Categoria: Covid-19

  • A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    “Diálogos” de pandemia

    – Vocês não têm coração? Se alguém pega COVID-19 não pode fazer nada, não têm medicamentos e vocês não querem que a gente tente nenhuma possibilidade?!?

    – Vocês acham que as crianças têm que ficar trancadas em casa enquanto todo mundo circula por aí livremente? As escolas fechadas são perdas irreparáveis para as crianças!

    – As escolas devem ser as primeiras a abrir e as últimas a fechar!

    – E como deixar tudo fechado se as pessoas têm que ganhar algum dinheiro? E a comida na mesa?

    – Vocês não se importam com as pessoas, o que podemos fazer?

    Todas as semanas há diálogos que iniciam com estas perguntas, ou comentários em postagens do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp. Isto seja nas redes sociais, seja nos próprios textos, seja em conversas privadas.

    A produção de conteúdo científico na pandemia

    Não é bom ou satisfatório anunciar diariamente que não há tratamento ainda para a COVID-19, nem apontar a necessidade de adiamento do retorno às aulas. Tampouco ler sobre a falta de insumos para as vacinas e o quanto precisamos vacinar mais e mais rápido, em detrimento do que vem acontecendo no país. Dessa forma, não é algo que se faz de forma tranquila, ao contrário do que pode parecer a quem não acompanha diariamente as notícias e elabora os textos, com as equipes de Divulgação Científica.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria, com urgência, diminuir, a partir do fechamento do comércio e serviços, não é por haver satisfação em indicar que pessoas fiquem em casa independente dos seus problemas – que vão desde saúde mental até não termos condições de ganharmos dinheiro para colocar comida à mesa.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria diminuir com urgência, significa termos dados técnicos que o isolamento e distanciamento social é a ferramenta que possibilita que a circulação do SARS-CoV-2 aconteça.

    Assim, em um país cujas autoridades vem postergando e sabotando compras de vacinação e têm estimulado tratamentos inócuos para a COVID-19, informações científicas parecem pouco compreendidas como têm sido alvo de ataques e servem como mote de polarizações sem que o cerne da questão seja pauta.

    Tampouco os debates são imparciais e neutros. Longe disso. 

    Nossa preocupação tem sido apontar quais são os fatores que levam ao aumento do contágio e quais as problemáticas relacionadas a isso. Neste sentido, ler os gráficos de mobilidade urbana, com a retomada de atividades presenciais não essenciais (mesmo que por decreto se mude o status destas atividades), com análise do aumento de casos de internação de UTIs, filas de espera, além de óbitos diários, tudo isso somado à já conhecida falta de testes diagnósticos e vacinação lentíssima (por vezes confusa também), não torna simples divulgar a máxima “fique em casa se for possível”.

    A questão é que uma doença não é o ciclo do patógeno. Isto é, ao vivermos em sociedade – e numa sociedade desigual e populosa como a nossa – a doença é, também, social. Ela encontra em nossa sociedade o espaço perfeito para se proliferar rápido e com muita eficiência. Assim, como bióloga, aprendi a pensar em doenças. Como biologia, talvez pensemos a COVID-19 sempre como uma doença cujo o vírus transmite-se pelo ar, com contatos próximos, em um mundo com quase 8 bilhões de pessoas, em cidades urbanizadas com densidades demográficas altíssimas.

    Só nesta sentença, no entanto, podemos conjecturar o quanto de informação podemos desmembrar e tornar complexa a relação entre o vírus e nossa vida.

    Como assim?

    O SARS-CoV-2 tem a seu favor a própria forma de existir do ser humano: aglomerado em espaços fechados e, simultaneamente, centrado em seus próprios anseios e necessidades.

    A ciência é feita por pessoas que estão dentro da sociedade. Pessoas que foram formadas e constituídas dentro desta sociedade, com suas histórias, conceitos, preconceitos e pressupostos. Não existe “lado de fora”, embora exista questionar o que nos formou e buscar novos pensamentos e tensionamentos em relação ao que nos formou. Assim, há uma certa relação constituidora entre sujeitos e sociedade. Esta sociedade que vivemos não é (nem poderia ser) homogênea. Ela é formada por um conjunto de sujeitos (pessoas) que questionam e modificam a sociedade, ao passo que a sociedade forma e transforma sujeitos.

    Mas o que isto tem a ver com a ciência? Então a ciência é parcial?


    Em função de a ciência fazer parte da sociedade, e cientistas serem sujeitos sociais, não existe estarmos fora do pensamento social de uma época. Tampouco existe a possibilidade de termos pensamentos completamente iguais e homogêneos.

    Também não existe imparcialidade, nem pureza em nada do que é dito, analisado, formulado. Todavia, isso não quer dizer que os vieses de análise são “ruins” ou “bons”. Quer dizer que precisam ser debatidos por uma comunidade científica ampla. Uma das coisas que possibilita que a ciência minimize vieses é exatamente a análise e revisão por pares – e não só nas revistas (como manda o procedimento padrão), mas da própria comunidade científica.

    Sempre há margem para erros, mas é exatamente a possibilidade de assumirmos os erros que faz com que a ciência seja ciência. Ela não se postula dogmática e a única certeza é a de que mudaremos nossos conhecimentos de lugar e tornaremos o que conhecemos hoje ultrapassado em tempos futuros (longínquos ou não). 

    Com COVID-19 não é diferente. O que sabemos HOJE sobre a doença é muito diferente do que sabíamos no início. O mundo inteiro analisa a doença sob diferentes aspectos, estamos todos atentos ao que é publicado e isto, sim, é um grande feito.

    Mas voltemos à ideia de que a doença não se restringe ao ciclo do patógeno!

    Qualquer doença, exatamente por nos acometer, traz efeitos que estão para além dos sintomas da doença em si. 

    Se uma doença nos contagia pelo ar e pela proximidade, parte de como estancarmos sua proliferação é mudarmos nosso comportamento e hábitos. Isso vai desde como convivemos socialmente em aglomerações cotidianas – de ônibus lotados para irmos trabalhar, aos espaços fechados de comércio e serviços que se tornaram cotidianos em nossa vida. No entanto, vocês percebem que estas decisões não são individuais? Que muitas pessoas não possuem condições de não pegar transporte público, nem de não frequentar espaços fechados de comércio e serviços? Guardemos estas informações – elas serão importantes mais para frente no texto…

    Além disso, também temos negociações para mantermos vivas pessoas que não apenas necessitam de serviços específicos, mas de rendas extras, pela impossibilidade de seguirem sem trabalhar neste momento. Aqui, novamente: vocês percebem que estas decisões não são individuais?

    As doenças são, também, sociais

    E é aqui que compreender o ciclo em si da doença não basta (ou quando isto começa a ficar evidente). Cada conhecimento científico incorporado muda nosso modo de ver e pensar a sociedade e nossas relações. E, com isso, tomar decisões individuais da melhor maneira possível.

    Mas socialmente, estas decisões nem sempre estão ao nosso alcance. Isto é: estas decisões não são individuais! É preciso que algumas instâncias, ao terem em posse uma grande quantidade de informações, transformem isso em ações que atinjam a maior quantidade de pessoas quanto for possível. Assim, em geral, estas decisões são técnicas e deveriam buscar análises que envolvessem prejudicar a menor quantidade de pessoas, com ações mais concentradas e coerentes entre si.

    Políticas públicas é o nome disso…

    Na teoria, lendo assim, parece simples. Entretanto, ao termos diferentes modos de pensar e linhas de ação, podemos tomar decisões que entram em um espaço de disputa. Basicamente, estou falando de políticas públicas. Dessa forma, questionamos: elas são (ou deveriam ser) baseadas em dados técnicos: quantas pessoas estão adoecendo? Em que lugares? De que idades?

    Há inúmeras pesquisas que nos possibilitam acessar os dados populacionais. Todavia, junto a isto, temos acumulado dados científicos que nos dão condições de compreender melhor tanto o ciclo da doença, como as necessidades de protocolos e instalações hospitalares. Bem como, temos um montante de dados acerca dos efeitos em nossa sociedade, sobre as vulnerabilidade de populações marginalizadas, insegurança alimentar, comportamentos de risco na pandemia, etc.

    A partir destes dados, analisando-os em conjunto, podemos estabelecer algumas possibilidades de ação em diferentes esferas e contextos. Por exemplo:

    • Em nível individual e de nossa moradia, podemos organizar uma rotina de limpeza, compra de máscaras/respiradores individuais; rotina de compras minimizando saídas desnecessárias;
    • Em níveis familiares, podemos estruturar visitas com protocolos de cuidado, uso de máscaras, ciclos de resguardo para ninguém ficar inseguro com exposições desnecessárias, etc.

    Saindo destas duas esferas, teremos contextos em que não temos mais poder de decisão direta.

    São níveis de governo ou gestão.

    Isto é: empresas que trabalhamos, cidades e estados que residimos, nosso país.

    Perceba que nestas esferas, há menos condições de negociação e estabelecimento de cuidados específicos que nos possibilitam ter mais ou menos segurança. Ou seja, quando falamos de municípios, estados e nação, são estes os níveis em que a análise de dados para geração de protocolos e procedimentos, com buscas de minimizar impactos na saúde humana, vira o que chamamos de políticas públicas de saúde.

    Já temos alguns textos falando sobre coleta de dados, método científico e políticas públicas aqui no Especial Covid-19. Mas vamos apontar algumas que são fundamentais para entendermos onde temos errado e como podemos compreender melhor o funcionamento disto, dentro do enfrentamento da crise atual. Assim, dentro destas análises, seguiremos defendendo que as doenças também são sociais e que a biologia do patógeno não é suficiente para vencermos a crise.

