Categoria: Covid-19

  • Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório, causa danos no cérebro?

    Texto escrito por Fernanda Crunfli* e Ana Arnt

    Quando a pandemia pelo novo coronavírus começou, foi um caos mundial para todos, principalmente para os profissionais da área da saúde. Assim, ninguém sabia nada sobre o novo coronavírus, e nem como realizar a melhor conduta médica para essa nova doença. Desde o início da pandemia, as evidências já demonstravam que o SARS-CoV-2 não era apenas uma gripe comum. Isto é, ela logo foi compreendida como uma nova doença com características incomuns e singulares. Um dos aspectos mais intrigantes do novo coronavírus é o número de sistemas do corpo que o vírus pode afetar.

    Hoje em dia, com toda a comunidade científica se voltando para o vírus, já temos mais informações e conseguimos traçar melhor qual é o caminho desse vírus e seus efeitos no corpo humano. 

    O início dos sintomas neurológicos na infecção pelo coronavírus

    Voltando para o início da pandemia, a comunidade médica começou a observar que um dos principais sintomas dos pacientes com a Covid-19 era a perda de olfato e paladar, funções comandadas pelo cérebro. Além disso, os problemas desses pacientes não eram apenas os problemas respiratórios. Por exemplo, aproximadamente 30% dos pacientes com Covid-19 apresentavam sintomas neurológicos, como dor de cabeça, confusão mental, fadiga, depressão e até convulsões. À medida que o número de casos aumentou, tornou-se mais evidente que a Covid-19 não apresentava apenas as manifestações comuns da doença, mas também as incomuns, como os problemas neurológicos graves.

    Diante disso, os neurologistas e neurocientistas do mundo inteiro começaram a questionar:
    – o que o coronavírus fazia no cérebro?
    – como esse vírus chegava até o cérebro? 
    – quais seriam os possíveis danos neurológicos ocasionados pelo vírus?

    Foi aí que nós, cientistas brasileiros da Unicamp, junto com cientistas da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) unimos esforços para investigar o que o vírus faz no cérebro!

    Nossa primeira pergunta foi se o coronavírus era capaz de chegar até o cérebro e se ele conseguiria infectar as células do cérebro. Dessa forma, nós observamos que: sim o vírus chega até o cérebro e ele é capaz de infectar e se replicar nos astrócitos.

    Calma que a gente explica…

    Astrócitos são as células mais abundantes do sistema nervoso central. E elas são responsáveis por apoiar os neurônios nos processos metabólicos. Pois nas autópsias de vítimas da Covid-19, percebeu-se que estas células eram muito afetadas.

    Os astrócitos são encarregados de manter o bom funcionamento dos neurônios, possuem um papel dinâmico na regulação da função neuronal. Mas, como isto ocorre? Digamos que os astrócitos percebem tudo o que está ocorrendo nas comunicações entre os neurônios e são responsáveis por manter esta comunicação eficiente e ativa, conforme a necessidade – isto se dá regulando neurotransmissores e outras substâncias que podem interferir no funcionamento dos neurônios. 

    Os astrócitos também são responsáveis pela nutrição dos neurônios, atuando como “sensores metabólicos do cérebro”, mantendo um bom funcionamento neuronal. Além disso, os astrócitos também participam da resposta neuroinflamatória. Isto é, quando ocorre uma lesão ou um dano no cérebro, os astrócitos respondem a esse estímulo. 

    A infecção dos astrócitos pelo coronavírus

    Parece bem evidente a ideia de que se os astrócitos são infectados e funcionam mal, uma verdadeira bagunça pode ocorrer no cérebro, correto? Então, basicamente é isto: os astrócitos são as células mais abundantes no cérebro. Elas são verdadeiras “faz tudo” dos neurônios. Assim, se elas forem infectadas pelo coronavírus, atrapalhando suas atividades básicas como consequência, prejudicam o funcionamento dos neurônios e de todo o equilíbrio cerebral. 

    É como uma reação em cadeia. Ou seja, o coronavírus ataca os astrócitos e, quando infectados, eles morrem ou deixam de executar seu papel de manter o bom funcionamento dos neurônios. Dessa forma, o resultado pode ser a morte do tecido cerebral, e consequentemente sintomas como perda de memória, ansiedade, depressão e dificuldade de raciocínio.

    Astrócito infectado pelo SARS-CoV-2 (o vírus são os pontos vermelhos na imagem). Foto de: Flávio Protásio Veras

    Ainda na análise das autópsias do cérebro de vítimas da Covid-19, o coronavírus foi capaz de alterar proteínas associadas às doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. Em suma, agora precisamos compreender se o coronavírus desencadeia ou não doenças neurodegenerativas em quem tem algum potencial genético para isso.

    E agora?

    O próximo passo foi analisar os sintomas e efeitos neurológicos de 81 pacientes com sintomas leves da Covid-19. Para isso, um estudo avaliou o cérebro desses pacientes através de uma ferramenta chamada Ressonância Magnética Funcional. Sabe aquelas imagens de cérebro que sempre aparecem quando falamos de pesquisa deste órgão? Pois é, é gerada com esta ferramenta.

    Bom, o  resultado foi: o coronavírus promoveu alterações significativas na estrutura do córtex, a região do cérebro mais rica em neurônios e responsável por funções complexas como linguagem, memória e atenção. Além disso, esses pacientes apresentaram sintomas graves de ansiedade e depressão, e até mesmo déficits cognitivos. Com o atual cenário do Brasil, com mais gente adoecendo, mais pessoas sofrerão esses problemas, e isso é alarmante. 

    Todavia, resta ainda saber a gravidade destas lesões, e entender se lesões neurológicas são passageiras ou irreversíveis. Por isso, o grupo da Dra Clarissa irá acompanhar esses pacientes pelos próximos 3 anos para saber se o vírus desencadeia doenças neurodegenerativas, e se essas lesões serão reversíveis. Esperamos que sim!

    Já está bem claro que a Covid-19 pode afetar o nosso cérebro.  No entanto, a ciência ainda busca elucidar os mecanismos pelos quais o sistema nervoso central torna-se alvo do vírus. Entretanto, fica a pergunta:

    Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório pode causar danos no cérebro? 

    O novo coronavírus é capaz de atacar todas as células que possuem a porta de entrada dos vírus. Essas portas são diferentes receptores acoplados à membrana da célula, explicados aqui e aqui . Assim, a ciência continua investigando a possibilidade do coronavírus usar outros receptores como porta de entrada também. Da mesma forma, esses receptores estão presentes no cérebro, em menor quantidade quando comparado com o sistema respiratório, mas ainda estão lá. Então, o vírus consegue infectar as células do cérebro.

     Agora a maior dúvida é como o coronavírus chega até o cérebro?

    A primeira hipótese, é que o coronavírus consiga passar a barreira hematoencefálica. Mas, vamos por partes: esta barreira do nosso organismo protege a entrada de substâncias tóxicas, medicamentos e infecções bacterianas e virais no Sistema Nervoso Central.

    O primeiro indício que o coronavírus é capaz de atravessar a barreira foi demonstrado em animais. Isto é, as proteínas do coronavírus conseguiram passar a barreira hematoencefálica, exemplificando o que poderia acontecer no cérebro humano. Como a perda do olfato é sintoma comum, uma outra possibilidade seria a entrada do vírus no cérebro via nervo olfatório.

    A segunda hipótese, seria que os danos cerebrais observados poderiam ser sintomas secundários da doença. Ou seja, um resultado indireto da Síndrome Respiratória causada pelo vírus. Assim, os danos neurológicos podem ocorrer pelo efeito indireto da falta de oxigênio e da infecção grave (“tempestade de citocinas”) da Síndrome Respiratória. Até agora, há mais evidências de que os sintomas neurológicos possam ser primários e não secundários à Síndrome Respiratória. Entretanto, determinar a relação de causa e efeito dos danos neurológicos ainda é um desafio que precisa ser investigado. 

    Por Fim

    Todos esses estudos mostram-se essenciais para compreender o mecanismo de ação do novo coronavírus, e ajudar a encontrar alvos para o tratamento da doença. Assim, se nós sabemos quem é o nosso inimigo e qual é o seu plano de ataque, fica mais fácil combatê-lo. Isso aumenta as nossas chances de combate à doença. Uma das perguntas que precisam ser respondidas é como o vírus chega ao cérebro. A comunidade científica ainda tem um grande desafio pela frente. Porém, devemos seguir atentos na batalha contra a Covid-19, pois essa doença é como um sorteio de loteria, não sabemos quem será contemplado com quais sintomas graves ou não.

    A autora

    Fernanda Crunfli Possui graduação em Biomedicina (2011) e mestrado em Neurociências e Comportamento pelo programa de Biociências aplicada à Saúde pela Universidade Federal de Alfenas (2013). Doutora em Ciências (Fisiologia Humana) pela Universidade de São Paulo (2013-2017) com período sanduíche na Universidad Francisco de Vitoria em Madrid, Espanha (2017) no laboratório de Endocanabinoides e Neuroinflamação. Atua nos temas: modulação do sistema canabinoide, doenças neurodegenerativas e psiquiátricas, metabolismo neuronal e processos neuroinflamatórios. Atualmente, trabalha no Laboratório de Neuroproteômica (Unicamp) no estudo das bases moleculares da esquizofrenia. Com a pandemia da COVID-19 passou a estudar o efeito do SARS-CoV-2 no Sistema Nervoso Central, especialmente nos astrócitos.

