Categoria: Educação

  • Entendendo O Novo Ensino Médio: Sua Lógica E Promulgação

    Dentro de um período em que vivenciamos uma pandemia global, em que a área educacional sofreu com a tentativa de adaptação para um ensino remoto, tivemos também outras estruturações no ensino básico brasileiro. Em 2017, foi promulgada a nova Base Nacional Comum Curricular, documento direcionador do currículo de toda a educação básica no país. Juntamente, também foi promulgada a reforma do ensino médio, que se popularizou como “novo ensino médio”, que está sendo implementado agora, no ano de 2022. Nesse sentido, vamos discutir sobre esse novo ensino médio, sua implementação e as problemáticas envolvidas nessa proposta.

    Como o novo ensino médio foi pensado?

    Antes de mais nada, vamos pensar um pouco em como ela foi pensada e promulgada, e o que está determinado em sua estrutura legal. Primeiramente, pensemos no momento histórico que o documento foi desenvolvido. No ano de 2016, o Brasil sofreu um duro golpe com a retirada da presidenta Dilma Rousseff de seu cargo, assumindo o vice Michel Temer. O governo de Temer baseou-se em uma agenda neoliberal, centralizando o debate em lógicas de mercado e de propostas individualizantes.

    Essa característica pode ser observada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estava sendo pensada e estruturada ainda no governo Dilma, mas foi rapidamente modificado para atender essa lógica neoliberal. A própria BNCC já tem a estrutura do novo ensino médio, promulgadas juntas na Lei 13.415 no dia 16 de fevereiro de 2017. Uma característica importante que deve ser analisada aqui é a velocidade da promulgação dessa nova lei, estratégia adotada para não existir um debate sério e crítico entre os professores, acadêmicos e sociedade sobre essa nova proposta.

    Esse debate em outros lugares…

    Sob o mesmo ponto de vista, Costa e Silva (2019) afirmam que a lógica de implementar uma nova estrutura para o ensino médio parte de uma tentativa de copiar o modelo norte-americano financiado por Bill Gates. Já aqui em terras tupiniquins, no governo de Temer, o financiamento e a própria reestruturação do currículo do ensino médio foi principalmente feita pela fundação Lemann. Por certo, a lógica neoliberal já pode ser analisada aqui mesmo: no lugar de procurar acadêmicos da área ou as estruturas curriculares já estabelecidas no Brasil – como as Diretrizes Nacionais Curriculares, o MEC decidiu abraçar a lógica mercadológica e empresarial.

    Por causa da lei que estabelece um prazo de cinco anos para o cumprimento da reestruturação do currículo escolar, estamos observando o início de sua implementação real apenas agora, em 2022, com previsão para durar até 2027. Considerando que são modificações muito expressivas, as escolas têm apresentado grandes dificuldades em se adaptar e conseguir cumprir com esse novo modelo. Mas o que exatamente é o novo ensino médio?

    O novo ensino médio: discurso de uma lógica neoliberal 

    Essa nova lei nos mostra duas grandes mudanças no ensino médio. Inicialmente, analisaremos a carga horária exigida. Inicialmente, a LDB propunha uma carga de 800 horas anuais para o ensino médio. A nova lei estabelece uma carga horária de 1400 horas. Isso implica que necessariamente que o curso de ensino médio será em período integral. Qual o apoio financeiro e estrutural que as escolas receberão para conseguir abraçar e manter uma quantidade maior de estudantes? Como esses estudantes irão se alimentar durante esse período? Estudantes que já precisem trabalhar por necessidade familiar, terão apoio financeiro? Essas questões ficam pouco claras quando analisado o documento legal.

    Porém, é na segunda parte em que percebe-se a grande diferença: os itinerários formativos. Basicamente, os estudantes podem escolher dentre 10 itinerários o que eles querem cumprir. Cada itinerário contém ou uma ou duas áreas do conhecimento. O estudante pode escolher um itinerário que seja apenas da área de Matemática, ou um que seja de Ciências da Natureza e Linguagens e suas tecnologias, por exemplo. Todos os itinerários estão disponíveis para analise no site do novo ensino médio de São Paulo.

    Captura de tela do site do novo ensino médio de São Paulo, com o texto:
Áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Linguagens e suas Tecnologias – Cultura em movimento: diferentes formas de narrar a experiência humana;

Áreas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias – Meu papel no desenvolvimento sustentável;

Área de Linguagens e suas Tecnologias – #SeLigaNaMídia;

Áreas de Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – Ciências Humanas, Arte, Matemática. #quem_divide_multiplica

Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – Superar desafios é de humanas;

Áreas de Linguagens e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias – Corpo, saúde e linguagens.

Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias – Ciência em ação!;

Áreas de Linguagens e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias – Start! Hora do desafio!

Área de Matemática e suas Tecnologias – Matemática conectada;

Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – Liderança e Cidadania.
    Itinerários formativos ofertados no novo ensino médio. Fonte: Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

    Pensemos pelos estudantes…

    Em outras palavras, os estudantes fazem a escolha no primeiro ano do ensino médio e gradualmente a carga horária do itinerário vai aumentando.

    Vamos apenas relembrar aqui que estamos falando de pessoas, menores de idade, com cerca de 13 a 17 anos, supostamente escolhendo sua trajetória de ensino.

    No primeiro ano, o estudante ainda tem uma grade curricular com todas as áreas do conhecimento. Todavia, no último ano, o currículo padrão para todos os estudantes conta apenas com as disciplinas de matemática e língua portuguesa, e o restante da carga horária sendo atribuída às disciplinas do itinerário escolhido. Resumidamente, um estudante que “optar” pelo itinerário de matemática não terá nenhuma disciplina de ciências humanas e suas tecnologias no último ano do ensino médio.

    Mais do que isso, a noção de opção não é tão “livre” e tranquila assim, para os estudantes. Segundo as próprias orientações da secretaria do Estado de São Paulo, as escolas não têm a obrigação de oferecer todos os itinerários formativos, apenas os itinerários que o corpo docente tiver a possibilidade de ofertar.

    Portanto, pode-se colocar muitas questões sobre essa reestruturação do novo ensino médio

    Os estudantes conseguirão se formar cidadãos críticos com um currículo que excluiu áreas do conhecimento? Como esses professores nas escolas conseguirão adaptar a rotina para esse novo currículo? Qual o apoio estatal que as escolas estão recebendo para a adaptação do ambiente escolar? Quais as vantagens de uma mudança tão brusca na formação no ensino médio? Se os estudantes quiserem um itinerário formativo não ofertado por sua escola atual, poderão mudar de escola? Quais as condições de uma vasta oferta de itinerários em cidades interioranas com apenas uma escola de ensino médio, por exemplo?

