Categoria: Covid-19

  • As vacinas Astrazeneca e Coronavac nos protegem contra a variante Alfa? [Spoiler: sim]

    Alfa Texto escrito por Mariene Amorim, Maurílio Bonora Junior e José Luiz Proença-Modena

    Cá estamos nós de novo para falar de variantes (especificamente a Alfa) e de mais um estudo que saiu em pré-print recentemente, realizado por pesquisadores aqui da Unicamp. [vamos lançar um spoiler aqui para já ler o post inteiro sem alarmismos, ok?]. Esse estudo analisou a capacidade da variante Alfa (conhecida também por B.1.1.7, do Reino Unido) em se transmitir em ambientes fechados. Todavia, a análise levou em conta, também, o fato de a população estudada ter sido vacinada com a primeira dose de Astrazeneca ou as duas doses de Coronavac. 

    A partir dos resultados, apareceram também algumas evidências que a variante Alfa do SARS-CoV-2 é capaz de infectar e ser transmitida por pessoas imunizadas com a primeira dose da vacina da Astrazeneca e ambas as doses da CoronaVac.

    “Quer dizer que não valeu de nada eu ter tomado a vacina?”

    CALMA! Como diria Chapolin Colorado “Não priemos cânico”! Isso não quer dizer que se você tomou alguma dessas duas você está desprotegido. Vem conosco entender um pouco melhor essa pesquisa.

    Primeiro de tudo, precisamos entender que a infecção e a transmissão por indivíduos vacinados é algo comum já mostrado para muitas das vacinas corriqueiramente usadas em humanos. Além disso, isso não quer dizer que a vacina tenha baixa eficácia ou que não proteja contra o desenvolvimento da doença. De fato, o estudo mostra que a taxa de internação e de manifestações clínicas graves foi bem abaixo do esperado para pessoas dessa faixa de idade infectados com a variante alfa do SARS-CoV-2.

    Ademais, nesse estudo os autores mostraram que a detecção de SARS-CoV-2 e a presença de sintomas não foi correlacionada com os níveis de anticorpos neutralizantes, aqueles capazes de inativar o vírus e fazer com que ele não seja mais capaz de infectar uma nova célula.

    Isto é  muito relevante em tempos em que vemos muitas pessoas fazendo testes posteriormente às vacinas para averiguar se estão com anticorpos neutralizantes ou não! Esta pesquisa reforça cientificamente que este teste não faz sentido!

    Isso provavelmente se dá em consequência da complexidade da resposta imune protetora induzida pelas vacinas. Além disso,  precisamos entender que o nosso sistema imune é um conjunto de ferramentas muito diferentes, específicas e redundantes. Isto é, nós temos vários mecanismos e modos de se combater um patógeno, seja este um vírus, uma bactéria ou um fungo. Um desses mecanismos são os anticorpos, que tanto falamos no último ano. E mesmo os anticorpos não possuem somente a função de neutralização. Ou seja, eles podem agir de várias outras formas. Além disso, como disse, o sistema imune possui vários outros modos de combater ameaças, assim como células especializadas em combater vírus como o SARS-CoV-2 (vocês podem conferir isso aqui e aqui).

    Um segundo ponto que é necessário dizer aqui é: esses baixos níveis de anticorpos neutralizantes para algumas variantes de SARS-CoV-2 em pessoas que receberam algumas vacinas contra COVID-19 não é uma notícia nova. Cada vez mais temos visto publicações que apontam para dados como estes. Aqui no próprio Especial Covid-19 já escrevemos alguns textos falando sobre pesquisas daqui da Unicamp que apontavam para dados assim (aqui e aqui). E notem que usamos a palavra redução e não ausência de eficácia. Dessa forma, isso quer dizer que nós ainda geramos anticorpos e estes ainda são capazes de nos proteger. A diferença é que no caso dessas novas variantes, a quantidade que vemos não é tão alta quanto nos testes. Por quê? Justamente por não haver essas variantes durante a época dos testes, ou elas estarem começando a aparecer na população.

    Tá, mas e o artigo? O que descobriram então?

    Falando da pesquisa em si, os autores estudaram a dinâmica de transmissão de SARS-CoV-2 em duas populações de indivíduos vacinados e avaliaram se os níveis de anticorpos neutralizantes poderiam se correlacionar com a ausência de infecção ou da presença de sintomas clínicos. E eles observaram que não. Na verdade as maiores quantidades de anticorpos neutralizantes foram observadas em indivíduos sintomáticos. Tá, mas então estamos perdidos? NÃO. Calma lá….

    Os autores descobriram que apesar da variante alfa infectar e ser transmitida por indivíduos vacinados, a proteção contra a forma severa da Covid-19 e a chance de morte permanece semelhante com o que foi visto nos testes para a CoronaVac e Astrazeneca.

    Como assim?

    O fato dos indivíduos vacinados sintomáticos terem maiores níveis de anticorpos neutralizantes contra a variante alfa de SARS-CoV-2 do que os indivíduos vacinados assintomáticos ou não infectados, indicam que alguma “outra coisa” na resposta imune que nos mantém protegidos. O quê poderia ser? Possivelmente a resposta imune celular, como já comentada e explicada em outros textos.

    Um ponto interessante que os pesquisadores observaram, foi que a quantidade de anticorpos que a pessoa possui não está diretamente relacionada com a possibilidade de desenvolver sintomas. Pessoas com muitos anticorpos podem ou não ter sintomas, assim como pessoas com menos anticorpos também podem ou não desenvolver sintomas. Ou seja, existem outros fatores envolvidos na resposta imune que cada corpo vai gerar. 

    Dessa forma, os cientistas viram que a quantidade de anticorpos no sangue não importava caso quisessem prever se uma pessoa, que pegar a variante Alfa da Covid-19, teria uma doença mais leve ou mais branda. A lógica por trás disso é que usualmente pode-se pensar que as pessoas com maiores níveis de anticorpos deveriam ter uma doença mais leve. No entanto, não é bem assim que acontece sempre e, neste caso, foi justamente o oposto do observado.

    Mas pode isso, em nosso corpo (e na ciência?)

    Sim! A ciência é dinâmica e estamos sempre aprendendo mais e, quando necessário, revendo conhecimentos que produzimos ao longo do tempo. Dessa forma, embora seja comum pensar que pessoas com maiores níveis de anticorpos tenham a doença mais leve ou assintomática, foi observado que o oposto também pode acontecer. Ou seja, indivíduos com níveis mais baixos de anticorpos foram assintomáticos, enquanto alguns com altos níveis de anticorpos, desenvolveram sintomas.

    Isso nos mostra que, mesmo compreendendo muito sobre nosso corpo e seu funcionamento, sempre há mais para entender e pesquisar. A COVID-19 têm nos mostrado isso bastante e, mais do que questionar a ciência, ela nos demonstra exatamente como a ciência funciona: sempre buscando encontrar respostas para os fenômenos naturais e sociais de nossos tempos…

    Entretanto, é necessário lembrar – novamente – que mesmo com um menor nível de anticorpos contra a variante Alfa, a chance de desenvolver Covid-19 severa não foi modificada e as vacinas continuam protegendo as pessoas contra essa forma da doença, e a morte na grande maioria dos casos, tal como indicavam os testes clínicos (fase 3 dos testes).

    Os dois surtos ocorreram em locais parcialmente restritos, onde a maioria das pessoas tinham idade avançada!

    Em março de 2021, a Vigilância Epidemiológica de Campinas começou a investigação de dois surtos, um em um convento e outro em um lar de idosos, em parceria com o LEVE, do Instituto de Biologia da Unicamp. Foram coletadas amostras de todos, incluindo moradores e funcionários, sendo um total de 26 pessoas do convento e 52 pessoas do lar de idosos. No convento, 14 pessoas testaram positivo para SARS-CoV-2, e já haviam recebido a primeira dose da vacina AstraZeneca. Enquanto no lar de idosos, 22 pessoas que já haviam recebido duas doses da vacina CoronaVac testaram positivo.

    A média de idade dessas pessoas variou de 73 (convento) a 77 (lar de idosos) anos. Foi possível, por meio de sequenciamento do genoma do vírus na amostra de swab de algumas dessas pessoas, detectar a variante Alfa. Nesses dois surtos, 12 pessoas tiveram sintomas leves, enquanto 26 pessoas foram assintomáticas. Felizmente, o nível de gravidade foi semelhante ao que já havia sido descrito nos estudos das vacinas. São informações importantes para todos nós, que estamos preocupados com a disseminação de variantes pelo mundo e pelo Brasil. 

    Este caso do surto, analisado via sequenciamento genômico, é importante exatamente por dois motivos. Em primeiro lugar, por conseguirmos rastrear as variantes que estão circulando em nosso país. Em segundo lugar, pelo modo como as vacinas respondem às variantes – um estudo que o mundo inteiro está fazendo!

    Tá, mas porque tão falando tanto dessa variante Alfa?

    Muitos dos estudos recentes avaliando a efetividade das vacinas vêm focando no impacto das variantes na imunidade justamente pelo fato delas poderem escapar da nossa imunidade. A variante Alfa foi uma das primeiras a aparecer e rapidamente tomar conta de vários países. É nesse contexto que se divide as variantes em duas categorias: as VOI ou Variantes de Interesse (Variants of Interest) e as VOCs ou Variantes de Preocupação (Variants of Concern). 

    Finalmente,

    A mensagem deste trabalho é mostrar que apesar das novas variantes (especialmente a variante Alfa, observada no trabalho) serem capazes de escapar do efeito neutralizante de parte dos anticorpos induzidos pelas vacinas, podendo nos infectar e serem transmitidas para outras pessoas, esta resposta imune ainda é capaz de nos proteger contra a forma grave da Covid-19.

    Entretanto, não é só a vacina que vai nos salvar. Assim como surgiram variantes que escapam da proteção conferida pelos anticorpos, em um cenário em que as campanhas de vacinação são lentas, as pessoas não fazem distanciamento social e não usam máscaras, a chance para o aparecimento de uma variante que pode escapar TOTALMENTE da proteção das vacinas é significativa. Atualmente as variantes Gamma (P.1), predominante no Brasil, e a Delta, têm gerado preocupação pelo tanto de mutações acumuladas, e capacidade maior de transmissão!

    Por isso, seguimos insistindo no investimento científico, para detectar as variantes, controlá-las e perceber a efetividade das vacinas nestes casos! A ciência brasileira segue buscando meios de se manter produzindo conhecimento técnico e científico de ponta, para combater a pandemia da COVID-19.

    Por fim, a mensagem que fica é que precisamos continuar nos protegendo, seguindo as medidas recomendadas pelos órgãos competentes, mesmo que nós e pessoas do nosso círculo já estejam vacinadas, até que toda a população esteja vacinada e quebrarmos a transmissão do SARS-CoV-2.

