Categoria: Editorial

  • Por um olhar mais ético e menos apressado na comunicação sobre ciência e sociedade

    O processo de produção de conteúdo de divulgação científica deve passar por um processo de reflexão crítica. Isto envolve não apenas o conteúdo a ser publicado. Mas acima de tudo um compromisso ético, de empatia e responsabilidade com a sociedade.

    Uma das maiores dificuldades de se trabalhar com a Divulgação Científica é ponderar sobre o quê e como se vai falar/abordar algo. Quando estamos em tempos [digamos] regulares, produzimos conteúdo a partir de um planejamento, com organização de pautas, postagens semanais e/ou quinzenais, também temos um cronograma para estudar cada temática que vamos abordar. Isso nos traz uma certa segurança no que escrevemos, temos tempo de depurar tudo o que fazemos, incluindo revisar, repensar as palavras.

    Algumas vezes, óbvio, há acontecimentos sociais que se tornam urgentes e produzimos textos mais apressados. Normalmente solicitamos tais textos a blogueiros das áreas específicas, por exemplo.

    No entanto, desde março nossa periodicidade de publicação foi alterada. São dois ou três textos semanais, além da reorganização dos textos nas redes sociais. Resolvemos, há algumas semanas, reestruturar o trabalho da Covid-19. Isto aconteceu não só pelo excesso de trabalho em si. Mas por sentirmos que vínhamos fazendo sem este tempo de ponderação. Também sentimos a necessidade de organizar melhor o conteúdo que temos abordado, frente às necessidades de nossos leitores.

    Comunicação e Divulgação Científicas em tempos de pandemia

    Como assim? Trabalhar com comunicação científica em tempos de crise sanitária. Também há obscurantismo científico e negacionismo em altos cargos executivos do país. Além disso, vemos disputas político-partidárias em torno da vacina. Há demandas diárias de conhecimentos de alta complexidade. Tudo isso é um desafio para todos da divulgação científica. Há também a reafirmação de um compromisso assumido perante aqueles que, de alguma maneira, confiam no que temos feito e buscam aqui informações, diálogos, trocas acerca da pandemia e relações científicas e sociais que nos atingem diariamente.

    Ouvimos falar sobre a importância da divulgação científica para a construção de uma cultura científica (Vogt & Morales, 2018). Mas para isso é essencial que ela seja construída a partir de uma relação mais próxima com o humano, mais empática.

    E a vacina? A morte? O Butantã? A Anvisa?

    Desde segunda as reviravoltas com o tema da vacina estão mais assoberbados que o usual. Primeiro, os pronunciamentos da Pfizer, depois, vimos a suspensão da CoronaVac, que hoje foi retomada.

    Divulgadores científicos e cientistas que acompanhamos e com os quais trocamos informações – parceiros de trabalhos – têm produzido conteúdo incessantemente. Pessoas que se apresentam cansados, virando (literalmente) noites e noites para trabalhar e compreender a complexidade de toda a situação deste momento.

    Hoje o dia foi distante de redes sociais em nosso expediente. Víamos a movimentação e os debates de maneira fragmentada, em meio às aulas, palestras e reuniões. Buscávamos informações, tristes pelo embate político. Tentando compreender ataques de duas instituições de respeito disputando por legitimidade frente ao que era narrado como “evento grave” (na hora do almoço).

    Nesta hora, já nos parecia nefasto um presidente da república vibrar pela suspensão dos procedimentos de desenvolvimento da vacina. Isto acontecia como se fosse uma partida de um lance em um jogo de sorte ou revés. Acrescente a desconsideração sobre o momento tão importante e que requer atenção para cada etapa que vivenciamos.

    Que momento?

    Nós temos, hoje, no Brasil 161 mil mortes, 364 mil casos em acompanhamento e 5,5 milhões de pessoas já foram infectadas. No mundo, são 51 milhões de infectados e mais de 1 milhão e 200 mil mortos. Lamentamos a perda de cada uma dessas vidas.

    A pandemia, ao que tudo indica, está longe de acabar. A morte é vivência cotidiana. As contaminações são expectativas de muitos que trabalham diariamente, expondo-se por falta de políticas que direcionem nosso país e nossa população de modo mais seguro.

    Não há o que vibrar por uma pesquisa com vacina sendo suspensa.

