Sem dúvidas, todos nós fomos pegos de surpresa com essa pandemia e com os impactos dela em nossa rotina diária. E qual foi o impacto de todas essas mudanças na sua pesquisa e na sua forma de fazer ciência?
Um grupo de pesquisadores, em sua maioria de Harvard, resolveram investigar como os pesquisadores estavam respondendo às mudanças ocasionadas pela pandemia e, para isso, distribuíram um questionário para diversos pesquisadores e professores universitários no dia 13 de Abril. A ideia deles foi espalhar esse questionário para cientistas de diversas áreas nos Estados Unidos e na Europa um mês após a declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Eles tinham o intuito de comparar o desempenho desses profissionais pré e pós pandemia, e identificar quais características estavam afetando mais o desempenho desses pesquisadores.
Com 4.535 respostas, durante a análise dos resultados eles identificaram um grande impacto na quantidade de horas trabalhadas, que foi reduzida de 61h para 54h semanais. Mas é preciso considerar que 55% dos participantes indicaram uma redução, e que uma parcela relativamente significante (18%) apresentou um aumento nas horas trabalhadas.
Com isso em mente podemos nos perguntar em seguida se as pessoas que estão nesses grupos têm alguma característica em comum. Quais foram as áreas mais afetadas? Qual foi o gênero mais impactado pela pandemia quando falamos em horas de pesquisa? Em qual desses grupos você se identifica?
Eles observaram nesse trabalho que as pessoas que mais tiveram redução no tempo dedicado à pesquisa (30% e 40%) foram cientistas que precisam estar em laboratório físico, englobando principalmente áreas de ciências biológicas, bioquímica, química e engenharia química. Enquanto áreas de economia, matemática e ciências da computação apresentaram uma redução menor.
Mas a parte mais interessante, na minha opinião, é que analisando esses dados eles identificaram que o trabalho de pesquisadores com dependentes jovens em casa (pelo menos um dependente de até 5 anos de idade) foi muito mais afetado pela pandemia, com uma redução de 17% de horas dedicadas a pesquisa quando comparados com outros grupos. E ao levarmos isso para a discussão de gêneros, as mulheres apresentaram um redução maior (~5%) nas horas dedicadas a pesquisa quando comparadas aos homens.
O trabalho apresenta diversos pontos fracos a serem considerados, que impedem a sua utilização para conclusões mais gerais acerca de quais grupos realmente tiveram sua pesquisa mais impactada, mas ao mesmo tempo, ele abre caminho para diversos outros questionamentos, inclusive sociais.
Nessa pesquisa, só foi considerado o impacto em pesquisadores e professores, mas qual o impacto que atingem os estudantes? Quantos moram longe da família e foram mantidos afastados totalmente de um convívio social? Quantos arriscam suas vidas todos os dias para desenvolverem pesquisas em COVID-19 nas bancadas? Quantos estão em desespero por terem prazos a cumprir ou por não saberem se terão bolsas no próximo ano? Como medir o real impacto causado pelo estresse e pela ansiedade da situação na pesquisa?
As perguntas são sempre muitas, e pra mim, a única que realmente devemos considerar nesse momento, é “Como reduzir os danos da pandemia na nossa saúde mental e na nossa rotina de trabalho dentro da pesquisa?”.
É preciso aprender a definir as nossas prioridades (de trabalho e pessoal) e a distribuir o nosso tempo de acordo com elas. É preciso nos olharmos com mais ternura e compaixão e entendermos que nós também somos humanos. É preciso buscar ajuda quando não damos conta. É preciso dizer não quando não nos fará bem. E é preciso decidir sempre, com consciência e com sabedoria, afinal, a única pessoa a arcar com a consequência das suas escolhas, será você mesmo. O lado maravilhoso disso? Ao decidirmos o que fazer com a nossa vida, nós podemos escolher o que nos faz feliz e o que nos faz bem, e ninguém NUNCA saberá mais o que você precisa, do que você mesmo.
E se eu puder dar algum conselho: Agarre essa oportunidade com unhas e dentes, decida tudo que você puder decidir, descubra quem está com você independente de quem você seja ou de que decisões você tome, divirta-se fazendo a sua pesquisa, agradeça sempre, ame muito e seja feliz, só por hoje.
Referências:
Myers, K.R., Tham, W.Y., Yin, Y. et al. Unequal effects of the COVID-19 pandemic on scientists. Nat Hum Behav (2020). https://doi.org/10.1038/s41562-020-0921-y
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Com mais de 8 milhões de casos confirmados de Covid-19 no planeta [1], passar por essa pandemia acelerou discussões que não giram em torno apenas da saúde e a busca pela cura do vírus, mas promoveu também discussões que, até então, circulavam apenas em bolhas sociais [2].
A pandemia deixou claro os problemas da falta de investimento nos sistemas de saúde e ciência, além da avalanche de informações duvidosas recebidas diariamente (a chamada infodemia).
A pandemia também evidenciou as deficiências sociais e econômicas vigente que insiste em seguir o raciocínio da Revolução Industrial (1760 – 1840) – com suas devidas atualizações – mas, mantendo seu principal compromisso com o maior lucro em decorrência da menor despesa possível.
Vimos explodir nas mídias sociais e na imprensa demonstrações, protestos e cobranças de uma situação que não era igual para todos, principalmente, advindas dessa nova geração [3] que veio a público mostrar como a Covid-19 e seus efeitos foram sentidos de forma muito diferente (e a custo de vidas) nas minorias, como: mulheres, povos indígenas, pessoas com deficiência, comunidades marginalizadas, jovens e pessoas com contratos de trabalho precários ou da economia informal, por exemplo.
E ao identificar essas problemáticas evidenciadas pela pandemia, às Nações Unidas [4] montou uma Força-Tarefa Interinstitucional sobre Economia Social e Solidária (TFSSE) promovendo assim a discussão e a garantia da coordenação dos esforços internacionais, aumentando sua visibilidade (da Economia Social e Solidária – SSE) como solução na recuperação pós-crise do COVID-19.
“A pandemia expôs muitas fragilidades em nossas economias e aprofundou as desigualdades existentes, destacando a necessidade de resiliência, inovação e cooperação. Os problemas pré-crise, incluindo a quantidade e qualidade insuficientes de emprego, as crescentes desigualdades, o aquecimento global e a migração, a insustentabilidade do atual sistema industrial de alimentos, vão piorar significativamente como conseqüência das medidas tomadas para combater a emergência sanitária”.
Documento emitido pela TFSSE em 11/06/2020.
Nós tivemos o privilégio de conversar com o Leandro Pereira Morais que é economista, Representante do Brasil no OIBESCOOP, Consultor Sênior da OIT, Membro Suplente da Força Tarefa das Nações Unidas sobre Economia Social e Solidária (E mais um tantão de coisas [5]) sobre como essa iniciativa funciona e como podemos contribuir para que o futuro pós – COVID-19 ofereça condições melhores a nossa sociedade.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [6]
Como a Força Tarefa das Nações Unidas sobre Economia Social e Solidária contribui para a recuperação pós-crise do COVID-19?
R: Esse trabalho ganhou muitas conexões com outras agências das Nações Unidas e foi se transversalizando os temas relacionados a Economia Social e Solidária com outras áreas como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), nos assuntos relacionados a segurança alimentar, orgânicos, na geração de trabalho e renda para famílias vulneráveis, promovendo, por exemplo, o acesso a alimentação mínima diária, repercutindo, inclusive em melhores condições de saúde.
Essa transversalização se formou no que chamamos de Força Tarefa das Nações Unidas sobre Economia Social e Solidária.
É importante dizer, que essas discussões já eram desenvolvidas antes da pandemia, como: os objetivos do desenvolvimento sustentável – a agenda 20/30 e às ODS.
A economia social e solidária é uma ferramenta importante para a formação e implementação das ODS e sua relação com seu ambiente/território onde essas ações são desenvolvidas. Do ponto de vista da conexão do econômico (gerar renda e trabalho), com o social (emancipação de vulneráveis, governança democrática participativa nas políticas públicas) e com o ambiental (com práticas sustentáveis, agricultura familiar). Essa, então, se transforma na tríade do desenvolvimento econômico, sócio-político e ambiental.
Assim, a partir desse momento de pandemia, voltamos os trabalhos e a articulação governamental internacional para a questão de enfrentamento da pandemia e suas consequências econômicas, sociais e ambientais.
Muitas das experiências da economia solidária podem ser utilizadas para situações emergenciais, como a disponibilização de alimento, associações de costureiras para a confecção de máscaras, por exemplo. Assim, como às de médio e longo prazo, propondo revisões e reflexões do atual modelo de desenvolvimento que vivemos. Esse modelo bastante potente do ponto de vista material e da produção, de padrões tecnológicos avançados, a chamada 4ª revolução, mas que cobra um preço alto das relações de trabalho, de espaço, produção, de consumo, sociais e ambientais.
Portanto, todo um mundo de discussões que já perfilava antes da pandemia e que agora intensifica essas tendências e exige soluções, coloca urgência na discussão.
E como esse padrão econômico citado reflete na sociedade nesse momento de pandemia?
R: Pois é, como estávamos conversando esse padrão econômico, produtivo e altamente potente do ponto de vista material e de produção, que nos permite conforto, enfrentamento de momentos adversos e de acesso, por exemplo, relógios que medem sua saúde, controle de temperatura do ambiente, viagens através do continente, comunicação em tempo real e com pessoas do outro lado do mundo, enfim… não podemos negar que é fantástica essas evoluções. Por outro lado, os frutos dessa produção material não são para todos. Nem todos são convidados nesta festa!
Ainda há pouca facilidade de acesso a essas produções materiais e inovações tecnológicas, é para quem pode pagar.
Essa facilidade é elitista e exclusiva! Ao mesmo tempo, percebemos nesse cenário de produção material e tecnológica o aumento na concentração de renda, exclusão, desigualdade e miséria.