    Essas questões, que deveriam ser respondidas e organizadas desde o início do debate e da promulgação do novo ensino médio, será desenvolvida pelos professores e estudantes no cotidiano escolar. Assim, a transferência da responsabilidade das respostas dos anseios dos estudantes estará unicamente voltada para quem vivencia a realidade das escolas: os professores.

    Retornando para as questões do novo ensino médio como currículo, podemos entrar posteriormente em um outro debate sobre organização de indivíduos e como governá-los.

    A individualização como base: conhecer para governar

    A análise que focaremos, a seguir, será principalmente sobre a estrutura do currículo e as suas relações múltiplas. No caso, o currículo do novo ensino médio é um exemplo extremamente parelho ao que Silva (2013) discute sobre autogoverno dos indivíduos.

    A princípio, o currículo é uma forma de organizar o saber para ser calculável, mensurável e apoiar a administração de pessoas. A lógica de “conhecer para governar” também se propõe a ser pensada sobre o autogoverno. Assim, as formas de estruturar o conhecimento dizem sobre as estruturas que os estudantes conseguem se auto-repreender, de organizar o próprio corpo, seu tempo e ritmo de aprendizagem. Mais do que isso: os conhecimentos necessários para seguir em sua vida adulta.

    Por mais que as formas de saber atuam na forma de como governar, elas agem também no autogovernar. Por exemplo, esse caso no novo ensino médio está na escolha do itinerário formativo e nas disciplinas de projeto de vida e de formação profissionalizante. Dessa forma, conforme a escolha de um itinerário formativo, o currículo coloca como parte fundamental do estudante a responsabilização da própria criação do mensurável e organização do saber governável.

    Além disso, esse processo é individualizante. Primordialmente, entende-se o processo de socialização e de diálogo como essenciais para o desenvolvimento completo do estudante em período escolar. Agora, o estudante tem como momento de formação a escolha de uma trajetória própria, de disciplinas que lhe ensinam a projetar a própria vida, a excluir certos debates de áreas de conhecimento de seu arcabouço formativo. Inegavelmente, a correlação entre o processo individualizante e a base neoliberal estabelecida neste documento fica clara. Responsabilizar a problemática do cotidiano e da vida social apenas no indivíduo é um dos pressupostos dessa doutrina política.

    Como um labirinto, o novo ensino médio apresenta uma diversidade de possibilidades e caminhos. Mas o objetivo traçado e promulgado é chegar no mesmo ponto de solidão, individualização e pensamento neoliberal que ele foi estruturado.

    Outros problemas, difíceis soluções

    Por fim, nos parece óbvio que esse novo ensino médio, apesar do discurso de favorecer o estudante e combater a evasão escolar, não foi pensado em uma realidade brasileira. Com a finalidade de criar uma nova lógica, essa estruturação serve apenas para colocar no debate escolar a individualização, a promoção de uma lógica excludente e que silencia diversos saberes e pessoas. Isto é, a sociedade, de forma geral, vai em breve notar que os estudantes vão viver na contradição discursiva em que, apesar de se afastar das propostas escolares, vão perpetuar os discursos individualizantes e de autogoverno. Por isso, temos hoje a responsabilidade de corrigir muitos erros que esses últimos governos propositalmente fizeram, e o novo ensino médio é nitidamente um deles.

    Para saber mais:

    BRASIL (1996) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996 BRASIL.

    BRASIL (2017) Novo Ensino Médio, Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. BRASIL.

    COSTA, MO; SILVA, L A (2019) Educação e democracia: Base Nacional Comum Curricular e novo ensino médio sob a ótica de entidades acadêmicas da área educacional, Revista Brasileira de Educação [online].

    SILVA, T T (2013) Alienígenas na sala de aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação. Editora vozes.

    O autor:

    Matheus Naville Gutierrez é Mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi publicado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos são produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foram revisados por pares. Por fim, reitera-se o compromisso Editorial com a qualidade das informações publicadas neste projeto, podendo acontecer revisão do aceite de submissão sempre que observarmos irregularidades e desinformações sendo veiculadas. Os textos publicados são de responsabilidade dos autores e não necessariamente representam a visão do Blogs de Ciência da Unicamp e da Universidade Estadual de Campinas.

  • O Plano Nacional de Pós-Graduação: Pelo fim da negligência

    O Plano Nacional de Pós-Graduação: Pelo fim da negligência

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    O último PNPG teve o fim de sua vigência em 2021. Qual sua importância e quando podemos esperar um novo?

    2023 iniciou com novos ocupantes nas cadeiras legislativas nacionais e no cargo de presidência da república. Na perspectiva de ares mais sérios e comprometidos com a ciência e a educação pública brasileira, podemos esperar a retomada de políticas públicas nessas áreas. A nova ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos tem apresentado propostas animadoras, como o aumento da bolsa de pós-graduação e a retomada de recursos bloqueados pelo antigo governo para a área.

    Apesar das perspectivas animadoras, ainda há muito trabalho a ser feito. Uma questão fundamental para o governo federal retomar enquanto necessidade de avanço científico e tecnológico é o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). Por que esse documento é essencial para o Brasil, e qual a atual situação dele?

    O que é o Plano Nacional de Pós-Graduação

    Após diversas tentativas de organizar a pós-graduação no Brasil no âmbito nacional, considerando sua estrutura, objetivos e obrigações, foi criado um documento que cumprisse todas essas necessidades. Assim, em 1975 foi promulgado o primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, que aglutinava todas as estruturas gerais dessa formação universitária, que foram inicialmente descritas por Wilson Sucupira juntamente com as obrigações e planejamento que o governo federal cumpriria com a pós-graduação no Brasil. 

    Desde então, já tivemos seis versões dessa política pública. Cada novo plano o documento se expandia, trazendo novas perspectivas para o trabalho dos mestrandos e doutorandos do Brasil. Os PNPGs sempre foram responsáveis por questões como o acesso à pós-graduação, fomento para pesquisas estratégicas, internacionalização e a produtividade. Juntamente, dados sobre a distribuição geográfica, o acesso, e o perfil dos pós-graduandos também consta nesse documento. Analisaremos melhor esses dados através do último PNPG que temos promulgado.

    A importância do PNPG: analisando o último documento promulgado

    Para entendermos melhor a importância de um documento como o PNPG, vamos usar de exemplo o que diz o último que temos em mãos, o Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020. Escrito em 2010, o documento é separado em dois volumes.

