um intervalo de 28 dias entre primeira e segunda doses.

    Os resultados encontrados foram de 38,2% de proteção contra COVID-19 sintomática, 64,6% de proteção contra hospitalização e 69% de proteção contra internação na UTI. 

    O que isto quer dizer?

    Estes números às vezes nos deixam confusos, né? O que estas porcentagens querem dizer?

    Já falamos disso em um texto antigo nosso, mas retomaremos o exemplo aqui

    texto: “A fórmula para se calcular a eficiência de uma vacina é a seguinte: Eficiência= 1 - VP vp Sendo que: V = Número total de pessoas que foram vacinadas P: Número total de pessoas que receberam o placebo v: Número de pessoas vacinadas que foram infectadas (ou algum outro efeito que esteja pesquisando) p: Número de pessoas que receberam o placebo que foram infectadas Entretanto, quando o número total de vacinados e que receberam o placebo são muito parecidos, podemos desconsiderar essa parte da fórmula, ficando da seguinte forma: Eficiência=1-vp Vamos ver um exemplo, para ficar mais claro: Suponha que 50.000 pessoas serão testadas, 25.000 com a vacina e 25.000 com o placebo. Desses 50.000, 100 se contaminaram com o patógeno em um período de 6 meses. Analisando essas 100 pessoas que se infectaram, descobriu-se que 97 delas estavam no grupo que não se vacinou e somente 3 no grupo vacinado. Como o número de vacinados e que receberam placebo é parecido, podemos usar a fórmula simplificada. Fazendo uma divisão simples: Eficiência=1-397=~97% descobre-se então que a vacina tem uma eficácia de 97%.”

    Agora, utilizando desses conhecimentos, podemos entender um pouco melhor os resultados do artigo chileno. Quando vimos que a CoronaVac, em crianças, gera uma proteção de 38,2% contra a forma sintomática da COVID-19, o que isso quer realmente dizer é que as crianças têm uma PROBABILIDADE de (quase) 40% de não ter sintomas da Covid-19, caso se contamine com o SARS-CoV-2.

    Pode parecer pouco, mas nesse momento o mais importante é impedir que essas crianças desenvolvam a forma mais séria da doença, que tem causado muitas mortes dentro desse grupo.

    E aí que os outros resultados se tornam tão importantes. Dizer que a CoronaVac gera 64,6% de proteção contra hospitalização e 69% de proteção contra internação na UTI, novamente, não quer dizer que de 100 crianças, exatamente 64 não serão hospitalizadas enquanto 36 com certeza precisarão de um hospital. Na verdade, esses valores nos dizem que, na média, a criança vacinada tem 64,6% a mais de probabilidade de não ser internada e, principalmente, 69% de chance de não precisar de uma UTI (que são os casos mais graves).

    Óbvio que pode acontecer pequenos desvios dentro desses valores, por exemplo, podemos ficar sabendo de muitos casos, dentro do nosso círculo de conhecidos, de crianças que mesmo vacinadas tiveram sintomas de Covid-19 e precisam ir ao hospital. Mas é aí que precisamos lembrar que quando falamos de vacinação, não estamos olhando somente para as poucas dúzias de pessoas que conhecemos ou ouvimos falar, e sim de milhões de crianças, jovens, adultos e idosos. Assim, quando olhamos para o conjunto como um todo, podemos ver o poder das vacinas e a real proteção que elas geram em nós.

    Considerações importantes sobre o estudo chileno

    Este estudo se realizou na população, e isto quer dizer que não houve “placebo”. O que isto quer dizer? O conjunto de pessoas que toma placebo na fase experimental é exatamente aquele que chamamos de “grupo controle”. Isto é, o grupo que vai “tomar” algo (pode ser até mesmo água), para que consigamos comparar com o grupo que tomou a vacina.

    Assim, neste caso, o grupo controle foi o “não vacinado”. E isso pode acontecer, mesmo sem passar de novo pelas fases 1 e 2 de pesquisa? Sim! Quando a vacina já está sendo aplicada na população – após todas as fases experimentais – que são as fases 1, 2 e 3 – nós seguimos analisando os dados da vacina na população.

    Isto acontece, especialmente em casos como do SARS-CoV-2, que é um vírus que está com alta transmissão na população, com novas variantes circulando. Assim, também vamos comparando as nossas análises iniciais – das pesquisas realizadas nas fases 1, 2 e 3 – com as respostas posteriores. Esta continuidade de coleta de dados, em termos populacionais, chama-se de farmacovigilância.

    Praticamente todos os medicamentos e vacinas utilizados no mundo possuem pesquisas de farmacovigilância por anos – até décadas – sendo realizadas.

    Portanto, nada disso torna a vacina “experimental”. Ou seja, pesquisas de longa duração são fundamentais para compreendermos como as populações estão de saúde e como as interações com medicamentos e vacinas funcionam em um prazo longo (de décadas, no caso).

    Finalizando

    Apenas para lembrar o que sempre falamos sobre vacinas desde o início de nosso trabalho no Especial Covid-19: vacinas são um pacto coletivo. Dessa forma, essas vacinas são seguras e fundamentais para diminuirmos a infecção em crianças e controlarmos a transmissão do vírus na população!

    Em suma, a pandemia não só não acabou, como segue com alta transmissão e um grande número de casos e óbitos em nosso país. É fundamental que consigamos proteger ainda mais as crianças e tornar nosso cotidiano mais saudável e seguro!

    Para Saber Mais

    BRASIL, Anvisa, Farmacovigilância.

    G1 (2022) 6 capitais e o DF começam a vacinar crianças a partir de 3 anos contra a Covid nesta segunda, G1, 18/07/2022

    Jara, A, Undurraga, EA, Zubizarreta, JR et al (2022) Effectiveness of CoronaVac in children 3–5 years of age during the SARS-CoV-2 Omicron outbreak in Chile Nat Med

    Han, B, Song, Y, Li, C, Yang, W, Ma, Q, Jiang, Z, … & Gao, Q (2021) Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine (CoronaVac) in healthy children and adolescents: a double-blind, randomised, controlled, phase 1/2 clinical trial The Lancet Infectious Diseases, 21(12), 1645-1653.

    Fernandes, EG, López-Lopes, GIS, Silva, VO, Yamashiro, R, Madureira, KCR, Gallo, JF, … & Brigido, LFM (2021) Safety and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine (CoronaVac) in inadvertently vaccinated healthy children, Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 63.

    OPAS (2005) A importância da Farmacovigilância 

    Outros materiais

    Cobertura Vacinal, retomadas, indivíduos e população

    Reações adversas e vacinas: o que são e onde habitam 

    Vacina de Pólio e a segurança dos protocolos de vacinações atuais 

    Políticas públicas em saúde e vacinação de Covid-19

    As 11 fake news sobre vacinas infantis que circularam antes e durante a consulta do ministério da saúde

    Reações adversas, vacinação e desinformação 

    Estudos preliminares, vacinas, políticas públicas e eventos cardiovasculares

    Vacinação infantil contra Covid-19: desinformação, miocardite e outros alarmismos

    Passaporte nacional de imunização e segurança sanitária  – Faz sentido isso? – Updated

    Vacinação, transmissão e variantes: o que aprendemos nesse um ano

    Fases das vacinas

    E aqueles resultados das vacinas?

    Parcerias:

    Mellanie Fontes-Dutra: A vacina CoronaVac está APROVADA, COVID-19 E CRIANÇAS, Dados do Chile da CoronaVac em crianças de 3-5 anos,

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A pandemia já acabou?

    Estamos há um tempo sem conversar por aqui. Ao longo destes últimos dois anos de pandemia, nossa frequência de textos foi muito grande e precisávamos reorganizar o trabalho. Especialmente agora, já que estamos com intensas atividades presenciais. Dessa maneira, a equipe do Especial COVID-19 precisou se afastar um tempo, uma vez que nossa atenção voltou-se para outras áreas que ficaram descobertas durante este tempo todo.Aliás, é relevante falar que já tem algum tempo que todos nós estamos com um comportamento que beira a tão desejada normalidade, não é mesmo? Voltamos às salas de aula, aos bares e restaurantes, aos espaços públicos – com espetáculos e reencontros. Ufa! Realmente estamos em um momento mais tranquilo.

    Isso foi por muito tempo nossa mirada diária, e estamos felizes de não ser tão urgente tudo o que precisamos fazer e falar sobre COVID-19 atualmente. Mas (sim, há um mas), a pandemia não acabou. E ainda precisamos de atenção e cuidado, informações que nos indiquem o que é ou não seguro.

    O que nos diz a OMS?

    A Organização Mundial da Saúde segue fazendo relatórios semanais sobre a situação da COVID-19, incluindo a decisão de manter o status de pandemia à doença. Isto quer dizer que ainda vivemos uma emergência sanitária global – embora exista diferenças entre regiões dentro dos países e entre os países do mundo. Assim, os relatórios da OMS falam da doença em diferentes continentes e países, sendo um boletim geral de como a COVID-19 está neste momento (vocês podem conferir o último relatório aqui, que está em inglês).

    A situação mundial da COVID-19 no painel da OMS
+ de 513 milhões de casos confirmados (total)
527 mil casos novos nas últimas 24h
+ 6 milhões de óbitos confirmados (total)

A situação brasileira da covid-19 no painel da OMS
+ 30 milhões de casos confirmados (total)
+ 21 mil casos novos nas últimas 24h
+ 663 mil óbitos confirmados (total)
1 a cada 3 pessoas tomou dose adicional de vacina

Especial COVID-19 Blogs Unicamp
ref mapa e casos: WHO COVID-19 Dashboard Geneva, acesso em 05/05/22.

    E a vacinação em nosso país?

    Se pensarmos o cenário de 2021 em que não sabíamos se haveria vacina para todos nós, atualmente nossa situação é realmente tranquila. A vacina chegou a muitos brasileiros sim. Dessa maneira, salvou vidas e diminuiu (muito) mortes e agravamento de doenças.
    Nós temos, neste momento, uma cobertura vacinal extremamente desigual em nosso país. Muito embora a vacinação tenha chegado, não tivemos uma campanha e distribuição centralizada, que garantisse igualdade de acesso em todo o território nacional
    Se formos levar em consideração a terceira dose (ou dose adicional), vemos que a situação é mais séria ainda. Nenhum estado brasileiro – nem São Paulo que é o estado mais vacinado do país – está acima de 50% de 3ª dose aplicada!

    Painel de cobertura vacinal (rede análise): mapa mostrando a cobertura de 2 doses e 3 doses.

