Categoria: Covid-19

  • Como se faz ciência em um grupo de pesquisa?

    Este texto é uma apresentação dos trabalhos dos bastidores das pesquisas do EMRC. Antes de entrar “mesmo” no laboratório, vamos falar um pouco do que é esse trabalho, como montamos projetos, como formamos pesquisadores e nos formamos pesquisadores. Ou seja, antes de falar da Medicina Experimental e o que significa trabalhar com isso, gostaríamos de falar sobre como chegamos até aqui . O que seria isso? Esse trabalho de formiguinhas coletivas, que pensam, escrevem, propõem, formam e fazem pesquisa, juntos.

    Para isso, gostaríamos de começar com a noção de que não basta estar numa universidade para fazermos pesquisa. É preciso, também, cumprir várias etapas anteriores. Hoje vamos falar um pouco dos editais de pesquisa e das propostas que fazemos a estes editais!

    O que é fazer pesquisa como grupo de pesquisa?

    Parece que fazer pesquisa é estar em laboratório, com jaleco, cheio de equipamentos. Talvez analisando dados que aparecem em uma placa de petri, tubos de ensaio, lupas ou microscópios. Há quem pense que por sermos professores e pesquisadores universitários de universidade pública, “nosso salário está garantido”. Portanto, é só entrar no laboratório e fazer nosso trabalho (nossa pesquisa).

    No entanto, não é tão simples assim… A pesquisa não é um simples “entrar em laboratório e trabalhar”. Vamos falar um pouco sobre isso hoje…

    Como se forma pesquisadores

    Somos um grupo de 9 pesquisadores. Parte do nosso trabalho é usar nossa trajetória de pesquisa anterior. E isto inclui nossa formação pregressa (tanto a graduação, quanto nossa especialização em uma área no Mestrado e Doutorado).

    No EMRC cada pessoa tem uma formação ligeiramente diferente uma da outra. Isto é, ali somos todos da área “biomédicas” – temos biólogos, veterinários, farmacêuticos, biomédicos, bioquímicos. Consideramos, aqui no Brasil, a pós-graduação nossa entrada em projetos de pesquisa de maneira cada vez mais “autônoma”. Ou seja, termos uma atuação mais propositivas. Não apenas executando as etapas experimentais, de campo e coleta de dados, mas elaborando-os também – que é um pouco do que falaremos aqui hoje). Cada pesquisador aqui do grupo tem formações também diferentes. Como assim? Isso não se restringe apenas ao “diploma” (como bioquímica ou biologia molecular, por exemplo). Mas diz respeito à linha de pesquisa dentro destas áreas de conhecimento. 

    Em cada uma destas etapas de formação, aprendemos sobre nossa área e nossos objetos de pesquisa, mas também aprendemos vários detalhes de como ser pesquisadores. Isso inclui: escrever projetos, orientar e formar novos pesquisadores, formar grupos de pesquisa, elaborar experimentos, desenvolver, analisar e debater dados obtidos em nossos experimentos.

    Nosso trabalho na universidade

    Ao organizar nosso trabalho na Unicamp, parte de tudo o que pensamos como cientistas é que não se caminha sozinho para produzir conhecimento. Neste sentido, o EMRC foi se organizando a partir da premissa de que fazer ciência junto é melhor, mais produtivo, mais criativo. Colaborativamente, temos ideias diferentes exatamente pela nossa formação que andou por caminhos que divergem. Mas também complementares, por trazerem olhares que não são sempre iguais, para o que estamos pensando.

    Isso é relevante, uma vez que a pesquisa não é – como dissemos no início deste texto – um ato de “entrar no laboratório e sair fazendo”. Isso contando que já temos um espaço para fazer pesquisa. Isto é, que os laboratórios e salas que trabalhamos já existiam quando entramos na Unicamp, ao menos em parte. Calma que isto é um capítulo a parte e vamos falar de estrutura em outro momento também, aguarde. Dessa forma, uma das etapas que precisamos para iniciar nossa pesquisa é verba para manter o trabalho cotidiano dos laboratórios. E como se consegue isso?

    Os editais! 

    Existem várias modalidades de investimento na ciência. Os mais comuns são os editais de pesquisa públicos e privados. Todos os anos – alguns anos com mais verba do que outros – os governos Federal e Estadual lançam editais de pesquisa via agências de fomento. Mas o que é isso? São instâncias do governo que são destinadas exclusivamente a captar recursos e lançar linhas de investimento. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – mais conhecida como FAPESP é uma destas instâncias no Estado de São Paulo. No âmbito federal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – mais conhecido como CNPq – é responsável por isso. Estas agências, anualmente, buscam recursos para financiar pesquisas científicas. Por exemplo, no caso da FAPESP há uma porcentagem do ICMS arrecadado destinado à agência, mas pode haver outras fontes também. Há também agências de fomento internacionais e privadas que podem lançar editais.

    Os editais são chamadas públicas para que propostas de pesquisa sejam inscritas. Isto é: qualquer instituição, grupos de pesquisa ou pesquisadores que se encaixarem nos critérios podem se inscrever. Estes editais não são para ganharmos dinheiro automaticamente… Eles são de concorrência. Ou seja: fazemos uma proposta do que pretendemos pesquisar. O que é isso? Escrever um projeto é montar um referencial teórico, perguntas, hipóteses, metodologias (que variam dependendo do tipo de pesquisa) e como analisaremos. Também há nesta proposta quantas pessoas se envolverão na pesquisa, no tempo que teremos para desenvolvê-la. Importante ressaltar que o tempo é estabelecido pelo edital, e não por nós, pesquisadores. Por fim, nós indicamos quanto dinheiro precisaremos para esta pesquisa e como nós o usaremos.

    Ah então vocês ganham dinheiro para isso???

    Sim, claro! O dinheiro para manter a pesquisa vem, exatamente, destes editais! E usamos o dinheiro no quê? No caso de um edital de pesquisa de laboratório, há vários itens. Por exemplo, há compras de equipamentos específicos, ou manutenção de equipamentos que já temos, compra de reagentes, cobaias, manutenção de cobaias. Além disso, temos pagamento de inscrição em eventos nacionais e internacionais para apresentar resultados, submissão dos resultados e artigos em periódicos. Muitas vezes, também podemos pedir bolsistas. Isto é, pagar para que parte do trabalho seja feito por pesquisadores em formação, tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

    As propostas que mais se encaixarem nos critérios dos editais, ficam melhor colocados. No caso de sermos contemplados, há todo um trâmite burocrático para tocarmos este projeto. Isso inclui usar o recurso financeiro. No entanto, mais do que isso, além dos resultados da pesquisa, publicações e tudo mais, prestamos contas de como usamos o recurso. Se não usamos tudo, devolvemos à agência de fomento.

    Tá e a pandemia, hein?

    Nós tivemos, este ano, vários desafios na pesquisa. Um desses desafios foi nos adaptarmos na pesquisa com os projetos que já estavam em andamento. Além disso, tivemos editais emergenciais para a Covid-19. No EMRC há alguns dos pesquisadores que deram o ponta-pé inicial para a Força Tarefa da Unicamp. Várias pesquisas desenvolvidas neste grupo começaram a ser pensadas a partir da Covid-19. Assim, fomos procurando verbas específicas de editais internos (da própria Unicamp) ou externos – ganhamos alguns. Todavia isso não era tudo…

    Precisávamos de mais ações, então tivemos ações de diagnósticos, por exemplo. Isto é essencial: o conhecimento científico acumulado na universidade, e por pesquisadores do EMRC, foram fundamentais para prestar este serviço para a sociedade neste momento.

    Isto é, o trabalho de pesquisa, os editais, as verbas que são investidos em longo prazo na ciência, revertem em condições de termos respostas rápidas e práticas. E aqui falamos tanto como grupo de pesquisa. Mas também falamos como parte de uma universidade que teve faz pesquisa arduamente para ter esta condição. Isto é, em momentos de crise como a que estamos vivendo agora, temos pesquisadores e estruturas para pesquisa!

    Por fim…

    Vocês perceberam que não falamos nada de Medicina Experimental hoje, nem usamos termos dificílimos da área biomédica neste texto? Pois é! Nem só de terminologias técnicas vivem cientistas!

    Tudo o que estudamos na área da saúde e ciências biológicas serve para pensarmos a pesquisa e estruturarmos os próximos passos. Todavia, isso não basta. E foi um pouco disso que buscamos falar na postagem de hoje.

    Para Saber Mais

    LATOUR, B; WOOLGAR, S (1997) A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

    SCHWANTES, L (2020) “Só dá aulas”: o que faz (ou deveria fazer) um professor de universidade pública? Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    SCHWANTES, L; ARNT, A (2020) “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia) Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    FAPESP

    CNPq

    EMRC

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto foi publicado originalmente no blog EMRC

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Surfando as crises globais: segunda onda da COVID-19 e ondas de calor

    A pandemia do coronavírus causou 1,3 milhões de mortes no mundo até o momento. A poluição atmosférica mata 7 milhões de pessoas todos os anos. Por que a crise climática não é vista como crise?

    A Covid-19 escancarou a vulnerabilidade da globalização e tem sido um experimento não programado sobre os impactos das mudanças do clima. Se por um lado, o confinamento afetou a economia e a sanidade mental, por outro, se revelou benéfica para o meio ambiente. Como resultado involuntário, as medidas de contenção da pandemia ajudaram a melhorar a qualidade do ar, com a redução das emissões de CO2, principal gás de efeito estufa (GEE), e dos poluentes tóxicos, especialmente nos centros urbanos.