    Ao fim do dia…

    Soubemos a causa da morte ao final da tarde. A morte por evento grave não é vinculada à vacina. Foi um suicídio. Todo e qualquer debate deve sempre cercar-se de extremo cuidado e muito (MUITO!) respeito. Tanto que se buscou omitir a causa pelas instituições envolvidas com a pesquisa, ressaltando-se somente o fato de não ser relacionada à vacina. Inclusive há formas e procedimentos para notícias que envolvem suicídio. A Organização Mundial da Saúde tem um documento e debate específico para isso.

    Neste momento, retomamos o início deste texto. Isto é: para abordarmos qualquer tema na Divulgação Científica, com ética, empatia e responsabilidade, é fundamental não nos apressarmos, nem buscarmos ineditismo para falas proferidas aqui. Todo o tema científico, por princípio, precisa de cuidado, revisão e rigor.

    O suicídio, prezados leitores, é tema para falas cuidadas e atentas. Poderíamos, sim, escrever sobre isso, no tempo que uma publicação precisa para ser desenvolvida, com os profissionais que se ocupam com esta discussão no âmbito científico – como sempre fizemos aqui. Ver pulular publicações que deveriam centrar-se na produção e desenvolvimento da vacina – falando tão vulgarmente deste tema nos deixou pensativos sobre se este deveria ser o foco, usando a dor como mote.

    Nosso compromisso

    Temos profundo respeito e compromisso com cada texto que produzimos e, desta vez, não será diferente. É preciso mais do que uma análise mais estruturada para conversar com todos. Precisamos, antes de tudo, apontar que debates inócuos e vazios, não fazem parte do que consideramos cientificamente válidos e eticamente pertinentes.

    A isto, estarrecidamente, observamos o acréscimo de posicionamentos governamentais necropolíticos. Também observamos disputas territoriais e ganhos individuais. Tudo isso sobrepondo-se aos debates científicos e causando desinformação, e em cima de conhecimento científico produzido em benefício da população, debates apressados para cliques exagerados. Somos (e precisamos ser) mais do que isso.

    Àqueles que, neste momento, perderam alguém em um ano tão difícil, nossos mais sinceros sentimentos.

    Para saber mais

    OLIVEIRA, L (2020) Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia; Blogs de Ciência da Unicamp – Especial Covid-19

    SCHÜTZER, DBF e CAMPOS, LKS (2020) “Quando fecho a porta da minha casa, me sinto mal acompanhado”: impactos da pandemia e do isolamento social na saúde mental; Blogs de Ciência da Unicamp – Especial Covid-19

    VOGT, C e MORALES, AP (2018) Cultura Científica; ComCiência,

    World Healt Organization; Suicide Prevention: Responsible reporting on suicide Quick reference guide https://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/dos_donts_one_pager.pdf

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 1.000.000, 272, 200

    Sugestão para escutar enquanto a leitura segue
    Um milhão um mil quatrocentos e setenta e sete

    Duzentos e setenta e dois

    Duzentos.

    O quê? Mortos, dias de anúncio da China, dias de anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Não sabe do que se trata ainda?

    Do assunto que se tornou o grande tema a ser debatido neste ano. Coronavírus, também conhecido como SARs-CoV-2, o causador da COVID-19. Portanto, o protagonista de várias de nossas conversas atuais.

    Hoje ultrapassamos a marca de 1 milhão de mortos no mundo, aos 200 dias de pandemia decretada pela OMS, 272 dias do anúncio oficial do governo Chinês (31 de Dezembro de 2019) sobre o vírus.

    No Brasil, hoje foram mais 300 mortes registradas no site worldmeters, com 141.741 mortes acumuladas. Estamos em segundo lugar no mundo em mortes totais. Somos o terceiro país em quantidade de infectados, com 4.732.309 – oficialmente. Estamos em terceiro lugar em novos infectados confirmados HOJE, mais 14.194. Terceiro lugar, também, em “mortes novas” (ocorridas no dia de hoje, 27 de setembro). Temos 539.731 casos ativos confirmados, sendo 8.318 destes casos críticos.

    Em casos relativos, por milhão de habitantes, estamos em sétimo lugar (ufa, não é mesmo?), com 666 mortes por milhão. Somos o sexto país do mundo que fez mais testes (17.900.000) o que parece bastante. No entanto, isto representa estarmos em 82ª posição no mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    As mortes do Brasil representam 14% das mortes totais por coronavírus no mundo.

    São números.

    Como assim? Pois é, temos nos acostumado a eles, os assombros das primeiras semanas foram tornando-se nubladas e sem muito sentido ao longo destes 200 dias de pandemia. Não te parece?

