Categoria: Discussões

  • Porque liberdade de expressão não é desculpa para falar o que quiser na internet?

    Arte de Capa: Arte por @galvaobertazzi – https://www.instagram.com/galvaobertazzi/

    Texto por Erica Mariosa Carneiro

     

    Hoje vamos conversar um pouco sobre a evolução da comunicação e a responsabilidade que devemos ter ao colocar informação na internet: 

    Quem um dia iria dizer que colocar na mão de qualquer pessoa a possibilidade de produzir conteúdo informativo daria “errado”?

    Esperançosos pela promessa de conectar as vozes em torno do planeta, promoção do diálogo e do acesso a informações negligenciadas pela mídia tradicional. O comunicador de hoje enfrenta algo muito diferente do idealizado nos anos 90 com o advento da internet. 

    Na era da informação todos podem ser produtores de conteúdo. Basta ter o acesso a internet que qualquer pessoa, sem restrições geográficas ou de horários, possa publicar informações que o mundo todo tem acesso. O resultado disso? Um mundo exausto da informação, fadigado por não saber em qual ou em quem confiar e imerso em uma avalanche de desinformação.

    A primeira vista, o início dessa postagem parece um pouco exagerada, mas insisto que observe e faça o exercício de conferir suas redes sociais, canais de chat e canais de informação (todas elas) para perceber, ao final dessa tarefa, o esgotamento, entraves e dificuldades em encontrar informações confiáveis.

    Falei um pouquinho mais sobre as diferenças entre Fake News, Desinformação e Infodemia e como identificá-las e combatê-las nos textos: O que é “Fake News” e por que devo me preocupar com isso? e Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença?. Também recomendo os textos: Coronavírus e Fake News na Saúde e Corrigindo boatos de forma estratégica

    Ser produtor de conteúdo

    A rotina diária do produtor de conteúdo, (principalmente o de conteúdo informativo e que se dedica ao trabalho de forma profissional) passou a ser dividida entre as horas de discussões e planejamento sobre como promover uma comunicação mais ética, empática e de credibilidade. E outras tantas horas sobre como dispor esse conteúdo em veículos saturados, na qual a relevância e sua distribuição é medida de acordo com as decisões de algoritmos, que se baseiam, entre outras coisas, em bolhas e pela quantidade de dinheiro investida nessa distribuição.

    Falei um pouco sobre os algoritmos e a sua influência nos problemas contemporâneos no texto: O Dilema das Redes e porque esse problema também é seu! e recomendo esta seleção de textos do Blogs de Ciência da Unicamp sobre os desafios da divulgação científica em tempos de pandemia

    Já a rotina diária do consumidor de conteúdo, está longe de ser menos complicada que do produtor de conteúdo, esta rotina é permeada pela confusão e dificuldade em identificar qual das postagens que passa por sua tela é confiável. Já para a tarefa de checagem da informação é preciso uma dose extra de paciência, acesso a internet e até um sexto sentido para se perceber envolvido em bolhas que devem ser furadas e alteradas consultando novos canais de informação.

    O que são Bolhas? É a lógica ditada pelos algoritmos da internet/redes sociais que criam filtros e classificações de postagens de acordo com os seus interesses, (apresentados como curtidas, comentários ou tempo de visualização, por exemplo) ou o sobre conteúdos que são mais acessados que outros. Esses filtros limitam o seu acesso as informações dispostas na internet afetando assim a sua possibilidade de conhecimento, discernimento, tomada de decisão, e por consequência, o modo como agimos, pensamos e/ou aprendemos.

    Ser produtor de conteúdo no Blogs de Ciência da Unicamp

    Como comunicadora reconheço que, neste mundo conectado e sempre com pressa, é normal que fique cansativo pensar constantemente em formas de melhorar o trabalho de produção de conteúdo, mas é necessário. Por isso insistimos na importância de pararmos para refletir e conversar sobre as dificuldades e ideias que surgem na rotina de produção de conteúdo e sua divulgação.

    A equipe aqui do Blogs de Ciência da Unicamp aprendeu a importância desse tempo de estudo e de reflexão. E achamos tão importante quanto reproduzir o que aprendemos nos textos desse blog. Pensar nessas questões nos ajudou a entender que a comunicação é muito mais do que as “trends” do Twitter, pautas quentes que pipocam no jornalismo ou se devemos ou não nos render as dancinhas no TikTok ou Reels. Optar por trabalhar com qualquer uma dessas opções acima, é uma questão de conhecimento, planejamento e estratégia, apesar de parecer simples aos olhos dos desavisados, na prática não é bem assim.

    Antes…

    By THE DENVER POST | newsroom@denverpost.com
    PUBLISHED: March 26, 2009 at 2:55 p.m. | UPDATED: May 7, 2016 at 1:00 a.m. https://www.denverpost.com/2009/03/26/evolution-of-communication/

    Dos primórdios da comunicação até os dias de hoje, a história da civilização, as discussões e a evolução tecnológica da comunicação determinou como consumimos, produzimos e guardamos a informação.

    Vários marcos históricos foram importantes para mudanças nos modelos de comunicabilidade, e apesar da internet e as redes sociais serem o marco histórico mais comentado dos últimos tempos, é preciso lembrar que a comunicação não surgiu em 1995 com o surgimento da primeira rede social, o ClassMates.com 

    Na comunicação oral, por exemplo, as informações eram passadas de pessoa por pessoa ou por oradores que tinham como função de se posicionarem em locais de grande circulação para apresentar as informações que lhe fossem confiadas e como, por muito tempo, as massas não eram alfabetizadas, restava a população acreditar no dito.

    Já com a escrita manual o registro da informação e posterior consulta se tornou possível, contudo apenas com o avanço da alfabetização e, no século XV, com a prensa Gutenberg que a informação escrita passou a ganhar amplitude e chegar a número muito maior de pessoas. Mesmo assim foi só com a invenção do rádio em 1906 e da TV em 1927 que a comunicação realmente se tornou de massa, ou seja, a informação era disponibilizada a uma massa de pessoas geograficamente enorme, e cada vez maior conforme as tecnologias de áudio e imagem fossem sendo melhoradas.

    O que é Comunicação de Massa?

    Comunicação de Massa é o processo pelo qual se cria uma mensagem (de forma individual, em grupo ou de forma institucional) e a transmite por algum meio de comunicação para um grande grupo anônimo e heterogêneo. Na comunicação de massa o emissor da mensagem é sempre um comunicador profissional ou uma empresa de comunicação e a mensagem precisa ser rápida e pública. Os meios de comunicação de massa são televisão, rádio, revista, Internet, livros e cinema, pelo menos os mais comuns, e tem como principal função informar, mas ao longo do tempo também assumiram outras funções, como entreter, educar e comercial, por exemplo.

    * Nesta altura é importante deixar claro que a definição da comunicação de massa tem variações e semelhanças conforme os autores estudados.

    A Comunicação de Massa tem como base o envio da informação por um emissor que tem a responsabilidade de transmitir a informação da forma mais clara, completa, ética e acessível possível. Mas é claro que esse emissor/comunicador precisa adequar a informação ao meio de comunicação na qual está trabalhando.

    A título de exemplo e de forma simplificada: uma informação pensada para a televisão é diferente da pensada para jornais e revistas. Na televisão o comunicador precisa ser adequar a informação as características de tempo e áudio visuais que o veículo precisa. Já no jornal ou em uma revista a mensagem pode ser explicada por um longo período, se utilizando de desenhos, gráficos, tabelas e equações para que o receptor entenda a mensagem.

    Na comunicação de massa a informação, principalmente jornalística, antes de ser disponibilizada ao receptor precisa passar por um editor responsável que tem o poder de modificá-la ou até vetá-la, conforme entenda que o resultado final não cumpriu a chamada ética jornalística. Falo mais sobre esse assunto pelo olhar institucional/empresarial no texto: O que é Comunicação Institucional?

    Ética jornalística é um conjunto de normas e procedimentos éticos que regem a atividade do jornalismo e que podem ser adotadas por outros canais de comunicação.

    • Relevância e utilidade pública – a informação que a população tem o direito de ter conhecimento.
    • Objetividade – a informação deve ser produzida de forma objetiva, evitando subjetividades ou comentários (nesse caso se exclui artigos de opinião)
    • Imparcialidade – a informação precisa ter o compromisso com a diversidade e o equilíbrio dos pontos de vista, contudo essas duas “fases da moeda” devem ser equivalentes na credibilidade e na especialização do assunto.
    • Verdade e precisão – a informação precisa ser checada e conferida, buscando assim a veracidade e a precisão das informações.
    • Confidencialidade – as fontes jornalísticas devem ter sua identidade preservada e só revelado se a fonte permitir.
    • É função do jornalismo (nos regimes democráticos) fiscalizar e denunciar poderes públicos e privados, assegurando a transparência das relações políticas, econômicas e sociais. Por esse motivo, a imprensa tornou-se conhecida como Quarto Poder.

    * É importante ressaltar que cada um desses itens foi longamente discutido ao longo dos anos por cientistas e profissionais da comunicação, e ao com o tempo códigos de ética jornalísticas e manuais de comunicação foram sendo definidas e atualizadas.

    Aqui faço uma relação desses Manuais de Comunicação que podem ser baixados. E outras informações sobre o assunto podem ser conferidas também na Federação Nacional dos Jornalistas

    Acho importante também acrescentar a Liberdade de Imprensa e a Liberdade de Expressão. De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT

    A liberdade de imprensa decorre do direito de informação. É a possibilidade do cidadão criar ou ter acesso a diversas fontes de dados, tais como notícias, livros, jornais, sem interferência do Estado. O artigo 1o da Lei 2.083/1953 a descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares, dentro do território nacional.

    A liberdade de expressão está ligada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade do indivíduo emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do governo. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como a liberdade de emitir opiniões, ter acesso e transmitir informações e ideias, por qualquer meio de comunicação.

    Importa ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado. Todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal. 

    E por fim, devido as configurações dos meios de comunicação de massa dificilmente o emissor tinha condições de ter retorno do receptor sobre como a informação estava sendo entendida.

    Claramente algumas soluções foram pensadas, como as carta do leitor ou as ligações ao vivo durante os programas televisivos, por exemplo. Mas ainda hoje, essas soluções não são suficientes para que o emissor tenha real noção sobre como e de que forma a informação está sendo compreendida pela população.

    Agora…

    Em 1992, o cientista Tim Berners-Lee criou a World Wide Web e abriu um mundo de possiblidades, dentre elas, a comunicação. E conforme novas inovações eram oferecidas, como sites próprios e as redes sociais, por exemplo, fomos entusiasmados, como comunicadores, a ideia de solucionar muitos dos entraves da comunicação de massa, como: rapidez, espaço, facilidade na verificação, promoção do diálogo com o receptor e a possibilidade de ter acesso a vozes negligenciadas.

    Sendo assim, o modelo comunicacional sofreu uma nova mudança, conforme comenta Jesús Martín-Barbero em Diversidade em convergência

    A convergência digital introduz nas políticas culturais uma profunda renovação do modelo de comunicabilidade, pois do unidirecional, linear e autoritário paradigma da transmissão de informação, passamos ao modelo da rede, isto é, ao da conectividade e da interação que transforma o modo mecânico da comunicação a distância pelo modo electrônico de interface de proximidade.

    Por Erica Mariosa Moreira Carneiro em 05/11/2021

    Na imagem acima é possível ver a diferença entre a comunicação de massa e a digital no que se refere a esse novo modelo comunicabilidade em rede que comenta Barbero.

    Enquanto a comunicação de massa envia a informação a partir de um emissor (que é um comunicador ou empresa de comunicação) para o receptor que o recebe de forma “unidirecional, linear e autoritário” e tem poucas oportunidades de informar ao emissor suas opiniões, compreensões e dúvidas sobre a mensagem. Na comunicação digital a informação passa a ser enviada pelo emissor ao receptor que a recebe, interage e, muitas vezes, reformula o conteúdos, transformando-o em uma nova informação.

    Então Comunicação Digital é?

    A Comunicação Digital é o conjunto de normas, métodos e ferramentas de comunicação que se aplicam à web, redes sociais e dispositivos móveis. A comunicação digital conecta as pessoas ao redor do mundo possibilitando relações sociais e acesso a informação de forma ativa como produtor de informação e opinião e não mais passivamente como na comunicação de massa. A comunicação digital define a estratégia e as ações de comunicação dentro do ambiente digital de acordo com as caraterísticas: relacionamento, engajamento, produção de conteúdo e presença digital.

    Conforme novas tecnologias, plataformas, sites e aplicativos são criados, novas características e “regras” são inclusas no rotina do produtor de conteúdo, e esse é apenas um dos problemas. Às redes sociais possuem funcionamentos com regras próprias e de forma diferente dependendo da empresa que as administram. Esses algoritmos limitam o acesso ao público, ao contrário da sua premissa original e podem ser alterados sem aviso prévio.