    Além disso, retomando os diálogos (semi) inventados do início deste texto, o quanto é difícil analisar estes dados, percebendo desaceleração de internações (que não é queda…) com pedidos reiterados de abertura de comércio e escolas, quando há tanto o que enfrentar nesta crise.

    Os textos que já abordaram a temática estarão listados abaixo e, conforme formos avançando na discussão, serão atualizados aqui abaixo:

    Dados da Covid: como pesquisadores e imprensa toureiam o Quinto Risco

    Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    A ameaça invisível assombra a economia

    Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    A COVID-19 e a sociedade: uso e cobrança de equipamentos de proteção individuais

    Para Saber Mais

    Souza, LEPFde (2014) SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço Para Saúde, 15(4), 7-21.

    Revisaram este texto e contribuíram com a produção e ideias: Graciele Oliveira, Erica Mariosa, José Felipe Silva, Jaqueline Nichi. Grata por isso. :0)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Genética das populações e sua relação com o desfecho relacionado à COVID-19

    Texto escrito por Marco Antônio Marques Pretti e Ana Arnt

    A evolução da pandemia de COVID-19 trouxe à tona diferenças marcantes na taxa de mortalidade entre os países (WHO, 2020). É de se esperar que países mais populosos tenham um maior número absoluto de casos e de desfechos letais. Contudo, quando comparamos estes dados analisando-os pelo total de habitantes de cada país (o que chamamos de “normalizar” os dados), os países mais populosos não possuem, necessariamente, uma taxa maior de mortalidade associada à COVID-19.

    Existem vários  fatores socioeconômicos e políticos conhecidos relacionados a estas diferenças de mortalidade. Todavia, há fatores genéticos que também poderiam estar envolvidos a isto. E nosso grupo de pesquisa buscou compreender exatamente estes aspectos!

    Sobre fatores genéticos, populações e COVID-19

    Nosso grupo de pesquisa, o Laboratório de Bioinformática e Biologia Computacional (LBBC), utiliza diversas ferramentas de bioinformática para o estudo do câncer e também das moléculas de HLA. Mas, o que vem a ser essas moléculas de HLA?

    As moléculas de HLA são proteínas localizadas na superfície da célula (Figura 1). Elas são responsáveis por apresentar ao sistema imune duas coisas:

    1. porções de proteínas da própria célula, 
    2. Porções de proteínas de patógenos que invadem nosso corpo, como é o caso do vírus causador da COVID-19, o SARS-CoV-2.

    Essas partes (ou porções) de proteínas – de nossas células ou dos vírus – são chamadas de peptídeos. Dessa forma, o sistema imune consegue realizar uma varredura no que está sendo expresso pela célula e identificar células infectadas por patógenos e que precisam ser eliminadas.

    Mas há mais uma informação muito importante sobre estas moléculas!

    Elas são muito diversas entre as populações. Isto é, existem milhares de “tipos” de HLA no mundo. No entanto, quando analisamos as HLAs nas pessoas de um mesmo país ou região, estas moléculas tendem a ser bem parecidas. As HLAs são proteínas e, portanto, definidas geneticamente. Cada indivíduo possui até 6 moléculas diferentes de HLA, definidas por alelos (versões dos genes) diferentes, três de origem materna e três de origem paterna (Figura 1). Estas diferenças entre as HLAs é o que possibilita às HLAs se ligarem a diferentes partes dos vírus. 

    Figura 1. Representação esquemática de uma célula com moléculas de HLA de classe I na superfície de membrana. Cada indivíduo pode possuir até seis versões diferentes (alelos) que produzem proteínas HLAs. Existem centenas de alelos de HLA no mundo. Na Figura 1 estão representadas 6 HLAs por cores diferentes (alelos no centro do núcleo da célula), correspondentes a 6 proteínas HLA na membrana da célula. (Imagem de autoria de Marco Pretti)

    Nosso trabalho utilizou ferramentas de predição (previsão) para identificar porções do vírus da COVID-19 com a capacidade de se ligar a mais de 100 alelos de HLA majoritários em 37 países (PRETTI et al., 2020). Assim, ao considerarmos a frequência das diferentes moléculas de HLA-I entre as populações analisadas, foi possível perceber semelhanças entre países com melhor e pior desfecho frente à COVID-19. O que encontramos foi:

    Alguns dos alelos de HLA estão associados a um efeito protetor enquanto outros não.

    Isso nos deu indícios que a participação das moléculas de HLA é importante na COVID-19!

    Para analisar e prever que partes das proteínas dos vírus – os peptídeos, lembra? – que se ligam às moléculas de HLA usamos ferramentas de bioinformática. Isso é importante no desenvolvimento de algumas vacinas e também no estudo da biologia da doença. Imagine que se fosse possível identificar um conjunto de 5 peptídeos virais apresentados por HLAs de todos os povos teríamos em mãos uma vacina universal! Infelizmente não é tão simples encontrar 5 peptídeos apresentados por diferentes HLAs ao mesmo tempo… Por que isso acontece?

    Sobre a Cobertura Antigênica

    Considere as letras do “LBBC” (a sigla do nosso laboratório). Agora vamos fazer um jogo de suposições. Imagine que 15% dos brasileiros têm no seu sobrenome a letra “L” (Ladeira ou Silva, por exemplo). Em uma segunda etapa, vamos analisar quantos brasileiros têm sobrenome com a letra “L”, mais a quantidade de brasileiros que possuem a letra “B” em seus sobrenomes e essa proporção subirá para 25%. Por fim, adicionando ainda a letra “C”, e chegamos na proporção total de 30%. Logo, podemos dizer que as letras “L”, “B” ou “C” cobrem 30% dos sobrenomes brasileiros (e os sobrenomes podem ter 1, 2 ou 3 dessas letras em diferentes combinações).

    Pois bem, é razoável imaginar que nas populações chinesa, estadunidense ou francesa, possa existir estas 3 letras nos sobrenomes das pessoas. Todavia, a  proporção de pessoas com essas letras em seus sobrenomes não será a mesma que na população brasileira, pois os sobrenomes tendem a ser característicos de um povo.

    Se pensarmos nestas letras como os peptídeos que falávamos antes fica mais fácil de compreender como é muito difícil encontrar 5 letras (ou 5 peptídeos) que contenham 100% dos sobrenomes de todo o mundo. Cada população tende a apresentar uma gama diferente de peptídeos, pois seus HLAs são diferentes entre si. Contudo, uma mesma população apresentará peptídeos (letras) parecidas entre si. Isso se chama cobertura antigênica, o conjunto de peptídeos que um indivíduo ou população é capaz de apresentar pelo HLA.

    O que nossa pesquisa fez?

    O que fizemos, em seguida, foi calcular a cobertura antigênica de cada país, a fim de investigar se existe alguma associação entre essa cobertura antigênica e a mortalidade associada à COVID-19. Pera! Que relação seria essa? Associar cobertura antigênica e mortalidade? Isso mesmo. Uma de nossas hipóteses foi de que populações que mostram mais peptídeos virais ao sistema imune (através da HLA) pudessem estar mais protegidos. Ou seja, se um país tem, em média, uma maior cobertura antigênica a mortalidade poderia ser menor. Contudo, não observamos nenhuma associação da cobertura antigênica do vírus como um todo e dados de mortalidade..

    Apesar disso, não nos desanimamos! Continuamos investigando os dados gerados e conseguimos observar outras associações ainda mais interessantes. Antes disso, é importante dizer que o vírus da COVID-19 não é formado de uma só “peça” ou de uma única proteína. Ele possui algumas proteínas.. Algumas destas são responsáveis por manter a estrutura do vírus, outras por facilitar a invasão de células, dentre outras. Duas delas são particularmente importantes: 1) a proteína Nucleocapsídeo, responsável por revestir e proteger o genoma do vírus; e 2) a tão famosa proteína Spike que forma espículas na superfície do vírus.

    Figura 2. Representação de uma partícula do vírus da COVID-19, o SARS-CoV-2. A proteína Spike está representada em vermelho, na superfície do vírus. Fonte: (THE NEW YORK TIMES, 2020)

    Mas, e depois disso?

    Resolvemos então analisar a cobertura antigênica dos países não mais com o vírus inteiro, mas com cada proteína viral. Assim, observamos que a cobertura antigênica para a proteína viral Nucleocapsídeo possui uma correlação positiva com o número de mortes. Em outras palavras, quanto mais peptídeos virais derivados dessa proteína são apresentados ao sistema imune, maiores as chances de morte (em se tratando de população, nunca individualmente). Por outro lado, a cobertura da proteína viral Spike possui uma correlação negativa com o número de mortes. O que significa… que quanto maior a cobertura antigênica para essa proteína, menores as chances de morte!

    Ufa! Se você chegou até aqui, parabéns! Aprendemos bastante coisa, vamos resumir? O estudo sugere que uma maior cobertura para peptídeos derivados da proteína Spike, ao invés da proteína Nucleocapsídeo, pode ter efeitos benéficos. Ou seja, ter uma maior cobertura antigênica para Spike se vincula a um menor número de mortes associadas à COVID-19.

    Não é possível mudar nossas moléculas de HLA (nem queremos isso!), pois elas são uma herança genética. Por outro lado, poderíamos, um dia, determinar grupos que possuem HLAs de risco e que deveriam ser vacinados primeiro.