A pandemia veio para desnudar de forma intensa essa realidade e não é um problema do Brasil mas no mundo todo. O sistema atual é incoerente, nós temos uma produção mundial de alimentos de 10 bilhões e um planeta com 7 bilhões, como mais de 1 bilhão e meio de pessoas passa fome diariamente?
Então, do ponto de vista de médio e longo prazo, talvez essa pandemia nos dê a oportunidade de rever esse padrão econômico vigente, do lucro pelo lucro. E esse não é papo de esquerda ou direita mas de reflexão e discussão para aqueles que têm o mínimo de sensatez.
Mas, isso seria uma mudança profunda, não só de padrões mas de consciência, certo?
Sim, essa é uma mudança estrutural, de conceitos, de sentimentos. Não é simples, mas é preciso que às pessoas pensem sobre e essa discussão tem várias facetas, das relações de consumo, trabalho, etc.
Nas relações de consumo, já vemos mudanças. As pessoas estão repensando e tomando atitudes de mudança.
Primeiro que vivemos em um momento que as pessoas não tem como sair de casa frequentemente, devido a possibilidade de contaminação da Covid-19 e a incerteza de ter condições financeiras e de emprego, que já era um problema antes da pandemia.
Hoje às pessoas repensam sua necessidade de consumo. E isso gera um olhar crítico para a compra.
A economia, na verdade, foi se distanciando da realidade da sociedade e isso aparece nesse momento de adversidade que estamos passando. Esse diálogo que tem aparecido sobre termos que escolher entre a vida e o trabalho não é justa, é uma equação obscena, é uma guerra de narrativas e isso é muito sério!
A base originária da estrutura da ciência econômica precisa ser revista!
Essa ciência é organizada pelos nexos de mercado, é essa ideia do “homem econômico”, ou seja, uma caricatura tosca que se move por ideais maximizantes, portanto, o produtor maximiza o lucro, em decorrência do prejuízo ao meio ambiente, precarização o trabalho e até a aceitação do trabalho escravo.
Já pelo ponto de vista do consumidor é a maximização do conforto, bem estar, ou seja, quando sua renda, que é limitada, maximiza o seu consumo em demandas ilimitadas.
Dessa forma, a economia vem se afastando da realidade e essa pandemia só desnudou essa questão. Se por um lado, se tem pessoas que podem pagar pelo acesso a saúde, alimentação e ficar em casa, por outro, temos pessoas que não tem acesso a água, o que dirá álcool em gel e no meio pessoas que lutam pendendo de um lado e do outro.
Então, já vivíamos uma crise estruturante e o “corona” pega carona nessa crise e foi sendo escancarado pelas minorias nas mídias sociais ao mostrar o empregado que pegou o vírus da patrão e morreu e a patrão que teve acesso a condições de saúde e alimentação digna e sobreviveu.
E quais são os direcionamentos práticos que a economia social e solidária recomenda para que essa ideia de produção e consumo maximizante mude?
É importante deixar bem claro que é um processo, não é uma receita de bolo ou mágica! Mas ações individuais, apesar de serem de menor alcance, já ajudam muito a promover mudanças:
1-Fazer a comunicação e sugestões de assunto na imprensa, sites de comunicação, compartilhar conteúdo em suas redes sociais, por exemplo, sempre de forma não agressiva mas que sensibilize e informe às pessoas sobre a economia solidária, seus princípios e discussões.
2-Discutir e pensar sobre o assunto – como nós fazemos aqui no curso de Economia na Unesp, colocando em discussão os conceitos da economia solidária e pensar em um mundo diferente desses padrões que estamos vivendo, como mudanças na relação do trabalho, o não haver emprego para todos e seus efeitos.
3-Participar, financiar e divulgar ações coletivas (trabalho, social e ambiental) – Dar visibilidade para grupos de minorias e suas reivindicações, dar preferência para atividades de pequenos comerciantes, empresários, artesãos, trabalhadores informais. Não consumir produtos que vem de empresas que degradam o meio ambiente ou funcionam em situações degradantes de trabalho.
4- Escolher governante e exigir deles após às eleições que implementem políticas públicas para que o pequeno negócio tenha melhores chances de sobrevivência, acessos a créditos e impostos justos, a relação que vivemos hoje é completamente desigual para aquele que concorre com grandes indústrias. No Brasil, a micro e pequena empresa gera 80% da capacidade de renda do país, isso sem condições mínimas, é preciso que haja políticas mais favoráveis.
Entende-se que o Consumo Consciente não é só um ato econômico mas político também, quando eu consumo de uma marca que sabidamente precariza o trabalho, não paga impostos ou degrada o meio ambiente, eu estou sendo conivente com o processo. Claro que o consumo dos pequenos ainda é mais caro, produtos orgânicos, por exemplo, mas ao investir comprando desse pequeno produtor geramos impactos macro na sociedade.
A ideia que vimos aumentando durante a pandemia como “compre do pequeno” ou “compre no seu bairro” sempre foi uma bandeira da economia social e solidária. E essa é uma consciência que começou aumentar não só com as pessoas comuns, mas vemos empresários e empresas também começando a mudar sua atitude.
E como a divulgação científica pode contribuir com essa mudança estrutural?
A ciência em si tem um papel fundamental nisso, fazendo ciência em prol da maioria.
O cientista precisa colocar seu esforço em, além de desenvolver aquela área e realizar descobertas, para que sua pesquisa tenha uma ação social e não fique apenas no seu meio, que tenha uma utilidade pública, social e que não privilegie o sistema econômico e de mercado vigente.
Um exemplo, é essa busca pela vacina para o Covid-19. Será que essa vacina terá um direcionamento de bem de mercado e o acesso será restrito a quem possa pagar por ela? Ou terá um direcionamento social que independentemente da condição financeira, cor, credo, opção sexual, por exemplo, possa ter acesso a ela?
Acho que todo cientista tem esse papel de rever a ciência de forma crítica, porque ela não está desconectada desse padrão que discutimos aqui, a disponibilização das informações sobre ciência, inclusive.
A ciência, sua evolução e suas descobertas também foram disponibilizadas pela lógica de mercado, ou seja, para quem podia pagar. É claro, que existe o problema de financiamento, mas o que é possível se fazer, como cientista, é pensar na ciência como coletivo e disponibilizar seus frutos para que todos tenham acesso, para o bem comum.
Por fim, nossa ação aqui na Força tarefa é feita, por sua maioria de professores/pesquisadores, de todo os lugares do mundo, dedicando nosso tempo em orientar, construir e reunir uma literatura e arsenal conceitual, teórico e empírico para contribuir para a implementação da Economia Social e Solidária nos governos mundiais, essa é uma das atividades em prol do bem comum que viemos explanando aqui.
Dica de evento:
O Fórum Político de Alto Nível, plataforma central das Nações Unidas para o acompanhamento e a revisão da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, prevê a participação plena e efetiva de todos os Estados Membros das Nações Unidas e Estados membros de organizações especializadas.
A reunião do fórum político de alto nível sobre desenvolvimento sustentável em 2020 será realizada de terça – feira, 7 de julho a quinta-feira, 16 de julho de 2020 , sob o apoio do Conselho Econômico e Social. Isso incluirá a reunião ministerial de três dias do fórum, de 14 de julho a 16 de julho de 2020.
[2] “O fenômeno de Bolhas Sociais é conhecido em diversas áreas e pesquisas estão sendo feitas para analisar seu impacto na sociedade. Se caracteriza pela limitação dos indivíduos ao acesso a informações que tem afinidade e a falta de acesso a informações divergentes ou diferentes das de seu interesse.”
EVANGELISTA, Bruno; BATISTA, Gabriela; DE OLIVEIRA, Jaqueline Faria. Detecção Automática de Bolhas Sociais no Twitter em uma Rede de Usuários de Tecnologia. In: Anais do VII Brazilian Workshop on Social Network Analysis and Mining. SBC, 2018.
[3] Falamos aqui das gerações Y e Z: A geração, conhecida como Y – nascidos entre 1980 a 1995 – presenciou a plena expansão das inovações tecnológicas, o nascimento da internet e o início da mudança na comunicação e na era da informação, estes foram criados com a preocupação pela segurança e pelo excesso de estímulos, suas ambições estão na prosperidade econômica, ou seja, é movida por resultados, desafios e interesses de ascensão rápida.
Já a geração Z – nascidos entre 1996 a 2000 – nasce em plena era da informação e da tecnologia na palma da mão, essa é uma geração conectada e informatizada 100% do seu tempo, prefere o consumo rápido e facilitado porém com pouca interação social presencial, uma vez que a conectividade supri suas necessidades emocionais. Essa geração não procura o acúmulo de bens, mas valoriza o dinheiro para que este sustente seu padrão e qualidade de vida, buscando, muitas vezes um perfil empreendedor.