    Este post foi escrito por Fernanda Crunfli, primeira autora do artigo

    Crunfli, FC et al (2020) SARS-CoV-2 infects brain astrocytes of COVID-19 patients and impairs neuronal viability

    Este artigo fez parte da pesquisa do Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp e faz parte do trabalho desenvolvido pela Força Tarefa da Unicamp contra a Covid-19 junto com o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da USP de Ribeirão Preto. Este artigo foi coordenado pela Fernanda Crunfli, Victor Corasolla Carregari, Flavio Protásio Veras, Clarissa Lin Yasuda, Marcelo A. Mori, Thiago Mattar Cunha e Daniel Martins-de-Souza.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    O projeto vinculado a esse artigo está registrado pelo nº Processo FAPESP: 2020/04746-0
    Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FAEPEX) Unicamp – 2274/20

    Mais textos sobre o tema, neste blog

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Para Saber mais

    ANDREWS, MG et al (2021) Tropism of SARS-CoV-2 for Developing Human Cortical Astrocytes

    Bélanger, M, Allaman, I & Magistretti, PJ Brain energy metabolism: focus on astrocyte-neuron metabolic cooperation Cell Metab 14, 724–738 (2011)

    De Felice, FG, Tovar-Moll, F, Moll, J, Munoz, DP & Ferreira, ST (2020) Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the Central Nervous System Trends Neurosci 43, 355–357.

    Lau, K-K et al (2004) Possible Central Nervous System Infection by SARS Coronavirus Emerging Infectious Diseases vol 10 342–344.

    MERGENTHALER, P et al (2013) Sugar for the brain: The role of glucose in physiological and pathological brain function Trends in Neurosciences, v 36, n 10, p 587–597.

    Moriguchi, T et al (2020) A first case of meningitis/encephalitis associated with SARS-Coronavirus-2 Int J Infect Dis 94, 55–58.

    Turner, DA & Adamson, DC (2011) Neuronal-astrocyte metabolic interactions: understanding the transition into abnormal astrocytoma metabolism J Neuropathol Exp Neurol 70, 167– 176.

    Varatharaj, A et al (2020) Neurological and neuropsychiatric complications of COVID-19 in 153 patients: a UK-wide surveillance study Lancet Psychiatry 7, 875–882.

    ZHANG, X et al (2021) Role of Astrocytes in Major Neuropsychiatric Disorders Neurochemical Research.

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • QUANDO O MÉDICO DESINFORMA: o caso das vacinas

    Existem médicos contra as vacinas desde o século XVIII

    Figura 1: Edward Jenner e dois colegas eliminando três oponentes antivacinação, as vítimas mortas da varíola estão espalhadas a seus pés. FONTE: Isaac Cruikshank, 1808 (Wellcome Collection). Creative Commons

    Há quem estranhe o silêncio dos conselhos de medicina ante a posicionamentos de alguns de seus membros contrários à imunização por vacinas contra a Covid-19 e favoráveis à utilização de medicamentos sem eficácia comprovada (até o momento). Embora hoje não haja dúvidas sobre a eficácia e segurança das vacinas, dados históricos mostram que, desde o século XVIII, sua utilização como tratamento profilático é combatida por alguns médicos.

    Século XVIII

    Nos Estados Unidos (EUA), entre 1721 e 1722, uma grande epidemia de Varíola atingiu a cidade de Boston, à época com 11 mil habitantes, registrando mais de 6 mil casos, levando 850 deles a óbito. O pesquisador Matthew Niederhuber, da Harvard Medical School, escreve que “o uso da inoculação durante essa epidemia e o acalorado debate que surgiu em torno da prática foi uma das primeiras aplicações importantes da inoculação na sociedade ocidental, abrindo caminho para que Edward Jenner (o descobridor da vacina contra a varíola em 1796) desenvolvesse a vacinação contra a varíola até o final do século” (1).

    INOCULAÇÃO
    É a exposição deliberada ao vírus da varíola usando material de uma crosta de varíola – por exemplo, esfregado em um pequeno corte na pele. Geralmente resulta em uma forma mais branda de doença, mas ainda apresenta risco de morte.

    No entanto, conseguir sua aprovação não foi uma tarefa simples, uma vez que a comunidade médica de Boston se posicionou contra essa autorização, tendo o Dr. William Douglass (1691-1752), um dos únicos médicos da cidade que realmente possuía um diploma de medicina, como liderança do movimento anti-inoculação. Seu principal argumento era o de que a inoculação não fora suficientemente testada e seria baseada em folclore.

    Contudo, no início de 1722, os líderes da campanha de inoculação, o médico Zabdiel Boylston e o reverendo Cotton Mather, apresentaram dados que atestaram a eficácia da inoculação: enquanto a taxa de mortalidade entre os não inoculados foi de 14,8%, entre os inoculados, foi de apenas 2%. (1)

    Século XIX

    Na Inglaterra, em meados do século XIX, os historiadores Dorothy Porter e Roy Porter (1988), escrevem que surgiu uma fonte de oposição científica à vacinação liderada por um grupo anticontagionista que defendia ser a remoção da “sujeira” o caminho para a prevenção de doenças e que negava teorias sobre a especificidade de doenças.

    O médico britânico Charles Creighton (1847-1927) expoente do grupo foi um exemplo de antivacinacionista que fundamentou sua rejeição ao método profilático em uma teoria anticontagionista de propagação de doenças. 

    • O médico afirmava que a vacina em si era uma causa de sífilis e dedicou um livro ao assunto, A História Natural da Varíola Bovina e da Sífilis Vacinal (2), no qual argumenta que a vacinação era um envenenamento do sangue com material contaminado, que não poderia fornecer proteção contra uma doença causada por eflúvios decorrentes de matéria orgânica em decomposição. 
    • No livro Jenner e Vacinação: um capítulo estranho da história médica (3) Creighton descreve Edward Jenner como pouco melhor do que um criminoso e ganancioso que enganou o Parlamento e os mundos científico e médico para que acreditassem em seu método mítico (4).

    Século XX

    Em 1998, o então médico britânico Andrew Wakefield, consultor honorário em gastroenterologia experimental no London’s Royal Free Hospital, publicou um artigo na conceituada revista The Lancet em que ilustrou um estudo de vinte pacientes e concluiu que a administração da vacina MMR causava autismo e algumas formas de colite (inflamação do intestino grosso). Segundo Tafuri (2011), quando o artigo foi revisado pelos pares, a conexão entre vacina e autismo não foi comprovada e a publicação foi desacreditada. No entanto, o estudo do britânico passou a ser utilizado por grupos antivacina como argumento para não vacinar os filhos. Em 2004, a revista reconheceu que não devia ter publicado o estudo de Wakefield e, em 2010, retirou-o de seus arquivos, sendo que, no mesmo ano, ele teve seu registro cassado pelo Conselho Geral de Medicina (GMC) do Reino Unido, acusado de agir de forma “desonesta”, “enganosa” e “irresponsável”.

    Século XXI

    Mais recentemente, em 2003, o artigo “Timerosal em vacinas infantis, distúrbios do neurodesenvolvimento e doenças cardíacas nos Estados Unidos” (GEIER e GEIER, 2003) publicado por Mark Geier, doutor em genética, e David Geier, bacharel em biologia, alegam que o conservante timerosal, usado em certas vacinas, causa autismo. Segundo a premiada jornalista científica, Megan Scudellari (2010), Mark Geier testemunhou em apoio ao vínculo timerosal-autismo como testemunha especialista em testes de vacinas nos EUA, porém, numerosos estudos rigorosos descartaram esse vínculo. 

    Atualidade

    Como se percebe, não é de hoje que esse lugar de fala vem sendo disputado por atores que, em teoria, têm notório saber específico ou são detentores de conhecimento reconhecido e que usavam, cada um a seu modo, a mídia disponível em seu contexto para divulgar suas ideias, nem sempre apoiados no devido rigor científico. Por isso, não chega a ser surpresa o atual silêncio dos conselhos de medicina, visto que, em sua maioria, são compostos por profissionais que têm interesses políticos, conforme mostra recente reportagem do site The Intercept Brasil.

    Em outro aspecto, o jornalismo profissional – em nome da imparcialidade, da necessidade de ouvir “o outro lado” e, evidentemente, em busca de mais audiência (isto é, retorno financeiro) – tem dado destaque a vozes dissonantes que, muitas vezes, contradizem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da ciência e/ou da própria medicina. o que tem causado na sociedade uma sensação de que a eficácia e a segurança das vacinas ainda é um debate aberto, quando na verdade não é. O quadro se agrava num contexto em que as mídias sociais replicam essas vozes, elevando exponencialmente o seu alcance.

    Nesse sentido, vale atentar para a ponderação do biólogo Atila Iamarino, para quem “numa questão científica onde centenas de especialistas chegaram num consenso, dar o mesmo peso para o questionamento, não faz sentido” (5). Agora, mais do que nunca, o papel da Divulgação Científica se faz necessário para que se possa mitigar a maré de desinformação que contribuiu para que o Brasil atingisse a lamentável marca de mais de 200 mil mortes. 

    Referências

    (1) NIEDERHUBER, Matthew. The fight over inoculation during the 1721 Boston smallpox epidemic. Science in the News, 2014. Disponível em: http://sitn.hms.harvard.edu/flash/special-edition-on-infectious-disease/2014/the-fight-over-inoculation-during-the-1721-boston-smallpox-epidemic/ Acesso em 31 jan. 2021

    (2) CREIGHTON, Charles. The Natural History of Cowpox and Vaccinal Syphilis. London: Cassell, 1887.

    (3) CREIGHTON, Charles. Jenner and Vaccination: A strange chapter of medical history. London, 1889.