    Iniciaremos com o primeiro volume, que é separado em capítulos que englobam estruturações essenciais para a atividade da pós-graduação ao decorrer de sua vigência. Análise da situação que a pós-graduação se encontrava, projeções de crescimento, sistemas de avaliação, relações entre a pós-graduação e empresas privadas e diretrizes para o financiamento de pesquisas são alguns dos principais pontos que estão descritas nessa primeira parte.

    Já no segundo volume, o foco é em discutir perspectivas para o futuro da pós-graduação para a década seguinte. Para isso, apresenta-se áreas de atuação consideradas essenciais, como cultura, ciências agrárias, a floresta Amazônica, abastecimento energético e o setor espacial brasileiro. 

    Por si só, todos os parâmetros estabelecidos nesses dois volumes já nos mostram a necessidade de termos um PNPG atualizado, envolvida intimamente com a sociedade e com os meios acadêmicos. Só para exemplificar, pode-se pontuar o surgimento do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), que foi estruturado nesse PNPG e iniciou seus trabalhos em 2019. Conforme a descrição no capítulo 8 do volume 1 do PNPG, o SNPG analisa, pontua e garante a continuidade dos trabalhos propostos no documento.  

    Contudo, é notável que esse PNPG tem sua vigência até o ano de 2020, e já estamos em 2023. Qual a situação do próximo documento?

    Onde está o Plano Nacional de Pós-Graduação 2021-2030?

    A situação da continuidade desse documento essencial é delicada. Primeiramente, as últimas diretrizes situam que o PNPG deveria fazer parte do Plano Nacional de Educação (PNE), que está em vigência de 2014 até 2024. Certamente, essa seria uma decisão difícil pelo tamanho e objetivos da pós-graduação no Brasil. Desse modo, o meio acadêmico ficaria sem nenhum amparo nacional até a próxima organização de um novo PNE.

    No entanto, em junho de 2022 o governo federal estabeleceu uma comissão responsável para a escrita do novo PNPG, com a perspectiva para vigência entre 2021 e 2030. 

    A desorganização política geral nos órgãos educacionais e científicos no governo Bolsonaro não é novidade nenhuma. O governo Bolsonaro foi definido por denúncias de corrupção no Ministério da Educação, negacionismo científico, corte de verbas para a ciência e até mesmo tentativa de inibir o acesso à universidade pública. Por isso fica claro que a pós-graduação, sua organização, desenvolvimento e valorização também não estariam nos planos do antigo governo.

    Visto que estamos vivendo com novas perspectivas políticas e com possíveis valorizações do trabalho científico realizado por pós-graduandos no Brasil, surge a necessidade de pensarmos esse novo PNPG. Por isso, penso que o Ministério da Educação, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o poder legislativo e o meio acadêmico possam juntar forças e reestruturar um novo documento, um novo Plano Nacional de Pós-Graduação.

    O futuro da pós-graduação 

    Essa perspectiva animadora possibilita começarmos a traçar alguns projetos para o futuro da pós-graduação no Brasil. Inevitavelmente, ele passará por uma organização nacional, como o PNPG, que poderá ser feito da maneira que esperamos. Questões como a permanência de estudantes, o aumento das bolsas de estudo, a profissionalização da pós-graduação, a política de cotas, o equilíbrio demográfico regional, todas essas questões podem (e devem) estar nesse próximo documento.

    Ou seja, cabe agora a cobrança, a participação ativa, a organização coletiva e a estruturação de ideias essenciais para conseguirmos avançar com uma pós-graduação que atenda aquilo que esperamos enquanto projeto de nação e de sociedade. Respirar novos ares e novas perspectivas para 2023 e adiante é um alivio e nos enche de esperança. mas o trabalho para o desenvolvimento da ciência e da educação no Brasil vai sempre existir, e continuaremos lutando. 

    Para saber mais:

    Blog PEMCIE; A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    PNE – Plano Nacional de Educação

    Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2021-2030

    Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2011-2020

    Evolução do SNPG no decênio do PNPG 2011-2020

    ANF (Agência Nacional de Notícias das Favelas); Cientista analisa perspectivas na gestão de Luciana Santos

    CNN; Prioridade é aumentar orçamento para bolsas de pós-graduação

    ISTOÉ; O bolsolão do MEC virou o maior escândalo de corrupção do governo Bolsonaro

    TERRA; Matéria do ‘JN’ critica negacionismo científico de Bolsonaro

    ESTADÃO; Governo Bolsonaro manda cortar 87% de verbas para ciência e tecnologia

    O autor:

    Matheus Naville Gutierrez é Mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi publicado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos são produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foram revisados por pares. Por fim, reitera-se o compromisso Editorial com a qualidade das informações publicadas neste projeto, podendo acontecer revisão do aceite de submissão sempre que observarmos irregularidades e desinformações sendo veiculadas. Os textos publicados são de responsabilidade dos autores e não necessariamente representam a visão do Blogs de Ciência da Unicamp e da Universidade Estadual de Campinas.

    Como citar:  

     

    Sobre a imagem destacada:

    Fotos de xxxx. Arte por xxxx.

  • A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    Texto por Matheus Naville Gutierrez

    A PEC 206 pode destruir a universidade pública brasileira. Precisamos defendê-la de argumentos falsos.

    O deputado Kim Kataguiri (Democratas-SP) colocou em pauta hoje um projeto que visa alterar a constituição, o qual ele é relator. A PEC 206/2019, redigida em 2019 pelo deputado General Peternelli (PSL-SP), propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas para todos os seus frequentadores, e aqueles que não puderem pagar, podem usufruir da universidade pública gratuitamente. O progresso científico e tecnológico brasileiro é diretamente afetado e atacado com esse projeto, que antes de mais nada, é deturpado e usa de pressupostos errôneos. Primeiramente, a PEC usa pressupostos completamente equivocados. Vamos debatê-los a seguir.

    O texto enganador da PEC

    Logo após a leitura do texto da PEC, uma problemática bem clara sobre o pressuposto do projeto de lei se mostra. A defesa nefasta que está acontecendo nas redes sociais não leva em consideração os parâmetros da lei em si.