    Referências:

    de Souza, William M. (…) Proenca-Modena, Jose Luiz, Clusters of SARS-CoV-2 Lineage B.1.1.7 Infection After Vaccination With Adenovirus-Vectored and Inactivated Vaccines: A Cohort Study. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3883263 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3883263            

    WHO (2021) Tracking SARS-CoV-2 variants

    Outros Materiais do Especial COVID-19:

    O que são Anticorpos?

    Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    Anticorpos Monoclonais! Quê?

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma

    Este texto foi escrito originalmente para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

  • A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    O que o ensino não-presencial e o Brainly tem nos acrescentado no debate sobre a nossa estrutura educacional.

    Caso você esteja atuando como professor desde abril de 2020, tentando se adaptar, de forma rápida e sem preparo, a um ensino remoto improvisado e pouco estruturado, com certeza você conhece o novo arqui-inimigo dos professores, que tem deixado toda a organização escolar de cabelo em pé: o site Brainly.

    Brainly?

    Não está familiarizado com esta plataforma? Pois bem, ela funciona da seguinte maneira: aos moldes do finado Yahoo respostas, o estudante coloca a sua questão no site do Brainly, esperando que alguém da comunidade responda. Sabemos que muitas questões utilizadas pelos professores são recicladas de banco de dados, vestibulares e sites de exercícios, os estudantes encontram com facilidade as respostas. Dessa forma, muitas vezes, o estudante copia a questão, cola-a na barra de pesquisa do Google e encontra a resposta em menos de 1 minuto.

    Essa nova relação escolar forçada pela pandemia da COVID-19 expõe diversos fatores que nos levam a repensar a própria estrutura da escola. Por exemplo, podemos refletir sobre a estrutura escolar e a forma como organizamos e trabalhamos nas escolas atualmente. Trago aqui algumas reflexões específicas, que poderiam ser exploradas e expandidas.

    Sobre a escola e sua estrutura

    Iniciemos com a reflexão sobre a importância da estrutura escolar, a partir do que Michael Foucault coloca em sua obra “Vigiar e Punir”. Nela, o autor descreve a estrutura escolar como uma forma de poder disciplinar e que transforma os corpos em dóceis. Assim, a estrutura de avaliação tradicional, com prova escrita, sem consulta, sentado em seu lugar imóvel, com pessoas separadas geometricamente de você, é um instrumento que reforça a escola como local de poder disciplinar. 

    Ao tirar o estudante deste local quase inóspito e colocarmos ele com o acesso à internet e comunicação, essa estrutura tradicional perde o seu sentido. Ou seja, não está mais se ensinando ao estudante sentar, olhar recurvado para baixo, apenas uma caneta em mãos, respeitar e obedecer a autoridade das estruturas de poder colocadas na escola. Assim, organização do tempo e do espaço disciplinar, tanto quanto a imposição dos ritmos comumente exercidos no ambiente da escola se ressignificam no ensino remoto.

    Cabe a nós, docentes, essa reflexão. Eu realmente espero que a minha aula, o espaço que posso construir, debater e transformar os meus estudantes, seja apenas um momento de repetição de um tradicionalismo avaliativo? Essa pergunta já permeia o debate acerca dos processos de ensino-aprendizagem e avaliação há muitos anos. Contudo, neste momento específico ganha força e precisa ser retomado.

    O debate não se restringe a um tempo escolarizado subutilizado

    Além disso, aqui entramos em outra problemática exposta e piorada durante o período de ensino remoto: a desvalorização do trabalho docente como um trabalho reflexivo, que demanda tempo. Tempo para refletir, experienciar, conhecer, desenvolver técnicas e instrumentos, escolher e adaptar formas avaliativas. Os professores, que assumem um número de aulas exagerado para conseguir compor um mínimo de um salário decente, precisaram assumir outras funções durante esse período. 

    Dessa forma, além de aprender a usar novas ferramentas para as aulas, os professores também começaram a ultrapassar os horários para conseguir garantir um mínimo de presença e interação com seus estudantes. O que já era de extrema dificuldade para os professores, durante as aulas remotas se tornou praticamente impossível. Logo, a única forma rápida e que cabe no horário disponível aos professores é continuar com a avaliação tradicional. Obviamente, os estudantes aproveitam todas as respostas no banco de dados da plataforma do Brainly. Essa prática pode perpetuar um ciclo de pouco aproveitamento avaliativo nas escolas.

    Os dois fatores anteriormente citados são apenas pedaços de uma vivência complexa e difícil que os professores têm passado durante esse período.

    Existem soluções para eles?

    É importante reforçar que o instrumento, por si só, não é o causador de todo o mal que analisamos. O potencial da internet como ferramenta de ensino é muito valioso. Ela pode ser adicionada e utilizada em desenvolvimentos críticos educacionais. Mas essa mudança precisa acontecer nas estruturas de poder e de organização escolar, e não apenas na cobrança solitária do professor. 

    A reflexão e as possíveis mudanças sobre essa problemática precisam acontecer em um momento anterior. Vamos iniciar com a reflexão da estrutura geral das escolas. Conhecer e entender que a escola é um ambiente de docilidade dos corpos é importante. Todavia, a sua superação depende não somente de uma mudança prática dos professores. Isto é, isso compõe um trabalho social, de percepção da função da escola e do conhecimento que será trabalhado. E isso podemos continuar discutindo futuramente.

    Acredito que podemos focar neste próximo ponto. O que precisamos, primeiramente, é fornecer possibilidades reflexivas sobre a própria prática para os professores. Permitir que os professores pensem e escolham sobre as suas aulas, métodos e instrumentos avaliativos. Atualmente, a estrutura geral da educação não permite essa prática, e os professores acabam forçados ao que é, supostamente, cômodo e ágil, sem que se permita que o professor tenha experiências pedagógicas, possibilidades reflexivas e condições para escolhas pedagógicas.

    Finalizando

    O que a plataforma Brainly fez foi escancarar algo que já se tornou historicamente problemático no ambiente escolar, e que continuará mesmo se o ensino tradicional presencial retorne a sua normalidade anterior a COVID-19. Os estudantes estarão sempre a um passo da internet e de todas as respostas de uma prova tradicional. Por outro lado, os professores sempre atolados e desmotivados para utilizar de outros pensamentos e modelos educacionais e avaliativos.

    Em suma, essas mudanças precisam ser repensadas, levando-se em conta a organização da sociedade. O poder disciplinar, tal como descrito em Foucault, acontece dentro do espaço escolar, é produtivo (como diz o autor), mas não necessariamente precisa acontecer de forma apenas a partir da reprodução contínua de atos e ritmos: é preciso que ensinemos mais do que a repetição automatizada de respostas.

    Para saber mais

    FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os a produção de textos acontece a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e possui revisão por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Minhas impressões: “Contágio”, de David Quammen

    Divulgado como o livro que previu a pandemia da COVID-19, livro “Contágio: Infecções de origem animal e a evolução das pandemias”, escrito em 2012 David Quammen, chegou ao Brasil em setembro de 2020, pela editora Companhia das Letras. E sim, todo o hype em cima do livro é entendível.

    Disclaimer: A editora Companhia das Letras me enviou uma cópia do livro para resenhar aqui no blog. Não é uma publicidade paga.
    Para adquirir uma cópia, você pode utilizar o nosso link da Amazon, clicando na imagem do livro abaixo!

    (Assim, você ajuda o blog e não gasta nada a mais por isso).

    CONTÁGIOinfecções de origem animal e a evolução das pandemias

    David Quammen – Companhia das Letras

    544 páginas

    Em 2020 um balde de água fria caiu sobre a gente nos jogando no meio de uma pandemia desenfreada. No Brasil, mais de 1 ano e meio depois, ainda continuamos enfrentando a pandemia de forma muito ruim: corrupção, desinformação, kits de medicamentos sem eficácia sendo distribuídos e receitados, estabilidade em um patamar elevado de casos e mortes. Os divulgadores de ciência acho que nunca trabalharam tanto e de forma tão unida em favor de uma única causa. Uma causa que provavelmente não poderíamos fugir. E que provavelmente enfrentaremos novamente, com uma nova carinha (talvez mais fofa, talvez bem mais feia).

    E ainda pior, parece que essas novas doenças surgem do nada(!) para assolar a espécie humana. Coitados de nós, tão injustiçados nesse mundo tão grande então cheio de espécies diferentes. Mas é justamente mostrando que as coisas não acontecem bem assim (“do nada!”) que Quammen começa e termina seu livro.

    Epidemias sempre assolaram nossa população…. mas não só a nossa!. Só que, pra gente, claro, as pandemias que nos afetam trazem em si um interesse muito maior, afinal, não é estranho que tenhamos uma vigilância e preocupação maior com doenças que nos afetam diretamente.

    O título original de Contágio é “SPILLOVER”, termo em inglês utilizado “para denotar o momento em que um patógeno passa de uma espécie hospedeira para membros de outra espécie”. Em português o termo utilizado é “transbordamento zoonótico”. Convenhamos, um termo nada chamativo para um livro de jornalismo científico! Olhando no GoodReads, vi que geralmente o livro é traduzido com o título de “Zoonoses” ou “Contágio”, sendo este último o escolhido para a edição Brasileira. Apesar de não carregar em si o mesmo significado que Spillover, considero uma alternativa muito boa.

    No livro, Quammen faz uma descrição profunda de diversas zoonoses – que são infecções que afetam tanto a espécie humana quanto outras espécies de animais. Mas, mais do que falar como se dá o processo de contaminação (contágio) pelo microrganismo, o jornalista investiga e descreve como se deu o processo de spillover/transbordamento zoonótico – ou seja: como e quando o microrganismo “saltou” de uma espécie animal para a espécie humana.

    E faz isso de maneira fantástica! O autor narra seu percurso em busca de personagens que participaram de alguma forma dessas epidemias zoonóticas: cientistas, médicos, fazendeiros, veterinários, guias e moradores dos locais. E em meio a essa narrativa histórico-investigativa e científica, Quammen introduz conceitos que hoje estão ganhando espaço entre nós: reservatório, vetor, hospedeiro intermediário, R0, taxa de transmissão, supertransmissor, mutação, vírus de RNA e DNA. Em alguns momentos o texto é bem denso, mas em outros somos envolvidos como se estivéssemos lendo um livro de aventura e cheio de mistério… E, para isso, Quammen usa como pano de fundo algumas epidemias zoonóticas como: Hendra, Ebola, Malária, SARS, Febre Q, Psitacose, Influenza (gripe), Nipah e HIV/Aids.

    O que aprendemos com isso? Que geralmente esses saltos de patógenos que passam a infectar humanos (os transbordamentos) ocorrem de maneira acidental e nós mesmos criamos as condições para que isso aconteça, afinal: “Invadimos florestas tropicais e outras paisagens selvagens, que abrigam tantas espécies de animais e plantas — e dentro dessas criaturas, tantos vírus desconhecidos. Cortamos as árvores; matamos os animais ou os engaiolamos e os enviamos aos mercados. Destruímos os ecossistemas e liberamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo hospedeiro. Muitas vezes, somos nós.