    Já falamos inúmeras vezes aqui no Especial COVID-19 e em grupos parceiros, como o Todos Pelas Vacinas: vacinação é um pacto coletivo. É um projeto de política pública para proteção e cuidado da saúde de todos. É fundamental compreendermos a necessidade de seguirmos comunicando a importância da vacinação em todas as faixas etárias em que as vacinas já estão disponíveis em nosso país!
    A biomédica e divulgadora científica Mellanie Fontes-Dutra, da Rede Análise, além de nossa colega e parceira, segue a pleno vapor falando sobre vacinas, variantes e COVID-19 e já falou sobre a importância da vacinação contra a variante Ômicron. Aliás, esta variante é a responsável por este último pico de casos confirmados para a doença que aparece nos gráficos que mostraremos a seguir.
    Talvez fique mais fácil entender o papel da vacinação, como um dos fatores fundamentais de controle da doença, nestes próximos gráficos, também da Rede Análise, elaborados por Isaac Schrartzhaupt e Marcelo Bragatte.

    Se a pandemia não acabou, por que não temos mais óbitos?

    Uma das maiores tristezas destes dois anos de pandemia foi perceber que nos acostumamos a ver óbitos em diferentes espaços sociais. Chegou a morrer mais de 4 mil brasileiros por dia em 2021- isso sem contar a subnotificação por falta de testes no país. Sendo assim, o cenário agora parece realmente tranquilo. Afinal, morrem apenas 100 pessoas por dia (aproximadamente).
    Primeiramente, 100 pessoas por dia por uma doença é muita gente. Ainda são perdas inestimáveis para familiares, amigos e trabalhadores. Isto de modo algum é negar que o cenário é melhor do que o que já vivemos – mas está longe de ser o cenário ideal. E isto não pode ser deixado de lado.

    Vamos olhar alguns dados?


    Estes dois gráficos nos ajudam a perceber um pouco sobre o cenário da COVID-19 em dois momentos específicos. Com a seta em amarelo, estávamos com uma quantidade de vacinados baixíssima. Recém o Brasil estava recebendo vacinas e distribuindo em território nacional. Confirmávamos cerca de 100 mil casos por dia e cerca de 3 mil óbitos. Vivíamos o colapso do sistema de saúde em vários locais do país. Em Fevereiro deste ano (seta vermelha), vemos o número de casos confirmados aumentando muitíssimo – chegando a mais de 200 mil casos diários, a maior quantidade de casos confirmados de Covid-19. O número de óbitos aumenta, mas não acompanha a proporção vista no cenário anterior.

    Em um cenário de flexibilização das normas sanitárias crescente (que favorece a transmissão), tivemos o fator vacina como ponto fundamental em 2022.

    A vacinação foi e segue sendo uma ferramenta fundamental para o combate da pandemia de Covid-19

    Sim! Estamos em um cenário de razoável tranquilidade, mas precisa-se manter os olhos abertos. Mais do que isto: olhos abertos e máscara no rosto.


    – Ah, mas ninguém mais usa, em todos os lugares a obrigatoriedade da máscara caiu!

    Exatamente, sua obrigatoriedade caiu, mas não sua recomendação. Por um lado, em espaços abertos e não aglomerados já podemos ficar com relativa tranquilidade. Por outro lado, há pontos importantes a serem pensados. Inicialmente, a transmissão de COVID-19 não acabou. A máscara, aliada às 3 doses de vacinação, é uma das maiores barreiras que podemos ter.
    Em transportes coletivos e unidades de saúde, a obrigatoriedade permanece em grande parte das cidades. Nas salas de aula, a obrigatoriedade caiu para todas as faixas etárias… Este é um dos ambientes que consideramos mais importantes de serem analisados.

    E as salas de aula?

    A sala de aula, sem ventilação adequada (o que é a verdadeira realidade de grande parte das escolas públicas e privadas do país), é um espaço privilegiado para a circulação do vírus. Sendo a máscara uma barreira eficiente, por que não manter a máscara como obrigatória, tornando o espaço escolar mais seguro em termos de saúde pública?
    A insistência neste ponto, embora pareça ser “requentar debates”, é também sobre populações específicas que ainda não estão vacinadas e estão em um local de grande circulação de pessoas. Sim! Há populações dentro das escolas que não foram vacinadas ainda! Crianças abaixo de 4 anos aguardam seu grande momento chegar também.
    Enquanto isto não acontece, esta população é vulnerável a contrair a doença, seguir o ciclo de transmissão e, também, adoecerem de COVID-19. Como está o cenário escolar em meio à pandemia de COVID-19?

    Aumento de casos

    Temos acompanhado as notícias sobre o aumento de casos entre jovens e crianças em fase escolar. Em algumas unidades escolares em São Paulo, por exemplo, já se fala em voltar à obrigatoriedade do uso de máscaras.

    Nossa posição, aqui no Blogs Unicamp, sempre foi ponderar sobre a suposta urgência de se retirar a obrigatoriedade do uso das máscaras, que é uma das principais formas de impedir a transmissão em espaços fechados.

    Além disso – reiterando o que já disse antes – na escola há pessoas que ainda não se vacinaram, em função da idade. Ou tomaram apenas duas doses (tendo em vista que não temos três doses para estas faixas etárias ainda).

    Qual a pressa em retirar o uso de máscaras, sendo que elas protegem estas pessoas que estão vulneráveis em relação ao vírus SARS-CoV-2?

    Em estudo recente, realizado aqui no Brasil, foi apontado que a presença de funcionários e docentes com máscara já reduz muito a transmissão em ambientes escolares. Além disso, a condução das aulas na modalidade integral (dois turnos) e o uso apenas de máscaras de menor qualidade (não filtrantes, por exemplo) levou a um aumento de 559% nas infecções.

    Esses dados nos mostram a grande importância que as máscaras ainda possuem no nosso cotidiano, principalmente nesses ambientes fechados e com grande circulação de pessoas, como as escolas. Retirar a obrigatoriedade das máscaras nesses lugares seria, no mínimo, ir contra tudo o que estamos fazendo desde o início das vacinações para conter a pandemia.

    Além de proteger diretamente quem está no ambiente escolar de se infectar com o SARS-CoV-2 e desenvolver alguma forma da COVID-19, o uso contínuo das máscaras ajuda a reduzir a cadeia de transmissão do vírus, impedindo que as crianças, professores e funcionários – mesmo que não tenham sintomas – transmitam o vírus para os pais, filhos, cônjuges ou outros familiares. Lembramos que, apesar da infecção de COVID-19 causada pela variante Ômicron ser mais leve comparada a outras variantes, essa é uma doença que ainda mata, inclusive vacinados com a terceira dose (lembrando também do fato que muitas crianças pequenas não foram vacinadas ainda).

    As hospitalizações não acabaram…

    Não adianta querermos que a pandemia acabe por nosso cansaço. A permanência do vírus na população e a gravidade disso é que torna a Covid-19 uma emergência sanitária ou não.

    Em Campinas, por exemplo, 29% das UTIs infantis estão ocupadas por crianças com suspeita de Covid. CRIANÇAS! Desde quando começamos a compreender sua não relevância para voltarmos a uma normalidade, com esta população vulnerável?

    O aumento de casos recente fragiliza ainda mais esta população que não tem previsão de terceira dose, com novas variantes e subvariantes aterrizando em solo nacional.

    Tanto quanto para todas as pessoas que estão sem acesso à segunda e terceira dose da vacina – seja por falta de acesso à informação, seja pela falsa sensação de segurança. Precisamos seguir vacinando, a terceira dose é fundamental para nos proteger com segurança!

    Finalizando

    Por tudo isso exposto acima, seguimos firmes na defesa do uso das máscaras para todos, principalmente para e por nossas crianças.

    Use máscaras, se proteja, proteja quem está próximo, especialmente em espaços públicos fechados e mal ventilados.

    Referências

    GENARI, Juliano; GOEDERT, Guilherme T; LIRA, Sergio, HA; et al (2022) Quantifying protocols for safe school activities. arXiv:2204.07148 [physics.soc-ph].

    FAVERO, Paulo (2022). Alta de casos de Covid faz escolas de SP suspenderem aulas e exigirem máscaras. CNN.

    JULIÃO, André (2022). Estudo brasileiro reforça a importância de manter máscaras nas escolas. Galileu.

    G1, Jornal Nacional (2022) Testes positivos de Covid mais do que dobram em um mês, alertam farmácias.

    LEITE, Gabriela (2022). Covid: O que significa o leve aumento de casos no Brasil. Outra saúde.

    G1 Campinas (2022). Campinas chega à maior fila por enfermaria pediátrica, e 29% das UTIs infantis para SRAG são de casos suspeitos da Covid-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • 2 anos de Pandemia de Covid-19

    Imagem de Clorofreela

    Hoje completamos 2 anos de Pandemia de Covid-19. No início de 2020, ainda em janeiro, víamos as notícias percorrendo o mundo, acompanhávamos atentos aos acontecimentos recentes acerca de uma pneumonia cujo patógeno era considerado novo, para nós.

    No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde finalmente decreta que o Coronavírus, SARS-CoV-2, tinha se tornado uma pandemia. Isto é, um vírus que atinge todos os países do mundo (ou quase todos).

    Enquanto buscávamos informações seguras para realizar nosso trabalho, aqui no Blogs de Ciência da Unicamp, também víamos proliferar desinformações vindas dos locais em que mais deveríamos confiar e que ocupam postos destinados ao cuidado de nossa população. 

    Em 2 anos, enfrentamos mais de 450 milhões de casos notificados no mundo e 6 milhões de óbitos confirmados registrados. Destes, ainda que com uma subnotificação enorme, quase 11% ocorreu aqui em solo brasileiro (cuja população total é 2,6% da população mundial…). 

    Vidas que não sofrem sozinhas ao virem a termo. Foram pessoas, famílias inteiras, sofrendo com desde a infecção, até internações, cuidados paliativos e descaso ou falta de leitos hospitalares – o que aconteceu em grande parte do mundo. (Podemos analisar isto aqui, aqui, aqui, aqui e mais recentemente, aqui).

    Primeiro ano da Pandemia

    Aqui no Brasil, após um primeiro ano nitidamente marcado pela desinformação, o colapso veio junto com o início de uma lenta vacinação e muita apreensão. Nosso março de 2021 foi marcado com perdas e exaustão, que nublavam a esperança pela chegada da vacina. Uma vez que víamos despedidas de pessoas queridas que não conseguiram se afastar da infecção, semanas antes de sua tão esperada data de vacinação chegar. Este foi o maior colapso sanitário e hospitalar já vivenciado em nosso país.

    O Especial COVID-19, aliava-se ao Todos Pelas Vacinas e também ao Consulado Geral da França em São Paulo para informar sobre vacinas, Covid-19, efeitos sociais da pandemia, surgimento de variantes e muito mais temas necessários para entendermos e enfrentarmos esta doença que se agravava no cenário brasileiro.