    Para além disso, a falta de produtores de conteúdo com formação ou conhecimento mínimo em comunicação provoca enganos que dificilmente o emissor consegue mensurar ou lidar, como o recebimento constante de comentários com teor ofensivo, cancelamentos, conteúdo delicado sendo transmitido sem o devido cuidado. Não estou afirmando aqui que comunicadores treinados e especializados não cometam erros, mas a frequência desses erros são menores e a aplicação de estratégias para evitar danos sérios é mais ágil e consciente. Recomendo os seguintes textos sobre esse assunto: Então… O que é engajamento para você?, O que fica de aprendizado com a estratégia de divulgação “Enquete Terra Plana”?, Errei. E agora?, E o engajamento? e Refutando mitos: como evitar o ‘tiro pela culatra’ 

    Por isso, é fundamental estar de olhos na discussão sobre regras e leis que regularizem a atuação na internet e nas redes sociais que ganharam força no Brasil e no mundo após o escândalo de dados do Facebook – Cambridge Analytica. Como o Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados, Artigos 138,139, 140 e 154-A do Código Penal que dizem respeito aos crimes de calúnia, difamação, injúria e invasão de dispositivos informáticos, respectivamente, e a Lei nº 13.718/2018 – crime de importunação.

    O texto Fake news – regulamentação por meio de leis fala um pouco mais sobre o assunto.

    Update necessário – 19/03/2022

    A questão da liberdade de expressão voltou nesses últimos dias após a repercussão de falas, como: a do Monark sobre nazismo, do ministro Alexandre de Moraes, do STF após ter determinado o bloqueio do aplicativo Telegram no Brasil e da determinação da retirada do filme ‘Como ser o pior aluno da escola’ do comediante Danilo Gentilli dos serviços de streaming.

    Assim usei minha conta no Twitter para comentar não só esses casos mas, principalmente, sobre como acredito que não só o autor da fala deve ser penalizado de acordo com a lei (conforme descrito no texto acima), mas o canal que permitiu a publicação da fala também deve sofrer as mesmas consequências.

    E como volta e meio esse assunto volta em reunião de colegas e palestras, achei importante também deixar aqui no texto essa continuidade da discussão feita no Twitter.

    Será mesmo que em nome da liberdade de expressão todo canal (grande ou pequeno) pode dizer qualquer coisa na internet?

    Vamos começar esse update deixando claro que mesmo um canal não jornalístico, ou seja, que se pretende ser informal e não adotar pauta ou conversa prévia precisa ser responsável com a informação que é disponibilizada.

    Utilizar-se da ética jornalística para compor os seus editoriais e normas de trabalho pode ser uma boa maneira de garantir essa responsabilidade da informação.

    E se mesmo assim, o canal prefere ter como direcionamento a Liberdade de Expressão, devo lembrar que essa liberdade também tem definições e parâmetros, como comentamos acima neste texto. Assim como leis e regras que regulariza a atuação na internet.

    Mas para continuarmos quero deixar destacado esse trechinho:

    “Devemos ressaltar que todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal.” 

    Portanto essa ideia de que a internet é “terra de ninguém” é totalmente furada, mesmo que tenhamos a sensação de “tudo pode”.

    E temos essa sensação devido aos constantes incentivos/cobranças das empresas de internet para que se consiga mais e mais visibilidade. Afinal fale bem ou mal mas falem de mim. E é claro que a lentidão do sistema jurídico também contribue para que se aumente essa sensação de que as leis não se aplicam a internet.

    Depois da entrega desse texto eu debati um pouquinho mais sobre esse assunto em outras postagens: O ódio como engajamento, O Influencer como Corpo Dócil e O Spoiler como discurso.

    O ponto é que o canal, mesmo não sendo formal ou de comunicação de massa como os programas exibidos na televisão, no rádio ou no jornal impresso, também tem a responsabilidade pela informação e possui o poder e o dever de, mesmo que ao vivo, monitorar as falas, orientar seus convidados e revisar o conteúdo antes da publicação.

    É de responsabilidade do canal a disponibilização de informação a sociedade.

    Falas criminosas, fake news e informações que prejudicam a população devem ser revistas e se necessário excluídas da edição final. E isso também tem haver com a liberdade de expressão, já que com grandes poderes vem grandes responsabilidades, certo?

    Quero ressaltar que essa crítica não se trata apenas de canais com grandes audiências, mas também de canais pequenos ou até os infinitos compartilhamentos em redes sociais, se você está informando alguém tem que se responsabilizar pela informação e ponto final.

    Também é importante dizer que toda vez que você se engaja com esse tipo de informação, e não importa se concorda ou não com ela, mais incentivo esses canais recebem para produzir mais conteúdos parecidos.

    E não só isso, com esse “fechar os olhos” para as falas criminosas dos canais e das instâncias que aplicam as leis outros canais se sentem incentivados a “copiar”. Afinal aquele determinado canal ganhou milhões de seguidores com a polêmica fala que incentiva o ódio a uma população inteira.

    Na prática, quando você se deparar com conteúdos de ódio, falas que incitam a violência e informações criminosas não denunciem apenas a pessoa que disse mas também o canal que divulgou o conteúdo.

    Referências e outras sugestões de leitura:

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Mindflow.

     

  • Sobre o que o Brasileiro pensa sobre mudanças do clima

    Texto por Claudia Chow

    Faz um pouco mais de 1 mês (início de fevereiro de 2021) o ITS junto com a Universidade de Yale e o Ibope divulgaram o resultado de uma pesquisa sobre a percepção do brasileiro com relação às mudanças climáticas. Confesso que só fiquei sabendo essa semana, pois o mesmo ITS lançou uma chamada pública para Programa de bolsas da pesquisa “Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros”.

    Pedi os dados da pesquisa pra eles e resolvi usar meus rudimentares conhecimentos de Tableau (um software de visualização de dados) pra entender melhor os dados dessa pesquisa.

    Se você quer saber mais detalhes de como a pesquisa foi feita acesse: https://www.percepcaoclimatica.com.br/

    AVISO: Eu só estudei estatística 1 semestre durante a graduação, meus conhecimentos de Tableau, como já mencionei, são rudimentares, mas eu tenho bom senso, é suficiente? Talvez. Veja aí onde eu cheguei com os dados e me corrija se você ver erros.

    MINHA “ANÁLISE” – (É muita pretensão minha chamar isso de análise.)

    Eu selecionei algumas perguntas que achei mais interessante da pesquisa e resolvi destrinchar melhor como as respostas apareciam regionalmente. Até tentei fazer uns gráficos com a posição política declarada pelos entrevistados, mas achei que a quantidade de gente que não sabia ou não respondeu esta questão era muito grande (quase 25%).

    Eis o meu achado.

    Quando os entrevistados foram perguntados se concordavam ou não com a afirmação: As queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia, em todo o Brasil a resposta foi que 74% deles discordavam essa afirmação. Achei sensacional esse resultado e ai resolvi fazer um recorte por região. Como a discordância ou não dessa afirmação se distribui pelas regiões do país? Eis que a região com maior número de “concordos” sobre a questão acima veio da região Norte, onde a Amazônia está localizada em sua maior parte. Enquanto no Sudeste nem 15% dos entrevistados concordavam com a afirmação, no Norte quase 30% concorda.

    Você pode ver o gráfico melhor aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil/Planilha1?:language=pt&:retry=yes&:display_count=y&:origin=viz_share_link

    Essa tendência meio que se confirma quando a pesquisa pergunta o que é considerado mais importante para o entrevistado: A) Proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos ou B) Promover o crescimento econômico e a geração de empregos, mesmo que isso prejudique o meio ambiente. No geral o brasileiro respondeu que a alternativa A é mais importante (77%). Mas quando abrimos as respostas por região, é o Norte mais uma vez que detém a maior quantidade de pessoas respondendo a opção B. Na região Norte 24,51% dos brasileiros consideram a alternativa B como mais importante para eles, enquanto que nas outras regiões esse número não chega a 17%.

    O gráfico fica melhor de ver aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha23?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    A minha opinião sobre esses dados pode estar muito errada, mas vou manifestá-la mesmo assim. Eu achava que era uma minoria de pessoas na região Norte que é a favor do desmatamento e pensa que pelo crescimento econômico vale tudo. Esses dados me mostram que não é bem assim, ainda tem muita gente por lá com esse tipo de pensamento desenvolvimentista a qualquer custo. E ai temos 2 possibilidades para mim: 1) eu era ingênua de acreditar que os maus eram a minoria, talvez eles até sejam, mas tem uns pseudos bons que os apoiam; 2) eu não sei mexer no Tableau, muito menos analisar dados e isso ai tá tudo errado… Aceito ajuda dos universitários!

    UPDATE: Fiz mais uma análise dessa pesquisa aqui.

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Ecodesenvolvimento.

     

     

  • Eleições 2018: por um Brasil mais educado!

    Texto por Cássio Ricardo Fares Riedo

    Estamos em época de eleições e é muito comum ver a preocupação com a Educação nas declarações do Brasil desejado pela população na “divulgação” feita por um dos canais televisivos abertos, que prefiro nem mencionar. Mesmo que tais declarações sejam chatíssimas, suspeito ainda das intenções sobre como tais informações voluntariamente cedidas pela populaçãoserão usadas. Contudo, não é esse o assunto que pretendo tratar neste post. Usei-o apenas para ressaltar a preocupação da população com a Educação. Enfim, parece que todos pedem uma Educação “melhor”, mas o que seria “realmente” uma Educação “melhor”? Nesse sentido, o que seria possível fazer para “melhorar” a Educação? Seja como for, vamos ver o que os candidatos a presidência dizem em seus programas sobre e Educação?

    Livro e lupa

    Como foi feita a identificação das propostas dos partidos nas Eleições 2018

    A fim de não ser intencionalmente partidário, usarei o resultado indicado pela última pesquisa Ibope para as Eleições 2018, divulgada em 26 de setembro, como referência para a apresentação das propostas na área de Educação. Além disso, após a identificação da ordem dos candidatos, usarei apenas as siglas dos partidos para indicar as propostas. Em síntese, os documentos oficialmente produzidos pelos partidos para as eleições não foram utilizados, pois é comum o uso de uma linguagem intencionalmente partidária. Conforme a intenção inicial, foram utilizadas indicações encontradas em sites que apareceram na primeira página do Google, a partir de um busca com as palavras “propostas sobre educação dos candidatos à presidência nas eleições 2018”. Como resultado, os sites melhores posicionados foram: BBC NEWS, DESTAK, NEXO e R7 Notícias.

    Este não é um levantamento preciso e acadêmico, com consultas a bases de dados totalmente confiáveis, mas apenas o que transpareceu na pesquisa pela internet sobre as Eleições 2018. Assim sendo, o objetivo não é chegar a nenhuma conclusão sobre se uma proposta pode ser melhor do que outra. É refletir sobre o que pode ser tomada como uma boa Educação, principalmente a partir do modo como as propostas foram reconhecidas pelos órgãos de notícias.

    Enfim, apresentarei um resumo das propostas sobre a Educação para as Eleições 2018 nos sites indicados na seguinte sequência: Jair Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (REDE), (João Amoedo) NOVO, Álvaro Dias (PODEMOS), Henrique Meirelles (PMDB); Guilherme Boulos (PSOL); Cabo Daciolo (PATRIOTA), Vera Lúcia (PSTU), João Goulart Filho (PPL), José Maria Eymael (DC).

    Eleições 2018
    As propostas dos dois partidos que disputam a primeira colocação na intenção de votos (acima de 20%) segundo a pesquisa do Ibope de 26 de setembro para as Eleições 2018

    • PSL: não admitir ideologia de gênero nas escolas; diminuir o percentual de vagas para cotas raciais; ampliar o número de escolas militares e impor a participação das Forças Armadas na diretoria das instituições educacionais; adoção da educação à distância no Ensino Fundamental, Médio e universitário; mudanças no método de ensino (com “mais matemática, ciências e português”); expurgar a ideologia de Paulo Freire; investir em parcerias privadas e colaboração com instituições da Ásia.

    • PT: investir 10% do PIB na educação pública; revogar a emenda do teto de gastos; promover uma Escola com Ciência e Cultura para valorizar a diversidade (em contraponto à Escola Sem Partido); priorizar a reforma do ensino médio; expandir as matrículas nos ensinos técnico, profissional e superior; valorizar e qualificar os professores (com a Prova Nacional para Ingresso na Carreira Docente na rede pública de educação básica); promover a inclusão digital.

    As propostas com chances relativas (intenções de voto entre 5% e 5%) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • PDT: revogar a emenda do teto de gastos; expandir o ensino integral com creches e Escolas Profissionalizantes com Ensino Médio integrado ao Ensino Técnico; elevar a média de anos de estudo da população; ampliar a oferta de vagas nas universidades públicas; fortalecer o CNPq e suas instituições de pesquisa (repassar 2% do PIB o gasto para Ciência e Tecnologia); valorizar os professores (com programas de iniciação docente, estágio e mentoria); combater a evasão escolar; definir critérios para a escolha de diretores; manter o ProUni e o Fies, além de programas de bolsa para pós-graduação e a criação de novos convênios com outras instituições ; eliminar o analfabetismo escolar; garantir a permanência e a conclusão na idade adequada; adotar uma base nacional comum curricular; aprimorar a formação e seleção de professores; promover a Educação de Jovens e Adultos.

    • PSDB: expandir o ensino integral; priorizar a educação básica; investir na formação e qualificação dos professores; melhorar os índices no Pisa (exame internacional de avaliação do Ensino Médio); fortalecer o ensino técnico e tecnológico; estimular parcerias entre universidades, empresas e empreendedores; promover a educação para idosos.