[4] Para a lista completa de membros e observadores do UNTFSSE, visite: http://unsse.org/ – Para mais informações, entre em contato com: Presidente: Vic Van Vuuren (OIT), vanvuuren@ilo.org; Secretaria Técnica: Valentina Verze (OIT), verze@ilo.org
Textos originais sobre a conscientização e contribuição para o corpo de conhecimentos sobre SSE como um meio de implementação dos ODS
ESS Collective Brain é um espaço interativo virtual que visa enriquecer as atividades da OIT em Economia Social e Solidária (ESS) – http://ssecollectivebrain.net/?lang=es
[5] Leandro Pereira Morais. Professor Doutor e Pesquisador do Departamento de Economia e Coordenador do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária, Criativo e Cidadania (NEPESC) da UNESP – ARARAQUARA, Membro Titular do Conselho Científico Internacional do CIRIEC, Representante do Brasil no OIBESCOOP, Consultor Sênior da OIT nas áreas de Economia Social e Solidária e Cooperação Sul-Sul, Membro Suplente da Força Tarefa das Nações Unidas sobre Economia Social e Solidária. Áreas de Interesse em Pesquisa: Políticas Públicas de Economia Social e Solidária, ODS, Cooperação Sul-Sul e Ecossistema Empreendedor para Economia Social e Solidária
[6] Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ou Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável) são uma coleção de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Os ODS são parte da Resolução 70/1 da Assembleia Geral das Nações Unidas: “Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que depois foi encurtado para Agenda 2030. As metas são amplas e interdependentes, mas cada uma tem uma lista separada de metas a serem alcançadas. Atingir todos os 169 alvos indicaria a realização de todos os 17 objetivos. Os ODS abrangem questões de desenvolvimento social e econômico, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, aquecimento global, igualdade de gênero, água, saneamento, energia, urbanização, meio ambiente e justiça social. https://pt.wikipedia.org/wiki/Objetivos_de_Desenvolvimento_Sustent%C3%A1vel
Este post foi publicado originalmente no blog Mindflow
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Texto escrito por Cyntia Almeida, Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Júnior
Imaginem que vocês, em futuro próximo, sentados em um restaurante (ou indo às compras em um mercado), sejam informados “Este restaurante conta com um sistema de sanitização ambiente por meio de substâncias que eliminam vírus e bactérias”, ou ainda, “este ambiente conta com um sistema de sanitização por meio de radiação ultravioleta”. Pois é. Este procedimento já tem ocorrido em alguns locais.
Após o período em isolamento social, a maior parte dos estados brasileiros e muitos países do mundo seguem para a abertura do comércio. Mais do que isso, começam a traçar planos de retorno das atividades com a flexibilização do isolamento. O estado de São Paulo, por exemplo, propôs um plano de retorno do setor educacional, o qual envolve a ocupação gradual das instituições de ensino. Para além disso, outros espaços como o transporte coletivo, bares, restaurantes e demais estabelecimentos, num futuro próximo e ainda na presença do coronavírus, começarão a ser novamente ocupados. A preocupação que nos aflige é, portanto, como se preparar para evitar uma nova onda de disseminação do coronavírus?
Nos diferentes projetos de retorno, muito se fala sobre ações que visam evitar a propagação do vírus. Isto levando-se em conta desde aquelas mais comuns, como lavar frequentemente as mãos, manter o uso do álcool gel e da máscara, até outras ainda pouco comentadas como a sanitização dos ambientes. Sobre este último ponto é que buscamos trabalhar algumas ideias neste texto. Trazemos, principalmente, esclarecimentos sobre como se dá este processo e quais procedimentos têm sido propostos e estudados para sua realização.
Contextualizando um pouco
No mês abril deste ano, um estudo realizado por pesquisadores do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Guangzhou, China, foi publicado. O objetivo foi estudar as possíveis causas da contaminação, por COVID-19, de 10 pessoas provenientes de 3 famílias distintas. Estas pessoas estavam presentes em um mesmo ambiente mas que se encontravam distantes umas das outras1. Levantou-se então a questão de que a circulação do ar (direcionada pelo aparelho de ar condicionado) teria propagado o vírus ou que os filtros de ar do aparelho pudessem estar servindo para o acúmulo do mesmo.
Os dados do estudo apontaram que a proximidade relativa das famílias durante o almoço e o forte fluxo de ar no ambiente, foram o fator crucial para a propagação do vírus a partir do paciente inicial, que na época não sabia estar contaminado. Isso ocorreu devido ao fato de as gotículas de saliva do primeiro doente terem sido levadas pelo fluxo de ar, a uma distância maior do que a esperada. A figura abaixo ilustra a contaminação ocorrida sendo A1 o sujeito inicialmente infectado. As datas indicam para a descoberta da contaminação dos demais sujeitos presentes no local.
Ou seja, não apenas o maior distanciamento mostra-se necessário como é perceptível que partículas do vírus podem se deslocar. Isso devido ao fluxo de ar, se espalhando por uma grande área do ambiente. Este e outros estudos levantam questões sobre medidas que se tornarão necessárias, quando os estabelecimentos públicos voltarem a funcionar. Além disso, traz indagações referentes aos novos protocolos de limpeza e desinfecção. Quais produtos utilizar? Os processos realmente isentam o ambiente do vírus? Seria possível realizar a sanitização em ambientes com a presença de pessoas? Trazemos aqui algumas considerações em relação ao processo de sanitização de ambientes.
O processo de sanitização
Antes mesmo da publicação do estudo citado, algumas cidades haviam adotado o uso da desinfecção ou da limpeza das ruas. O intuito era combater a contaminação dos indivíduos que por ali transitavam. Tal ação deve ser promovida apenas em lugares com maior fluxo de pessoas. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ao realizar esse processo em lugares com poucas chances de contágio, corre-se o risco de fortalecer o vírus, tornando-o imune aos saneantes usados2. Nesse cenário, um primeiro ponto a se compreender é a diferença entre limpeza e desinfecção.
Segundo Nota Técnica2 da ANVISA, LIMPEZA é a remoção de microrganismos, sujeiras e impurezas das superfícies sem, no entanto, ter por objetivo a degradação dos microrganismos. É, portanto, uma remoção física que diminui o risco de propagação de infecções e doenças. Já o processo de DESINFECÇÃO utiliza substâncias capazes de matar microrganismos presentes nas diferentes superfícies. Esse processo não limpa necessariamente superfícies sujas ou remove fisicamente os microrganismos. Mas, ao degradá-los em uma superfície antes ou após a limpeza, pode reduzir ainda mais o risco de propagação de infecções (o uso do álcool gel por exemplo, desinfeta uma superfície).
Na desinfecção, como visto, uma substância é responsável por degradar o organismo causador ou transmissor da doença ou infecção. No caso de bactérias, a degradação ocorre quando a membrana exterior da célula do organismo é quebrada e seu material genético e constituinte se dispersa, impedindo-o de funcionar. É como se tivéssemos a cabeça ou o coração arrancados. No caso dos vírus, a desinfecção tende a romper a camada de proteínas e/ou gorduras que constituem sua parte externa.
Em todos esses casos, a substância desinfetante interage com uma estrutura molecular rompendo ligações que manteria a estrutura do micro-organismo. A limpeza posterior retira “os restos mortais” que sobraram do processo. Recentemente (mas não muito), outros processos, sem o uso de substâncias, têm sido testados. É o caso da utilização de radiação ultravioleta (UV)3. A ideia neste caso é que a radiação UV, por carregar grande quantidade de energia, possa interagir com micro-organismos fazendo com que as ligações químicas que compõem as suas moléculas sejam degradadas. Uma analogia que pode ser feita é a ação do sol em nossa pele. A radiação solar é composta por diferentes ondas, dentre elas o UV, principal responsável por “queimar” a pele. A ideia é semelhante, só que o procedimento consiste em utilizar aparelhos que emitam apenas este tipo de radiação diretamente aplicado a superfícies.
Mas então, onde aplicar e que substâncias ou métodos utilizar?
Bom, antes é preciso saber o que vamos desinfectar, se existem pessoas ou animais no local, se o local é grande ou pequeno, qual seu uso e o que queremos eliminar. Nem todas as substâncias destroem vírus e também bactérias, vide os medicamentos, que em geral são específicos: antiviral ou antibiótico.
Para o coronavírus, em especial, o Ministério da Saúde (MS) recomenda, para desinfecção de superfícies, o uso dos produtos autorizados pela Anvisa, como o quaternário de amônia (NR4+, onde R é uma cadeia de carbonos e hidrogênios); alvejantes contendo hipoclorito (de sódio ou cálcio); peróxido de hidrogênio e ácido peracético4. O Quaternário de amônio é o que chamamos de cátion, isto é, uma substância com carga, neste caso positiva pela deficiência em elétrons. Por ser positiva, essa substância é atraída por espécies negativas sendo reativa e atuando na oxidação da matéria com a qual está em contato, quebrando as moléculas da camada protéica do vírus, ou então rompendo as ligações da membrana da bactéria.
Entretanto, segundo a ANVISA, quaternários de amônio podem causar irritação na pele e nas vias respiratórias e pessoas expostas podem desenvolver reações alérgicas, afinal, o cátion “ataca” a matéria sem muita distinção, podendo, portanto reagir com componentes da nossa pele.
As outras recomendações para superfícies, e que funcionam quimicamente de forma semelhante, são o próprio hipoclorito de sódio (comum na desinfecção de alimentos), o peróxido de hidrogênio (comercializado em solução na forma de água oxigenada) e o ozônio ( utilizado no tratamento de água em piscinas). Para estes, é importante observar sua periculosidade uma vez que são fortemente irritantes e podem causar lesões severas.
Seria possível sanitizar um ambiente com pessoas presentes?
Mesmo com o conhecimento dos riscos de irritação e a possibilidade de envenenamento, muitos estabelecimentos e até mesmo alguns estados brasileiros estão utilizando a técnica de sanitização de pessoas, como afirma reportagem de junho deste ano5. O ato ocorre por meio de uma cabine que pulveriza desinfetante por sujeitos que passam por ela sendo a estrutura batizada com o nome de “cabine de desinfecção”. Nestas cabines são utilizadas algumas das substâncias mencionadas anteriormente, como o hipoclorito de sódio, o quaternário de amônio, e outros sanitizantes que já citamos em nosso texto.
Uma revisão especializada da ANVISA com bases internacionais não encontrou recomendações ou exemplos sobre a possível eficácia de desinfecção de pessoas com uso de câmaras, cabines e túneis. Essa revisão incluiu informações de fontes como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças/EUA (CDC) e a Agência Europeia de Substâncias Químicas (ECHA)5.