    Com bares abertos, praias lotadas, kits covid sem comprovação científica sendo distribuídos, dizeres anti-vacina propagados pelo alto escalão do governo, dinheiros de pesquisa cortados em todos os âmbitos do governo (este ano e ano que vem também) e relativização dos riscos como pauta para abertura de escolas.

    O mundo apresenta o cenário perfeito para qualquer grande conto de ficção científica. Isto é, descrenças em cientistas, pânico moral pelo simples abraço, assujeitamento às condições de clausura ou às necessidades imperativas de pôr alimento à mesa. Vocês conseguem imaginar a narrativa?

    Nós poderíamos descrever com detalhes como vislumbramos uma cena. Mas pareceria cruel tal descrição e, claro, talvez não pareça ficção.

    [pausamos a escrita. respiramos fundo]

    Recarregamos a página com o placar Covid-19 do site Worldmeters. Enquanto escrevíamos até este ponto, mais 261 pessoas morreram – só com a Covid-19.

    Às vezes parece uma realidade paralela “Justo na nossa vez, na nossa vida”, podemos pensar… Mais mortes, mais vidas. No entanto, se estamos reclamando é por estarmos vivos. Mas não adianta esconder, o pensamento volta:

    Justo na nossa vez, na nossa vida

    A resiliência segue e parece pífio falar em necropolítica, em ACE2 ou Spike. Pífio pelo cansaço de uns, pela evidente resistência dos corpos que, no dia a dia, vivem desde o dia 1 de isolamento social, sem isolamento. Que trabalham, vivem, morrem cotidianamente.

    Tampouco parece funcional bradarmos por verbas para a ciência, seguirmos batalhando para que não cedamos para grandes abates por políticas públicas. Contudo, sei lá, montar notas de repúdio e tuitaços falando de nossa auto-importância não ajudou.

    Dessa forma, parece banal falar de esperança. Sentimos como se isso fosse minimizar as mortes até agora sentidas. Assim, destacamos, em um editorial de divulgação científica, que não há ciência suficiente para explicar a dor que estamos vivendo. Um milhão de mortes confirmadas de uma causa que, antes de 31 de Dezembro de 2019, não existia para o mundo.

    Um milhão de mortes!

    Todavia, mesmo não havendo ciência que explique toda a dor sentida pelas perdas desta doença (mortes reais e simbólicas) é através destes conhecimentos científicos produzidos nestes últimos 272 dias – que são também resultado de centenas de anos de busca pela compreensão dos fenômenos naturais, sociais e culturais – que temos conseguido permanecer firmes e avançar. E é nos passos destes conhecimentos, e por todas as pessoas que existem e por todas as que se despediram de nós este ano, que seguiremos batalhando para chegar a soluções mais justas e éticas, para a saúde de todos, com e pela ciência.

    E enquanto produzíamos este texto, ao fim, recarregando o painel mundial, 1.002.402 mortes. Isto é, 925 óbitos por coronavírus, enquanto cerca de 800 palavras foram escritas, lidas, revisadas, reescritas.

    Mas ‘Blogs’, são só números!

    Todavia, se os números te parecem monótonos e sem sentido, recomendamos a visita no projeto INUMERÁVEIS. Um memorial dedicado a cada uma das pessoas mortas pela Covid-19. Ou seja, Não são números: são pessoas, famílias, amigos. Com nomes, sorrisos, força, trabalho, frugalidades, e é disso que se trata. 

    Cópia de tela do projeto Inumeráveis.https://inumeraveis.com.br/

    E é por isso, também, por estes nomes, pessoas, sorrisos, forças e frugalidades que viveram e se despediram que, hoje, gostaríamos de acabar o texto com esperança, no meio de todo este pesar. Esperança pelos saberes que temos e produziremos pela ciência. E esperança, por respeito a todos os que nos deixaram este ano, de que seguiremos lutando, por outros dias que nos aguardam. Por ímpetos e intenções de esperança, mas sem tirar os pés do chão, com o som e a voz de Milton Nascimento, quando ele diz:

    E o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir
    Falo assim sem tristeza, falo por acreditar
    Que é cobrando o que fomos que nós iremos crescer
    Nós iremos crescer, outros outubros virão
    Outras manhãs, plenas de sol e de luz 
    (O que foi feito deveras (de Vera) letra de Fernando Brant)

    Para ler mais

    Academia Brasileira de Ciência (2020) CNPq pode sofrer novo corte em meio à pandemia

    Amado, Guilherme (2020) Depois da Capes, governo corta bolsas também do CNPq: redução chega a 85%. Revista Época

    Bessa, Eduardo (2020) Kits de HCQ e ivermectina são ilusão perigosa na pandemia; Instituto Questão de Ciência, 2 de Julho de 2020.