    Por fim

    De modo geral, o trabalho associou coberturas antigênicas do SARS-CoV-2 com dados de mortalidade de cada país. Nós observamos correlações entre número de mortes relacionadas à COVID-19 e coberturas antigênicas para proteínas do vírus até então não descritas no nível populacional. Além disso, selecionamos diversos peptídeos derivados de porções virais associadas a uma resposta predita como protetora para a COVID-19 e potencialmente apresentados por HLAs com maior frequência na população mundial.

    Em suma, onde esta pesquisa pode nos levar? A compreensão destas relações entre peptídeos e coberturas antigênicas nos possibilitam perceber melhor detalhes moleculares da doença, tanto sobre gravidade da doença e possibilidades de proteção. Estes resultados também podem nos trazer condições para o  desenvolvimento de vacinas de peptídeos seguras, mais eficientes e que abrangem uma maior parcela da população mundial!

    Referências

    PRETTI, MAM et al (2020) Class I HLA Allele Predicted Restricted Antigenic Coverages for Spike and Nucleocapsid Proteins Are Associated With Deaths Related to COVID-19. Frontiers in immunology, v11, p565730. 

    THE NEW YORK TIMES (2021) Bad News Wrapped in Protein: Inside the Coronavirus Genome – The New York Times.

    WHO, COVID-19 situation reports.

    O Autor

    Marco é graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer e aluno de doutorado pelo mesmo Instituto. Além da oncologia, possui interesse em imunologia, bioinformática e ciências da vida. Durante o confinamento teve que substituir a prática de voleibol por atividades físicas indoor.

    Ana Arnt, Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Este texto foi escrito para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Diários de pandemia, sobre as parcerias do caminho

    O Blogs de Ciência da Unicamp está em parceria com o Consulado Geral da França em São Paulo, a Unesco Brasil e o Nexo Jornal. 

    Desde meados de fevereiro deste ano, temos pensado em ações de divulgação científica juntos. O marco do início desta parceria é o ciclo de palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses. Dessa forma, neste ciclo, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento vão apresentar dados e debates fundamentais para pensarmos a pandemia da COVID-19 em muitos aspectos nos dois países que sediam as instâncias desta parceria. 

    Dia 08 de abril aconteceu a terceira palestra. Maurílio Bonora Junior, nosso blogueiro na área de imunologia e vacinas, era a grande figura da tarde.

    Durante o dia anterior, 7 de abril, e a manhã do dia 8, tivemos acesso às notícias (como fazemos habitualmente para nos manter a par dos acontecimentos diários sobre a pandemia). Assim, neste momento de leitura, eu achei que era preciso trazer alguns apontamentos importantes na abertura da palestra, relacionadas ao tema. Daquela apresentação, percebi que também saíram elementos deste desabafo-diário-dados que eu trago aqui, com as devidas atualizações de datas e dados.

    Quem eu sou?

    Hoje eu resolvi me apresentar e falar um pouco dos bastidores desta ação como um diário em que eu anoto o que vou observando, enquanto trabalho, pesquiso e vivencio estes tempos e quarentena na divulgação científica. Eu sou Ana Arnt. Sou bióloga, professora e pesquisadora da Unicamp na área de Educação em Ciências e Divulgação Científica. Atualmente coordeno o projeto Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19 deste veículo de divulgação.

    O Especial Covid-19

    Toda a equipe técnica, científica e administrativa da coordenação do Blogs de Ciência da Unicamp têm trabalhado nos últimos 390 dias intensivamente com conteúdos sobre a COVID-19 em todas as áreas de conhecimento.

    Somos mais de 90 autores publicando sobre o tema, com suporte e revisão de conteúdos, pensando, lendo, estudando e produzindo conhecimento para um público externo à academia.

    Nosso intuito é democratizar o conhecimento acadêmico, técnico e científico produzido no Brasil e no mundo. Ao escrevermos textos de divulgação científica, temos outras etapas de nossa rotina que incluem idealizarmos estes textos escritos em estruturas como cards, memes, desenhos, vídeos, que irão se multiplicar em nossas redes sociais. Além disso, vocês também podem ver alguns de nossos trabalhos em lives, entrevistas e eventos sobre o tema.

    Neste último ano, reforçamos uma de nossas premissas mais fortes e que temos buscado trabalhar desde o início do projeto: a produção coletiva de conteúdo. Nossos esforços, como equipe administrativa, é trabalhar a partir de expertises de cada indivíduo do grupo, mas de maneira articulada e com respaldo coletivo. A COVID-19 acentuou isto ainda mais.

    Transformamos o que era idealização, em prática cotidiana.

    Além disso, esta premissa de que o trabalho coletivo vale a pena nos trouxe novas perspectivas. Inicialmente, a visão de que não estamos competindo por espaço, frente ao trabalho de outros colegas deste campo de atuação. Dessa forma, observávamos outros grupos e percebíamos que existem possibilidades de crescermos juntos – dentro de um espaço democrático de decisões e que se constróem respeitando os modos de ação de colegas. Assim, nesta direção, aprofundamos laços com outros grupos de Divulgação Científica, que também pensam a partir da importância de colaborações e ações conjuntas, parcerias, para todos enfrentarmos juntos as problemáticas atuais. Isto é, compreendemos que o acesso ao conhecimento científico é um direito humano e parte dos deveres da ciência e dos cientistas.

    As vacinas e a divulgação científica

    Nos últimos meses, como não poderia deixar de ser, nossos esforços voltaram-se para divulgar sobre as vacinas, as novidades, o sistema imune, as relações de produção, estratégias de vacinação, fundamentos de saúde pública, história, combate à desinformação, etc. 

    Nos juntamos em Janeiro de 2021 ao movimento Todos Pelas Vacinas, que têm produzido campanhas e organizado conteúdos para divulgar mais e mais informações seguras e científicas sobre as vacinas, além de juntarmos esforços para que a vacina chegue a todos – como é tradição brasileira.

    As vacinas no Brasil e na França

    Na França, a notícia que nos chegou foi de ações de lockdown por 3 semanas (a partir do dia 3 de abril) para frear o avanço da doença. Até o dia 07 de Abril, o país vacinou 10 milhões de pessoas, o que significa 14% de sua população.

    Enquanto que no Brasil, há um ano nós esperamos ações que nos possibilitem frear o que já vem sendo diariamente avassalador para todos e todas nós. Esperamos também ações no que sempre fomos referência: fazer a vacina chegar a todos os cidadãos brasileiros. Todavia, tínhamos, até o dia 07 de abril, 2,5% de nossa população com as 2 doses de vacinas, o que representa menos de 6 milhões de brasileiros.

    No dia 07 de abril, recebemos a notícia de que interromperíamos a produção de vacinas com extrema preocupação, pois já estamos fazendo esta ação de modo extremamente lento. Às notícias somam-se a falta de adesão à segunda dose da vacina, o que agrava ainda mais a situação. Simultaneamente a isso, a falta de incentivo para lockdown, o que inclui a condição financeira para as pessoas permanecerem em suas casas.

    No dia seguinte, 8 de abril, foi reforçada a notícia de que apesar da suspensão da produção, haveria entrega das IFAs que manteriam a quantidade de vacinas produzidas e entregues, conforme acordado entre Instituto Butantan e o Ministério da Saúde. Todavia, também foi noticiada a possibilidade de compra de vacinas pelo setor empresarial brasileiro, com anuência do Governo Federal.

    [pausa para notícias de duas cidades]

    A cidade Araraquara apresentou dados efetivos com seu lockdown, sendo a única cidade brasileira sem óbitos por covid-19 por dias consecutivos, no pior cenário brasileiro desde o início da pandemia. Além disso, ⅓ das internações hospitalares são de cidades vizinhas, que possuem estrutura hospitalar e não têm feito lockdown. Isto é, Araraquara não apenas não têm apresentado mortes, como têm abarcado a necessidade de internação de cidades próximas.

    Além desta notícia, nós também temos as informações sobre a cidade de Serrana, em São Paulo, município escolhido para mostrar que a vacinação é a nossa ferramenta mais efetiva contra o coronavírus. Serrana, com 90% da população adulta vacinada, zerou casos de intubação com a vacinação.

    [fim da pausa das notícias de duas cidades]

    E agora?

    Estas duas cidades nos apresentam caminhos importantes para a contenção da doença, parte do que temos batalhado para informar e produzir de conteúdos que gerassem ações efetivas de políticas públicas. Ações estas que salvam vidas, que se baseiam em dados técnicos e geram resultados positivos.

    Ao contrário disto, temos acompanhado pesarosos, “retornos” a fases em que a maior circulação é permitida – sem indícios científicos de que temos controlado a doença. As UTIs seguem lotadas e há filas de espera. A vacinação segue a passos lentos, sem que prioridades sejam estabelecidas a partir de critérios científicos rigorosos. Por fim, há falta de normatizações que nos possibilitem agir com maior precisão.

    Seguimos não defendendo a abertura de escolas neste momento. Também seguimos não defendendo a abertura de bares e comércio não essencial. Seguimos, ainda, defendendo a vacinação em massa, prioritária, de grupos que estão em risco – especialmente, após o grupo de idosos, os trabalhadores de serviços essenciais que estão em contato direto com o público, como transporte e alimentação (supermercados e lojas de conveniência), por exemplo.