    Assim, completamos 1 ano de pandemia no auge do colapso, após uma virada de ano literalmente sem ar, em Manaus, em um ato de descaso sem igual na história de nosso país.

    Segundo ano de Pandemia

    Iniciamos 2021 com 200 mil óbitos. Rapidamente chegamos a marcas mais tristes e devastadoras, que só desaceleraram em função da vacinação que ampliou sua cobertura ao longo do primeiro semestre, ainda que com velocidade menor do que a capacidade brasileira de negociação, compra e distribuição destas vacinas.

    Passamos por uma dolorosa CPI, que escancarou esquemas de corrupção e planejamentos que em nada relacionam-se com princípios de uma gestão pública para salvar vidas, frente a uma crise sanitária que vivenciávamos.

    Debatemos inúmeros medicamentos que não tinham efeito algum para Covid-19, enquanto notícias falsas sobre vacinas brotavam em mensagens instantâneas de aplicativos e causavam hesitação vacinal.

    Fechamos o ano de 2021 com mais de 600 mil mortes em nosso país, muitas delas evitáveis. Vimos, ainda neste final de 2021, o apagão de dados públicos do DATASUS. Sem explicações plausíveis, o que prejudicou muito o monitoramento da doença no Brasil.

    Todavia, a esperança da vacina infantil aprovada pela Anvisa trazia alento para nós, também.

    Junto com a vacina infantil, um novo levante de desinformações era visto, mais cruel e ardiloso: a frequente ameaça que, supostamente, as vacinas causavam miocardite e mal súbito em crianças é uma avalanche constante em nossos meios de comunicação de redes sociais.

    Sem qualquer fundamento ou dados concretos, causam hesitação vacinal em um grupo ainda vulnerável. Piorando, ainda, nosso cenário em que caem as últimas barreiras de cuidados básicos individuais. Por exemplo, as máscaras faciais. Além disso, acentua-se a situação em função de estados e municípios retirando a obrigatoriedade de uso em crianças em fase escolar, sem esquema vacinal completo.

    Seguimos atentos, junto a outros grupos de divulgadores científicos e cientistas, olhando atentamente números, pesquisas, casos pelo mundo, tentando compreender o momento em que estamos vivendo da pandemia. Além disso, com esperança de dias melhores e mais amenos (como acreditamos realmente estarmos alcançando), ainda cientes de que a pandemia não acabou. Não estamos em uma endemia e temos reiterado que tornar-se uma endemia não é algo bom, se negligenciarmos mortes por Covid-19.

    Longe de alarmismos, temos tentado observar a pandemia com um otimismo atento e alerta.

    E com radares ligados para novidades que possam ser importantes para seguirmos divulgando ciência, todos os dias.

    A todes que seguem juntes a nós, nessa toada, nosso muito obrigada.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • SARS e Neo-Cov: sobre morcegos, pangolins e a família dos coronavírus

    Texto por Mellanie Fontes-Dutra, Lívia Okuda Santos e Ana de Medeiros Arnt

    Coronavírus: é uma família de vírus? De onde vêm? A quem infecta? Tem vírus novo? Os morcegos têm culpa no cartório? Pois bem, hoje vamos responder estas e mais algumas dúvidas no texto do Especial de hoje.

    O que é Coronavírus?

    O Coronavírus é uma família de diferentes vírus existentes na natureza. Alguns infectam humanos e outros não. Assim, nesta família viral, existem alguns vírus que causam resfriados e outros que podem causar síndromes respiratórias graves, como COVID-19. Mas temos um novo integrante, recém descoberto, nessa grande família e vamos falar mais dele neste texto!

    Olhando para nossa história, já tivemos pandemias ou risco de pandemias com os coronavírus: pelo SARS-CoV-1 (2002), MERS-CoV (2012) e SARS-CoV-2 (2019). Aliás, as pandemias, como sabemos agora, são eventos causados por patógenos (como vírus ou bactérias) que atingem o mundo inteiro, causando preocupação e danos à saúde da população de muitos países.

    Pode parecer novidade para muitas pessoas, mas existe monitoramento epidemiológico no mundo inteiro de possíveis patógenos pandêmicos, incluindo os diversos coronavírus que encontramos em espécies selvagens ou domésticas. Isto nos ajuda a saber se são ou estão se tornando perigosos para os humanos.

    Então, depois desse background, podemos falar sobre o nosso tema de hoje: Sars e os Neo-Cov. Sendo o primeiro o grupo do nosso conhecido e odiado COVID-19, e o segundo um tipo de coronavírus encontrado recentemente na África.

    Origem do SARS-COV-2: hipótese zoonótica.

    Análises filogenéticas recentes identificaram que os SARS-CoVs provavelmente divergiram de um coronavírus ancestral derivado de morcego entre 1948 e 1982. Filogenia é a área da biologia que estuda a “ancestralidade” dos vírus e seres vivos, a partir de análises genéticas e moleculares, traçando assim sua “história evolutiva”.

    Este estudo sugere que os vírus tipo os SARS-CoVs têm circulado em espécies selecionadas de morcegos há algum tempo. Existem trabalhos que mostraram uma grande semelhança de coronavírus que infectam morcegos com o SARS-CoV-2, apresentando até 96,1% semelhança no material genético, como no caso do estudo recente em Laos.

    Assim, é possível que a linhagem originária do SARS-CoV-2 tenha circulado despercebida em morcegos por décadas. 

    Em outro estudo constatou-se a ocorrência de uma frequente troca de coronavírus entre morcegos. Aliás, é sempre bom lembrar que eles são animais que podem viver aglomerados, podendo gerar uma grande diversidade genética e novas versões de vírus.

    Também é possível que um SARS-CoV tenha evoluído para SARS-CoV-2 em humanos após o chamado spillover de um animal (transbordamento, ou quando um vírus de uma espécie passa a infectar outra espécie diferente) seguido pela rápida transmissão desta cepa (tipo de vírus) adaptada a humanos. Portanto, é um desafio para a comunidade científica estimar a frequência do transbordamento zoonótico.

    Vamos entender melhor como uma pesquisa assim pode ser feita?

    Pesquisadores, em um estudo ainda em preprint, criaram um mapa detalhado de habitats de 23 espécies de morcegos conhecidas por abrigar coronavírus relacionados ao SARS. Nesta pesquisa, sobrepuseram dados sobre onde os humanos vivem para criar um mapa de potenciais pontos de infecção. Visto isso, cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas onde podem ocorrer spillovers, incluindo o norte da Índia, Nepal, Mianmar e boa parte do Sudeste Asiático. Logo, esta informação pode nos dar pistas de locais em que essa vigilância precisa ser frequente e fortificada.

    Interessante, não? Uma pesquisa que vai não só analisar habitats de animais infectados, mas relacionar-se às populações humanas que podem ter contato frequente com estes animais. Este é um dos modos de realizarmos monitoramentos e termos dados mais precisos (e constantes) de riscos para nós.

    Quer dizer que o vírus não foi feito pelos laboratórios chineses comunistas?

    É isso mesmo, ao que tudo indica a origem do SARS-CoV-2 é natural, de morcegos ou outros animais. 

    Essa afirmação pode ser compreendida melhor com o artigo que relata um vírus muito relacionado ao SARS-CoV-2 já circulava desde 2010 em Camboja. Este artigo adiciona mais uma evidência da origem natural desse vírus. Além disso, mais recentemente, foi descoberto que no norte do Laos alguns vírus muito parecido com o SARS-CoV-2 circulam em morcegos, os quais apresentam particularidades que os relacionam muito proximamente ao vírus da COVID-19.

    E esse spillover não dá em nada?

    Segundo o preprint  já citado, e tendo cuidado com as limitações do dado obtido, cerca de 400.000 pessoas estão provavelmente infectadas com coronavírus relacionados à SARS todos os anos, em transbordamentos que nunca se transformam em surtos detectáveis. 

    “Mas por que, se temos todas essas infecções anualmente, não vemos muitos surtos?” 

    Porque a maioria das infecções ocultas têm vida curta e não levam à transmissão, em razão de os vírus não serem bem adaptados aos humanos. Em geral, alguns humanos podem se infectar diretamente do contato com animais, mas acabam não transmitindo a outros seres humanos, acabando ali mesmo com a infecção. O problema é se a frequência delas se tornar alta, o que pode propiciar a transmissão entre seres humanos.

    Ainda, existe outro risco! Muitas dessas infecções, exatamente por serem “novas”, podem gerar diagnósticos errados, exatamente por sintomas que se assemelham a outras doenças. No caso da COVID-19, por exemplo, os primeiros diagnósticos saíam como gripe ou pneumonia, até que se percebesse que existia um novo patógeno infectando ali! Isto também adiciona um viés ao dado. Soma-se a isso toda uma discussão sobre o acesso à saúde que pessoas de regiões rurais possuem, e isso é uma questão importante.

    Só morcego pode passar doença para humano?

    Na verdade não. Em geral, o monitoramento de vírus que podem fazer o spillover aponta que existem vários vírus – de Influenza por exemplo – que indicam outros animais, especialmente aves. A gente já ouviu falar da gripe aviária e gripe suína, que são vírus da família Influenza. Portanto, tanto espécies ditas como “domésticas”, quanto espécies que vivem em ambientes selvagens podem estar envolvidas em spillover

    Mas em se tratando de coronavírus, apesar de os morcegos serem fortíssimos candidatos a reservatórios desta família, não podemos afirmar com certeza se existem ou não outros animais possíveis. No caso do surto de SARS-CoV em 2002, as Civetas foram um provável candidato, por exemplo.

    E aquele bichinho da China, o pan… pe… pebolim?

    Ah, quer dizer o Pangolin? SIM! Existe a possibilidade de o pangolin ter entrado de bobo nessa história. Ou seja, ser um hospedeiro intermediário entre o possível reservatório do vírus (morcego) e nós. Mas ainda precisamos de mais análises para entender se sim, e como isso ocorreu. 

    Essa situação não seria algo improvável, já que algumas famílias de morcegos (como o Rhinolophidae) compartilham algumas dietas com os pangolins na natureza. E por fim, temos fatores ecológicos que propiciaram esses spillovers. Urbanização, deflorestamento, redução de habitats selvagens forçam uma proximidade dessas espécies conosco, favorecendo contatos e exposições.