    Quammen é autor de 15 livros (alguns lançados no Brasil também pela Cia. das Letras, como: “O canto do dodô”, “Monstro de Deus”, “As dúvidas do sr. Darwin”) e já escreveu para grandes publicações estadunidenses, como a National Geographic. Ele conseguiu, com um livro publicado inicialmente em 2012 – ou seja, que possui informações de quase 10 anos atrás –,  manter-se bem atual. A importância desse livro é inegável.

    Recomendo demais o livro Contágio, destrancando os capítulos 4- Jantar na fazenda de ratos (onde o autor traça as origens da epidemia de SARS em 2003, e conseguimos ver muitas semelhanças e diferenças com a pandemia atual da Covid-19, afinal ambas são causadas por coronavírus) e o 8- O chimpanzé e o rio (sobre a origem e a disseminação mundial do vírus do HIV/Aids)

    Finalizo com a citação de um trechinho do epílogo* do livro, “se você acha que financiar a preparação para uma pandemia é caro, espere até ver o custo final do nCoV-2019”.

    *O epílogo é um artigo publicado em 28/07/2020, no New York Times. A denominação nCoV-2019 para o coronavírus causador da Covid-19 justifica-se pois o artigo é anterior à atual denominação como SARS-CoV-2.

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    Este texto foi escrito originalmente para o blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Nosso normal: variantes, festas e aumentos de casos

    Talvez vocês tenham visto a notícia de um evento na Holanda, com 20 mil pessoas, “todos os protocolos” e resultou em, pelo menos, 1000 casos confirmados para COVID-19. Ao me deparar com esta manchete, fui ver alguns dados: como está a vacinação na Holanda, casos diários, entre outras coisinhas.

    Outra pergunta que me fiz foi: será que nunca mais poderemos fazer festivais ou grandes aglomerações, mesmo vacinados? E com a vacinação andando aqui no Brasil, estaremos finalmente a salvo? (a vacina não era, afinal, a solução que todos os divulgadores da ciência e cientistas nos venderam?).

    [pausa para recomendação de leitura com trilha sonora]

    Muitas perguntas… Sem embromação, vamos a alguns dados.

    O que podemos falar sobre a Holanda, neste momento da pandemia?

    • cerca de 17 milhões de habitantes;
    • 874 testes por milhão de habitantes;
    • 1.766.102 de casos totais;
    • 1.035 mortes por milhão de habitantes;
    • 17.773 mortes totais;
    • 67,38% da população tomou pelo menos 1 dose de vacina;
    Pessoas vacinadas com 1 dose, por país. Our World in Data

    Com base nestes dados, temos que 0,1% da população faleceu por COVID-19 e 10% da população contraiu COVID-19 ao longo de 2020 e 2021. Só a título de comparação, no Brasil temos 9% da população infectada e 0,25% de óbitos (em relação à população total do país). Isto levando-se em consideração que temos 253 mil teste por milhão de habitantes (próximo de 35% do que a Holanda faz de testes em sua população). Ou seja, temos dados bem mais complicados que estes e os testes e rastreios seguem sem serem feitos em nosso país, de forma adequada.

    O festival e as medidas de proteção

    A Holanda, desde 26 de junho (20 dias atrás, portanto) aboliu grande parte das medidas de proteção contra o coronavírus e isto envolvia grandes eventos no país.

    No dia 27 de junho foi o dia com menor quantidade de casos, desde meados de setembro de 2020 – registraram 499 casos no país. Além disso, dez dias depois da abertura, no dia 6 de julho, foram 2.209 casos registrados. Por fim, em 10 de julho, 10.299 casos novos de COVID-19.

    Dados compilados por SCHRARSTZHAUPT, Isaac e BRAGATTE, Marcelo. Painel Casos, óbitos e taxa de crescimento. Rede Análise Covid-19/Serrapilheira. Acessado em 16/07/2021. Disponível em: http://bit.ly/Rede_CasosObitosTaxa

    20 mil pessoas participaram do festival noticiado e somente pessoas vacinadas ou com o teste negativo poderiam entrar no local. Ele era em local aberto e aconteceu nos dias 3 e 4 de julho. Já tínhamos cerca de 40% da população holandesa vacinada com 2 doses. O que poderia ter dado errado, afinal?

    É bom apontar, antes de seguirmos no texto, que todas as vacinas têm indicado que a contaminação, mesmo com duas doses, é possível de ocorrer e há (nestes casos) uma diminuição da gravidade da doença. Isto é fundamental termos em mente: a vacinação protege em massa, é segura e é eficiente. Mas sempre corremos o risco de nos contaminarmos (em qualquer vacina da história, isto não é uma exclusividade destas vacinas de COVID-19).

    Sobre os testes de detecção do vírus SARS-CoV-2

    Não que seja recente este tipo de discussão, mas sempre é bom retomar. Cada vez que um evento como este ocorre, parece que temos que voltar lá para as primeiras postagens, textos e discussões que fazíamos em 2020 (parece tão longínquo, porém necessário!).

    Voltemos então

    Entre a exposição ao vírus (o dia que nos infectamos) e o momento em que conseguimos detectar a infecção em testes de PCR (que detectam material genético de vírus) ou testes de antígeno (que detectam proteínas do vírus) existe um tempo em que não conseguimos averiguar exatamente se estamos ou não contaminados.

    Em geral, para as linhagens de SARS-CoV-2 no início da pandemia, falávamos de um intervalo entre 5 a 7 dias para detectar o vírus, com teste de PCR (para testes de antígeno falamos deste mesmo intervalo mais ou menos).

    A Mellanie Fontes-Dutra lançou ontem um fio explicando que para a variante Delta este tempo pode cair para 4 dias, em função da alta carga viral desta variante… Recomendo fortemente a leitura

    Ao passo que a Delta é detectada mais cedo que as variantes anteriores ou a cepa original, ela também é mais transmissível. Há três dias atrás o diretor geral da OMS afirmou que a Delta está presente em 104 países e se tornará a variante predominante em breve.

    Esta onda de contágios na Holanda – assim como em outros países cuja vacinação está mais avançada e a pandemia parecia controlada – é, ao que tudo indica, consequência desta variante.

    Entretanto, voltando aos testes, uma questão fundamental aqui é relembrarmos algo fundamental: existe um intervalo de tempo sem sintomas e com muita transmissão do vírus.

    No caso da variante Delta, que causa uma carga viral tão alta a ponto da detecção acontecer no 4º dia após a exposição, a transmissão também está acontecendo de forma intensa. Dessa forma, repito: sem sintomas aparentes (ou discretos demais para nos protegermos e isolarmos).

    O que eu gostaria de frisar sobre testes é: o teste é um retrato do passado (entre 4-9 dias do contágio).

    Isto é importante pois temos falado o tempo inteiro sobre testes e rastreios desde o início da pandemia. E talvez neste momento alguém possa perguntar:

    – Mas Ana, se é um retrato do passado, o que adianta fazer testes?

    Ora… é fundamental para conseguirmos isolar pessoas, comunicar a possibilidade de contágio para quem tivemos contato e isolar estas pessoas também (e possíveis contatos destas pessoas neste meio tempo).

    Além disso, em casos em que pessoas têm se exposto no ambiente de trabalho, por exemplo, os testes frequentes permitem ir acompanhando e conseguem minimizar o impacto de uma infecção em todo um grupo que atua junto. 

    Teste e rastreio são uma das medidas mais importantes de controle, pois sua constância permite monitorar a situação de um grupo de pessoas.

    Nem começarei a falar aqui das medidas não farmacológicas como máscaras, distanciamento e evitar espaços fechados e sem ventilação, afinal todos sabemos que elas são super eficientes para diminuirmos a circulação do vírus, né?

    O festival, as vacinas e os intervalos dos resultados negativos

    Retomando: pois é. Aglomerar com medidas de segurança não funcionou. Quem poderia prever que “todos os protocolos” não funcionariam? 5% das pessoas do festival positivaram. Isto nos mostra que este “olhar para o passado” que os testes nos proporcionam não nos assegura de muitas coisas – a não ser quando feito de maneira frequente e com rastreios constantes. Sem o monitoramento frequente através dos exames, vacinação completa e em massa população e os protocolos de prevenção seguidos à risca (máscara, distanciamento, espaços ventilados, sem aglomeração) não há garantias de não infecção, principalmente com o surgimento de novas variantes…

    Nós temos visto as discussões acerca da variante Delta, sua transmissibilidade é altíssima, já falei isso anteriormente. Todavia, embora ela não escape da imunização das vacinas atuais, ao que tudo indica é fundamental termos as duas doses aplicadas. Mas retomemos os dados: 63,38% de pessoas com uma dose aplicada, 40% das pessoas têm as duas doses.

    E os casos na Holanda? Subindo – como o primeiro gráfico deste texto nos mostrou.

    Até quando? Até quando seguiremos dando estas oportunidades repetidas às variantes, exercendo pressão seletiva sobre as variantes e possibilitando mais e mais infecções por uma suposta volta à normalidade?

    Estes passaportes imaginários para adentrar em mundos seguros e livres de Covid precisam de muito mais estrutura, mudanças de comportamentos e, principalmente, levar a sério a noção de que nosso mundo mudou.

    Temos nos perguntado sobre o “novo normal” há 16 meses. Também perguntamos sobre quando voltaremos ao nosso normal.

    O que é normal?

    É um mundo que segue acreditando que a única possibilidade de felicidade, extravasar energia, viver bem é juntando-se com 20 mil desconhecidos. Tanto quanto um mundo com gente que frequenta restaurantes caros. Isto tudo dividindo o espaço com profissionais nos servindo ganhando pouco mais do que o suficiente para sobreviver. Além disso, claro, estas pessoas não tem outra alternativa a não ser aglomerar em metrôs e ônibus lotados para chegar ao nosso espaço de lazer. Nosso normal tem quase 8 bilhões de pessoas, com grande parte da população passando fome e sem condições mínimas de saúde. Isto em um mesmo lugar que alcançamos vacinas em menos de um ano contra uma doença avassaladora.

    Estamos em um mundo que passa fome e explora o espaço defendendo sua democratização para quem pode pagar fortunas difíceis de caber em ideias mundanas.

    Simultaneamente, nosso normal segue pensando um mundo que os protocolos de um país o isolaria dos demais que não estão seguindo os protocolos. Enquanto isso, as variantes circulam, aumentam, e a preocupação é quando poderemos, afinal, voltar ao normal.

    Caso estejas no Brasil (como grande parte dos que leem o Blogs da Unicamp estão), vivemos como se nossos escassos vacinados possam segurar variantes que chegam em campeonatos impensados ou em férias que não podiam ser reagendadas. Talvez os vacinados segurem estatísticas que não cessam de emergir e políticos que ignoram o que este vírus têm nos mostrado de maneira didática:

    Doenças são sociais, mesmo quando são um conjunto de sintomas fisiológicos causados por um agente viral.

    Uma doença como a COVID-19 nos esfrega na face, diariamente, que nosso normal não era aceitável e não sabemos o que fazer, frente à urgência de mudarmos – como indivíduos, sujeitos, coletivos, populações, humanidade.

