Categoria: Editorial

  • O que é política?

    Texto por Ana Arnt

    A palavra política parece andar desgastada, embora continue sendo cotidianamente utilizada. Há quem culpe a polarização entre ideais, há quem queira fugir de embates e apenas vivenciar sua rotina sem se preocupar com conversas como “em quem votou o seu vizinho, primo, tio, cachorro, papagaio?”

    Outras vezes, aquelas pessoas que parecem concordar em ideias e ideais de como deveria se organizar a vida social, discordam em detalhes e isso vira motivo de chacota, acirramento do discurso, brigas em redes sociais, etc.

    Em anos como os que estamos vivendo, de emergência sanitária, crise econômica e debates nada tranquilos, parece ser sempre urgente se posicionar e cobrar posicionamentos.

    Sobre Política

    De maneira sucinta, política vem do termo Pólis, palavra grega que designava cidades — ou a organização social urbana (com tomadas de decisões) que acontecia no espaço público. O termo política derivaria exatamente das relações (institucionais e organizacionais) vinculadas ao gerenciamento da polis por seus cidadãos.

    A política pode ser entendida como a ciência ou a arte de governar (uma cidade, um estado ou nação e tudo o que diz respeito à vida e aos espaços públicos).

    Quando falamos atualmente sobre política, muitas vezes nos remetemos às relações partidárias ou inclinações ideológicas sobre como uma nação deveria ser governada (e por quem).

    No entanto, a política é mais que lados opostos — direita e esquerda — com soluções diferentes para problemas semelhantes. A política diz respeito aos modos como pensamos as problemáticas cotidianas de uma população, possíveis soluções, como organizamos estratégias de funcionamento de instituições públicas e privadas, como analisamos, pesquisamos e atuamos nestes espaços públicos e privados e quem regulamenta o quê (e de que forma), dentre muitas outras questões.

    Falar de política

    Falar em política não é polarizar e escolher lados, tampouco é votar pura e simplesmente, é pensar em propostas para a vida coletiva e como gostaríamos de colocar em prática estas proposta. É ter princípios de uma vivência comum, analisar desigualdades, encarar questões de grande porte, para pessoas diferentes. Aliás, política é tomar decisões sobre a diversidade — levando-a em conta ou não.

    Especial Política 2022

    Como veículo de divulgação científica, temos a proposta, sempre, de pensar a ciência e abrir o diálogo com a sociedade. Neste sentido, abrimos nosso espaço para compreender o que é política e como esta se relaciona ao nosso cotidiano continuamente. Há inúmeros textos neste veículo, ao longo dos anos, que vêm debatendo sobre política — desde ações públicas e tomadas de decisões, até como a ciência, educação e saúde são pautas fundamentais como fomento e investimento na esfera legislativa e executiva.

    Tendo em vista um ano de eleições como o que vivemos agora, decidimos montar o Especial Política 2022, nos dispondo a um diálogo entre a sociedade, as áreas de conhecimento acadêmico, as propostas políticas do âmbito executivo e, também, sobre as compreensões do que é e como se faz política e sua importância para estas diferentes áreas de conhecimento e para a sociedade.

    Ciência, como ato humano com produção de conhecimento para a sociedade (e a partir do financiamento desta), é um ato político. Como tal, não poderíamos, jamais, nos eximir de debater sobre o tema, na divulgação científica.

    Vamos conversar juntos?

    Alguns textos recomendados:


    Crédito da imagem de capa: michelle guimarães

  • 2 anos de Pandemia de Covid-19

    Imagem de Clorofreela

    Hoje completamos 2 anos de Pandemia de Covid-19. No início de 2020, ainda em janeiro, víamos as notícias percorrendo o mundo, acompanhávamos atentos aos acontecimentos recentes acerca de uma pneumonia cujo patógeno era considerado novo, para nós.

    No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde finalmente decreta que o Coronavírus, SARS-CoV-2, tinha se tornado uma pandemia. Isto é, um vírus que atinge todos os países do mundo (ou quase todos).

    Enquanto buscávamos informações seguras para realizar nosso trabalho, aqui no Blogs de Ciência da Unicamp, também víamos proliferar desinformações vindas dos locais em que mais deveríamos confiar e que ocupam postos destinados ao cuidado de nossa população. 

    Em 2 anos, enfrentamos mais de 450 milhões de casos notificados no mundo e 6 milhões de óbitos confirmados registrados. Destes, ainda que com uma subnotificação enorme, quase 11% ocorreu aqui em solo brasileiro (cuja população total é 2,6% da população mundial…). 

    Vidas que não sofrem sozinhas ao virem a termo. Foram pessoas, famílias inteiras, sofrendo com desde a infecção, até internações, cuidados paliativos e descaso ou falta de leitos hospitalares – o que aconteceu em grande parte do mundo. (Podemos analisar isto aqui, aqui, aqui, aqui e mais recentemente, aqui).

    Primeiro ano da Pandemia

    Aqui no Brasil, após um primeiro ano nitidamente marcado pela desinformação, o colapso veio junto com o início de uma lenta vacinação e muita apreensão. Nosso março de 2021 foi marcado com perdas e exaustão, que nublavam a esperança pela chegada da vacina. Uma vez que víamos despedidas de pessoas queridas que não conseguiram se afastar da infecção, semanas antes de sua tão esperada data de vacinação chegar. Este foi o maior colapso sanitário e hospitalar já vivenciado em nosso país.

    O Especial COVID-19, aliava-se ao Todos Pelas Vacinas e também ao Consulado Geral da França em São Paulo para informar sobre vacinas, Covid-19, efeitos sociais da pandemia, surgimento de variantes e muito mais temas necessários para entendermos e enfrentarmos esta doença que se agravava no cenário brasileiro.

    Assim, completamos 1 ano de pandemia no auge do colapso, após uma virada de ano literalmente sem ar, em Manaus, em um ato de descaso sem igual na história de nosso país.

    Segundo ano de Pandemia

    Iniciamos 2021 com 200 mil óbitos. Rapidamente chegamos a marcas mais tristes e devastadoras, que só desaceleraram em função da vacinação que ampliou sua cobertura ao longo do primeiro semestre, ainda que com velocidade menor do que a capacidade brasileira de negociação, compra e distribuição destas vacinas.

    Passamos por uma dolorosa CPI, que escancarou esquemas de corrupção e planejamentos que em nada relacionam-se com princípios de uma gestão pública para salvar vidas, frente a uma crise sanitária que vivenciávamos.

    Debatemos inúmeros medicamentos que não tinham efeito algum para Covid-19, enquanto notícias falsas sobre vacinas brotavam em mensagens instantâneas de aplicativos e causavam hesitação vacinal.

    Fechamos o ano de 2021 com mais de 600 mil mortes em nosso país, muitas delas evitáveis. Vimos, ainda neste final de 2021, o apagão de dados públicos do DATASUS. Sem explicações plausíveis, o que prejudicou muito o monitoramento da doença no Brasil.

    Todavia, a esperança da vacina infantil aprovada pela Anvisa trazia alento para nós, também.

    Junto com a vacina infantil, um novo levante de desinformações era visto, mais cruel e ardiloso: a frequente ameaça que, supostamente, as vacinas causavam miocardite e mal súbito em crianças é uma avalanche constante em nossos meios de comunicação de redes sociais.