    (4) PORTER, Dorothy; PORTER, Roy. The politics of prevention: anti-vaccinationism and public health in nineteenth-century England. Medical history, v. 32, n. 3, p. 231-252, 1988. (p. 237) Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/medical-history/article/politics-of-prevention-antivaccinationism-and-public-health-in-nineteenthcentury-england/160A0FE00C0D60AC0AF87DCC3D444523 Acesso em 31 jan. 2021.

    (5) IAMARINO, Atila, Aquecimento Global. Canal Nerdologia. (05m 35s a 05m 46s) 01 jun. 2017. Disponível em: https://youtu.be/8sovsUzYZFM. Acesso em 31 jan. 2021.

    Para Saber Mais:

    CRUIKSHANK, Isaac. Edward Jenner e dois colegas eliminando três oponentes antivacinação, as vítimas mortas da varíola estão espalhadas a seus pés. British Museum, Catalogue of political and personal satires, vol. VIII, London, 1947, n°. 11093. Wellcome Collection. 20 Jun. 1808. Disponível em: https://wellcomecollection.org/works/x7kbxaef Acesso em 01 fev. 2021.

    GEIER, Mark R.; GEIER, David A. Thimerosal in childhood vaccines, neurodevelopment disorders, and heart disease in the United States. J Am Phys Surg, v. 8, n. 1, p. 6-11, 2003.

    SCUDELLARI, Megan. State of denial. Nature Medicine 16, 248. 2010. Disponível em https://doi.org/10.1038/nm0310-248a. Acesso em 31 jan. 2021.

    TAFURI, Silvio. et al. From the struggle for freedom to the denial of evidence: history of the anti-vaccination movements in Europe. Annali di igiene: medicina preventiva e di comunita, v. 23, n. 2, p. 93-99, 2011. Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21770225/ Acesso em 31 jan. 2021.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Desinformação e vacinas: cuidados necessários

    Recebemos hoje uma notícia animadora: as novas datas de vacinação já saíram!

    Uhuuuu! Vamos lá! Espalha essa notícia sim! Vai pro zap sim! Encaminha prá todo mundo sim!

    Não. Calma. Pera lá…

    Nunca encaminhe nenhuma mensagem antes de conferir tudo…

    Olhando com mais calma, vimos alguns sinais de alerta e já fomos conferir!

    Primeiro sinal: o site é do governo de São Paulo! Será que é o site mesmo?

    Sim, o site é real, é sobre a vacinação em São Paulo… Todavia, o restante da mensagem, não era bem assim. Aqui mora o cerne de como a desinformação se propaga! Veja, o site existe, a vacina existe (Sim! Ela existe!), mas as datas não foram confirmadas ainda. E este é só um dos detalhes…

    Também consta nesta mensagem a data de vacinação de pessoas entre 0 e 28 anos. A vacina ainda não teve seus resultados de eficácia para menores de 18 anos. Portanto, esta faixa etária de menores de idade não será vacinada por enquanto!

    A desinformação é ardilosa sabe? Ela traz informações que muitas vezes são reais (como o site do governo), aliadas com aquelas que queremos que sejam reais (datas próximas de vacinações). E isso nos atrapalha mesmo. Por isso, nós trouxemos para vocês algumas dicas para ajudar, em cima do encaminhamento que recebemos! Vamos lá?

    Sobre fake news e desinformação, vocês podem saber mais informações aqui

    Texto produzido para o especial e também para compor todo o trabalho que seguimos fazendo na campanha #todospelasvacinas

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Ciência para crianças! O que são os vírus

    Muitas doenças podem ser causadas por diferentes agentes biológicos, como bactérias, fungos, protozoários ou vírus. Estes últimos recentemente estão sendo muito comentados por conta da pandemia de Covid-19. Essa doença é causada pelo SARS-CoV-2, um vírus da família dos coronavírus, e já infectou quase 100 milhões de pessoas no mundo até agora (de acordo com relatórios da OMS de janeiro de 2021). 

    Para aprender a combater os vírus, precisamos entender melhor sobre eles! Aproveitem nosso novo quadrinho e mostrem para as crianças como o Dragonino e seu pai entendem os vírus e como eles se protegem deles!

    Quadrinho da série "Ciência para Crianças!" com o tema "o que são os vírus".

    Vamos agora aprender um pouco mais sobre os vírus, suas formas de ação e como podemos combatê-los?

    Vírus são seres vivos?

    Para simplificar, podemos dizer que para ser considerado vivo, um ser deve ter uma ou mais células, possuir um metabolismo e ser capaz de realizar sua reprodução. Sendo assim, os vírus não são considerados seres vivos pela grande maioria da comunidade científica, pois para poderem se multiplicar, precisam obrigatoriamente conseguir entrar dentro de uma célula viva e usar as ferramentas dessa célula. Em outras palavras, os vírus não têm ferramentas suficientes para serem uma célula independente, ou um ser vivo.

    Mas então do que os vírus são formados?

    Os vírus são formados basicamente por um componente genético (DNA ou RNA) envolvido por proteínas e, em alguns casos, também uma camada de gordura, que os cientistas chamam de envelope. No caso dos vírus envelopados, ou seja, que têm essa camada de gordura, a forma mais eficiente de desinfecção é a limpeza com água e sabão, álcool 70% ou hipoclorito de sódio, que são produtos que conseguem destruir esse envelope e “matar” os vírus. 

    Como os vírus infectam nossas células?

    O processo de infecção ocorre quando proteínas presentes no envelope dos vírus se ligam a receptores presentes na célula do hospedeiro. Chamamos esse processo simplificadamente de “mecanismo chave-fechadura”. É como se os vírus encontrassem uma “porta” para poder enviar seu material genético para dentro de uma célula viva. E assim os vírus conseguem se aproveitar dos mecanismos de replicação do material genético e tradução de proteínas dessa célula infectada para produzir novos vírus. Esses novos vírus, quando liberados, muitas vezes matam a célula hospedeira no processo, e ficam livres para infectar ainda mais células e continuar esse ciclo.

    Por que algumas pessoas ficam doentes e outras não?

    Em algumas pessoas, as células do sistema de defesa logo identificam os invasores e conseguem combatê-los, evitando o aparecimento de sintomas. Porém, quando as células infectadas morrem ou usam suas ferramentas internas apenas para produzir mais vírus, elas deixam de fazer suas funções normais. Assim, quando os vírus se espalham mais rapidamente do que o sistema de defesa consegue agir, podem aparecer sintomas mais graves da doença. Os sintomas podem se agravar ainda mais se a pessoa infectada já apresentar outros problemas de saúde e o organismo estiver mais fraco.

    Em algumas pessoas pode acontecer também de as células de defesa reagirem de forma muito exagerada, o que também pode ser ruim. Nesse caso, as células de defesa acabam prejudicando as próprias células do organismo enquanto tentam combater os vírus. Além disso, há outros fatores que os cientistas ainda estão estudando para entender melhor como essa doença afeta diferentes pessoas.

    Como ocorre a transmissão dos vírus?

    Vírus como o novo coronavírus são capazes de entrar principalmente em células das vias aéreas dos seres humanos (células no nariz, boca, garganta e pulmões). Assim, quando uma pessoa saudável fica perto de uma pessoa infectada, pode acabar tendo contato com gotículas de saliva contaminadas que podem transmitir a doença. Ao tocar em utensílios e superfícies contaminadas com o vírus e encostar a mão próximo a boca ou nariz, a pessoa também pode acabar se contaminando, assim como se respirar alguma gotícula contaminada.

    Como combater os vírus?

    Enquanto a maior parte da população não é vacinada, devemos continuar evitando ao máximo a transmissão desse vírus entre as pessoas. Para isso, é muito importante realizar o isolamento ou o distanciamento social, para evitar um “efeito dominó”. Temos também que nos lembrar de limpar bem as mãos e os utensílios e superfícies que costumamos tocar, para destruir a camada de gordura dos vírus e impedir que eles consigam entrar nas nossas células. Além disso, quando for necessário sair, é preciso que todos utilizem máscaras para se protegerem e também ajudarem a proteger outras pessoas.

    Fontes:

    https://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-38800106

    https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/04/virus-doencas-saude-patogenos-covids-19-sars-pandemia-coronavirus-hospedeiro

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
    • Orientação e revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares.

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga
    Quadrinho da série "Ciência para Crianças!" com o tema "o que são os vírus", traduzido para o inglês.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Nas Asas do Dragão

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • E aqueles resultados das vacinas? (Parte 3)

    Hoje vamos continuar a nossa série de textos sobre os resultados que estão saindo das vacinas candidatas para COVID-19. Nós já falamos sobre como funcionam as fases de testes delas, o que é a sua eficácia e a relação disso com a memória imunológica. Nesse post, nós vamos falar (finalmente!) sobre os resultados em si. Isto é, o que eles significam para nós, os prós e contras e os possíveis problemas relacionados com cada uma delas.

    E então, o que são realmente esses resultados que estão saindo?

    Vamos detalhar um pouco sobre 3 vacinas: a Pfizer/Biontech, Moderna e Astrazeneca/Oxford e seus resultados. Depois compará-las para, por fim, dos acordos brasileiros com cada uma delas. Lembrando que esta última parte muda diariamente, em função dos resultados que vêm saindo e prioridades do Governo Federal.