    • REDE: expandir o ensino integral; criar uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância; valorizar os professores; promover uma escola pública e laica; incentivar a política de cotas nas universidades; cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

    Eleições 2018As propostas com menos chances (intenções de voto entre 2% e 5%) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • NOVO: distribuição de valores monetários para os mais pobres pagarem por serviços privados; Prouni para os Ensinos Infantil, Fundamental e Médio; priorizar a educação infantil; ampliar o ensino médio-técnico; introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas; melhorar a gestão das escolas.

    • PODEMOS: expandir o ensino integral; priorizar a educação infantil e o ensino fundamental; universalizar o acesso, a permanência e o aprendizado de qualidade nos Ensinos Fundamental e Médio; combater as desigualdades entre as regiões do país; capacitar os professores.

    • PMDB: priorizar a educação infantil; promover a Escola sem Partido.

    As propostas praticamente sem chances (menos de 2% das intenções de voto) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • PSOL: revogar o teto de gastos; criar um Sistema Nacional de Educação; valorizar os professores; priorizar a educação infantil; investir em universidades públicas e Institutos Federais; retomar o investimento em pesquisa; acabar com as parcerias entre Estado e iniciativa privada; revogar a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular.

    • PATRIOTA: expandir o ensino integral; investir 10% do PIB na educação pública; acabar com ideologia de gênero nas escolas; erradicar o analfabetismo; combater a evasão; valorizar as atuais universidades federais, ampliando os campi e criar novas universidades públicas.

    • PSTU: investir 10% do PIB na educação pública; encarar o ensino e o acesso ao conhecimento como um direito e não como serviço ou mercadoria; estatizar todas as instituições privadas de ensino; acabar com o vestibular; promover as cotas raciais e sociais; acabar com o ensino religioso ou confessional.

    • PPL: expandir a educação em tempo integral; investir 10% do PIB para a educação; revogar o teto de gastos; federalizar o ensino básico; equiparar o piso salarial do Ensino Básico ao piso dos Institutos Tecnológicos; educação infantil; capacitar os professores; promover a acessibilidade do cidadão LGBT.

    • DC: expandir a educação integral; promover o ensino público universitário e cursos profissionalizantes; introduzir a disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental.

    PensadorBreve análise das propostas apresentadas pelos partidos para as Eleições 2018

    A intenção da análise não é se aprofundar teoricamente nos conceitos da área da Educação, mas apenas comparar alguns aspectos que surgiram nas propostas dos candidatos à presidência nas Eleições 2018. Muitas outras interpretações poderiam ser propostas e mesmo as que foram sugeridas, poderiam ser mais aprofundadas. Entretanto, preferiu-se apenas abrir alguns pontos para reflexão, para que cada eleitor pense, ou tente pensar, por si mesmo. Então, apenas podemos desejar que as reflexões sejam frutíferas para (re)pensar a postura dos candidatos em relação à Educação.

    Educação em tempo integral e a preocupação com a educação Infantil e Básica

    Um aspecto bastante presente em vários partidos é o conceito de educação integral. Foi o item mais citado. Outro aspecto também bastante presente foi a preocupação com a Educação Infantil e Básica e com o ensino técnico-profissionalizante, ainda que bem menos presente.

    O Ensino Superior e o desenvolvimento de pesquisas

    Posto que, em relação ao nível superior de ensino, nem todas as propostas revelam preocupação com o Ensino Superior ou o desenvolvimento da pesquisa, fica-se sem saber como será a formação dos professores. Com efeito, quando presentes, as propostas podem até ser consideradas antagônicas, variando desde a radical privatização das instituições privadas até o pagamento de mensalidades em universidades públicas ou o incentivo a parcerias público-privada. Em suma, deve-se relembrar que as empresas privadas “usam” os recursos das universidades para desenvolverem produtos de seus interesses. Entretanto, como as universidades brasileiras são em sua grande maioria públicas, o resultado das pesquisas deveria ser socialmente compartilhado e não restrita a interesses “comerciais”, afinal, são publicamente financiadas.

    O financiamento e a administração da Educação

    Surpreendentemente, considerando o financiamento, alguns partidos indicam o investimento de 10% do PIB na educação pública, mas a maioria não chega nem a mencionar possíveis percentuais de investimento. Ainda que tal informação possa ser considerada de extrema relevância para o planejamento e futuro da nação, nenhum valor ou índice é explicitado. Similarmente, e ainda pior do que a falta deste tipo de informação, há uma relativamente baixa preocupação em relação à formação e valorização dos professores. Ao mesmo tempo em que tal consideração não aparece em muitas propostas, indica-se o Ensino Básico como prioridade. Mas, como priorizar o Ensino Básico sem considerar a formação, necessariamente superior, dos professores?

    Ainda que a preocupação com os professores não tenha aparecido em várias propostas, a preocupação com a administração das escolas apareceu até de forma distorcida em algumas poucas propostas. Contudo, deve-se analisar que a Educação deveria ser considerada um bem comum e não um bem privado, pois deveria ser a base para formação do cidadão. Em outras palavras, a república e a democracia só se sustentam com indivíduos bem formados e capazes de avaliar as propostas dos partidos em todas as eleições. Dessa forma, por meio da Educação, torna-se possível escolher em quem votar com autonomia e consciência das implicações de suas escolhas.

    A escola NÃO deve ser vista como uma empresa

    Portanto, dirigir uma escola não pode ser comparada à administração de uma empresa ou de instituições extremamente hierarquizadas. Por exemplo, uma empresa privada pode falir enquanto que a Educação é algo tão sério que não pode ter nenhuma possibilidade de falência no desenvolvimento da população. Nesse ínterim, a escola deve sempre buscar o aprimoramento de toda a coletividade. Não apenas para aumentar um suposto lucro em favor de alguns e detrimento de outros. Nesse sentido, não dá para escolher um público-alvo, é necessário que a formação seja a melhor possível para todos.

    Dessa forma, propostas como a de impor a participação das Forças Armadas na diretoria das instituições educacionais ou simplesmente de “melhorar a gestão das escolas” devem ser consideradas com muita atenção e até algum distanciamento racional, pois, nem no Exército, a transparência na gestão e na concorrência de licitações podem ou devem ser idealizadas.

    A transmissão de conhecimentos e a formação dos estudantes

    Além disso, se é preciso reconhecer que, para melhorar a escola como um todo e, mais especificamente, a formação dos estudantes, não é suficiente apenas a transmissão de determinados conhecimentos. Deve-se ensinar a pensar e não apenas a obedecer e reproduzir o que já é conhecido. Ou seja, percebe-se a falta de sentido em propostas tradicionais e conteudistas como “introduzir a disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental” ou “mudanças no método de ensino – com mais matemática, ciências e português”.

    Por exemplo, para uma escola plural, na qual se aprenda a refletir sobre os mais variados valores, não deve haver espaço para restrições em relação ao que se pode ou não conhecer. Dessa forma, propostas como “Escola sem partido”, além dos conteúdos tradicionais, limitam a capacidade de reflexão dos estudantes. De fato, limitará também suas atuações futuras na sociedade, inibindo a capacidade de identificar e reconhecer as diferentes formas dos partidos apresentarem suas ideias e propostas. Portanto, terão dificuldade em escolher o que for mais adequado para si mesmos e para seu círculo social.

    A preparação dos futuros eleitores

    Não se trata de preservar os estudantes de conhecimentos inapropriados mas de prepará-los para evitar a adesão à imposições de figuras messiânicas ou palavras de ordem com sentido esvaziado. Por exemplo, permitirá associar, reconhecer e relacionar discursos em formas de promessas que não foram cumpridas quando algum dos postulantes teve a oportunidade de estar em outras instâncias estaduais e municipais de governo, como ao afirmar que se irá “investir na formação e qualificação dos professores”, mas não aceitar discutir as reivindicações de professores e colocar a polícia para reprimir (violentamente) suas manifestações.

    Ou então, pedir para ser chamado pelo profundo conhecimento de Economia, mas sem detalhar as pretensões sobre Educação. Afinal, governar não é apenas se preocupar com a Economia, mas deveria ter preocupações muito maiores com toda a população. Então, pior ainda, quando se assume não entender nada sobre Economia e se fez “sugestões” pouco razoáveis sobre a militarização da escola, a qual visa a impor obediências aos estudantes e não estimular a criatividade e o amor pelo conhecimento.

    Conclusão

    Portanto, se realmente queremos um Brasil mais educado, precisaremos conhecer melhor, no momento das eleições, as propostas dos candidatos para a área da Educação. De pouco adianta gravar um vídeo para aparecer em rede nacional, que nem sabemos para que será usado. Assim, seria preciso, e até mesmo mais coerente, ter clareza sobre o que é uma Educação de qualidade e como ela poderia ser melhorada. Contudo, a democracia, para um funcionamento ideal, infelizmente demanda esforço de compreensão e análise das propostas dos futuros governantes já nas eleições. E não só dos candidatos a órgãos majoritários, mas também de senadores e deputados federais e estaduais…

    Referências

    BBC NEWS. Eleições 2018: as propostas de todos os candidatos a presidente do Brasil. 17/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    DESTAK. Educação: compare as propostas dos candidatos à Presidência da República. 28/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    DUNDER, K. O que os candidatos à Presidência prometem para Educação e Cultura. 04/09/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    FRAGA, O.; ELER, G. Como os candidatos tratam da educação nos planos de governo. 25/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

  • As Propostas para Ciência dos Candidatos à Presidência de 2018, Segundo Seus Programas de Governo

    Texto por Lucas Rosa

    Esse ano, toda a nação se reunirá para decidir seu governante pelos próximos 4 anos. É a época onde diversas das questões são trazidas à mente do brasileiro; saúde, educação e segurança são amplamente discutidas na televisão. Historicamente, a ciência tem ficado de lado nesses debates, raramente sendo o ponto focal de qualquer candidato. Esse ano, mais do que nunca, a ciência brasileira precisa estar em pauta. 2018 e os próximos anos serão cruciais para decidir o destino do país pelas próximas décadas; com os cortes recentes da verba de ciência e tecnologia, o desenvolvimento brasileiro se tornará irreversivelmente defasado caso esses cortes não sejam revertidos. Se o próximo presidente não estiver disposto a priorizar a restauração dessa verba, podemos dar adeus às perspectivas de um Brasil desenvolvido no futuro próximo.

    Recentemente, tivemos uma iniciativa excelente para tentar mudar esse cenário, que foi a Sabatina com os Presidenciáveis organizada pelo Disperciência e o Science Vlogs Brasil. Essa sabatina contou com a presença de quase todas as candidaturas, seja na figura do candidato em si ou através de um representante (com três exceções: Manuela D’Ávilla (que não é mais candidata) e Geraldo Alckmin, que alegaram incompatibilidade de horários, e Jair Bolsonaro, que sequer respondeu ao convite da organização). Caso você não tenha visto, sugiro fortemente que veja o debate CLICANDO AQUI.. Ele é longo, sim, mas o seu país precisa que o seu voto seja informado. Vá assistindo ao longo de vários dias se necessário, mas faça-o.

    Essa semana, tivemos a divulgação dos planos de governo de todos os principais candidatos à corrida presidencial. Assim, resolvi dar uma olhada em todos eles e averiguar o que cada candidato tem em mente para resolver a situação da ciência no país.

    Farei o possível para afastar os meus viéses (Afinal, não sou uma máquina – tenho meus candidatos favoritos e, principalmente, os que sou veemente contra). O intuito aqui será avaliar as propostas conforme estão no plano de governo, emitindo a minha opinião. Peço aos leitores que façam o possível para fazer o mesmo – e, acima de tudo, evitem cair no fanatismo. Se eu falei mal do plano de governo do(a) seu(ua) candidato(a), não significa necessariamente que eu estou tendo favoritismos, que eu sou [insira aqui seu rótulo favorito] ou que eu sou incapaz de entender a genialidade do(a) candidato(a). Às vezes a ideia é só uma merda mesmo. E você precisa estar apto à avaliar criticamente o(a) seu(ua) candidato(a) e ser capaz de reconhecer que ele(a) é capaz de errar. Cultos à personalidade, historicamente, são uma cilada tremenda (vide Mussolini, Hitler, Mao Zedong, Stalin, etc)

    Sem mais delongas, vamos aos planos. Clicando no nome do candidato, você terá acesso ao plano de governo completo do mesmo. Os candidatos estão ordenados por ordem de intenção de votos NESSA pesquisa recente, e ordem alfabética em caso de empate.

    Haddad (PT)

    ATENÇÃO: Essa seção foi feita antes da impugnação da candidatura do Lula e anúncio do Haddad como candidato. Assim, a análise abaixo é do programa de governo do Lula (E suponho que o do Haddad seja similar)

    A primeira aparição da palavra “ciência” no programa é em um parágrafo falando sobre políticas visando promover representatividade feminina na sociedade de forma geral, onde menciona “o
    incentivo à produção de ciência e tecnologia pelas mulheres”. Obviamente é positivo expandir a participação feminina no mundo científico. Também propõe o Programa Escola com Ciência e Cultura, que, segundo o programa,  transformará “as unidades educacionais em espaços de paz, reflexão, investigação científica e criação cultural”. Bonito, mas os termos são vagos – significa ensinar metodologia científica no ensino fundamental e médio? Significa ampliar laboratórios de ciências nas escolas? Significa colocar alunos em contato com cientistas e trabalhos científicos? Não sabemos.