    Brasil, Ministério da Saúde (2020) Portaria nº 1.565 de 18 de Junho de 2020, Diário Oficial da União, ed 116; seção 1; p 64; 19/06/2020

    Bonora Junior, Maurilio (2020) Se o coronavírus é um vírus pulmonar, como ele infecta outros órgãos? (parte 1) Blogs de Ciência da Unicamp, Especial Covid-19

    Gallas, Daniel (2020) Coronavírus na escola: o que diz a ciência sobre os riscos da volta às aulas? BBC News Brasil, 7 de agosto de 2020.

    Oliveira, Leonardo (2020) Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia Blogs de Ciência da Unicamp, Especial Covid-19

    UOL (2020) Marcos Pontes diz que órgãos de pesquisa devem sofrer cortes no ano que vem

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial Covid-19, em nome da equipe editorial

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Pandemia Covid-19: 150 dias

    arte por @clorofreela

    Dia 11 de março a Organização Mundial da Saúde decretou que a COVID-19 tornou-se uma pandemia. Parece, hoje, distante o período em que escutávamos sobre uma doença que rapidamente se espalhou em uma cidade na China e tentávamos entender as ações de bloqueio e isolamento lá.

    Também pareciam exageradas as ações ocorridas na Itália, em meio a um carnaval, com suspensão das festas e um fechamento de toda uma região do país. No Brasil, as atividades rotineiras se intensificavam na volta das férias e fim dos festejos – ainda que olhássemos para os números de doentes confirmados e buscássemos informações mais precisas. 

    Hoje, 8 de agosto, temos 150 dias de pandemia decretada. Neste meio tempo, a palavra pandemia não é mais desconhecida de nosso vocabulário mais mundano.

    Pandemia

    Pandemia:

    “disseminação MUNDIAL de uma doença ou surto com transmissão comunitária”

    Não foi a primeira vez, neste milênio, que uma pandemia fora decretada. Em 2009 a OMS anunciou uma “pandemia moderada”: a H1N1. Essa pandemia ficou conhecida como “Gripe Suína”. No Século XX foi causadora da pandemia estudada nos nossos livros de história como “Gripe Espanhola”. 

    A primeira pandemia foi registrada em 1580, iniciou-se na Ásia e espalhou-se em 6 meses. O Tifo (surgido no período das cruzadas) foi uma doença que de tempos em tempos têm suas marcas na história – mas não apresenta registro como pandemia. A Cólera teve 8 episódios pandêmicos registrados.

    A palavra Pandemia vem do grego, quer dizer “de todo o povo”. É interessante pensarmos como algo com esse significado parece tornar uma mazela democrática.

    Mas em se tratando de ciência, espantou-nos como em poucos dias alguns termos iam popularizando-se. Ficou comum, em março, falarmos em transmissão comunitária. Isto significa que pessoas que não tinham tido contato com pessoas estrangeiras já estavam transmitindo a doença.

    Em pouco tempo outras palavras comuns ao meio científico da virologia começavam a se espalhar – mais lentamente que o vírus, mas ainda assim tomavam ares cotidianos. Também víamos a ascensão do debate sobre a prática do isolamento e distanciamento social sendo debatida e outros costumes tão fora da cultura brasileira – como o uso de máscaras – entrando na pauta do dia.

    Por vezes parecia que a ciência teria seu momento e junto com a divulgação científica teriam o destaque que temos batalhado para ter. Não dizemos isso por uma ideia autocentrada e de autovalorização ou qualquer coisa que o valha (bem pelo contrário, na verdade). Mas por um trabalho de resistência de anos, construído no combate de fake news, de buscar a compreensão da ciência como ferramenta cotidiana de resolução de problemáticas mundanas.

    Números do lado de cá do mundo

    Casos totais por Estado, em escala linear, CC BY-SA 4.0, wcota/covid19br

    Mas voltando a pauta da Covid-19, inicialmente em São Paulo, mas muito rapidamente em Manaus, tivemos o alastramento da doença. Enquanto acompanhávamos a Itália atingindo 827 mortes no dia, e um total de 13 mil contaminados confirmados em um país que assumiu o lockdown, o Brasil confirmava 69 pessoas. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal eram os locais com registro.

    No entanto, o primeiro lugar a enfrentar o colapso de hospitais foi Manaus. Em pouco tempo vimos imagens de covas coletivas ocupando noticiários na televisão e nas mídias sociais. Dia 24 de março era anunciada a primeira morte na capital de Amazonas, dia 8 de abril as reportagens de falta de leitos de U.T.I. anunciavam o colapso.