A Anvisa ainda recomenda que se escolhido o procedimento de desinfecção, o mesmo não seja realizado com pessoas presentes. Isto porque os saneantes recomendados apresentam características que podem causar, além das irritações e lesões citadas, intoxicação e problemas respiratórios quando inalados. Portanto, a realização da desinfecção de um ambiente com indivíduos presentes (ou à desinfecção direta de indivíduos) NÃO é recomendada. No caso da radiação UV, a mesma recomendação pode ser feita, uma vez que ao direcionarmos uma fonte de radiação de alta energia a uma pessoa, danos a estrutura celular de sua pele podem ser gerados.
Por fim, quanto tempo o ambiente sanitizado fica isento de microorganismos?
De modo geral, não existem estudos conclusivos sobre a sanitização de ambientes e espaços uma vez que há diferentes variáveis. O ar, a movimentação e dispersão de organismos, vírus e partículas em áreas abertas e espaços com grande movimentação de pessoas (como restaurantes, hospitais, escolas, lojas e academias ou no transporte público) são conjuntos complexos e amplos de estudo, com muitas variáveis e, por isso, dependem de tempo para respostas mais completas. O novo coronavírus ainda é recente e não o compreendemos totalmente. As recomendações para a diminuição da contaminação e do contágio são, grandemente, as medidas para outros vírus já conhecidos como os que causam a SARS ou a MERS e a família influenza.
Assim, além da sanitização e limpeza de ambientes, teremos que usar máscaras e fazer os diversos protocolos de distanciamento por um bom tempo, pelo menos até novas e mais acalentadoras informações sejam apresentadas. Vale lembrar que ações de sanitização são maneiras a mais de minimizar a contaminação. Isto é, não eliminam os cuidados pessoais diários e a higienização de mãos e roupas sempre que possível. Até o momento, o álcool 70% e a boa e velha água e sabão são as formas mais eficazes e menos agressivas à saúde que conhecemos de fato.
Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp
Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)
Cyntia Almeida é estudante de graduação em Licenciatura em Química (UNICAMP)
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Lançamos o Especial Covid-19 dia 20 de março de 2020. No dia 27 de junho, completamos 100 dias de trabalho dedicado no Blogs de Ciência da Unicamp. O que aconteceu neste meio tempo (ou um pouco antes do lançamento)?
O primeiro caso confirmado no Brasil data de 26 de Fevereiro. No dia 20 de março, dia de lançamento do Especial Covid-19 no Blogs, tínhamos 977 casos confirmados da doença, com 11 óbitos. Aos 100 dias do especial, tivemos 1.313.667 casos confirmados, 57.070 óbitos.
A Universidade Estadual de Campinas interrompeu as atividades presenciais no dia 14 de março. O anúncio sobre a parada foi feito um dia antes. Outras universidades foram parando suas atividades nos dias seguintes e as escolas até o final do março estavam praticamente todas com as aulas suspensas também.
A equipe do Blogs já vinha estudando temas específicos sobre a Covid-19 e o Novo Coronavírus. Alguns blogs individuais iniciaram suas publicações entre os dias 18 e 19 de março. Entre os dias 14 e 19 de março, o comitê editorial do Blogs reuniu-se e decidiu elaborar um especial dedicado integralmente à Covid-19. Neste sentido, o Especial Covid-19 priorizou atualizações técnico-científicas sobre a doença e seus efeitos na sociedade, conhecimentos básicos para entender melhor os números, tabelas e gráficos que vem sendo veiculados, as notícias, além de materiais para crianças, entrevistas, arte, etc.
Um trabalho coletivo
Não há o que comemorar nestes tempos. Em 100 dias de Covid-19 nós temos um balanço de nosso trabalho e reflexões sobre o que consideramos o papel da Divulgação Científica no enfrentamento da doença em nosso país…
Foram 100 dias de trabalho. O que fizemos neste tempo? Investigamos os acontecimentos diariamente, analisando artigos publicados em modo “pre-print”, conversando com especialistas, elaborando pautas, combatendo fake news, participando de entrevistas, lives, podcasts em vários canais de divulgação científica. Neste meio tempo, também integramos a Força Tarefa da Unicamp, na Frente de Comunicação. Um esforço feito por toda a equipe do Blogs de Ciência da Unicamp, que inclui vários blogueiros e colaboradores, para que a compreensão desta doença se faça mais acessível possível.
100 dias de Especial Covid-19
100 dias de Especial Covid-19
Foram 103 postagens, com 43 autores. Destes, 63% são mulheres, 37% homens. Cientistas que já atuavam como Divulgadores Científicos, ou que iniciaram seu trabalho neste campo, para o nosso Especial. Para os novos escritores, também incluímos um breve treinamento e conversas sobre as primeiras publicações. Além disso, todas as postagens do especial passam por uma revisão técnica e científica, tudo para a Divulgação Científica cumprir seu propósito. Isto é: a preocupação de comunicar informações corretas e linguagem acessível.
Também ressaltamos, neste aspecto, que o Especial Covid-19 tem diferenças, comparadas com os outros três especiais já lançados pelo portal. Inicialmente por não ter um tempo delimitado de publicações. Optamos por deixar o especial no ar, com postagens atualizadas pelo tempo que for necessário. Outra diferença é a presença de autores convidados, além dos blogueiros do portal. Por fim, também contamos atualmente com os blogueiros do ScienceBlogs Brasil, que desde março integraram o Blogs da Unicamp.
Desde o dia 20 de março, ao completar 100 dias de Especial no dia 27 de Junho, tivemos 218 mil visualizações ao material elaborado pelos autores, além de 301 mil e 386 mil acessos via Facebook e Twitter, respectivamente. Destes acessos, temos uma faixa etária predominante entre 25 e 34 anos e 54% dos leitores são mulheres e 46% homens. Nestes 100 dias, nosso portal geral alcançou a marca de 807 mil acessos. Também ressaltamos, neste meio tempo, um crescimento expressivo de seguidores em todas as mídias sociais.
Um balanço geral
A Divulgação Científica proposta pelo Blogs de Ciência da Unicamp é feita a muitas mãos, grande parte em um trabalho voluntário presente tanto na equipe administrativa e técnica, quanto na produção de conteúdos pelos blogueiros. Todo este coletivo de pessoas tem, como princípio, o compromisso com o desenvolvimento de propostas que articulem ciência e sociedade por meio da comunicação.
No Especial Covid-19, esse compromisso fica ainda mais evidente, dado o impacto das informações sobre a pandemia não apenas na saúde pública, mas em todas as áreas da sociedade. Quando iniciamos tudo em 20 de março, não imaginávamos que seriam tantos dias em isolamento (para quem conseguiu se manter em isolamento). Ainda conhecíamos muito pouco sobre a doença. Hoje conhecemos mais, mas temos conosco que ainda há muito o que aprender (com e sobre a doença).
Nesse meio tempo, crescemos. Ampliamos não apenas nosso trabalho, mas a nossa compreensão do papel da divulgação científica em um mundo que enfrenta uma de suas maiores crises dos últimos anos (e certamente a maior crise de grande parte das pessoas que nos lê…). O conhecimento, para nós, é ferramenta para viver e entender a sociedade. Dessa forma, a divulgação científica é um dos modos de traçar este diálogo, entre o que é produzido dentro de centros de pesquisa (e aqui no Brasil, majoritariamente dentro de Universidades Públicas, como a UNICAMP) e as pessoas de uma sociedade.
O Especial Covid-19, e toda a equipe que vem trabalhando neste especial, seguirá neste propósito de diálogo enquanto esta divulgação se fizer necessária, agradecendo a todos que escrevem, estudam, publicam, lêem, compartilham, comentam e nos ajudam a tornar nosso trabalho possível a cada dia.
A partir da expansão da COVID-19, temos visto muitos comentários sobre o sistema imune e seu funcionamento. A imunologia é uma das áreas das ciências da saúde e biológicas mais amplas e cheias de detalhes difíceis de compreender. Hoje eu vou falar um pouco sobre o tema, enfatizando os anticorpos. Você sabe o que são os anticorpos?
Também chamados de Imunoglobulinas (ou simplesmente Igs), os anticorpos são proteínas do sistema imune, sendo os principais atores na chamada resposta imune humoral. A resposta imune humoral é o braço da resposta imunológica que está nos líquidos extracelulares, como por exemplo o plasma do sangue. A principal atuação da resposta imune humoral é contra patógenos extracelulares, como bactérias e protozoários.
Todos os anticorpos são iguais?
Os anticorpos não são todos iguais. Além de haver pequenas diferenças na sua estrutura física, cada tipo é especializado para uma função. Existem 5 tipos:
IgA: estão presentes no sangue, nos fluídos extracelulares, no leite materno e tem uma grande importância na proteção das mucosas;
IgD: é o primeiro tipo de anticorpo produzido pelas células. Não se entende muito bem qual é sua função até hoje;
IgE: muito importante na defesa contra vermes e nas alergias;
IgG: é o tipo de anticorpo mais presente no sangue e em fluidos extracelulares, é capaz de efetuar todas as funções dos anticorpos (que explicaremos melhor neste texto), e são capazes de atravessar a placenta;
IgM: é o segundo tipo de anticorpo produzido pelas células, muito presente no início das infecções, posteriormente é trocado para um tipo mais específico de Ig (dos tipos A, E ou G).
Como são produzidos?
Os anticorpos são produzidos por células chamadas linfócitos B, mais especificamente por um tipo muito especial dessa célula, os chamados Plasmócitos.
Indo um pouco mais a fundo nesse tópico, nós temos distribuídos por todo o nosso corpo os chamados linfonodos, órgãos do sistema imune responsáveis por fazer a drenagem de líquido e antígenos dos nossos tecidos. Um antígeno nada mais é do que qualquer partícula capaz de se ligar a um anticorpo ou ao receptor específico do linfócito T. São nestes linfonodos que estão armazenados os nossos linfócitos T e B.
De uma forma simplificada e focando especificamente nos linfócitos B, quando essas células encontram um antígeno de origem externa (ou seja, que não foi produzida pelo nosso corpo), ou mesmo de um patógeno como uma bactéria, elas internalizam esse antígeno (ou o patógeno inteiro) e o digerem. Internalizam? Como assim?!? Em outras palavras: elas literalmente comem esse patógeno ou antígeno.