    Entretanto, analisando os SARS-CoVs, nota-se uma semelhança de mais ou menos 85,5 -92,4% ao SARS-CoV-2 em seu material genético. Além disso, possuem semelhanças intrigantes com o vírus em regiões que são fundamentais para a interação com nossas células. Especificamente, existe uma região do vírus, conhecida como RBD (sigla para receptor-binding domain), que é exatamente onde o vírus se liga com o ACE2 de nossas células, para entrar nelas. Esta região de um SARS-CoV de pangolim tem 97,4% de semelhança com o do SARS-CoV-2, o que é muito intrigante e mostra que existe muito ainda para conhecermos e, também, que a identificação filogenética destes vírus não é tão simples, tendo em vista que pode haver troca de materiais virais em animais hospedeiros. Isto é, os diferentes tipos de coronavírus que infectam um animal, podem trocar materiais genômicos (que conhecemos como recombinações).

    Imagem retirada de: https://www.cell.com/trends/ecology-evolution/fulltext/S0169-5347(20)30348-7

    Mas o Mercado de Huanan tem alguma coisa a ver?

    Vamos falar disso agora! Vimos anteriormente que os morcegos eram o reservatório do ancestral do SARS-CoV-2, certo? Também sabemos que este mercado é conhecido por ter bancas que vendem animais vivos, como o cão-guaxinim, que já foi associado a emergência do SARS-CoV-1 e que é não só suscetível ao SARS-CoV-2, como capaz de transmiti-lo. 

    Aliás, por meio de análises espaciais, um artigo demonstrou que os primeiros casos relatados de COVID-19 em dezembro de 2019 foram distribuídos geograficamente próximos e centrados no mercado de Huanan, em Wuhan. Assim, os autores comentam que essa proximidade de casos ao mercado de Huanan foi, em Dezembro de 2019, maior que o esperado, dada a densidade populacional de Wuhan ou a distribuição espacial dos casos de COVID mais tarde na epidemia, sugerindo o epicentro no mercado.

    Todavia, o mais interessante é que, considerando o próprio mercado, os dados desse trabalho sugerem que um grande número de casos estava ligado ao setor oeste do mercado, onde a maioria das bancas que vendiam animais vivos se concentravam. Somando os dados, é plausível que várias espécies de mamíferos suscetíveis ao SARS-CoV-2 e que poderiam ser hospedeiros intermediários de seus “parentes ancestrais” foram vendidos vivos no mercado de Huanan em novembro de 2019 e podem ter contribuído para a transmissão.

    Pois é! Há indícios de que não foi “uma só infecção”!

    Deste modo, é provável que houvesse vários animais infectados no mercado de Huanan e pode ter havido pelo menos duas “entradas” do SARS-CoV-2 (linhagens A e B) em humanos, com a entrada da linhagem B e algumas semanas após, a linhagem A.

    A linhagem A do vírus, a qual não havia sido encontrada no mercado de Huanan, tem uma associação geográfica imensa com esse mercado, sugerindo que “as linhagens A e B surgiram nesse mercado e começaram a se espalhar para a comunidade residencial de Wuhan”. Dessa forma, os autores dizem que

    “Amostras positivas para SARS-CoV-2 estavam fortemente associadas à venda de mamíferos vivos, particularmente no canto sudoeste do mercado de Huanan, onde amostras ambientais positivas provavelmente foram derivadas de animais infectados”

    Outro artigo concluiu que a circulação de um vírus ancestral em morcegos, que passou a ser capaz de ligar em ACE2, “pulou” para hospedeiros intermediários (animais suscetíveis) que foram comercializados vivos no mercado de Huanan, surgindo as linhagens A e B pouco tempo depois e a infecção em humanos.

    A importância de monitoramentos ambientais e pesquisa básica!

    Sim, voltaremos a este tema, pois além de informações interessantes e fundamentais para compreendermos melhor o mundo que vivemos, também usamos estas informações para entender a importância da pesquisa científica! Recentemente, o vírus Neo-CoV foi encontrado entre morcegos na África do Sul. Cientistas chineses alertaram para esse vírus, no entanto, falta ainda um entendimento maior sobre seu potencial infeccioso. 

    Neo-Cov: quem é e o que sabemos dele?

    Primeiro, um spoiler: não é uma nova variante do vírus da COVID-19, e não é algo novo no geral!

    O Neo-CoV é um outro tipo de coronavírus que foi relatado pela primeira vez em 2012 e em 2015 durante o surto de MERS-CoV que pode usar receptores ACE2 de morcegos, mas não os receptores ACE2 de humanos. E, até o presente momento, não se observou infecção em humanos em sua forma atual, espalhando-se exclusivamente entre os morcegos.

    De acordo com especialistas, as descobertas feitas pelos cientistas de Wuhan não representam um risco para a humanidade no momento atual. Apenas apontam para a necessidade de se acompanhar mais um tipo de coronavírus e sua evolução.

    O Neo-CoV ganhou a atenção da mídia pelo fato de os cientistas chineses disponibilizarem esses dados recentes (e importantes) em um preprint. Assim, este vírus é na verdade um vírus intimamente relacionado ao MERS-CoV que entra nas células através dos receptores DPP4 e pode usar o ACE2

    Finalizando

    Por fim, imagino que não seja possível negar a importância do monitoramento epidemiológico e do investimento nesta ciência, não é? É muito provável que, para praticamente qualquer patógeno zoonótico da vida selvagem, o transbordamento é mais frequente do que anteriormente reconhecido. E precisamos de mais investimento em ciência e vigilância genômica para monitorá-los de maneira pública para que possamos controlar epidemias e evitar que novas pandemias, como COVID-19, apareçam.

    Além disso, também é sempre bom lembrar que não é culpa dos animais estas infecções. Portanto, não deveríamos interferir ainda mais nos habitats deles e causar danos e diminuição das populações silvestres. Os monitoramentos devem ser no sentido de compreendermos quais são os vírus presentes nestes animais e, também, estabelecermos formas de preservação e diminuição de interações que sejam prejudiciais para nós, enquanto espécie, e para estas espécies silvestres.

    Parte das infecções ocorre (e pode ocorrer) especialmente pela invasão de habitats destes animais, aumentando o contato entre seres humanos e espécies de ambientes naturais.

    Para saber mais: 

    LAM, Tommy Tsan-Yuk; JIA, Na; ZHANG, Ya-Wei; et al (2020) Identifying SARS-CoV-2-related coronaviruses in Malayan pangolins Nature, v 583, n 7815, p 282–285, 2020. 

    ‌XIAO, Kangpeng; ZHAI, Junqiong; FENG, Yaoyu; et al (2020) Isolation of SARS-CoV-2-related coronavirus from Malayan pangolins Nature, v583, n7815, p 286–289. ‌

    ZHANG, Yong-Zhen ; HOLMES, Edward C (2020) A Genomic Perspective on the Origin and Emergence of SARS-CoV-2 Cell, v 181, n 2, p 223–227.

    BONI, Maciej F.; LEMEY, Philippe; JIANG, Xiaowei; et al (2020) Evolutionary origins of the SARS-CoV-2 sarbecovirus lineage responsible for the COVID-19 pandemic Nature Microbiology, v5, n11, p 1408–1417. 

    BANERJEE, Arinjay; DOXEY, Andrew C.; MOSSMAN, Karen; et al (2021) Unraveling the Zoonotic Origin and Transmission of SARS-CoV-2 Trends in Ecology & Evolution, v 36, n 3, p 180–184. 

    KUPFERSCHMIDT, ‌SARS-like viruses may jump from animals to people hundreds of thousands of times a year. Science.org. 

    SÁNCHEZ, Cecilia A; LI, Hongying; PHELPS, Kendra L; et al (2021) A strategy to assess spillover risk of bat SARS-related coronaviruses in Southeast Asia. ‌

    FORATO, Fidel (2021) NeoCoV: tipo diferente de coronavírus chama atenção, mas não chegou em humanos Canaltech.

    KUMAR, Ajeet (2021) NeoCov: What is WHO saying about newly discovered coronavirus found in bats? Republic World. 

    WOROBEY, Michael; LEVY, Joshua I; MALPICA, Lorena M; et al (2022) The Huanan market was the epicenter of SARS-CoV-2 emergence, Zenodo, 2022. 

    PEKAR, Jonathan E; MAGEE, Andrew; PARKER, Edyth; et al (2022) SARS-CoV-2 emergence very likely resulted from at least two zoonotic events Zenodo, 2022. 

    Observação 1:

    Este texto foi organizado com informações complementares às publicações de Mellanie Fontes-Dutra

    1. E se eventos zoonóticos como o que provavelmente gerou o SARS-CoV-2 estiverem acontecendo centenas de milhares de vezes por ano?
    2. Sobre o Neo-CoV
    3. Origem do SARS-CoV-2

    Observação 2

    Há trechos desta postagem que são traduções livres de artigos, com adequações de linguagem para melhor compreensão do tema.

    As Autoras

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Livia Okuda é estudante de Farmácia na Unicamp e divulgadora científica do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp.

    Mellanie Fontes-Dutra é biomédica, doutora em neurociência e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Divulgadora Científica na Rede Análise COVID-19. Autora convidada no Especial COVID-19 e parte do projeto Todos Pelas Vacinas.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacinação Infantil contra Covid-19: desinformação, miocardite e outros alarmismos

    Muito tem se falado e discutido sobre a vacinação infantil, com informações que causam receio, medo por miocardite e mal súbito, dentre tantos temas. Já soltamos aqui o spoiler: as vacinas infantis são seguras! E neste texto explicaremos melhor o tema.

    Recentemente tivemos uma campanha do grupo Todos Pelas Vacinas para explicar algumas coisas sobre tal assunto, principalmente aos pais dos pequenos. A partir dessa ideia, preparamos mais esse material, voltado agora para mostrar as diferenças entre as vacinas adultas e infantis da Pfizer, detalhes que vocês (pais) podem se atentar na hora de levar seus filhos para se vacinar e alguns outros dados sobre informações que correm solta sobre as vacinas infantis. Segura na minha, respira fundo e vêm comigo entender um pouco melhor isso.

    Quais as diferenças entre as vacinas infantis e adultas?

    Para começar, já vamos tirar esse elefante branco da sala. A  primeira coisa a se avisar é que as doses recebidas pelas crianças, no caso da vacina Pfizer, são menores – aproximadamente ⅓ – do que as doses aplicadas em adultos e terão um intervalo de 21 dias entre a primeira e segunda dose. Por causa disso, não é necessário se preocupar com falas alheias como “meu filho vai receber uma dose muito grande da vacina e por isso vai passar mal”.

    Todas essas vacinas passaram por rigorosas fases de testagem (já comentadas aqui no Especial e vamos falar de novo no decorrer desse texto), a fim de causar a melhor proteção possível e o menor número de efeitos colaterais nos pequenos. Inclusive, é importante dizer que durante a fase de testes, nenhum efeito colateral (também chamado de efeito adverso nos estudos) grave foi visto em qualquer uma das crianças submetidas aos testes.