    Dessa forma, podemos olhar dados passados e constatar que antes da pandemia, os metrôs paulistanos transportavam cerca de 200 milhões de pessoas por mês. Isto é, o equivalente a um país inteiro como o Brasil circulava em linhas de uma das maiores metrópoles do mundo. Como estamos neste momento? Cerca de 96 milhões de pessoas mensalmente. A pandemia diminuiu a mobilidade nos metrôs para pouco menos da metade, ainda assim, é como se fosse Vietnã inteiro andando de metrô mensalmente.

    Assim, me pergunto: o centro de São Paulo representam quantos festivais de Amsterdã diariamente? De pessoas sem vacinas suficientes, nem testes possíveis, o que dirá rastreios de nossas mazelas?

    O nosso normal nos trouxe ao descaso com vidas e desapreço pelas possibilidades de a ciência ser exercida com empatia para todos e por todos (no Brasil e no mundo).

    Pensando sobre Humanidade em tempos de pandemia

    Krenak diz que “nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida” (p.26). Esta passagem (o livro todo) nos propõe a pensarmos em Ideias para adiarmos o fim do mundo que se vinculam a novos conceitos de humanidade para podermos viver. Uma humanidade que se pense não como produto para consumo, não como objeto para trocas, não como idealizações que culminam em mortes em massa. É preciso repensar o que nos trouxe até aqui, antes de querermos voltar ao que, supostamente, existia antes.

    “Assim como nós estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo ao qual algumas seletas pessoas chamam de Antropoceno. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações, e estamos todos jogados neste abismo” (p.72)

    Em suma, pergunto: queres voltar ao nosso normal?

    Nosso normal nos trouxe até aqui. 

    Para saber mais

    DW (2021) Quase mil pessoas se infectam em festival de música na Holanda e Premiê da Holanda se desculpa por relaxar medidas anticovid

    El Pais (2021) A variante delta do coronavírus, mais contagiosa, se espalha por países da América Latina

    Dados mundiais sobre vacinação, testes, casos e óbitos: Worldometer Coronavírus, Our World in Data

    Krenak, Ailton (2020) Ideias para adiar o fim do mundo, São Paulo: Companhia das Letras.

    Textos do Blogs sobre o tema:

    Solidariedade: saúde para todos

    Sobre o período de incubação da doença e suas relações com a quarentena…

    Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19

    Agradecimento especial ao Isaac Schrarstzhaupt que debateu sobre os dados e ajudou a organizá-los para este post, Erica Mariosa, Carolina Frandsen e Graciele Oliveira que revisaram o texto, e minha mãe, que falou “nosso normal nos trouxe até aqui” (obrigada por tudo sempre, inclusive).

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O ensino remoto e pesquisa no pós-graduação sob olhar das mestrandas

    Texto escrito por Priscila Ayres Wonghon e Roseana Passos

    Para falar do assunto que nos propomos neste texto, o ensino remoto e a pesquisa no pós-graduação, é preciso primeiramente dizer como entendemos o ensino, a ideia que entendemos em relação a experiência docente e discente. Entendemos que a experiência formativa de cada um é subjetiva e muitas coisas vão nos subjetivando ao longo da nossa vida.

    Como nos relacionamos com os espaços físicos, que valor atribuímos a ele, como nos relacionamos com os docentes, com os colegas, e com nossos objetos de estudo. Somos tocados, atravessados por discursos, e experiências diversas. E assim como Larrosa acreditamos que a experiência formativa se dá também em voltar-se a si mesmo, uma viagem ao interior.

    Em específico este texto da série envolve esta viagem ao interior, buscando nossas reflexões com o ensino e a pesquisa remotos na pós-graduação. Escrevem aqui uma mestranda  do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências (PPGEC) que trabalha em sua pesquisa desde antes da entrada do ensino remoto e outra mestranda também do PPGEC que já entrou no curso de pós-graduação  na forma de ensino remoto, e até a sua seleção de entrada no programa de pós foi de forma remota. Cada uma de nós tem visto de forma diferente esse modo de ensinar, aprender, estudar e se comunicar.

    Ensino no pós: do presencial ao remoto

    Seguimos aqui nosso texto sobre o ensino remoto, com a minha escrita. Me apresento primeiro. Sou Priscila, estudante de pós graduação, e este momento pandêmico tem me atravessado enquanto sujeita de diversas maneiras. Eu poderia citar o quanto este momento me atravessa enquanto profissional da área da Educação Infantil, mas, no entanto, não posso fazê-lo, pois com as escolas fechadas e com poucas oportunidades de emprego na área, me encontro afastada de tais atividades.

    É importante marcar aqui que quando cito as escolas fechadas, cito no intuito de contextualização de meu momento profissional, e não com um intuito de crítica ao fechamento das mesmas. Entendo que neste momento pandêmico o fechamento das escolas significa preservar vidas, as vidas das crianças, seus responsáveis e profissionais da Educação, pois muitos podem ser assintomáticos e mesmo assim contaminar outros, levar para a escola o vírus ou da escola para suas casas.

    Hoje já com a vacinação de professores e profissionais da Educação já é possível ver algumas escolas em funcionamento, atendendo de forma reduzida ou em Ensino Hibrido. Ainda é um processo de adaptação na retomada das atividades, mas estamos trilhando o caminho de volta a normalidade.

    O ensino remoto e alguns questionamentos

    Mesmo afastada de minhas atividades, tenho me questionado muito sobre o ensino remoto para a Educação Infantil, como tem se dado as interações com crianças tão pequenas em meio uma tela de computador? Como adaptar as metodologias, como prender a atenção deles em meio aos estímulos de casa? São perguntas que me faço pois também sou aluna, aluna do mestrado num programa de pós-graduação, e a falta dos espaços físicos da universidade tem me tocado muito, mesmo sendo uma pessoa já adulta.

    Pode parecer bobagem para muitos, mas para mim estar dentro dos espaços da universidade sempre foi meu ponto de equilíbrio, de resgate de forças e energia. Minha terapia, assim como também a concretização de um sonho! Por algum tempo depois do término do Ensino Médio, almejar estar dentro da universidade foi o que me deu forças para seguir. Assim, após esta conquista, os espaços físicos se tornaram para mim algo a mais do que apenas paredes de concreto, estes espaços são repletos de significados para mim.

    Estudos sozinha e trocas de experiência

    Estudar, sozinha, no silêncio da biblioteca, e, ao mesmo tempo, ver muita gente, gente diversa. E essa diversidade toda, naquele espaço em comum, naquele momento em silêncio, todos estavam buscando o mesmo: conhecimento, formação. Sem contar o fato da biblioteca ser pública e de imensa qualidade, poder ter a sensação do livro físico em mãos (mesmo que por um tempo curto), livros estes que muitos inclusive eu não poderiam (ou ainda não podem)  adquirir, saber que após minha leitura outros terão a possibilidade de os ler, e assim ter acesso a conhecimentos diversos, tudo isso no ensino remoto perdemos, pois a ida a biblioteca em seu espaço físico já não pode mais ser feita.

    As trocas de experiência nas salas de aula, as conversas com os professores(as) e com os colegas, aquilo que dá sentido à prática, ao debate, à troca de ideias, à circulação de discursos. A partilha do mate, do conhecimento e do afeto. Do café no Centro de Convivência, a janta do Restaurante Universitário em meio a inúmeras aulas diárias, estágio e horas complementares.

    Desafios diários

    O ensino remoto tem sido desafiador, pois dentro das demandas diárias de uma casa, é muito difícil dissociar o espaço, a casa, e seus afazeres, para prestar atenção somente na aula que está sendo dada, ou somente na escrita de minha pesquisa. Este espaço que antes era o do lar, agora se mescla ao do trabalho… São diversos os estímulos que temos que lidar, o cachorro que late, a vizinha que escuta música alta, o marido que chama. Esses são apenas alguns dos exemplos. Sem contar a constante falta das interações e relações humanas.

    O Ensino Remoto tem nos trazido diversos desafios como os ditos no parágrafo acima, e como cita Saraiva, Traversini e Lockmann, tanto para docentes quanto para discentes a insegurança do que há por vir, a ansiedade que nos assola frente as condições sanitárias e econômicas do nosso país tem sido motivos de exaustão.

    Na minha opinião, o que ficará de aprendizado do ensino remoto em meio a pandemia, é a valorização das relações. Destaco, também, o entendimento de que podemos utilizar sim a tecnologia a nosso favor, como por exemplo, no meu caso de estudante de pós-graduação, reuniões e orientações, caso não haja a possibilidade de deslocamento, as próprias reuniões de grupo de pesquisa que passaram a ser virtuais e tem funcionado de forma bastante satisfatória, disciplina como a de seminários onde assistimos aos trabalhos de pesquisa dos colegas do Programa de Pós Graduação e interagimos com os mesmos. Trazendo equilíbrio dentre as metodologias de ensino como formas de estímulo para os estudantes independente da etapa e grau educacional.

    Ensino remoto na pós-graduação: sob o olhar de uma mestranda

    Lendo as observações que a Priscila trouxe ao debate, percebo que há alguns pontos que concordo com ela, pois afinal já fui aluna de aulas presenciais minha vida toda… Bom, mas especificamente agora, na pós-graduação, eu, Roseana, formada em biologia licenciatura, tenho vivido uma infinidade de novos sentimentos e aí vai um pouco deles pra vocês.

    Tentar aprovação em um programa de mestrado é sempre desafiador, mas com uma pandemia acredito que seja um pouco mais complicado…

    Depois de 6 anos parada da vida acadêmica, após muita reflexão e confesso que com muito medo, pensei a hora de voltar a correr atrás dos meus sonhos e fazer meu mestrado, algo que sempre quis desde que saí da graduação (mas a vida me levou a outros caminhos). Obviamente a primeira coisa que me veio à cabeça: Como vou estudar tudo que preciso para entrar no mestrado sem poder pegar um livrinho? Tá, mas peraí, felizmente tudo pode ser online. Ok, lá fui eu: filho pequeno (check), pandemia (check), anos sem escrever (check). Alguns momentos pensei que ia dar uma enlouquecida básica (que todos devem ter quase ou dado) desde abril em isolamento, e, ainda, inventei mais este desafio.

    Enfim, alguns fios de cabelos a menos, muitas lágrimas (muitas mesmo). Um pré-projeto feito, entrevista, lattes e SIMMMMMMMMM! Estou dentro! Agora é comemorar (sem poder aglomerar – que tristeza, mas ok).

    Hoje, quase 6 meses depois da aprovação, penso que entrei num grupo de pesquisa INCRÍVEL, onde conheço pessoalmente apenas duas pessoas, os outros 6 nunca vi pessoalmente. Meu tema de dissertação mudou, a vida mudou, tudo mudou (e a vacina ainda não chegou para minha faixa etária, mas FINALMENTE parece bem próxima), mas me sinto realizada.