Depois disso, esses linfócitos B começam a sofrer algumas modificações que levam a diferenciação dessas células em plasmócitos, que nada mais são do que as fábricas de anticorpos dos organismos. Ao fim de uma infecção, a maioria desses plasmócitos irão morrer. Existe aí um porém bem importante! É que algumas poucas células vão se tornar células de memória, migrando para a medula óssea e morando lá por vários anos (alguns tipos podem chegar a durar a vida toda do organismo). Assim, constitui-se a chamada memória imunológica.
Maior, mais rápida, mais forte, mais ágil: O que é memória imunológica?
Para falar sobre memória imunológica, precisamos entender dois conceitos muito importantes: a resposta imune inata ou natural e a resposta imune adaptativa ou adquirida.
Resposta imune inata
A resposta imune inata é aquela que já nasce conosco, e que nos permite gerar uma resposta imune desde o momento em que chegamos a esse mundo. Essa resposta imune está sempre em atuação, não importando se a resposta imune adaptativa começa a ocorrer ou não. Dessa forma, podemos dizer que ela atua (temporalmente falando), antes da resposta imune adquirida. Além disso, há duas outras características muito importantes dela: ela não tem memória e é capaz de reconhecer somente algumas partes específicas de patógenos, os chamados Padrões Moleculares Específicos de Patógenos – ou PAMPs para os mais íntimos.
Resposta Imune Adaptativa
Já a resposta imune adaptativa, é aquela que desenvolvemos com o passar da vida, ao entrar em contato com diferentes tipos de patógenos e substâncias. Quem já ouviu da avó “deixa a criança brincar na terra que vai ficar mais saudável” sabe do que estamos falando! Pelo solo ter milhares de bactérias e outros microrganismos, ao entrarmos em contato com todos esses microrganismos acabamos por estimular nossa imunidade adquirida, que ainda não é muito desenvolvido quando somos muito jovens. É por isso que é tão comum bebês e crianças muito novas ficarem doentes tantas vezes, por exemplo, quando começam a ir para a creche.
Falando sobre as características da resposta imune adaptativa, ela começa a ocorrer alguns dias após a exposição a um patógeno persistente, assim, temporalmente esse tipo de resposta acontece mais tarde, alguns dias após o início da resposta imune inata. Com isto queremos dizer que a resposta imune adaptativa precisa reconhecer que algo que é “de fora do nosso corpo” é um patógeno. Ao fazer isso, ele produzirá uma defesa específica para este patógeno (um vírus, uma bactéria, por exemplo), para combatê-lo.
Além disso, esse tipo de resposta usa as famosas células imunes chamadas Linfócitos T e B, que têm a capacidade de reconhecer praticamente qualquer partícula de um patógeno de forma muito específica a partir de seus receptores. E isso é o que garante a característica mais importante da resposta imune adquirida: a memória imunológica. Ela é o que dá a capacidade do sistema imune de lembrar de um antígeno já encontrado e responder mais rápido, mais especificamente e com maior intensidade nas próximas exposições ao mesmo microrganismo. Ao lado dos linfócitos T de memória, os anticorpos e plasmócitos de memória são os principais componentes da memória imunológica.
Quais são as funções de anticorpos?
Como eles atuam no organismo? Mas o que os anticorpos fazem para serem tão especiais? Essas proteínas possuem 4 funções bem definidas:
Neutralização:
os anticorpos se ligam a antígenos dos patógenos bloqueando a ação dessas moléculas, por exemplo, impedindo que uma proteína essencial para a entrada de um vírus se ligue ao receptor das nossas células, impedindo assim a entrada desse vírus;
Opsonização:
apesar do nome complicado, uma metáfora que podemos usar para essa palavra seria “temperar”. Quando um anticorpo se liga no antígeno de um patógeno, isso facilita que outras células do sistema imune enxerguem esse microorganismo, facilitando para tal célula comer o patógeno (se esse for por exemplo uma bactéria). E daí que vem a metáfora! Pois com o anticorpo ligado nesse microrganismo, a célula “acha ele mais gostoso” facilitando que ele seja engolido e destruído;
Citotoxicidade Dependente de Anticorpo:
um outro nome muito complicado, mas que em poucas palavras pode ser explicado como um auxílio a alguns tipos celulares como células Natural Killers, um tipo específico de Linfócito T e Eosinófilos, ao combate de vermes, células infectadas e tumorais.
Ativação do Complemento:
por fim, os anticorpos também podem ajudar a iniciar o Sistema Complemento, um grupo de proteínas muito importantes do plasma que também atuam na resposta imune humoral e que ajudam a estourar e comer microrganismos, como as bactérias.
Por fim…
Como vimos, os anticorpos têm muitas funções, algumas delas bem poderosas como a Citotoxicidade Dependente de Anticorpos. Porém, como já foi dito, a resposta imune humoral é muito poderosa contra patógenos extracelulares (aqueles que ficam fora das células). Apesar da função dos anticorpos se resumir a uma só (a neutralização) contra patógenos intracelulares (aqueles que invadem nossas células, como o vírus), esse tipo de resposta imune continua sendo muito importante e eficiente. Nesse caso, a principal função dos anticorpos irá se resumir à
Neutralização, da seguinte forma: quando os vírus infectarem uma célula, eles irão escravizá-la e forçá-la a produzir milhares de cópias de si mesmos. Depois de um tempo, as células ficam tão cheias que podem estourar e liberar esses vírus. De uma outra forma, as células podem começar a liberar os vírus calmamente, envolvendo-os com sua membrana. De uma forma ou de outra, esses vírus acabam no meio extracelular, prontos para invadir novas células e infectá-las. É nesse momento que os anticorpos atuam, se ligando as proteínas da membrana do vírus e muitas vezes impedindo que eles entrem em nossas células. Assim, dizemos que esses vírus foram neutralizados.
No próximo post eu vou falar um pouco mais sobre o tratamento a partir de anticorpos, especialmente a partir dos conceitos de Imunidade Passiva e Plasma Covalescente. Ficou curioso! Aguarde e já publicaremos sobre o tema.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Durante a pandemia de Covid-19, muitos setores do comércio e indústria estão parados por conta do isolamento social. Contudo, existem alguns profissionais que são de áreas essenciais, ou seja, não podem parar de trabalhar, e por isso estão se arriscando todos os dias para manter tudo funcionando.
Junto com o Dragonino, confira quais são os profissionais que estão atuando na linha de frente do combate ao coronavírus e que estão salvando muitas vidas nos hospitais. Entenda também o papel de se manter em casa para diminuir os riscos de contaminação dos profissionais essenciais que estão nos supermercados, farmácias, entre outros que não podem parar.
Por fim, a equipe do projeto Nas Asas do Dragão faz uma homenagem e um agradecimento especial para todos esses profissionais que estão fazendo sua parte nesse momento tão delicado!
Você pode conferir a lista completa dos profissionais essenciais na matéria abaixo:
Essa mesma matéria reforça a importância de trabalhadores essenciais terem prioridade nos testes para Covid-19, pois quando o resultado dá positivo, significa que eles precisam se afastar por um tempo do trabalho (ficar em isolamento social) para se tratar e para evitar contaminar outras pessoas. Depois que ficarem bem, eles devem fazer o teste novamente, e se o resultado der negativo para Covid-19, eles podem voltar ao trabalho para continuar ajudando a manter os serviços essenciais funcionando!
Cuidem-se bem!
Equipe:
Design: Giovanna S. Veiga
Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
Orientação e Revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares
English version
Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Os jovens que hoje cursam o ensino superior nasceram, em sua maioria, num período em que a ideia de inflação – ou seja, o aumento generalizado de preços – aparece como se tivesse uma só origem e uma só solução. A chamada vertente ortodoxa da economia, que está por trás dessa concepção, sempre considera que a inflação é causada por gastos demasiados do governo e que este deve, portanto, contê-la, realizando cortes nas suas despesas[1]. A “Coronacrise” tem colocado alguns limites a este “samba de uma nota só”[2]. Diante das medidas de gasto adotadas pelo governo, ouvimos interrogações sobre de onde virá o dinheiro (quem vai pagar?). Diante da resposta de que isto possa ser financiado simplesmente pela emissão de moeda, vem em seguida a pergunta que expõe bem o alcance da ortodoxia:
– Mas isto não vai gerar inflação?
Respondemos:
– Não. De acordo com o pensamento dos economistas ortodoxos, não.
Vejamos. Conforme a ortodoxia econômica, um aumento na oferta de moeda à sociedade por meio de impressão de dinheiro que seja maior do que quantidade total de bens e serviços produzidos em um ano – que é o PIB (Produto Interno Bruto)[3] – produzirá inflação. O raciocínio pode ser explicado de maneira bastante simplificada da forma como segue. Suponhamos que toda a economia produzisse e consumisse apenas dez sacos de batata por ano. Dado o montante de dinheiro existente na mão das pessoas, o preço de cada saco poderia ser, por exemplo, dois reais. Suponhamos ainda que, no ano seguinte, a produção não tenha aumentado e o governo, por alguma razão, viesse a emitir mais dinheiro e o disponibilizasse na mão do povo. Como as pessoas não teriam mais nada para comprar (porque a produção não aumentou), cada pessoa buscaria comprar mais sacos de batata. O aumento na procura pelos mesmos dez sacos de batata faria com que o preço do saco se elevasse a mais de dois reais. Conclusão: a emissão de moeda pelo governo teria, portanto, gerado inflação.
Os alunos mais inquietos poderão perguntar:
– E por que não aumentou a produção de sacos de batata?