    Sem qualquer fundamento ou dados concretos, causam hesitação vacinal em um grupo ainda vulnerável. Piorando, ainda, nosso cenário em que caem as últimas barreiras de cuidados básicos individuais. Por exemplo, as máscaras faciais. Além disso, acentua-se a situação em função de estados e municípios retirando a obrigatoriedade de uso em crianças em fase escolar, sem esquema vacinal completo.

    Seguimos atentos, junto a outros grupos de divulgadores científicos e cientistas, olhando atentamente números, pesquisas, casos pelo mundo, tentando compreender o momento em que estamos vivendo da pandemia. Além disso, com esperança de dias melhores e mais amenos (como acreditamos realmente estarmos alcançando), ainda cientes de que a pandemia não acabou. Não estamos em uma endemia e temos reiterado que tornar-se uma endemia não é algo bom, se negligenciarmos mortes por Covid-19.

    Longe de alarmismos, temos tentado observar a pandemia com um otimismo atento e alerta.

    E com radares ligados para novidades que possam ser importantes para seguirmos divulgando ciência, todos os dias.

    A todes que seguem juntes a nós, nessa toada, nosso muito obrigada.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • 600 dias e um desabafo: as pessoas são sempre maiores que as estatísticas

    Texto escrito por Rafael Lopes Paixão da Silva e Ana Arnt

    5 de novembro completamos 600 dias de pandemia de COVID-19. Nestes dias, foram 250 milhões de infecções no mundo (um Brasil inteiro de pessoas), 5 milhões de óbitos. No Brasil, 21 milhões de casos confirmados e 609 mil óbitos registrados.

    Uma pandemia joga por terra qualquer noção de estatística e parâmetros sobre o quê, verdadeiramente, estes conhecimentos significam. Isso é uma constatação minha, acredite. Eu (Rafael) trabalho há 3 anos com dados de saúde pública no Brasil, em meu projeto de doutorado. Ao longo deste tempo, fui percebendo estas relações ao longo da pesquisa. Além disso, sem muito esforço dos dados, isso transparece comparativamente, também.

    Vamos ver um exemplo?

    Um dos piores anos de epidemia de dengue, em todo o Brasil, tínhamos menos de 800 mortes, por essa doença, em um ano, no país.

    Em pouco mais de um ano e meio de pandemia de Covid-19 no Brasil, esse número foi ultrapassado em 329 dias. Ou seja, nos 600 dias de pandemia (529 dias para ser exato), em 329 dias  tivemos mais mortes que em anos inteiros de dengue, só para começar a colocar em perspectiva o que é a pandemia de Covid-19. Aqui somente nos referenciamos aos casos de Covid-19 confirmados. Há ainda o fato que como nossa testagem sempre foi pífia. Isto é, muito do que hoje chamamos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), é Covid-19 não diagnosticado. Se colocarmos nessa conta a SRAG, esse número de dias desde o anúncio da transmissão comunitária da Covid-19 no Brasil, dia 12 de março de 2020, subimos ao patamar de 396 dias com mais de 800 mortes. Isto significa 13 meses inteiros morrendo mais do que 800 pessoas por dia de uma só causa.

    Vale ressaltar que não importa se estamos falando, num primeiro momento, quando não havia vacinas. Sempre foram mortes evitáveis, se medidas de prevenção fossem amplamente adotadas. Em um segundo momento, essas mortes, que já eram evitáveis, se tornaram duplamente evitáveis. Primeiro, pelos motivos acima: medidas de prevenção de contágio fossem adotadas rigorosamente e amplamente. Depois porque, após as vacinações iniciadas no mundo, nós vacinamos lentamente e sem um planejamento rigoroso. Por fim, o caos no sistema hospitalar veio depois de iniciada a vacinação por total negligência de instâncias federais, estaduais e municipais de governo.

    Mas isso é só a frieza dos números e das estatísticas, as pessoas são sempre maiores que qualquer número e qualquer estatística. Somos seres sociais e também racionais.

    Então sabemos que necessitamos de interação, contato, e sabemos que precisamos disso de modo racional, temos a óbvia consciência dessa necessidade. Quando um igual nosso morre, isso nos fere duplamente, pelo menos.

    Primeiro, porque sabemos conscientemente que nossa interação social com esse igual se finda ali. Assim, sabemos que temos uma interação a menos para usufruir, um a menos na comunidade. Racionalmente, sabemos também que qualquer pessoa é única em si. Dessa forma, sabemos que quando a morte dessa pessoa ocorre, se fecham diversas possibilidades de vida, experiências e interações sociais. O luto é um processo importante, porque através dele podemos compreender e superar, ainda que de forma simbólica, esse encerramento de interações sociais.

    A pandemia é algo tão fora do imaginário cotidiano anterior à 2020 que, precisamos reformular a escrita do primeiro parágrafo. Durante 600 dias de pandemia no Brasil, em média, mais de 800 famílias passaram por esse processo de sofrimento e luto por dia. Isto a partir da constatação racional e social. Ou seja, de que naquele dia se findava uma interação humana relevante em suas rotinas, uma possibilidade de contato social, uma relação social, um membro da comunidade.

    Tanto individualmente, como socialmente isso é um fardo e uma tragédia sem igual.

    Especialmente em face de que isso continua a ocorrer todos os dias, até a atualidade, sem uma perspectiva exata de quando cessará.

    Em tempos de quase 400 mortes diárias, ainda estamos discutindo retirada de máscaras em ambientes abertos. Estes eventos, mais do que baseados em ciência, é uma evidente normalização  das infecções pela doença, como se nada fossem. Como se fosse gripe, mas que a cada dois dias, neste momento, mata mais do que dengue ao longo de anos anteriores. A COVID-19 ainda mata em um patamar muito alto. Ainda são mortes evitáveis,  como narrado no primeiro parágrafo.

    Não tenho mais nenhum amigo, colega ou familiar, que não tenha um caso de morte por COVID-19 para contar sobre os 600 dias de pandemia. Tanto tempo de provação e tanta exigência de luto tem um preço que sequer somos capazes de mensurar agora. Vamos precisar de anos para começar a entender a pandemia a partir da perspectiva das perdas que nos atravessam hoje. E talvez levemos décadas para formalmente contabilizar seu impacto, se pudermos fazer isso algum dia.

    Foram 600 dias de pandemia, e ainda não acabou por aqui…

    Uma das visões que se tem consolidado durante esse ano de 2021 é a de que a pandemia do COVID-19, não se findará neste ano. Junto disso, vem também a afirmação de que teremos que aprender a conviver com o vírus. Pois eu concordo somente com a primeira afirmação.

    Ao longo destes dias, a segunda afirmação tem nos causado muita indignação. Por quê? Basicamente porque ela se faz para uma doença que temos meios de prevenção altamente eficazes. Ou seja, o conjunto de medidas não farmacológicas e farmacológicas, como máscaras e vacinas. Ainda que as pessoas teimem em não seguir essas medidas, é trabalho nosso como sociedade fazer com que essas medidas sejam aplicadas. Aliás, sequer sabemos qual o preço que estamos pagando ao aceitar a “convivência” com o vírus. A COVID-longa é pouco documentada e estudada até o momento.

    Aceitar a COVID-19 como um custo desse novo mundo é, para mim, inaceitável. Tanto quanto a vacinação estagnar em parte do mundo por movimentos antivacina e existir estoques guardados. Isto tudo enquanto nações inteiras sucumbem por falta de acesso ao que a ciência alcançou em meses de intensa pesquisa, é inconcebível.

    A conformidade do status quo mundial é uma afronta, perante as mortes que sucedem diariamente.