    Segundo a Organização Mundial de Meteorologia (WMO, 2020), o confinamento resultou numa redução de 17% nas emissões de GEE em abril, em comparação com 2019. Entretanto, um estudo da Nature Climage Change reportou que a redução nas emissões globais de GEE e de poluentes por causa da pandemia será “insignificante” para alterar o rumo das mudanças climáticas na Terra, levando a uma redução de apenas 0,005ºC a 0,01ºC na temperatura do planeta.

    Esta não é a primeira vez que vivemos um período de redução das emissões de gases poluentes em decorrência de uma diminuição das atividades humanas. Durante a crise financeira de 2008, por exemplo, percebeu-se reduções destes gases. Mas, após esse período, as emissões foram retomadas em níveis ainda maiores em decorrência do esforço econômico de recuperação. Isso só reafirma que as melhorias são efêmeras e pontuais, uma vez que não estão acontecendo transformações sistêmicas, nos processos decisórios, nas estruturas de produção de bens, no modelo de consumo, no uso da terra e na matriz de transportes atuais.

    Por que a crise climática não tem o mesmo apelo da sanitária?

    A questão sanitária é vista como crise porque pressupõe a retomada ao estado “normal” após ser superada. Já a questão climática, não alcança esse status porque cresce de forma gradual. Mesmo assim, esta é uma oportunidade de testemunhar um período propício para reavermos a implementação de políticas públicas e o esforço coletivo a fim de descarbonizar a sociedade e a economia.

    Essas mudanças vão depender das políticas de recuperação das atividades no pós-pandemia, mas também de um esforço coletivo para garantir sua implementação para que essa redução não seja apenas temporária.

    Além disso, apenas mudanças estruturais na economia e nas matrizes de transporte e energia não serão capazes de sustentar reduções em longo prazo porque são oriundas de respostas individuais. Em vez de atitudes tomadas por imposição, como a suspensão de voos e a limitação do uso de carros, é preciso maior conscientização para atingirmos as metas de emissões de GEE.

    Doenças infecciosas são assustadoras porque são imediatas e pessoais, com impacto direto no dia a dia. A mudança climática pode parecer impessoal e distante, com causas difusas.

    5 medidas viáveis para reduzir os impactos do clima e evitar novas pandemias

    1. Reduzir o desmatamento ajuda a conter a perda de biodiversidade, motivo de propagação de doenças infecciosas transmitidas por animais forçados a migrarem para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas.

    2. Repensar nossas práticas agrícolas, incluindo aquelas que dependem da criação de animais em ambientes fechados, mais suscetíveis a transmissões entre animais e humanos.

    3. Combater a poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis, minimizando os impactos de infecções respiratórias como o coronavírus.

    4. Gerar energia a partir de fontes de baixo carbono, como a solar e eólica, reduzindo a emissão de poluentes atmosféricos responsáveis por problemas de saúde e mortes prematuras que pressionam os sistemas de saúde.

    5. Fomentar a governança participativa, com forte atuação dos cientistas para aconselhar os formuladores e gestores de políticas públicas em respostas baseadas em fatos e na avaliação de riscos.

    Para Saber Mais

    FORSTER, Piers M et al, Current and future global climate impacts resulting from COVID-19, Nature Climate Change, v10, n10, p913-919, 2020.

    A autora

    Por Jaqueline Nichi graduou-se em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa centra-se nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vamos abrir as escolas? (parte 3)

    Texto escrito por Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Junior

    Já discutimos nos primeiros textos da série questões importantes relacionadas a possível abertura das escolas. Buscamos falas de especialistas e discutimos falácias irresponsáveis. Temos clareza que, ainda que pudéssemos pensar na abertura, uma série de protocolos deveriam ser seguidos e uma infraestrutura mínima deve estar à espera dos alunos, alunas, professores e professoras. Pois bem, podemos então pensar um pouco sobre essa estrutura que (não) temos e para termos clareza do quão longe (ou perto) essa história vai. 

    Reconhecendo que as desigualdades se acentuam com a ausência de um projeto educacional e reconhecendo também que as condições sanitárias não são ideais para o retorno (e traremos dados sobre isso), nos cabe a pergunta: é possível planejar o ensino nestes meses finais que nos restam para o fim do ano? É mais inteligente e mais sensato quando nos atentamos aos exemplos da nossa realidade e pesamos as possibilidades que nos são factíveis, do que sair por aí comprando exemplos internacionais que não se encaixam nas nossas salas.

    A(s) escola(s) no Brasil

    Dois dos fatores mais importantes no controle da pandemia do novo Coronavírus, já assinalados nos diferentes protocolos, são o distanciamento social e as condições sanitárias, os quais atingem como uma bomba o espaço escolar brasileiro.

    Segundo dados do Censo Escolar de 2019(1), divulgados pelo INEP, a média nacional de alunos por turma varia entre (mínimo) 14,3, na creche, e 31,1 (máximo) no Primeiro ano do Ensino Médio, todavia esse valor chega a 36,5 em algumas regiões do nordeste, por exemplo(2). Esses números são muito superiores aos cerca de 20 alunos/turma da média dos países da União europeia(3), da qual fazem parte os que afirmam (de forma enganosa) que o contágio da doença não foi agravado pela volta às aulas presenciais.

    Sobre a realidade aqui, ainda tem mais…

    Ainda, a qualidade sanitária das instituições escolares também é muito diferente. Muitas escolas do Brasil não dispõem de papel higiênico, por exemplo, para todos os estudantes, ou então obtém sua água de cisternas e essa é a única forma possível de alguma tentativa de higienização. Em casos piores não há nem mesmo unidades de saúde próximas e, assim, quem faria a checagem do estado de saúde desses estudantes e professores?

    Há que se considerar também que em muitos casos, como na educação básica, boa parte das relações são construídas pelo toque, pelo contato direto, e então não faz sentido levar a criança à escola para que ela tenha uma educação psicossocial, se estaremos limitando ou proibindo essa ação. Ou seja, o argumento acaba em si mesmo e, portanto, não se justificaria.

    Mas tem mais ainda? Sim…

    Voltando aos dados de infraestrutura, temos um grande número de escolas que funcionam em dois ou até três turnos. Ou seja, um conjunto de estudantes que frequentam as aulas no período da manhã, um novo conjunto de estudantes à tarde e outro à noite o que implica que para cumprir as condições sanitárias, a escola deveria ser sanitizada(4) totalmente entre os turnos.

    Como será o controle das condições de entrada? Como está sendo planejado a sanitização dos ambientes? Quais as estratégias de acompanhamento da disseminação do vírus? As perguntas de quem está diretamente envolvido com o retorno, ou seja, alunos e professores, são muitas.

    Quem defende a volta com base na experiência internacional de países desenvolvidos, por outro lado, não parece se perguntar. Um terceiro lado sequer se importa porque não é a sua realidade. Todavia, no meio de tudo isso, poucos se preocupam com as recomendações de caráter internacional, ou com a necessidade de um plano de retomada pensado para o país. Incluímos nesse grupo os ministros e ex-ministros e demais coordenadores do ministério da educação do atual governo.

    O que podemos fazer?

               Mas se não retornarmos, o ano estará perdido? Sem dúvidas, a qualidade de qualquer intervenção educacional remota e, nesse momento, adaptada, é inferior ao ensino que foi planejado presencialmente. Não questionamos esse fato. Os primeiros meses de pandemia deixaram claro que a adaptação ao ensino remoto escancarou as desigualdades e tolheu a possibilidade de estudo de muitos estudantes. No entanto, para garantirmos as condições de saúde, defendemos que o retorno presencial não ocorra e que seja possível, com a compreensão da situação, e o desenvolvimento de ações estruturadas em estratégias de acesso no intuito de “devolver” a educação àqueles de quem ela foi tirada.

    Desse modo, a pergunta que deveríamos ter feito não é “devemos retornar?”, porque as recomendações são claras(5), mas, sim, deveríamos questionar “como planejar e executar o trabalho com a situação remota?”. E ainda, “como planejar e executar ações que suportem os aprendizados perdidos nesse ano?”. Essas são questões que, antes de tudo, devem levar em consideração a especificidade dos municípios e, sem dúvida nenhuma envolver os diferentes atores da comunidade escolar. 

    Dessa forma, a esfera online, mais segura no momento, deve funcionar se governos e indivíduos articularem ações. Algumas recomendações já têm sido feitas nesse sentido, como as destacadas na sequência, indicadas pela UNESCO(6). Deve-se ressaltar que o acesso à educação é direito constitucional universal de todo cidadão e, assim, dever do poder público de fazer todo o necessário para que mesmo o indivíduo mais afastado e vulnerável não fique em desvantagem.

    1 – Analisar a resposta e escolher as melhores ferramentas 

    Escolher as tecnologias mais adequadas de acordo com os serviços de energia elétrica e comunicações disponíveis, bem como as capacidades dos alunos e professores. Isso pode incluir plataformas na internet, lições de vídeo e até transmissão através da televisão ou rádio.  

    2 – Assegurar-se de que os programas são inclusivos

    Implementar medidas que garantam o acesso de estudantes de baixa renda ou com deficiências. Considerar instalar computadores dos laboratórios da escola na casa dos alunos e ajudar com a ligação à internet.  