    Pfizer/Biontech

    Para começar, vamos falar da vacina da Pfizer/Biontech 1. Tanto aqui quanto nas outras, vamos ter de falar de números, mas prometo que será rápido. Ela foi testada em cerca de 43 mil pessoas. Sua eficácia ficou em 95%. Isto é, de todos os 43 mil participantes do teste que tiveram Covid-19 (170 pessoas), somente 5% estavam no grupo que tinha recebido a vacina (8 pessoas). Além disso, 10 pessoas desenvolveram a forma grave da doença, mas somente 1 havia recebido a vacina (9 eram do grupo placebo). Isto demonstra uma eficácia de 90% em reduzir a gravidade da forma de Covid-19 desenvolvida.

    Se você não lembra da explicação da eficácia, confere o nosso primeiro texto aqui.

    Em relação às reações, a vacina foi bem tolerada. Em uma análise prévia feita pelos pesquisadores, os únicos efeitos adversos graves que as pessoas disseram ter sentido foram cansaço e dor de cabeça. E isto em uma pequena porcentagem dos casos. Alguns idosos reportaram febre e efeitos colaterais leves. Mas isso já era um resultado esperado e não compromete a segurança da vacina.

    Moderna

    A candidata da vacina da Moderna 2,3 foi testada em 30 mil pessoas nos Estados Unidos. Ela possui uma eficácia muito parecido com a da Pfizer/Biontech, de aproximadamente 94,1%. Ou seja, de todos as pessoas testadas 196 tiveram Covid-19, dessas somente 11 estavam no grupo que tinha recebido a vacina (5,9%).

    Houve também 30 pessoas que desenvolveram a forma severa da Covid-19, mas todos estavam no grupo placebo. Este dado demonstra uma eficácia de 100% em proteger os pacientes imunizados de desenvolver a forma severa da doença.

    Essa vacina também foi bem tolerada e teve poucas reações. Sendo que a grande maioria dos efeitos colaterais que foram reportados terem sido leves e moderados. Durante a aplicação da primeira dose, o único efeito adverso grave que foi dito pelos pacientes foi a dor local da aplicação. Já após a segunda dose, uma pequena quantidade de pacientes disseram ter tido cansaço, dor muscular, dor nas juntas, dor de cabeça, e vermelhidão no local da injeção.

    Astrazeneca/Oxford

    Por fim, a vacina da Astrazeneca/Oxford 4,5 veio com resultados um pouco diferentes. A princípio eles testaram duas dosagens diferentes para aplicação e cada uma delas teve uma eficácia.

    Os pacientes que receberam uma meia-dose na primeira aplicação e uma dose inteira na segunda tiveram uma eficácia de 90%. Enquanto os pacientes que receberam doses inteiras nas duas aplicações tiveram uma eficácia de 62%. No total, a média da eficácia foi de 70%. Isto é, de todos os pacientes que foram testados 131 tiveram Covid-19. Mas destes somente 39 haviam recebido a vacina. Confuso? Sim! Todavia vamos explicar melhor isso daqui a pouco. Esses testes já foram feitos em 23 mil pessoas no Reino Unido, Brasil e África do Sul. No entanto, os pesquisadores esperam testar 60 mil pessoas até o fim do ano. Isso com testes que já estão sendo conduzidos em outros países da América Latina, Europa, Ásia e África.

    Também de acordo com os pesquisadores, a vacina foi bem tolerada por todos os grupos, mas eles não entraram em detalhes sobre os efeitos colaterais.

    OK, muito bonito! Mas traduz pra mim: o tudo isso significa? Tem algum problema ou diferencial com alguma delas?

    As diferenças entre as vacinas

    Bem, a princípio a primeira grande diferença entre as vacinas é o tipo delas. Principalmente entre a da Pfizer/Biontech e Moderna com a da Astrazeneca/Oxford 6.

    No caso das duas primeiras, o que é injetado é uma “receita” de como produzir a proteína Spike. Esta proteína está envolta por uma bolha de gordura. Já no segundo caso, na vacina Astrazeneca/Oxford, o que é injetado é um vírus que causa resfriado (adenovírus) em chimpanzés. Mas é importante ressaltar que o material genético dele foi modificado. Com isso, este vírus modificado não consegue se multiplicar ou causar o resfriado. Além disso, ainda carrega as ordens de como produzir essa mesma proteína Spike. Em termos mais simples, esse vírus funciona como um “cavalo de tróia” para a receita da Spike. É necessário dizer que nesse caso, não há necessidade de se preocupar com esse vírus, visto que não consegue se replicar dentro das nossas células.

    Além dessa óbvio diferença, um grande ponto que vem sendo discutido é em que temperatura essas vacinas precisam ser armazenadas. A candidata da Pfizer/Biontech necessita de temperaturas próximas do -70oC. Enquanto que a candidata da Moderna necessita de -20oC. Já a Astrazeneca/Oxford pode ficar armazenada em temperaturas entre 2-8oC. O grande motivo disso é o tipo de tecnologia usada nas vacinas.

    A receita para produzir a proteína Spike

    A “receita”, que comentamos mais cedo para produzir a Spike, é o chamado RNA mensageiro (RNAm). Esta é uma molécula facilmente degradada no ambiente. Um exemplo disso é que na nossa lágrima, suor, saliva e outras secreções temos enzimas capazes de destruí-las. Como se não bastasse, ainda há a camada de gordura que recobre e protege esse RNA mensageiro que também não é muito estável. Por causa disso são necessárias temperaturas tão baixas. Pois assim essas enzimas são inativadas, e toda a estrutura do RNAm – além da capa de gordura – é preservada 7

    Já na vacina da Astrazeneca/Oxford, o que recobre o material genético entregue para a célula é a cobertura de um vírus comum (basicamente proteínas). E isto é muito mais tolerante à temperaturas mais altas. No fim, o impacto real disso será na logística de distribuição das vacinas (que será comentado mais à frente).

    Sobre os números de pacientes

    Um outro ponto problemático vem sendo comentado entre cientistas 8. A falta de clareza em relação aos números de pacientes nos resultados comentados pela Astrazeneca/Oxford foi ponto de debate. Em especial comparado a Pfizer/Biontech e Moderna. Principalmente referente aos pacientes que desenvolveram a forma severa da Covid-19 e a porcentagem de pacientes que tiveram sintomas colaterais.

    Por fim, a principal questão que se discutiu há alguns dias foi referente ao problema de produção das doses. Em relação à duração da fase 3 de testes da Astrazeneca/Oxford 9,10, fez com que uma porcentagem dos participantes recebesse uma primeira dose com meia dosagem. Isso ao invés de inteira, o que no fim das contas, se mostrou bem mais efetivo do que uma primeira dose completa. O motivo da resposta imune ter sido melhor é desconhecido para a comunidade científica. Todavia, algumas hipóteses já estão sendo pensadas. Por exemplo: um número menor de vírus poderia estimular melhor um subgrupo de linfócitos T que auxiliam na geração de anticorpos. Uma outra hipótese em potencial debate sobre o desenvolvimento de uma resposta imune também contra o vírus “Cavalo de Tróia”. Assim, essa resposta a ele pode ter camuflado a resposta contra a Spike em si 11

    Tá, e quanto elas vão custar pra mim? O Brasil tem acordo com alguma dessas empresas? 

    A princípio tem se falado que a vacina mais barata será a da Astrazeneca/Oxford. Inclusive, o Brasil tem acordos – ficando em torno de 3-4 dólares por dose. Já para a vacina da Moderna e da Pfizer/Biontech tem se falado em aproximadamente 20 dólares por dose. No entanto, pode chegar até a 32 ou 35 dólares 12,13. Para essas duas últimas, nós não temos qualquer acordo, até o momento. 

    A da Pfizer/Biontech precisará equipamentos muito mais caros para conseguirem ser armazenadas dos que as suas duas concorrentes. O que pode ser um problema para países subdesenvolvidos, visto que isso encarece o preço da dose (que comentaremos mais à frente também)

    O grande motivo das candidatas da Moderna e Pfizer/Biontech serem mais caras é toda a logística necessária para o transporte. No caso da PfizerBiontech, também há a questão da necessidade de baixíssimas temperaturas. Dessa forma, há um encarecimento do processo visto que é preciso equipamentos bem mais caros para conseguir se armazenar as doses da vacina. Além disso, há todo um esforço da Universidade de Oxford para que a sua candidata seja vendida a custo de produção. Especialmente durante essa fase mais difícil da pandemia. Assim, países que não possuem condições financeiras tão favoráveis para a compra de vacinas mais caras, teriam acesso14.

    Referências:

    1. Pfizer and Biontech conclude phase 3 study of covid-19 vaccine candidate, meeting all primary efficacy endpoints.
    2. Moderna’s COVID-19 Vaccine Candidate Meets its Primary Efficacy Endpoint in the First Interim Analysis of the Phase 3 COVE Study.
    3. Moderna Announces Primary Efficacy Analysis in Phase 3 COVE Study for Its COVID-19 Vaccine Candidate and Filing Today with U.S. FDA for Emergency Use Authorization
    4. AZD1222 vaccine met primary efficacy endpoint in preventing COVID-19
    5. Oxford University breakthrough on global COVID-19 vaccine
    6. Lowe, D (2020) Coronavirus Vaccine Update, July 7.
    7. Kaiser, J (2020) Temperature concerns could slow the rollout of new coronavirus vaccines.
    8. Booth, W, Johnson, CY (2020) AstraZeneca coronavirus vaccine up to 90% effective and easily transportable, company says.
    9. Cohen, J (2020) After dosing mix-up, latest COVID-19 vaccine success comes with big question mark.
    10. The Guardian (2020) Oxford Covid vaccine hit 90% success rate thanks to dosing error.
    11. Callaway, E (2020) Why Oxford’s positive COVID vaccine results are puzzling scientists, Nature.
    12. New York Times (2020) Early Data Show Moderna’s Coronavirus Vaccine Is 94.5% Effective
    13. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca Covid vaccine: everything we know so far.
    14. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca vaccine to be sold to developing countries at cost price.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    No texto anterior, nós explicamos rapidamente como eram e o que se verificava em cada uma das fases de testes do desenvolvimento de uma vacina. Além disso, falamos sobre o que era a “eficácia” delas que tanto se fala na mídia nesses dias. Mais recentemente, entretanto, também se tem falado muito que as vacinas precisam ter “eventos” nos testes de eficácia…

    Tá, mas o que são esses tais eventos?