    Em suma, não estamos em um cenário de “queda de óbitos”, se estamos falando em um cenário de mais de 3 mil brasileiros, todos os dias. São 3 mil pessoas, cidadãos, amores de alguém, com nome, sobrenome, laços afetivos: vidas. Não existe sacrifício de vida que justifique a defesa da economia, que não existe sem vidas humanas.

    Por fim

    É com este panorama, em 390 dias de trabalho desde o lançamento do Especial Covid-19, que o primeiro texto vinculado às palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses se produz. Com preocupação, mas ainda aqui, presente. Ao lado daqueles que seguem percebendo que o acesso à informação científica é fundamental a uma sociedade democrática e saudável.

    Para aprofundar estas questões que descrevi a vocês hoje aponto os links relacionados às ações desta parceria com o Consulado Geral da França de São Paulo, com a Unesco Brasil e o Nexo Jornal.

    A palestra do dia 08 de Abril, As Vacinas Contra a Covid-19. A palestra foi proferida por Maurílio Bonora Junior. Ele é nosso principal pesquisador e divulgador científico no campo da imunologia e vacinas. As publicações são para o Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e, que também Todos Pelas Vacinas. Além disso, convidamos como mediadora desta fala a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociências pela UFRGS, divulgadora científica na Rede Análise COVID-19, equipe Halo da ONU, Grupo InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina, e nossa parceira, colega e amiga, no Blogs de Ciência da Unicamp.

    Além disso, Maurílio foi entrevistado pelo Nexo Jornal, ‘No ritmo atual, vacinaremos o último brasileiro em 2024’

    Próximas etapas

    Há dois textos atrasados, neste diário, fruto desta parceria. Quem não está atrasado nas escritas, atualmente, está vivendo errado – eu digo constantemente a quem me pede desculpas pelos atrasos… Vou me permitir usar esta fala para mim, desta vez.

    A próxima palestra do ciclo será em francês, La rhétorique de la Grande Guerre dans la crise française du Covid-19, com a pesquisadora Stéphane Audoin-Rouzeau (EHESS), dia 27 de Abril, às 14:30.

    A programação completa vocês podem encontrar aqui.

    Para Saber Mais

    Alegretti, Laís (2021) Araraquara X Bauru: dois retratos do Brasil com e sem lockdown contra a covid-19

    EPTV (2021) Araraquara faz testagem de Covid por amostragem em funcionários de vários setores econômicos

    Estadão Saúde (2021) Serrana está há 13 dias sem intubar; vacinação em massa contra o coronavírus termina hoje

    G1 (2021) Araraquara tem terceiro dia sem mortes por Covid-19 nesta semana

    G1 (2021) França entra em 3° lockdown nacional para frear alta de casos de Covid

    Jornal Zero Hora (2021) Para ministro da Saúde, compra de vacinas por empresas pode “beneficiar mais brasileiros”

    Revista Veja (2021) Butantan suspende envase da vacina CoronaVac após atraso de insumos

    Valor Econômico (2021) Fiocruz e Butantan prometem IFA nacional este ano, mas especialistas falam em 2022

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Dilema do Prisioneiro e o Lockdown

    Dilema do Prisioneiro é um famoso experimento mental da teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde os participantes escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno), que apesar de variações nos valores, pode ser exemplificado como:

    Duas pessoas são presas (A e B) por um crime e mantidas em celas separadas.

    Então apresentam a ambas a mesma proposta:

    • se você confessar e seu parceiro ficar em silêncio, você estará livre e seu parceiro cumprirá 10 anos de prisão;
    • se você ficar em silêncio e seu parceiro confessar, você cumprirá 10 anos de prisão e ele estará livre;
    • se você e seu parceiro confessarem, ambos cumprirão 5 anos de prisão;
    • se nenhum dos dois confessar, ambos cumprirão 1 ano de prisão.
    Prisioneiro “B” se mantêm em silêncioPrisioneiro “B” confessa
    Prisioneiro “A” se mantêm em silêncioAmbos cumprirão 1 ano“A” cumprirá 10 anos enquanto “B” sai livre
    Prisioneiro “A” confessa“A” sai livre enquanto “B” cumprirá 10 anosAmbos cumprirão 5 anos

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada prisioneiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (manter o silêncio) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim a liberdade sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a confessarem, fazendo com que sofram uma penalidade bem maior do que manter o silêncio.

    Ok, mas o que isso tem a ver com o Lockdown?

    De fato, vamos trocar no dilema os protagonistas de prisioneiros para cabelelereiros.

    Em uma pequena comunidade bem isolada de qualquer outra, o único serviço presencial que atende aquela população é o de cabeleleiro, e lá existem dois cabeleleiros (X e Y) que atendem a toda a demanda dessa população. Mas com a pandemia e o surgimento dos casos de COVID-19 nessa região, decretaram o fechamento de seus estabelecimentos até que houvesse uma grande redução nos casos.

    Porém as contas não param de surgir e ambos os cabeleleiros precisam lidar com essa situação:

    • se eu obedeço a restrição enquanto meu concorrente atende escondido, eu começarei a acumular dívidas, mas ele vai faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra ele), e também o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se eu atender escondido enquanto meu concorrente obedece a restrição, ele começará a acumular dívidas, mas eu vou faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra mim), e também o número de casos não vai diminuir, entao a restrição continuaria;
    • se ambos atendemos escondidos, manteremos o mesmo faturamento de antes, não teremos dívidas, mas o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se ambos cumprimos as restrições, ambos acumularemos dívidas, mas o número de casos diminuiria, então a restrição terminaria.
     Cabeleleiro Y obedece a restriçãoCabeleleiro Y continua atendendo
    Cabeleleiro X obedece a restriçãoAmbos tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 reduzemY tem lucro, X tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuam
    Cabeleleiro X continua atendendoX tem lucro, Y tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuamAmbos mantêm seus faturamentos, mas os casos de COVID-19 continuam

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada cabelereiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar (senão não seria um atendimento escondido), e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (ter prejuízo/acumular dívidas) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim seu lucro (ou mantendo seu faturamento) sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a atenderem escondidos, fazendo com que seus faturamentos se mantenham mas que o número de casos de COVID-19 continuem.

    Percebeu agora a relação desse dilema com o Lockdown?

    Nesse contexto simplificado, temos dois estabelecimentos apenas (dois prisioneiros), enquanto que nos contextos mais próximos da realidade temos incontáveis estabelecimentos (incontáveis prisioneiros), sendo tentados com a oferta de agirem de forma egoísta (confessarem) sem se importar com as consequências que isso resultará aos outros (tanto seus parceiros, quanto o fato do número de casos de COVID-19 continuarem).

    A solução para o Dilema do Prisioneiro, é o pensamento colaborativo, de entender que se cada um buscar apenas o melhor apenas para si, chegarão a um resultado pior do que se buscarem uma solução melhor para o coletivo. Deixo ao leitor, a tarefa de encontrar a solução para o Dilema do Cabelereiro.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Preprints: o que são e como fazer sua divulgação científica

    Em janeiro do ano passado, um grupo de pesquisadores da Escola de Ciências Biológicas Kusuma, na Índia, publicou um manuscrito em que apontava uma “misteriosa semelhança” entre o novo Coronavírus e o (Vírus da Imunodeficiência Humana, em inglês, Human Immunodeficiency Virus) HIV, vírus causador da Aids.

    No texto, os autores especulavam que essa coincidência dificilmente teria ocorrido ao acaso, abrindo espaço para teorias conspiratórias que afirmavam que partes do código genético do vírus foram inseridas intencionalmente.  

    O manuscrito continha falhas metodológicas grosseiras e, após receber críticas generalizadas da comunidade científica, foi retirado do repositório onde havia sido publicado, o bioRxiv. Mas o estrago já havia sido feito, e perfis nas redes sociais, veículos de imprensa e até um Nobel de medicina divulgaram amplamente que o coronavírus havia sido criado em laboratório por cientistas chineses. 

    Como um estudo com tão pouca qualidade conseguiu ser publicado? Isso aconteceu porque se tratava de um preprint, um relato de pesquisa que não passou pela avaliação dos pares e que é compartilhado em um servidor público antes de ir para um periódico científico. O principal objetivo dos preprints é acelerar o processo de comunicação das pesquisas entre os especialistas, uma vez que a divulgação em revistas acadêmicas pode demorar meses ou até mesmo anos, o que faz deles uma boa opção para as áreas que costumam ter urgência na publicação de seus resultados, como é o caso da saúde. 

    Desvantagens dos preprints

    Por ser um trabalho que ainda não passou pela avaliação por pares, os preprints também apresentam desvantagens, como a possibilidade de publicação de pesquisas com erros metodológicos, pouco confiáveis ou até mesmo fraudulentas. Embora os repositórios (atualmente existem mais de 60) possuam seus sistemas de triagem, estes ocorrem de forma superficial e são concluídos em poucos dias. Em geral, as avaliações buscam detectar apenas se há plágio, conteúdo ofensivo ou não científico e risco à saúde da população, sem verificar os métodos, conclusões ou qualidade do artigo. 

    A principal forma de controle de qualidade desses trabalhos ocorre por meio do feedback dos leitores – que são, na maior parte das vezes, cientistas – como um mecanismo de autocorreção. No entanto, ainda existem poucos estudos que indiquem a frequência com que esses preprints são examinados ou como os autores lidam com as críticas recebidas. O que se sabe é que os principais servidores ou não moderam a seção de comentários ou controlam apenas aqueles que são ofensivos e não pertinentes, além de ser um recurso pouco utilizado, com apenas 10% de todos os preprints recebendo algum tipo de comentário.  