    Toda semana temos uma reunião online, onde debatemos sobre alguma leitura realizada pelo grupo. Às vezes é a única interação que tenho com pessoas que não moram comigo, então sempre é um momento alegre e de muito aprendizado. Ainda temos aulas e orientação, tudo online, muitas vezes isso é um desafio. Internet que não funciona, cachorro que late, gato miando, filho chorando. Mas é isso, esse é o nosso novo normal, então nos resta ‘seguir o baile’.

    Parece que conheço meus colegas pessoalmente e somos amigos faz tempo, nesses 6 meses não foram poucas às vezes que surtamos juntas (sempre online, obviamente) e pensamos ‘pelo menos temos umas às outras’.

    Good vibes?

    Não consigo ser ‘good vibes’ e ver o ‘lado bom’ do que estamos vivendo. Isto é, ter um presidente negacionista e ignorante que atrasou a compra da vacina tantas vezes é desesperador. Mesclo o sentimento de esperança e desesperança o tempo todo. Ver mais de 500 mil pessoas morrendo por falta de vacina e muita gente ainda negando a gravidade da situação dá um vazio enorme, todos os dias sabemos de alguma notícia triste e cada vez mais perto de nós.

    Obviamente, consigo enxergar o privilégio de fazer home-office. Bem como, conseguir me manter segura todos esses meses. Além disso, também tive a sorte de encontrar pelo meu caminho pessoas maravilhosas, que dão luz a dias tão escuros. Mas não vejo a hora de conhecer pessoalmente meus colegas, abraçar, conversar e obviamente tomar um chopinho bem gelado, em segurança, sem máscaras, onde todos possamos ver sorrisos novamente.


    Para saber mais…

    SARAIVA, K.; TRAVERSINI, C.; LOCKMANN, K. A educação em tempos de COVID-19: ensino remoto e exaustão docente. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-24, ago. 2020. ISSN 1809-4031. Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/16289. Acesso em: 9 out. 2020.

    Diretor da Pfizer escancara atraso letal do Governo Bolsonaro na compra de vacinas. Jornal EL PAÍS, Brasília 13 de maio de 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html Acesso em: 3 junho de 2021.

    LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998.

    As autoras

    Olá! Meu nome é Priscila, sou Pedagoga. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente sou mestranda em Educação em Ciências e faço parte do grupo de Pesquisa PemCie.

    Olá! Meu nome é Roseana, sou Bióloga. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande – RG. Também sou mestranda em Educação em Ciências e faço parte do grupo PemCie.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, o texto foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ciência para Crianças! Vacinas e a verdadeira imunidade de rebanho

    Vamos falar sobre vacinas? Para reduzir a circulação de um vírus na população e obter a verdadeira imunidade de rebanho, é necessária uma estratégia coletiva e rápida de vacinação. Foi o que mostrou um estudo clínico realizado na cidade de Serrana, no interior paulista. No Projeto S, toda a população adulta de Serrana foi vacinada com a CoronaVac (A vacina do Butantan). Após a segunda dose de vacinação do último grupo, os casos sintomáticos de Covid-19 caíram 80%, e as mortes diminuíram 95%. Por fim, o estudo também mostrou que até mesmo as crianças e jovens menores de 18 anos, que ão vacinaram-se também ficaram protegidos.

    No quadrinho de hoje, Draco explicará melhor ao Dragonino sobre a imunidade de rebanho que pode ser alcançada por meio da vacinação!

    Quadrinhos da série "Ciência para Crianças!", com o tema "Vacinas e a verdadeira imunidade de rebanho".
    Esclarecimentos sobre a transmissão do coronavírus por pessoas vacinadas

    As diferentes vacinas têm diferentes taxas de eficácia e de redução da transmissão do vírus, se consideradas individualmente. Como vimos no quadrinho anterior (Como funcionam as vacinas), demora algumas semanas para uma pessoa adquirir memória imunológica contra um patógeno. 

    Dessa forma, quem só recebeu a primeira dose da vacina, ou tomou a segunda dose muito recentemente, ainda tem maior risco tanto de se contaminar, como de transmitir a doença. Por isso, mesmo com a vacinação, é essencial que todos os cuidados continuem sendo tomados (como uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos) até grande parte da população ser vacinada. Só então será possível reduzir, de fato, a circulação do vírus e obter a imunidade de rebanho.

    Imunidade de rebanho sem as vacinas? Será que é uma boa ideia?

    As tentativas de atingir a imunidade de rebanho sem as vacinas não são recomendadas pelos cientistas. Ou seja, não é uma boa ideia deixar as pessoas ficarem doentes naturalmente, esperando que seu sistema imunológico combata a doença e gere imunidade. 

    Isso porque em muitas pessoas o vírus pode causar formas graves da doença. Com isso, os hospitais ficarão lotados, e muitas pessoas podem não conseguir vagas para internarem-se e tratarem-se. Assim, muitas pessoas podem acabar adoecendo gravemente e morrendo. Portanto, a imunidade gerada pelas vacinas é a única forma ética e aceitável de gerar a imunidade de rebanho em nossa população. 

    Em resumo: de um lado, o contágio natural espalha vírus para todos os lados e causa um alto número de mortes. Do outro, a vacinação ajuda a diminuir a circulação dos vírus e a salvar muitas vidas.

    O perigo das variantes do coronavírus

    Para piorar a situação, deixar muitas pessoas se infectarem naturalmente pelo coronavírus aumenta as chances do vírus sofrer mutações. Essas mutações nada mais são do que pequenos erros no processo de cópia do material genético do vírus. É assim que aparecem as chamadas variantes dos vírus, que podem muitas vezes ser mais contagiosas e até mais perigosas. 

    Quanto mais pessoas o vírus infectar, há mais chances de acontecerem esses erros, então mais variantes podem surgir e se espalhar. Com mais variantes do vírus se espalhando, até quem já se contaminou com o coronavírus uma vez, ou já foi vacinado, pode acabar ficando doente. Isso porque no caso de algumas variantes, a mudança que acontece no vírus faz com que o sistema de defesa não consiga mais reconhecer o vírus para combatê-lo rapidamente. Assim, nesse caso, as células de defesa vão ter que trabalhar de novo desde o começo para aprender a combater o invasor diferente.

    Por isso, os cientistas recomendam que todos vacinem-se o mais rápido possível. Uma vacinação rápida e bem planejada pode ajudar a população a atingir a imunidade de rebanho de forma mais eficiente. Por fim, apenas com menos vírus circulando é possível reduzir o aparecimento de variantes e aumentar as chances de vencermos essa doença!

    Vacinas salvam vidas. Todos pelas vacinas!

    Campanha “Todos Pelas Vacinas”

    Fontes de informação:
    Equipe:
    • Design, pesquisas e roteiro: Giovanna S. Veiga e Carolina S. Mantovani
    • Revisão: Profa. Dra. Lúcia E. Alvares

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Nas Asas do Dragão

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Marina Fontolan

    Faz sentido restringir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Recentemente aprovado, o Projeto de Lei 1674/2021 trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). O que você sabe sobre isso?

    O referido PL acabou de ser aprovado no senado e agora será apreciado na Câmara dos Deputados. Ele criou o PSS, que seria um documento para pessoas que estão imunizadas contra a COVID-19 para que tenhamos políticas públicas de suspensão ou abrandamento de medidas restritivas. Tais condições são relativas às informações de vacinação e/ou imunização das pessoas em relação a doenças específicas.

     A premissa para esta lei é exercer um controle de possíveis epidemias e pandemias futuras – além da própria COVID-19 – mas mantendo a liberdade de ir e vir, dentro de parâmetros de segurança previamente estabelecidos.

    Dessa maneira, a lei parte do pressuposto que podemos adotar determinados critérios para diminuir ou suspender medidas que restrinjam nossos movimentos em situações de crise sanitária.

    A pergunta que talvez seja importante se fazer para esta lei é: faz sentido dividir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Há diferentes questões que envolvem este debate. Vamos destrinchar alguns deles aqui

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! Não compreendemos a vacinação, mesmo sendo obrigatória, como uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. Assim, a vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos punitivos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos públicos ou serviços públicos específicos, por meio de lei.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar – mas aquelas que consideram-se obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Por exemplo, direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Exato, os testes de detecção feitos isoladamente, sem continuidade – especialmente em doenças em que a reinfecção pode ocorrer – são sempre um retrato do passado (que se relacionam à janela imunológica). Por isso, se estamos circulando, em um país com a nossa taxa de transmissão como está, os testes são fundamentais – mas eles são certificações temporárias, com validade de curtíssimo prazo. Em todo o caso, “teste negativo” sempre tem validade relacionada à janela imunológica – que é o tempo em que nós nos infectamos até o tempo do teste conseguir detectar os vírus. No caso da COVID-19, nossa janela é de no mínimo 5 dias. Assim, o resultado obtido hoje diz respeito ao tempo transcorrido entre a coleta, somados 5 dias de uma possível infecção.

    Mas o Projeto de Lei ainda abrange outras questões delicadas

    Este PL não se trata apenas da COVID-19, especificamente. É um projeto que se propõe a pensar futuramente a gestão de crises sanitárias, com outras epidemias e/ou pandemias.

    Na Justificação (páginas 8-12), há alguns pontos preocupantes para firmar a possibilidade de suspendermos medidas restritivas, como dado científico.

    Trecho da Justificação do Projeto de Lei

    Inicialmente, é exatamente por termos poucas pessoas imunizadas com a vacina que, ainda, as pessoas não estão em plena condição de retomarem suas “atividades normais”. Novamente, a vacinação é um processo de massa – não individual.

    Além disso, pensar que temos poucas pessoas infectadas é um grande risco. Primeiro, temos os casos das pessoas assintomáticas, que estão infectadas, transmitem o vírus (que pode matar outras pessoas) e não são testadas.

    Em segundo lugar, o Brasil não está fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Especialmente se levarmos em consideração o andamento da pandemia no Brasil e a quantidade de mortes ainda crescente (e a transmissão, literalmente, correndo solta).

    Isso faz com que não tenhamos a dimensão real de quantas pessoas já se infectaram e aquelas que estão infectadas. Por fim, o argumento de ‘imunidade de rebanho’ criado por meio das pessoas infectadas naturalmente não existe. A cidade de Manaus foi um exemplo disso! A maior parte da população foi infectada e isso não gerou imunidade. A vacinação é um ato coletivo e precisamos que ela seja feita o mais rápido possível.

    Mas já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Por fim, na justificação, a ideia de que “muita gente não está infectada e portanto pode circular” em uma doença que ao infectar uma pessoa, pode passar despercebida em formas brandas ou até assintomáticas, transmitindo sem que percebamos, é um risco que temos debatido desde o início da pandemia. O controle tem que ser via diminuição de contatos, enquanto não tivermos uma cobertura vacinal adequada em nossa população!

    Nosso posicionamento segue termos políticas públicas efetivas, rápidas e seguras para estancarmos a transmissão da doença: vacinação em massa, uso de máscaras, distanciamento social (isolamento social quando possível) e auxílio para populações vulneráveis.