    Então, o programa do PT promete ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação – mas não diz para quanto, nem que medidas específicas pretende tomar para isso. Isso é repetido posteriormente no Programa. Também propõe ” intensificar o diálogo da cultura com outros campos, como a educação, a ciência e tecnologia, a comunicação, o esporte, a saúde, a economia e o turismo”. Novamente, o que isso significa, especificamente?

    Em parágrafo posterior, reconhece a necessidade de investimentos em ciência e tecnologia como pré-requisito para um modelo de desenvolvimento.

    Finalmente, chegamos à uma seção específica para falar de ciência e tecnologia, o que é bastante positivo (e presente em surpreendentemente poucos dos planos de governo). Reafirma nessa seção a importância de investimentos significativos no ramo, e propõe algumas ideias. A primeira é a criação do Sistema Nacional de Ciências, Pesquisas e Inovação (C,P&T) que, pelo que eu entendi, seria um sistema para integrar a produção científica pública e privada, aproximando as duas. Sinceramente não entendi bem a proposta. A segunda proposta é sobre a ampliação do comércio externo e utilização cooperativa de recursos com outros países. Não fica 100% claro a relação deste item com ciência – pesquisas colaborativas? Exportação de tecnologia? Enfim. Também propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (atualmente fundido ao de comunicações), uma decisão acertada ao meu ver (seria bom preenchê-lo por mérito e não por jogo político, mas essa é outra história…); por fim, o programa propõe retomar o direcionamento de recursos do Fundo Setorial do Petróleo ao Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. Essa proposta me agrada não só por ser maior financiamento para ciência, mas por ser uma proposta concreta.

    No geral, não achei o programa ruim, mas também não achei dos melhores. Ele reforça várias vezes o compromisso de aumentar o orçamento, mas não diz para quanto. Gostaria de uma porcentagem razoável do PIB (2 ou 3%) sendo fixada para isso. No mais, achei o plano meio vago. Parece estar com boas intenções, mas não com a atenção devida para o tema, e a estruturação devido.

    Jair Bolsonaro (PSL)

    O candidato possui uma seção dedicada à ciência e tecnologia no plano de governo, o que é um ponto positivo, bem como uma estruturação de um plano de fato, invés de apenas promessas – outro ponto positivo. A seção se debruça principalmente sobre a intenção do candidato de melhorar a relação da ciência com o mercado privado, tomando como exemplo hubs tecnológicos de países mundo afora. O programa realça a importância (na opinião do candidato) dos universitários terem uma formação empreendedora, buscando transformar os conhecimentos adquiridos em produtos e negócios, e a importância de aproximar a academia do mercado. Por fim, também destaca a importância do Brasil aproveitar os seus recursos e oportunidades – como o desenvolvimento de formas sustentáveis de energia (assunto que, de fato, somos um país com plenas condições de nos tornamos líderes) e procurando novas e inovadoras aplicações com nióbio e grafeno, dois produtos naturais abundantes no Brasil.

    Vamos começar pelos pontos positivos. O plano me surpreendeu positivamente. De fato, o Brasil se beneficiaria bastante de uma melhor integração entre a academia e a iniciativa privada e um maior aporte de recursos da iniciativa privada em pesquisas de tecnologia aplicada. Realmente no mundo inteiro há investimentos privados no setor de ciência e tecnologia, e o Brasil é deficiente nessa integração. Também fiquei feliz em observar essa valorização das capacidades energéticas do Brasil. Essa é uma tecla que eu bato bastante: nós estamos com a faca e o queijo na mão para nos tornarmos líderes do setor energético mundial conforme a mudança da matriz energética for se solidificando no século XXI (E isso é inevitável, graças ao aquecimento global. Negacionistas podem chorar e mentir à vontade, quando as temperaturas começarem a trazer malefícios econômicos ao setor agrário, por exemplo, os países serão forçados a procurar alternativas aos combustíveis fósseis). O Brasil precisa correr atrás, e logo, de desenvolver formas alternativas de energia ou aperfeiçoar as já existentes (hidrelétrica, eólica e solar são todas possíveis de serem aplicadas no país e, portanto, de serem estudadas e aperfeiçoadas por nós), estabelecendo-se assim como líder nesse mercado para poder aproveitar essa demanda que vai chegar mais cedo ou mais tarde. E, por mais que muitos zoem o Bolsonaro por ele botar fé demais no nióbio e no grafeno (não, eles não são a fórmula mágica para a solução de todos os problemas), vale a pena sim estudar esses materiais e procurar novas e inovadoras aplicações – porque, novamente, se conseguirmos, nós seríamos os líderes imediatos do mercado, por possuirmos amplas reservas desses recursos.

    O problema do programa do Bolsonaro não é o que ele contém, mas sim o que falta. O foco excessivo na iniciativa privada é preocupante porque, ainda que eu ache sim que o Brasil precisa melhorar nesse aspecto, a iniciativa privada jamais pode substituir os investimentos públicos em ciência, e sim complementá-los. Simplificando um pouco: A ciência se divide em ciência básica e ciência aplicada. A ciência aplicada pode e deve receber investimentos da iniciativa privada; isso é útil para liberar os recursos públicos para serem aplicados majoritariamente na ciência básica, que é a ciência que estuda os fenômenos meramente para entendê-los, não necessariamente para gerar uma tecnologia deles. E essa relação é simbiótica: A ciência básica é o pântano de ideias que a ciência aplicada extrai a sua “matéria prima intelectual”, por assim dizer; a ciência aplicada, por sua vez, fornece ao público leigo a justificativa para os investimentos públicos para manter a ciência básica.

    É importante entender que ciência básica não é ciência inútil. Primeiro porque o propósito da ciência não é (só) gerar tecnologia, mas sim entender o mundo em que vivemos; e segundo porque, como eu expliquei, a ciência aplicada depende da existência da ciência básica. Ilustrando com um exemplo: As tecnologias de comunicação que possuímos hoje (rádio, TV, computador, etc) só se tornaram possível quando James Maxwell conseguiu compreender o fenômeno do eletromagnetismo. Maxwell era um cientista de ciência básica – ele não estudava o eletromagnetismo com o intuito de criar rádios e televisões, e sim para entender esse fenômeno da natureza. Porém, quando o fenômeno foi entendido, essa aplicação se tornou possível por outros cientistas. Ou seja, o governo precisou sustentar as pesquisas “inúteis” de Maxwell para que nós tivéssemos uma base sólida o suficiente para tornar possível o desenvolver aparelhos de comunicação.

    E esse é o tipo de investimento que a iniciativa privada jamais faria, porque os ganhos são incertos e, muitas vezes, à longuíssimo prazo. Por isso é preciso tomar cuidado com essa noção que a solução para a ciência é deixar a iniciativa privada cuidar dos investimentos. Essa deve sim ser uma prática complementar, permitindo assim uma maior liberação de recursos públicos. O programa de Bolsonaro só menciona a primeira metade, sem mencionar seus planos para a pesquisa básica e sem se comprometer a manter os investimentos públicos em ciência. Esse silêncio é preocupante.

    Com essa ressalva, porém, eu diria que o plano de Bolsonaro é aceitável. É certamente melhor que o silêncio ou promessas vagas de alguns candidatos supracitados.

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    A única referência à ciência no Programa é uma proposta de estimular parcerias entre universidades e empresas, trazendo o setor privado para próximo do setor científico de forma a aumentar a produtividade e competitividade brasileira. O programa especifica que essa aproximação seria para o setor aplicado, mas não diz nada sobre o que pretende fazer com o setor de ciência básica, ou quais serão as medidas tomadas para combater os catastróficos cortes recentes no orçamento científico. Na minha opinião, o programa está incompleto no que diz respeito às necessidades do setor científico neste momento do país.

    Marina Silva (REDE)

    O programa de Marina reconhece logo no início a importância dos investimentos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país. Chega até a pincelar um reconhecimento da importância de difundir esse conhecimento na sociedade, mas não fica claro se ela fala especificamente da divulgação científica, ou apenas do acesso da sociedade aos frutos desse conhecimento. De qualquer forma, ambos são importantes.

    O programa possui uma seção específica sobre ciência e tecnologia – o que, como repeti várias vezes nessa matéria, é um ponto positivo, demonstrando que a candidata reconhece a importância do tema. A seção começa com um reconhecimento do problema, chamando-o de a maior crise da história da ciência brasileira (o que, de fato, é). Marina afirma que seu governo reconhece a ciência como investimento, e não gasto (uma visão acertada). A candidata se compromete a trabalhar para tentar garantir 2% do PIB para financiamento de ciência e tecnologia, e propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (separado do de Comunicações). Além disso, Marina afirma que a inovação brasileira é precária, se referindo aqui especificamente à empresas, que tem poucos retornos em investimentos de pesquisa e desenvolvimento. Ela propõe combater isso reduzindo tarifas e remoção de barreiras e entraves burocráticos para a importação de materiais, serviços e equipamentos a serem usados em ciência, tecnologia e inovação. Por fim, Marina pretende facilitar a vinda de cientistas de fora do Brasil pra cá (uma “fuga de cérebros” ao contrário) e fortalecer a relação universidade-empresa.

    Gostei muito do que vi no programa da Marina. Ele é sucinto, mas direto ao ponto, reconhece efetivamente o problema e tem boas propostas para solucioná-lo, algumas bastante específicas. Um dos melhores programas, ao meu ver, para a ciência e tecnologia.

    Ciro Gomes (PDT)

    O programa de Ciro Gomes possui uma seção específica para lidar com ciência e tecnologia, o que é bastante positivo. Nela, o candidato faz um bom resumo dos problemas enfrentados pela ciência brasileira – a fuga de cérebros, a falta de modernização, a burocracia. Então seguem-se uma série de propostas – elaborar um plano nacional de ciência e tecnologia, buscando tornar o esforço científico mais eficiente e mais próximo do setor privado; colocar a ciência e tecnologia nacional para fomentar o setor produtivo; fortalecer o CNPq, estimular a aplicação do conhecimento ao setor tecnológico e aproximar o setor empresarial das universidades. Neste último item, ele propõe ideias mais concretas: auxiliar empresas que atuam no país a construir centros de pesquisa por aqui, e estimular a contratação de pesquisadores por essas empresas, permitindo o pagamento de bolsas à esses pesquisadores, pelo que entendi. Se for isso, seria excelente; você permitiria que as agências de fomento fornecessem bolsas à pesquisadores trabalhando no setor privado, o que significa que a empresa receberia um profissional altamente qualificado para desenvolver pesquisa e desenvolvimento à custo baixo, e o pesquisador teria mais opções de carreira além de simplesmente se tornar professor universitário.

    Também propõe uma divisão de recursos para investimento em ciência; parte iria diretamente para a universidade para ela alocar onde achar melhor (Basicamente como é hoje), mas a outra parte seria direcionada à estimular pesquisas em assuntos estratégicos que “atendam as demandas da sociedade”. Se isso for associado a um aumento nos investimentos de forma geral, pode ser uma boa ideia. Ela respeita a importância da ciência básica, mas também trabalha para aproximar a academia da iniciativa privada, que é uma excelente medida, ao meu ver, como já discorri acima. O programa menciona também criar um conselho superior de política de ciência e tecnologia, o que pode ser uma boa ideia se for composto de cientistas – e uma péssima ideia se for composto de políticos. Reforça como dois setores chaves o setor de fontes de energia renovável (que concordo, como disse acima no item do Bolsonaro) e da “indústria 4.0” – a digitalização e automação dos meios de produção, outro setor absolutamente crítico para este século.

    O programa também discorre um pouco sobre a importância de estabilizar o financiamento científico – absolutamente crucial, como disse na introdução – e propõe novas maneiras de viabilizar financiamento científico, incluindo a criação de fundos de investimento. Também propõe algo extremamente importante: A desburocratização da importação de materiais para ciência, algo que prejudica extremamente o andamento eficaz da ciência brasileira. Por fim, Ciro promete melhoras no sistema de patentes e propriedade intelectual, buscando desburocratizar e aumentar a segurança jurídica do processo, facilitando a integração entre universidades e empresas.

    No geral, achei o programa do Ciro extremamente positivo. Ele reconhece a importância do investimento em ciência básica, mas também procura maneiras de estimular o investimento privado em ciência aplicada. Só tenho uma crítica, mas bem pequena: Faltou formalizar uma porcentagem do PIB para investimento em ciência. O Ciro já declarou intenção de investir 2% do PIB – meta brasileira há anos, nunca alcançada – em outras ocasiões, mas eu queria ver isso no papel. Ainda assim, um dos melhores planos entre os analisados.

    Álvaro Dias (PODEMOS)

    Uma das grandes propostas de Álvaro Dias nos debates tem sido o seu “Plano de Metas”, contendo 19 metas divididas em Sociedade, Economia e Instituições. A Ciência aparece como a Meta 4 dentro das Metas de Sociedade, junto de Cultura e Turismo. Me é um pouco estranho colocar a ciência junto desses outros dois itens, uma vez que eles não tem muita relação com a Ciência. Também passa aquele ar de “segundo plano”. Mas isso talvez seja só uma interpretação errônea minha.