    3 – Estar atento para a segurança e a proteção de dados  

    Avaliar a segurança das comunicações online quando baixar informação sobre a escola e os alunos na internet. Ter o mesmo cuidado quando partilhar esses dados com outras organizações e indivíduos. Garantir que o uso destas plataformas e aplicações não violam a privacidade dos alunos.  

    4 – Dar prioridade a desafios psicossociais, antes de problemas educacionais  

    Mobilizar ferramentas que conectem escolas, pais, professores e alunos. Criar comunidades que assegurem interações humanas regulares, facilitando medidas de cuidados sociais e resolvendo desafios que podem surgir quando os estudantes estão isolados.  

    5 – Organização do calendário 

    Organizar discussões com os vários parceiros para compreender a duração da suspensão das aulas e para decidir se o programa deve centrar em novos conhecimentos ou consolidação de currículo antigo. Para organizar o calendário é preciso considerar as áreas afetadas, o nível de estudos, as necessidades dos alunos e a disponibilidade dos pais. Escolher metodologias de ensino de acordo com as exigências da quarentena evitando métodos de comunicação presencial.  

    6 – Apoiar pais e professores no uso de tecnologias digitais 

    Organizar formações e orientações de curta duração para alunos e professores. Ajudar os docentes com as condições básicas de trabalho, como rede de internet para aulas por videoconferência e assegurar os pagamentos salariais, principalmente daqueles que apresentam maior vulnerabilidade..  

    7 – Mesclar diferentes abordagens e limitar o número de aplicações  

    Misturar as várias ferramentas disponíveis e evitar pedir aos alunos e pais que baixem ou testem múltiplas plataformas.  

    8 – Criar regras e avaliar a aprendizagem dos alunos 

    Definir regras com pais e alunos. Criar testes e exercícios para avaliar de perto a aprendizagem. Facilitar o envio da avaliação para os alunos, evitando sobrecarregar os pais.  

    9 – Definir a duração das unidades com base na capacidade dos alunos  

    Manter um calendário de acordo com a capacidade dos alunos se concentrarem sozinhos, sobretudo para aulas por videoconferência (assegurando para isso as condições mínimas de vida na alimentação, saúde e habitação). De preferência, cada unidade não deve exceder os 20 minutos para o ensino fundamental e 40 minutos para o ensino médio. 

    10 – Criar comunidades e aumentar a conexão 

    Criar comunidades de professores, pais e diretores de escolas para combater o sentimento de solidão e desespero, facilitando a troca de experiências e discussão de estratégias para enfrentar as dificuldades.

    Isto quer dizer que vai funcionar?

    O processo está longe de ser considerado fácil. Desse modo, as recomendações são densas e envolvem parcerias importantes, articulação do Ministério da Educação (praticamente ausente durante toda a pandemia). Além disso, requerem conhecimento técnico, preparo, diálogo, respeito e segurança para os profissionais, estudantes e suas comunidades, além de noção das realidades locais. Mas ainda assim, é mais coerente do que colocar vidas em risco e lidar com a dor.

    Finalizando

    Por fim, devemos reiterar que o espaço virtual nunca substitui a experiência de sala de aula na formação do indivíduo. Além disso, uma educação digitalizada não pode ser pensada como terminal. Assim, devemos exigir as adaptações necessárias ao momento e simultaneamente cobrarmos a construção de uma educação universal, válida, eficiente, pública e presente para todos os sujeitos. 

    O que estamos vivendo agora é atípico e não pode ser entendido como o novo normal. A educação, quando segura, deve ser presencial. Do contrário, podemos privar indivíduos do acesso, criar novas defasagens e aumentar a desigualdade social, que já nos é tão crassa, ou acabar por fomentar uma educação como negócio, que deve ser considerada um perigo no longo prazo e, portanto, desestimulada.

    Referências

    1 – Censo escolar no Brasil, http://portal.inep.gov.br/censo-escolar

    2 – Alunos por turma 2019 no Brasil, http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais

    3 – Alunos por turma no Mundo, https://novaescola.org.br/conteudo/4475/brasil-esta-entre-os-paises-com-mais-alunos-por-turma

    4 – Sanitização, o que é? De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

    5 – ARTIGO: Reabrir as escolas: quando, onde e como? https://nacoesunidas.org/artigo-reabrir-as-escolas-quando-onde-e-como

    6 – Covid-19: Unesco divulga 10 recomendações sobre ensino a distância devido ao novo coronavírus https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706691

    Textos anteriores da série:

    Vamos abrir as escolas? (parte 1)

    Vamos abrir as escolas? (parte 2)

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV

    Estudo de pesquisadores ligados à Força Tarefa da Unicamp mostra que a SARS-CoV-2 infecta células do sistema imune de forma similar ao HIV. 

    Entender o mecanismo de infecção do SARS-CoV-2 é essencial para buscar formas de se combater o vírus. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores da Unicamp, de diferentes laboratórios se uniram para entender como o sistema imune humano é afetado pela infecção decorrente do novo coronavírus. O estudo acabou de ser publicado na forma de pre-print1.

    O Sistema Imune e os Linfócitos

    O sistema imunológico é formado por células e moléculas que agem no sistema de proteção contra doenças. Esse sistema de defesa não atua em uma única frente. Há uma defesa inicial promovida pela imunidade natural, aquela que já está presente antes do aparecimento de uma infeção e é inicial no combate contra um microrganismo. Um exemplo de componente de proteção que faz parte da imunidade natural é a pele. Ela funciona como uma barreira de proteção. 

    Além da imunidade natural, há a imunidade adaptativa ou adquirida, aquela que é estimulada após a exposição ao agente infeccioso. A diferença principal entre elas, é que na imunidade adquirida, há uma “memória” em relação à exposição ao microrganismo. Elas atuam em conjunto na proteção do corpo contra um microrganismo. 

    No sistema de memória da imunidade adquirida, os linfócitos são as grandes estrelas. Essas células são capazes de responder a antígenos, partícula ou molécula, estranhos. Existem vários tipos, ou subpopulações, de linfócitos. Eles têm diferentes formas de reconhecimento de antígenos e mesmo em funções. 

    O que se sabia até agora?

    Até então, o que algumas pesquisas mostravam é que junto aos sintomas severos associados ao óbito dos pacientes, havia uma resposta inflamatória exacerbada. Junto a isso, as pesquisas identificaram uma baixa quantidade de linfócitos no sangue e desaparecimento de células T (uma das subpopulações de linfócitos) e pobre adaptação do sistema imune.

    Esses foram alguns dos pontos de partida da pesquisa coordenada pelos professores Alessandro Farias e Marcelo Mori da Unicamp. Na pesquisa, os pesquisadores de 13 laboratórios diferentes, muitos dos quais pertencem a Força Tarefa da Unicamp, investigaram quais tipos de células do sistema imune o vírus SARS-CoV-2 era capaz de infectar, incluindo os linfócitos. Além disso, os pesquisadores analisaram qual o mecanismo envolvido neste processo. 

    Para que o vírus infecte uma célula, é necessário que haja alguma forma de reconhecimento de uma proteína do vírus pelas células do nosso corpo. No caso do SARS-CoV-2, a infecção acontece a partir do reconhecimento com o receptor ACE2. 

    Quer saber mais Sobre o ACE2 e a infecção? Clica na imagem e corre para lá…

    Mas, aparentemente, nem tudo é simples com este vírus…

    No entanto, eles observaram que ACE2 não estava presente em grande quantidade em leucócitos, como em outras células infectadas, como a dos pulmões.  

    Então, o grupo de pesquisa resolveu avaliar primeiro se a proteína Spike do vírus poderia interagir com outras proteínas humanas. Dessa forma, antes de continuar o experimento na bancada, eles usaram um sistema de predição de interação entre proteínas, a do vírus e as presentes na membrana externa das células humanas por meio de um programa que consulta vários bancos de dados de proteínas. Como ainda não há muita informação sobre as interações da SARS-CoV-2 e as proteínas humanas, eles usaram uma proteína similar presente no SARS-CoV-1 para predição.

    O que eles descobriram? Que a proteína Spike do vírus SARS-CoV-1, que é similar com a do SARS-CoV-2, interagia com uma proteína humana chamada CD4, que é expressa principalmente em um tipo específico de linfócito, o linfócito T auxiliar.

    Mas o que os linfócitos T fazem no corpo humano?

    Elas são células de imunidade celular, não produzem anticorpo, mas são capazes de reconhecer antígenos de microrganismos intracelulares, que estão dentro da célula. Uma vez reconhecidos pelos linfócitos T, os microrganismo ou mesmo a célula do hospedeiro são destruídos pelas células de defesa. Os linfócitos T auxiliares respondem à ativação em resposta a presença de um antígeno e disparam um sistema de sinalização ao secretar proteínas chamadas de citocinas. E pelo que as citocinas são responsáveis? Acordam o sistema imune e mais células do sistema de defesa são produzidas, prontas para o combate. 

    Infectar as células T Auxiliares é algo que os cientistas já viram em uma infecção causada por outro vírus. Essas mesmas células são a porta de entrada do Vírus da Imunodeficiência Humana, o HIV, indicando que os dois vírus tem similaridade de infecção. 

    Depois dos resultados da predição, eles foram testar se realmente o SARS-CoV-2 infecta os linfócitos T. 