Neste caso, o raciocínio ortodoxo pressupõe que todos os fatores de produção estão sendo utilizados, isto é, todas as fábricas estão com suas máquinas e equipamentos em plena operação, todas as terras para plantio e criação estão produzindo na sua capacidade máxima, e todos os trabalhadores estão empregados (os que não estão, é porque decidiram que o salário não compensa). Ora, neste caso, não há como aumentar a produção. Para aumentar a produção, a sociedade precisaria diminuir seu consumo e direcionar parte dos recursos que produzem bens de consumo e serviços para a produção de bens de capital[4]. Isso permitiria aumentar a capacidade produtiva, isto é, a sociedade precisaria diminuir o consumo para aumentar o investimento.
Convenhamos. Na situação atual, o estudante já não precisa ser inquieto para constatar que os setores produtivos não estão operando com sua capacidade máxima[5]. Temos uma situação em que a indústria e o setor de serviços querem aumentar sua produção ao mesmo tempo em que muitos trabalhadores desejam escapar de uma situação de desemprego forçada que se traduz numa taxa de desocupação para lá de alarmante.
E qual a implicação disto para o assunto aqui tratado?
Ao verificarmos os dados de nossa produção recente, o PIB brasileiro já está abaixo de sua capacidade há um bom tempo. No ano de 2014, este praticamente não cresceu. Se utilizarmos o exemplo das batatas, considerando que produzíamos 10 sacos de batata naquele ano, em 2015, com a recessão e a queda da demanda promovida pelas medidas de redução de gastos dadas pelo governo, diminuímos nossa produção para 9,5 sacos de batata. Em 2016, no pior momento econômico dos últimos anos, produzimos 9 sacos de batatas. A lenta e dificultosa recuperação dada por um Estado ainda bastante rigoroso na contenção das despesas fez com que a produção chegasse em 2019 a apenas 9,2 sacos de batata[6]. Para o ano de 2020, em função das restrições ocasionadas pela crise sanitária do corona vírus, a projeção é a de que venhamos a produzir 8,7 sacos de batatas em uma economia que pode ultrapassar, com folga, aqueles 10 sacos de 2014 [7]. Não há, dessa maneira, por que temer a inflação numa situação tão extrema em que o potencial produtivo não realizado se encontra em níveis tão elevados. A solução mais adequada para um problema tão adverso é o Estado emitir, transferir e manter um sólido fluxo de dinheiro para a mão das pessoas para que o máximo de potencial produtivo possível se realize.
Se é para seguir apenas um pensamento econômico, como vem fazendo grande parte da mídia nos últimos anos, devemos considerar que, existindo considerável capacidade ociosa na economia, um aumento da procura por bens e serviços ocasionado pela transferência de dinheiro para a população e pequenas empresas por parte do Estado será acompanhado por um aumento da produção e, portanto, não pressionará a economia para um aumento de preços expressivo, como prevê a própria ortodoxia econômica.
[1] O economista norte-americano, Milton Friedman (1902-2006), é geralmente a referência mais utilizada pela corrente do pensamento econômico ortodoxo no período contemporâneo. Esta vertente econômica se contrapõe, na maioria das vezes, às ideias econômicas heterodoxas que, em grande medida, se referência no economista inglês, John Maynard Keynes (1883-1946).
[2] O termo foi utilizado pelo economista, André Lara Resende. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/04/24/andre-lara-resende-quem-vai-pagar-essa-conta.ghtml. Acessado em 03 de maio de 2020.
[3] O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pela economia de um dado território em um determinado período.
[4] Bens de Capital são bens que servem para a produção de outros bens, como, por exemplo, máquinas, equipamentos e infraestrutura produtiva.
[5] Conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em abril de 2020, a indústria de transformação operou com 57,5% da capacidade instalada, sem considerar o setor de serviços e de produção rural. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/impactos-pandemia-covid-19-sobre-nivel-utilizacao-capacidade-instalada-industria. Acessado em 30 de maio de 2020. Conforme dados do IBGE, a taxa de desocupação dos trabalhadores é de 12,6%. Taxa de desocupação é a porcentagem de pessoas na força de trabalho que estão desempregadas. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=desemprego&searchphrase=all. Acessado em 30 de maio de 2020.
[6] Estamos considerando aqui o crescimento do PIB conforme dados do IBGE. Disponível em: ibge.gov. br. Acessado em 3 de maio de 2020.
[7] LAMUCCI, Sérgio. FMI projeta retração de 5,3% para economia brasileira em 2020. Valor, São Paulo, 14 de abril de 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/14/fmi-projeta-retracao-de-53percent-para-economia-brasileira-em-2020.ghtml. Acessado em: 03 de maio de 2020.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Por: Alex Palludeto, Newton Silva, Renan Araujo, Roberto Borghi e Vítor Alves
Em estudo intitulado Política econômica em tempos de pandemia: experiências internacionais selecionadas, pesquisadores do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI), do Instituto de Economia da Unicamp, abordam as medidas econômicas já tomadas por alguns países no intuito de mitigar os efeitos econômicos negativos provocados pela pandemia da covid-19.
Os autores buscam ponderar a importância das medidas diante da mais grave crise sanitária do século XXI, e de uma crise econômica que indica não ter precedentes na história mundial recente. O enfrentamento destas crises, como se observa, requer, fundamentalmente a ação imediata dos Estados Nacionais, dada sua capacidade de promover e orientar políticas com a amplitude necessária para garantir a prevenção e combate a Covid-19 assim como a preservação do tecido social e produtivo.
No que se refere em particular à atual crise econômica, argumenta-se que esta pode ser dividida em dois períodos: um primeiro momento, com duração estimada entre 3 e 6 meses, correspondendo à fase mais aguda de transmissão do novo coronavírus, o que requer a tomada de medidas de distanciamento social e, consequentemente, a paralisação de uma série de atividades econômicas; e um segundo momento, de 6 meses a 2 anos, no qual, uma vez tendo-se conseguido conter a disseminação do vírus, o distanciamento social poderá ser gradativamente suspenso, e as atividades econômicas poderão ser gradualmente retomadas.
O estudo também aponta que em cada um desses prazos temporais um tipo específico de atuação econômica dos Estados faz-se necessário: no primeiro deles, os governos precisam adotar medidas emergenciais, visando, entre outras coisas, a garantir o poder aquisitivo das pessoas, a impedir a falência das empresas e a promover a estabilidade dos sistemas financeiros; já no segundo, os países precisarão contar com medidas para a recuperação econômica, a fim de que seus níveis de produção (PIB) e emprego retornem aos patamares desejáveis.
Atualmente, embora os países do mundo estejam em fases distintas da pandemia, ainda se encontram predominantemente no primeiro desses momentos. Assim sendo, são as políticas já adotadas nesse contexto que o estudo aborda, apresentando os casos de nove diferentes países: China, Estados Unidos, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Alemanha, Argentina e Brasil.
Como conclusão possível, os autores indicam ser falsa a dicotomia “salvar a saúde ou salvar a economia”, a qual é bastante difundida no debate corrente. Ao contrário disso, ponderam que tanto a saúde como a economia podem e devem ser salvas e que os enfrentamentos à crise de saúde pública e à crise econômica não são objetivos excludentes, mas complementares. O distanciamento social adotado no início do processo de contágio e de maneira rigorosa, aliado a medidas econômicas de suporte a trabalhadores e empresas, pode assegurar que um menor número de pessoas venha a se infectar e morrer, ao passo que permite que as atividades econômicas sejam retomadas mais rapidamente.
Por fim, os autores enfatizam a necessidade de reflexões sobre as políticas futuras, já que a ação dos Estados Nacionais continuará sendo necessária no processo posterior de retomada econômica e de fortalecimento dos sistemas de proteção social. Nesse sentido, condenam a defesa que alguns economistas têm feito da adoção futura de medidas de austeridade fiscal, entendendo que estas poderão ter o poder de agravar e aprofundar a crise econômica.
O estudo completo encontra-se disponível para download no link: http://www.eco.unicamp.br/covid19/politica-economica-em-tempos-de-pandemia-experiencias-internacionais.
Autores do Estudo:
Alex Palludeto – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp
Roberto Borghi – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp
Newton Silva – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp
Renan Araujo – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp
Vítor Alves – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Como resposta à pandemia do coronavírus, diversos grupos de pesquisa têm procurado uma vacina ou um tratamento contra a COVID-19. Com isso, sempre aparecem novas notícias no jornal sobre medicamentos que são “a aposta” para curar essa doença. Você já se perguntou qual caminho um medicamento deve percorrer para sair do laboratório e ir até a prateleira da farmácia? Vamos explicar aqui como funciona o descobrimento (e o redescobrimento) de medicamentos para doenças ocasionadas por vírus!
Mais rápido e mais barato, o que é o reposicionamento de fármacos?
Criar um medicamento do zero demanda muito tempo e é caro. O tempo médio para um princípio ativo ser sintetizado em laboratório, virar medicamento e ir parar nas prateleiras da farmácia é de 12 anos e custa milhões de dólares!
Em tempos de pandemia, não possuímos tanto tempo assim para achar uma solução, e uma alternativa é o que chamamos de reposicionamento de fármacos.
O reposicionamento é uma forma de pesquisa que investiga se um medicamento que já é bem conhecido possui alguma atividade contra uma doença que ainda não tem tratamento. Essa estratégia tem sido utilizada principalmente para identificar tratamentos para doenças que não possuem tanto investimento, como malária, leishmaniose, e doenças virais transmitidas por mosquitos.
O reposicionamento começa com uma pesquisa in vitro, normalmente em uma cultura de células, com objetivo de verificar se o medicamento conseguiu atuar naquela infecção. Caso o resultado seja positivo, mais alguns testes são necessários para entender como esse medicamento atua na doença, determinar a dose e a periodicidade que ele deve ser administrado aos futuros pacientes. Após a validação dos testes, o remédio será seguro para realizar os testes clínicos. Esses testes possuem um número controlado de pacientes, e depois que os testes são finalizados, é possível dizer se o reposicionamento deu certo ou não. Reposicionar fármacos é tomar um atalho para encontrar uma resposta para uma doença.