    Outros detalhes verificáve na hora da aplicação da vacina são referentes ao frasco desta e a dose injetada. Cada criança recebe 0,2 mL. Ou seja, diferente dos adultos que recebiam 0,3 mL. Todavia a maior diferença é, provavelmente, quanto ao frasco da vacina: este é de cor laranja, diferindo significativamente do frasco roxo das vacinas adultas. Por fim, para matar a curiosidade, cada frasco contém 10 doses da vacina infantil (os frascos adultos continham 6 doses) e podem ser armazenados por até 2 meses e meio.

    E o tal risco de causar inflamação no coração, a miocardite?

    Voltando então para os efeitos colaterais, vamos agora falar da chance de causar miocardite. Muito tem se falado, comentado e alarmado sobre isso. Mas nos estudos feitos até o momento não foi visto qualquer caso de inflamação no coração (miocardite) e dois outros efeitos relacionados (pericardite e arritmia) em crianças entre 5 e 11 anos. Entre as faixas de idades já estudadas, foi verificado que homens entre 12 e 24 anos tinham uma maior chance de desenvolver esse efeito após a vacinação. Contudo, essa chance ainda é muito menor comparado a probabilidade de desenvolver estas inflamações após contrair a COVID-19. 

    Assim, considerando que a chance de contrairmos o SARS-CoV-2, sem vacinação, é muito grande, especialmente por causa da circulação de variantes mais transmissíveis, a chance de desenvolver miocardite após COVID-19 é muito maior do que após se vacinar contra a própria COVID. 

    Para exemplificar melhor isso, trarei aqui os dados de uma pesquisa publicada recentemente na revista Nature, uma das revistas científicas mais conceituadas em todo o mundo. Os pesquisadores avaliaram cerca de 38 milhões de pessoas, de ambos os sexos e com mais de 16 anos, buscando entender se havia alguma relação entre uma maior chance de desenvolver miocardite e as vacinas contra COVID-19 da Pfizer (~17 milhões de vacinados), Astrazeneca (~20 milhões) e Moderna (~1 milhão). Colocando em termos numéricos,os cientistas descobriram o seguinte:

    • A cada 1 milhão de pessoas vacinadas, até 28 dias após a aplicação da primeira dose:
      • Astrazeneca: houve 2 casos de miocardite;
      • Pfizer: houve 1 caso de miocardite;
      • Moderna: houve 6 casos de miocardite;
    • A cada 1 milhão de pessoas vacinadas, até 28 dias após a aplicação da segunda dose:
      • Tanto para Astrazeneca quanto para Pfizer: não se viu casos de miocardite;
      • Moderna: houve 10 de miocardite;
    • A cada 1 milhão de pessoas não vacinadas que testaram positivo para COVID-19: houve 40 casos de miocardite.

    Colocando em termos mais práticos, o que isso quer dizer?

    Se considerando o maior índice de miocardite em pessoas vacinadas, que foi com segunda dose da Moderna, em que a cada 1 milhão de indivíduos, 10 desenvolviam miocardite, a chance de desenvolver a doença era 4 vezes menor do que em pessoas não vacinadas que se infectam com o SARS-CoV-2. Uma vez que a cada 1 milhão de pessoas não vacinadas que se infectaram, 40 desenvolviam a inflamação no coração. 

    Isso nos mostra, novamente, que as vacinas além de serem muito seguras também protegem contra outros riscos que muitas vezes não associamos com a COVID-19, por se tratar de um vírus respiratório. Além disso, é importante lembrar que mesmo se a vacina da Moderna for contra indicada para alguns grupos de risco, ela não está sendo usada aqui no Brasil, assim, não precisamos nos preocupar com isso.

    “Ok, mas quais são os efeitos a longo prazo desta vacina?”

    Falando dos efeitos de longa duração, a primeira coisa que precisamos deixar claro aqui é:

    Não! as vacinas de RNA mensageiro (como as da Pfizer e da Moderna) NÃO IRÃO alterar o seu DNA ou se integrar à ele.

    Não, não iremos virar jacarés. Não vamos desenvolver câncer, doenças autoimunes ou infertilidade. Dito isso, vamos entender um pouco melhor essas questões.

    Deixando vários detalhes (um tanto quanto complicados) de lado, nossas células possuem duas principais barreiras ou membranas: a membrana plasmática (ou celular) e a membrana nuclear. A primeira envolve e protege toda a célula, enquanto que a segunda realiza separa e protege o núcleo da célula. E é neste espaço dentro do núcleo que se encontra o nosso material genético, o DNA.

    Ambas as barreiras são feitas a partir de gordura (mais especificamente, componentes chamados Lipídeos) e proteínas com pequenos açúcares ligados a elas (as Glicoproteínas). Isso torna tais barreiras seletivas, em outras palavras, a célula e o próprio núcleo permitem que somente alguns componentes entrem e saiam. 

    Um grande exemplo disso são os próprios RNAm (ou RNA mensageiro). Todos nós produzimos RNAm, pois estes são as instruções que nossas células usam para produzir proteínas, tais como a Insulina (relacionada ao consumo de glicose), Mielina (presente nos neurônios) e Colágeno (presente na pele e em vários outros lugares do corpo). Entretanto, dentro do núcleo, as moléculas de RNAm duram pouquíssimo tempo pois possuímos várias enzimas que destroem elas. Por causa disso, uma vez que esses RNAm são produzidos, eles são transferidos rapidamente para o citoplasma das células.

    No Citoplasma (a parte do células onde estão todas as suas organelas e componentes, como o próprio núcleo), o RNAm consegue durar um pouco mais de tempo, o suficiente para ser utilizado por outras organelas e produzir nossas proteínas. Aqui é importante apontar um detalhe: uma vez que o RNAm sai do núcleo, ele não consegue mais voltar para lá. 

    Pensando nisso tudo, agora conseguimos entender porque as vacinas de RNAm não vão alterar nosso genoma: uma vez que o RNAm das vacinas entra nas nossas células, ele não consegue entrar no núcleo das células!

    E mesmo que isso acontecesse, seria necessário todo um conjunto de enzimas para que esse RNAm fosse integrado ou alterasse nosso DNA. Além disso, é preciso dizer que mesmo no citoplasma das células e na corrente sanguínea, essa RNAm das vacinas dura bem pouco, ficando um tempo bem reduzido em contato com nossas células.

    Algumas pessoas comentam ainda sobre a própria proteínas Spike produzida a partir do RNAm dessas vacinas, e a possibilidade dela alterar nossas proteínas. Entretanto, a proteína Spike não possui o que chamamos de Sítio Ativo. Isto é, uma parte específica das proteínas capaz de se ligar a outras proteínas e alterá-las de alguma forma. Fora o fato da própria Spike ser produzida por poucos dias ou semanas pelo corpo, que é tempo suficiente para estimular o sistema imunológico.

    Assim sendo, quando falamos em efeito adversos a longo prazo, não faz sentido nós questionarmos sobre possíveis efeitos nos meses após a aplicação das vacinas. Os poucos efeitos adversos que vemos aparecem e são estudados logo que as vacinas são aplicadas, ainda durante as fases de testes.

    É verdade que alguns poucos efeitos adversos muito raros só apareceram após a aprovação das vacinas, como os casos de miocardite e trombose. Contudo, é por isso que mesmo após a aprovação, os pesquisadores continuam estudando as vacinas por alguns anos. Justamente para observar e estudar esses efeitos raros, que na grande maioria das vezes se mostram mais raros do que problemas parecidos gerados pelas próprias doenças.

    Novamente, os casos de miocardite e trombose são exemplos claros disso: apesar de serem efeitos raríssimos notificados em algumas pessoas após a vacinação, o risco de se desenvolver os mesmos efeitos a partir da infecção da COVID-19 sem estar vacinado  é muito maior, do que comparado com a vacinação.

    Finalizando…

    Vacinas salvam vidas. Além disso, protegem contra efeitos muito mais raros e perigosos que as doenças e a própria COVID-19 causa, inclusive efeitos que ainda entendemos pouco. Vacinar é um ato de amor, não só consigo, não só com seus filhos, mas também com o próximo. Só assim poderemos acabar com a pandemia e voltar a viver com o tão sonhado – e ainda distante – “normal” que vive em nossas lembranças.

    Ou seja, vacinem suas crianças.

    Para saber mais:

    Patone, M, Mei, XW, Handunnetthi, L, Dixon, S, Zaccardi, F, Shankar-Hari, M, … & Hippisley-Cox, J (2021) Risks of myocarditis, pericarditis, and cardiac arrhythmias associated with COVID-19 vaccination or SARS-CoV-2 infection Nature medicine, 1-13.

    Chaudhary, N., Weissman, D., & Whitehead, K. A. (2021). mRNA vaccines for infectious diseases: Principles, delivery and clinical translation. Nature Reviews Drug Discovery, 20(11), 817-838.

    Cristaldo, H (2021) Anvisa: vacinas em uso no Brasil não são experimentais Agência Brasil.

    Anvisa (2022) Anvisa aprova vacina da Pfizer contra Covid para crianças de 5 a 11 anos Governo do Brasil, Ministério da Saúde.

    Anvisa (2022) Anvisa alerta para diferenças entre as vacinas para crianças Governo do Brasil, Ministério da Saúde. 

    Mellanie Fontes-Dutra: Perguntas e respostas sobre vacinação contra covid em crianças para pais com receio,

    NOTA TÉCNICA Nº 496/2021/SEI/GGMED/DIRE2/ANVISA.

    Outros materiais:

    Bulas das vacinas aprovadas no Brasil para adultos e crianças.

    Plano nacional de operacionalização da vacinação contra a Covid-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Estudos preliminares, vacinas, políticas públicas e eventos cardiovasculares

    Texto escrito por Mellanie Fontes-Dutra, Ana Arnt e Rafael Lopes Paixão

    Semana passada fez barulho uma notícia que nos preocupou bastante pela repercussão que tomou, mesmo que por algumas horas apenas, os assuntos do momento nas redes sociais. O barulho se deu pela suspensão da vacina Janssen em território Francês, por conta de um suposto aumento leve no risco de infarto em adultos abaixo de 75 anos, nas primeiras duas semanas após a vacinação.

    Nosso compromisso, aqui no Blogs Unicamp, em parceria com o Todos Pelas Vacinas, sempre foi com a responsabilidade em relação ao modo como trabalhamos as informações científicas que vemos circulando – e, também, em relação às notícias que aparecem.

    A começar pelo título da reportagem, já ligamos o nosso radar e fomos buscar os artigos que estavam embasando a tomada de decisão francesa e, também, a reportagem no UOL Notícias.