    Esse termo “eventos”, quanto aos resultados prévios das vacinas, é utilizado para se referir àquelas pessoas que se infectaram com o SARS-CoV-2 (e possivelmente desenvolveram alguma forma da Covid-19) após receber a candidata à vacina ou o placebo.

    Como assim? A pessoa é vacinada e se contagia?

    Calma… Na verdade, são esses eventos que servem para – entre outras coisas – descobrir a eficácia que comentamos na postagem anterior. Confuso? Vamos lembrar o exemplo que usamos anteriormente para entender o que era a eficácia:

    “Suponha que 50.000 pessoas serão testadas, 25.000 com a vacina e 25.000 com o placebo. Desses 50.000, 100 se contaminaram com o patógeno em um período de 3 anos. Analisando essas 100 pessoas que se infectaram, descobriu-se que 97 delas estava no grupo que recebeu o placebo e somente 3 no grupo vacinado. Fazendo uma divisão simples, descobre-se então que a vacina tem uma eficácia de 97%.”

    Nesse exemplo em específico, essas 100 pessoas que se infectaram são os chamados “Eventos”. Isto é, simplesmente uma forma mais impessoal e técnica de se referir aos pacientes nesses tipos de estudo, algo muito comum dentro da linguagem científica. Mas um pouco difícil de entender para não especialistas.

    Com as notícias dos testes sendo veiculados mais rapidamente, alguns termos técnicos acabam entrando nos noticiários, sem que a gente detalhe muito o significado!

    Ok, entendi isso, mas e a pergunta de ouro: quanto tempo a imunidade gerada por essas vacinas dura?

    Bom, já essa pergunta, junto com “A pessoa vacinada é capaz de não transmitir o vírus?” são perguntas bem mais complicadas de se responder, uma vez que demandam muito mais tempo e testes. 

    A princípio não sabemos quanto tempo a imunidade dessas vacinas dura. Assim, mesmo dentro da comunidade científica ainda há muitas dúvidas e todo dia vemos notícias de pesquisadores falando que a imunidade pode durar desde poucos meses até alguns anos 1-5. Toda essa confusão acontece pois a pandemia começou há poucos meses (apesar de não parecer visto o tempo que muitos de nós estamos em casa). Isto é, só agora estão começando a aparecer estudos que avaliam como o sistema imune humano tem respondido ao SARS-CoV-2 em um segundo contato 6-8

    Além disso, muitos dos primeiros estudos que saíram avaliando a duração da imunidade focaram nos anticorpos, mostrando que após poucos meses os níveis deles estavam bem baixo, o que é algo que pode assustar quando falamos. No entanto, é comum dentro da resposta imune, que estudamos usualmente 9-12. Contudo, é necessário lembrar que os anticorpos são somente “um braço” da resposta imune adaptativa. De poucos meses para cá já começaram a sair estudos que trazem mais informações sobre como os linfócitos T e B, o “braço celular” da resposta imune adaptativa, se comportam durante e após a infecção de Covid-19 13-17

    Memória Imunológica

    Vamos relembrar que os linfócitos são os responsáveis por gerar a Memória Imunológica (já comentada nestes textos aqui, aqui e aqui). Isto é o fenômeno que permite que nosso corpo responda mais forte, mais rápido e de forma mais eficiente em um segundo contato com um patógeno (no nosso caso, o vírus SARS-CoV-2). Toda a ideia por trás das vacinas é simular exatamente o primeiro contato com esse patógeno. Assim, quando nós entrarmos em contato de verdade com o vírus, já teremos células de memória e responderemos melhor contra ele. Mais do que isso, entramos em contato com o vírus sem sentir todos os sintomas da doença causada por ele. 

    Sobre a duração da imunidade

    Para responder a pergunta sobre a duração da imunidade, os pesquisadores que estão trabalhando com as novas candidatas a vacinas precisarão olhar para essas células: os linfócitos B e T. Entretanto, que os níveis de anticorpos caem após algum tempo nós já sabemos. Mas como disse anteriormente, isso é normal.

    Veja, após resolver a infecção, o corpo não vai querer continuar gastando energia e recursos preciosos para produzir milhões de cópias de anticorpos. O nosso corpo vai diminuir então a quantidade de anticorpos produzidos pelos linfócitos B de memória – agora chamados de Plasmócitos – para níveis bem baixos. Assim, os Plasmócitos ficam guardados na Medula Óssea. No entanto, eles não ficam completamente ausentes do corpo não!

    Esses plasmócitos ficam “dormindo” na medula óssea, enquanto liberam pequenas quantidades de anticorpos durante todo o tempo. Uma vez que o corpo entre em contato novamente com o patógeno, esses plasmócitos são reativados e começam a liberar grandes quantidades de anticorpos no sangue, para combater o patógeno mais uma vez.

    Linfócitos T

    Quanto aos Linfócitos T, primeiro é preciso lembrar que há dois deles: o Auxiliar e o Citotóxico. O primeiro deles é responsável por coordenar toda a resposta imune inata e adaptativa, ajudando as outras células a realizarem suas funções a partir da liberação de moléculas chamadas Citocinas. Já o segundo tem uma função muito mais direta: matar células modificadas (cancerígenas ou infectadas por um patógeno, como um vírus).

    Após um primeiro contato, assim como acontece para os linfócitos B, também são formados linfócitos T auxiliares e citotóxicos de memórias. Estes ficam guardados – em sua grande maioria – no baço e linfonodos (pequenos órgãos anexos à circulação linfática e distribuídos por todo o nosso corpo).

    Contudo, algumas dessas células ficam viajando entre os linfonodos e tecidos corporais de forma que dizemos que eles estão patrulhando o corpo. Por exemplo, em tecidos de órgãos como os pulmões, cérebro, intestino, fígado, rins, bexiga, etc. A partir do momento que as células patrulheiras encontram o mesmo patógeno de novo, elas liberam uma série de moléculas no sangue. Estas moléculas viajam até onde as células de memória estão guardadas. Assim, as células de memória são ativadas (“acordadas”) por essas moléculas e se juntam ao novo combate ao patógeno. 

    Análise por grupos de pessoas

    Dito tudo isso, é somente analisando as respostas por parte dessas células que os cientistas vão conseguir determinar qual a duração da imunidade contra o SARS-CoV-2. Para isso eles terão que analisar e comparar a atividade dessas células periodicamente durante os próximos meses em pessoas dos grupos:

    • Vacinado que não se infectou,
    • Vacinado que se infectou,
    • Controle que não se infectou,
    • Controle que se infectou.

    Para complicar ainda mais toda a situação e colocar mais uma variável, precisamos ficar de olho ainda para possíveis mutações que o vírus sofra nesse tempo, pois caso o nível de mutações dele seja muito alto (por exemplo como o vírus Influenza, causador da gripe comum), a vacina pode parar de ser efetiva em sua prevenção.

    Mas, e essas ressalvas?

    Essas ressalvas sobre as pesquisas seguem sendo feitas, mas não fazem com que as vacinas não sejam seguras!

    As vacinas que estão na fase 3 de testes já têm sua segurança testada (nosso texto anterior fala isso com mais detalhes!). Dessa forma, estas análises que serão continuadas após liberarmos a vacina é para conseguirmos averiguar por quanto tempo elas manterão sua eficácia. Ou seja, se uma dose será suficiente para toda a vida, se precisaremos nos vacinar anualmente ou a cada 10 anos, por exemplo! 

    Nós sabemos que já falamos aqui, mas não custa ressaltar: as vacinas que estão nestas fases de teste são seguras sim!

    Por fim, agora que entendemos tudo isso, fica ligado que no próximo texto. Vamos começar a discutir os resultados preliminares das vacinas que saíram recentemente, suas diferenças e algumas questões levantadas por pensadores ao redor do mundo.