No caso do tratamento da COVID-19 temos muitos candidatos para reposicionamento. O remdesivir, medicamento desenvolvido para o tratamento de casos de Ebola, o lopinavir e o ritonavir, utilizados em coquetéis anti-HIV, e claro, a cloroquina e a hidroxicloroquina, utilizadas no tratamento de malária e lúpus. Possivelmente nas próximas semanas outros candidatos possam surgir e ganhar destaque na mídia.
Todo medicamento de reposicionamento é seguro e é efetivo? Não!
Mesmo sendo uma alternativa mais rápida do que o descobrimento de um novo medicamento, o reposicionamento precisa ser validado em diferentes experimentos e grupos de pessoas, e os efeitos a longo prazo também devem ser estudados!
Depois que foi divulgado um estudo experimental que utilizava cloroquina, houve um aumento substancial na venda deste composto, ocasionando problemas como a falta do medicamento para pacientes que fazem uso regular, diversos casos de intoxicação por má administração e até mortes!
Quer saber mais sobre a cloroquina? Se liga nestes links que selecionamos para vocês 🙂
Mesmo com as notícias de possíveis tratamentos, é preciso ter calma. Ainda estamos na etapa de testes clínicos e apenas um grupo de pessoas realizou esse tratamento. Em um primeiro estudo com poucas pessoas, a própria cloroquina demonstrou ser um candidato ao tratamento, mas agora um estudo com mais de 96 mil pacientes indica que ela é ineficiente. Assim como qualquer medicamento, os tratamentos contra COVID-19 devem ser realizados apenas por meio de orientação médica e seguindo sempre as orientações dos órgãos regulamentadores e científicos.
Ficou curioso para entender como funciona o descobrimento de um novo medicamento? Aqui embaixo a gente te explica:
O processo começa com o estudo do agente causador da doença e de etapas que são importantes para a evolução do quadro clínico. Algumas etapas importantes em doenças causadas por vírus são o momento de infecção, de replicação do vírus dentro da célula e de liberação das novas partículas. Com esse entendimento, é possível definir quais moléculas (naturais ou sintetizadas) serão capazes de realizar uma interferência e impedir, ou amenizar, a doença. O mecanismo de ação dos compostos pode ocorrer protegendo o corpo daquilo que está fazendo mal, atuando diretamente na morte do patógeno, ou em alguma outra etapa importante da infecção. Após esses estudos, é realizada a síntese em laboratório e a caracterização dos compostos de modo a verificar qual a composição exata deles.
Depois de sintetizados, esses princípios ativos são testados em ensaios in vitro. Um ensaio in vitro é como uma horta: As células cultivadas são como as plantas; a terra e os nutrientes são o que chamamos de meio de cultura, e todo esse cultivo ocorre geralmente em placas de vidro ou plástico. Os ensaios in vitro são muito importantes pois conseguimos controlar diversos fatores que não conseguiríamos em outros ensaios, definir uma quantidade exata de células, fazer observações ao microscópio e o mais importante, reduzir a quantidade de experimentos em animais.
No ensaio in vitro são realizados testes para verificar se o princípio sintetizado tem efeito ou não. Em uma doença ocasionada por vírus, verificamos se aquele composto foi capaz de proteger a célula, ou se aquele composto conseguiu diminuir a quantidade do vírus naquele experimento. Além disso, também verificamos se aquele composto está sendo tóxico para a cultura de células afinal, não adianta reduzir a quantidade do vírus, mas ao mesmo tempo matar as células.
Depois de finalizados os experimentos in vitro, devemos partir para os modelos in vivo,ou seja, em modelos animais, pois a dinâmica do composto em um sistema vivo é diferente de um sistema fechado de cultura de células. Num corpo possuímos diversos tipos de células, que podem interagir de formas diferentes com esse possível princípio ativo. São nos testes in vivo que também verificamos as doses de segurança dos medicamentos, evitando uma possível overdose e também onde se reconhecem em parte os efeitos colaterais relacionados a substância administrada..
Estabelecidos todos os parâmetros de segurança, passamos finalmente para os testes clínicos. Os testes clínicos são realizados depois da aprovação de um conselho de ética, e sempre com a autorização do paciente ou de um responsável. São testes realizados com escolha aleatória de pessoas, e sempre contando com um grupo controle, que não receberá o tratamento. Nesses testes é que realizamos a validação final dos medicamentos, e, aí sim ele pode ser considerado efetivo no tratamento de uma doença.
Ainda não temos nenhum medicamento, novo ou de reposicionamento, que seja a cura para a COVID-19. A previsão é de que os resultados dos testes clínicos já iniciados sejam divulgados nos próximos meses, incluindo a iniciativa coordenada pela Organização Mundial da Saúde chamada “Solidariedade”. Por hora, os únicos métodos realmente efetivos de combate a pandemia são o distanciamento social e medidas básicas de higiene!
WOUTERS OJ, McKee M, LUYTEN, J. Estimated Research and Development Investment Needed to Bring a New Medicine to Market, 2009-2018. JAMA. 2020;323(9):844–853. doi:10.1001/jama.2020.1166
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
O crescente número de infectados e mortos pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2) ao redor do mundo tem gerado preocupação e exigido a tomada de atitudes inéditas entre governos e cidadãos para frear a pandemia. As medidas de distanciamento social e isolamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, até então o meio mais eficaz de diminuir o ritmo de disseminação da doença e amenizar o iminente colapso dos sistemas de saúde, têm causado mudanças drásticas nos hábitos e comportamentos da população. O esforço dos agentes públicos e da mídia para efetivar o isolamento não tem surtido o efeito desejado (SÃO PAULO, 2020). Cultivando o desejo de retorno a uma normalidade cotidiana potencialmente mortal, ainda é possível verificar aglomerações e ruas com intensa circulação de pessoas, mesmo com a suspensão de todos os eventos e reuniões públicas e interrupção dos serviços não essenciais. Uma realidade alarmante diante da célere escalada da curva de infecções no Brasil.
A campanha “#FicaEmCasa” tem buscado conscientizar a população sobre a importância de sair às ruas apenas para as atividades estritamente necessárias e o respeito ao isolamento como uma atitude cidadã. Entretanto, como irão aderir à campanha aqueles que não possuem uma casa?
Somente em São Paulo, epicentro da epidemia no Brasil, são mais de 24 mil pessoas vivendo nas ruas em situação insalubre e vulnerável, segundo dados da própria prefeitura (SÃO PAULO, 2020). Como poderão evitar aglomerações pessoas que vivem em uma favela como Paraisópolis, que ostenta a maior densidade populacional do país? (EBC, 2016). Isso, claro, sem contar a carência de tratamento do esgoto e fornecimento de água, numa situação onde o vírus pode ser transmissível pelas fezes (TORMENTE, 2020) e a lavagem das mãos em água corrente é a forma mais eficaz de evitar o contágio. E o que dizer dos mais de 770 mil presos que compõem população prisional nas penitenciárias brasileiras superlotadas? (BRASIL, 2020). Um prato cheio para o vírus e uma bomba relógio para a sociedade. A situação de rua, a favelização e o encarceramento constituem ‘mundos de morte’ (MBEMBE, 2018), espaços de concentração de um determinadas parcelas populacionais sujeitas à uma situação de sobrevida, ao estatuto de mortos-vivos. Lugares submetidos ao império da necropolítica (MOREIRA, 2019).
Enquanto o vírus se alastra pelo território nacional, o atual mandatário da Presidência da República tem cultivado crises institucionais entre os poderes e dentro do próprio governo. Em entrevistas, ao comentar sobre a mortandade causada pela pandemia, Bolsonaro declarou: “Alguns vão morrer? Vão morrer. Lamento, é a vida”; “Brasileiro precisa ser estudado, pula no esgoto e nada acontece” e “E daí? Lamento. Quer que eu faça o que? Sou Messias mas não faço milagre”. Estas e tantas outras falas de flagrante descaso com a saúde e com a vida da da população se alinham sob a ordem necropolítica.
O termo necropolítica, cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), visa elucidar como a regimentalização do poder de matar nas sociedades modernas funciona como uma política de controle social. A distribuição desigual das oportunidade de vida e de morte que são base do modelo capitalista de produção impõe uma hierarquia em que uns valem mais que outros e aqueles que não têm valor são simplesmente descartados. Trata-se de uma radicalização e reinterpretação da biopolítica de Foucault, em que a administração da vida divide espaço com a dministração da morte (ESTÉVEZ, 2018).
Segundo Valencia (2010) quando a morte, mais do que a vida, se encontra no centro da biopolítica ela se converte em necropolítica. Através de estratégias de exploração e destruição de corpos como a execução, o feminicídio, a escravidão, o sequestro, o tráfico de pessoas, o encarceramento; práticas legitimadas por dispositivos jurídico-administrativos, são ordenados e sistematizados os efeitos, as causas e as justificativas das políticas de morte. O poder atua para a manutenção do sujeito vivo, mas em estado de marginalização aguda, injúria e intensa crueldade, implementando uma forma de morte em vida até que se alcance a morte de fato.
Mbembe parte do pressuposto de que a expressão máxima do poder soberano consiste em deixar viver, matar ou expor à morte. A partir do momento em que a soberania escolhe quem vive e quem morre, o próprio viver se torna uma manifestação do poder soberano (MBEMBE, 2003).
E no Brasil?
No Brasil a necropolítica não é algo inusitado, nem recém inaugurado. Na verdade não existe história do Brasil apartada das políticas de morte. Estamos falando do país com a polícia que mais mata e mais morre no mundo (CÂMARA, 2019). Estamos falando do país que lidera o ranking mundial de homicídios em números absolutos (UNODC, 2019). Estamos falando do país que registra o maior número de linchamentos no mundo (MARTINS, 2015). Estamos falando do país que mais mata LGBTs no mundo (GGB, 2018). Estamos falando de um país em que a legislação contra a violência doméstica, uma conquista histórica, faz diminuir os casos de morte entre mulheres brancas e disparar os casos de feminicídios das mulheres negras (IPEA, 2018). Este cenário não surgiu de forma mágica ou repentina.