    O texto de hoje é para apontar o que aconteceu e qual a base técnica que gerou esta decisão. Também achamos interessante comentar sobre a importância de ligarmos o sinal de alerta com notícias bombásticas e alarmistas, que podem gerar insegurança, dúvidas e (por de tudo) hesitação vacinal. Reiteramos aqui, portanto, que não consideramos este um bom momento de “ganhar cliques” com manchetes que podem desinformar a população ou causem qualquer tipo de receio em relação à vacinação. Especialmente de forma injustificada! Essa técnica, tida como clickbait, além de não ajudar a entender o problema, ainda pode trazer danos exatamente por não serem todas as pessoas que abrem os links e leem as reportagens inteiras.

    Então já vamos soltar o spoiler do final da reportagem:

    E agora…

    Vamos aos estudos!

    “França limita uso da vacina Janssen, que sugere leve aumento do risco de infarto”

    Aqui no Brasil vimos primeiramente no Uol Notícias, mas também foi noticiado em veículos franceses. A primeira ressalva já é para o “leve aumento do risco”.

    Lembremos que “risco de alguma coisa” é uma medida, com base em estudos populacionais, de algo acontecer. Além disso, nos salta aos olhos o estudo ser “PRELIMINAR”. O que isto quer dizer?

    Estudo preliminar é aquele que necessita mais estudos para confirmar os dados encontrados.  Neste sentido, gostaríamos de ressaltar aqui uma das frases que consideramos importante.

    “Para o risco de infarto do miocárdio após a vacina Ad26.COV2.S [Janssen] a estimativa é mais incerta devido ao baixo número total de casos.”

    Um pouco sobre os dados técnicos: Intervalos de confiança na incidência relativa

    Mas não é só isso, há mais elementos ainda. Vejamos também os intervalos de confiança na incidência relativa. Esta é uma medida que pode oferecer vislumbres do quanto um fator ocorre em uma população durante um  período analisado. Isto é: um evento, em um grupo de pessoas, em um tempo definido pelo estudo.

    Esta parte é chatinha mesmo, pois é parte da compreensão dos dados do artigo em si, e têm alguns detalhes que são fundamentais para sabermos se podemos ou não afirmar enfaticamente (spoiler: nunca podemos) os resultados (e utilizá-los para compor uma política pública, por exemplo)·

    Pois bem, estes intervalos de confiança na incidência relativa foram muito amplos, o que adiciona um grau de incerteza sobre a verdadeira incidência desses eventos, nesse caso.

    O que isso quer dizer?

    O Intervalo de Confiança diz quanto da medida que estamos usando é observada em uma amostra. Por exemplo, o Brasil tem uma amplitude de temperaturas que vai de 0ºC até 40ºC. Mas isso não quer dizer que essas temperaturas são frequentes, ou acontecem todas na “mesma quantidade”. Não quer dizer, também, que a “média de temperatura observada no país é de 20ºC”.

    Pois existe uma faixa de temperatura que é mais frequente – e esta faixa pode estar mais próxima dos 30-40ºC do que do 10-20ºC. Sem mais dados coletados, ou maior precisão das informações, não temos segurança em afirmar muita coisa sobre a temperatura, ou variação de temperatura média, em nosso país. O mesmo é para o Índice de Confiança (IC), se vc tem um IC largo, sem mais informações coletadas, significa que vc tem pouca certeza sobre essa medida que você observou. Ou que sua amostra não é representativa do fenômeno que se quer observar.

    Mas é segura mesmo essa tal vacina de adenovírus?

    Sim! No mundo inteiro foram mais de 38 milhões de doses de Janssen aplicadas. A própria reportagem da UOL reitera que com todas estas aplicações, não houveram efeitos colaterais que justificassem uma interrupção do uso desta vacina!

    Já o relatório – que foi a base desta notícia – cita outros estudos que estariam de acordo com estes resultados benéficos da vacina Janssen. Isto é, todos os estudos citados ressaltam que:

    • Os riscos pela COVID-19 são muito maiores do que qualquer risco oferecido pela vacinação, OU
    • Os benefícios da vacina superam riscos de eventos mais raros

    Sabemos, inclusive, que comparando com a infecção pelo vírus SARS-CoV-2, há um risco maior de problemas cardíacos do que eventos relacionados à vacinação, segundo este estudo aqui. Além disso, também existem indícios de que podem existir fatores de confusão quanto a estes riscos relacionados com a vacinação. Para os autores do estudo, os resultados precisariam ser confirmados com mais estudos e qualquer análise a partir dos resultados obtidos precisaria ser vista com muita cautela. Outro estudo nessa direção fala ainda que existe uma limitação para a generalização dos resultados e, de qualquer forma que olhemos, os benefícios da vacinação é maior.

    Ainda sobre o relatório, vacina Janssen e a França

    O relatório usado como base para a notícia do UOL e para a interrupção da vacinação com a Janssen, no entanto, têm mais uma questão importante a ser observada. Os dados foram analisados a partir do risco “ultraindividual”, como eles citaram. Neste caso, os dados não poderiam ser extrapoláveis para uma população. Com isso, reitera-se a necessidade de mais estudos confirmatórios, reforçada pelos próprios autores. 

    Aliás, é importante também lembrar do contexto da França. Temos um país com uma cobertura vacinal relativamente alta (~80% para a primeira dose e 77,3% para a segunda dose). Além disso, a limitação da vacina da Janssen é temporária e, talvez, não tenha um efeito efeito significativo sobre o andamento da vacinação. 

    Sobre as publicações, extrapolações de dados e políticas públicas

    Como falamos no início deste texto, nos preocupa muito a análise alarmista e descuidada dos dados de artigos e pesquisas, especialmente com dados que indicados como “preliminares”.

    Desde o início da pandemia temos falado sobre dados preliminares (que precisam de mais pesquisa para confirmarem-se), estudos em preprint (não avaliados por pares) e pesquisas feitas com uma amostra pequena da população. E veja, de modo algum estamos dizendo que estes estudos não são importantes. O que queremos dizer é: eles são estudos que precisam de mais análise e, portanto, cautela nas interpretações.

    E a atenção deve-se redobrar para tomadas de decisões em políticas públicas e notícias em grandes veículos! Isto porque estudos assim precisam confirmar dados com mais análises, replicação de experimentos, coleta de dados em populações maiores. Tomar decisões apressadas – ou jogar manchetes sensacionalistas pode ter um efeito negativo no que temos chamado de hesitação vacinal.

    Isto é, causar um efeito de receio frente à vacinação, sem que tenhamos dados realmente relevantes sobre o que estamos falando.

    E, novamente, não estamos de modo algum dizendo que os estudos não foram bem conduzidos ou os resultados não são reais ou bem analisados. Estamos ressaltando o que os próprios autores falam: “é preciso mais dados que confirmem”; “precisamos de cautela para não termos conclusões precipitadas”; “seria importante replicar experimentos”, dentre outras falas são indícios bem importantes de dados preliminares e amostras pequenas

    Por fim

    Sobre este estudo reportado, especificamente, precisamos entender até onde esse “leve aumento de risco” seria maior do que o risco que a própria doença oferece, durante sua fase aguda E APÓS essa fase. Este dado é fundamental para tomadas de decisão no escopo de uma política pública, por exemplo. Portanto, o intuito desse texto é trazer um pouco da discussão sobre os achados em si, na perspectiva de política de saúde pública, e alertar para a forma como esses dados são compartilhados, para não fomentar uma hesitação vacinal que não faz sentido no contexto atual, e que pode prejudicar a adesão à vacinação em outros locais.

    Para saber mais

    Botton, J, Jabagi, MJ, Bertrand, M, Baricault, B, Drouin, J, Le Vu, S, Weill, A, Farrington, P, Zureik, M, Dray-Spira, R (2022) Evaluation du risque d’infarctus du myocarde, d’accident vasculaire cérébral et d’embolie pulmonaire suite aux différents vaccins anti-COVID-19 chez les adultes de moins de 75 ans en France, Epi-Share Rapport complet

    HAS (2022) Covid-19 : la HAS rend trois nouveaux avis pour actualiser la stratégie de lutte contre le virus

    Sidik, SM (2022) Heart-disease risk soars after COVID — even with a mild case, Nature 602, 560

    Tanne, JH (2022) Covid-19: Even mild infections can cause long term heart problems, large study finds, BMJ

    UOL (2022) França limita uso da vacina Janssen; estudo sugere leve aumento do risco de infarto

    Xie, Y, Xu, E, Bowe, B et al (2022) Long-term cardiovascular outcomes of COVID-19, Nat Med (2022).

    Outros textos do Especial

    Reações Adversas, vacinação e desinformação

    Políticas Públicas em Saúde e Vacinas

    Todos Pelas Vacinas

    Os Autores

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Mellanie Fontes-Dutra é biomédica, doutora em neurociência e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Divulgadora Científica na Rede Análise COVID-19. Autora convidada no Especial COVID-19 e parte do projeto Todos Pelas Vacinas.

    Rafael Lopes Paixão da Silva é doutorando em física. Ele estuda dados de saúde pública e sua dinâmica e relações com o clima é Físico. Pesquisador no Observatório Covid-19 Brasil e convidado pelo editorial para escrever no Especial COVID-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A Covid-19 tornou-se uma endemia?

    Texto escrito por Ana Arnt e Lívia Okuda

    Cada dia temos visto de maneira mais frequente a palavra endemia sendo falada ao se referir à Covid-19, como se ela tivesse se tornado uma endemia. Mais do que isso, esta endemização da Covid têm sido um dos pontos que justificam quaisquer ações como aceitáveis e não problemáticas no espaço público.

    Mas será mesmo que tá tudo tranquilo? Antes disso, vamos entender um pouco sobre:

    O que seria uma endemia?

    Seria uma infecção em que a quantidade de pessoas que adoece e eventualmente morre nem aumentam, nem diminuem. Ou seja, o número de pessoas que pode se infectar, a partir de um indivíduo infectado, está equilibrado dentro de uma população em que qualquer pessoa pode se infectar. Veja que isto não quer dizer que a doença diminuiu sua gravidade, nem que a mortalidade não causa prejuízos a uma população.

    Apenas quer dizer – e somente isto – que há um equilíbrio.

    Spoiler: endemia não significa um cenário tranquilo.

    A ideia da endemia vem sendo cada vez mais utilizada para justificar retomadas do que ainda estava em modo de home office, ou com rodízios ou modalidades que previam trabalhos híbridos. A grande questão, nos parece, é sobre o quanto a ideia de endemia leva a uma compreensão não apenas errada do atual cenário, mas também a uma banalização de cuidados e condições de combatermos as doenças.