    Quando repetimos que a pandemia é o resultado direto das ações humanas. Ou ainda, quando afirmamos que a vacina só funciona se for universal, estamos realizando uma constatação estritamente factual. Não haverá lugar para nós e o vírus nesse novo mundo. Ou escolhemos uma morte lenta e sofrida, e impomos isso à sociedade, como temos feito até agora. Ou escolhemos construir um mundo em que não seja mais tolerável mortes por uma doença evitável e que tenhamos vacinas universalmente disponíveis.

    Ao escolher uma morte lenta e impormos isso socialmente, emergirá uma sociedade com sequelas dessa pandemia. Sequelas essas que começamos a entender somente agora. Por exemplo, há estimativas de que até 80% da totalidade de casos, sintomáticos ou não, acabam com algum tipo de sequela de longo prazo.  Ou seja, escolhendo um mundo que luta junto para combater mortes evitáveis, optamos por um mundo em que a saúde é vista de modo holístico. Isto é, integrado a outros saberes. Por exemplo, com urbanismo, climatologia, ecologia, agricultura, e também de modo transdisciplinar, em que essas todas ciências possam transpor conhecimento entre si.

    Não gostaria que vissem esse último parágrafo como um sonho utópico, contraposto a um aviso. Pelo contrário, o escrevemos mais como uma realidade desejável (possível?). Fazendo isto, nos contrapomos a uma realidade cada vez mais próxima e que congrega adeptos sem respeito a si mesmos e aos outros.

    Desumanizações…

    Quando pedem que aceitemos as sequelas da doença, as normalizam. Com isto, estão pedindo a todos nós um custo que somente a falta de caráter é capaz de arcar. Querem nos desumanizar, retirando-nos a empatia com a dor e o sofrimento do outro. Nos negamos, pois é exatamente neste ponto que nos tornamos humanos.

    Justificar-se, na atual incapacidade de coordenação da nossa sociedade e nas estatísticas do cálculo frio do custo, tanto em vidas, como em moedas dos dois cenários, é o fim de nós como humanidade. No fundo,  nós sabemos que um mundo em que não tenhamos que conviver com o Covid-19 só é mais custoso se ignorarmos que pessoas são incomensuravelmente mais valiosas que qualquer estatística. 

    Somos humanos porque somos capazes de calcular, mensurar, pensar, amar. Somos humanos, também, por olharmos os números e sabermos que não basta. É preciso nos colocarmos no lugar uns dos outros e vislumbramos, sentirmos o que sofrem nossos iguais. Pessoas não são números em estatísticas, são vidas, em suspiros de dor, alegria, leveza, presença, ausência.

    Os autores

    Rafael Lopes Paixão da Silva é doutorando em física. Ele estuda dados de saúde pública e sua dinâmica e relações com o clima é Físico. Além disso, é pesquisador do Observatório Covid-19 Brasil e foi convidado pelo editorial para escrever no Especial COVID-19.

    Ana Arnt é professora do Instituto de Biologia, Unicamp, coordena o Blogs Unicamp e o Especial COVID-19.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E quando?

    21 de março de 2020

    Lançávamos o Especial COVID-19. Lá estavam alguns textos que buscavam compreender o que era o vírus e defendendo a noção de ficar em casa como grande salvadora de nossas vidas.

    Tínhamos uma nesga de esperança que seriam poucos dias ou meses trancafiados. Um ano depois e seguimos batendo recordes.

    Não sei vocês, mas nós seguidamente pensamos… “e se”. E nossos pensamentos se esvaem novamente, como tentativa de fugir disto.

    “E se” é um tempo da crueldade. Pois nos insere em possibilidades alternativas irreais que entristecem e nos assolam. Todavia, não parece que qualquer realidade alternativa distópica seja plausível de ser inserida em um contexto pior do que o que estamos vivendo neste exato momento.

    Nos últimos dias, buscamos pensar no “e quando?”.

    E quando escutarem a ciência?

    Assim, interrogamos, o que mudará quando dentro das lógicas das políticas públicas, ao invés de buscarem milagres, tivermos análises de dados que apontam para possibilidades? Possibilidades que, sim, têm margem de erro – mas têm acurácia, verificação, revisão para alinhar mais e mais ações que salvam vidas.

    Não o quê. Quando isto ocorrerá? E quantas vidas salvaremos diariamente a partir do momento em que pararmos? Além disso, até quando, na política pública brasileira – em todas as esferas – negaremos assistência imediata a pessoas que precisam? Bem como, quando investiremos em práticas que desde o início desta crise sanitária têm sido funcionais?

    Quais? Isolamento social, uso correto de EPIs, campanhas em massa para atingir a todos e políticas públicas. E quando faremos isso para garantir a efetividade das ações e contenção da doença?

    Quantas vidas, quantas famílias, podem ser salvas com distribuição no Sistema Único de Saúde, de máscaras PFF2? Falo desta máscara pois ela tem como garantir certificação do InMetro. Assim, teríamos efetividade de segurança, ao invés do que ocorre com a distribuição de máscaras de pano, sem qualquer cuidado técnico de produção, para trabalhadores. Quando levaremos a sério e faremos disto lei e política pública?

    E quando a política adotará medidas que garantam a saúde do trabalhador, ao invés de jogá-lo nas ruas “para colocar comida em casa”?

    E quando as políticas públicas olhará dados epidemiológicos de mobilidade urbana, mobilidade de internações, tendências para estipular metas precisas, para além de “pedir” que pessoas fiquem em casa se possível?

    E quando as políticas públicas pararão de culpabilizar variantes pelas mortes, enquanto restringem horários de circulação na madrugada, mas os ônibus e metrôs seguem cheios?

    E quando perceberão que podemos abrir quantas vagas de UTIs quisermos, isso não acontecerá na velocidade em que a COVID-19 se espalha e não teremos leitos suficientes?

    E quando tomarão a decisão de colocar na ponta do lápis, ou na célula da planilha que pacientes em UTIs custam mais caro – e custam vidas – enquanto investir em auxílio emergencial, máscaras, vacinas e isolamento é mais barato e NÃO LEVA PESSOAS À ÓBITO?

    E quando vão parar de culpabilizar cada um de nós por termos que nos expor a um vírus que socialmente está nos esfacelando, enquanto permanecemos sem ministro da saúde?

    Por fim

    Em respeito a todos os que se despediram de nós neste 1 ano, nós gostaríamos de saber não mais “e se tivéssemos feito”, estamos agora lutando e COBRANDO pelo “e quando começarão a fazer?”

    E quando?

    21 de Março de 2021.

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    A arte de capa é de @clorofreela

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Não é um número

    trezentos e sessenta e quatro. 

    duas mil trezentas e quarenta e nove.

    duzentos e setenta mil seiscentos e cinquenta e seis.

    nove milhões oitocentos e noventa e seis mil setecentas e vinte e sete.

    dois milhões, trezentos e quatorze mil e cinquenta e nove.

    #nãoéumnumero [hashtag do Memorial Inumeráveis]

    Estes são os dados relacionados à COVID-19 de ontem. 10 de março. Um dia antes do anúncio oficial da OMS de que vivíamos uma pandemia. Neste dia, vivenciamos 2349 óbitos oficiais de Covid-19 no Brasil – o pior número desde o início da crise sanitária. 270.656 óbitos “acumulados”. Aplicamos apenas 9.896.727 doses de vacinas, CoronaVac ou Astrazeneca.

    Vidas protegidas, vidas salvas, vidas perdidas. 270.656 pessoas.