Estamos falando de uma nação inaugurada pelo genocídio dos povos originários, sustentada por séculos à base da mão de obra escravizada. Um território colonizado e arquitetado por um patriarcado conservador latifundiário e aristocrata (SADER, 2011). Não houve, nem haverá no curto prazo, um dia em que, neste país, não esteja em curso um plano de genocídio, extermínio, marginalização, encarceramento, subjugação de algum ou de vários segmentos da sociedade. Sejam índios, negros, mulheres, travestis ou comunistas. O discurso do inimigo interno é parte estruturante da necropolítica de “segurança” nacional (MENDONÇA, 2015).
Quando, em um país com estas características, chegam ao poder políticos que em meio a manifestações, negam a ciência e a importância dos setores públicos na promoção da equidade social, a partir de dados técnicos, científicos e sociais, torna-se notória a iminência da catástrofe. Um exemplo do caráter funesto que revestiu a política nacional, coadunando com vários setores e grupos sociais, pode ser observado na popularidade do fetiche punitivista: bandido bom é bandido morto (PRADO, 2020).
Ao traçar como objetivo político a aniquilação daqueles classificados como inimigos, a imposição da soberania se dá pelo exercício do poder de matar, como ocorre em um contexto de guerra. Está em andamento uma investida deliberada de necroempoderamento visando a institucionalização da necropolítica como estratégia de poder consolidada no senso comum. Trata-se de um esforço de deformação da moralidade para a difusão, naturalização, aperfeiçoamento e perpetuação da necrofilia como pressuposto de um projeto nacional.
No escopo deste projeto, o Estado não monopoliza a soberania, mas disputa o poder com entidades privadas necroempoderadas, como as milícias e as facções que funcionam como um estado paralelo, controlando a população, o território, a segurança e a política; se apropriando criminalmente dos elementos fundamentais da governamentalidade, administrando a vida e a morte para exploração de recursos e obtenção de lucro nas lacunas e nos limites do poder Estatal (VALENCIA, 2010; ESTÉVEZ, 2018).
A Necropolítica e a COVID-19: algumas considerações
Embora os aspectos sanitários e econômicos tenham tomado a centralidade na pauta da pandemia, outras questões de cunho político, social e cultural estão imbricadas nesta crise sem precedentes. Certamente sequelas e traumas próprios da nossa realidade nacional irão impor singularidades sobre a manifestação da Covid-19. Considerando a capacidade de atendimento hospitalar do país, o pico agudo de infectados e o colapso dos sistemas de saúde, questionamos: quem morrerá com falta de ar e quem continuará respirando? Quantos milhares de pessoas irão morrer? Quem serão estes mortos, suas classes, cores, idades e identidades? Como estes corpos adoecidos estão sendo inscritos na ordem do poder?
Quando governantes explicitam que não é preocupação política central garantir que cada cidadão tenha condições de continuar respirando, estão assumindo a responsabilidade de escolher quem vai ter a chance de lutar pela vida entubado num leito de UTI e quem vai ser lançado à própria sorte até o último suspiro. Esta gestão da morte deixa cristalino o funcionamento da necropolítica, pois nem todos são afetados da mesma forma.
Se o último grau de expressão do poder político soberano consiste em determinar quem pode viver e quem deve morrer, porquê e como, no Brasil desde sua fundação, à luz de sua história, fica nítido quem são os corpos selecionados para viver e quem são os corpos selecionados para sobreviver antes de morrer. Esta noção continua válida e certamente será acentuada nesta situação de crise, convertendo o que seria tão somente uma fatalidade epidemiológica em uma ferramenta de extermínio.
Se até então a escolha sobre quem vive ou quem morre era exclusividade do poder soberano, a pandemia transformou este cenário. Segundo Mbembe, a Covid-19 democratizou o poder de matar (BERCITO, 2020). Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus, potencialmente mortal, tem condições de transmiti-lo inconsciente ou deliberadamente. Todos temos, neste contexto, o poder de matar. O isolamento e distanciamento social seriam, portanto, uma forma de regular este poder. Analisando através deste prisma, as manifestações Brasil afora que reivindicam o fim do isolamento pretendem justamente a revogação da regulação deste poder de matar.
Enquanto é amplamente reconhecia a possibilidade de diminuição da letalidade da doença através do isolamento e do distanciamento, estes grupos reacionários querem justamente o oposto: usufruir do direito de usar o próprio corpo como arma biológica, fazem questão de assumir o papel de vetores genocidas. Agentes voluntários da perversa administração necropolítica da pandemia.
Ainda não é possível estimar a dimensão dos impactos que esta pandemia irá causar no mundo moderno capitalista globalizado e financeirizado. Mas é certo que este lúgubre evento abre uma janela de possibilidades para a introdução de pautas que contribuam para a redução da desigualdade, proteção e seguridade social. A emergência de uma doença que afeta mais severamente os pobres e os idosos evidencia que o envelhecimento e a pauperização da população não se resolvem com reforma da previdência, mas com fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, assistência e seguridade.
Mais do que nunca o SUS demonstra sua importância e reivindica a urgência de financiamento massivo. O subfinanciamento e sucateamento para o desmonte da saúde pública que estava a todo vapor encontra um enorme obstáculo e o fortalecimento do SUS deve assumir a centralidade na pauta progressista e no senso comum.
Além disso, ideias como a renda básica universal, a taxação de grandes fortunas, auditoria cidadã ou moratória da dívida pública, reforma tributária progressiva, que anteriormente eram tidas como pautas da esquerda, passam a ser consideradas medidas necessárias até por setores liberais. Dinheiro não é problema para a oitava economia mundial, mas as prioridades precisam ser revistas. Nunca foi razoável e agora é ainda mais absurdo escoar uma fatia gigantesca do orçamento da união na amortização de uma dívida nada transparente enquanto o povo perece.
Certamente iremos resistir e superar este doloroso teste de resiliência. Até lá nos resta cultivar a biofilia (FROMM, 1996): nos cuidar, cuidar de quem a gente ama e nos fortalecermos enquanto sociedade, para que a normalidade inaugurada pós pandemia seja melhor que normalidade por ela encerrada.
Para saber mais
BRASIL. Governo do. Dados sobre população carcerária do Brasil são atualizados. Segurança, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/02/dados-sobre-populacao-carceraria-do-brasil-sao-atualizados>
BERCITO, Diogo. Pandemia democratizou o poder de matar, diz autor da teoria da ‘necropolítica’. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml>
CÂMARA, Olga. Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre. Jus, 2019.
EBC, Agência Brasil. IBGE divulga Grade Estatística e Atlas Digital do Brasil. Economia, 2016. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-03/ibge-divulga-grade-estatistica-e-atlas-digital-do-brasil>
ESTÉVEZ, Ariadna. Biopolítica y necropolítica:¿ constitutivos u opuestos?. Espiral (Guadalajara), v. 25, n. 73, p. 9-43, 2018.
FROMM, Erich. Ética e psicanálise. Minotauro, 1996.
GGB. Grupo Gay da Bahia. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: Relatório 2018. Bahia, 2018. Disponível em: <https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relatório-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf>
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2018. Disponível em: <www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf>
MARTINS, José de Souza. Linchamentos: a justiça popular no Brasil. Editora Contexto, 2015.
MBEMBE, Achille. Necropolítica.. 3. ed., São Paulo, 2018.
MBEMBE, Achille; MEINTJES, Libby. Necropolitics. Public culture, v. 15, n. 1, p. 11-40, 2003.
MENDONÇA, Thaiane. Política de segurança nacional e a construção do conceito de “inimigo interno” no Brasil. UFRGS, Porto Alegre, 2015. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/sicp/wp-content/uploads/2015/09/Thailane-Mendonça_Política-de-segurança-e-a-construção-do-conceito-de-inimigo-interno-no-Brasil-Thaiane-Mendonça.pdf>
MOREIRA, Rômulo Andrade. A Necropolítica e o Brasil de ontem e de hoje. Justificando, 2019. Disponível em: <https://www.justificando.com/2019/01/08/a-necropolitica-e-o-brasil-de-ontem-e-de-hoje/>
PRADO, Monique Rodrigues do. O fetiche punitivista: bandido bom é bandido morto? Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/noticias/o-fetiche-punitivista-bandido-bom-e-bandido-morto/>
SADER, Emir. O Maior massacre da história da humanidade. Disponível em: <https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/emir-sader-o-maior-massacre-da-historia-da-humanidade.html>
SÃO PAULO, Governo do Estado de. Isolamento social em SP é de 49%, aponta Sistema de Monitoramento Inteligente. Portal do Governo, 2020. Disponível em <https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/isolamento-social-em-sp-e-de-49-aponta-sistema-de-monitoramento-inteligente/>
SÃO PAULO, Prefeitura de. Prefeitura de São Paulo divulga Censo da População em Situação de Rua 2019. Secretaria Especial de Comunicação, 2020. Disponível em: <http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-de-sao-paulo-divulga-censo-da-populacao-em-situacao-de-rua-2019>
TORMENTE, Fabiana Vieira. O vírus da Covid-19 pode ser transmitido através das fezes? Microbiologando. UFRGS, 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/microbiologando/o-virus-da-covid-19-pode-ser-transmitido-atraves-das-fezes/>
UNODC. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Estudo Global sobre Homicídios, 2019. disponível em: <https://dataunodc.un.org/GSH_app>VALENCIA, Sayak. Capitalismo Gore. 2010.
Sobre o autor
Leonardo Oliveira é Biólogo, professor de Biologia e mestrando em Ensino de Ciências e Matemática (UNICAMP).
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.