    Para Saber mais

    1. BBC (2020) Coronavírus: o que a Ciência já sabe sobre imunidade pós-covid
    2. SCIENCE NEWS (2020) We still don’t know what COVID-19 immunity means or how long it lasts.
    3. Immunity to SARS-CoV-2 Lasts at Least Six Months, Data Show
    4. Immunity to the Coronavirus May Last Years, New Data Hint.
    5. Coronavirus immunity can last more than six months, study suggests
    6. To, KKW, Hung, IFN, Ip, JD, Chu, AWH, Chan, WM, Tam, AR, … & Lee, LLY (2020) COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing. Clinical infectious diseases. Disponível:
    7. Tillett, R. L., Sevinsky, J. R., Hartley, P. D., Kerwin, H., Crawford, N., Gorzalski, A., … & Farrell, M. J. (2020). Genomic evidence for reinfection with SARS-CoV-2: a case study, The Lancet Infectious Diseases.
    8. Mulder, M., van der Vegt, D. S., Munnink, B. B. O., GeurtsvanKessel, C. H., van de Bovenkamp, J., Sikkema, R. S., … & Wegdam-Blans, M. C. (2020). Reinfection of Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 in an Immunocompromised Patient: A Case Report. Clinical Infectious Diseases: An Official Publication of the Infectious Diseases Society of America
    9. Why You Shouldn’t Worry About Studies Showing Waning Coronavirus Antibodies. Acessado em: 30/11/2020. Disponível em:
    10. Iyer, AS, Jones, FK, Nodoushani, A, Kelly, M, Becker, M, Slater, D, … & Astudillo, M (2020) Persistence and decay of human antibody responses to the receptor binding domain of SARS-CoV-2 spike protein in COVID-19 patients, Science immunology, 5(52).
    1. Wajnberg, A, Amanat, F, Firpo, A, Altman, DR, Bailey, MJ, Mansour, M, … & Stadlbauer, D (2020) Robust neutralizing antibodies to SARS-CoV-2 infection persist for months, Science.
    2. Wu, J, Liang, B, Chen, C, Wang, H, Fang, Y, Shen, S, … & Wu, Y (2020). SARS-CoV-2 infection induces sustained humoral immune responses in convalescent patients following symptomatic COVID-19, MedRxiv.
    3. Rodda, LB, Netland, J, Shehata, L, Pruner, KB, Morawski, PA, Thouvenel, CD, … & Fahning, ML (2020) Functional SARS-CoV-2-specific immune memory persists after mild COVID-19, Cell.
    4. Sekine, T, Perez-Potti, A, Rivera-Ballesteros, O, Strålin, K, Gorin, JB, Olsson, A, … & Wullimann, DJ (2020) Robust T cell immunity in convalescent individuals with asymptomatic or mild COVID-19, Cell, 183(1), 158-168.
    5. Dan, JM, Mateus, J, Kato, Y, Hastie, KM, Faliti, C, Ramirez, SI, … & Peters, B (2020) Immunological memory to SARS-CoV-2 assessed for greater than six months after infection, bioRxiv.
    6. Schulien, I, Kemming, J, Oberhardt, V, Wild, K, Seidel, LM, Killmer, S, … & Binder, B (2020) Characterization of pre-existing and induced SARS-CoV-2-specific CD8+ T cells, Nature medicine, 1-8.
    7. Le Bert, N, Tan, AT, Kunasegaran, K, Tham, CY, Hafezi, M, Chia, A, … & Chia, WN(2020) SARS-CoV-2-specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls, Nature, 584(7821), 457-462.

    Para mais informações sobre a resposta imune humoral contra COVID-19:

    Ripperger, TJ, Uhrlaub, JL, Watanabe, M, Wong, R, Castaneda, Y, Pizzato, H A, … & Erickson, HL (2020) Orthogonal SARS-CoV-2 serological assays enable surveillance of low-prevalence communities and reveal durable humoral immunity, Immunity.

    Gudbjartsson, DF, Norddahl, GL, Melsted, P, Gunnarsdottir, K, Holm, H, Eythorsson, E, … & Thorsteinsdottir, B (2020) Humoral immune response to SARS-CoV-2 in Iceland, New England Journal of Medicine, 383(18), 1724-1734.

    Seow, J, Graham, C, Merrick, B, Acors, S, Pickering, S, Steel, KJ, … & Betancor, G (2020) Longitudinal observation and decline of neutralizing antibody responses in the three months following SARS-CoV-2 infection in humans, Nature Microbiology, 1-10.

    Gaebler, C, Wang, Z, Lorenzi, JC, Muecksch, F, Finkin, S, Tokuyama, M, … & Oliveira, TY (2020) Evolution of Antibody Immunity to SARS-CoV-2, Biorxiv.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, Com Dr. Marcelo Mori

    O que é e como funciona a pesquisa por dentro da Força Tarefa da Unicamp tem a participação do Dr. Marcelo Mori, coordenador da Força Tarefa.

    Nosso convidado vai falar para nós sobre como é o trabalho coletivo, em várias áreas de conhecimento, contra a Covid-19!

    Entrevistado de hoje:

    Dr.Marcelo Mori, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Força Tarefa da Unicamp

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, com Dr. Alessandro Farias

    O que é e como funciona a pesquisa? O por dentro da Força Tarefa da Unicamp estreia com o Dr. Alessandro Farias, coordenador da Frente de Diagnósticos e cientista responsável pela pesquisa sobre as semelhanças entre o coronavírus e o HIV na infecção do corpo humano!


    Entrevistado de hoje: Dr.Alessandro Farias, chefe do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Frente de Diagnósticos da Força Tarefa

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

    PARA SABER MAIS

    Davanzo, G; Codo, A; Brunetti, N; (…) Mori, M; Farias, A (2020) SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. doi: https://doi.org/10.1101/2020.09.25.20…

    O vírus SARs-CoV-2 pode ter uma ação parecida com o vírus do HIV, ao infectar linfócitos https://bit.ly/sars-hiv1

    Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV https://bit.ly/sars-hiv2

  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Rogéria Veronezi

    Profa. Rogéria Veronezi (à esq.) e a colaboradora Giovana Veronezi (à dir.), mãe e filha. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Muitos têm sido os desafios que a pandemia da COVID-19 e as políticas de isolamento e distanciamento social vêm provocando no setor educacional. Devido a esse contexto, nós do Ciência Pelos Olhos Delas preparamos uma série especial com relatos e reflexões de profissionais da área sobre suas experiências. 

    O primeiro post da série contou com a participação da Profa. Dra. Michelle Rocha Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Em entrevista à colaboradora Carolina Francelin, a Dra. Michele compartilhou sua visão de como esta nova realidade tem afetado o ensino superior.

    Hoje a colaboradora Giovana Veronezi traz a segunda e última parte deste especial com o relato da Profa. Rogéria Veronezi sobre sua atuação no ensino fundamental e médio. O resultado você pode conferir na íntegra abaixo.


    Todas as experiências escrevendo para o Ciência Pelos Olhos Delas são especiais à sua maneira, mas não há como comparar a oportunidade de realizar uma entrevista com a nossa própria mãe. Após compartilharmos nossos relatos pessoais em relação à pandemia aqui no blog, surgiu a ideia de trazermos também uma abordagem do ponto de vista educacional, e eu imediatamente já sabia quem gostaria de entrevistar.

    Ao longo dos anos eu pude acompanhar a trajetória da Profa. Rogéria não só no papel de filha mas também como sua aluna ao longo de todo o meu ensino fundamental. Quando a pandemia da COVID-19 resultou na interrupção das aulas presenciais e no estabelecimento do ensino remoto, acompanhei de perto também como as incertezas e adaptações afetaram sua rotina profissional.

     Atualmente Professora de Língua Portuguesa e Literatura no SESI e Coordenadora Pedagógica na EMEB Prof. José Barreto Coelho, em Mococa (SP), a Profa. Rogéria conta em detalhes quais foram tais adaptações e como estas afetaram as relações aluno-professor, professor-professor e o planejamento escolar como um todo.

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Minha formação inicial é em Letras. Minha primeira Pós Graduação foi na área de Psicopedagogia Institucional. Depois senti necessidade de cursar Pedagogia e, atualmente, estou cursando uma Pós em Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 

    Minha experiência com a docência permeia desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Na Educação Infantil, fui professora de Língua Inglesa para crianças a partir de 4 anos de idade, experiência também compartilhada no Ensino Fundamental I. Nos segmentos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio minha experiência maior é na área de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. 

    Além de trabalhar como docente, atuo na área de formação de professores como Coordenadora Pedagógica, função que acumulo à de professora há, aproximadamente, dezoito anos.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Atualmente trabalho em duas instituições de ensino: uma da rede particular e outra da rede municipal. Na primeira, sou professora; na segunda, Coordenadora Pedagógica, o que me oportunizou experienciar a situação sob as duas vertentes. 

    A pandemia afetou fortemente o modelo de educação que conhecemos, o que exigiu que as pessoas envolvidas – gestores, professores, estudantes – ressignificassem suas concepções sobre função social da escola. O problema é que tudo aconteceu de uma forma muito inesperada, e a mudança precisou ser feita num ritmo muito acelerado e num contexto de muitas incertezas. 

    O fato de estar na sala de aula muito colaborou com o meu trabalho de Coordenação Pedagógica, pois conseguia enxergar na prática as dificuldades apresentadas pelos professores que coordeno. As incertezas e as muitas novidades ocorridas no início do trabalho com o Ensino Remoto foram, aos poucos, dando lugar ao sentimento de ser necessário encarar os desafios um a um, o que significava controlar a ansiedade e reestruturar a forma como o trabalho vinha sendo desenvolvido até então.  

    A meu ver, o que mais impactou nas atividades, em ambas escolas, foi a necessidade de o professor distanciar-se de seus estudantes, uma vez que o nosso trabalho se apoia no vínculo criado diariamente na sala de aula. Além disso, a maioria dos professores e dos estudantes não estavam preparados para lidar com esse novo formato, em que a tecnologia passou a ser uma das protagonistas do sistema educacional. Interessante foi ter notado que os adolescentes, tidos como “digitais”, também tiveram dificuldades para se adaptar à tecnologia como ferramenta no seu processo de ensino-aprendizagem.

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Embora tenha 26 anos de experiência docente, ainda não tinha tido a oportunidade de trabalhar integralmente em um sistema de Ensino Remoto. De alguma forma, a tecnologia já fazia parte da minha rotina de trabalho, mas num sistema híbrido.

    Aprender a lidar com as aulas síncronas talvez tenha sido o meu maior desafio, pois é como se você fosse abduzido da sua zona de conforto – a sala de aula – e teletransportado para a frente de uma tela de computador, com quem passa a conversar. O diálogo passa a ser, então, um monólogo, pois geralmente os adolescentes têm resistência em abrir as câmeras e interagir com o professor.