    Vocês ainda se chocam? Se solidarizam? Se importam?

    270.656 brasileiros, em 213 milhões. Cerca de 0,13% da população. Parece tão pouco quando mudamos o jeito de apresentar os dados, não?

    Quem tomou as duas doses das vacinas respira mais aliviado junto a 2.314.059 pessoas. Elas representam 1,01% das pessoas protegidas contra Covid-19, ou seja, apresentam uma chance muito ínfima de se contaminar e, se contaminadas, chances próximas de zero de apresentarem quadros severos de Covid-19.

    Sim, Ciência salva vidas. Mas a ciência que salva vidas é a mesma  que precisa receber investimentos que serão usados tanto na formação de pessoas em graduação, pós-graduação e pesquisadores, quanto em laboratórios, insumos, recursos para a realização de pesquisa e formulação de produtos em tempos de crise (como o que vivemos agora).

    A ciência não se fecha em si mesma.

    Salva-se vida disponibilizando-se estes conhecimentos, produtos e informação, à população. E nesse processo, políticas públicas voltadas à ciência  e sua gestão efetiva são primordiais. Isso significa que, especialmente em tempos de crise, a negociação deve ser rápida, eficiente e de forma a priorizar  vidas.

    Não há pausa para respirar – temos brasileiros sem oxigênio em hospitais. Não deveria existir  pausa para debater o país de origem da vacina. Importa a validação científica, segurança dos dados, a compra de insumos, a estruturação de transferências de tecnologias e fabricação das vacinas. Não há tempo para ofertar tratamentos ineficazes e/ou perigosos, ludibriando pessoas vulneráveis a um discurso de medo.

    A cada 37 segundos uma pessoa morre.

    A cada pausa para conjecturar se deve-se ou não comprar e fabricar vacinas, pessoas morrem. A cada pausa para conjecturar se deve-se fechar ou não as ruas com severidade, pessoas morrem. A cada pausa entre slides de coletivas, anunciando novas cores no painel dos estados, pessoas morrem.  A cada hesitação ao que a Ciência já avaliou, testou e validou, pessoas morrem. 

    Ao final deste dia, no nosso país, após um ano do anúncio oficial decretando uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde, provavelmente perderemos  mais do que 2 mil pessoas, amigos, parentes, pessoas que são queridas por outras,e brasileiros. 

    Ainda que vacinando, seguimos morrendo – não por que as vacinas não funcionam. Mas por vacinarmos lentamente demais.

    Por agirmos demasiadamente caóticos…

    A ciência em parceria com a divulgação científica tem o potencial de salvar vidas e vêm lutando para que todos compreendam vários aspectos relacionados à pandemia. Como isto acontece em sua relevância mais mundana. Mas só conhecer não basta. São necessárias ações amplas que incluem o Estado com políticas públicas eficazes e a nós mesmos. Saber é ferramenta para usarmos na sociedade, em nossa vida cotidiana. É base para pensarmos e agirmos frente às problemáticas do mundo. 

    A ciência nos dá respostas, a divulgação científica tornar o conhecimento acessível a todos. Juntas, tem o potencial de salvar vidas. No entanto,  só a prática rotineira e aplicada, de políticas coerentes, assertivas e cientificamente embasadas, em todos os setores da sociedade, especialmente na gestão de políticas públicas, torna o conhecimento em vidas não perdidas, todos os dias.

    E nós, do Blogs de Ciência da Unicamp, estudamos todos os dias, analisamos dados, todos os dias, contamos vidas e mortes todos os dias, sentimos cada uma delas todos os dias, e em luto e em luta, seguimos e seguiremos -tal como o prometido desde o início de tudo isto- com e por todos que seguem aqui e todos os que partiram deixando familiares, amigos, colegas, companheiros: juntos.

    as artes deste editorial são de Carolina Frandsen, Clorofreela

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Carta aberta ao Conselho Federal de Medicina

    No início do texto do Código de Ética Médica. Resolução CFM n 1.931/09 aparece o símbolo do Código, Janus, e a justificativa “orientação de unir em só traço o passado, o presente e o futuro”. Cabe lembrar que a construção desse “traço” passa, inevitavelmente, pela ciência, o que já é enfatizado no Capítulo I: “usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”. Nesse sentido, nos espanta a manifestação do atual presidente do Conselho Federal de Medicina publicada no jornal Folha de São Paulo, no dia 24 de Janeiro de 2021 destacada abaixo: 

    “Lamentavelmente, no Brasil, há uma politização criminosa em relação à pandemia entre apoiadores e críticos do presidente da República. Assuntos irrelevantes relacionados à Covid-19 dominam o noticiário, com discussões estéreis entre pessoas sem formação acadêmico-científica na área de saúde, dando opiniões como especialistas, porém com cunho político e ideológico.

    Além disso, profissionais não médicos, que se autodenominam cientistas, com imenso acesso à mídia, falam sobre tudo, inclusive temas médicos sobre os quais não têm competência para opinar —e sempre evocando a ciência, como se fossem os únicos detentores do saber, disseminando informações falsas que desinformam e desestabilizam a já insegura sociedade brasileira.” (Ribeiro, 2021, Folha de São Paulo)

    Existem inúmeras questões problemáticas no texto de Mauro Luiz de Britto Ribeiro na Folha de São Paulo. Dentre elas a própria negação do papel de um conselho profissional – que inclui disciplinamento, fiscalização e normatização da profissão.

    Entretanto, seria fundamental ressaltar os parágrafos em que Ribeiro aponta para as áreas que tem falado sobre discussões mencionadas como estéreis por pessoas sem formação acadêmico-científicas na área da saúde e de pessoas que se autodenominam cientistas.

    Ao contrário do que possa ser pensado, a “saúde” é um campo amplo que não se restringe aos profissionais das áreas biomédicas. O texto de Mauro Ribeiro deixa explícito seu desconforto por existirem diferentes profissionais debatendo acerca da Covid-19 e seus efeitos na população e nos indivíduos. Ressaltamos, todavia, que o conceito de saúde, em si, é um campo de disputas por significados que, na pandemia, tornou-se evidente alguns dos motivos – que destacaremos neste texto.Vamos apontar algumas destas disputas e, também, seus efeitos.

    “Saúde”, segundo a Organização Mundial de Saúde, significa “bem estar físico e mental”. Ao tratar da saúde como algo que deve ser debatido entre paciente e médico – em um espaço limitado de consultório e/ou hospitalar – limitamos todas as condições do que é bem estar físico e mental e como estes processos se dão para os indivíduos.

    Mais do que ausência de doenças, a saúde é, no nível individual, um processo de compreensão de si mesmo, do funcionamento e percepção do seu corpo. Para tanto, poderíamos citar como profissionais envolvidos só neste quesito (sem nos alongarmos muito, fazendo um rápido levantamento): educadores, educadores físicos, professores de ciências e biologia, nutricionistas, enfermeiras, psicólogos, dentistas e médicos.

    Se também incluirmos como saúde o conceito de saúde pública – advindo desde a formação dos Estados Nacionais e consolidação da estatística como ferramenta de governo, em meados dos séculos XVIII até os dias atuais, teremos como profissionais atuando, além dos citados anteriormente: estatísticos, matemáticos, biólogos, biomédicos, epidemiólogos, assistentes sociais, antropólogos, sociólogos, demógrafos, geógrafos e físicos.