    Na América do Sul, Equador foi o primeiro país a entrar nos noticiários sobre o colapso. Em 1º de abril já havia informações sobre corpos sendo recolhidos em casa e hospitais lotados. A Argentina agiu rapidamente com ações de isolamento social instituídas pelo governo federal e, até hoje, tem um dos menores números de morte da América do Sul.

    Balanço geral

    No mundo, o coronavírus chega a quase 19 milhões de infectados e ultrapassa 700 mil mortos. Deste total, quase 100 mil mortes são brasileiras. São 100 mil pessoas, familiares de alguém, com nomes, sobrenomes, profissões, relações sociais. 

    Enquanto a doença parecia longínqua e estrangeira, o compadecimento com as imagens, talvez, parecesse maior. Atualmente vivemos um paradoxo entre o cansaço do isolamento social – aqueles ainda têm o privilégio de estar isolado e trabalhando em home office – e os riscos rotineiros de quem teve que abandonar a indicação mais segura de saúde que temos no momento, pois a escolha entre ter comida na mesa ou a possibilidade de contaminar-se não é, de fato, uma escolha.

    Estamos completando 150 dias vivendo uma pandemia. A OMS também anunciou que a infodemia é um dos maiores agravantes da doença. Além disso, temos as fake news que vem assolando as possibilidades de alcançarmos a população de modo mais eficiente…

    pandemia: e o Brasil?

    Nestes 150 dias, já são 85 – mais da metade – com um Ministro da Saúde “provisório”. Tivemos episódios de apagão dos números oficiais. Temos uma avalanche de desinformação proveniente de instâncias oficiais. Protocolos que indicam medicamentos que cientificamente não são recomendados, planos de saúde que enviaram aos médicos “kits” anti-covid preventivos, com os mesmos medicamentos recomendados pelo governo – mas não pela Organização Mundial da Saúde. Fechamos o dia 07 de Agosto com 99.572 óbitos. Hoje, 8 de agosto, passaremos as 100 mil mortes, conforme a média diária que temos visto.

    Óbitos no Brasil, em escala linear, até 07/08/20. CC BY-SA 4.0, wcota/covid19br

    Há um quadro que temos visto ser debatido politicamente como Necropolítica. A morte normalizada e normatizada, quase triplicamos as mortes que nos assombravam na Itália – aquele país europeu, lembra? Pois é, soma cerca de 35 mil mortos.

    As mortes tornaram-se parte de uma população, no Brasil, que não é mais proveniente das férias em países Europeus ou Norte Americanos. Em maio, foi noticiado um outro perfil de mortes em nosso país. Não mais a faixa etária, mas a classe social. Também há demarcação racial (40% pardos e pretos, frente à 26% de brancos). Entre mulheres grávidas, mais do que o dobro são de pretas, em relação às brancas na mesma condição.

    Para além das comorbidades que vem sido estudadas cada vez mais, a PANDEMIA, aquela que é significada como “de todo o povo” e aparenta ser democrática no próprio nome, tem preferências cruéis. Definitivamente ter mais melanina em países como o Brasil, mais do que uma condição biológica e genética, demarca espaços sociais ocupados. A imensa maioria da população desassistida da condição de permanecer em casa em programas de home office são trabalhadores informais ou de baixa renda em que a negociação para condições humanas e de manutenção da saúde não são parte do cotidiano – mas a doença sim.

    Por fim

    Não há finalização amena de postagens em tempos de Covid-19, enquanto temos a centralidade das mortes causadas por descasos na condução das políticas públicas de saúde no país. Também é fundamental pensar o quanto se fala em retorno de atividades como aulas, quando há um evidente descontrole das transmissões no país – a marca de que temos pressionado pessoas e não instâncias e instituições – para mantermos a saúde dentro de todas as condições que temos o potencial de manter (mantendo pessoas, assim, a salvo!).

    Por outro lado, mesmo sabendo que nem tudo são flores, há uma corrida pela vacina, há grupos de pesquisa desvendando mais e mais rotas de como este vírus nos contamina e se transmite. Bem como uma compreensão cada dia maior dos determinantes sociais da doença.

    E de que serve tudo isto?

    Compreender a doença, seus números e seus detalhes – dentro e fora do corpo, na sociedade, dentro das sociedades – é o que nos dá cada dia mais condições de vencê-la. 