    É diferente de um curso on-line em que você se matricula por vontade própria, como estudante, e sabe que seu contato presencial com o professor será limitado ou, dependendo do curso, inexistente. No Ensino Remoto, ninguém teve a chance de optar.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As incertezas trazidas pela pandemia da COVID-19 fizeram com que as adaptações fossem acontecendo de forma gradual, pois no início não havia como mensurar o tempo em que ficaríamos afastados do ensino presencial. Nas escolas em que trabalho, por exemplo, uma das primeiras adaptações foi com relação ao Calendário, com a antecipação das férias de julho para abril. 

    Depois vieram as adaptações referentes à organização dos estudantes para trabalharem em um novo modelo, distantes dos seus colegas e professores;

    à disponibilização de plataformas educacionais para acesso a aulas síncronas, se possível;

    à postagem e ao acesso das atividades;

    ao investimento na formação de professores quanto a novas tecnologias;

    à reorganização do planejamento;

    à garantia de feedbacks, tanto do professor para o aluno quanto o contrário;

    ao como garantir o cumprimento das atividades pelos alunos;

    ao como auxiliar o estudante que sentisse dificuldades com as atividades propostas.

    Digo que as adaptações foram, e estão sendo feitas, de forma gradual porque muitas questões novas aparecem cotidianamente. O que fazer, por exemplo, com um estudante que, de repente, deixa de cumprir as atividades propostas mesmo tendo condições favoráveis ao acesso? Nesse momento é necessário um processo de adaptação, no sentido de se pensar em uma estratégia que possa ser transformada em uma ação eficiente, principalmente para o aluno.  

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    É preciso ser realista com a situação que estamos vivendo: os estudantes não têm experiência com esse sistema de ensino e, mesmo após seis meses de trabalho, podemos dizer que muitos ainda estão em fase de adaptação. Analisar a reciprocidade dos alunos implica analisar outros fatores que interferem nesse processo, como o fato de o Ensino Remoto não ser adequado para todos os tipos de estudantes, principalmente para aqueles que apresentam algum tipo de dificuldade. 

    Penso que a idade também interfere nesse processo: quanto mais novo o estudante, mais difícil lidar com o ensino remoto. Como já disse anteriormente, Ensino Remoto não é sinônimo de Ensino à Distância, embora em ambos o contato entre professor e aluno não aconteça como no ensino presencial. No Ensino à Distância o estudante, geralmente já na fase adulta, está consciente de sua escolha quando opta por um pós-graduação, por exemplo. 

    Em ambos os modelos, estudar exige uma disciplina muito maior que estudar em uma sala de aula, principalmente porque o aluno tem que aprender a gerir o seu próprio tempo. Imagine quão complicado isso pode ser para adolescentes cujos pais precisam sair para trabalhar de manhã e deixá-los sozinhos em casa…  No ensino presencial, os estudantes encontram um espaço pensado e organizado para o propósito da aprendizagem. No Ensino Remoto, o estudante perdeu essa referência e precisou se reorganizar. Obviamente, a reciprocidade e participação não têm sido 100%, e muitos são os fatores que podem justificar esse resultado, desde a dificuldade de acesso à falta de autonomia dos estudantes.  

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos?

    Nesse modelo, tudo mudou, inclusive a forma de avaliar o desenvolvimento e aquisição de conhecimentos. Sou consciente de que muitos alunos, durante a prova, resolvem as questões a partir de consultas na internet, conversas com colegas pelo WhatsApp… Não há como evitar isso. Então é preciso mudar o olhar sobre como avaliar, assim como o paradigma de que o aluno deve fazer essa ou aquela atividade para “ganhar nota”. Quando meus alunos me fazem a fatídica pergunta “Vale nota, professora?”, eu respondo “Vale conhecimento!”. 

    Acredito ser importante eles se convencerem de que a prova que fazem na escola é equivalente a qualquer outro processo avaliativo: a habilitação para dirigir, por exemplo. No momento da prova, o “candidato a motorista” não deve mostrar ao avaliador o resultado de tudo aquilo que aprendeu durante as aulas com o instrutor da autoescola? Tento convencer meus alunos de que na escola o processo deve ser o mesmo. 

    Outra problemática presente é o fato de o distanciamento entre professor e aluno impossibilitar a mediação do professor, tão necessária ao processo de ensino-aprendizagem. Quando estamos em sala de aula, há como percebermos a evolução do estudante através da observação durante a realização dos exercícios, a participação nas aulas, o envolvimento com as atividades propostas… No presencial, é possível fazer, como nós costumamos dizer, um trabalho “corpo a corpo”: se o aluno tem dificuldade, o professor senta com ele e o ajuda a resolver o exercício, por exemplo. No formato remoto isso inexiste, por mais que se tenha contato com o aluno nas aulas síncronas, em que, vale lembrar, há ainda um grande dificultador: o fato do aluno não interagir com o professor.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    São muitos os desafios neste momento, mas um dos maiores, na minha visão, é garantir que todos os estudantes tenham acesso às atividades propostas, consigam organizar-se, tornar-se autônomos e, consequentemente, desenvolver as competências e habilidades necessárias à sua aprendizagem. Outro grande desafio é o professor conseguir lidar com as mudanças inerentes ao contexto atual e reconhecer a urgência de a necessidade de rever o seu papel como profissional do conhecimento.

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Não há como nos desvencilhar das novas estratégias que passaram a fazer parte do nosso planejamento. O ensino híbrido, que já não era novidade em educação, ganhou seu espaço e, efetivamente, permanecerá nos planejamentos pós-pandemia, como a “aula invertida”, que dá aos alunos a oportunidade vir à aula presencial repertoriados sobre o assunto que será discutido. 

    Não se trata de descartar todas as estratégias utilizadas antes da pandemia, mas, sim, de renová-las. Acredito que nós, professores, descobrimos novas formas de ensinar, de tornar nossas propostas muito mais significativas para os estudantes e não podemos abrir mão disso. Coordeno professores que foram meus professores e que, apesar da vasta experiência como docentes, estão se redescobrindo, aprendendo a ensinar através de meios tecnológicos. Não foi fácil no começo, mas já comemoram suas conquistas.

    9. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Espero que essa experiência coletiva mude a nossa forma de pensar a educação. Que os alunos entendam que a escola é um lugar onde vão para compartilhar experiências, aprender, se divertir, criar vínculos, descobrir suas competências e habilidades. Que os professores se assumam como professores, como profissionais do conhecimento, que se preocupem em estar sempre se preparando para formar esses jovens que, diariamente, estão sob nossa responsabilidade. Talvez alguns, ao ler essa resposta, pensem que eu esteja sendo utópica, mas se não idealizarmos uma mudança ela nunca será realidade.


    Obrigada, mãe, por aceitar o convite e pelas valiosas reflexões. Acredito que muitas instituições de ensino compartilham desta realidade de ainda vivenciarem uma fase de adaptação em adequar este novo modelo de ensino às necessidades dos alunos e preparação dos professores, mesmo após meses de ensino remoto. Adicione diferenças socioeconômicas que limitam o acesso de muitos à esse formato digital e o desafio se torna ainda maior. Neste caminho, que cada vez mais as vozes de professores e profissionais da educação sejam reconhecidas e amplificadas.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise

    Michelle Rocha-Parise. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Das alterações provocadas pela pandemia da COVID-19, o setor educacional foi um dos mais afetados e o retorno às aulas está sendo bastante complexo de se resolver. Pensando nisso, nós do Ciência Pelos Olhos Delas desejamos trazer um olhar por dentro da problemática do ensino remoto por meio de conversas com profissionais do ensino fundamental/médio e superior.

    Mundialmente, o primeiro decreto de quarentena levantou discussões sobre o bem e/ou mal que o isolamento de crianças e jovens adultos poderia causar no desenvolvimento intelectual e social daqueles que ficaram em casa.

    Conforme o isolamento social foi se estendendo, o ensino foi reinventado para ser apresentado por meio de uma plataforma digital – aquela que pode ser feita à distância. Acreditamos que ela foi criada com o intuito de reduzir os impactos na progressão acadêmica dos alunos e também auxiliar economicamente as instituições. Contudo, essa alteração requer estudo e ações que viabilizem o andamento das aulas de forma igualitária a todos. 

    Aqui trazemos dois relatos de experiência, um hoje e um na semana que vem, para compartilhar um pouco a realidade do ensino remoto, a fim de enriquecer discussões acerca desse assunto.  

    ****

    Hoje, eu trago a primeira parte desse material: o relato da experiência da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). A Michelle é uma amiga que fiz na Unicamp, quando realizamos pós-doutorado em Neuroimunologia no Instituto de Biologia. Na UFJ, suas linhas de pesquisa apresentam projetos nos quais ela busca alternativas terapêuticas para doenças, especialmente aquelas de caráter autoimune, assim como o entendimento das alterações imunológicas causadas pelos agentes ambientais, ou seja, exposições ocupacionais de indivíduos que trabalham com substâncias deletérias (agrotóxicos). 

    Como aconteceu com grande parte dos cientistas no mundo todo, a quarentena provocou atrasos em sua pesquisa científica e alterou sua forma de lecionar. No caso dela, o isolamento social afetou não só o ir e vir dos alunos como também afetou a coleta de amostras humanas. 