    Citamos, apenas, profissões que necessitam de formação acadêmica técnica e científica, facilmente relacionadas ao levantamento de dados populacionais que nos permitem aferir, compreender e gerenciar a saúde no país, para aplicar medidas de contenção de doenças e promoção à saúde populacional. Ressaltamos, neste sentido, que ainda há um verdadeiro conjunto de profissões, nomeados como técnicos e/ou auxiliares que atuam cotidianamente (e muitas vezes de forma invisível e pouco consideradas como importantes), que atuam sistematicamente no combate às doenças de modo direto com a população. 

    Para que todos os profissionais – formados tecnicamente – atuem com base em conhecimento acadêmico e técnico, existe um conjunto de outros profissionais – juristas, físicos, cientistas da computação, químicos, farmacêuticos, engenheiros, assim como muitas outras profissões.

    Para gerar conhecimento científico sobre saúde e doenças, não basta, entretanto, apenas a formação em nível de graduação. Existe uma exigência de continuidade na formação em áreas especializadas – que incluem pesquisas de mestrado e doutorado, em grupos de pesquisa em cada área de todas profissões citadas anteriormente.

    Tudo isso para que o médico consiga atender um paciente e realizar um diagnóstico? Sim. A relação médico-paciente, ou sistema de saúde-pacientes estão amparados e são antecedidos, no mundo inteiro, por normativas legais e preceitos científicos postulados por órgãos que sistematizam essas produções.

    Destacamos entre estes órgãos, o Ministério da Saúde e, em primeira instância no caso vivenciado neste momento, a Organização Mundial de Saúde e o Conselho Federal de Medicina. Este último dispõe sobre a relação importante entre ciência e a tomada de decisão do profissional  em seu próprio Código de Ética:

    “XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”. 

    Na construção dos conhecimentos cientificamente reconhecidos, os cientistas são essenciais e também vem atuando, há muito tempo, junto à sociedade  no que costumamos chamar de Divulgação Científica. Junto com Jornalistas Científicos, os divulgadores científicos têm buscado apurar o que vem sendo publicado dentro dos periódicos acadêmicos e técnicos, para produzir materiais passíveis de serem compreendidos pela população não especialista.

    Diariamente, e mais rotineiramente desde o início da pandemia, vemos um esforço em produzir um material de qualidade, criterioso e cientificamente embasado acerca da compreensão de como a doença se desenvolve, como a ciência produz conhecimento sobre o vírus e as patologias associadas, assim como  de que modo isso impacta em nossa saúde.

    Falar sobre como determinantes sociais – que incluem acesso à informação – são essenciais para a promoção à saúde da população, assim como discutir o quanto tratamentos não funcionais não podem ser geridos por uma suposta “autonomia médica” sem respaldo científico não é um debate estéril, nem frugal. Especialmente quando se entende o desafio da comunicação sobre saúde em uma sociedade em que o ensino fundamental e médio sofre um esvaziamento de debates científicos aprofundados, essenciais para a promoção da cidadania, promovendo a autonomia das pessoas frente aos temas relacionados à própria saúde. 

    A requisição por um posicionamento do Conselho Federal de Medicina não é feito de modo descabido, tendo em vista que a medicina – como todas as profissões mencionadas neste documento – deveria ter respaldo em sua área de atuação que possui base em uma formação técnico-científica.

    Aqueles “autodenominados cientistas” passam longos períodos debruçados sobre problemas inseridos em nossa sociedade e presentes em suas pesquisas em uma atividade diária que dentro de laboratórios de pesquisa, e/ou trabalhando em campo, realizando pesquisas teóricas e com coletas de dados extensas. Todo esse processo não é individual, mas  passa por conhecer pontos de vista diversos, discutir com os pares, para compreender o processo de adoecimento em sua multiplicidade e, quando necessário, reformular teorias durante a pesquisa.

    Não podemos esperar que profissionais da medicina, da enfermagem e do atendimento direto aos pacientes acompanhem a literatura científica tão frutífera e numerosa nos últimos meses. Também não podemos esperar que estes profissionais tenham tempo para fazer discernimentos sobre os melhores desenhos experimentais, significância de dados estatísticos e cálculos de como a doença se espalha pela sociedade brasileira. Este trabalho é feito por cientistas. Não é justo exigir isto de quem nos trata num momento tão delicado como é esta pandemia. O papel de comunicar à sociedade médica sobre as melhores práticas é do CFM. Assim como é do CFM o papel de se defender a boa prática médica e garantir a defesa da saúde da sociedade.

    Exigir que as categorias profissionais respeitem e escutem a ciência e os cientistas ampliando visões sobre um determinado assunto, é sim assumir o caráter político dessas instituições – uma vez que elas existem para regulamentar a ética e a conduta destes profissionais. Isto é ter uma posição política – a de defesa da vida, da saúde e da população.

    Tal como deveria ser.

    Assinam este texto as equipes técnicas, científicas e administrativas dos grupo:

    Blogs de Ciência da Unicamp

    Observatório Covid-19

    Rede Análise Covid-19

    Vidya Academics

  • Vacinas: uma ação de Saúde Pública

    Vacinas são ferramentas importantes no combate à doenças e devem ser pensadas para o bem público. Elas já enfrentam o desafio da desinformação, às fake news, e capitalizar esse momento de vacinação contra a COVID-19 é colocar mais um obstáculo para sua implementação. 

    Temos acompanhado passo a passo o desenvolvimento das vacinas, seus testes, avaliações e aprovações, aprovadas. Todos temos visto, exultantes, as últimas notícias sobre as vacinas no país.

    Há, óbvio, expectativa e urgência em tudo isso. Pois, as vacinas são um dos instrumentos de saúde mais fantásticos já elaborados pela ciência. E, também, um grande passo da ciência que vem se aprimorando cada vez mais ao longo do século XX e agora no século XXI.

    Dessa forma, já houve, sim, muito questionamento acerca de sua segurança. O movimento anti-vacinas que vemos hoje não é o mesmo de décadas anteriores. Mas retoma receios da população, misturados com mentiras e falácias acerca de um (mentiroso) risco às pessoas.

    Neste post, nós vamos propor pensarmos sobre a Vacina Como Produto e a necessidade de olharmos para as Vacinas como uma conquista de cientistas e da humanidade – e não de indivíduos isolados. Vamos entender melhor sobre isso?

    As Vacinas são uma conquista de saúde pública: e é só isso?

    As vacinas são, sim, uma estratégia fundamental para combater doenças sem tratamento. É a partir das vacinas que conseguimos erradicar poliomielite, coqueluche, sarampo no Brasil. E será pelas vacinas que conseguiremos diminuir, e muito, as mortes e as contaminações por Sars-CoV-2 em nosso país e em todo mundo.

    Conquistarmos vacinas seguras e eficazes em tão pouco tempo foi um feito enorme de nossa sociedade. Não é um risco, as vacinas não foram feitas “rápido demais”. Isto foi um investimento estrondoso, nunca visto antes no mundo. Parece clichê, mas realmente foi um grande esforço científico para um bem comum e é espantoso tudo o que conquistamos, como espécie, em 10 meses de pandemia. Mas atrás desse processo, há décadas dedicadas ao estudo de vacinas. 

    Temos neste momento no Brasil, a autorização para uso emergencial de duas vacinas.

    A primeira a vacinar pessoas, logo após a aprovação da Anvisa ontem, foi a CoronaVac, da empresa Sinovac, que em parceria com o Instituto Butantã será produzida e distribuída em São Paulo para todo o Brasil. Teremos em breve, ao que tudo indica, a vacina Astrazeneca, de Oxford, em parceria com a Fiocruz, também será produzida e distribuída para todo o Brasil (a partir de fases de aplicação da vacina, estabelecidos pelo PNI).