    Trecho PEC
    Trecho retirado da PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º206 , DE 2019

    Conforme o texto acima, a lei propõe justamente que exista uma comissão que avalie a situação socioeconômica dos estudantes e faça uma deliberação sobre o pagamento ou não da mensalidade. Ou seja, a base é que TODOS os estudantes paguem mensalidade, estando apenas alguns eximidos da conta. Decerto, essa lógica levanta muitas questões problemáticas. Vamos a algumas delas:

    Como essa comissão será formada? Como ela atenderá todos os estudantes? Quais critérios serão utilizados para essa escolha? Essa comissão não poderia ser utilizada de forma a excluir ainda mais os estudantes? Eles não precisariam passar por mais uma etapa burocrática para conseguir se manter na universidade pública?

    Uma vez que esse debate entrou na esfera pública novamente, podemos nos debruçar em alguns pressupostos que esse projeto de lei. A seguir, coloco algumas dessas questões para conversa.

    Quem frequenta a universidade pública?

    Inicialmente, a defesa dessa PEC sugere que as universidades públicas brasileiras são frequentadas majoritariamente por pessoas oriundas das classes mais altas. Sendo assim, elas teriam o poder aquisitivo necessário para pagar os custos de seus estudos na universidade. Ainda que esse discurso pareça verdadeiro, ele atualmente é falso. Segundo dados da pesquisa do perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das universidades federais, o perfil brasileiro é: 53,5% dos estudantes vivem com renda de até 1 salário mínimo por pessoa nas famílias. Esta pesquisa coletou dados de 63 universidades federais brasileiras. Confira abaixo os dados na tabela:

    É necessário debater sobre as formas que universidade pública elitiza o conhecimento e cria modos de facilitar a permanência de pessoas com renda maior, nós sabemos disso. Contudo, o projeto de lei não serve como resposta para esse problema.

    Ou seja, a PEC coloca como responsável por essa problemática os estudantes. Como assim? Atualmente, a universidade não possibilita o acesso e a permanência de pessoas sem os recursos financeiros, o que falarei mais adiante. Mas o mais relevante é: cria uma disputa por vagas e cotas entre os próprios estudantes já em situação de vulnerabilidade social e financeira. Esta PEC cria, portanto, uma narrativa de embate entre os estudantes para tirar o foco da problemática real das universidades: as políticas públicas e como são feitos os investimentos.

    Atacando o problema de verdade

    Para que essa elitização velada da universidade comece a ser combatida de verdade, precisamos focar em duas frentes. Primeiramente, o debate sobre o vestibular. Ele sim, um gargalo colocado de forma proposital para excluir uma parcela dos estudantes. Ele afunila a entrada na universidade, principalmente quem não consegue dedicar o tempo necessário de estudos para enfrentar a maratona dos vestibulares (e não consegue pagar por cursos pré-vestibulares).

    Em seguida, as políticas públicas de permanência. A universidade pública brasileira é um espaço de formação que exige a dedicação quase exclusiva de seus alunos, sem tempo para trabalhos externos. Para criar condições aos estudantes usufruam de suas possibilidades formativas, a universidade precisa garantir moradia, alimentação e renda para os estudantes.

    Nossa defesa, como política pública, é oposta ao projeto de lei. Isto é, o financiamento para permanência de estudantes na universidade pública deve ser proveniente de políticas públicas inclusivas, que abarquem a diversidade, origem e identidades diversas. Quem deve financiar esses estudantes, portanto, não devem ser eles mesmos, mas políticas públicas destinadas a sua formação.

    O que se desenvolve na universidade pública no Brasil?

    Ao mesmo tempo, o discurso de se pagar é nefasto por não compreender a complexidade da produção e da vivência nas universidades brasileiras. A ideia de que é um local de apenas estudo, em que o estudante apenas assiste aulas e realiza provas é falacioso. A universidade pública, desde os estudantes de graduação, desenvolve ciência, forma profissionais, produz conhecimento que retornará para a sociedade.

    O desenvolvimento da ciência brasileira, realizada por graduandos e pós-graduandos, foi o que nos garantiu o desenvolvimento de diagnósticos, com agilidade e eficiência, durante toda a pandemia da Covid-19, aqui na Unicamp e em várias universidades brasileiras. Além disso, a grande quantidade de pesquisas e atuações acadêmicas neste período, em todas as áreas de conhecimento, tiveram participação ativa de estudantes ainda em formação, de modo voluntário ou com bolsas, que minimizaram os efeitos da doença em toda a sociedade brasileira.

    Uma nação que busca o progresso sustentável e tecnológico precisa do desenvolvimento científico, que acontece unicamente nas universidades públicas. Isto é, a proposta de se pagar para estudar em uma universidade pública, além de afastar futuros cientistas que poderiam surgir de diversas origens sociais e econômicas, deturpa a própria ideia de desenvolvimento científico em nosso país.

    A pós-graduação: ela também pode ser afetada em médio e longo prazo

    O pós-graduando, hoje, vivencia uma carreira de uma avassaladora precarização, sem recursos, com bolsas sem ajustes e com a visão social de que é “apenas um estudante”. Não, não é. O estudante de graduação e pós-graduação são profissionais que desenvolvem trabalhos em sua área de formação, desde o início do curso. Você, por exemplo, aceita trabalhar de graça por vários anos, sem nenhuma renda? Pois é, além de atuar de graça, ainda precisaria pagar, neste caso.

    Na perspectiva desta lei, que prevê cobrança de mensalidade na graduação, também não afetaria essa etapa que acontece na universidade pública? Se cobrarmos os estudantes de graduação, depois de quanto tempo a pós-graduação que será cobrada? Essa proposta de lei é um afronte gigantesco à autonomia e ao ideal de universidade pública.

    A educação deve sempre ser pública, gratuita, de qualidade e de fácil acesso

    Em suma, esse é um projeto de lei que ataca diretamente a constituição nacional que garante o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para para todas as pessoas da nação. Em primeiro lugar, a garantia que ela é pública é a base para o desenvolvimento da ciência, da extensão e do ensino sem a necessidade de cumprir uma agenda empresarial e de resultados. Juntamente, a educação precisa ser gratuita, para garantir que todas as pessoas tenham acesso ao desenvolvimento cidadão, profissional, científico e humanístico. Assim como ela também precisa ser de fácil acesso, garantindo que todas as pessoas que busquem uma instituição de ensino consiga acessá-la.

    O problema da elitização velada das universidades é importante e de necessária discussão. Mas que ela seja feita de forma séria, verdadeira e com propostas reais de sua superação, e não seja retirado do Estado brasileiro a sua responsabilidade.

    Atualização (24 de maio, 19h21; Editorial)

    A PEC não está mais em tramitação, enquanto finalizávamos o texto, em função do pedido de Audiência Pública, com participação de representantes da sociedade civil organizada, conforme consta neste documento.