    Diante da nova realidade, Michelle manteve as reuniões administrativas, orientações e aulas em diferentes plataformas digitais. Para ela, o deslocamento das aulas presenciais para o sistema de ensino remoto foi novidade, apresentou desafios e trouxe diferentes propostas de ensino. Leia a nossa conversa a seguir: 

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Eu sou farmacêutica com habilitação em análises clínicas e pós graduação lato sensu em análises clínicas na subárea Imunologia. Sou Mestre em Imunologia, Doutora em Farmacologia, e Pós Doutora em Neuroimunologia.

    Minha experiência como docente começou quando eu defendi o Mestrado e comecei a dar aula de Cosmetologia no Senac em um período que fiquei sem bolsa (financiamento para pesquisa). Já quando terminei o Doutorado, eu lecionei Farmacologia e Imunologia para uma Universidade privada. Quando eu estava no primeiro ano do Pós Doutorado eu ingressei na UFJ, onde eu leciono Farmacologia.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    A pandemia afetou de uma forma bastante expressiva as atividades da Universidade onde eu atuo, principalmente no que tange à parte da graduação. 

    Na parte administrativa houve uma comoção geral para nos adaptarmos com as tecnologias disponíveis para reunião remota e assim tudo foi sendo realizado de uma forma bastante satisfatória. Isso também porque a Universidade conta com um sistema eletrônico de informações, onde todas as assinaturas são eletrônicas, então essa parte não foi um problema. 

    Em relação às aulas houve muita discussão principalmente referente ao acesso dos discentes à tecnologias: acesso à internet e condições de ter um computador e/ou celular. Isso para que os alunos pudessem acompanhar as atividades de maneira satisfatória. Então, baseado nessa problemática, a Universidade suspendeu as atividades.

    O único curso que voltou às atividades de forma remota foi o que eu sou responsável, que é o curso de Medicina. Isso também porque fizemos um estudo e menos de 3% dos alunos não teriam como acompanhar as aulas remotas, o que foi suprido pelo curso/instituição. Esse retorno foi, muito provavelmente, possível devido à condição socioeconômica dos alunos desse curso, que têm uma posição mais privilegiada. Já os demais cursos ainda não retornaram e estão analisando os questionários para avaliar a possibilidade da volta às aulas remotamente.  

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Eu não tinha nenhuma experiência com ensino remoto, nunca havia feito nada nesse sentido. Inclusive, senti bastante dificuldade no início, o que foi sanado com a capacitação oferecida pela Universidade e a rotina do uso dos sistemas disponíveis para as reuniões. 

    Já por parte dos alunos, eles mesmos se organizaram e ofereceram uma semana de capacitação para manusear as diferentes plataformas e ferramentas. 

    Aqui não estamos fazendo o ensino à distância e sim o ensino remoto, onde oferecemos aulas síncronas e assíncronas, essa última é quando gravamos a aula e enviamos para o aluno previamente para que durante a aula possamos trabalhar melhor a discussão do assunto. Isso visando tentar manter a característica ativa da metodologia de ensino, utilizada pela Universidade.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As adaptações ocorreram na readequação do plano de ensino, sendo que as aulas práticas não passíveis de adaptação para vídeo serão ministradas no retorno das aulas presenciais. 

    A bibliografia também foi revista e somente textos e livros disponíveis online foram mantidos, também incluímos alguns artigos e livros de domínio público. Tudo foi adaptado de uma forma que o aluno consiga, através do acesso à biblioteca virtual da universidade ou pela rede em geral, ter acesso ao material didático proposto. 

    Já da minha parte, eu acho que tudo isso fez com que eu tornasse minhas aulas menos conteudistas e percebi agora que dá para otimizar a aula para o aluno absorver o conteúdo base. E aquilo que é adicional eu posso trabalhar com o aluno fora do horário de aula, com exercício por exemplo, tornando a hora aula mais produtiva. 

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    Em relação à adesão dos alunos como um todo foi muito bom, e vem sendo. Nosso retorno é muito recente, aconteceu dia 5 de outubro, e foi de maneira satisfatória. Eu tive alta adesão dos alunos com muitas perguntas durante a aula, mesmo ela sendo gravada. 

    Bom lembrar que a instituição deu um respaldo muito bom através de uma normativa para os docentes sobre como agir em relação ao registro e disponibilização da gravação das aulas. De toda forma tem sido bem proveitoso, os alunos têm participado.

    Eu controlo a frequência no início e no fim da aula, peço para que liguem câmera/microfone e tenho tido 100% de adesão. A única diferença é que tenho adaptado algumas das minhas aulas para um conteúdo mais otimizado e depois disponibilizo material complementar. Isso porque na aula virtual extensa é mais difícil manter o foco do aluno por muito tempo, tenho restringido minha aula entre 1h30 e no máximo 2 horas sem intervalo. 

    Ainda devo mencionar que o WhatsApp se tornou uma boa ferramenta durante o ensino remoto, pois virou nosso melhor meio rápido de comunicação, substituindo o email, que não olhamos durante o andamento das aulas remotas. 

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos? 

    Considerando que agora os alunos conseguem ter acesso à consulta, eu deixei as atividades complementares (que complementam a nota do semestre) com um grau de dificuldade maior, fazendo com que o aluno tenha que raciocinar e não somente copiar a resposta do texto de referência. 

    Também exigi que as respostas sejam manuscritas e escaneadas para carregamento na plataforma online, para que mesmo que o aluno tenha copiado as respostas ele pelo menos tenha o trabalho da cópia em próprio punho.

    Em relação às avaliações oficiais (provas finais) essas serão ministradas por meio da plataforma com tempo para resposta e uma prova com questões também mais de raciocínio, que dificulta a cópia entre colegas.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    Acho que o maior desafio desse sistema remoto é contar com a maturidade do discente, para que ele entenda que ele é o principal responsável pelo seu conhecimento. E que aquilo que se esconde hoje, por exemplo copiando o exercício ou logando na aula sem participar, será evidenciado mais adiante com o retorno das aulas presenciais e práticas. 

    Assim, o aluno de alguma forma vai demonstrar se ele foi fiel ao conhecimento ou não durante esse período de aula remota.Dessa forma, eu acho que na realidade o desafio do ensino remoto é realmente conscientizar os alunos que os responsáveis pelo conhecimento são eles mesmos, e que os docentes estão ali para instruir e direcionar. 

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Sim, eu pensei em continuar com algumas atividades online talvez em um canal no YouTube ou algo similar para os conteúdos que eu não consiga contemplar em sala de aula de forma satisfatória ou assuntos adicionais que não estão presentes no plano de ensino, mas que eu ache pertinente para a formação do aluno. 

    Eu acho que tem muita coisa útil no ensino remoto, as turmas virtuais por exemplo, mesmo quando as aulas voltarem eu farei mais uso visando a sistematização da informação. 

    9. O que você achou dos congressos/encontros realizados online através das plataformas?

    Em relação à participação em eventos, eu tenho sentido falta da proximidade que nos permite criar parcerias, que são estabelecidas primordialmente pelo contato social direto.

    A apresentação de trabalho de forma remota teve redução de tempo, de uma forma que não é possível exprimir a essência do trabalho de uma maneira adequada. 

    No geral, eu acredito que os eventos que aconteceram de forma remota não tiveram bons aproveitamentos. Isso porque fez com que os alunos prezassem pela quantidade de participação e não qualidade, já que é possível entrar em várias salas ao mesmo tempo. 

    O que eu acho é que algumas apresentações, principalmente os posters, podem continuar de forma virtual (nos livrando dos posters impressos), mas os encontros devem voltar sim para a forma presencial assim que possível. 

    10. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Eu acho que irá impactar de forma positiva desde que a gente tenha medidas de inclusão digital para a grande maioria dos alunos que têm uma vulnerabilidade socioeconômica muito grande. Mas eu acho que isso agora será uma tendência mundial: ter muitas coisas acontecendo de forma remota. Até mesmo as reuniões são mais produtivas, boa parte das questões administrativas podem continuar de forma remota. 

    Mas para o ensino dar certo, as ferramentas de ensino remoto precisam ser bem empregadas: treinamento, preparo e condições mínimas para uso. Desde a educação básica até o ensino superior, tudo teria que ser muito bem analisado para verificar quais seriam as principais adequações.

    Ainda, questões estruturais precisam ser revistas. Aqui mesmo na Universidade, por ser uma cidade pequena, a rede de internet Wi-Fi é ruim e dificulta o acesso dos alunos todos ao mesmo tempo. Quando voltarem às aulas presenciais, os alunos ainda utilizarão o sistema remoto e congestionarão a rede. Problemas assim precisam ser sanados.

    Outra coisa que também deve ser considerada é que o docente não recebe nenhum tipo de incentivo para o trabalho remoto. Os docentes arcam com as despesas da internet, da energia elétrica, e o computador utilizado para o trabalho é o de uso particular. Então esse é um ponto a ser considerado principalmente para os professores da educação básica que têm um salário menor e precisam de mais respaldo nessa parte. Também, os docentes mais antigos e com dificuldades para lidar com a tecnologia precisam ter algum tipo de atenção e preparo diferenciados por não terem familiaridade com os recursos tecnológicos. 

    ****

    O relato da Michelle é singular na sua atuação como docente do curso de Medicina da UFJ. Como ela cita, o ensino remoto nesse curso foi possível devido a uma posição socioeconômica favorável da maioria dos alunos; já os demais cursos de graduação ainda estão no processo de iniciar o ensino remoto. Assim, acredito que a realidade de outros Centros Universitários, públicos ou particulares, seja bastante diversa. Ainda, espero que este relato traga outras discussões entre seus pares sobre a instalação de um ensino remoto eficiente e igualitário

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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