    Não existe mágica para vencermos o vírus, não existe passaporte de segurança, fora medidas não farmacológicas aplicadas à risca, com vacinação em massa.

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt, Bióloga, Doutora em Educação, Professora de Biologia do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Marina Fontolan, Historiadore, Doutorande no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, divulga ciência no Grupo Infovid e no Todos Pelas Vacinas

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 e para o Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Comunicação comandada e a exaustão de quem debate

    Ana de Medeiros Arnt e Erica Mariosa Moreira Carneiro | Imagens por Carolina Frandsen

    O presidente da república nos deu uma aula sobre como a comunicação, ao longo de toda a sua gestão, vem sendo absolutamente eficiente e tem pautado uma corrida desesperada de cientistas, jornalistas e divulgadores da ciência em redes sociais e veículos de comunicação.

    Se por um lado, há quem ainda considere pesado usar o termo “genocida” associada à figura do presidente. Por outro lado, no entanto, se ainda há alguma dúvida, fica cada vez mais difícil passar desapercebido, a falta de medidas efetivas para nos defender da pandemia e poupar vidas da população.

    Entretanto, nossa questão hoje foi: é preciso nos atentarmos, quando em eventos como os de ontem, de que não estamos lidando com falas aleatórias do senhor que ocupa o posto máximo de comando do nosso país. Não são metáforas que precisam ser traduzidas e explicadas posteriormente por outros cargos do executivo em entrevistas. As falas de ontem foram, literalmente, para que as pessoas da população adotem comportamentos específicos.

    Assim, ter acesso aos conhecimentos científicos, ter condições de um amparo técnico qualificado, ter nas mãos a maquinaria que possibilita tomar decisões para poupar vidas, e não fazê-lo é, sim, um ato que se aproxima do conceito que temos de genocídio intencional e responsabilizável por não evitar mortes. Ou seja, é ter condições técnicas, científicas e econômicas para tomar decisões que evitam mortes e seguir em uma linha diretiva diametralmente oposta.

    Muitos tem falado sobre o conceito de necropolítica na condução do governo. Mas hoje, só hoje, não é sobre isto que vamos abordar aqui. Nós queríamos trazer ao debate o quanto a cada verso proferido, não existe incompetência e rompantes de ideias que passam pela cabeça “na hora”, como um furor do momento.

    “Olha a matéria para a imprensa amanhã, vou dar matéria para vocês aqui” *

    *Fala proferida pelo atual presidente da república em evento oficial do governo federal na tarde de quinta-feira (10/06/2021) em Brasília-DF

    Há uma declaração que indica intencionalidade, objetivo e pleno domínio dos acontecimentos que se sucederão a seguir. E nós? Nós choramos, corremos para nos posicionar indignados nas redes sociais, vamos à exaustão e, eventualmente, desistimos.

    Todos os dias desde o início da pandemia temos sucumbido e nos erguido novamente. Tudo isso para no dia seguinte continuar falando de ciência, dos cuidados básicos, lendo artigos, debatendo melhores saídas para minimizar contágios, circulação do vírus, conscientização de pequenos hábitos que podem salvar vidas.

    Enquanto isso, em lives ou coletivas de imprensa, o presidente tem pautado a imprensa, tem pautado a divulgação científica. E temos caído, sistematicamente, em sua linha de ação e direcionamento de falas.

    Ah, mas a divulgação científica cresceu muito neste tempo sabe?

    Embora tenhamos crescido em quantidade seguidores, nos debates propostos, como comunidade. Mesmo que tenhamos SIM ganhado espaço na grande mídia, por exemplo, é absolutamente insuficiente para nos estabelecermos como discurso.

    Quando eu falo em discurso é por, exatamente, não sermos a ordem do dia. Isto é, não é nossa a pauta e, muito menos, a narrativa. Mas o que pode uma fala? O que podem estas palavras pronunciadas, dentro de um enunciado, do presidente? Discurso é mais do que um conjunto de palavras proferidas. Discursos são falas que definem modos de pensar e (mais do que pensamento) modos de agir socialmente.

    Os discursos são mais do que palavras, exatamente, por gerarem ações. Neste caso específico, as ações são tanto do descaso com medidas protetivas, quanto de todos nós que temos atuado na comunicação científica correndo atrás da narrativa, buscando minimizar impactos. Será que temos conseguido?

    Um dia desses comentamos sobre um canal que tinha mais de 400 mil seguidores no Youtube. Tratava-se de vídeos com mais de 1 milhão de visualizações. Os vídeos são longos, repletos de jargões, cheios de “cientificamente comprovados” ao longo da fala. Também nos chamou a atenção, claro, que seguiam na linha da presidência e do negacionismo científico. Ou seja, a questão aqui é que os vídeos eram também cheios de esperança em medicamentos que trariam a resposta rápida, indolor e muito, muito simplesmente.

    Então temos que rebater AGORA!

    E temos reiterado que não é possível termos respostas rápidas quando trabalhamos com conhecimento. Conhecimento verificável precisa de etapas ao longo da produção. Conferências entre pares, diálogo, debate, questionamento. Este tem sido um dos pontos que temos debatido, aqui no Especial Covid-19, sobre não fazer “pautas quentes”. Isto é, não sair correndo publicando a cada acontecimento estrondoroso (para o bem ou para o mal). Exatamente para conseguirmos agir com a cautela e o rigor que o conhecimento científico e a comunicação científica precisam.

    E nem estamos nos vangloriando – há dias que sucumbimos (e sucumbimos muito!). Nos deixamos levar pelo embalo do momento. Mas, é preciso este tempo (e discutimos isso há meses atrás) exatamente para cair cada vez menos. E o trabalho coletivo tem ajudado nisso, certamente.

    Não é novidade o que diremos aqui

    Tem sido MUITO difícil para todos nós e, cada vez, vemos um (ou vários) caindo, tristes e exauridos. Enquanto isso, vemos aberturas nos municípios e estados, falta de condições da população, e pessoas que SIM acreditam no governo – acreditam mesmo, tem fé na presidência…

    Ontem, algumas horas antes da coletiva do presidente, nós e alguns colegas negamos entrevistas a uma rede de notícias, que tem articuladores absolutamente alinhados à presidência. Temos tido uma imprensa omissa nos posicionamentos e críticas – no sentido real. E é um embate bem duro: dar entrevista e, talvez, furar bolhas, alçar voos maiores, ou ponderar e tentar produzir e dialogar de outras formas, como temos nos proposto? Decidimos, ontem, não falar.

    Mais sobre isso: Divulgação na Pandemia

    Sobre os posicionamentos em geral da mídia e da comunicação, temos pontuado entre nós e hoje faremos algo que não fazemos muito por aqui. Todavia, tendo em vista a situação deste momento exato, resolvemos escrever…

    Não adianta falar mal do presidente e fazer vista grossa para as políticas econômicas de Paulo Guedes (que reforçam as falas do presidente e dão força ao discurso e medidas diárias). Não basta falar mal da condução do governo na pandemia e apontar que temos escolhas difíceis pela frente. Assim, de nada importa proferirmos tempos de “despiora” do governo, sem apontar com força e ênfase as lutas das ruas, das favelas, das periferias, da população na miséria, ignorando que as trajetórias da rua são maiores do que as faltas de pauta deste ou daquele lado. Por fim, não adianta falar mal do presidente e romantizar população comprando ovo e mudando sua dieta, quando na verdade não há condições de consumir carne.

    Também não é de bom tom romantizar professor fazendo busca ativa de alunos, quando na verdade o ensino foi abandonado e os ideários de retorno não fazem sentido por seus protocolos e falta de cuidado com crianças, adolescentes, docentes e todos os funcionários do ensino.

    e mais…

    Acusar pessoas de conseguir atestado falso, sem qualquer investigação, em tom condenatório e vago, sendo fiscal de PNI também é uma cobertura triste de nossa miséria humana, pois a questão é que não compramos vacinas suficientes em tempo hábil para salvar a todos – e todos nós deveríamos estar vacinados. Assim, não deveríamos estar com “inveja” por um ou outro ter sua vez garantida antes de nós. Bem como deveríamos ter garantido um PNI bem coordenado, cientificamente embasado e bem implementado, com diretrizes claras e objetivas.

    Não adianta descrever o quanto as instâncias federais tem feito conduções que nos levam à morte em massa, mas fazer vista grossa para os governantes dos estados e municípios – que também tem ações bem fortes no descaso com a população, pedindo seu sacrifício vital, alinhando-se com a exposição em massa, em teores de abandono e genocídio.

    Em suma, temos, sistematicamente, caído nas armadilhas.

    Vamos caindo aqui nos discursos e sucumbindo às pautas apressadas. Sim, nós estamos muito tristes. Todos os dias é um “81 x 1” na nossa vida e de milhões de brasileiros.

    Nós perdemos pessoas que poderiam ter sido vacinadas antes de contraírem a doença. Que deveriam ter sido vacinadas antes de contraírem a doença. Perdemos amigos, professores, companheiros, parentes. Vemos o luto e sofrimento diário de pessoas próximas adoecendo, na compreensão de que se precisassem, não encontrariam vagas no hospital para resguardar sua vida.

    Conhecemos profissionais exauridos pelo dia a dia. Acompanhamos pessoas que, mesmo vacinadas, seguem com receio e têm seguido as recomendações de uso de máscara, isolamento social quando possível e distanciamento social sempre. Dessa maneira, temos medo, sim, dos pequenos descuidos diários que podem nos levar à contaminação.

    Há dias de raiva raiva, ódio, choros engasgados na garganta que não tem nem nome mais, só pesar. E não conseguem sair, com medo da ressaca do pranto.

    Todavia, nós realmente tínhamos que aprender as dinâmicas e conseguir não cair nas armadilhas cotidianas. “Olha a matéria para amanhã”, na avidez de nossa gana, pranto, desespero, saiu hoje. Na imediatez fugaz de nosso caos, zapearam em segundos.

    No pesar dos nossos dias, não existe amanhã. Tem que ser dito agora, instantaneamente.

    Quem não aguenta mais, não aguenta por estar vivo. E quem está vivo e lutando, segue em uma relação aversiva entre a empatia e o ódio. Não podemos desistir, mas não deveríamos mais cair nas armadilhas.

    E, sim, temos voz. Mas ela ainda é pouca (e não por falta de grito).

    Com isso, encerramos, com nosso desejo de que hoje: fiquem bem, queridos. Só mais hoje. Nós estamos fazendo tudo o que nos está ao alcance, de verdade.

    Fiquem vivos, mais um dia. Respirem fundo, pois o ar (ainda) nos está permitido, a quem está permitido.

    Amanhã teremos mais gritos presos com nós (em rede).

    #redescontracovid

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    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Personalidades da vacina: os altruístas, os fiscais e os sommeliers!

    [Sugestão é vocês lerem este texto ouvindo este som]

    Estamos em uma etapa de vacinação que inclui, além de idade (seguimos com a vacina para pessoas acima de 60 anos), comorbidades, gestantes e lactantes, além de profissões específicas.