    Neste sentido, Isaac Schrarstzhaupt comentou sobre as doenças negligenciadas, comparando com Covid-19. A noção de doença negligenciada aqui, apontada pelo Isaac, é exatamente pelo acesso às vacinas e às condições de manter-se saudável não estar acontecendo com equidade. Ou seja, as pessoas que não têm acesso às informações, condições de cuidados, e vacinas são pessoas em situação de vulnerabilidade – seja por estarem em regiões menos favorecidas economicamente, seja por serem regiões distantes de grandes centros urbanos. E essa preocupação é realmente importante, especialmente por estarmos há tempos também batendo na tecla sobre as políticas públicas de saúde e sua relevância no combate à pandemia, ao se basear em dados técnicos e científicos! Todavia, e sobretudo, também tendo responsabilidade social ao se olhar estes números – pois são pessoas, vidas em vulnerabilidade…

    Ah, Mas estamos realmente exaustos!

    Temos percebido, em nossos canais (e discutido isso nos grupos que falam da pandemia), cada vez menos gente falando sobre Covid e, também, cada vez menos gente procurando conteúdos sobre isso. 

    Nós sabemos – até porque estamos vivendo a pandemia também – que estamos todos cansados de ouvir, falar, pensar, ler sobre a Covid. No entanto, também sabemos que ela não sumirá dos nossos dias só por nós estarmos cansados de distanciamentos e usos de máscaras.

    As notificações de óbitos ao redor do mundo passaram de 70 mil na última semana. É como se as pessoas que residem em Viçosa (MG), ou Pato Branco (PR), ou Vilhena (RO) desaparecessem em uma semana.

    Aqui no Brasil, foram quase 6 mil óbitos na última semana! É muita gente morrendo para levantarmos todos os dias de manhã e fingirmos que nada está acontecendo. E isto não quer dizer passar os dias sofrendo, chorando e seguirmos trancados em casa.

    Mas é fundamental compreendermos que não, não está tudo bem. E, também, que é fundamental termos ações públicas efetivas para conter esta transmissão.

    Políticas públicas e ações individuais

    Individualmente seguimos batendo em teclas antigas: use máscaras (preferencialmente máscaras filtrantes, como as PFF2, bem ajustadas no rosto, sem escape de ar), mantenha-se o menor tempo possível em espaços fechados e mal ventilados, dê preferência para circular em espaços abertos e ventilados, ao apresentar sintomas ISOLE-SE e comunique as pessoas que tu entraste em contato nos últimos 5 dias.

    No entanto, é importante que os espaços públicos e privados, especialmente vinculados aos espaços de trabalho, tenham condições de abarcar não apenas estas medidas, mas cobrem posturas condizentes com o momento atual. Isso inclui – como temos defendido aqui – vacinação em esquema completo. Isto mantém o ambiente de trabalho mais seguro para todos e não, não é descabido pedir isto às pessoas. Aliás, o PL 1674/2021 que cria o Passaporte Vacinal está sendo debatido hoje no plenário.

    Transmissão, Variantes e cenário atual

    Estamos vivendo um tempo de alta transmissão do SARS-CoV-2, especialmente após a entrada da variante Ômicron no país. Ao contrário do que muitas desinformações circulando nas redes, estamos em uma situação melhor do que poderíamos imaginar, exatamente por causa das vacinas!

    É por termos uma parcela da população vacinada com duas ou três doses, que a gravidade dos casos têm sido menor e, mais do que isto, temos tido menos óbitos do que o esperado sem as vacinas, levando-se em conta a quantidade de casos que têm sido registrados.

    As variantes, como já discutimos aqui no Blogs, são decorrentes de mutações naturais no vírus. E estas mutações – mudanças no código genético do vírus – consegue se fixar nas populações exatamente pela grande quantidade de transmissões que temos visto. As vacinas estão segurando o agravamento das infecções nas pessoas, mas é fundamental diminuirmos a quantidade de infecções e isto se faz com medidas de cuidados pessoais e políticas públicas que garantam que estes cuidados sejam implementados.

    Não é fazendo shows lotados em grandes centros urbanos que conseguiremos barrar as infecções.

    Tampouco é fingindo que a doença está acabando, ou normalizando espaços fechados sem ventilação como tranquilos pois vivemos uma endemia que daremos conta…

    Negligenciar a Covid, “endemizando” a doença por decreto só normaliza mortes, sem resolver o problema na sociedade

    Aris Katzourakis, epidemiologista que publicou uma coluna na Nature final de Janeiro, aponta que o otimismo preguiçoso, a falta de realismo ao analisarmos os dados de morte e adoecimentos, tanto quanto a falta de ferramentas efetivas, como vacinas, tratamentos, testes diagnósticos, cuidados básicos (máscara, espaços ventilados e distanciamento) são exatamente os pontos fundamentais para mudarmos nossa postura e conseguirmos “jogar à favor da humanidade”. Além desses pontos, claro que o pesquisador indicou a necessidade de investimentos para vacinas que consigam combater as variantes também.

    Basicamente, tudo isto seria dizer “escutem o que cientistas têm dito sobre combate à Covid, coloquem em prática em forma de políticas públicas em seus países e no mundo, invistam em ciência”.

    Enquanto estivermos brincando de mergulhar mãos em álcool gel e medição de temperatura no pulso, lotando espaços públicos com máscaras inadequadas e com elásticos frouxos, não apenas estamos ignorando o que cientistas têm dito sistematicamente, como temos jogado a favor do vírus, em um momento crucial de retomada. Claro, tudo isso sendo feito mais uma vez, já que não é recente estes comunicados – nem o quanto seguem sendo ignorados em campanhas de massa…

    Tornar a Covid-19 em endemia por cansaço e vontade de retomar a vida é tão certeiro quanto cuspir para cima e se espantar com onde cairá o projétil.

    Por fim, da mesma maneira que temos falado que a ciência não opera por milagres e têm seu tempo para desenvolver conhecimentos técnicos para compreender os fenômenos, as políticas públicas que negligenciam dados também não vai ter condições em acabar com uma mazela social gravíssima como um sopro de vento de esperança, em uma plantação de alecrins dourados.

    É preciso ações urgentes, análises precisas e, acima de tudo, responsabilidade frente ao atual cenário – para evitar cenários ainda piores.

    Para saber mais:

    Este texto foi inspirado em ideias debatidas por Mellanie Fontes-Dutra e Isaac Schrarstzaupt, elencados aqui:

    Qual é o preço de uma endemia no futuro?

    Estamos entrando/entraremos em uma endemia de COVID-19?

    A desigualdade na distribuição de vacinas

    Sabiam que a dengue, a malária e outras doenças se chamam “Doenças NEGLIGENCIADAS”

    Por que demorou tanto para ter uma vacina contra a malária? 

    Artigos em inglês

    KATZOURAKIS, Aris. COVID-19: endemic doesn’t mean harmless. Nature, v. 601, n. 7894, p. 485–485, 2022. 

    NDTV. COVID-19 Has Not Yet Become Endemic, WHO Warns. NDTV.com.

    Textos do Blogs:

    Variantes

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Como o SARS-CoV-2 infecta nossas células?

    As autoras

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Livia Okuda é estudante de Farmácia na Unicamp e divulgadora científica do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Reações adversas, vacinação e desinformação

    Texto Escrito por Julio C Ponce e Ana Arnt

    Há muita informação e desinformação sobre vacinação e reações após as pessoas se vacinarem. Elas causam mais do que apenas ruído para selecionarmos conhecimentos que nos ajudem a compreender a situação das relações entre a vacinação e a saúde humana. Temos visto que este conjunto de informações massificado têm se ampliado nas redes e ajudam a compor o que temos chamado de “hesitação vacinal”.

    Longe de julgar quem têm receio, é preciso entender que as notícias de reações adversas não são leves. Elas têm se intensificado não só em quantidade de mensagens, mas na gravidade dos efeitos após a vacinação. Mas será que as vacinas causam mesmo esta quantidade de reações adversas? Como podemos entender melhor isto?

    Vamos olhar mais de perto alguns exemplos sobre vacinação e reações adversas?

    Um dos exemplos que vamos analisar é sobre as mortes após vacinação em Singapura, supostamente 33 óbitos nos primeiros seis meses do ano passado.

    O estudo recém publicado na Forensic Science International avaliou se houve correlação entre a vacinação recente e mortes. O artigo tem como autores pesquisadores da Divisão de Medicina da Autoridade de Ciências de Saúde do país.

    Aliás, antes de falar do estudo, lembremos que Singapura está vacinando a população com Pfizer (desde 12/20) e Moderna (desde 03/21). Além disso, também importante ressaltar que até o fim do levantamento de dados do artigo (em Julho de 2021), mais de 5.5 milhões de doses haviam sido aplicadas: 3.4 como primeira, 2.1 como segunda. Atualmente, 84% da população está com duas doses e 55% com a dose de reforço.

    Neste artigo, incluiu-se todas as pessoas que morreram, tiveram problemas cardíacos ou neurológicos que ensejassem manobras de ressuscitação, em até 72 hs depois da aplicação. Isto entre as datas de 01/02/2021 e 30/06/2021, sendo que nenhum caso foi reportado antes disso.

    Ao todo reportaram-se 33 casos com dados completos. No mesmo período, Singapura, com sua política bastante restritiva, chegou a 36 mortes por COVID-19. Mas voltemos às mortes pós-vacina: foram 26 homens e 7 mulheres, com idade média de 69 anos (o mais novo tinha 23, o mais velho 96). Por fim, em 5 dos 33 casos, não houve autópsia.

    “O quê? Mas… como determinaram a causa mortis?”

    Assim, nestes casos, a causa da morte era visivelmente por outras ocorrências, por histórico de saúde prévia e pelas circunstâncias da morte. Já dos casos em que houve autópsia, solicitou-se uma série de exames (histopatologia, IgE, níveis de triptase, e de proteína C-reativa), para identificar possíveis reações à vacina.

    Ao avaliarem os dados, o estudo apontou que das 33 mortes, um total de ZERO (0), nenhuma, nadica de nada, tinha relação causal com a vacina. Ou seja, não havia aumento dos marcadores imunológicos/inflamatórios ou, quando presentes, eram devidos a outras condições, como sepse.

    Isto é, quando vamos analisar uma reação adversa após a vacina (leia-se até 72h após a vacinação acontecer), devemos analisar inúmeros indicadores, através de exames minuciosos destes pacientes com suspeita de reação adversa.

    Após esta análise, teremos condição de estabelecer (ou não) uma relação causal. Assim, o que queremos dizer: nem todo acontecimento após uma vacina tem como causa esta vacina. E nós sabemos que notícias podem assustar. Mas assusta mais ainda notícias sensacionalistas sendo usadas para causar medo em pessoas se vacinarem – ou vacinarem crianças!