    E a pergunta é:

    Será que o vírus infecta as células imunidade adquirida? Qual delas? Em laboratório de nível de biossegurança nível 3, a partir de amostras de sangue de pessoas não contaminadas, eles separaram os linfócitos T do sangue, os linfócitos T CD8+ e os linfócitos T CD4+ e adicionaram o vírus SARS-CoV-2. Depois de um tempo na presença do vírus, as amostras foram analisadas. Eles avaliaram por meio de diferentes técnicas se havia presença do vírus no interior dessas células. Assim, eles descobriram que o SARS-CoV-2 era capaz de infectar células T CD4+. Mais do que infectar, eles observaram que o vírus é capaz de usar esses linfócitos para produzir mais vírus que podem infectar outras células. 

    A imagem mostra os linfócitos infectados pelo SARS-CoV-2. Perceba que em cada uma das imagens há um tipo de aumento e a barra serve para comparação. Os asteriscos indicam a presença do vírus. A imagem foi obtida a partir do artigo de Davanzo et al (2020).

    Dessa forma, eles encontraram o vírus em células saudáveis infectadas no laboratório, mas será que isso acontece com os pacientes? Eles purificaram as células T  de pacientes com COVID-19 e encontraram o vírus apenas na célula T CD4+. Mais do que isso, eles encontraram que a infecção está relacionada com a severidade da doença, quanto mais debilitado o paciente, mas células T CD4+ estavam infectadas. 

    Em seguida, os pesquisadores se perguntaram como a proteína do vírus interage com a proteína CD4. Com esta finalidae, eles fizeram outros experimentos para mostrar que assim como a proteína spike da SARS-CoV-1, a proteína da SARS-CoV-2 também interage com a proteína CD4 humana, indicando o mecanismo de infecção dos linfócitos. Mais do que isso, essa proteína pode ser a porta de entrada da infecção dos linfócitos por SARS-CoV-2. 

    Mas no que impacta a contaminação dos linfócitos T CD4+? Eles estão circulando pelo corpo e podem levar o vírus a outras células e órgãos. Eles mostraram também que a infecção dos linfócitos T alteram várias vias importantes na célula. Além disso, o estudo dá uma pista inicial para novas propostas de tratamento. 

    1O pre-print é um tipo de publicação que aumentou durante a pandemia. O manuscrito (ou texto) é publicado pela revista sem a análise por pares. Isso quer dizer que outros cientistas não ainda não avaliaram o trabalho, se a hipótese, os métodos e os resultados obtidos estão de acordo com as conclusões entradas pelos autores. Os pre-prints são importantes, pois agilizam a circulação das informações. No entanto, temos de ter cuidado, pois após a avaliação por revisores, outros cientistas, algumas das conclusões do artigo podem ser modificadas. 

    Para entender mais o que são pre-prints fica a sugestão do texto Pandemia acelera produção e acesso a preprints da Germana Barata.

    Para saber mais

    Abbas, AK; Lichtman, AH e Pillai, S. Imunologia Celular e Molecular. 6. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier.

    Alexandra C.Walls, Young-JunPark, M. Alejandra Tortoricim  Abigail Wall, Andrew T. McGuire, David Veesler (2020). Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.058

    Davanzo, GG et al. (2020). SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. Disponível em <https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.09.25.20200329v1>.

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    Em textos prévios, nós vimos vários conceitos relacionados à imunidade inata, adaptativa, humoral e celular. Nesse último, entendemos como as principais células trabalham para combater diferentes tipos de ameaças, desde vírus e bactérias, até fungos e vermes. Mas então surge a grande dúvida: e no caso do SARS-CoV-2, como combatemos ele? 

    Para responder essa pergunta, vamos olhar para várias pesquisas que estão sendo feitas ao redor do mundo. Pesquisas que estão tentando entender melhor a imunidade celular. Além disso, buscam compreender sua relação com o vírus causador da Covid-19, dando foco um pouco maior para os linfócitos T. Antes, vamos retomar a estrutura do SARS-CoV-2. Primeiramente, destacamos a Spike, que é a proteína responsável pela entrada dele nas células. Há, também, as proteínas do Nucleocapsídeo, que forma a capa que protege o material genético. O Envelope, que é a membrana de gordura que envolve o nucleocapsídeo. Por fim, as proteínas não estruturais, relacionadas principalmente à replicação viral). Caso tenha mais dúvidas, não deixe de conferir dois textos muito bons que já explicaram sobre elas aqui no blog 1, 2.

    Uma descoberta surpreendente

    A cada dia um número maior de artigos vêm sendo publicados e mostrando aquilo que muitos pesquisadores já imaginavam que poderia acontecer. Isto é, desde pessoas que tiveram a forma assintomática e leve da Covid-19 até as que tiveram a forma severa, desenvolvem linfócitos T de memória. Estes linfócitos são capazes de responder ao vírus de forma eficiente, caso sejam expostos ao vírus novamente. Apesar de vários estudos mostrarem que células de memória reagem contra partes diferentes do SARS-CoV-2 3-8, desde a Spike, até a proteína do envelope, nucleocapsídeo e NSPs.

    Sobre a Imunidade ou Reatividade Cruzada, de novo

    Contudo, o que mais tem chamado a atenção dos pesquisadores é o fenômeno chamado de Imunidade ou Reatividade Cruzada de linfócitos T de memória de outros coronavírus contra proteínas do SARS-CoV-2. Já explicado em outro texto aqui no Blogs . Um artigo publicado na Nature 3, mostrou que uma parte das pessoas infectadas com o vírus da SARS de 2002-2003 (SARS-CoV-1), isto é, há 17 anos atrás, ainda tinham células que conseguiam responder e se multiplicar ao reconhecerem a proteína N (de Nucleocapsídeo) do SARS-CoV-2.

    Esse mesmo artigo também viu que indivíduos que não haviam contraído a SARS e Covid-19, tinham linfócitos T de memória. Estes linfócitos T respondiam principalmente à duas NSPs do SARS-CoV-2, e a proteína N. Além disso, os linfócitos reconheciam um pedaço da proteína N que era muito parecido com pedaços da mesma proteína de outros coronavírus de humanos. No entanto, com os fragmentos das NSPs isso não acontecia, levantando a hipótese que essas células poderiam responder a fragmentos de proteínas de coronavírus animais.

    Um segundo artigo4, mostrou que uma parte dos pacientes saudáveis que não tinham sido expostos a Covid-19 também possuíam linfócitos T de memória funcionais. Estes respondiam há um fragmento da proteína S, assim como pacientes que haviam se infectado com o SARS-CoV-2. Além disso, esse fragmento da Spike (que as células respondiam) é bastante parecido com a Spike de outros coronavírus de humanos (os HCoVs).

    A partir de experimentos utilizando tanto a proteína Spike dos HCoVs, quanto os HCoVs inteiros, os pesquisadores viram que essas células de memória reagentes, presente em pacientes que nunca tinham se infectado com SARS ou Covid-19, respondiam muito bem e eram capazes de se multiplicar tanto na presença da proteína quanto do vírus completo.

    O que tudo isso significa?

    A essa altura do campeonato, vocês devem estar se perguntando o que toda essa quantidade absurda de siglas e dados tem a ver com vocês. O ponto todo desses estudos é indicar que existe uma certa quantidade de imunidade em pessoas não expostas ao causador da Covid-19. Além disso, as pesquisas buscam mostrar a imunidade celular que geramos contra o SARS-CoV-2. É claro que grandes dúvidas ainda ficam no ar, como por exemplo: da onde vêm essas células? Qual o grau de proteção que elas garantem? O que poderia ter levado a formação delas? 

    Como já comentado anteriormente, muitos pesquisadores especulam que essas células possam surgir a partir de eventos prévios de infecção pelos Coronavírus Endêmicos de Humanos (HCoVs)9. Estes coronavírus são causadores dos ciclos de resfriado comum nas estações secas e que circulam amplamente entre a população humana, assim como o vírus influenza. Dessa forma, acredita-se que as pessoas que já tivessem entrado em contato com esses vírus teriam uma maior chance de ter células de memória. As células de memória poderiam responder a alguma proteína ou fragmento de proteína que fosse compartilhado entre os HCoVs e o SARS-CoV-2.

    Mas qual a implicação disso?  

    A principal hipótese levantada é que a presença de linfócitos de memória em parte da população seja o porquê algumas pessoas desenvolvem a forma leve da doença. Ou, até mesmo, permanecem de forma assintomática – estes seriam os casos em que há a presença dessas células de memória. Enquanto isso, a Covid-19 poderia estar relacionada à presença de comorbidade (como já foi muito discutido) somada a falta dessas células de memória. Isso, claro, em sua forma mais severa. Aqui é necessário lembrar que as pessoas que teriam os linfócitos de memória poderiam gerar a forma leve ou assintomática. Isto em decorrência delas conseguirem montar uma resposta mais rápida e forte contra o SARS-CoV-2, dessa forma limitando a severidade da doença. 

    Um outro impacto que a existência de uma imunidade celular cruzada entre SARS-CoV-2 e HCoVs poderia ter é relacionada ao desenvolvimento de vacinas. A pré-existência de linfócitos T de memória, principalmente nas primeiras fases de testes, poderia gerar um fator de confusão durante a análise dos resultados. Assim, não seria possível saber se essas células que respondem à vacina seriam novos linfócitos gerados a partir dessa imunização, ou linfócitos de memória que foram reativados após a vacinação. Assim, esta informação, obviamente, não é banal dentro do que precisamos compreender sobre o coronavírus…

    Por fim…

    Apesar disso tudo, muitos estudos (principalmente com grupos maiores e mais diversos de humanos) ainda precisam ser realizados. Tais estudos necessitam verificar a pré-imunidade ao SARS-CoV-2 – decorrente dos HCoVs. Além disso, analisar o potencial de infecção e severidade da doença nesses casos, através da medição dessa pré-imunidade antes e após os testes. Como vocês podem ver, ainda há muito o que descobrir sobre esta doença e nosso sistema imune!