    Ambas vacinas são seguras, eficazes e serão fundamentais para diminuirmos a incidência da doença, diminuirmos internações em UTIs, ou mesmo ambulatoriais. Repetimos, neste sentido, tudo isto é fantástico e estamos ansiosos por nossa vez para nos vacinarmos também!

    O que trazemos como questão aqui – e temos abordado ao longo dos últimos meses sobre vacinas e outros temas – é a necessidade de isto ser tratado como pauta da saúde pública. Isto é: as vacinas estão acima dos interesses político-partidários, ou de políticos específicos. E devem assim ser compreendidas! Não existe torcida para uma ou outra funcionar melhor.

    A ciência não funciona a partir de torcidas, mas a partir de observação dos fenômenos, elaboração de perguntas, elaboração de hipóteses, organização e estrutura de metodologias de coleta e tratamento de dados, análise de dados coletados, apresentação e discussão de resultados.

    A avaliação de todos estes processos acontece por pares (colegas da mesma área). A torcida não faz parte de nenhuma etapa disto que conhecemos por método científico. Isto não quer dizer que não tenhamos expectativa pela vacina e não queiramos resultados positivos de segurança e eficácia. Isto quer dizer, apenas, que nossa expectativa e esperança não coleta dados, não pode interferir no processo e, definitivamente, não adulterar resultados.

    Isto vale para cientistas, isto vale para políticos. Além disso, é fundamental a transparência no processo de desenvolvimento científico (a pesquisa sobre a vacina desde o início). Todavia, também devemos cobrar por transparência e objetividade na comunicação acerca deste desenvolvimento. Especialmente pelo momento delicado em que vivemos.

    Assim, usar a vacina como moeda de troca entre setores do governo, fazendo de cada etapa um grande espetáculo que retira das pessoas diretamente envolvidas – cientistas, profissionais de saúde e instituições públicas – o protagonismo pode ser um problema. Ademais, há também um possível descrédito gerado exatamente pela quantidade de informações, demasiadamente técnicas e – para quem não conhece todo o procedimento – contraditória.

    As vacinas obedecem protocolos científicos elaborados em conjunto por vários cientistas: não é um produto de apenas uma mente ou de uma pessoa. Elas funcionam como uma ferramenta de saúde pública por serem efetivas não quando uma ou outra pessoa se vacina, mas quando a maioria de uma população se vacina. Isto é o que chamamos de cobertura vacinal.

    A Desinformação e  as Vacinas

    As vacinas e as campanhas de vacinação não se fundamentam, apenas, no conhecimento técnico científico. Tampouco conseguimos convencer pessoas que estão amedrontadas sobre a segurança de seus filhos, pais idosos ou parentes em grupos de risco apenas afirmando que “é científico, nada de mal vai acontecer”.

    Estes movimentos de desinformação e fake news que implantam o medo são complexos e não se desenrolam apenas apresentando a informação verdadeira, cientificamente embasada.

    É fundamental fazermos isto que chamamos de “trabalho de formiguinha”. Isto é, conversar e propor diálogo, responder perguntas, apontar caminhos, artigos, argumentos e não perder a paciência. Há que se ter em mente que muitos conhecimentos técnicos são desconhecidos por grande parte da população. Não por que possuem uma linguagem difícil ou impossível de compreender-se, mas por ainda não fazerem parte cultura geral da nossa sociedade Eles acabam sendo pouco acessíveis na linguagem. Ou, ainda, pouco divulgado a um público diferente do público habituado ao discurso científico e acadêmico.

    Ainda sobre Desinformação

    A desinformação, em tempos de internet, segue lógicas de grande financiamento, criação de perfis falsos (os chamados bots) que servem para espalhar rapidamente um termo, tag ou tipos de publicações específicas, criando artificialmente “trending toppics”. Também conhecidos como Assuntos do Momento no Twitter.

    Este modelo de espalhar desinformação, de forma organizada e financiada, vem sendo combatida a partir da denúncia em massa de determinados perfis e da tentativa de rastrear de onde vem a informação primária – para eventualmente derrubar estes perfis e/ou publicações.

    Explicando assim, parece até simples de executar a tarefa.

    No entanto, há dificuldades em apagar publicações falaciosas, mentirosas ou com informações duvidosas e sem embasamento. Além disso, muitas vezes, derrubar estes perfis é um processo demorado, o que pode causar bastante estrago enquanto o tempo passa.

    O procedimento de inserir um comunicado de que a informação é contrária às indicações médicas e da OMS é um importante passo no combate à desinformação e algumas redes sociais têm começado a aderir a isto de forma mais comprometida.

    Há outros movimentos que buscam rastrear empresas que financiam propagandas em sites – e eventualmente sites que propagam desinformação. Assim, com estas denúncias, há empresas que têm retirado o financiamento em sites que espalham essas notícias falsas. O grupo mais famoso no Brasil é o Sleeping Giant, muito atuante no Twitter.

    O que queremos dizer com isto afinal?

    Que é urgente priorizar o que, neste momento, realmente importa: a população. As rusgas via mídias sociais e coletivas de imprensa acusando um ou outro setor, desmentindo, alardeando e promovendo discussões, mais do que informar e propor políticas rápidas e eficientes, que salvarão vidas, têm gerado palco de protagonismo que atrasam a política, geram insegurança na população e, de fato, pouco informam.

    Isto, de modo algum é despolitizar as vacinas. Fazer política pública é atuar pelo público. É preciso que as decisões sejam tomadas para o bem da população e não para promoção de pessoas e nomes que queiram, como costumamos dizer, capitalizar com este momento.

    Por fim

    Tendo em vista este trabalho de formiguinha, o Blogs de Ciência da Unicamp e outros GIGANTES que também são formiguinhas maravilhosas lançaram hoje o site Todos Pelas Vacinas. Uma ação que mostra que formiguinhas juntas, podem ter ações de impacto! Lá vocês encontram textos, vídeos, podcasts, artes, informações e uma parte de tudo o que temos batalhado, juntos, para um mundo cientificamente informado e empaticamente responsável!

    Blogs de Ciências da Unicamp, Observatório Covid-19, Rede Análise Covid-19, Equipe Halo (ONU), ABRASCO, Sociedade Brasileira de Imunologia, União Pró-Vacina, Instituto Questão de Ciência: Todos Pelas Vacinas

    Campanha Todos Pelas Vacinas (arte oficial da campanha)

    A ciência e a divulgação científica seguem batalhando para que as informações científicas e as produções da ciência (neste caso específico, as vacinas) sejam acessíveis à população, como direito humano básico. Compartilhe esta ideia! 😉

    Para saber mais

    Bisol J (2020) Politização da vacina é irresponsabilidade sanitária. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário 9(4): 192-197.

    Garcia, LP, Duarte, E (2020) Infodemia: excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações sobre a COVID-19, Epidemiologia e Serviços de Saúde Pública 29 (4), 

    Oliveira, T (2020) Como enfrentar a desinformação científica? Desafios sociais, políticos e jurídicos intensificados no contexto da pandemia, Liinc em Revista

    PROGRAMA RADIS DE COMUNICAÇÃO E SAÚDE (2020) Vacinas na corrida: da politização aos esforços da ciência, RADIS: Comunicação e Saúde, n218, p6-7, nov.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 300 dias de Especial Covid-19

    300 dias do Especial COVID-19 do Blogs de Ciência da Unicamp no ar, e é claro que nós montamos uma retrospectiva para apresentar a vocês e não deixaríamos de fora nenhum momento de cada dia vivido.