    Por todos esses fatores, é preciso ter cautela ao fazer a divulgação científica de um preprint, para não correr o risco de dar como fato estabelecido um conhecimento que ainda está em construção ou uma conclusão enganosa. 

    Abaixo, apresento cinco dicas de cuidados que podem ser tomados ao escrever uma reportagem sobre esses estudos. Embora essas dicas tenham sido pensadas com o intuito de auxiliar jornalistas em suas matérias, elas podem ser aplicadas por qualquer divulgador científico e são interessantes mesmo para o caso de pesquisas que já passaram pela avaliação dos pares.

    1) Seja claro 

    Informe aos seu públicos-alvo que o estudo que está sendo divulgado é um preprint, que os resultados ainda são preliminares e podem ser contestados no futuro. Se possível, explique como ocorre o processo científico e a avaliação por pares e lembre-se que o sensacionalismo pode criar falsas expectativas em seu público, especialmente no caso de tratamento para doenças graves como a Covid. Tome cuidado para não apresentar como cura algo que é apenas o primeiro de vários passos ou, pior, algo que não é eficaz. 

    2) Verifique a reputação dos autores

    Qual é a formação desses cientistas? Eles são especialistas no assunto sobre o qual estão escrevendo? Em qual instituição eles trabalham? Há algum conflito de interesses que possa trazer desconfiança para os resultados? Eles já estiveram envolvidos em alguma polêmica ética, como acusações de fraude ou plágio? Já publicaram trabalhos em periódicos renomados? 

    Tenha em mente que dentro de uma área mais ampla existem várias subcategorias e que um biólogo não vai necessariamente entender de microbiologia, da mesma forma que um microbiologista nem sempre será especialista em virologia. 

    Se o pesquisador for brasileiro, é possível encontrar o currículo dele na plataforma Lattes, disponibilizada pelo CNPq. Se for um autor estrangeiro, esses dados podem ser procurados em locais como o ResearchGate, o ORCID ou o perfil deles no Google Scholar. 

    3) Busque a avaliação de especialistas independentes 

    É muito comum que os veículos de mídia entrevistem apenas os autores do estudo em suas reportagens. Embora essa consulta seja importante para entender como foi feita a pesquisa, é preciso ter em mente que existe um conflito de interesses e que nenhum cientista irá apresentar as limitações do próprio estudo ou confessar que errou nas conclusões. 

    Procure especialistas (idealmente, mais de um) na área do preprint e peça a opinião dele sobre o estudo. Pergunte sobre as metodologias, conclusões e cálculos estatísticos e verifique se é algo que realmente vale a pena publicar ou se é melhor esperar a publicação oficial em um periódico. 

    4) Desconfie de tudo   

    As conclusões da pesquisa se opõem ao atual conhecimento sobre o assunto, são muito sensacionalistas ou abrem espaço para teorias da conspiração? Nem sempre um jornalista sem formação em ciência será capaz de identificar falhas na metodologia – por isso a importância do tópico anterior –, mas tenha cautela com cientistas e pesquisas que afirmem ter respostas para tudo. 

    Dê preferência a fontes honestas, que reconheçam as próprias limitações e não tenham medo de dizer quando não sabem de alguma coisa. A ciência é construída por meio do trabalho coletivo de indivíduos, grupos e instituições ao redor do mundo, então olhe para o volume de opiniões e não para o que apenas uma pessoa diz. 

    5) Se errar, corrija! 

    Você divulgou um preprint muito interessante, mas que foi retratado algum tempo depois. O que fazer agora? Seguir o exemplo da comunicação entre pares e publicar uma errata que tenha o mesmo destaque da publicação original. Ninguém gosta de admitir que errou, mas estudos apontam que o público tende a ser mais benevolente e a avaliar a integridade de autores que cometem erros de forma mais positiva quando eles corrigem a informação.  

    Isso se torna ainda mais importante na atual epidemia de fake news e desinformações, em que grupos tentam deliberadamente confundir e manipular pessoas por meio de informações desonestas, como ocorreu no caso que abre este texto. Embora os autores daquele preprint pareçam ter cometido um erro honesto, ele foi amplamente utilizado por teóricos da conspiração para influenciar um comportamento xenófobo e ainda hoje, mais de um ano depois, existem pessoas que acreditam que o coronavírus foi criado em laboratório. 

    Nesse contexto, dar à correção a mesma visibilidade concedida ao preprint torna mais fácil o processo de verificação. Mas, tome cuidado para não reforçar a informação errônea quando for refutá-la, efeito conhecido como “tiro pela culatra”. 

    Aqui, você pode ler um texto bastante interessante do Roberto Takata sobre como evitar cair nessa armadilha.

    Referências

    BARATA, Germana. Pandemia acelera produção e acesso a preprints. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/pandemia-acelera-producao-e-acesso-a-preprints/ 

    FORSTER, Victoria. No, the coronavirus was not genetically engineered to put pieces of HIV in It. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/victoriaforster/2020/02/02/no-coronavirus-was-not-bioengineered-to-put-pieces-of-hiv-in-it/?sh=e8d59a356cbc 

    MAKRI, Anita. What do journalists say about covering Science during COVID-19 pandemic? Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41591-020-01207-3  

    MARIOSA, Erica. Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/mindflow/?p=634 

    MARQUES, Fabrício. Correção veloz de erros: Produção científica sobre o novo coronavírus tem trabalhos cancelados por equívocos e falhas metodológicas, na maioria cometidos de boa-fé. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/correcao-veloz-de-erros/ 

    ORDWAY, Denise-Marie. Covering biomedical research preprints amid the coronavirus: 6 things to know. Disponível em: https://journalistsresource.org/health/medical-research-preprints-coronavirus/ 

    SANT’ANA, Fabiano. Entenda o que são e como funcionam os preprints. Disponível em: https://galoa.com.br/blog/entenda-o-que-sao-e-como-funcionam-os-preprints 

    SPINAK, Ernesto. Acelerando a comunicação científica via preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/10/04/acelerando-a-comunicacao-cientifica-via-preprints/#.YGtkvOhKhPY 

    TAKATA, Roberto. Errei. E agora? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/blog/errei-e-agora/ 

    TIJDINK, Joeri; MALICKI, Mario; GOPALAKRISHNA, Gowri; BOUTER, Lex. Preprints são um problema? Cinco formas de melhorar a qualidade e credibilidade dos preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2020/10/15/preprints-sao-um-problema-cinco-formas-de-melhorar-a-qualidade-e-credibilidade-dos-preprints/#.YGtj2uhKhPZ 

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    “Em um período preocupante também em relação às mudanças ambientais, a COVID-19 traz lições importantes para os governantes em nível local”

    O Brasil comprovou a força dos governos locais no combate à pandemia. É em nível local que os investimentos em projetos e programas estão sendo executados para recuperar a saúde e a economia das cidades. Isso traz indícios de soluções para uma outra crise, também de nível global, e que requer um esforço de igual amplitude: as mudanças climáticas.

    Em 2021 teremos a Cúpula do Clima da ONU (COP-26) em Glasgow, na Escócia, a COP da Biodiversidade na China (COP-15) e o Fórum Mundial da Bioeconomia, no Brasil. Todos esses eventos reforçam a emergência do envolvimento do poder local na tomada de decisão em medidas de adaptação e mitigação de impactos climáticos.

    Mas o que é possível adotar para garantir uma recuperação verde pós-COVID-19 agora mesmo,  pelo menos em nível local? O World Resources Institute (WRI) lançou no mês passado o relatório “Seizing the Urban Opportunity” sobre oportunidades que as cidades concentram, especialmente nas economias emergentes, já que são as que enfrentam desafios particularmente complexos agravados pela pandemia. Os seis países estudados – Brasil, México, Índia, China, Indonésia e África do Sul – representam 42% da população urbana mundial, produzem quase um terço do PIB global e 41% das emissões de CO²; a maior parte pelo uso de combustíveis fósseis.

    As seis cidades pesquisadas no relatório Seizing the Urban Opportunity e seus principais desafios urbanos. Fonte: WRI – World Resources Institute

    O coronavírus expôs nossas economias e comunidades a uma ampla gama de desafios, com particular impacto nas cidades e nas populações mais pobres. O desemprego disparou e a expectativa é de que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema devido à pandemia. Os pobres urbanos vivem em condições de superlotação, sem acesso a serviços públicos de qualidade, segurança social ou transporte. Ao mesmo tempo, as cidades continuam sofrendo com ondas de calor, inundações e deslizamentos de terra à medida que os riscos climáticos aumentam de forma exponencial.

    A partir desse cenário, o estudo centrou-se em três desafios para os governos locais: recuperação pós-pandemia, desenvolvimento de longo prazo e mudanças climáticas. 

    O triplo desafio das cidades no pós-COVID-19. Fonte: WRI – World Resources Institute

    As cidades são espaços vitais para resolver esse triplo desafio, mas precisam de liderança nacional e apoio para colocar em prática seu potencial de ação local. Mais da metade da população global (56%) vive em cidades, o que corresponde a 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, a urbe é o motor econômico dos países, produzindo 80% do PIB global, gerando oportunidades de emprego, além de serem catalizadoras de cultura e inovação.

    Até 2030, trilhões de dólares serão investidos em infraestrutura urbana, em particular, nos setores de energia, transporte, construção civil, resíduos e materiais, que precisam ser direcionados a soluções carbono zero e socialmente inclusivas – o que é tecnicamente viável – para alcançarmos as NDCs do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5°C.