    Para saber mais

    1. A Joia da Coroa (2020) https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/a-joia-da-coroa/
    2. Valentões dentro da célula, sensíveis fora dela: os vírus (2020) https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/valentoes-dentro-da-celula-sensiveis-fora-dela-os-virus/
    3. Le Bert, N, Tan, AT, Kunasegaran, K, Tham, CY, Hafezi, M, Chia, A, & Chia, WN (2020) SARS-CoV-2-specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls, Nature, 584(7821), 457-462. 
    4. Braun, J, Loyal, L, Frentsch, M, Wendisch, D, Georg, P, Kurth, F, & Baysal, E (2020) SARS-CoV-2-reactive T cells in healthy donors and patients with COVID-19 Nature, 10
    5. Ni, L, Ye, F, Cheng, M. L, Feng, Y, Deng, YQ, Zhao, H, … & Sun, L (2020) Detection of SARS-CoV-2-specific humoral and cellular immunity in COVID-19 convalescent individuals Immunity
    6. Sekine, T, Perez-Potti, A, Rivera-Ballesteros, O, Strålin, K, Gorin, JB, Olsson, A, … & Wullimann, DJ (2020) Robust T cell immunity in convalescent individuals with asymptomatic or mild COVID-19 Cell
    7. Meckiff, BJ, Ramírez-Suástegui, C, Fajardo, V, Chee, SJ, Kusnadi, A, Simon, H, … & Ay, F (2020) Single-cell transcriptomic analysis of SARS-CoV-2 reactive CD4+ T cells Available at SSRN 3641939.
    8. Grifoni, A, Weiskopf, D, Ramirez, SI, Mateus, J, Dan, JM, Moderbacher, CR, … & Marrama, D (2020) Targets of T cell responses to SARS-CoV-2 coronavirus in humans with COVID-19 disease and unexposed individuals Cell
    9. Sette, A, & Crotty, S (2020) Pre-existing immunity to SARS-CoV-2: the knowns and unknowns Nature Reviews Immunology, 20(8), 457-458. 

    Para mais informações:

    Chen, Z, & Wherry, E J (2020) T cell responses in patients with COVID-19 Nature Reviews Immunology, 1-8. 

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Teste com saliva pode ser alternativa mais rápida e simples para Covid-19

    Por João Pedro Broday

    Em agosto, o Brasil já acumula mais de 3 milhões de casos confirmados de Covid-19, sendo a grande maioria na região Sudeste. Todavia, persiste a alta subnotificação, visto que a testagem em massa não está sendo feita como recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Nesse cenário, um estudo realizado por Andrés Melián-Rivas e colegas, publicado na revista científica International Journal of Odontostomatology, demonstra a viabilidade da saliva como base biológica para a análise do paciente. Além da coleta de saliva ser mais simples e indolor, propicia agilidade na testagem. 

    “A saliva desempenha um papel fundamental na transmissão do Covid-19 na população. De fato, estudos atuais têm demonstrado que a saliva pode ser uma alternativa não invasiva validada para diagnosticar e monitorar a carga viral de SARS-CoV-2, fornecendo uma plataforma econômica e conveniente”, afirmam os autores ligados à Universidade do Chile e ao Hospital San Juan de Dios.

    A viabilidade deste tipo de amostragem já foi estudada em Hong Kong, onde foi possível encontrar marcadores da doença em 11 de 12 pacientes que tiveram saliva coleta e depois analisada via RT-PCR.

    Testagem atual provoca desconforto

    O novo coronavírus pode ser transmitido através de gotículas de saliva que são expelidas pelo trato respiratório, por isso os testes de detecção incluem coleta de amostra na garganta e nariz.

    Assim, os métodos atuais de detecção do vírus causadora da Covid-19 são baseados na análise molecular via RT-PCR de amostras coletadas via cotonetes nasofaríngeos ou orofaríngeos do trato respiratório. Mas este método tem desvantagens. “Apesar de eficazes, são métodos dolorosos e desconfortáveis para o paciente, podem causar complicações durante a amostragem, como hematomas, erosão mucosa e sangramento”, ponderam os pesquisadores.

    O método de análise RT-PCR usaria a saliva como fonte biológica
    para detecção da Covid-19. Crédito:Flickr 

    Em muitos casos, mais de uma amostra é necessária para a conclusão efetiva de um teste. Isso significa mais de uma coleta de amostra biológica, tornando o uso dos cotonetes nasofaríngeos algo doloroso e de risco de contaminação para os profissionais da saúde, visto a proximidade com um paciente potencialmente infectado. Por outro lado, a saliva pode ser obtida de maneira rápida e indolor.

    De acordo com os pesquisadores, “as amostras de saliva podem ser facilmente fornecidas pedindo aos pacientes que cuspam em uma garrafa estéril; na verdade, existem muitos dispositivos de coleta de saliva disponíveis no mercado para coleta segura e estéril sem comprometer a qualidade e quantidade”. Essa facilidade diminuiria os riscos de contaminação, bem como aceleraria a coleta, que poderia ser feita fora de grandes centros de testagem, aumentando a testagem e evitando a subnotificação da doença. 

    Leia artigo em acesso aberto:

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Ciência em Revista

    Outros textos no Especial

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. O artigo foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A ameaça invisível assombra a economia

    Texto escrito por Jamile de Campos Coleti

    Com 86% da população do Estado de São Paulo na faixa amarela do Plano São Paulo de retomada das atividades comerciais. A abertura de shopping centers, a retomada parcial na oferta de alguns serviços como bares, restaurantes, salões de beleza, e academias dão, nos próximos dias, seu start inicial.

    Passados quase 5 meses da pandemia de Covid-19, havia uma certa ansiedade por parte da população por consumir grande parte desses serviços. Também pela maioria dos comerciantes e empresários em retomar suas vendas. Já que enfrentam uma crise econômica desde 2014, agravada ainda mais pela recente situação de isolamento forçado.

    De acordo com estimativas da fundação Getúlio Vargas, haverá um impacto negativo de cerca de 68% nas finanças da indústria. Além de 59% no setor de comércio e de 49% no setor de serviços. Esses serão os setores que mais serão afetados negativamente em suas finanças.

    O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê uma crise econômica global de grande proporção devido à pandemia. A recessão estimada pelo FMI, de 4,9% para o mundo, deve se confirmar. E, para o Brasil, o quadro é ainda mais alarmante, uma vez que estamos classificados na categoria de países em desenvolvimento. Ou seja, existe uma série de barreiras estruturais que ainda não foram superadas.

    As medidas de fechamento e isolamento social afetam toda a economia, mas principalmente o consumo. Quando estávamos na fase vermelha, apenas itens essenciais eram possíveis de serem comprados presencialmente. Além disso, as pessoas ainda ficavam receosas de receber em suas casas entregas delivery – mesmo que os empresários fizessem as adequações necessárias e entrassem de cabeça na era digital.

    Em um ambiente de extrema incerteza futura, como é o caso desta pandemia, o primeiro impacto sobre os agentes econômicos (famílias e empresas) é a retração na sua renda. A causa disso é o fato de que as próprias famílias ficaram mais cautelosas em relação ao consumo. Os empresários, por seu turno, interromperam os investimentos bruscamente. Uma indicação desse fenômeno é o aumento recente nas quantias depositadas em cadernetas de poupança, ou seja, o brasileiro está poupando e se preparando para o que há por vir.

    A questão da reabertura parcial do comércio

    Quanto ao plano de flexibilização e abertura parcial do comércio, temos, por um lado, lojas fechadas e com poucos clientes. Por outro lado, ruas lotadas com consumidores lutando pelo seu espaço – como observado no último sábado dia 7 de agosto, véspera do Dia dos Pais. Em relação à abertura do comércio, há algumas considerações que devem ser levadas em conta:

    • Muitas cidades que estavam na fase 4 regrediram para a fase 1 após medidas de flexibilização entrarem em vigor;
    • O índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF) atingiu o menor patamar desde o ano de 2010, segundo informações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo;
    • Há uma melhora identificada na qualidade dos serviços e atendimentos, uma vez que cada cliente que entra no estabelecimento comercial é extremamente importante para a geração de receitas;
    • A queda do nível de renda tem empurrado compradores para o comércio popular, gerando aglomerações em áreas que possuem essa característica;
    • Vendedores relatam medo em se deslocar para o trabalho, pois os meios de transporte coletivo apresentam grande possibilidade de contaminação. Muitos estão mudando as suas rotas e realizando mais baldeações para evitar linhas que possam estar congestionadas – isso normalmente aumenta o tempo de trânsito até o trabalho;
    • Existe também o acúmulo de funções dentro dos estabelecimentos, já que houve demissões e poucos funcionários ficaram para desempenhar a atividade de atendimento, venda, faturamento, estoque, etc.;

    Posto isso, o desafio é fazer com que parte importante do consumo seja retomada. Pois muitas famílias tiveram sua renda comprometida de alguma forma e as que foram menos afetadas estão bastante receosas em gastar.