    300 dias do lançamento do site que elaboramos para apresentar o que achamos que seria um conteúdo temporário. Aprendemos que seria longo, depois que a doença era muito mais séria e difícil de lidar do que havíamos pensado previamente.

    300 dias e NUNCA, JAMAIS, em momento algum, imaginamos que teríamos que chorar em luto por falta de oxigênio, seringas, planejamentos logísticos de vacinas, em excesso de descaso, negligência, negacionismo científico.
    300 dias e milhões de reais de dinheiro público desperdiçados em tratamentos ineficazes para a COVID-19, enquanto testes diagnósticos apodrecem em galpões empoeirados, verbas para ciência são cortadas e falta ar.

    300 dias e nossa retrospectiva teria, sim, dados esmiuçados para apresentar. Mas nenhum é suficiente para expressar o luto, a dor pela falta de empatia e a plena convicção de que se estamos aqui falando dos

    300 dias é por estarmos cansados, mas vivos e seguros. O cansaço em segurança segue sendo privilégio reconhecido por toda a nossa equipe. E, tal como afirmamos no início do Especial COVID-19, seguiremos escrevendo, pois

    300 dias se passaram e não será no próximo despertar que terminaremos este capítulo de nosso especial. Pois falta ar. E enquanto faltar ar, por negligência ou descaso: nós seguiremos batalhando, mesmo em luto, para que estes

    300 dias, e todas as (e cada uma das) mortes sejam lembradas. E enquanto faltar ar, fazendo seres humanos morrerem ou sofrerem mortes e sofrimentos evitáveis em função de políticas negacionistas, mesmo em luto e sem ar: estaremos aqui.

    300 dias e a certeza que os divulgadores científicos do Blogs de Ciência da Unicamp e todos os coletivos de Divulgação Científica que tem atuado lado a lado, seguirão em luta pelo conhecimento como ferramenta e por políticas públicas baseadas em ciência.

    300 dias e nos falta ar

    Texto por: Ana Arnt

    Imagens: Carolina Frandsen (clorofreela)

  • Nosso pedido para 2020

    Este texto foi elaborado conjuntamente pelas Equipes
    Blogs de Ciência da Unicamp e Rede Análise Covid-19

    Nem nas festas de fim de ano o vírus da Covid-19 dá trégua!

    Todos sabemos que as festas de final de ano são importantes eventos familiares e sociais em nosso país. Talvez em um ano tão difícil como foi 2020, as pessoas estejam se perguntando se terão que abrir mão também destes momentos e se não podem fazer uma exceção só desta vez.

    Nós, aqui da Divulgação Científica, temos um compromisso assumido desde o início com vocês, que é de não mentir ou omitir informações e buscar sempre o melhor modo de apresentar o conhecimento científico, debater as informações de modo mais respaldado na literatura científica possível.

    Não será diferente neste momento. Então, vamos lá…

    Não é uma questão de ignorarmos nossa cultura e tradições. Todavia, também precisamos ressaltar alguns pontos que podem, sim, ser a diferença entre a vida e a morte:

    • O vírus não vai entrar em recesso só porque este é um costume praticado por parte da população;
    • Parentes e amigos infectados também contagiam pessoas. Inclusive exatamente pela proximidade de contatos que temos com as pessoas é que nos infectamos;
    • Festividades são momentos em que podemos nos descuidar mais e, por este motivo, precisam sim de atenção redobrada.
    • Uso de máscaras, distanciamento físico e higienização adequada de utensílios e de nossas mãos não deixam de fazer sentido nesse momento, muito pelo contrário. É necessário atentar-se para isso, especialmente se o momento da festividade for inegociável.

    Pensando nisso, o Blogs de Ciência da Unicamp e a Rede Análise Covid-19 têm se preocupado em como agir, para além de divulgar conhecimento. Gostaríamos de apresentar parte dos dados que indicam que os casos no Brasil estão aumentando, as internações voltaram a subir e precisamos não só de ações individuais, mas de um empenho público e coletivo. Ao final desta postagem, vocês vão encontrar uma série de links em que temos apresentado os dados mais atuais, dicas de cuidados com materiais para enviar aos amigos e familiares nas redes sociais e informações que temos produzido nestas últimas semanas!

    No entanto, queríamos fazer mais e temos sentido essa necessidade de compartilhar com vocês, que acompanham nosso trabalho, nossa intenção de nos engajarmos por cobranças mais efetivas de quem pode nos ajudar de modo prático pelo bem de todos. Neste sentido, montamos uma carta e a disponibilizamos aqui em anexo para quem quiser copiar e enviar aos seus representantes políticos, pedindo um empenho maior do poder público em políticas baseadas em evidências científicas e dados técnicos para proteger mais e melhor a população e cada um de nós.

    Algumas dicas para esta carta!

    Update:
    Fizemos uma assinatura no Avaaz e vamos enviá-la às assessorias de Governadores, Senadores e Deputados Federais. A carta consta neste link.

    Além de assinar, vocês podem contribuir compartilhando ao máximo com os contatos de vocês!

    Use e compartilhe esta ideia!

    Envie o link para teus amigos, familiares, compartilhe nas redes sociais, nos ajude a espalhar esta iniciativa!

    Blogs de Ciência da Unicamp
    Rede Análise Covid-19

    Para saber mais:

    Sobre as festividades de fim de ano – cuidados e desafios (live no Youtube)

    Sobre a ocupação dos leitos: início da pandemia e neste momento

    Uma análise das internações hospitalares em Porto Alegre

    E aqueles resultados das vacinas?

    Estamos vivendo uma segunda onda? (live no instagram)

    Materiais para Download e compartilhamento:

    Hábitos para combater a Covid-19

    Como nos infectamos e transmitimos os coronavírus?

    Como evitar que o corona entre na minha casa?

    Quando sair, use máscara

    Vamos falar sobre a noite de véspera do Natal?

  • 250 dias: E a pandemia, já acabou?

    Desde o anúncio da Organização Mundial da Saúde, em 11 de março, até  16 de novembro, se completam 250 dias da pandemia. 

    arte de @clorofreela

    Já podemos ir para a rua?

    Temos tido essa sensação pelo excesso de pessoas que temos visto flexibilizar o isolamento social. Pessoas que antes pareciam estar firmes no propósito de isolamento, agora afrouxam as regras e frequentam eventualmente bares, restaurantes e eventos sociais familiares. 

    Além disso, claro, sabemos que grande parte da população tem sido pressionada a abandonar a modalidade home office cada vez mais. Além da parcela de pessoas que nunca teve essa chance – ou por serem serviço essencial, ou por serem profissionais autônomos ou prestadores de serviços cuja parada implica em não recebimento completo…

    Tal característica, todos sabemos, acarreta não apenas em precarização da vida destas pessoas, mas um risco cotidiano para conseguir o mínimo de subsídios para manterem-se mensalmente. Especialmente a partir desta semana, quando o Auxílio Emergencial já contará com um novo valor, metade do que vinha sendo pago anteriormente.

    As escolas também têm aberto suas portas cada vez mais. Assim, isto acontece com pressões constantes para funcionários voltarem, nem sempre nas condições sanitárias que são indicadas, segundo a OMS.