    Metade da possível redução de emissões urbanas encontra-se em cidades de pequeno e médio porte, que muitas vezes carecem de recursos financeiros e técnicos das cidades maiores e, portanto, precisam de apoio do governo nacional. No Brasil e na Índia, 42% do potencial cumulativo vêm de cidades com menos de 300 mil habitantes. Além disso, os governos nacionais controlam os domínios políticos que controlam os mecanismos regulatórios e de financiamento, acelerando o processo de descarbonização das cidades.

    Assim, as escolhas dos governos locais durante a pandemia podem colocar seus países no caminho para um futuro mais próspero e resiliente ou acelerar a emergência climática. Investir em cidades compactas, conectadas e verdes podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. À medida que os governos nacionais aumentem seus compromissos climáticos rumo à COP-26, as cidades devem estar no foco de seus planos de desenvolvimento socioeconômico.

    Ações de curto prazo no nível municipal

    Há diversos caminhos quando pensamos em nível municipal, no entanto, dado o atual cenário socioeconômico, a solução precisa vir acompanhada de empregos, saúde e bem-estar. Algumas possibilidades viáveis e eficazes e que não necessitam de vultosos investimentos em infraestrutura incluem:

    Mobilidade ativa, como andar de bicicleta e caminhar. A construção de ciclovias e áreas mais amigáveis para os pedestres podem contribuir para gerar fluxo e crescimento econômico local. A redução de congestionamento reduz a poluição do ar e sonora e motiva a retomada das cidades, que as tornam mais atraentes para se viver e trabalhar.

    Eficiência energética, para reduzir o uso de energia fóssil. A formulação de políticas públicas pode contemplar uma matriz de energia limpa para reduzir custos e melhorar a competitividade da indústria, com significativa redução dos índices de poluição. 

    Serviços ecossistêmicos urbanos. Isso inclui os parques e a qualidade ambiental que estimulam o lazer e o convívio social em áreas coletivas verdes. Essa natureza urbana engloba “serviços” como conforto térmico, absorção de dióxido de carbono, arborização para minimizar as ilhas de calor, e proteção de recursos hídricos.

    Referência:

    WRI, 2021. Seizing the Urban Opportunity: How can national governments recover from COVID-19, tackle the climate crisis and secure shared prosperity through cities? Disponível em: https://urbantransitions.global/urban-opportunity/seizing-the-urban-opportunity/

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • E quando?

    21 de março de 2020

    Lançávamos o Especial COVID-19. Lá estavam alguns textos que buscavam compreender o que era o vírus e defendendo a noção de ficar em casa como grande salvadora de nossas vidas.

    Tínhamos uma nesga de esperança que seriam poucos dias ou meses trancafiados. Um ano depois e seguimos batendo recordes.

    Não sei vocês, mas nós seguidamente pensamos… “e se”. E nossos pensamentos se esvaem novamente, como tentativa de fugir disto.

    “E se” é um tempo da crueldade. Pois nos insere em possibilidades alternativas irreais que entristecem e nos assolam. Todavia, não parece que qualquer realidade alternativa distópica seja plausível de ser inserida em um contexto pior do que o que estamos vivendo neste exato momento.

    Nos últimos dias, buscamos pensar no “e quando?”.

    E quando escutarem a ciência?

    Assim, interrogamos, o que mudará quando dentro das lógicas das políticas públicas, ao invés de buscarem milagres, tivermos análises de dados que apontam para possibilidades? Possibilidades que, sim, têm margem de erro – mas têm acurácia, verificação, revisão para alinhar mais e mais ações que salvam vidas.

    Não o quê. Quando isto ocorrerá? E quantas vidas salvaremos diariamente a partir do momento em que pararmos? Além disso, até quando, na política pública brasileira – em todas as esferas – negaremos assistência imediata a pessoas que precisam? Bem como, quando investiremos em práticas que desde o início desta crise sanitária têm sido funcionais?

    Quais? Isolamento social, uso correto de EPIs, campanhas em massa para atingir a todos e políticas públicas. E quando faremos isso para garantir a efetividade das ações e contenção da doença?

    Quantas vidas, quantas famílias, podem ser salvas com distribuição no Sistema Único de Saúde, de máscaras PFF2? Falo desta máscara pois ela tem como garantir certificação do InMetro. Assim, teríamos efetividade de segurança, ao invés do que ocorre com a distribuição de máscaras de pano, sem qualquer cuidado técnico de produção, para trabalhadores. Quando levaremos a sério e faremos disto lei e política pública?

    E quando a política adotará medidas que garantam a saúde do trabalhador, ao invés de jogá-lo nas ruas “para colocar comida em casa”?

    E quando as políticas públicas olhará dados epidemiológicos de mobilidade urbana, mobilidade de internações, tendências para estipular metas precisas, para além de “pedir” que pessoas fiquem em casa se possível?

    E quando as políticas públicas pararão de culpabilizar variantes pelas mortes, enquanto restringem horários de circulação na madrugada, mas os ônibus e metrôs seguem cheios?

    E quando perceberão que podemos abrir quantas vagas de UTIs quisermos, isso não acontecerá na velocidade em que a COVID-19 se espalha e não teremos leitos suficientes?

    E quando tomarão a decisão de colocar na ponta do lápis, ou na célula da planilha que pacientes em UTIs custam mais caro – e custam vidas – enquanto investir em auxílio emergencial, máscaras, vacinas e isolamento é mais barato e NÃO LEVA PESSOAS À ÓBITO?

    E quando vão parar de culpabilizar cada um de nós por termos que nos expor a um vírus que socialmente está nos esfacelando, enquanto permanecemos sem ministro da saúde?

    Por fim

    Em respeito a todos os que se despediram de nós neste 1 ano, nós gostaríamos de saber não mais “e se tivéssemos feito”, estamos agora lutando e COBRANDO pelo “e quando começarão a fazer?”

    E quando?

    21 de Março de 2021.

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    A arte de capa é de @clorofreela

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos?

    Talvez vocês se perguntem sobre o processo de fazer divulgação científica em canais virtuais. Bem como lidamos com a desinformação, os artigos publicados, preprints… Talvez ainda como avaliamos se nós deveríamos postar tudo o que nos chega assim naquele último minuto?

    A primeira questão é que não: nós não saímos publicando tudo o que vemos pela frente!

    Em geral, o trabalho de divulgação envolve várias etapas que são importantes. Ao ler um capítulo do livro “Pedagogia Profana” para nosso encontro do Grupo de Pesquisa, achei que era importante falarmos sobre isso…

    “A verdade é a verdade”.

    Esse é o trecho de abertura, analisado no capítulo “Agamenon e seu porqueiro”, por Jorge Larrosa. Em um primeiro momento, o porqueiro pode parecer um típico negacionista. Todavia, conforme vamos percorrendo a leitura deste capítulo, vemos que Larrosa aponta sobre a impossibilidade de sabermos quem é que afirma o que é “a verdade”. Além disso, o porqueiro impõe exatamente esta questão – eu não preciso aceitar a verdade, caso não saiba de onde ela vem.

    Como assim?

    O porqueiro de Agamenon é alguém que não toma a verdade como algo desconectado de quem está falando. Ele também não se desconecta da racionalidade vinculada à “verdade” – para tanto, quer saber de onde ela vem e onde se ampara…

    A partir daí, inicia-se um debate sobre o que é ou não real. Isso em função das narrativas criadas em diversas instâncias (educacionais, mídia de massa, governamentais, etc.). É interessante que este texto é escrito em 1998 e provoca desconforto ao trazer a problemática da “existência” da realidade.

    E o que isto tem a ver com o ritmo de postagens da Divulgação Científica? Ou com como postamos e que tipo de conteúdo em tempos de pandemia?

    Bom, dentro do trabalho da divulgação científica, temos várias análises acontecendo simultaneamente. E temos algumas etapas possíveis para realizarmos nosso trabalho no dia a dia. Hoje eu resolvi trazer um pouco sobre 4 etapas. Vamos a elas?

    1º nossa área de formação propriamente dita!

    Esta nos dá condições de não apenas fazer um fio sobre um artigo qualquer. Assim como cards explicativos no instagram, ou textões no facebook, vídeos no youtube, etc.

    Ela nos dá, antes disso, condições para termos CONHECIMENTO TÉCNICO E CIENTÍFICO para entendermos um artigo, pois temos uma bagagem de conhecimento prévio. Isto é: conhecemos os jargões, os símbolos a linguagem específica, etc.

    Isto quer dizer que quem não tem formação científica – ou não é cientista não pode trabalhar com Divulgação Científica? Não! Não é este o ponto. Portanto, a questão é: precisa, sim adentrar no mundo da linguagem científica. É fundamental aprender os jargões das áreas, compreender as etapas de método científico. Assim como, reconhecer os modos de fazer ciência – e compreender que existem diferenças significativas entre áreas bem próximas. E uma área de formação técnica científica te ajuda nisso (e muito).

    2º estudar comunicação e o veículo utilizado

    Isto é algo que vemos cada vez mais cientistas se dando conta. Como assim? Não basta ter o conhecimento técnico, eu tenho que APRENDER a falar com as pessoas, usando ferramentas e linguagens específicas. Aqui no Blogs, por exemplo, além das postagens de texto, nós temos uma equipe inteira que estuda as redes sociais. Esta equipe busca organizar os conteúdos das postagens para as redes sociais. E cada rede têm uma atenção especial e materiais em formatos específicos! A Erica Mariosa vem produzindo conteúdo específico sobre isto e, recentemente, falou da nossa equipe das redes sociais e as etapas de trabalho desenvolvidas!