    A próxima vez que a palavra ciência aparece no documento é nas diretrizes do plano de metas; o item “Ciência, Cultura e Turismo” propõe um “Programa Nacional de Inovação”, mas não explica o que seria esse programa, nem como ele vai ajudar a ciência brasileira.

    Não tem muito material para abordar aqui. O programa diz que tem ciência como uma das prioridades (Uma das 19, pelo menos…), mas não traz nenhum plano, nenhuma proposta concreta. Gostaria de ouvir mais do candidato sobre o que é esse Programa Nacional de Inovação.

    Cabo Daciolo (PATRIOTA)

    Em seu programa de governo, o candidato Daciolo reconhece a importância de políticas públicas em diversas áreas, entre elas a ciência. Também afirma que apenas 8% das escolas públicas do país possuem laboratório de ciências, e permite alocar mais recursos públicos para aumentar esse índice (entre outros citados no mesmo parágrafo). Em outro parágrafo, se compromete a valorizar ciência e tecnologia, mas não desenvolve o raciocínio, concluindo com uma promessa de aumentar o número de institutos federais de formação técnica. Por fim, no final do programa, afirma que quer tornar o Brasil um país utilizador de matérias-primas invés de exportador das mesmas, citando que podemos então aplicar essas matérias-primas em áreas de ciência e tecnologia para produzir bens finais de consumo interno. Conclui o parágrafo dizendo que ” IREMOS FIGURAR ENTRE OS PAÍSES MAIS DESENVOLVIDOS DO PLANETA.” (Com caps-lock ligado mesmo).

    Também acho que o Brasil pode ser um dos países mais desenvolvidos do planeta (com caps-lock opicional), e explico melhor como no parágrafo sobre o programa do Bolsonaro. Quanto ao programa do Cabo Daciolo, senti falta de propostas concretas e de um compromisso claro com a restauração dos níveis de investimento público em ciência.

    João Amoedo (NOVO)

    A palavra ciência só aparece uma vez no texto, em uma proposta que diz “Novas formas de financiamento de cultura, do esporte e da ciência com fundos patrimoniais de doações.”. Fundos patrimoniais são basicamente grandes montantes de dinheiro, geralmente doados por alguém, que são investidos e seus rendimentos usados para investir em objetivos diversos. Um exemplo famoso são a Fundação Rockfeller e a Fundação Bill e Melinda Gates. O candidato também menciona a ciência na proposta “Universidades: melhor gestão, menos burocracia, novas fontes de recursos não-estatais e parcerias com o setor privado voltadas à pesquisa.”

    A ideia de fazer isso no Brasil não é ruim. De fato, o Instituto Serrapilheira, fundado ano passado, é basicamente isso, e eu adoraria ver mais iniciativas do tipo se proliferando. Porém, é o mesmo que eu falei acima: Essa é uma prática complementar, não fundamental. Essa não pode ser a espinha dorsal do financiamento científico no país, ou a ciência brasileira quebra. Acho ótimo visar aproximar o setor privado da academia e das pesquisas aplicadas brasileiras, mas a ciência está em crise por falta de financiamento público, e a falta de comentários do candidato sobre isso é preocupante. Não será suficiente aproximar a iniciativa privada da ciência e se dar por satisfeito; é necessário também restaurar – ou, se possível, ampliar – o financiamento público em pesquisa.

    Henrique Meirelles (MDB)

    A palavra “Ciência” sequer aparece em todo o documento. Eu dei uma lida geral e realmente não encontrei nada. Acho bastante triste o candidato do maior partido do país não dedicar uma linha do seu programa de governo à ciência. Gostaria de ver um compromisso formalizado com a ciência por parte do candidato.

    Vera Lúcia (PSTU)

    As palavras “ciência”, “pesquisa”, “tecnolgia” e “inovação” sequer aparecem no texto em momento algum. Booo.

    Eymael (DC)

    O eterno democrata cristão, do jingle que gruda feito chiclete (você está cantando agora, não está?) só menciona uma vez alguma coisa relacionada à ciência, até onde pude ver: Ele propõe a criação do Plano Nacional de Apoio à Pesquisa, “tanto em seu aspecto de investigação pura, como no campo da pesquisa aplicada”. Fico feliz que o candidato reconheça a distinção e a importância de ambas, mas ele não diz o que é esse plano e como isso vai ajudar a ciência, tampouco menciona qualquer coisa sobre a crise orçamentária atual. É melhor do que o nada de alguns candidatos, mas gostaria de ter mais detalhes sobre esse Plano.

    Guilherme Boulos (PSOL)

    O plano de Guilherme Boulos é campeão absoluto em comprimento – 228 páginas, bem mais que o dobro dos outros programas extensos como o de Bolsonaro, Haddad/PT e Ciro. O programa reconhece a crise de investimentos na ciência, culpabilizando os cortes na área pela grave recessão que o país enfrenta. O programa realça que deseja combater a prática da Cura Gay e similares, que classifica (acertadamente) de pseudocientíficas. No item 4 do Programa, o candidato que a produção do conhecimento será um dos eixos do desenvolvimento do país. Reafirma o compromisso em manter a autonomia universitária e o aumento dos investimentos. Propõe a criação de um programa de fomento à inovação, pesquisa e desenvolvimento, buscando articular as áreas econômicas e sociais com a científica – o que, ao meu ver, é meio vago. A seção critica pesadamente os cortes e a dissolução do ministério de ciência e tecnologia através da sua fusão com o ministério de comunicações. Reconheceu o papel da luta política dos cientistas, que se fortaleceu esse ano, contra os cortes. Propõe fortalecer a cooperação internacional, promovendo mobilidade de pesquisadores e facilitando o reconhecimento de títulos entre os países. Por fim, faz três propostas: Refazer o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, ampliando seu orçamento; aplicar o Marco Legal da Ciência, já aprovado no Congresso (Se quiser saber mais sobre o marco, leia AQUI); e elaborar um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, articulando sociedade, setores produtivos e academia, estabelecendo uma política estratégia de pesquisa com metas a curto, médio e longo prazo, e estruturado de forma a não ficar vulnerável às mudanças de governo posteriores. Afirma que esse programa deve possuir mecanismos de controle para evitar uso irresponsável de dinheiro, mas reconhece a necessidade de autonomia acadêmica – o que é ÓTIMO. Deixe a ciência para os cientistas, e apenas mantenha o olho neles. Dito isso, queria mais detalhes de como esse plano vai ser elaborado – suponho que o candidato não tenha essas metas já em mente (o que é um acerto – novamente, deixe os cientistas decidirem isso), mas não fala quem vai compôr a elaboração desse projeto, etc.

    Em outro ponto do Programa, Boulos propõe o desenvolvimento de uma política de ciência e tecnologia para o setor farmacêutico, com laboratórios e instituições públicas como pilares centrais, que atenda às demandas do SUS. Isso me parece uma ideia arriscada. Laboratórios públicas não devem ser fábricas de remédio – isso quase aconteceu no caso desastroso da fosfoetanolamina, com consequências catastróficas. No caso de alguns candidatos, eu expressei preocupação que eles quisessem integrar a iniciativa privada em coisas onde ela não serve; aqui temo que seja o caso contrário, colocar a iniciativa pública em algo que fica melhor nas mãos do mercado.

    De qualquer forma, achei um plano sólido, bem-fundamentado. Gostaria de mais especificidade em alguns pontos, mas poucos programas delineiam tão bem o problema atual de financiamento da ciência quanto o programa do PSOL.

    João Goulart Filho (PPL)

    Sim, isso mesmo, o filho do ex-presidente João Goulart está concorrendo. Eu descobri isso pesquisando para este texto. Vivendo e aprendendo.

    O plano de governo do candidato possui uma seção extensa dedicada à ciência e tecnologia. Nessa seção, ele prioriza a restauração do ministério de Ciência e Tecnologia, desfazendo a fusão com o Ministério de Comunicações que foi realizada no governo anterior, e que o candidato João Goulart chama de “desastrosa”. Além disso, o candidato se compromete à ampliar o percentual de investimento em ciência e tecnologia para 3% do PIB, tal qual boa parte dos países desenvolvidos. O plano de governo do candidato aponta especificamente quais áreas ele pretende priorizar: microeletrônica, informática, telecomunicações, materiais estratégicos, engenharia genética, biomédica, nuclear, aeroespacial e a indústria da defesa, de forma a assegurar a independência nacional. Outro compromisso é o de fortalecer o Programa Espacial Brasileiro, bem como a indústria nuclear nacional, em cooperação com a comunidade internacional. Também reforça o desejo de aproximar universidade e setor privado, principalmente nos setores nucleares, agricultura, medicina e indústria. Por fim, propõe uma taxa de 1% sobre exportações agrárias, dinheiro esse a ser aplicado especificamente em ciência e tecnologia desse setor.

    Eu estou absolutamente chocado com a altíssima qualidade desse plano de governo. As ideias são estruturadas e muito bem planejadas – fica claro que o candidato (ou, mais provável, sua equipe) pesquisaram ostensivamente o assunto. A especificidade do plano me agrada muito. Não é uma promessa vazia e generalista – é uma promessa específica, dizendo onde e porque quer investir, e até bolando planos para tornar esse desejo possível. Pretende trazer investimentos da iniciativa privada aos setores que se beneficiariam dela, mas sem abrir mão da importância da ciência básica. Eu honestamente não consigo ver um defeito relevante para criticar. O candidato definitivamente está no meu radar agora.

    Considerações finais

    Os programas que me deixaram uma impressão positiva foram (em ordem do “pior” para o “melhor”, mesmo considerando todos positivos): Haddad/PT e Bolsonaro (empate técnico), Boulos, Ciro, Marina e João Goulart. Menção honrosa para o do Amoedo, que tá no caminho certo, mas falta algumas coisas. Lembrando que essa classificação é meramente opinião pessoal minha.

    Estou positivamente chocado com a do João Goulart. É uma pena que o candidato seja tão pouco conhecido e não tenha participação nos debates, porque suas pautas para a ciência são muito bem-embasadas. Marina é uma segunda-colocada muito próxima, ao meu ver. O espaço entre o programa de Ciro é um pouco maior, e entre o do Ciro e do Haddad/PT ou Bolsonaro ainda maior. Obviamente, essa é apenas minha opinião baseada no que eu li, e você pode interpretar as coisas de forma diferente.

    Nenhum dos planos de causou revolta (novamente, analisando o que os programas falam apenas sobre ciência). Os programas que me decepcionaram não o fizeram por falar besteira, mas por não falar nada.

    Naturalmente, essas são minhas impressões analisando apenas o programa. Se o candidato efetivamente acredita no que escreveu (ou no que sua equipe escreveu), são outros quinhentos.

    No mais, é isso e espero que tenham gostado, deu um trabalho razoável de fazer.

    Lucas Rosa é colaborador e administrador do blog Mural Científico.

  • Plebiscito: palavra difícil

    Por Luã Leal

    O período entre 1988 e 1993 foi, de fato, bastante agitado para a política no Brasil. Do ângulo da sociologia da cultura, também parece pertinente pensar como esse contexto, marcado nacional e internacionalmente por uma sensação de fim de ciclos, testemunhou a emergência de novos fenômenos midiáticos. Esquecida como peça da engrenagem da redemocratização, a campanha para

    O período entre 1988 e 1993 foi, de fato, bastante agitado para a política no Brasil. Do ângulo da sociologia da cultura, também parece pertinente pensar como esse contexto,  marcado nacional e internacionalmente por uma sensação de fim de ciclos, testemunhou a emergência de novos fenômenos midiáticos. Esquecida como peça da engrenagem da redemocratização, a campanha para o plebiscito de 1993 propiciou, no entanto, a reativação de uma série de imagens para representação do país.

    A regulamentação da propaganda eleitoral, atualmente, está garantida pela Lei nº 9.504/97. A ciência política e o estudos de comunicação já se debruçaram sobre os recursos midiáticos adotados pelas campanhas, mas, em geral, as atenções se voltam à construção de persona ou de agenda política no Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG). No plebiscito, os lados das duas disputas (parlamentarismo x presidencialismo) e (monarquia x república) revisavam os problemas recentes do Brasil para tecer diagnósticos de como resolver os impasses da jovem democracia após tanto anos de regime militar.

    O Brasil havia acabado de sair do período ditatorial, 1964-1985, e o primeiro presidente civil a inaugurar a Nova República, eleito por voto indireto, faleceu em 1985. O vice José Sarney, então, assumiu devido ao falecimento de Tancredo Neves, ambos membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Os tempos eram agitados, instáveis e a roda da história parecia girar muito rapidamente:

    • de agosto de 1984 a julho de 1993, o Brasil teve quatro moedas diferentes: Cruzeiro (1984-1986), Cruzado (1986-1989), Cruzado Novo (1989-1990) e Cruzeiro (1990 a 1993).
    • desde 1960, a primeira eleição com voto direto para presidente da República ocorreu em 1989, com 22 candidaturas, entre as quais sete tiveram mais de 1 milhão de votos no primeiro turno.
    • em dezembro de 1992, o presidente eleito em 1989, Fernando Collor, renunciou e sofreu impeachment.
    • seguindo a Constituição de 1988, no governo de Itamar Franco, vice e sucessor de Collor na presidência, foi convocado o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo de 1993.