    Assim, temos trabalhado cotidianamente buscando divulgar o conhecimento produzido, em uma rede coletiva e mundial de pesquisadores. Se não buscamos soluções milagrosas, não é por não querermos divulgar algo positivo.

    Em 150 dias de pandemia (e destes temos 139 dias de Especial Covid-19 aqui no Blogs de Ciência da Unicamp), reafirmamos que nosso trabalho segue empenhado diariamente em entender melhor a ciência embrenhada em entender tudo o que envolve o novo coronavírus e a Covid-19 e apresentar todo o conhecimento possível em nosso tempo para a todos.

    Em 150 dias de pandemia, não há cansaço, não há fake news e desinformação – de acidez do limão, à cloroquina e hidroxicloroquina, chegando no uso de ozônio (calma que em breve teremos algo sobre isso!!!) – não há necropolítica, não há normalização de mortes que nos afaste disto que assumimos como compromisso com a divulgação científica e com a busca cotidiana de diálogos estabelecidos entre cientistas e a população não especialista.

    Foram 150 dias de pandemia, 145 dias afastados da Universidade (quem está em home office), 139 dias de Especial Covid-19. Não esperamos (ou não gostaríamos) de mais dias assim. Tampouco “não arredaremos o pé daqui”, enquanto isto for necessário.

    Para Saber Mais

    ANDRADE, Eduardo Goulart (2020) Com coronavírus em disparada e UTIs lotadas, Manaus está à beira do colapso Intercept Brasil, 8 de abril de 2020.

    BBC News (2020) Coronavírus: OMS declara Pandemia BBC , 11 de março de 2020.

    BLANCO, Lis (2020) Alguns questionamentos sobre governo, um vírus e a fome Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    CANCIAM, Natália; SBERB, Paula; WATANABE, Phillippe (2020) Sobe para 69 o número de casos do novo coronavírus no Brasil Folha de São Paulo, 11 de março de 2020.

    CARMO, M (2020) Como a Argentina conseguiu manter o número de mortes por covid-19 sob controle Uol Notícias, 03 de Agosto de 2020.

    ESPECIAL COVID-19 Checagem de fatos Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    FLORES, Natalia (2020) Como a desinformação têm atrapalhado nossa resposta à Covid-19 Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    G1 (2020) Amazonas tem primeira morte por novo coronavírus, diz Susam G1 , 24 de Março de 2020.

    JORNAL NACIONAL (2020) Na Itália, número de mortos pelo novo coronavírus passa de 820. Jornal Nacional, 11 de março de 2020.

    OLIVDEIRA, Leonardo (2020) Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    SCHUELER, Paulo (2020) O que é uma pandemia? Notícias e Artigos Fiocruz, 23 de março de 2020.

    TERRA (2020) OMS eleva gripe suína a pandemia, 1ª no século XXI Terra, 11 de junho de 2009.

    VESPA, Talyta (2020) Em vez da idade, classe social passa a definir quem morre de covid no país

    WIKIPEDIA (2020) Gripe Espanhola, Wikipedia.

    YOUNG, Victor (2020) Morte pela covid-19 ou pela fome, será esta a questão? Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    ZIBELL, (2020) Mortos em casa e cadáveres nas ruas: o colapso funerário causado pelo coronavírus no Equador BBC , 1 de Abril de 2020.

  • Especial Covid-19: 100 dias

    O Brasil e a Universidade em Março

    Lançamos o Especial Covid-19 dia 20 de março de 2020. No dia 27 de junho, completamos 100 dias de trabalho dedicado no Blogs de Ciência da Unicamp. O que aconteceu neste meio tempo (ou um pouco antes do lançamento)?

    O primeiro caso confirmado no Brasil data de 26 de Fevereiro. No dia 20 de março, dia de lançamento do Especial Covid-19 no Blogs, tínhamos 977 casos confirmados da doença, com 11 óbitos. Aos 100 dias do especial, tivemos 1.313.667 casos confirmados, 57.070 óbitos.

    Tela do Painel Coronavírus em 27.06/2020

    A Universidade Estadual de Campinas interrompeu as atividades presenciais no dia 14 de março. O anúncio sobre a parada foi feito um dia antes. Outras universidades foram parando suas atividades nos dias seguintes e as escolas até o final do março estavam praticamente todas com as aulas suspensas também.