    Para saber mais

    Beraldo, Gabriela (2022) Bolsa Capes, do MEC, completa 9 anos sem reajuste. entenda o que isso significa, 23 de março de 2022.

    BRASIL. PEC 206/2019, Dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

    UFES. Pesquisa nacional apresenta o perfil dos estudantes de graduação das universidades federais, 17 de maio de 2019.


    Publicado originalmente no blog PEMCIE.


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp.

  • A pandemia já acabou?

    Estamos há um tempo sem conversar por aqui. Ao longo destes últimos dois anos de pandemia, nossa frequência de textos foi muito grande e precisávamos reorganizar o trabalho. Especialmente agora, já que estamos com intensas atividades presenciais. Dessa maneira, a equipe do Especial COVID-19 precisou se afastar um tempo, uma vez que nossa atenção voltou-se para outras áreas que ficaram descobertas durante este tempo todo.Aliás, é relevante falar que já tem algum tempo que todos nós estamos com um comportamento que beira a tão desejada normalidade, não é mesmo? Voltamos às salas de aula, aos bares e restaurantes, aos espaços públicos – com espetáculos e reencontros. Ufa! Realmente estamos em um momento mais tranquilo.

    Isso foi por muito tempo nossa mirada diária, e estamos felizes de não ser tão urgente tudo o que precisamos fazer e falar sobre COVID-19 atualmente. Mas (sim, há um mas), a pandemia não acabou. E ainda precisamos de atenção e cuidado, informações que nos indiquem o que é ou não seguro.

    O que nos diz a OMS?

    A Organização Mundial da Saúde segue fazendo relatórios semanais sobre a situação da COVID-19, incluindo a decisão de manter o status de pandemia à doença. Isto quer dizer que ainda vivemos uma emergência sanitária global – embora exista diferenças entre regiões dentro dos países e entre os países do mundo. Assim, os relatórios da OMS falam da doença em diferentes continentes e países, sendo um boletim geral de como a COVID-19 está neste momento (vocês podem conferir o último relatório aqui, que está em inglês).

    A situação mundial da COVID-19 no painel da OMS
+ de 513 milhões de casos confirmados (total)
527 mil casos novos nas últimas 24h
+ 6 milhões de óbitos confirmados (total)

A situação brasileira da covid-19 no painel da OMS
+ 30 milhões de casos confirmados (total)
+ 21 mil casos novos nas últimas 24h
+ 663 mil óbitos confirmados (total)
1 a cada 3 pessoas tomou dose adicional de vacina

Especial COVID-19 Blogs Unicamp
ref mapa e casos: WHO COVID-19 Dashboard Geneva, acesso em 05/05/22.

    E a vacinação em nosso país?

    Se pensarmos o cenário de 2021 em que não sabíamos se haveria vacina para todos nós, atualmente nossa situação é realmente tranquila. A vacina chegou a muitos brasileiros sim. Dessa maneira, salvou vidas e diminuiu (muito) mortes e agravamento de doenças.
    Nós temos, neste momento, uma cobertura vacinal extremamente desigual em nosso país. Muito embora a vacinação tenha chegado, não tivemos uma campanha e distribuição centralizada, que garantisse igualdade de acesso em todo o território nacional
    Se formos levar em consideração a terceira dose (ou dose adicional), vemos que a situação é mais séria ainda. Nenhum estado brasileiro – nem São Paulo que é o estado mais vacinado do país – está acima de 50% de 3ª dose aplicada!

    Painel de cobertura vacinal (rede análise): mapa mostrando a cobertura de 2 doses e 3 doses.

    Já falamos inúmeras vezes aqui no Especial COVID-19 e em grupos parceiros, como o Todos Pelas Vacinas: vacinação é um pacto coletivo. É um projeto de política pública para proteção e cuidado da saúde de todos. É fundamental compreendermos a necessidade de seguirmos comunicando a importância da vacinação em todas as faixas etárias em que as vacinas já estão disponíveis em nosso país!
    A biomédica e divulgadora científica Mellanie Fontes-Dutra, da Rede Análise, além de nossa colega e parceira, segue a pleno vapor falando sobre vacinas, variantes e COVID-19 e já falou sobre a importância da vacinação contra a variante Ômicron. Aliás, esta variante é a responsável por este último pico de casos confirmados para a doença que aparece nos gráficos que mostraremos a seguir.
    Talvez fique mais fácil entender o papel da vacinação, como um dos fatores fundamentais de controle da doença, nestes próximos gráficos, também da Rede Análise, elaborados por Isaac Schrartzhaupt e Marcelo Bragatte.

    Se a pandemia não acabou, por que não temos mais óbitos?

    Uma das maiores tristezas destes dois anos de pandemia foi perceber que nos acostumamos a ver óbitos em diferentes espaços sociais. Chegou a morrer mais de 4 mil brasileiros por dia em 2021- isso sem contar a subnotificação por falta de testes no país. Sendo assim, o cenário agora parece realmente tranquilo. Afinal, morrem apenas 100 pessoas por dia (aproximadamente).
    Primeiramente, 100 pessoas por dia por uma doença é muita gente. Ainda são perdas inestimáveis para familiares, amigos e trabalhadores. Isto de modo algum é negar que o cenário é melhor do que o que já vivemos – mas está longe de ser o cenário ideal. E isto não pode ser deixado de lado.

    Vamos olhar alguns dados?


    Estes dois gráficos nos ajudam a perceber um pouco sobre o cenário da COVID-19 em dois momentos específicos. Com a seta em amarelo, estávamos com uma quantidade de vacinados baixíssima. Recém o Brasil estava recebendo vacinas e distribuindo em território nacional. Confirmávamos cerca de 100 mil casos por dia e cerca de 3 mil óbitos. Vivíamos o colapso do sistema de saúde em vários locais do país. Em Fevereiro deste ano (seta vermelha), vemos o número de casos confirmados aumentando muitíssimo – chegando a mais de 200 mil casos diários, a maior quantidade de casos confirmados de Covid-19. O número de óbitos aumenta, mas não acompanha a proporção vista no cenário anterior.

    Em um cenário de flexibilização das normas sanitárias crescente (que favorece a transmissão), tivemos o fator vacina como ponto fundamental em 2022.

    A vacinação foi e segue sendo uma ferramenta fundamental para o combate da pandemia de Covid-19

    Sim! Estamos em um cenário de razoável tranquilidade, mas precisa-se manter os olhos abertos. Mais do que isto: olhos abertos e máscara no rosto.