    3º ler, ler muito, mas ler até ficar zonzo – e aprender a organizar as ideias 

    Parece meio besta falar isto. Mas é verdade: parte da divulgação científica não é apenas ter formação técnica, nem só compreender os veículos de comunicação. Nosso cotidiano passa longe de ficar só nisso.

    Dessa forma, aprender a se organizar nas leituras é estabelecer diálogos entre vários fatores. Por exemplo:

    – os jargões prévios da nossa área;
    – novos conhecimentos de artigos recém publicados e
    – pensar em modos de esquadrinhar isto em ideias para uma população específica.

    Tudo isto sem perder o foco de que em “tempos de covid” que saem muitas publicações todos os dias.

    Então temos os artigos técnicos e científicos – e eventualmente trabalhos de colegas da Divulgação Científica que são publicados cotidianamente. Mas nós também estamos sempre atentos à jornais, revistas, informações em geral. Isto para ver se existe algum ponto que está nos escapando, ou se existem questões sociais urgentes para trabalharmos!

    Assim, aqui chegamos onde eu queria chegar! É fundamental neste esquadrinhamento nós selecionarmos conteúdos. Com isto realizamos recortes para divulgarmos o conteúdo da maneira mais acessível possível a quem acompanha nosso material – seja no veículo que for.

    E que tipo de ação é esta?

    Comecemos pelo o que nosso conteúdo não é!

    – Isto não é uma “tradução” de conteúdo. Ou seja: nós não traduzimos de um suposto idioma científico para um idioma das ruas

    – Também não é “transposição” didática. Isto é, transformações adaptativas para o conteúdo

    – Muito menos “simplificação” ou (a pior de todas na minha percepção) um “conteúdo pouco aprofundado”. Ou seja, pessoas não especialistas não são rasas para precisarem de um conteúdo “pouco aprofundado”. Tampouco são incapazes de compreender ciência a ponto de precisarmos de uma simplificação.

    Assim, a Divulgação Científica trabalha com a produção de conteúdos e conhecimentos técnicos e científicos acessíveis. Quando eu falo “produção de conteúdos”, estou me referindo, como diz Larrosa, a esta construção de sentidos, significados, simbologias através da linguagem. É, portanto, uma escrita completamente nova e diferente de um artigo científico – seja ele avaliado por pares ou preprint.

    Os conteúdos de Divulgação Científica articulam conhecimento técnico científico a outros elementos da cultura. Bem como, vinculam-se a diferentes valores sociais e como todo processo comunicativo – são interessados e endereçados (no nosso caso: interessantes também!). 

    E escrevemos por quê?

    Muitas vezes, estes conteúdos que produzimos é instigado por artigos incríveis que chegam em nossas mãos. Outras vezes, por perguntas de quem nos acompanha! (Sim!!! Isso é absolutamente comum e o diálogo é motor de pesquisa e estudo!).

    Também acontece de lermos conteúdos que estão espalhando desinformação. Neste caso, eles podem causar risco potencial para a população – o que em tempos de Covid-19 e negacionismo, sempre gera um alerta imenso! E nós já falamos sobre isto no Blogs e consideramos cada ponto deste toda a vez!

    O que me faz chegar no 4º e último ponto:

    4º A responsabilidade sobre o que produzimos.

    É claro que cientistas erram e divulgadores erram. E é claro que reavaliamos constantemente nossas ações. Estamos em grupos e mais grupos (e mais grupos e outros grupos ainda mais) com outros comunicadores, debatendo o quê, quando e onde publicarmos.

    Discutimos artigos, debatemos se determinado preprint é bem organizado, escrito e robusto. Também pensamos conjuntamente e – de maneira geral – podemos dizer que existe bastante apoio entre comunicadores.

    Bueno, mas e aí?

    Temos debatido também outras estratégias para analisarmos a desinformação e quando devemos intervir e falar sobre algum dado recente. Tudo isto mexe com algo muito delicado acerca da responsabilidade com a informação, que diz respeito à ética!

    Isto é: como decidir falar sobre dados, quando eles podem não ser satisfatórios?

    Veja, trabalhar com comunicação responsável é se dar conta que estamos sempre selecionando conhecimentos, fazendo recortes e produzindo novos textos, novas informações, novos conhecimentos.

    É isso a que Larrosa se refere quando fala da “produção, dissolução e uso da realidade”. Isto é, significa mais do que manipular informação (e evitamos usar esta palavra pela conotação negativa). Estamos:

    – Esmiuçando a informação inteira, destrinchando-a (dissolução)
    – Escrevendo outro tipo de informação (produção) quando
    – Divulgamos conhecimento técnico científico (uso).

    Ter noção destas etapas é fundamental para estabelecermos uma relação ética com o conhecimento e com quem têm acesso a este conhecimento pela divulgação. E é por isso que, muitas vezes, decidimos apresentar dados que ainda são incipientes. Nós analisamos e assumimos o conhecimento técnico da leitura que fazemos, sim. Ressalto aqui que isto passa a milhas e milhas de distância da arrogância. É análise mesmo do material, passando por estas etapas que eu fui mencionando no texto!

    Mas é mais do que isso

    Por termos analisado de que maneira ele está sendo divulgado, em que tipo de “bolhas”, quem nos faz perguntas, como chegam as perguntas, tomamos decisão. Por exemplo, elaboramos o risco de, ao ver tudo isto, não falar nada sobre…

    São decisões importantes que não se restringem ao saber técnico, mas são uma junção destes 4 pontos que tocam nosso trabalho na divulgação.

    Além disso, é fundamental apresentarmos a ciência também a partir de suas contradições, seus erros e percalços. A ciência não é linear, não se faz só por acúmulo de ideias e conhecimentos. Ela é um campo de debates – é e deve ser sempre.

    O porqueiro de Agamenon…

    Assim o porqueiro de Agamenon, que contesta a frase “a verdade é a verdade”, o faz não por ser negacionista ou birrento. Talvez ele esteja à espera de um debate mais aprofundado acerca do que fundamenta esta verdade e onde ela se ancora – dados, debates, ideias.

    Também não é apenas reiterar uma postura crítica “só porque sim” e contestar tudo. Pois é uma busca pelos tempos de pensar, analisar e buscar mais conhecimento para tomar decisões.

    Assim, se partimos do pressuposto (e defendemos) que o acesso ao conhecimento faz parte de um processo fundamental da democratização da ciência. E se assumimos que isto tem que ser a base de nosso trabalho – não estamos aqui para apenas divulgar notícias maravilhosas. 

    Nem resolvemos trabalhar com divulgação científica para dizer que tudo vai dar certo. Quando nos chegam materiais (artigos, vídeos, perguntas) que apresentam riscos de aumentar a desinformação, nós vamos SIM elaborar um conteúdo. Vamos apontar suas limitações, vamos destrinchar suas potencialidades. E, tal como o porqueiro de Agamenon, diremos “não me convence”, se assim acharmos pertinente!

    O estabelecimento das enunciações científicas é, ou deveria ser, a partir do diálogo por possíveis “não convencimentos”. E isto mais do que por aceitação em silêncio, sem contrapontos a serem analisados.

    A verdade é a verdade” – dita por uma voz que não sabemos de quem é, mas temos que aceitar, só indica crença metafísica e inquestionável. Não é assim que a divulgação científica deveria trabalhar. Nem é assim que nos dirigimos a quaisquer pessoas que nos acompanham e/ou que buscam dialogar para compreender mais, tirar dúvidas, apontar falhas.

    Não é assim que a ciência deveria se fundamentar.

    E não é assim que um trabalho que se supõe construção coletiva de conhecimento deve atuar. Especialmente, tendo em vista que ninguém sabe tudo e que aprendemos uns com os outros.

    A Divulgação Científica é (e tem que ser) maior que a soberba do suposto saber. Ela tem que ser ponte, ciente, responsável e ética – entre pares e extra pares. E calcada no diálogo que constrói mais do que nas assertivas que seguem, tal como a oculta personagem de Agamenon, apontando a verdade como a verdade. Ou seja, sem possibilidade de questionamento.

    A todos nossos colegas que, mesmo exaustos, seguem se abrindo para o diálogo. Àqueles que seguem apontando para as trajetórias da ciência com ética e responsabilidade. Aos que assumem isto como rumo e lembrando sempre que a ciência, sem questionamento e diálogo, é só outra religião dogmática. A todas as divulgadoras científicas e divulgadores científicos incansáveis: dedico este texto de hoje. Por construções mais saudáveis e caminhos mais suaves.

    Para saber mais:

    Gouvêa, G. (2015) A divulgação da ciência, da técnica e cidadania e a sala de aula. In: Giordan, M., Cunha, M.B. (org) Divulgação Científica na sala de aula. Ijuí: Editora Unijuí. pp.13-42.

    Larrosa, Jorge (2003) Pedagogia Profana

    Mariosa, Erica (2021) Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?

    Machado, Dayane (2021) Corrigindo boatos de forma estratégica

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Qual a relação entre Naruto, anticorpos e tratamento de COVID-19?

    Provavelmente você já deve ter ouvido falar sobre o mangá e anime “Naruto”, de 2007. Na história, o ninja adolescente enfrenta diversos vilões com o sonho de se tornar o líder da aldeia em que vive. Se você conhece um pouco da história, com certeza já viu o “Jutsu Clone das Sombras”, em que o Naruto cria diversas cópias de si mesmo para combater um inimigo. Mas o que isso tem a ver com COVID-19?