    Em suma, a República presidencialista aparecia representada como um modo de organizar a política no Brasil em perpétua crise. Na imprensa, pululavam notícias que indicavam a ausência de perspectiva de melhorias para a população tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Líder do movimento de direitos nos seringais do Acre, Chico Mendes foi assassinado em 1988. Em 1992, na capital paulista, o governador do Acre Edmundo Pinto sofreu um latrocínio. Também em maio do mesmo ano, o esquema de de PC Farias passou a ser investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O movimento “Cara-Pintada” tomou as ruas das grandes cidades. Em outubro, houve o massacre no complexo penitenciário do Carandiru na cidade de São Paulo.

    Nas eleições municipais de 1992, PDT e PT conseguiram, cada um, quatros capitais, o PSB um total de três. O PSDB e o PMDB, respectivamente, venceram em cinco e quatro capitais. Esses partidos seriam protagonistas nas disputas entre parlamentarismo e presidencialismo.

    Entre 1985 e 1988, vale lembrar, houve intensa reorganização partidária, pois nasceram o PFL, o Partido Democrata Cristão (ambos de 1985) e o PSDB (1988), além da retomada das legendas de esquerda como PCdoB, PSB e PCB.

    Em 2018, o plebiscito completa 25 anos de sua realização. Devido à eleição deste ano, surgiram interessantes iniciativas de aproximar os debates das Ciências Sociais da conjuntura política contemporânea. A partir deste ponto da postagem, destacarei estratégias das campanhas durante o plebiscito.

    Na propaganda gratuita sobre a forma e o sistema de governo, a campanha monarquista era identificada pelo slogan “Vote no Rei”. Responsáveis pela comunicação com o eleitorado usaram expressões populares como “entrar na real”, “o sol é o astro-rei” e “quem foi rei nunca perde a majestade”. Outra estratégia era vincular o voto na monarquia como opção de protesto à situação, pois os monarquistas definiram que votar na república era optar pela situação. O jingle monarquista trazia ainda uma ideia potente: a monarquia seria uma resposta baseada na tradição para resolver problemas da modernidade. Para a campanha monarquista, recusar a república poderia colocar o Brasil no nível de desenvolvimento de outras monarquias parlamentaristas como o Japão e a Suécia.

    Trecho da letra do jingle:

    “Fique atento que chegou o dia/ de coroar a democracia/com modernidade a melhor tradição/ é sua vontade dizer sim ou não/ o plebiscito, palavra difícil/ torna mais fácil encontrar a verdade/ nosso passado é o pai do futuro/quem foi rei nunca perde a majestade”.

    Outra ideia recorrente apresentada pela campanha do “Vote no Rei”: o voto na monarquia era garantia de estabilidade, discurso bastante propício para um período de sucessivas crises na República Nova. Interpretando uma garota do tempo, a atriz Cissa Guimarães, por exemplo, apareceu em um peça publicitária explicitando analogias entre as crises de governo e as mudanças meteorológicas. No texto lido pela atriz, havia uma pretensão de explicar ao eleitorado as diferenças entre crises de governo, passageiras e resolvidas pelo primeiro-ministro, e o papel do chefe do Estado, o rei para os monarquistas, como duradouro representante do povo.

    O resultado desse plebiscito e as diferenças entre as campanhas dos republicanos parlamentaristas e presidencialistas abordarei na postagem da próxima semana. Por enquanto, basta informar que a Justiça Eleitoral registrou comparecimento de 74,24% , mais de 67 milhões de votantes. O estado com menor comparecimento foi o Maranhão, com participação de apenas 41,38% do eleitorado.

    Publicado originalmente em: Vértice Sociológico

  • Ciência e política: como atuar mutuamente?

    Texto por Lucas Miguel

    Sempre em ano de eleições, vem a tona o pensamento de como a Ciência será promovida no governo do próximo presidente. Algumas notícias em 2018, como o anúncio de cortes da CAPES e CNPq, deixam um alerta sobre uma possível escassez de recursos. O orçamento está apertando, porém tal situação não é de hoje. Qual a devida ação a ser tomada pelos políticos frente a Ciência? Apoiá-la? Camuflá-la? Deixá-la de lado? A política sempre andou ao lado da Ciência, desde longa data, porém ela é instável.

    Você já deve ter ouvido sobre Galileu Galilei: um cientista queimado por abraçar a sua descoberta sobre o movimento da Terra. Sócrates foi obrigado a tomar cicuta, um veneno letal, ao forçarem a recusar a verdade que ensina. Até mesmo Giordano Bruno, apoiador das ideias copernicanas, morto pela Inquisição. Naquela época, a Igreja era um “órgão” único e sempre lutava contra a presença da intelectualidade junto aos governos. A História sempre nos deu exemplos aonde, após o surgimento de uma ideia contrária a um preceito, simplesmente não se tinha diálogo, apensa execução. Hoje, no século XXI, a conversa entre Ciência e Política, por meio dos governantes, acontece, mas de forma muito lenta.

    Os cientistas em formação, mestrandos e doutorandos, almejam um dia reverter ao mundo aquilo que sua pesquisa científica busca: MUDANÇA. Os políticos brasileiros sempre dizem que mudar é necessário, mas nenhum deles pensa EM COMO MUDAR. Do modo contrário, os cientistas buscam pela IMPLEMENTAÇÃO DESTA MUDANÇA: facilitar a vida da sociedade, resolver problemas. Cientistas, por essência, buscam mostrar que o mundo não é apenas um livro, e sim uma grande biblioteca, pronta para prover e receber conhecimento. Todavia, será que a sociedade pensa o mesmo sobre a ciência brasileira? Visando alcançar o maior número de pessoas, realizamos uma pesquisa de opinião, via Twitter, a qual se encontra abaixo. Agradeço a minha amiga, Jéssica Sales, bacharela em Direito, pela UEMG, e atualmente mestranda na Unimontes, por se propor a me ajudar nessa pesquisa.


    A pergunta foi: “O Brasil investe apenas 0,7% do PIB em pesquisa, cerca de 4x menos que países desenvolvidos. Apesar disso, a Bradicinina, utilizada no tratamento de pressão alta, é 100% brasileira, e responsável por salvar muitas vidas. Sabe disso: você acredita na ciência brasileira?”


    Resultado:
    Número de impressões: 15.989 (total de pessoas que viram o Tweet)
    Número de engajamentos: 1305 (total de pessoas que interagiram com o Tweet)
    Votos: 1021
    SIM: 72%
    NÃO: 28%

    Podemos notar que mais de 15 mil pessoas visualizaram o tweet, no entanto, apenas 8% se engajaram e 6% responderam a pergunta. Esse resultado mostra que uma grande porcentagem dessa fração da população brasileira não acredita ou não se interessa pelo assunto. Quantos brasileiros sabem o papel do Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC)? Quantos já se interessaram em procurar sobre o papel da ciência na sociedade? Inclusive, muitos projetos do MCTIC são atuantes na sociedade, como o Gesac, o Cidade Digital e o Centro de Recondicionamento de Computadores.

    Ao meu ver, faltam políticas públicas que favoreçam o engajamento da sociedade com a ciência brasileira. As universidades federais e estaduais são pagas com dinheiro público e, além de promoverem serviços de saúde públicos, deveriam propor iniciativas sociais, mas, para isso, o Estado e o Governo, devem incentivar e promover diretrizes direcionadas a atuação dos cientistas na sociedade. Aqui na UNICAMP, durante o UPA (Unicamp de Portas Abertas), os alunos e a sociedade podem visitar o campus e interagir com os pesquisadores e decidir sobre uma futura carreira. Fizemos um post sobre este evento que pode ser acessado aqui. Outro modo de interação, de forma mais aberta, é o Pint of Science, que objetiva levar uma discussão sobre temas científicos aos bares e restaurantes. Uma forma mais ativa de implementação de projetos científicos em sociedade, por exemplo, é o sistema de Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (SAISP), que foi desenvolvido em convênio com Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). No SAISP são providos mapas de chuvas, leituras de represas e avisos de inundações.

    Diversas iniciativas poderiam existir para promover o maior contato da comunidade com os cientistas, como cursos, palestras, propagandas incentivadoras. É imprescindível a necessidade de um fórum entre políticos e cientistas, para discutir o rumo científico do Brasil, políticas públicas, ajudas necessárias, entre outros assuntos. Por que não haver uma cooperação mais frequente, com políticas de retorno a sociedade?

    Para realizarmos TUDO isso, não podem haver os diversos cortes prometidos: de bolsas, de incentivo a ciência, na manutenção frequente de lugares estatais,nas  medidas de prevenção de saúde pública, como o SUS, nos programas de desenvolvimento e aprimoramento de pesquisas em Zika …

    Em suma, gostaria de enfatizar que, em debate, nenhum candidato especulou ou foi questionado sobre seu posicionamento em relação a ciência e seus andares a passos curtos. IMPORTANTÍSSIMO discutirmos sobre o assunto, já que, dependendo do modo como ela é tratada, podemos ter a ciência noticiada não pelos seus méritos, mas sim como um próximo Museu Nacional.

    Uso da imagem de capa: Copyright

    Union of concerned scientists

    Texto publicado originalmente em Terabytes of Life

  • O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

    Texto por Cláudia Alves

    Hoje o dia amanheceu chuvoso em muitas cidades, e aqui em Roma também. Andando pelas ruas, reparei em quantas pessoas carregavam seus guarda-chuvas. Não pude evitar o pensamento: nenhuma delas estava com medo de levar um tiro e morrer por causa do que carregavam. Esse post é em memória de Rodrigo Serrano, brutalmente assassinado no dia 17 de setembro de 2018 pela polícia militar do Rio de Janeiro.

    O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

    Quem escolhe ser pesquisador em nosso país (e no mundo todo) acaba se acostumando com o questionamento recorrente sobre a utilidade prática do que faz, do seu trabalho. Nas ciências humanas, esse questionamento é talvez ainda mais frequente porque nossas pesquisas não produzem, na maioria das vezes, resultados imediatos, pragmáticos, mensuráveis pelos parâmetros da sociedade de consumo. Estudar as diversas perspectivas da representação literária ao longo dos anos na literatura brasileira não parece ter o mesmo prestígio que compreender a reprodução de uma bactéria a fim de criar um novo remédio, por exemplo. E por que será que isso acontece? Arrisco um palpite: porque, nessa sociedade, pesquisas que não geram patentes, sobretudo porque não geram lucros, não despertam muito interesse.

    Sempre que posso, faço questão de começar meus textos por aí, porque acredito que precisamos lembrar – e relembrar quantas vezes pudermos – que estamos vivendo em uma época em que a formação e a reflexão de tipo humanística correm o risco de cair em desuso. Atualmente, a ideia de trabalho e produção de conhecimento está ligada a valores capitalizados, tecnocráticos, pouco ideológicos ou apolíticos, e, nesse espaço, a maturação de reflexões humanas não tem tempo suficiente para acontecer. Tudo precisa ser rápido e funcional. Já deu para perceber que a conversa é tensa, né? Mas todo esse preâmbulo é para pensarmos juntos como a ideia de produção científica se encaixa nesse contexto – e como fazer ciência, em todas as áreas, principalmente dentro de uma universidade pública, só pode ser entendido como um gesto político.

    Nos estudos literários (e talvez posso afirmar que no âmbito das pesquisas sobre linguagem em geral), existe um esforço em se pensar os poderes que estão em disputa. Nosso trabalho muitas vezes se volta à desnaturalização de ideias consolidadas e de pensamentos enraizados em nossa cultura. Nesse sentido, fica difícil imaginar como uma pesquisa desse tipo pode ser considerada apolítica: estamos constantemente exercitando nossa reflexão crítica ao olhar para o mundo e estudar suas diversas manifestações ao longo do tempo.

    É por esse caminho que muitos estudiosos pensam na capacidade transformadora que a própria literatura exerce. Escrever seria um gesto de colocar no papel aquilo que precisa ser revisto em nosso mundo e, a partir daí, gerar no leitor um pensamento com potencial para se tornar atitude. Estamos então em um terreno em que a literatura pode ser vista como um espaço público de politização e também de disputa de histórias. Por meio dos livros, seria possível contar uma história que sistematicamente determinadas esferas de poder quiseram (e querem) calar, assim como poderia despertar nos leitores uma reflexão. Ou seja: quanto mais a gente lê, mais a gente se depara com versões diferentes para uma mesma história e dificilmente sairemos dessas leituras da mesma forma que entramos.

    Jean Paul Sartre, importante filósofo e escritor francês do século XX, publicou em 1948 o livro Que é a literatura? (Editora Ática, 2004, tradução Carlos Felipe Moisés), no qual discute, após o final da Segunda Guerra Mundial, o que, por que e para quem escrever literatura. Depois das atrocidades cometidas pelos governos fascistas e nazistas nos anos anteriores, Sartre e tantos outros intelectuais voltaram seus pensamentos em direção às ainda possíveis perspectivas de existência humana – e como o ato de pensar e escrever sobre essa existência ainda poderia ter alguma função.

    Foto por Daniel Frank.