    – Ah, mas ninguém mais usa, em todos os lugares a obrigatoriedade da máscara caiu!

    Exatamente, sua obrigatoriedade caiu, mas não sua recomendação. Por um lado, em espaços abertos e não aglomerados já podemos ficar com relativa tranquilidade. Por outro lado, há pontos importantes a serem pensados. Inicialmente, a transmissão de COVID-19 não acabou. A máscara, aliada às 3 doses de vacinação, é uma das maiores barreiras que podemos ter.
    Em transportes coletivos e unidades de saúde, a obrigatoriedade permanece em grande parte das cidades. Nas salas de aula, a obrigatoriedade caiu para todas as faixas etárias… Este é um dos ambientes que consideramos mais importantes de serem analisados.

    E as salas de aula?

    A sala de aula, sem ventilação adequada (o que é a verdadeira realidade de grande parte das escolas públicas e privadas do país), é um espaço privilegiado para a circulação do vírus. Sendo a máscara uma barreira eficiente, por que não manter a máscara como obrigatória, tornando o espaço escolar mais seguro em termos de saúde pública?
    A insistência neste ponto, embora pareça ser “requentar debates”, é também sobre populações específicas que ainda não estão vacinadas e estão em um local de grande circulação de pessoas. Sim! Há populações dentro das escolas que não foram vacinadas ainda! Crianças abaixo de 4 anos aguardam seu grande momento chegar também.
    Enquanto isto não acontece, esta população é vulnerável a contrair a doença, seguir o ciclo de transmissão e, também, adoecerem de COVID-19. Como está o cenário escolar em meio à pandemia de COVID-19?

    Aumento de casos

    Temos acompanhado as notícias sobre o aumento de casos entre jovens e crianças em fase escolar. Em algumas unidades escolares em São Paulo, por exemplo, já se fala em voltar à obrigatoriedade do uso de máscaras.

    Nossa posição, aqui no Blogs Unicamp, sempre foi ponderar sobre a suposta urgência de se retirar a obrigatoriedade do uso das máscaras, que é uma das principais formas de impedir a transmissão em espaços fechados.

    Além disso – reiterando o que já disse antes – na escola há pessoas que ainda não se vacinaram, em função da idade. Ou tomaram apenas duas doses (tendo em vista que não temos três doses para estas faixas etárias ainda).

    Qual a pressa em retirar o uso de máscaras, sendo que elas protegem estas pessoas que estão vulneráveis em relação ao vírus SARS-CoV-2?

    Em estudo recente, realizado aqui no Brasil, foi apontado que a presença de funcionários e docentes com máscara já reduz muito a transmissão em ambientes escolares. Além disso, a condução das aulas na modalidade integral (dois turnos) e o uso apenas de máscaras de menor qualidade (não filtrantes, por exemplo) levou a um aumento de 559% nas infecções.

    Esses dados nos mostram a grande importância que as máscaras ainda possuem no nosso cotidiano, principalmente nesses ambientes fechados e com grande circulação de pessoas, como as escolas. Retirar a obrigatoriedade das máscaras nesses lugares seria, no mínimo, ir contra tudo o que estamos fazendo desde o início das vacinações para conter a pandemia.

    Além de proteger diretamente quem está no ambiente escolar de se infectar com o SARS-CoV-2 e desenvolver alguma forma da COVID-19, o uso contínuo das máscaras ajuda a reduzir a cadeia de transmissão do vírus, impedindo que as crianças, professores e funcionários – mesmo que não tenham sintomas – transmitam o vírus para os pais, filhos, cônjuges ou outros familiares. Lembramos que, apesar da infecção de COVID-19 causada pela variante Ômicron ser mais leve comparada a outras variantes, essa é uma doença que ainda mata, inclusive vacinados com a terceira dose (lembrando também do fato que muitas crianças pequenas não foram vacinadas ainda).

    As hospitalizações não acabaram…

    Não adianta querermos que a pandemia acabe por nosso cansaço. A permanência do vírus na população e a gravidade disso é que torna a Covid-19 uma emergência sanitária ou não.

    Em Campinas, por exemplo, 29% das UTIs infantis estão ocupadas por crianças com suspeita de Covid. CRIANÇAS! Desde quando começamos a compreender sua não relevância para voltarmos a uma normalidade, com esta população vulnerável?

    O aumento de casos recente fragiliza ainda mais esta população que não tem previsão de terceira dose, com novas variantes e subvariantes aterrizando em solo nacional.

    Tanto quanto para todas as pessoas que estão sem acesso à segunda e terceira dose da vacina – seja por falta de acesso à informação, seja pela falsa sensação de segurança. Precisamos seguir vacinando, a terceira dose é fundamental para nos proteger com segurança!

    Finalizando

    Por tudo isso exposto acima, seguimos firmes na defesa do uso das máscaras para todos, principalmente para e por nossas crianças.

    Use máscaras, se proteja, proteja quem está próximo, especialmente em espaços públicos fechados e mal ventilados.

    Referências

    GENARI, Juliano; GOEDERT, Guilherme T; LIRA, Sergio, HA; et al (2022) Quantifying protocols for safe school activities. arXiv:2204.07148 [physics.soc-ph].

    FAVERO, Paulo (2022). Alta de casos de Covid faz escolas de SP suspenderem aulas e exigirem máscaras. CNN.

    JULIÃO, André (2022). Estudo brasileiro reforça a importância de manter máscaras nas escolas. Galileu.

    G1, Jornal Nacional (2022) Testes positivos de Covid mais do que dobram em um mês, alertam farmácias.

    LEITE, Gabriela (2022). Covid: O que significa o leve aumento de casos no Brasil. Outra saúde.

    G1 Campinas (2022). Campinas chega à maior fila por enfermaria pediátrica, e 29% das UTIs infantis para SRAG são de casos suspeitos da Covid-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Pesamentos sobre a formação de professores no pós pandemia

    Texto escrito por Jonathan Cardoso e Pedro Leal

    Quando decidimos escrever este texto, gostaríamos de poder trazer diferentes visões das consequências que a pandemia pode trazer para a formação de professores de biologia, a respeito das nossas vivências como alunos de graduação em licenciatura biologia. Como nossa formação pode ser afetada no futuro pela pandemia? Então através desse pensamento desenvolvemos o texto a seguir

    Um acervo pro futuro, existe um lado positivo?