    Para muitas pessoas, a ajuda oferecida pelo governo federal foi insuficiente, sendo obrigadas a buscar outras alternativas para sobreviver, afinal as despesas não cessaram. Empresários e comerciantes, por sua vez, tentam recuperar as vendas mesmo com a insegurança de estar exposto a uma grande circulação de pessoas que movimentam os centros comerciais e shoppings.

    Por fim, é importante ressaltar que o isolamento social, da maneira como foi praticado no país teve como resultado até o momento mais de 100.000 mortes. Além de um impacto psicológico sobre a população – seja pelo medo, seja pelo luto. Na economia, o isolamento afetou a renda de milhares de famílias e a sobrevivência de muitas empresas. Com este afrouxamento, o novo normal está por vir. Mas o problema da contaminação pelo Covid-19 não está ainda resolvido, nem com remédios nem com vacina. Para isso, é ainda necessário que toda a população tenha cuidado, tome medidas de segurança e tenha consciência sobre o uso correto de máscara. E sobretudo, se puder, que continue em casa.

    A autora

    Jamile de Campos Coleti é Administradora, Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/FRUTAL) e Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp.

    ** Texto publicado originalmente no blog Sobre economia


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    [Diálogos semi-imaginados, não aleatórios]
    https://giphy.com/gifs/du2gFIxNEM8n6e3Hrr
    Já pode lamber corrimão?

    A ciência na vida mundana

    A ciência virou notícia cotidiana – já não consta apenas em partes específicas dos noticiários e jornais, em programas televisivos que se passam nos primeiros horários da manhã durante o final de semana. Desde meados de março, quando o SARS-CoV-2 desembarcou de vez no Brasil, temos visto curvas epidemiológicas, debates sobre eficácia de medicamentos, aprendido sobre proteína Spike, sobre diagnóstico por PCR e sorológico. Temos lido sobre pulmão com aspecto de vidro fosco, compreendido sobre a relação de algumas comorbidades e a infecção pelo novo coronavírus, lido mais e mais sobre transmissão comunitária, imunidade cruzada, diferentes tipos de anticorpos, dentre outros temas.

    Também há todo um montante de informações que nos confunde, muitas vezes. Medicamentos como Cloroquina e Ivermectina – que já eram usados para outras doenças ou enfermidades, tornaram-se “drogas candidatas” e embora tenham sido descartadas, seguem sendo pauta no Brasil e no Mundo. 

    Semana passada a Ozonioterapia foi anunciada como tratamento em uma transmissão ao vivo, por um prefeito no Sul do país e pronto… Uma corrida por informações, memes, artigos publicados, declarações das sociedades relacionadas a isso.

    A Vacina Russa, esta semana também têm causado furor em redes sociais. E muitos se perguntam se tomariam mesmo sem ela ter apresentado os resultados das fases 1 e 2, afinal “é melhor que nada, né?”

    Um pouco é melhor que nada?

    É aí que reside um grande perigo… Percebam que não temos nenhum interesse em acordar todas as manhãs e ver que não há cura, tratamento ou vacina eficaz anunciada. Não é pessimismo olhar para como as etapas da vacina precisam de tempo para serem analisadas. Sagan, em 1996, comentou que vivemos em um mundo em que precisamos da ciência e seus produtos em cada detalhe da sociedade. No entanto, não sabemos como a ciência funciona – e isso é uma receita para o desastre, afirmou um dos maiores nomes da divulgação científica de todos os tempos.

    Pois bem, aqui temos uma série de questões fundamentais que precisamos entender (e talvez isso demore mais tempo do que a vacina, mas cá estamos aprendendo junto com vocês…). A ciência precisa de tempo. Ela é feita a partir de uma série de etapas, que expliquei na postagem que é a parte 1 deste texto. De maneira muito sucinta, o método científico é feito a partir das etapas desta imagem:

    Cada uma destas etapas é feita de maneira colaborativa, com diálogo, debates em grupos de pesquisa, aprovações em comitês de ética nacionais e/ou internacionais (que precisam ser avaliados quanto ao risco aos seres vivos envolvidos). Enquanto estas etapas acontecem, elas também vão gerando outras perguntas e hipóteses (não são etapas estanques e lineares), realizamos análises enquanto estamos realizando experimentos, apresentamos dados parciais em eventos e publicações, etc.

    Porque estou batendo nesta tecla com vocês?

    Ora! Para dizer que na ciência o método científico INTEIRO é permeado de diálogos, debates, conversas. Compartilhar resultados em periódicos ou congressos é uma parte de tudo isso – uma parte importante, pois não é apenas uma exposição, mas é uma avaliação pública do nosso trabalho. Todavia, é também parte de uma prática de expor conhecimento para que outros grupos de pesquisa, outros cientistas, consigam acessar isto e fazer novas perguntas, hipóteses, propor novos experimentos – aumentando ainda mais nosso conhecimento sobre um fenômeno.

    Isto leva tempo, demanda esforço, recursos financeiros, formação de cientistas ao longo de muito tempo, equipes inteiras que se debrucem sobre os problemas que aparecem no mundo. Não que cientistas sejam pessoas extraordinárias e mais inteligentes (o suprassumo de nossa espécie diriam algumas pessoas). Não é nada disso… É apenas demarcar que é uma atividade de médio e longo prazo – UM PROJETO DE UM PAÍS, para além de partidos e governantes.

    Dizer que terapias sem comprovação científica é melhor que nada não é dar esperança às pessoas: é tapar o sol com a peneira e dizer que qualquer coisa vale para a vida do outro. E isso inclui possíveis prejuízos (como a piora do quadro de saúde, o abandono das terapias paliativas, o falecimento sem assistência adequada, o contágio de familiares…)!

    Sobre terapias alternativas e seus resultados não publicados 

    (ou publicados para outras doenças que não aquela que estamos falando)

    Veja que nem é afirmar que não existem estudos vinculados a estas terapias e indicações de tratamentos que vou falar a partir de agora. Mas é sobre como resultados específicos não foram obtidos para esta doença.

    • “A ozonioterapia é usada há 100 anos já!”
    • “A ozonioterapia têm tido ótimos resultados em tratamentos cutâneos e outras enfermidades”
    • “A cloroquina é usada há décadas para Lupus e malária! Como assim é tóxica?”
    • “Os resultados in vitro deram positivo, qual o problema então se eu tomar?”
    • “A ivermectina não têm comprovação, nem contraindicação, deixa as pessoas tomarem ué!”
    • “Se a vacina russa sair, eu vou tomar, mesmo sem comprovação!”

    Estas são algumas das frases que vemos espalhadas nas redes sociais e expressam a opinião das pessoas. 

    Agora vamos lá…

    Para afirmar que a ozonioterapia é eficiente como tratamento, não basta o ozônio ser um bom composto químico que reage com o vírus fora do nosso corpo. Também não basta a ozonioterapia ser eficiente há 50-100 anos contra doenças diversas. Além disso, uma terapia eficiente contra uma doença não a torna automaticamente eficiente contra qualquer outra.

    Tratamentos para doenças muitas vezes necessitam de reagentes específicos (isto é: que quimicamente tenham ação contra o agente patógeno – vírus, bactérias, vermes, fungos…).

    Em suma, para ozônio ou qualquer componente experimental, componentes químicos reagem de modo diferente dentro e fora do nosso corpo. Além disso, os componentes reagem de maneiras diferentes dependendo de como entram em nosso corpo (com introdução anal, intramuscular, intravenosa, pelo trato digestivo).

    Ah, sim: o mesmo vale para a cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outras drogas candidatas (que já foram descartadas…). Ou seja: drogas candidatas e terapias em fase de pesquisa estão ainda cumprindo a sequência do método científico – não podem nem ser chamadas de tratamento. Assim, estes medicamentos em fase de pesquisa não poderiam ser administradas para as pessoas como tratamento sem que as pessoas fossem informadas sobre isso e consentissem formalmente!

    E a vacina russa?

    Sem transparência, não há segurança! Sem transparência no processo todo, não sabemos se houve ética no desenvolvimento desta vacina! E é por debatermos cada etapa da ciência que temos avançado não apenas em resultados mais precisos contra doenças, mas temos buscado meios de fazer isto de modos cada vez mais seguros, levando-se em conta questões étnicas, de gênero, de faixa etária, de classe social. Ou seja, levando-se em conta a diversidade humana em todos os seus aspectos – e isso é uma luta antiga e importantíssima dentro do meio científico. Que foi (e têm sido – pois ainda temos muito o que conquistar na igualdade e equidade das populações) pauta do que é ciência, como a fazemos e aplicamos o método científico e, mais importante do que isso, para quem fazemos isso – a sociedade.

    Compreendem a diferença? Não é ser negativo. Não é nos negarmos a querer que todos vocês – e nós – tenhamos novamente uma vida de idas ao supermercado sem neuras, abraços sem restrições e uma vida sem medo.

    É exatamente o oposto disso. E não é, também, deixar de olhar para tudo o que ainda temos a fazer e conhecer para que a transparência e a ética sejam alcançadas em cada etapa de nosso trabalho. É exatamente para isto que estamos aqui e trabalhamos com divulgação científica! Por uma maior transparência, diálogo, inclusão no (e pelo) conhecimento para debate socialmente éticos.

    Em suma, para fechar:

    Com ou sem coronavírus, lamber corrimão não parece ser uma boa ideia, ok? ERA MEME GENTE. Mas o diálogo é real.