    A vacinação, que era para trazer uma parca esperança em meio a tudo o que temos vivido em nosso país, tem sido questionada em muitos aspectos que tornam tudo ainda mais difícil.

    Sommeliers de vacina

    Por um lado, temos visto pessoas percorrendo postos de saúde atrás ‘da vacina que eu quero tomar’, seja por receio de reações adversas, seja por ter vontade de tomar “aquela que tem maior eficácia”, ou qualquer outro motivo que apareça pela frente.

    Temos chamado estas pessoas de sommelier de vacina. Sommelier são aqueles profissionais dedicados a “provar” e “degustar” produtos específicos – vinhos, queijos, cervejas, por exemplo. Parece chique, né? Na verdade é chique. 

    Mas não quando diz respeito à vacina! Entretanto, cabe a pergunta: qual vacina é boa? Há quem diga que várias vacinas são só “água com açúcar e só a fulaninha que presta”.

    Olha, quando se trata de 465.000 mortos em nosso país, a vacina boa é a que chega em nosso braço. Isto é, cobiçar a vacina de um dado fabricante e adiar sua imunização até poder acessar a queridinha do momento não é apenas descabido. É desrespeitoso. É um ato atroz com os milhares de brasileiros que aguardam sua vez no Plano Nacional de Imunização.

    Precisamos vacinar muito e precisamos vacinar rápido.

    Estas ações atrasam ainda mais nosso calendário e fazem permanecer aberto o cronograma de vacinação para uma faixa específica que poderia estar mais avançada.

    Esta confusão toda pode, sim, ser fruto de uma comunicação truncada que dá a entender que a vacina X em relação à Y é melhor.

    Neste sentido, os resultados recentes da CORONAVAC no município de Serrana enchem de esperança o que mais acreditamos: vacina boa é vacina no braço dos brasileiros e vacinação em massa funciona E MUITO! Ademais, lembramos que ela também acabou de ser aprovada em caráter emergencial na OMS, o que indica que ela é segura, eficaz e de qualidade.

    Com 75% da população do município coberta pela Coronavac (95,7% da população vacinável), Serrana viu suas internações, óbitos e registros de doentes despencar nas últimas semanas. Todavia, sim, precisamos dos dados abertos e verificáveis e precisamos dos dados e sua distribuição por faixa etária discriminados o quanto antes para nos debruçarmos e compreendermos todo o processo. Entretanto, os dados que nos foram apresentados até o momento nos mostram que cobertura vacinal é fundamental para enfrentarmos a pandemia!

    Mas há quem não queira tomar vacina pelas reações…

    [pausa dramática, respira fundo]

    como se nunca tivesse acompanhado crianças na família e visto os choros de dor, febre ou outras reações nos pequenos. Vacina pode dar reação, febre, dor no corpo, sonolência, enjoo por exemplo. Ou seja, ninguém nega isto.

    Todavia nenhuma destas reações se compara há semanas entubado, sem contato familiar, em uma situação de quase morte. Assim como, também não se compara ao risco de contaminarmos inúmeras pessoas e, mesmo estando com sintomas leves, levarmos pessoas a serem entubadas por COVID-19 pelos contatos que seguem vigentes na nossa vida.

    E antes que me achem exagerada, é bom lembrar que família contamina família, que temos filas de espera em UTIs e que seguimos com números altíssimos de contaminações e mortes. Nenhum medo de enxaqueca e febre deveria se sobrepor à possibilidade de nos contaminarmos e contaminarmos a quem está próximo de nós.

    Em suma, é só uma febre, vai passar.

    Os altruístas

    O outro lado da moeda tem sido as pessoas que começam a despontar no PNI como as próximas a serem vacinadas. Elas podem, suas documentações pessoais a fazem legalmente vacináveis, mas elas não se vacinam. Por quê? Por terem pessoas “que merecem mais do que eu”, costuma ser a resposta. Outra bem recorrente é “não acho justo quando há outros que não se vacinaram ainda”, e, por último “eu me encaixo, mas prefiro deixar para a próxima vez quando chegar”.

    O caso comum dos altruístas são as profissões. Várias profissões dão direito à vacina. Neste caso, o PNI deixa claro que os municípios e estados devem observar os critérios que considerarem pertinentes para estabelecer a vacinação de várias destas profissões.

    Eu posso, mas não devo: altruísmos às avessas

    Assim, os altruístas são as pessoas que mesmo tendo o direito, acham que é justo pular a vez e deixar para a próxima.

    Os fiscais (que falarei mais adiante) são os que acham que estes profissionais só podem se vacinar quando eles (os fiscais) acharem que devem ser vacinar.

    Nenhum dos dois está lá muito correto. Embora vacinar-se seja uma escolha (teu corpo, tuas regras, etc.), é um ato coletivo de proteção. Dessa forma, neste momento, temos mais de um milhão de casos de COVID-19 em acompanhamento. Ontem, dia 1º de junho de 2021, tivemos 78.926 confirmações de COVID-19 em nosso país e mais do que 2 mil mortes.

    135 dias depois de começar a vacinação em nosso país, tivemos 265 mil mortes. Nestes 4 meses e alguns dias tivemos mais mortes pela doença do que o ano passado inteiro. Aceleramos as mortes e os contágios quando vários países começam a abrir comércio e vivenciar a experiência de controle da doença em seus territórios.

    Nós não estamos nem próximo disto. Não é, portanto, altruísta abrir mão de vacinas que foram contabilizadas e estão à disposição. Tua vacina está lá, te esperando. Tu achares que o PNI não é justo, não modifica o PNI, não “adianta” as datas de categorias que começam a aparecer à revelia do que pode parecer justo, bom, emergencial ou interessante. Tu não te vacinares só faz com que menos uma pessoa, agora, esteja vacinada e com condições de diminuir a circulação do vírus.

    E isto é emergencial.

    Em suma, o altruísmo, neste momento, é se vacinar quando chegar a tua vez. A vacina é um processo que funciona em uma massa de pessoas – e para isto precisamos de uma massa vacinada. Abrir mão do teu direito não faz com que a vacinação ande mais depressa, não faz uma massa ser vacinada. Este é um altruísmo às avessas por estarmos em um momento delicado, triste e que apenas denota nossa fragilidade em vencer esta doença.

    Não era para, neste momento, estarmos debatendo quais categorias deveriam ou não estar vacinadas, por um motivo muito simples: nosso país sempre foi exemplo de estrutura e organização de vacinação no mundo, com doses para todos, calendário preciso, com campanhas eficazes, bem feitas, sólidas e robustas em todas as suas etapas.

    Fiscais de fila

    É um desserviço julgarmos quem está com lugar na fila, desencorajando as pessoas a tomarem vacinas e as tomando como fura-filas SE ELAS NÃO SÃO FURA FILA.

    Concomitante ao fenômeno altruísta, há as pessoas que viraram fiscais de comorbidades e profissões e julgam qualquer pessoa que apareça com a vacina no braço – o que fortalece ainda mais quem se sente culpado por estar se vacinando.

    Primeiramente, é fundamental apontar o quanto fiscal de comorbidade e de profissão é um cargo cruel em um país que, desde que a Campanha de Vacinação por COVID-19 começou em nosso país, matou 265 mil pessoas confirmadas por COVID-19 (fora casos não confirmados para a doença).

    Há, também, aqueles fiscais de obesidade, perguntando se o IMC da pessoa ultrapassou 40. Pior ainda são aqueles que acham que obesos não devem se vacinar pois são relaxados, relapsos, dentre outros xingamentos que não caberiam em um veículo como este.

    Ainda sobre comorbidades, não é que avisemos a todos o que nos acompanham ao longo da vida quais doenças e condições temos ou deixemos de ter. Acusar levianamente é cruel, insensível e não faz sentido. Ninguém é obrigado a apontar, cotidianamente para conhecidos, amigos próximos ou até familiares, que comorbidades nos acompanham.

    Ah! Ana, mas tem gente furando fila com atestado falso.
    – Sim… verdade. E isto é horrível Mas o Brasil também tem muitas pessoas com comorbidades e não és tu, alecrim dourado, a pessoa que sabe todas as que existem e todas as pessoas afetadas por elas, é?

    A rede social virou palco de guerra com pessoas indo perguntar “qual comorbidade”? Não há muitas palavras para narrar o constrangimento que tem sido imputado às pessoas que estão celebrando a vida e celebrando um DIREITO a permanecerem vivas.

    Nós compreendemos que o PNI poderia organizado-se de forma a não ocorrerem incoerências entre municípios e estados, com datas confusas e regras divergentes.

    O que não é justo é esta confusão que já está presente nos documentos oficiais gerar culpabilização de pessoas e inadimplência no comparecimento à vacina!

    Precisamos que vocês se vacinem: quando integramos o grupo #TodosPelasVacinas não foi para que as pessoas se sentissem culpadas de terem esta oportunidade, para termos fiscais de plantão e para questionarmos os atos de vacinação. 

    Foi para que todos conseguissem acesso à vacina e, quando chegasse seu dia: SE VACINASSEM.

    Seguiremos neste propósito, firmemente. A vacinação é uma política pública, deve ser organizada pelos setores públicos – como sempre foi – e é um absurdo ser cobrado de indivíduos que estão legalmente cotados para vacina que não se vacinem por julgamentos estapafúrdios (de “diplomas velhos” à “ideias de minha cabeça” ou “não concordo pois esta comorbidade não me interessa que exista”).

    Se chegou tua vez, é teu direito, é nossa defesa, é proteção a todos: VACINE-SE

    Para saber mais

    BRASIL, Ministério da Saúde (2021a) Plano Nacional de Vacinação COVID-19 5ª Versão

    ____ (2021b) Plano Nacional de Vacinação COVID-19, 6ª Versão

    ____ (2021c) Saúde antecipa vacinação de trabalhadores de educação e autoriza imunização da população geral por idade

    ____ (2021d) NOTA TÉCNICA Nº 717/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS

    CONASEMS (2021) Nota Técnica PNI 06-05-2021

    WORLDMETERS COVID-19, acessado em 1 de Junho de 2021. 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • PCR e a sopa de letrinhas científica

    Por: Rafael Sanchez Luperini e Renato Augusto Corrêa dos Santos

    PCR, qPCR, RT-qPCR: o que significam essas siglas e o que elas têm a ver com os fungos? As discussões sobre técnicas e metodologias científicas utilizadas para diagnóstico da COVID-19 se popularizaram nos mais diversos meios de comunicação. 

    O RT-qPCR (Reverse Transcriptase Quantitative Polymerase Chain Reaction, em inglês), por exemplo, é o método mais eficaz para diagnosticar um paciente e ficou conhecido como “o teste do cotonete no nariz”. E nós queremos saber:

    1. Você já se perguntou como ele funciona? 
    2. Como e quando surgiu essa metodologia científica tão avançada? 
    3. Você sabia que existem ainda outras variantes desta técnica, chamadas de PCR, qPCR e RT-PCR? 
    4. Além das letras em cada sigla, quais as verdadeiras diferenças por trás de cada uma dessas técnicas? 