    A equipe do Blogs já vinha estudando temas específicos sobre a Covid-19 e o Novo Coronavírus. Alguns blogs individuais iniciaram suas publicações entre os dias 18 e 19 de março. Entre os dias 14 e 19 de março, o comitê editorial do Blogs reuniu-se e decidiu elaborar um especial dedicado integralmente à Covid-19. Neste sentido, o Especial Covid-19 priorizou atualizações técnico-científicas sobre a doença e seus efeitos na sociedade, conhecimentos básicos para entender melhor os números, tabelas e gráficos que vem sendo veiculados, as notícias, além de materiais para crianças, entrevistas, arte, etc.

    Um trabalho coletivo

    Não há o que comemorar nestes tempos. Em 100 dias de Covid-19 nós temos um balanço de nosso trabalho e reflexões sobre o que consideramos o papel da Divulgação Científica no enfrentamento da doença em nosso país…

    Foram 100 dias de trabalho. O que fizemos neste tempo? Investigamos os acontecimentos diariamente, analisando artigos publicados em modo “pre-print”, conversando com especialistas, elaborando pautas, combatendo fake news, participando de entrevistas, lives, podcasts em vários canais de divulgação científica. Neste meio tempo, também integramos a Força Tarefa da Unicamp, na Frente de Comunicação. Um esforço feito por toda a equipe do Blogs de Ciência da Unicamp, que inclui vários blogueiros e colaboradores, para que a compreensão desta doença se faça mais acessível possível.

    100 dias de Especial Covid-19

    100 dias de Especial Covid-19

    Foram 103 postagens, com 43 autores. Destes, 63% são mulheres, 37% homens. Cientistas que já atuavam como Divulgadores Científicos, ou que iniciaram seu trabalho neste campo, para o nosso Especial. Para os novos escritores, também incluímos um breve treinamento e conversas sobre as primeiras publicações. Além disso, todas as postagens do especial passam por uma revisão técnica e científica, tudo para a Divulgação Científica cumprir seu propósito. Isto é: a preocupação de comunicar informações corretas e linguagem acessível.

    Também ressaltamos, neste aspecto, que o Especial Covid-19 tem diferenças, comparadas com os outros três especiais já lançados pelo portal. Inicialmente por não ter um tempo delimitado de publicações. Optamos por deixar o especial no ar, com postagens atualizadas pelo tempo que for necessário. Outra diferença é a presença de autores convidados, além dos blogueiros do portal. Por fim, também contamos atualmente com os blogueiros do ScienceBlogs Brasil, que desde março integraram o Blogs da Unicamp.

    Desde o dia 20 de março, ao completar 100 dias de Especial no dia 27 de Junho, tivemos 218 mil visualizações ao material elaborado pelos autores, além de 301 mil e 386 mil acessos via Facebook e Twitter, respectivamente. Destes acessos, temos uma faixa etária predominante entre 25 e 34 anos e 54% dos leitores são mulheres e 46% homens. Nestes 100 dias, nosso portal geral alcançou a marca de 807 mil acessos. Também ressaltamos, neste meio tempo, um crescimento expressivo de seguidores em todas as mídias sociais.

    Um balanço geral

    A Divulgação Científica proposta pelo Blogs de Ciência da Unicamp é feita a muitas mãos, grande parte em um trabalho voluntário presente tanto na equipe administrativa e técnica, quanto na produção de conteúdos pelos blogueiros. Todo este coletivo de pessoas tem, como princípio, o compromisso com o desenvolvimento de propostas que articulem ciência e sociedade por meio da comunicação.  

    No Especial Covid-19, esse compromisso fica ainda mais evidente, dado o impacto das informações sobre a pandemia não apenas na saúde pública, mas em todas as áreas da sociedade. Quando iniciamos tudo em 20 de março, não imaginávamos que seriam tantos dias em isolamento (para quem conseguiu se manter em isolamento). Ainda conhecíamos muito pouco sobre a doença. Hoje conhecemos mais, mas temos conosco que ainda há muito o que aprender (com e sobre a doença).

    Nesse meio tempo, crescemos. Ampliamos não apenas nosso trabalho, mas a nossa compreensão do papel da divulgação científica em um mundo que enfrenta uma de suas maiores crises dos últimos anos (e certamente a maior crise de grande parte das pessoas que nos lê…). O conhecimento, para nós, é ferramenta para viver e entender a sociedade. Dessa forma, a divulgação científica é um dos modos de traçar este diálogo, entre o que é produzido dentro de centros de pesquisa (e aqui no Brasil, majoritariamente dentro de Universidades Públicas, como a UNICAMP) e as pessoas de uma sociedade.

    O Especial Covid-19, e toda a equipe que vem trabalhando neste especial, seguirá neste propósito de diálogo enquanto esta divulgação se fizer necessária, agradecendo a todos que escrevem, estudam, publicam, lêem, compartilham, comentam e nos ajudam a tornar nosso trabalho possível a cada dia.