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

    Galhardo, JA A hierarquia das evidências científicas: por que não devemos acreditar em qualquer coisa? Rede Análise Covid

    Iamarino, Atila (2020a) Vacina Russa

    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

    Artigos e Livros

    Caceres, RÁ (1996) El método científico en las ciencias de la salud: las bases de la investigación biomédica, Madrid: Ediciones Díaz de Santos.

    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

    Mullard, A (2008) Vaccine failure explained; Nature.

    Peeples, L (2020) News Feature: Avoiding pitfalls in the pursuit of a COVID-19 vaccine; PNAS April 14, 2020 117 (15) 8218-8221; first published March 30, 2020

    WHO (2020) More than 150 countries engaged in COVID-19 vaccine global access facility

    WHO (2020b) DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines – August 10th 

    Wechsler, J (2020) COVID Vaccine Clinical Trials Require Fast Decisions, But No Shortcuts Applied Clinical Trials

    Outros textos do blogs

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Ozônio na COVID dos outros é refresco

    COVID-19 e impactos na pesquisa

    De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ozônio na COVID dos outros é refresco

    Texto escrito por de Gildo Girotto Junior, Gian Carlo Guadagnin, Cyntia Almeida e Maria Luiza 

    Entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. É uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado tem gerado não apenas polarização, em um momento inoportuno, mas também colocado em risco a saúde coletiva.

    Qual o impacto que a administração de uma substância provoca no organismo? Realmente conhecemos quais efeitos um determinado alimento, medicamento ou qualquer outro produto pode provocar quando o ingerimos? 

    Recentemente, não apenas medicamentos têm sido alvo do debate na prevenção e cura contra a COVID-19. Os limites da insensatez ou do desconhecimento foram ultrapassados ao ponto de encontrarmos recomendações totalmente insanas e irresponsáveis. Por exemplo, com a administração de desinfetantes e, agora, de soluções contendo ozônio no combate a doenças. É preciso esclarecer alguns fatos. Assim, propomos neste texto, trazer explicações sobre a prática da administração de ozônio via retal recomendada, dentre outros, por um administrador público de uma cidade brasileira.

    Ozônio e seus diferentes “buracos”

    É possível que muitos dos que estão lendo este texto já tenham ouvido falar da “Camada de ozônio” ou do “Buraco na camada de ozônio”. Provavelmente, é a situação mais comum associada a esta substância. Em um outro contexto, o ozônio pode ser associado ao tratamento de água. O processo comercialmente conhecido como ozonização consiste em uma alternativa, ou um tratamento complementar da água, para a eliminação de bactérias. Neste procedimento, o ozônio reage quimicamente destruindo microorganismos e, com o surgimento da pandemia, esse mesmo princípio passou também a ser utilizada para a sanitização de ambientes

    Mais recentemente, uma terceira situação associada ao ozônio (sendo esta mais problemática) é o processo de ozonioterapia, um procedimento experimental que consiste na aplicação do ozônio em partes do corpo com intuito de eliminar doenças. Para entender um pouco sobre esses três usos, primeiramente vamos esclarecer um pouco sobre a composição e propriedades da substância em questão.

    O ozônio tem em sua composição o elemento químico oxigênio. Entretanto diferente do gás oxigênio que é vital, sua fórmula é um pouco diferente, o que faz com que sua atuação química também seja. Parece confuso? Vamos tentar entender.

    O gás oxigênio é formado por moléculas em que dois átomos de oxigênio estão unidos, representamos esta substância pela fórmula O₂. Já o gás ozônio tem suas moléculas formadas pela união de três átomos de oxigênio, e o representamos pela fórmula O₃. Essa pequena modificação faz com que as substâncias sejam bastante diferentes em termos de atuação. 

    moléculas de Oxigênio (O₂) e de Ozônio (O₃)
    Conhecendo um pouco mais de cada molécula

    Enquanto o gás oxigênio, por exemplo, pode se ligar a moléculas em nosso sangue como a hemoglobina (proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue) sendo levado a diferentes partes do corpo e alimentando reações que nos fornecem energia, o gás ozônio é uma substância extremamente tóxica para o nosso organismo uma vez que, ao invés de se ligar às moléculas, tem o poder de destruí-las. 

    De fato, o ozônio tem um grande poder de reagir com outras substâncias causando a degradação destas e ao mesmo tempo sofrendo transformações. Assim, quando as moléculas de O₃ encontram outras substâncias elas literalmente “atacam” esses compostos causando a degradação, ou seja, destruindo essas moléculas. Quimicamente, dizemos que esse comportamento do ozônio é relacionado a uma molécula oxidante e bastante reativa.

    Há outros exemplos de moléculas parecidas que têm comportamento bastante distintos. Você já deve ter ouvido falar de água oxigenada, certo? Enquanto a molécula de água (H₂O) é pouco reativa e vital para os seres humanos, a água oxigenada, que tem fórmula H₂O₂, é uma substância bastante reativa e também oxidante. Percebam que, mesmo a alteração sendo de apenas um átomo a substância muda completamente de propriedades. Ou seja, substâncias diferentes têm atuações diferentes.

    Podemos agora voltar a falar dos usos do ozônio, tudo bem?

    A “camada de ozônio”

    Na nossa estratosfera (uma das partes da atmosfera terrestre que se encontra a mais de 11 km de altitude, acima da maior parte das nuvens) as moléculas de ozônio se formam naturalmente devido às diferentes condições existentes nessa região e essa grande quantidade de moléculas de O₃ tem uma função importantíssima na vida do nosso planeta. Simplificadamente dizemos que ali há uma camada de ozônio. Como assim? O que queremos dizer é que é uma região que possui muitas moléculas desse gás. 

    A radiação do sol carrega uma grande quantidade de energia. Se toda a energia chegasse ao planeta seria capaz de destruir algumas espécies vivas e causar diferentes problemas incluindo riscos a nossa pele. Entretanto, quando essa radiação chega à estratosfera, uma parte da energia é absorvida pelas moléculas de ozônio que se transformam em moléculas de gás oxigênio. Deste modo, o ozônio se degrada após absorver parte da energia solar, como se formasse um verdadeiro filtro solar. Como resultado, apenas uma parte do conteúdo energético dos raios solares “entra” no planeta, possibilitando condições de vida adequadas. 

    Esse ciclo de formação e destruição do ozônio pela absorção de energia solar é contínuo e natural. Portanto, o ozônio lá na estratosfera é benéfico e fundamental ao planeta e a todos que o habitam.

    O ozônio no tratamento de água

    Como mencionado anteriormente, as moléculas de ozônio são muito reativas, o que significa que “atacam” outras moléculas e tem o poder de destruir principalmente os compostos orgânicos, como as proteínas, que compõem microorganismos, bactérias, nossa pele, nossas células, etc. Então podemos imaginar que se água estiver contaminada com agentes causadores de doenças (vírus, bactérias, protozoários, por exemplo) o gás ozônio borbulhado nesse sistema reagirá matando os microorganismos e contribuindo para a potabilidade da água. 

    De fato, isso ocorre e é possível utilizar o processo no tratamento de água para o consumo ou para ambientes como piscinas. Esse processo tem sido utilizado como uma alternativa ao uso de “cloro” e a vantagem é que após a reação, o ozônio se transforma em oxigênio, não deixando resíduos na água. Então, a água não fica com aquele “gosto ou cheiro de cloro”. Em larga escala esse processo ainda é mais caro do que o uso de “cloro” e, por isso, as empresas que cuidam da nossa água ainda não fazem esse tratamento.

    Mas você deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com o tratamento para a COVID-19? 

    Finalmente chegamos lá.

    A ozonioterapia é, na melhor das hipóteses, um método experimental que consiste na administração de ozônio de forma localizada ou intravenosa (aplicação nas veias) ou via retal (ânus) com objetivo de combater infecções diversas. (veja nosso texto sobre método científico e entenda a diferença entre hipótese e resultados científicos comprovados aqui)

    Já mencionamos sobre a reatividade do ozônio e seu poder oxidante, certo? Desta forma, imaginemos que uma pessoa possua uma infecção superficial na pele. Diversos tratamentos poderiam ser realizados neste caso sendo um deles (ainda experimental) a aplicação de ozônio diretamente sobre a região. Assim, o ozônio reagiria destruindo possíveis micro organismos causadores da infecção. A depender do tipo de infecção e do grau de complexidade, uma intervenção desse tipo, considerada de forma localizada poderia funcionar como têm sido apontado em estudos teste realizados¹. Seguindo a mesma ideia, outros estudos têm investigado a administração de ozônio diretamente em regiões internas no corpo que possuem células cancerosas e/ou infecções². 

    Um fator importante que deve ser destacado é que, sem exceções, os estudos afirmam que não há resultados 100% conclusivos (devido a fatores diversos) e a ozonioterapia é sempre considerada como tratamento experimental, ou seja, em fase de teste e ainda, nenhum dos casos mencionados têm relação com a administração retal de ozônio. 

    Mas então, como o ozônio por administração retal pode combater a COVID-19?

    A resposta é bastante simples. NÃO PODE! 

    Vamos repetir aqui só para deixar bem evidente, caso tenha ficado alguma dúvida sobre o que estamos argumentando neste texto:

    O OZÔNIO COM ADMINISTRAÇÃO RETAL
    NÃO COMBATE A COVID-19

    Mas pode usar ozônio como tratamento para Coronavírus?
    Não! Não pode!