    No entanto, o risco não só segue à espreita, quanto o número de internações e mortes segue nos rondando… 

    E nós sabemos que é difícil, tem sido difícil e continuará sendo difícil.

    Os tempos árduos de isolamento (para quem se mantém em isolamento desde março) e os tempos árduos de exposição (para quem está na rua desde que tudo começou) são, sim, tempos de asperezas. No entanto, Nagamine comenta que:

    “O alerta que os sucessivos marcos fúnebres – das mil, das dez mil, das cem mil mortes por Covid-19 no país – disparou não encontrou eco em nossa sensibilidade, e os descaminhos dos direitos humanos entre nós não permitem que nos surpreendamos”

    A autora aponta que precisamos de mais elementos não apenas para estancar a morte, uma vez que vivemos diariamente – e não é a pandemia que inaugura isso, apenas agrava. Mas comenta como precisamos lidar com ideais de falta de empatia e insensibilidade geradas a partir de uma gestão da morte cotidiana e do negligenciamento dos direitos humanos. 

    Ademais, Serge Katembera ao comentar este texto em uma análise no seu perfil do Twitter, aponta para a falta de relação entre a infecção e morte pelo Coronavírus e a estética.

    Como assim? 

    Se esse vírus fosse o Ebola, não sairíamos de casa – Serge comenta esta frase que escutou em um canal de televisão francês. Como assim? O SARs-CoV-2 não nos retira a forma, não nos causa hemorragias nem nos faz deteriorar o corpo com chagas abertas. Para grande parte da população é uma doença respiratória que afeta, sim, mas passa. 

    Queremos falar para além da questão estética, da não caracterização disforme do corpo no processo do adoecimento. Ou seja, temos um tempo intenso de desconexão por quem está dentro de casa há meses (o quê mesmo está ocorrendo do lado de fora das casas?). Temos um distanciamento dos corpos, a moralização do abraço, a desconfiguração da receptividade do sorriso.

    Além disso, temos empregos (ou atividades profissionais) que exigiram presença das pessoas, com uma intensa condenação de alguns costumes – julgando que é parte da vida trabalhar e aglomerar nos transportes coletivos, mas um absurdo irresponsável ver pessoas para sorrir e conversar.

    Há um debate acerca da moralização da noção de risco e a relação com a Covid-19. Isto é, a normalização da morte também faz parte deste processo – que culpabiliza alguns grupos, enquanto justifica outros por suas mortes e contaminações. Junto a estes processos, Segundo Moreno (2020) temos um relaxamento das medidas de proteção, diminuição de recursos para tratamento e manutenção da população e colapso dos sistemas de saúde.

    A moralização do cotidiano e seus colapsos

    Dessa forma, aparentemente, estes colapsos de sistemas de saúde e gestão da morte não afetam nem concepções de direitos humanos. Tampouco questões de estética que nos fazem temer um invisível vírus que nos afeta.

    A moralização cotidiana proveniente do SARS-CoV-2 tem também um caráter polarizante no debate pró ou contra vacinas, pró ou contra usos de máscaras e liberdades individuais, pró ou contra debates científicos, pró ou contra a economia.

    “A pandemia da COVID-19 reforça a urgência do amparo humanitário” nos diz Loiane Prado Verbicaro, em muitas dimensões de conhecimento e ação cotidianas.

    A Divulgação Científica no Brasil

    Parte do debate que a Divulgação Científica tem realizado no Brasil centra-se nas publicações científicas nacionais e internacionais sobre o SARS-CoV-2. Bem como, sua ação no organismo, ou resultados das vacinas em desenvolvimento. Tudo isto é fundamental para entendermos cada vez mais e melhor sobre a doença.

    Também temos visto, nas últimas semanas, publicações que apontam para o aumento de casos em vários lugares do mundo. Bem como, tentativas de contenção dos contágios e resistências – ou não – das populações quanto a isso.

    Talvez precisemos voltar às ênfases acerca das contaminações, auto-cuidado e, acima de tudo, compreensões acerca de como responder melhor a pergunta:

    E a pandemia já acabou?

    Hoje nós inauguramos a seção E a pandemia já acabou? Vamos trazer dicas mais precisas para situações específicas. Além disso, nós, do Blogs de Ciência da Unicamp, vamos reorganizar a apresentação dos dados. Ademais, criar séries que expliquem a ciência de base para entender o vírus, a doença e sua contínua expansão na população.

    Não, a pandemia não acabou. Em tempo, não, reuniões com a família não são tranquilas e isentas de riscos. Assim como, não, ir a bares e restaurantes – especialmente ambientes fechados – não são atos seguros neste momento.

    Chegamos aos 250 dias de pandemia. Temos 165 mil mortes no Brasil e mais do que 1 milhão e 300 mil mortes no mundo inteiro. Dessa forma, é preciso frisar, diariamente sim, que tempos de exceção precisam de ações empáticas, solidárias e científicas. Bem como, precisam compartilhar continuamente – e retomar debates “antigos” – sobre como o vírus está presente. Isto é, se espalhando e novamente ocupando leitos das UTIs – de hospitais públicos e privados.

    Em suma, 250 dias pandêmicos

    250 dias se passaram. Vamos encarar cada dia que acordamos. Como? Com um compromisso de seguirmos informando, conversando, debatendo. Assim como produzindo conteúdos para pensarmos esta etapa de nossas vidas com mais segurança, cientificamente embasados, socialmente engajados. 

    Fiquem bem, se puderem permaneçam em casa. Não, a pandemia não acabou!

    Para saber mais

    Katembera, Serge (2020) 1. Os ratos não temem o vírus (publicação no Twitter)

    MORENO, Arlinda B. et al. (2020) A pandemia de COVID-19 e a naturalização da morte. Observatório Covid-19 Fiocruz Observatório Covid-19.

    Nagamine, Renata (2020) Partilha do insensível; Quatro Cinco Um

    Nagamine, Renata (2020) “Repensando a partilha do insensível: reflexões sobre direitos humanos e sensibilidades no Brasil da pandemia”; Errante

    Organização Mundial de Saúde (2020) Coronavirus disease (COVID-19): Schools

    Verbicaro, LP (2020) Pandemia e o colapso do neoliberalismo, Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, v11, e3, p1-9

    Reportagens recentes no jornal

    Da Redação G1,(2020) Após menor média em outubro, Grande SP volta a ter mais registros de internações em novembro; erro em sistema impede dados de mortes G1, 13/11/2020

    Da Redação G1 ES (2020) ES chega a 4.009 mortes e 169.928 casos confirmados de Covid-19, G1 Espírito Santo, 15/11/2020

    Da O Globo (2020) Covid-19: SP tem aumento de internações em hospitais e alta de casos suspeitos; cientistas avaliam possibilidade de 2ª onda O Globo, 12/11/2020

    Bergamo, Monica (2020) Prefeitura de SP deve analisar nesta semana se há crescimento de internações por Covid-19; Folha de São Paulo, 13/11/2020

    Da Redação Gaúcha ZH (2020) Rio Grande do Sul registra 1.189 novos casos de coronavírus em 24 horas, Gaúcha ZH Corona Serviço, 15/11/2020.

    Do Uol (2020) Caixa paga parcelas de R$ 600 e R$ 300 para novo grupo; veja todas as datas, UOL Economia, 15/11/2020

    Portal A Crítica (2020) Amazonas registra 569 novos casos e mais 10 mortes por Covid-19, A Crítica, 14/11/2020

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Foram produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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