  • Editorial inaugural

    Nós dos Blogs de Ciência da Unicamp temos acompanhado o avanço da doença COVID-19, causado pelo Coronavírus (SARS-Cov-2) desde o início deste ano. Aqui em Campinas e na Unicamp tudo tornou-se mais evidente desde o anúncio da suspensão das aulas na universidade, em 12 de março de 2020, devido ao COVID-19.

    Estávamos, como divulgadores, preparando materiais dispersos nos diversos blogs da rede. No decorrer dos dias, percebemos que unir esforços para produzir um espaço exclusivo sobre a pandemia seria essencial para o compartilhamento seguro de informações! A partir do dia 21 de março, organizamos este volume especial que terá atualização diária.

    Aqui, você encontrará informações sobre higienização, a importância da quarentena, o avanço do vírus no Brasil e no mundo, explicações sobre como a doença e o vírus se disseminam , notícias sobre os estudos desenvolvidos sobre diagnóstico e ensaios clínicos, e enfim, que medidas podemos tomar, individualmente e coletivamente, para minimizar o impacto na sociedade. Além de textos, você vai encontrar vídeos e imagens explicativas que podem ajudar a compartilhar melhor essas informações.


    Sabendo que informações de qualidade são essenciais para enfrentarmos juntos essa situação, redobramos o nosso cuidado na checagem dos dados que vocês encontrarão aqui, com colegas das várias áreas técnica-científica. E tudo isto com o máximo de agilidade para entregar um material confiável que possa contribuir com cada pessoa e com todos no atual cenário brasileiro e mundial.

    É importante ressaltar que os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Paz, carinho, sabão com água, álcool gel, combate às fake news e solidariedade a todos!

    Equipe do Blogs de Ciência da Unicamp.

  • Editorial 2018 – Open Philosophy

    “No século IV a.C., a República de Platão oferecia a primeira utopia sócio-política – uma especulação sobre o melhor modo de organizar a vida (particular e) pública que haveria de se tornar objeto de interpretação e crítica constante no resto da história ocidental.

    Entre as teses mais controversas, há uma de especial interesse: grande conhecedor da psicologia humana, Platão sugere no Livro V de República uma estratégia para evitar os desvios produzidos pela ambição, à qual se inclina naturalmente todo sujeito (e em especial os detentores do poder), pode ser encontrado na abolição da propriedade privada, em especial para a classe governante, tornando comuns não apenas os bens materiais mas também os filhos e todos os laços sanguíneos, de modo que todos concebam o mesmo como “próprio” e o interesse particular não danificasse o comunitário, o bem comum à maioria.

    Anos depois o discípulo de Platão, Aristóteles, reagia à especulação do mestre e à ideia da comunidade de bens e família. Na Política, Aristóteles defende que a pretensão platônica é não apenas impossível mas, ainda que realizável, absolutamente indesejável. A propriedade privada – anota Aristóteles, outro grande conhecedor da vida subjetiva – constitui uma das maiores fontes de motivação e prazer humano, e a sua abolição resultaria justamente no efeito contrário do pretendido: ser de todos não equivale, diz Aristóteles, a ser de cada um mas, paradoxalmente, a ser de ninguém. Com o qual o que é comum seria igualmente negligenciado por todos.

    Há aqui uma clara polarização das perspectivas e um exemplo clássico de bom debate político. Tanto a polarização quanto o debate tiveram início há mais de dois milênios, e são ainda arena de agitada disputa na época contemporânea”

    Há aqui uma clara polarização das perspectivas e um exemplo clássico de bom debate político. Tanto a polarização quanto o debate tiveram início há mais de dois milênios, e são ainda arena de agitada disputa na época contemporânea.

    “Hoje, aliás, o debate político é especialmente imprescindível.

    Que significa hoje ser de esquerda? que de direita?

    É ainda pertinente esta nomenclatura? Se sim: qual a sua utilidade?

    Qual a ideia de “progresso” defendida por cada uma das vertentes?

    Qual é o discurso hegemônico de cada uma no que toca à justiça, e à justiça social principalmente?

    Existe uma dogmática própria da esquerda e da direita no que toca à educação e à ciência?

    Quais as propostas dos presidenciáveis no contexto eleitoral do Brasil atual?

     

    Open Philosophy – https://www.blogs.unicamp.br/openphilosophy/

    Conheça mais sobre o Blog https://www.blogs.unicamp.br/openphilosophy/sobre/

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