    Sartre defende a ideia de que “através da literatura (…) a coletividade passa à reflexão e à mediação, adquire uma consciência infeliz, uma imagem não equilibrada de si mesma, que ela busca incessantemente modificar e aperfeiçoar” (2004, p. 217). Sua posição parece estar entre dois caminhos já bastante trilhados quando se pensa no fazer literário: a ideia de que a literatura vai salvar a humanidade, despertando-lhe a consciência necessária para isso, mas também a ideia de que essa consciência é infeliz, desequilibrada, mediada, o que significa que não necessariamente ela atingirá seu potencial de conscientização nos indivíduos.

    Muito complicado? É mais ou menos pensar que ler não é sinônimo de caráter – há muitos exemplos por aí de gente que já leu muito, mas continua tendo comportamentos questionáveis. E também que nem toda literatura é questionadora e progressista, afinal é também no âmbito literário que versões opressoras da história se consolidam. O ponto principal é que, repito, parece que estamos diante do potencial de reflexão e de crítica que pode emanar da literatura. A ideia de que, com esse esforço de leitura, a coletividade pode tomar conhecimento de si mesma, reconhecer onde estão suas falhas e, a partir daí, buscar modificá-las e aperfeiçoá-las. Em outras palavras, escrever e pensar a literatura como pequenos movimentos de transformação.

    O lugar que ocupamos como pesquisadoras e pesquisadores, me parece, passa também por essas mesmas questões. A ideia de produzir ciência, ou seja, de produzir conhecimento, em um país com tantas desigualdades (sociais, econômicas, culturais) como o nosso não deve estar isenta de sua potencialidade de reflexão e de transformação social. Porque são ausências políticas em momentos conturbados como os que estamos vivendo ultimamente que podem criar monstruosidades históricas com as quais certamente não queremos conviver.

    E assim chegamos ao Brasil do ano de 2018, onde ainda é preciso debater machismo, racismo, homofobia e tantos outros preconceitos enraizados na nossa história. Esse debate, que perpassa todas as esferas públicas de produção de conhecimento (e por isso também todas as universidades, programas de pós-graduação e institutos de pesquisa), não pode ser diminuído ou silenciado, pois estamos disputando a história que se fará daqui por diante. A reflexão humanística, que deveria ser uma guia aos estudos literários e também às demais ciências, reafirma sua importância nesse processo como aquela que não nos deixa esquecer os momentos em que a humanidade se viu ameaçada por seu próprio desenvolvimento e capacidades destrutivas. Posicionar-se politicamente em todas as esferas que nos cabem é então reconhecer a função pública que cada indivíduo carrega em si e estimular a reflexão crítica em todas as frentes imagináveis. Resistir em todos os espaços que ocupamos: esse é o compromisso científico e político do qual não podemos nos isentar.

    Publicado originalmente em Marca Páginas.

  • Motivação entre a ciência e a política

    Texto por Gustavo

    O papel da ciência na sociedade atual vai além de gerar novas tecnologias. Apesar de bem vinda, a busca por inovação – palavra tão exaltada e incensada – nas áreas produtivas não pode ser o único motivo pelo qual a ciência existe. Fabricar celulares e computadores mais rápidos, carros mais econômicos e materiais mais resistentes é algo que certamente tem seu valor, assim como produzir medicamentos mais eficazes, métodos eficientes e não poluentes de controle de pragas agrícolas ou de geração de energia é, sem dúvida, indispensável. No entanto, a produção de novas maneiras de aplicar a ciência no cotidiano prático não esgota a função da própria ciência, ou, pelo menos, não deveria.

    Além da função filosófica, que coloca a ciência enquanto explicação possível para o mundo (o que daria assunto para um texto exclusivo) e de outras que lhe podem ser atribuídas, a Ciência tem a fundamental função de guia – ou ao menos conselheira – para a tomada de decisões no âmbito político. Como gerir melhor a sociedade, aplicar políticas públicas e descontinuar ações ineficazes ou danosas é algo que demanda conhecimento sobre as dinâmicas do mundo natural, área de atuação da Ciência – seja no campo das humanas, exatas ou biológicas.

    Se a ciência tem se dado bem na primeira função – a produção de tecnologia -, o que se pode dizer desta última? Frente ao que temos observado em muitos países e contextos, parece que, infelizmente, a conselheira está sendo solenemente ignorada.

    Como isso se dá?

    No panorama global, o caso que parece mais claro é a recusa do governo do país mais importante economicamente em aceitar os incontáveis alertas científicos quanto ao aquecimento do planeta e o provável caos global que se aproxima de nós. A saída dos EUA do acordo do Clima de Paris é uma demonstração flagrante de desdém para com o conhecimento científico, que apresenta o problema e propõe as soluções nunca aplicadas. A insistência na caça de baleias por países como Japão e Dinamarca, a despeito dos avisos de impacto ecológico e até mesmo econômico, merece também ser citada.

    No Brasil, arrisco dizer, a situação é ainda mais complicada. Não é só a destruição do Museu Nacional e os contínuos cortes no orçamento de C,T&I que mostram o descaso com a Ciência e o conhecimento em nosso país. Em termos práticos, o conhecimento científico tem sido sistematicamente ignorado por nossos representantes político.

    Um exemplo patente foi a discussão sobre o Novo Código Florestal Brasileiro, no começo desta década. Apesar das inúmeras críticas contrárias feitas por pesquisadores reconhecidos nacional e internacionalmente na área e da manifestação oficial de algumas das maiores entidades científicas do país contra a aprovação do projeto, o novo código foi sancionado em Os resultados, como previsto, têm sido desanimadores.

    Para não ficar só neste, podemos citar o exemplo de Belo Monte, onde um cenário semelhante de discussão se configurou, ou o da nova lei sobre liberação de químicos agrícolas – talvez o mais novo capítulo.

    Como motivar-se?

    Fazer pesquisa no Brasil, frente a todos os desafios, não é tarefa fácil. É preciso acreditar no que se faz para se dedicar ao tema que se quer abordar, a despeito de bolsas minguantes e estrutura muitas vezes insuficiente. Depende, portanto, de muita motivação. E é esse o questionamento neste texto. Tanta dedicação está sendo aproveitada por quem deveria? Sua pesquisa sobre a redução dos peixes da Amazônia em decorrência da instalação de barragens, ou sobre a perda dos solos em áreas de agricultura predatória, ou, ainda, a respeito do aumento de doenças causadas pela poluição do ar, por excelentes e incríveis que sejam, irão impactar e influenciar alguém mais que os cientistas da área? Alguma decisão relevante (à nível nacional, estadual, municipal) será tomada levando-a em conta? É difícil motivar quem faz ciência (seja pesquisador, docente ou pós-graduando) frente a este cenário, mas é preciso.

    Tudo começa com a valorização da ciência em toda a sua complexidade, e não apenas o potencial da tecnologia: a relevância desigual dada à ciência aplicada em detrimento da básica é um sintoma bem claro deste panorama. Além disso, a maneira como, frequentemente, as parcerias com a iniciativa privada são colocadas como a única salvação da pesquisa nas universidades é preocupante, pois, ainda que essa interação seja uma opção bem-vinda em muitos casos, a exclusividade deste tipo de financiamento traria impactos negativos inegáveis à produção de conhecimento básico e a temas que, a curto prazo, são “não-lucrativos”, como é o caso de boa parte das pesquisas em áreas como paleontologia ou história medieval, para ficar nestes dois exemplos.

    Mudanças dependem, em um regime democrático, de mobilização política e, obviamente, do voto consciente. Em tempos de eleições, o mínimo que devemos fazer é levar em consideração as propostas de governo dos candidatos em temas que dizem respeito à Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Agricultura, etc (veja aqui e aqui). Junto a isso, trazer a população para mais perto da Ciência é a única maneira de esperar que o dedicado trabalho dos cientistas seja levado em conta pelos representantes públicos.

    Publicado originalmente em Ciência em Si.

  • Política e Ciência: Newton morde a maçã

    Texto por Jefferson Picanço

    Não se pode pensar Ciência sem Política. Ciência pressupõe pesquisa, busca, invenção. Politica significa antes de mais nada fazer escolhas. No mundo em que vivemos, uma convive com a outra, se interconecta com a outra. No Brasil também sempre foi assim, com as suas peculiaridades. Existem muitos problemas a serem resolvidos e enfrentados usando ciência e usando política. Isso é fazer política. E isso também é fazer ciência.

    CIÊNCIA, NEWTON E A MAÇÃ

    Uma maçã caindo no chão é somente uma maçã. Para que essa maçã vire ciência, é preciso Newton observando a maçã cair. Para que Newton observe a maçã cair e isso vire ciência, Newton precisa subir no ombro de gigantes: isso pressupõe escolas, professores, despesas com educação. E isso é política: escolhas que devemos ter sobre quais escolas, quais professores e qual financiamento devermos controlar para que possamos ter Newton vendo a maçã cair e isso vire ciência.

    Newton e a maçã: uma alegoria (e uma lenda) da Ciência…

    Você não precisa de ciência para viver. Isso é uma escolha. Política. Podemos viver naturalmente, tendo o que a natureza nos dá. Alguém se habilita? Nós também não precisamos fazer Ciência. Se tivermos recursos, comprar ciência, comprar tecnologia. Como fizemos no passado, podemos vender borracha e comprar pneus. Vender ferro e comprar navios. É uma escolha política sem muitos riscos. Claro que continuaremos pobres. Alguns, que possuem o seringal e a mina de ferro, viverão confortavelmente. Aos demais, restará o trabalho duro e uma subsistência difícil. Mas, como sempre, é uma escolha política da ciência que queremos ter em nossas vidas.

    QUE CIÊNCIA QUEREMOS?

    Mas, e se nós quisermos ter Ciência? Ciência de verdade? Que tal não viver com a lenda de Newton e a maçã, a qual, como já mostraram seus biógrafos, não passa de uma lenda? O que precisamos para ter nosso próprio desenvolvimento cientifico? O que precisamos para vencer nossos problemas de educação, saúde, produção industrial, produção intelectual?

    Não existe milagre na ciência. Ciência requer trabalho. Leitura, estudo, experiencia. Como recentemente disse uma colega, horas-bunda na cadeira. E isso requer que tenhamos pessoas que façam isso como profissão. Pessoas que possam cada vez mais viver disso. E que tenham condições de fazer suas pesquisas, discutir livremente os seus resultados e suas ideias com outros cientistas, com os políticos, com a sociedade.

    QUE CAMINHOS TRILHAR?

    Todos os países que tem um nível razoável de vida para seu povo fizeram e fazem isso. A Inglaterra, desde o século XVIII tem uma cultura de manutenção e financiamento de pesquisas. A Alemanha, desde que era Prússia, reformulou a sua universidade a partir de 1811 e num século deixou de ser um país atrasado que era para se tornar uma potencia mundial.

    No século XX tivemos a Coreia, um país pobre e arrasado por guerras. Em 1960, os índices de vida e renda da Coreia eram inferiores aos do Brasil. No entanto, o país investiu firmemente em educação e hoje é uma das principais potencias industriais do planeta.

    Tudo isso são escolhas. Tudo isso é política. A forma como escolhemos nossa Ciência, por outro lado, impacta nossa maneira de ser e estar no mundo.

    O BRASIL CONSTRÓI SUA CIÊNCIA

    Nos últimos 100 anos, o Brasil também investiu em ciência. Neste tempo, erradicamos diversas doenças de nossas cidades. Ainda falta muito, mas a medicina brasileira progrediu. Hoje, conquistamos, com ajuda da ciência, solos que até então não eram férteis, e os fizemos produzir. Se hoje há agronegócio no Brasil, é porque houve pesquisa agropecuária, é porque houve a Embrapa.

    No início do século XX, éramos um país que não conseguia se desenvolver porque não tínhamos fontes de energia suficientes e boas. Hoje, graças ao esforço de varias gerações de geólogos, temos uma reserva de petróleo das maiores do Mundo, a qual só é possível explorar com altíssima tecnologia.

    Tá OK. Mas e a parte vazia deste copo?

    Ainda precisamos avançar. Como ter uma indústria competitiva e inovadora? Como ter uma Ciência de alto impacto? Como resolver os grandes problemas de nossa sociedade, como saúde, segurança, trabalho? Como resolver isso?

    POLÍTICA E CIÊNCIA. CIÊNCIA E POLITICA

    Precisamos de uma politica que invista mais, e não menos, em ciência. Se queremos realmente um futuro, devemos plantar as sementes hoje. Investimos pouco, e mal. Nossa despesa com ciência em 2015 (um ano ainda “rico”) foi de U$199 dólares por habitante. Empatamos com a Turquia. Perdemos feio para os países do Leste Asiático, Europa, América do Norte.

    E isso apesar de termos uma das maiores comunidades cientifica da América Latina. Uma comunidade briosa, que vem aumentando sua participação no quinhão da ciência nos últimos 15 anos. Mas que, como uma flor sensível, ainda corre sérios riscos.

    A participação publica vem diminuindo sua participação no financiamento da ciência desde 2015. E a política, que poderia trazer soluções, só nos tem trazido pesadelos. Claramente, ciência e a tecnologia não são prioridade de governo. As ameaças vêm de todos os lados.

    PARA ONDE VAMOS?