    Seguindo o estudo…

    É interessante contextualizar que, sendo Singapura uma cidade-estado, todos os casos de óbitos passam por esse setor central. Ou seja, todas as mortes com potencial relação à vacina foram ao menos avaliadas. Novamente, nenhuma apresentou qualquer relação causal com as vacinas.

    Dessa forma, no período do estudo, o sistema de alerta de efeitos adversos do país (similar ao VAERS) registrou 6.606 casos suspeitos de efeitos adversos pelas vacinas, dos quais 252 foram classificados como sérios.

    E aqui, novamente reforçamos que esses sistemas de registros tratam-se de suspeitas de reação, sem a análise final tendo sido realizada. Após as análises dos 252 casos sérios, 42 casos de reação anafilática, todos reversíveis, com tratamento ambulatorial. A reação anafilática, quando aparece, é em questão de minutos, ou até 4 horas depois da vacinação em sua forma precoce (tipo I), e 72 horas na forma mais tarde (tipo IV).

    Foram ainda relatados 12 casos de miocardite e periocardite. 12 casos em 5.5 milhões de doses aplicadas.

    Ah, mas 12 casos, gente!

    Aqui cabe o alerta acerca do quanto estas notícias enfatizam a exceção e não a regra. Foram mais de 5.5 milhões de doses aplicadas, com 12 casos de miocardite e periocardite. Isto é um total de 0,00022% de chances de acontecer. Difícil mensurar ainda assim?

    Por exemplo, há mais risco de morrer de acidente aéreo nos EUA do que de ter esse efeito com vacina. Sim! Anualmente contabiliza-se cerca de 740 mortes anuais por 291 milhões de habitantes (dados retirados deste link).

    Na verdade, fazendo uma regrinha bem básica de 3, dá para dizer que é mais risco morrer de Covid-19 (0,075%, ou 5.8 milhões de óbitos em 7.8 bilhões de pessoas). Ou seja, vacinas são seguras e à revelia do que sensacionalistas têm propagado nas redes, salvam vidas todos os dias!

    As mortes que ocorreram após a vacina, como demonstrado neste trabalho, são, na grande maioria, pessoas que pelo próprio desenrolar da vida potencialmente morreriam com ou sem a proteção (e de causas não relacionadas a ela)!

    Mas e a reação do caso de Lençóis Paulistas após a vacinação?

    Pois é, mais um caso em que matérias jornalísticas correram para alardear e negacionistas de plantão tem usado arduamente para causar pânico e hesitação vacinal. Vamos lá! Para não caírem em matérias com potencial viés sensacionalista, é sempre bom pensar no que temos de dados.

    Para quem não lembra, este caso aconteceu logo no início da vacinação infantil, e pode ser acompanhado melhor nesta matéria da CNN. A criança em questão teve alterações nos batimentos cardíacos e desmaiou, horas após vacinar-se.

    Com a investigação em andamento, acabou sendo diagnosticada com uma doença congênita rara, a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Quando falamos que é uma doença congênita, significa que ela nasceu com isto e apenas não tinha manifestado sintomas ainda. E para doenças congênitas isso pode acontecer sim!

    A incidência dessa síndrome, em crianças, aparece em torno de 0,07%, nos Estados Unidos (algo como 1 caso a cada 1.428 crianças).

    A vacinação está lenta, porém…

    Mesmo assim, até fecharmos este texto foram 590 mil doses na capital paulista. Meio milhão de crianças. Dessa quantidade de crianças, poderíamos estimar que cerca de 413 tenham esta síndrome, por exemplo.

    Dessa forma, por que então não vemos 413 notícias de crianças colapsando?

    A resposta é simples:

    Porque não há associação entre a vacina e eventos de taquicardia em pacientes com Síndrome de Wolff-Parkinson-White, aparentemente.

    Ou seja, a vacina não tem relação com eventos cardíacos nesses pacientes.

    A vacinação infantil

    O que mais nos preocupa, neste momento, é a lentidão que a vacinação infantil avança no país. Temos um cenário de retorno às escolas, muitas crianças nem na idade vacinal estão e a retomada tem sido prevista para todas as crianças. Veja, não estamos questionando a necessidade das escolas para este público, neste momento.

    É demarcar que temos uma situação grave e precisamos de um empenho maior, da sociedade, da classe política, das sociedades científicas, para a vacinação infantil acontecer. É preciso pressão social para termos maior cobertura vacinal e segurança para esta população específica!

    Dose de reforço e esquema vacinal completo

    Por outro lado, temos também outro dado importante e muito difícil neste momento, que é o fato de muitas pessoas não estarem aderindo à dose de reforço. Aliás, temos inúmeras pessoas que não tomaram a segunda dose da vacina.
    A partir da variante Ômicron, temos considerado a dose de reforço fundamental para termos uma resposta imunológica do nosso corpo, contra uma possível infecção. Assim, torna-se necessário, e urgente, prestarmos atenção nestes dados, ampliar a vacinação da população com o esquema vacinal completo, incluindo a chamada dose de reforço!

    Até o último levantamento feito, ao escrevermos este texto, tínhamos 70,99% da população com 2 doses (ou dose única)

    Precisamos intensificar a terceira dose não como reforço, mas como dose adicional, tal como o próprio Ministério da Saúde preconizou em nota técnica recentemente, inclusive para adolescentes.

    Por fim

    Sempre que se deparar com notícias sobre reações adversas de vacina e notícias sensacionalistas, antes de compartilhar, nossa recomendação segue: procure fontes oficiais e cientistas ou divulgadores científicos que têm atuado na área, para entender melhor o caso.

    Sempre confira as informações, veja as fontes, rastreie os dados. Na dúvida, pergunte aos grupos que têm atuado nesta frente de combate à desinformação! Seja parte desta luta!

    E lembre-se, sempre: vacinas salvam vidas! Vacine-se e espalhe essa ideia!

    Para Saber Mais

    Florida Museum (2022) Risk of Death, 18 Things More Likely to Kill You Than Sharks

    Jung HJ, Ju HY, Hyun MC, Lee SB, Kim YH (2011) Wolff-Parkinson-White syndrome in young people, from childhood to young adulthood: relationships between age and clinical and electrophysiological findings, Korean J Pediatr 2011, 54(12):507-511. 

    G1 (2022) Mapa da Vacinação no Brasil

    Ministério da Saúde (2022) Ministério da Saúde recomenda dose de reforço contra a Covid-19 para adolescentes imunocomprometidos

    Resende, I (2022) Menos de 50% do público infantil recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid, CNN Brasil

    VAERS, Vaccine Adverse Event Report System

    YEO, A, KUEK, B, LAU, M, TAN, SR, CHAN, S (2022) Post COVID-19 vaccine deaths – Singapore’s early experience, Forensic Science International.

    Textos do Blogs e outras fontes:

    Julio Ponce escreveu dois fios no Twitter sobre o tema, aqui e aqui, que inspiraram a organização deste texto.

    Mais sobre Reações Adversas, Vacinação Infantil; Desinformação sobre vacinação infantil, e outros textos sobre vacina no Especial COVID-19 do Blogs Unicamp.

    Mais informações também podem ser vistas no site do Todos Pelas Vacinas

    Os Autores

    Julio C Ponce é Bacharel em Ciências Moleculares e Farmácia-Bioquímica, Mestre em Fisiopatologia Experimental e Doutor em Epidemiologia. Julio é autor convidado do Blogs Unicamp, para o Especial Covid-19.

    Ana Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, Mestre e Doutora em Educação, Livre Docente pelo Instituto de Biologia da Unicamp e Coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Join the campaign #Igetvaccinated

    This post was kindly translated by Marina Fontolan (@Mafonts01)

    You are: Science communicator Artist Or Scientist: Join us to create content to encourage Covid-19 children (5-11 yo.) vaccination efforts and counter disinformation!
    a campaign by the movement All for the Vaccines www.todospelasvacinas.info Contact info: Ana Arnt blogs@unicamp.br Flávia Ferrari obscovid19br@gmail.com

    All for the Vaccines movement invite all science communicators, artists, and scientists to act upon encouraging Covid-19 Vaccination to Children


    The new campaign #Igetvaccinated aims at counter disinformation on Covid-19 children vaccination and encourage the vaccination for 5 to 11 year olds

    While we wait for the children vaccines to arrive, the  All for the Vaccines movement is organizing a campaign #Igetvaccinated. Our movement unites science communicators, artists, scientists, science institutions, and famous people to foster pro-vaccination campaigns.

    As children vaccination efforts draw near, we noticed that the amount of disinformation on vaccines and specialists countering them has grown. Differently from our previous campaigns, #Igetvaccinated will not have a specific launch date and it is already receiving support and organizing its actions.

    The movement All for the Vaccines is organized by ABRASCO, Unicamp’s Science Blogs, COSEMS/SP, Halo team/United Nations (UN), UPS Vaccine Research Center (NPV-USP), Observatório COVID-19 BR, Rede Análise COVID-19, ScienceVlogs Brazil, and the Pro-Vaccine Union (União Pró-Vacina).

    Our campaings aim at dialoguing with the population through digital content created by specialists and science communicators with information on Covid-19 vaccines. Our website (www.todospelasvacinas.info) presents all the content generated during our campaigns in formats ready to be shared in all social media, including texas, audios, images and videos. 

    In our current campaign, we have created a new space for our campaign: children (5 to 11 yo.) – who has their parent’s consent – can send drawings or other types of arts (without exposing themselves) explaining “why #Igetvaccinated”. All art can be sent to blogs@unicamp.br and odospelasvacinas@gmail.com. They will be published in the website and the social media.

    On the campaign, Flávia Ferrari (Observatório COVID-19 BR) states that “vaccines save lives, but the virus will not go magically extinct; we need a great vaccination coverage and we need to vaccinate children as soon as possible, so we can continue to fight the disease”.

    Unicamp’s Science Blogs’ coordinator, Ana Arnt remind us that “the National Immunization Program is one of the most important milestones of our country’s Health Public history. It allowed us to eradicate polio and smallpox. Now it is time to face yet another chapter, to protect children against Covid-19, lowering the number of cases in Brazil”.

    Rede Análise COVID-19’s member Mellanie Fontes-Dutra affirms: “To all parents who are unsure, who thinks that there are not enough studies for children (5-11 yo.) vaccination, it is important to point out that ANVISA’s document approving children vaccination explains all the details and reassures vaccination safety”. The researcher also states that it is crucial to vaccinate the children, fostering the country’s fight against Covid-19.

    Contact info: Ana Arnt blogs@unicamp.br and Flávia Ferrari obscovid19br@gmail.com

    Original content:

  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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