    Fig.1. Naruto e os Clones (2007). Imagem de Masashi Kishimoto

        Nosso sistema imune possui diferentes tipos de células e, dentre elas, os linfócitos B. Essas células são capazes de produzir um tipo de molécula, chamada de anticorpo, que se liga a corpos estranhos que invadem nosso organismo. Por exemplo, podemos produzir anticorpos contra o pólen das flores, vírus e bactérias. Porém, a nossa produção de anticorpos naturais acontece através de vários linfócitos B diferentes, sendo chamada de resposta policlonal. Com o objetivo de simular a resposta natural do nosso organismo, mas de maneira mais direcionada e eficiente, a ciência desenvolveu uma maneira de criar clones específicos, assim como o Naruto, para combater agentes agressores no nosso corpo: anticorpos monoclonais. 

    Os anticorpos monoclonais são feitos em laboratório e conseguem se ligar a lugares específicos do agente causador da doença. Isto é, com o objetivo de “imitar” uma resposta que nosso corpo teria contra ela, por exemplo a COVID-19. Os anticorpos monoclonais têm surgido como uma classe nova de remédios e já são utilizados para tratar alguns tumores e doenças autoimunes, como a esclerose.

        Esses anticorpos são produzidos através de um linfócito B diferenciado, chamado de plasmócito. Cada plasmócito é um clone, e esse clone irá produzir um único tipo de anticorpo, que é chamado de anticorpo monoclonal. Em um laboratório, é possível identificar qual é a especificidade desse anticorpo, e se ele será útil para um tratamento ou não. 

        Mas como é possível criar um clone para o que eu quero?

    Essa técnica foi descrita pela primeira vez por Georges Kohler e Cesar Milstein em 1975. Primeiro, é necessário infectar um animal com o patógeno (vírus ou bactéria da doença que estamos estudando), normalmente um camundongo. Este processo é chamado de imunização. Depois disso, pegamos as células B (plasmócitos) desse camundongo e provocamos a junção dessas células com células tumorais, através de um processo chamado de fusão, igualzinho a fusão que acontece em Dragon Ball.

    Essa fusão é importante pois células tumorais têm uma capacidade de se dividir muito rápido. Dessa forma, ajudará o plasmócito a criar mais clones. Se a fusão funciona, essas células passam a ser chamadas de hibridomas. Cada hibridoma produzirá apenas um tipo de anticorpo.

    Esses anticorpos são testados para saber se são específicos ou não, e, se a resposta for positiva, nós expandimos esse clone. Assim como o Naruto, essas células são capazes de criar muitas cópias de si mesmas, e a produção de anticorpos passa a ser tão grande que é possível tratar os pacientes. 

    Ficou confuso ainda assim? Então olha o esquema abaixo que montamos para ti!

    Figura 02. Produção de anticorpos monoclonais

        Os anticorpos monoclonais e a Covid-19

    Recentemente, a FDA (Food and Drug Administration) autorizou o uso de dois anticorpos monoclonais como forma de tratamento emergencial, o bamlanivimab e o etesevimab em casos de COVID-19 leve e moderada de adultos e crianças, incluindo pacientes com comorbidades. As duas moléculas agem especificamente na proteína spike, ou espinho, do SARS-CoV-2, impedindo que o vírus infecte as células humanas. Em um estudo clínico, esses anticorpos foram capazes de reduzir tanto a hospitalização, quanto a taxa de mortalidade de pacientes quando comparado com o grupo placebo (que não recebeu o tratamento). 

    Diferentemente dos anticorpos monoclonais, as vacinas fornecem uma proteção mais longa, mas demoram mais para gerar essa proteção, já que o corpo precisa gerar a resposta imune. Neste momento, onde precisamos de respostas rápidas, o uso desse tipo de tratamento é muito importante, já que ele oferece uma proteção “instantânea” e que pode durar de semanas até meses.  

    O distanciamento social, uso correto de máscaras e tratamentos cientificamente comprovados, associados com uma campanha de vacinação efetiva são as principais chaves para o fim dessa pandemia!

    https://www.ccjm.org/content/early/2021/02/17/ccjm.88a.ccc074

    Para saber mais: 

    Pallotta, AM, Kim, CY, Gordon, SM and Kim, Alice(2021) Monoclonal antibodies for treating COVID-19, Cleveland Clinic Journal of Medicine

    Wang, C., Li, W., Drabek, D. et al. A human monoclonal antibody blocking SARS-CoV-2 infection. Nat Commun 11, 2251 (2020). h

    FDA (2021) Coronavirus (COVID-19) Update: FDA Authorizes Monoclonal Antibodies for Treatment of COVID-19

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O Paradoxo COVID: aumento de cirurgias ortopédicas na quarentena.

    Texto escrito por Alessandro Zorzi

    Estudo realizado no Hospital de Clínicas da UNICAMP para avaliar o impacto da quarentena sobre a formação do médico residente em Ortopedia e Traumatologia, detectou aumento do número de cirurgias ortopédicas de urgência entre Março e Julho de 2020 (período mais rígido da quarentena), em comparação com o mesmo período de 2019.

    Em Janeiro de 2020 o mundo tomou ciência de uma epidemia na China por uma nova cepa do coronavírus, chamada COVID-19. No mês seguinte, o vírus se espalhou rapidamente pela Europa e assistimos aterrorizados o impacto devastador da doença na Itália. No Brasil, o temor do colapso do sistema de saúde diante de um pico previsto para Março, levou as autoridades a decretarem quarentena. Com a demora da chegada do pico, a quarentena foi se estendendo até meados de Julho, quando finalmente as autoridades divulgaram um plano gradual de reabertura.

    Neste período de quarentena mais rígida, houve uma diminuição da circulação de veículos no transito das grandes cidades. Sabemos que o número de acidentes de transito tem relação com a quantidade de veículos na rua. Logo, era lógico imaginar uma diminuição no número de cirurgias para tratamento de lesões causadas por acidentes motociclísticos e automobilísticos. Certo? Errado.

    Muitos hospitais interromperam o atendimento da maioria das doenças para reservar leitos e se preparar para o pico. Hospitais de campanha e tendas foram montados em várias cidades. Internações eletivas foram proibidas e ambulatórios fechados. Diante deste cenário, somente os casos urgentes, aqueles traumas graves, trazidos de helicóptero ou por ambulâncias do SAMU, poderiam ser recebidos pela equipe da Ortopedia no HC da UNICAMP.

    Imediatamente surgiram ações para adaptar o ensino teórico dos médicos residentes. Aulas presenciais foram substituídas por aulas online a distância. Mas como ensinar uma cirurgia? Chegou-se a cogitar a proposta de considerar 2020 um ano perdido e fazer os residentes repetirem um ano em sua formação. Mas o que observamos na prática foi exatamente o contrário.

    Um estudo conduzido pelo residente Renato Schneider Laurito, com auxílio e orientação de médicos e professores do Departamento de Ortopedia, Reumatologia e Traumatologia da UNICAMP, constatou um aumento da atividade dos residentes da Ortopedia no centro cirúrgico. Os resultados deste estudo foram apresentados no Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia em Novembro de 2020 (CBOT 2020) e estão sendo preparados para publicação.

    De acordo com o estudo, não houve prejuízo grave na formação dos médicos residentes neste período, porque apesar da proibição das internações eletivas e da realização de cirurgias não emergenciais, ocorreu um aumento do número de fraturas expostas e outros traumatismos com necessidade de tratamento cirúrgico urgente. Além disso, os médicos residentes foram afastados de outras atividades hospitalares, tais como o atendimento ambulatorial, passando a frequentar um maior número de horas no centro cirúrgico, em virtude do aumento da demanda.

    A figura abaixo mostra a comparação do número de cirurgias de urgência nos dois períodos. Urgência significa todo tratamento que precisa ser instituído o mais rápido possível, não excedendo oito horas de espera, para evitar prejuízos graves e sequelas ao paciente. As cirurgias que podem esperar mais de oito horas ou que podem ser realizadas no dia seguinte são classificadas como eletivas.

    Foram registradas 169 cirurgias ortopédicas urgentes entre Março e Julho de 2019, enquanto no mesmo período de 2020, em plena quarentena, esse número saltou para 188. Um aumento de 11,2%.

    Enquanto isso, o número de cirurgias eletivas, aquelas realizadas em pacientes com problemas ortopédicas crônicos ou que permitem espera, despencou de 300 de Março a Julho de 2019 para apenas 196 no mesmo período de 2020.

    Parece razoável pensar que o número de acidentes deveria diminuir durante a quarentena, com a menor circulação de pessoas no transito. Entretanto, uma possível explicação para este resultado foi o aumento exponencial da demanda por entregas e serviços de “delivery”. A maioria realizada por motocicletas. Além do aumento da demanda, houve um grande aumento do número de pessoas que buscaram no ramo de entregas uma forma de sobrevivência diante de demissões e fechamentos de empresas. Muitos com pouca ou nenhuma experiencia na condução de motocicletas.

    Estes dados ajudam a entender a dinâmica da sociedade e o impacto na demanda por serviços hospitalares diante de situações que exijam quarentenas no futuro, para que haja um melhor planejamento na distribuição dos recursos. É necessário fazer estudos mais extensos, com dados de outros hospitais, para confirmar estes achados.

    O Autor

    Alessandro Zorzi

    Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Fêmur Distal

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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