    Há os que sonhem com uma ciência sem estado. Houve o assessor de um candidato que chegou a dizer que “as pessoas subestimam o poder da filantropia”. Com isso, o douto senhor está nos dizendo que a contribuição privada para a ciência era uma fonte que nós não exploramos direito. Por outro lado, o financiamento privado é hoje irrelevante no financiamento da ciência.

    Entre os candidatos a presidente, qual deles menciona em seu programa a palavra ciência? E dos que o fazem, quais deles confundem ciência com ensino? Embora sejam parceiras, ciência e educação são coisas distintas, com pautas necessidades distintas. Não se faz ciência tirando dinheiro do ensino.

    A política vai ditar a ciência que queremos. Será que vamos escolher seguir um caminho de mais financiamento e uma busca maior de eficácia na resolução de nossos problemas? Ou será que vamos achar que não precisamos fazer ciência?

    São Heisenberg, rogai por nós!


    Publicado originalmente em PaleoBlog.

  • Sobre fungos, corrupções e clichês

    Texto por Vilmar Debona

    Em uma crônica de 1 de setembro de 2016, o escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo afirmava:

    “Dilma recorreu à metáfora de uma frondosa árvore, representando a democracia, para comparar golpe parlamentar e golpe militar. No militar, a árvore é destruída a machadadas. No parlamentar, é atacada por fungos, parasitas e erva de passarinho e também morre, mas lentamente. A metáfora parece simples (só faltando definir, no cenário nacional, quem é fungo, parasitae erva de passarinho)”i.

    Gostaria de propor como uma das possíveis respostas para a definição que Veríssimo observa estar faltando a distinção elaborada por Jessé Souza entre o que chama de corrupção dos tolos e de corrupção real, uma oportunidade para “darmos nome aos fungos”.

    A microbiologia nos permite saber da diversidade de fungos, um reino de organismos à parte na natureza. Todos são heterótrofos, não produzem seus próprios alimentos. Sua nutrição se dá por absorção e, em quase todos os casos, não possuem raízes. É certo que há os fungos que fazem o pão crescer e o vinho fermentar, bem como os fungos dos bons cogumelos champignons. Mas certamente não foi a estes tipos que Dilma se referiu. Pois há aqueles fungos que se formam em matérias já mortas e, em conjunto com uma variedade de bactérias, possibilitam a decomposição dessas matérias. E, principalmente, há os fungos parasitas, que atacam seres vivos, provocam micoses, frieiras, excrescência carnosa, infecções e, nos vegetais, fitomicoses como a ferrugem, os esporões e o apodrecimento.

    Se formos ao Gênesis bíblico notaremos uma personagem bastante esquiva: a serpente, que instiga o rompimento da perfeição divina e que, logo que sai de cena, é culturalmente demonizada… mas, se notarmos bem, perceberemos que ela não é filha de nenhuma força das trevas ou demoníaca, senão do próprio Deus. O ímpeto em direção ao rompimento da proibição em comer da “árvore do conhecimento” não é provocado por algo externo à Criação. Ao considerarmos esse ímpeto ou impulso em corromper a ordem, em ceder à tentação, poderíamos ficar à vontade com a etimologia de Agostinho de Hipona (o mesmo filósofo que, aliás, cunhou o termo pecado): corrupção, de corruptioneii, de corromper, composto por cor (coração) e por ruptus (quebra, rompimento), literalmente, coração rompido, deteriorado, pervertido. Se todos temos coração, então apenas uma boa dose de hipocrisia seria capaz de manter alguém convicto de que existem “cidadãos de bem” capazes de atravessar toda uma vida sem nunca e de nenhuma forma transgredirem ou corromperem.

    Seres incorruptíveis, no entanto, são personagens férteis no imaginário seletivo dos inveterados apoiadores da Lava Jato. A percepção falsa não é falsa em relação a Agostinho, mas em relação à ideia de que, ao menos no Brasil, corrupção é somente da política e nunca do mercado, sempre do Estado e nunca das elites econômicas e do capital financeiro – ou, como formulou Max Horkheimer no contexto de suas teses sobre a razão instrumental, nunca das “forças econômicas cegas ou demasiadamente conscientes”iii.

    Em seu A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza chama de corrupção real aquela do Brasil escravocrata, “semente de toda a sociabilidade brasileira”iv, que cria singularidades necessariamente excludentes e perversas. Seria a corrupção do que ele denomina elite da rapina e do dinheiro, uma elite (do atraso), que se perpetua principalmente sob o comando financeiro e midiático, com ações predadoras que fazem o jogo do capital financeiro internacional e que, com o termo “privatizar”, atribui um nome polido para o que, na realidade, é uma patranha e atende por corromper e saquear.

    Típicos dessa corrupção real – que, principalmente no caso da mídia oligopolista, oculta-se de forma magistral a fim de ter mais poder real – são a manipulação e o convencimento que aplicam com pílulas diárias sobre a opinião pública. O Estado e a política são, nessa sórdida manipulação, as únicas esferas corruptas, caminho que facilita o repasse de empresas estatais e de riquezas nacionais para nacionais e estrangeiros, que transformam em posse privada os colossos que deveriam ser de todos.

    Os complexos mecanismos mobilizados por grupos econômicos para levar multidões às ruas do país, reuniões-espetáculos manipuladas e transmitidas ao vivo pela mídia corporativa, para, assim, “justificar” as manobras jurídicas das “pedaladas” do Golpe contra Dilma Rousseff, foi um dos mais evidentes atestados da tese de Souza. E se alguém perguntasse em que termos é isso corrupção, a resposta viria fácil: em um dos sentidos mais convencionais do termo, o de enganar para obter vantagens ilícitas.

    Já a corrupção dos tolos seria a da crença originada ante a miragem provocada pelo espantalho da ideia segundo a qual o Estado é o único corrupto. É o que corruptos e corruptores reais ventilam diariamente para nenhum brasileiro duvidar de que os políticos e o Estado são os causadores de todas as tramoias, e não o contrário. O imbecil perfeito, diz Jessé, é forjado quando o cidadão espoliado passa a apoiar a venda subfaturada de recursos públicos a agentes privados, imaginando que assim ajuda a evitar a corrupção estatal.

    “Como se a maior corrupção […] não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale, que paga royalties ridículos para se apropriar da riqueza que deveria ser de todos, e essa será provavelmente a história da Petrobras”v.

    Ao final do livro, o sociólogo voltará à questão, tomando-a, desta vez, metaforicamente:

    “A política e os políticos são os aviõezinhos que sujam as mãos, se expõem à polícia seletiva e ficam com as sobras da expropriação da população. A boca de fumo são os oligopólios e os atravessadores financeiros, que compram a política, a justiça e a imprensa de tal modo a assaltar legalmente a população”vi.

    Eis, então, o pano de fundo, tomado genérica e confusamente como a única explicação da corrupção no Brasil: a corrupção como prática generalizada e creditada ao “jeitinho brasileiro”, interpretação de Roberto DaMatta para o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A tese tornou-se um depósito de culpas, admissão de que todo um povo é ou tende a ser nacionalmente corrupto, um pseudo fundamento antropológico-moral criado e metodicamente orquestrado para maquiar a corrupção real das elites oligárquicas. Aí está o engodo, o chamariz de fungos, de sanguessugas e de parasitas de toda espécie.

    No mais, se existe um “homem cordial”, quem seria o seu contrário? Suspeito que posso encontrar boa parte da resposta toda vez que leio uma notícia de que um juiz brasileiro recebeu prêmio nos EUA ou na Europa pela “limpeza” feita em terras emporcalhadas. Mas fiquemos com Jessé.

    Em sua outra obra, A radiografia do golpe, o autor dirigirá uma áspera crítica a Sérgio Buarque de Holanda (que se estende a seus epígonos Raymundo Faoro, Fernando Henrique Cardoso e Roberto DaMatta) sem hesitar na afirmação de que, na ausência do mito do “homem cordial” – portanto, sem Buarque e seu clássico Raízes do Brasil – a Lava Jato não se sustentaria. Em outras palavras, Gilberto Freyre, mas, principalmente, Sérgio Buarque, teriam autorizado de forma proposital a confusão entre os adjetivos “cordial” e “corrupto”, interpretando um vício pretensamente brasileiro como tendência inata à corrupção:

    “Ao definir o homem cordial, literalmente o ‘homem do coração’, como o protótipo do brasileiro de todas as classes […], prisioneiro das próprias emoções, ele supõe que exista um outro tipo de gente que teria se libertado dessa prisão. É aqui que mora todo o racismo, toda a ingenuidade e toda a admiração basbaque do brasileiro com o complexo de vira-lata em relação ao estrangeiro visto como superior”vii.

    E é muito curioso notar, então, como o mito do “homem cordial” estaria significativamente próximo da etimologia agostiniana de corruptione.

    Mas Jessé não atentou suficientemente para um elemento flagrante do uso e do abuso do mito do “homem cordial”, o do seu uso como clichê. Este elemento é particularmente significativo se considerarmos que, para além de intelectuais da direita e da esquerda de todos os tempos, “intelectuais” da Lava Jato também lançam mão do tal “homem cordial”.

    Minha hipótese é a de que se notarmos enquanto clichê o uso recorrente dessa desculpa para tudo, então poderemos alcançar uma melhor compreensão sobre por que qualquer combate daquela corrupção real é facilmente evitado ou comprometido. Indicar um inimigo oculto sob as sombras da cordialidade pode ser a melhor estratégia retórica – que soa simpática, mas é preguiçosa em termos de reflexão e crítica – para facilitar a perpetuação das mais perversas práticas.

    Tomemos, aqui, o uso de clichês como sinônimo de ausência de pensamento, de menoridade intelectual ou de comportamento condicionado, e veremos que não é difícil assumi-lo como causa indireta – e de difícil identificação – da prática de males que podem ser praticados de forma velada e em larga escala. No mais, recorrendo-se a clichês para jogar a culpa num sujeito oculto, todos e ninguém são culpados, podendo-se eleger eventual ou constantemente bodes expiatórios da corrupção dos tolos para, assim, transmitir à população explorada e vítima da desinformação proposital uma indignação teatral e cínica, como se o melhor senso de justiça reinasse nos gabinetes de corporações e nos estúdios de televisão.

    Se considerarmos esses três elementos complementares – o uso de clichês, a ausência de pensamento e a manipulação midiática – poderíamos lançar um olhar para uma das mais ilustrativas figuras do Golpe de 2016 e da Lava Jato: em uma postagem de rede social transcrita por Jessé em A elite do atraso, o jovem procurador Deltan Dallagnol afirma o seguinte, ao buscar justificar as Operações por ele comandadas:

    “O estamento aristocrático, na clássica avaliação de Raymundo Faoro, desenvolveu-se em um ‘estamento burocrático’, formado por autoridades públicas que são espécies de ‘seres superiores’ que não se subordinam à lei […]. Some-se, dentro desse contexto, que, analisando as características do brasileiro, o célebre Sérgio Buarque de Holanda, em seu consagrado ‘Raízes do Brasil’, definiu-o o ‘homem cordial’ […], criando o jeitinho brasileiro”viii.

    Fungos, lembremos, não apenas não possuem raízes, como também não são de fácil localização, podem estar por toda parte. E clichês podem eximir qualquer um de qualquer responsabilidade, bem como possibilitar a acusação e a condenação de pessoas e de grupos que se tornem politicamente indesejados. Podem jogar para “o todo” o que, na ausência dessa perigosa facilitação, seria delimitado e identificável. A estratégia do clichê também torna impossível a realização daquele ditado popular, comum no Brasil, de “cortar o mal pela raiz”. Em todo caso, ao menos o nome da maior Operação anticorrupção – dos tolos – estaria coerente com o que se propõe: “lavar”, mas não necessariamente “cortar” ou “extirpar”!

    Lava-se mal e porcamente a corrupção dos tolos, enquanto a corrupção real não é sequer atingida em seus profundos tentáculos – e, muito menos, “cortada”.

    A variedade de fungos não é exclusividade da microbiologia. Os dias transcorridos pós-Golpe de parasitas de 2016 tornam cristalina a certeza de que os fungos que atacaram a árvore da democracia foram e são os da corrupção real, suficientemente camuflada por seus promotores para não ser percebida pelos tolos espectadores de clichês. Ademais, o consumo cada vez mais voraz de clichês haverá de exibir seus resultados fecais nas eleições de 2018, pois é o maior cabo eleitoral de projetos protofascistas que dispensam a razoabilidade de pensamento e a ponderação.

    Poderiam estes elementos nos proporcionar alguma resposta para a definição que Veríssimo disse estar faltando? As feridas abertas em torno das quais a variedade de fungos se aloja e se reproduz são feridas antigas, jamais cicatrizadas, e que se renovam sob novos e criativos ataques diários.


    i VERÍSSIMO, L. F. Das metáforas. O Globo, 1. Set. 2016, grifos meus.

    ii Cf. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 486.

    iii HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Trad. Carlos Henrique Pissardo. São Paulo: Unesp, 2015, p. 37.

    iv SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: LeYa, 2017, p. 9.

    v Idem, p. 12-13.

    vi Idem, p. 226.

    vii SOUZA, J. A radiografia do golpe. São Paulo: LeYa, 2016, p. 36.

    viii DALLAGNOL, D. apud SOUZA, J. A elite do atraso, cit., p. 184.


    Publicado originalmente em Open Phylosophy.

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