    O ensino remoto vem sendo pauta de muitos debates nesse ano que passou, seja na educação infantil, no ensino fundamental, médio ou superior. Como aluno de graduação em Biologia tenho mais propriedade para falar sobre como o ensino remoto vem acontecendo na universidade ou no curso. Assim, me pego pensando sobre como será a educação pós pandemia. Me deparo com a ideia dos acervos digitais criados, tais como, os vídeos gravados por professores que não imaginavam que um dia fariam tal projeto.

    Por que imagine só: Uma professora que tem mais de 20 anos de docência em Biologia molecular, e de um ano para cá passa a produzir artefatos culturais que serão eternos dali pra frente, e que poderão servir de auxílio para seus alunos no futuro. Quem sabe  para interessados na área que não tiveram a oportunidade de ter uma informação aprofundada em um assunto tão específico.

    Percebam que falo aqui sobre alguns professores, mas se pensarmos em nível mundial, o quanto esse acervo não deve ser imenso no futuro?

    O que poderia nos trazer de produtivo?

    Me enche os olhos de alegria toda a vez que penso nessa possibilidade. É evidente, que existem muitos assuntos que podemos abordar que não são tão otimistas em relação à educação pós pandemia. Porém trago esse pensamento porque acho importante também pensar o que pode nos trazer de produtivo esse momento tão difícil. Pessoas que nunca nem imaginavam lidar com essas ferramentas da tecnologia estão se reinventando e criando conteúdos através por meio dela. Isso é muito interessante. Imaginar que daqui pra frente esses professores, após suas aulas presenciais, poderão disponibilizar esses conteúdos para o auxílio no entendimento de seus estudantes.

    Através disso, é possível sim ter uma visão de que acontecimentos positivos podem estar presentes no período pós pandemia para alunos de licenciatura em biologia. Contudo é inevitável perceber que existem receios em relação a como iremos nos formar neste período remoto, como aqueles que estão no fim do curso. Como vamos administrar os estágios docentes? E os Trabalhos de conclusão de curso?

    Os receios da formação à distância

    Em um curso de graduação de licenciatura, é importante pensarmos nesse que é um dos pontos chaves da formação dos professores: os estágios de docência. É estranho pensar em como um professor seria capaz de se formar sem nunca ter entrado em sala de aula, por isso os estágios são componentes fundamentais na maioria dos cursos de formação de professores. Porém, com a situação da pandemia, isso se torna um tanto quanto inviável. Algumas disciplinas da graduação estão sendo realizadas de maneira online, mas o estágio não. O impasse é o seguinte: Mesmo ciente da situação das escolas, que ainda tentam realizar as aulas de maneira remota, com vários estudantes que não possuem acesso à essas aulas, como manteremos os estágios dos futuros professores?

    Por um lado, podemos pensar que alguns dos conhecimentos adquiridos podem ser aproveitados, já que não sabemos como será o pós-pandemia. Será que alguns dos modelos de aulas que estamos utilizando agora serão mantidos? Por que nesse caso, seria interessante que os futuros professores vivenciassem um pouco dessa experiência. Mas por outro lado, será que vale a pena trocar um momento tão importante da graduação do licenciando, que é o contato com a realidade escolar e com a sala de aula, pelo ensino remoto com pouco ou nenhum contato com os alunos? Para mim, que estou no último ano da minha graduação sempre me pego pensando: Quero fazer esses estágios de uma vez e me formar logo, mas será que para a minha formação, vale a pena “perder” essa experiência ou troca-la por um período de aulas remotas? É uma situação bem complicada…

    “Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade?”

    Pensando ainda nessa questão do “último ano de graduação”, me coloco no lugar dos que estão entrando agora nesse contexto do Ensino Superior. A entrada na universidade traz tantas mudanças na nossa vida, mudanças que na maioria das vezes nos fazem crescer, seja nas perspectivas, ou até mesmo na forma que encaramos as nossas responsabilidades (pelo menos eu senti essas e diversas outras mudanças). Mas será que os alunos que estão ingressando agora na Universidade, durante esse período de ensino remoto, conseguirão sentir essas mudanças também? Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade? Acredito que ainda não conseguimos inventar nada capaz de substituir as experiências presenciais.

    Certas incertezas durante a formação

    Sendo assim, penso que apesar desse período em que precisamos repensar o ensino ter trazido diversas coisas positivas para nossa prática docente, algumas outras atividades não conseguem ser realizadas de forma remota ou online, elas precisam que isso tudo se resolva e as coisas voltem “ao normal”. Penso que para alguns casos, os novos recursos que aprendemos e desenvolvemos durante esse período de pandemia podem acrescentar sim na nossa prática pós-pandemia.

    No entanto nos estágios de docência muito pouco sera aproveitado, pois as atividades precisam acontecer da maneira “tradicional”, precisamos do contato humano, da experiência presencial, olho no olho, cara a cara, e não há espaço para o “tela a tela”.


    Para mais textos acesse o Blog.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A pandemia decretou o fim definitivo do ensino remoto?

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Engana-se quem pensa que o ensino remoto entrou na mídia e nas discussões escolares apenas após a pandemia da COVID-19. Esse assunto já permeava as instituições de ensino bem antes, passando do ensino básico ao superior, do público ao privado. O desejo de modernização, avanço tecnológico e aproximar a escola do mundo digital já estava nos planos escolares. Contudo, a pandemia tomou o mundo e forçou as instituições a utilizar o ensino remoto como único modelo de ensino. Agora, quase dois anos após a obrigação de se adaptar remotamente, conseguimos ver alguns resultados da sua implementação e questionar: o ensino remoto vai continuar nas instituições após (se existir um após) a pandemia da COVID-19?

    O que conseguimos observar…

    No primeiro momento, o que todos os envolvidos no ensino brasileiro apontaram seria a dificuldade de adaptação ao ensino remoto. A estrutura precária da maioria das escolas públicas brasileiras dificultaria a produção de material para os estudantes e a comunicação entre estudantes e corpo docente. O debate também apontava a situação de muitos estudantes que não possuíam os equipamentos necessários para o acesso às aulas, como computador e internet. Os relatos dessa situação podem ser lidos aqui em outro texto do blog. Essa situação, apesar de extremamente óbvia, não contou com a organização e apoio das autoridades competentes, aumentando ainda mais a carga de trabalho dos professores do ensino público.