    Ao injetarmos a molécula em qualquer parte do nosso corpo ela rapidamente reage degradando as substâncias que estiverem em contato, e ela mesma, a molécula de ozônio, sofre transformações produzindo novas substâncias. 

    Portanto é inimaginável que a substância injetada chegue às células onde o coronavírus se encontra (as quais estão espalhadas por todo o corpo), uma vez que ela teria que percorrer um longo percurso. Então, a menos que todo o vírus esteja concentrado na região onde se injetou o ozônio, não haveriam consequências benéficas e, mesmo nesta situação, não se têm estudos a respeito.

    Para se ter ideia, a própria Sociedade Brasileira de Ozonioterapia afirmou que “O efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”. Isto é, não há qualquer evidência e comprovação científica de que isto pode ser usado para cura e/ou tratamento da Covid-19!

    Ainda, o Conselho Federal de Medicina, em sua resolução 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018, estabelece “a ozonioterapia como procedimento experimental, só podendo ser utilizada em experimentação clínica dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep.”³, o que basicamente nos diz: “olha, isso precisa ser testado porque ainda não temos comprovação de qualquer efetividade”.  

    Mas, será que há efeitos prejudiciais? Sim. Basta pensarmos que estamos injetando uma substância extremamente agressiva em uma região relativamente sensível.

    Enfim, entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. Isto é uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado gera não apenas polarização num momento inoportuno, mas também coloca em risco a saúde coletiva. Ou seja: sigamos e fiquemos atentos e informados. Afinal, Ozônio na COVID dos outros é refresco.

    Para saber mais

    1. MARCHESINI, Bruna Fuhr; RIBEIRO, Silene Bazi (2020) Efeito da ozonioterapia na cicatrização de feridas Fisioterapia Brasil, [Sl], v 21, n3, p. 281-288, jun 2020

    2. DE ANDRADE, Raul Ribeiro et al (2019) Efetividade da ozonioterapia comparada a outras terapias para dor lombar: revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos randomizados Rev Bras Anestesiol [online] 2019, vol69, n5 [cited  2020-08-06], pp493-501

    3. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (2018) RESOLUÇÃO 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018.

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Cyntia Almeida é estudante de graduação em Licenciatura em Química (UNICAMP)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Qual a relação entre diabetes e Covid-19?

    Texto escrito por Ana Campos Codo e Ana Arnt

    Quem está acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus, causador da Covid-19, deve ter visto sobre grupos de risco e associação com algumas doenças que várias pessoas têm. Muito se fala em grupo de risco, por exemplo. Isto em função de buscarmos, com isso, minimizar os impactos na saúde, destas pessoas que podem apresentar casos mais severos da doença. Assim, ao conseguirmos saber quais são os grupos de risco, conseguimos estabelecer quem deveria se expor menos ainda às possibilidades de contágio. Uma das doenças que muito cedo foi percebida como grupo de risco é a diabetes.

    Mas você sabe o que é a diabetes?

    De modo bem sucinto, a diabetes é uma doença caracterizada pela insuficiência da produção de insulina ou diminuição na sensibilidade e função da insulina. A insulina é um hormônio. Ela é produzida no pâncreas e têm como função controlar a quantidade de açúcar que está em circulação nos nossos vasos sanguíneos. Basicamente, uma das principais ações da insulina é se ligar em receptores que ficam nas membranas das células e promover, assim, a entrada do açúcar nestas células, retirando-o da corrente sanguínea.

    Quando nosso corpo produz pouca insulina (insuficiência de produção deste hormônio) ou diminui à reação na presença de insulina (diminuição na sensibilidade à insulina), o que acontece é que o açúcar não é metabolizado corretamente, isto é: as células não conseguem retirá-lo do sangue e ele permanece em circulação, ficando em excesso. Este excesso, em si, causa uma série de problemas no funcionamento do nosso corpo.

    E qual a relação entre a quantidade de açúcar no sangue e a Covid-19?

    Icons made by DinosoftLabs / Flaticon

    Pois esta é a pergunta que um grupo de pesquisadores aqui da Unicamp também se fez! E, mais do que isso, tentou compreender os mecanismos químicos e fisiológicos que fazem com que o excesso de açúcar no sangue aumente a probabilidade de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 apresentarem casos mais severos da doença Covid-19!

    Esta pesquisa mostrou que o açúcar favorece a infecção pelo novo coronavírus e sua replicação no interior dos monócitos. (ah, ok, agora entendi tudo!). Como assim, monócitos? Calma, a gente vai chegar lá…

    Os monócitos são células de defesa do organismo. Ou seja, eles circulam no sangue e são “recrutados” para irem até os tecidos infectados ou danificados – como os pulmões no caso da Covid-19, para combater a doença. Essas células de defesa são as mais abundantes no pulmão de indivíduos infectados com o novo coronavírus, de forma que é fundamental entender a resposta dessas células quando em contato com o coronavírus.

    O que acontece é que o coronavírus usa a glicose (açúcar) como combustível para sua replicação no interior destes monócitos. Como um dos principais órgãos afetados pelo coronavírus é o pulmão, quando nosso corpo detecta a infecção, envia uma grande quantidade de monócitos até lá – pois é uma célula importante de defesa. Acontece que o pulmão é, também, um órgão altamente vascularizado! Isto é, além de monócitos, no sangue de pessoas que têm diabetes quando não está sob controle, há um excesso de glicose chegando ao pulmão também.

    Assim, o coronavírus usa a célula que teria o potencial de nos defender contra a infecção para se replicar e aumentar a infecção ainda mais. 

    Espera que isso ainda não é tudo…

    Uma vez infectados, os monócitos produzem grandes quantidades de proteínas que geram inflamação, chamadas de citocinas. Essas citocinas são importantes na resposta contra patógenos ou danos, principalmente na ativação de outras células de defesa, como linfócitos T. Já os linfócitos T são essenciais para eliminar células infectadas por vírus ou para auxiliar os monócitos a eliminarem esses patógenos quando eles precisam de um estímulo! Durante a infecção pelo SARS-CoV-2, no entanto, há uma produção excessiva de citocinas. Isto tem sido comumente chamado de tempestade de citocinas! E ela é danosa ao tecido e também aos linfócitos T. Nessa pesquisa, foi apresentado que as células epiteliais do pulmão quando entram em contato com essa tempestade de citocinas morrem. Os linfócitos, por sua vez, perdem a capacidade de proliferação e acabam se tornando “exaustos”. 

    Pareceu confuso? Isto foi só um spoiler do nosso próximo texto, em que vamos esmiuçar o que é essa “tempestade de citocinas” e sua relação com a infecção pelo coronavírus!

    Por fim…

    Falando assim, tudo isto, parece tudo muito trágico, não é mesmo? Esta pesquisa que apresentamos não fala de tratamentos possíveis. Tampouco nos indica a cura. Esta é uma pesquisa que costumamos chamar, na universidade, de “pesquisa básica”. Para além da aparente curiosidade que move uma pesquisa como esta que apresentamos, é fundamental em um momento como este que estamos vivendo entender detalhes químicos e moleculares desta doença. Saber como funcionam os tecidos, órgãos e células do nosso corpo (o que a biologia estuda há séculos) nos dá condições para termos, desde que percebemos esta nova doença, perguntas mais direcionadas para solucionarmos este grande quebra-cabeças que é a cura/tratamento para o novo coronavírus.

    Assim, é a partir de pesquisa básica que entendemos de forma detalhada o processo químico, fisiológico, molecular da infecção. Toda esta pesquisa pode apontar possíveis alvos para, aí sim, conseguirmos alcançar tratamentos, ou diminuir o risco para pessoas que estão nestes grupos mais afetados.

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisdores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais (Ciência Brasileira)

    Codo, AC; Davanzo, GG; Monteiro, LB; Souza, GF; Muraro, SP; Virgilio-da-Silva, JV; Prodonoff, JS; Carregari, VC; Biagi Junior, CAO; Crunfli, F; Restrepo, JLJ; Vendramini, PH; Reis-de-Oliveira, Guilherme; Santos, KB; Toledo-Teixeira, DA; Parise, PL; Martini, MC; Marques, RE; Carmo, HR; Borin, A; Coimbra, LD; Boldrini, VO; Brunetti, NS; Vieira, AS; Mansour, E; Ulaf, RG; Bernardes, AF; Nunes, TA; Ribeiro, LC; Palma, AC; Agrela. MV; Moretti, ML; Sposito, AC; Velloso, LA; Vinolo, MAR; Damasio, A; Proença-Modena, JL; Carvalho, RF; Mori, MA; Martins-de-Souza, D; Nakaya, H; Farias, AS; Moraes-Vieira, PM (2020). Elevated Glucose Levels Favor SARS-CoV-2 Infection and Monocyte Response through a HIF-1α/Glycolysis-Dependent Axis. Cell Metabolism. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cmet.2020.07.007

    Outras postagens sobre a Força Tarefa no Blogs de Ciência da Unicamp

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    “Programa Nutrir Campinas: impactos em época de pandemia do COVID-19”

    Estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp compara experiências econômicas internacionais no combate à crise atual

    As autoras

    Ana Campos Codo – Farmacêutica-bioquímica de formação e apaixonada por Ciência, Imunologia e Star Wars. Atualmente faz mestrado em Genética e Biologia Molecular com ênfase em Imunologia e participa da Força-Tarefa da Unicamp, tem interesse em temas diversos

    Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

plugins premium WordPress