    Esse texto busca trazer as respostas para quem está cheio de dúvidas a respeito dessas interessantes, e extremamente versáteis, ferramentas das ciências biológicas.

    A história do PCR

    Essas metodologias são geralmente aplicadas na identificação de seres vivos a níveis bastante específicos, e para esclarecer melhor todas essas perguntas, vamos explicar a técnica, juntamente com a sua história. 

    Em 1983 aconteceu uma das mais significantes descobertas do século XX. O cientista Dr. Kary Mullis desenvolveu a reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction ou PCR). A partir dessa técnica se tornou possível obter muitas cópias de um mesmo fragmento de material genético, possibilitando a obtenção de grandes quantidades de DNA de uma amostra genética de um organismo.

    A técnica possibilita a produção de fragmentos de DNA de interesse partindo de pequenas quantidades de amostras de DNA usando a enzima DNA polimerase, a mesma que participa da multiplicação do material genético nas células. Esta enzima se liga a um pequeno fragmento (o iniciador, ou primer, em inglês), desenhado especialmente para se ligar ao DNA alvo, produzindo uma sequência complementar ao fragmento de DNA de interesse, escolhido antes do início da análise.

    O primeiro estudo detalhando a metodologia da técnica foi publicado no periódico científico Science, no ano de 1985, revolucionando a ciência e as possibilidades de descobertas ao se trabalhar com DNA. Porém essa metodologia ainda apresentava uma série de desafios, visto que é composta de 3 etapas demonstradas na imagem abaixo:

    Reação em cadeia da polimerase explicada passo a passo

    A realização de 20 a 40 ciclos promove a amplificação da região que se pretende analisar, seja ela um gene humano específico, ou de microrganismos ou basicamente qualquer material genético que se deseja multiplicar para analisar posteriormente.

    Variações da técnica de PCR

    Ao longo dos anos, começaram a surgir variações da técnica, e aplicações das mais diversas formas, e é nesse contexto que surge a análise tão utilizada hoje em dia nos diagnósticos de COVID-19, a RT-qPCR. 

    E o que significam todas essas letras adicionadas antes da PCR?

    Elas dizem respeito a uma metodologia com uso de uma enzima chamada Transcriptase Reversa (Reverse Transcriptase, ou RT), que tem a função de produzir uma fita de DNA (chamada de DNA complementar ou cDNA) a partir de uma fita de RNA. 

    Além disso, a letra “q” indica que esta técnica é quantitativa e pode ser usada em RT-qPCR e qPCR. Esta metodologia se parece muito com a PCR original, porém com a diferença de que são adicionadas sondas fluorescentes de DNA junto das amostras, as quais emitem fluorescência a cada ciclo realizado pelo aparelho.

    Portanto, durante a amplificação, a quantificação de DNA é determinada pela quantidade de fluorescência emitida pelo produto amplificado a cada ciclo.

    Isso é possível somente com a utilização de um sistema de equipamentos com monitoramento da fluorescência emitida, possibilitando uma quantificação mais exata de quanto material genético existia na amostra inicial, abrindo ainda mais opções e oportunidades de análises a serem feitas, como será explicado a seguir.

    Pesquisas que utilizam a técnica PCR

    Agora vamos dar alguns exemplos de pesquisas importantes no Brasil e ao redor do mundo, que utilizam a técnica de PCR e suas variantes.

    Aplicações de PCR nas pesquisas agrícolas do Brasil.

    Além dos interesses das aplicações da técnica na área da saúde, a agricultura e a indústria de alimentos e bebidas também se beneficiam da técnica. Em algumas situações, a qPCR é utilizada em laboratórios de análise de alimentos visto que é uma técnica altamente específica e sensível. Porém, dentre as dificuldades estão seu alto custo devido à necessidade de mão de obra especializada, insumos e metodologia para a detecção e identificação de determinados microrganismos.

    Diversas pesquisas desenvolvidas no Brasil visam o melhoramento da detecção de fungos que contaminam alimentos, como é o caso de espécies das espécies Aspergillus niger e Aspergillus welwitschiae, produtoras de micotoxinas, algumas delas nefrotóxicas e potencialmente carcinogênicas. 

    Pesquisas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2018, coordenadas pela Dra. Marta Hiromi Taniwaki e em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) estudaram o uso da técnica de qPCR na detecção destas espécies citadas acima, obtidas de café. O método desenvolvido possibilita rápida, precisa e sensível detecção das espécies citadas, que são morfologicamente idênticas.

    PCR em laboratórios de fitopatologia

    No Brasil, há algumas clínicas fitopatológicas que fazem a análise de qPCR para a detecção de doenças importantes em plantas, como é o caso da EMBRAPA, a ESALQ (Universidade de São Paulo, em Piracicaba), o Centro de Cana e o Centro de Citricultura, ambos pertencentes ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC). 

    A pesquisadora Laís Moreira Granato, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), contou um pouco sobre a aplicação de qPCR no cotidiano. Na prática, laboratórios de fitopatologia usam a técnica de RT-qPCR para a detecção de vírus de RNA  e atécnica de qPCR para detecção de fungos e bactérias em citros. Geralmente o citricultor leva amostras de frutas ou folhas para a clínica do Centro de Citricultura procurando por essas doenças.

    Infelizmente, como ja foi dito, os insumos e equipamentos que envolvem a qPCR são caros! No entanto, os citricultores precisam desse serviço para ter certeza de que não há doenças escondidas em seus pomares. 

    Uma das motivações para se pagar um pouco mais por esse serviço envolve a legislação que regula a exportação dos vegetais. Frutas de mesa, quando exportadas para a Europa, precisam obrigatoriamente passar por uma comprovação de que não há presença de alguns fungos. Um exemplo é Phyllosticta citricarpa nas cascas das laranjas. Este fungo não existe na Europa e a legislação não permite que nada entre sem uma comprovação de que está “limpo”.

    Na prática, em algumas situações, mesmo que a detecção pudesse ser feita, questões ligadas ao sistema produtivo podem ser um problema, como a limitação de equipamentos, disponibilidade de equipes de inspeção e de corpo técnico. Mas, além disso, descobrimos algo curioso quando o assunto é priorizar um problema ou outro na agricultura, e que podem deixar os fungos “de lado”, como nos contou a pesquisadora Dra. Andressa Bini, do Centro de Cana do IAC. 

    O exemplo é o fungo Colletotrichum falcatum, causador da podridão vermelha em cana-de-açúcar. Acreditava-se que o fungo infectaria apenas plantas a partir de ferimentos causados por uma praga, a lagarta de Diatraea saccharalis. Seguindo este raciocínio, a prioridade no passado era controlar apenas a praga, mas não o fungo em si, que seria uma consequência oportunista. 

    No entanto, a realidade é que os fungos conseguem infectar as plantas mesmo na ausência da praga chamada de “broca”, tornando a detecção do fungo uma prioridade, já que sem um controle efetivo da doença, podem ocorrer perdas de até 35% da produção e hoje o patógeno já ocorre pelo menos no Triângulo Mineiro, no Mato Grosso do Sul e em algumas regiões de São Paulo.

    Os eucaliptos e o fungo Austropuccinia psidii

    Outro exemplo de pesquisa aplicada e com uso de qPCR também vem da ESALQ! O eucalipto é uma planta muito importante para a produção de madeira e papel em nosso país. Uma doença fúngica causada por Austropuccinia psidii, a ferrugem, é conhecida como problemática para esta cultura. 

    Um grande problema da detecção desta doença é que o fungo é normalmente percebido apenas após o aparecimento de sintomas nas plântulas, quando o problema já é muito grande. Os métodos usados geralmente são pouco eficientes ou pouco sensíveis. Apostando na qPCR, mais sensível, mais rápida e menos laboriosa, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em 2018, propuseram o uso de qPCR para a detecção prematura da doença em eucalipto. Outra aplicação interessante desta análise, sugerida pelos pesquisadores, é a identificação rápida de plântulas suscetíveis ou resistentes à doença em programas de melhoramento.

    Como pudemos ver, geralmente as limitações ainda estão no alto custo dessa tecnologia recente, porém as aplicações são as mais diversas, e ainda há muito para se desenvolver na área. Ainda estamos no começo de uma nova era, e a tendência é que a técnica seja aprimorada e torne-se mais barata e aplicável com o passar dos anos.

    Fontes consultadas

    • Dra. Laís Moreira Granato (Instituto Agronômico de Campinas – IAC)
    • Dra. Andressa Peres Bini (Centro de Cana – IAC)
    • Dra. Daniele Sartori (Universidade Estadual de Londrina, UEL)
    • Artigo científico intitulado “A Real Time PCR strategy for the detection and quantification of Candida albicans in human blood.”, publicado na revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 62 em 2020, de autoria de Busser, F. e colaboradores. 
    • Artigo científico intitulado “A New Age in Molecular Diagnostics for Invasive Fungal Disease: Are We Ready?”, publicado na revista Frontiers in Microbiology em 2020, de autoria de Kidd, S. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Development of a quantitative real-time PCR assay using SYBR Green for early detection and quantification of Austropuccinia psidii in Eucalyptus grandis.” publicado na revista European Journal of Plant Pathology 150.3 em 2018, de autoria de Bini, A. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Real-time PCR-based method for rapid detection of Aspergillus niger and Aspergillus welwitschiae isolated from coffee.” publicado na revista Journal of microbiological methods 148 em 2018, de autoria de Von Hertwig, A. e colaboradores.
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “História e evolução da técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em Cadeia da Polimerase)” publicada em 18/06/2015. (Website).
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “Qual a diferença entre PCR e qPCR?” publicada em 30/04/2015. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “A evolução da PCR” publicada em 05/12/2013. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “Reação em Cadeia da Polimerase – PCR” publicada em 14/06/2020. (Website)
    • Site da Embrapa (Website)

    Sobre os autores

    Rafael Sanchez Luperini é aluno de pós-graduação (mestrado) pelo programa de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) na Universidade de São Paulo (USP), atualmente orientado pelo Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto). Trabalha com espécies do gênero Aspergillus, buscando desvendar as diferenças entre espécies de fungos.

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7815439327487936
    E-mail: rafaluperini@gmail.com
    Instagram: @rafasluperini
    Facebook: https://www.facebook.com/rafaluperini/

    Renato Augusto Corrêa dos Santos é doutorando pelo programa de Genética e Biologia Molecular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), fazendo análises genômicas de fungos patogênicos do gênero Aspergillus, sob orientação do Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto) e com financiado da FAPESP. Seu projeto envolve uma colaboração do com o LGE (UNICAMP) e o Rokas Lab (Vanderbilt University, EUA).

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3339727232509001
    E-mail: renatoacsantos@gmail.com
    Instagram: @renato.correa.182
    Facebook: https://www.facebook.com/renato.correa.182

    Este texto foi escrito com originalmente no Blog Descascando a Ciência

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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