    Os estudantes, sem a estrutura básica necessária em suas residências para o acompanhamento das aulas, pararam de frequentar as atividades remotas. Essa nova forma de evasão escolar, consequentemente, já tem surtido efeito nos parâmetros governamentais de medição da aprendizagem. Esses dados mostram principalmente a problemática para as escolas públicas, e que vai acentuar ainda mais o abismo educacional existente entre o ensino público e privado. E apesar de estarem em uma situação mais privilegiada e conseguindo se adaptar melhor às possibilidades remotas, o ensino privado também sofreu problemáticas no desenvolvimento educacional. 

    A observação da realidade escolar brasileira mostra, de forma enfática, que o ensino remoto tem múltiplos problemas. Estudantes, professores, gestão escolar, todos estão exaustos do modelo e possuem ainda mais críticas à essa estrutura do que coloquei aqui nesse texto. Portanto, essa realidade decreta a morte do ensino remoto como possibilidade para as escolas?

    É o fim da aventura do ensino remoto no Brasil?

    Dificilmente esse assunto vai deixar de vez o debate no meio educacional brasileiro. Principalmente quando consideramos a lógica neoliberal que rege as escolas, tanto no meio público, mas principalmente no meio privado. As faculdades de ensino à distância já consolidaram muito bem o modelo remoto e mostram claramente o grande motivo que o ensino remoto vai permanecer. A manutenção da estrutura escolar, das salas, e principalmente o pagamento dos professores são custos muito altos para as instituições.

    Baixar os custos de estrutura, não precisar de sala de aula, funcionários e gestão escolar.  Essa lógica focada no lucro em instituições escolares vão continuar pois algumas delas são empresas que buscam esse fim. Mas essa lógica não se prende apenas para o meio privado. As instituições públicas também podem ser vítimas desse modelo, e criar um sucateamento ainda maior para o ensino público brasileiro. E um dos sujeitos principais da educação acaba sofrendo ainda mais: o professor.

    A possibilidade de pagar uma única vez o professor para gravar uma aula, e repetir esse conteúdo diversas vezes ao decorrer dos anos se mostra financeiramente muito mais vantajoso para as instituições. Essa forma de relação com o professor, considerando não mais quem acompanha cotidianamente o desenvolvimento do professor, mas o torna um funcionário freelance, que presta um serviço e depois deixa de ter vinculo com a instituição, é de extrema preocupação para o desenvolvimento educacional brasileiro. 

    O que é possível que a pandemia tenha feito com esse cenário do ensino remoto brasileiro é frear a sua instauração por completo. Como os estudantes, professores e gestores escolares viveram essa forma de ensino, que claramente mostrou-se ineficaz e problemático, a sua implementação por completo deve gerar uma resposta contundente contrária por parte desses sujeitos.

    O que vai continuar então?

    O debate, que sempre foi pautado em uma modernização que seguisse a lógica neoliberal, vai mudar de forma. Antes, era uma tentativa de implementação do ensino remoto considerando o avanço tecnológico escolar. Agora, tudo indica que o debate vai ser focado no ensino híbrido, que faça uma mescla entre o ensino remoto e o presencial. 

    O ensino híbrido, por ser uma forma de organização do ensino, não é necessariamente de todo o mal. Existem possibilidades educacionais interessantes em se implementar novos instrumentos, técnicas e relações no ensino. Mas o ensino híbrido não será implementado em um sistema escolar perfeito. As problemáticas vivenciadas pelas escolas públicas durante esse período pandêmico continuarão. O debate da implementação do ensino híbrido está considerando esse aspecto? Ou apenas uma lógica financeira de redução de custos?

    Além disso, vale os questionamentos: o quanto o distanciamento entre as pessoas afetou o rendimento escolar e a saúde mental? Qual a parcela de culpa do ensino remoto para a defasagem escolar? Ao implementar um sistema hibrido, quais problemas seriam herdados do ensino remoto? Desvincular completamente o ensino remoto do hibrido pode ser perigoso também, pois alguns de seus problemas advém justamente da sua estrutura de afastamento entre as pessoas. 

    Mas todos os aspectos de sua estruturação e implementação precisam considerar o professor como peça fundamental. Sem a figura e a ação do professor, nenhuma organização escolar consegue garantir o desenvolvimento intelectual e social dos estudantes.

    As novas formas de organização escolar vão surgir e entrar no debate público e acadêmico. Colocar como essencial a participação ativa dos professores e da realidade do ensino público brasileiro é essencial. Não teremos desenvolvimento educacional de qualidade se a lógica neoliberal de foco financeiro imperar nos debates que estruturam o ensino brasileiro. 

    Para saber mais…

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências no ensino público

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências (parte II)

    G1 (2021) Percentual alto de alunos não tem acompanhado as aulas pela internet durante a pandemia

    Folha de São Paulo (2020) Estudantes tiveram regressão na aprendizagem durante a pandemia.

    O autor

    Matheus Naville Gutierrez é mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ensino Fundamental e a pandemia de Covid-19: realidades e vivências (parte II)

    Texto escrito por Tanise Flores, Peterson Kepps e Mélany Santos

    Janeiro de 2021, em plena pandemia da COVID-19 a autora deste texto recebe a notícia mais improvável (ao menos para ela) por toda situação caótica que, ainda, vivemos. Recém-formada em Biologia Licenciatura, acabava de ser contratada para preencher uma vaga de professora substituta da disciplina de Ciências em uma pequena escola privada de Ensino Fundamental situada na cidade do Rio Grande/RS.

    A partir dessa experiência, dividirei algumas de minhas vivências atuando no ensino emergencial remoto e híbrido com o olhar de quem atua na rede privada. De antemão, gostaria de comentar o quanto me sinto privilegiada em comparação com professores da rede púbica. Escrevo isso por perceber que os estudantes com os quais atuei possuem melhores condições de acesso à internet, assim como um ambiente, na maioria das vezes, calmo e tranquilo para a participação das aulas remotas.

    A escola no qual estava vinculada não deixou seus estudantes uma semana sequer afastados por completo. Alguns estudantes relataram que já na primeira semana em que as escolas foram fechadas tiveram acesso a atividades enviadas pelo Facebook. Nesse sentido, pelo relato dos estudantes, não demorou muito para a escola organizar uma plataforma para que ocorressem as aulas on-line.

    Porém não vivenciei este período inicial e o que gostaria de dividir por aqui são alguns dos momentos nos quais atuei como professora nos cômodos da minha casa. Preciso comentar que muito provavelmente pelo meu desejo forte em começar a atuar como professora, eu possa relatar experiências mais positivas do que negativas, pois foram essas que me tocaram. Me tocaram no sentido de Larrosa, que nos sugere pensar a educação a partir da experiência vivida.

    Assim, minhas primeiras lembranças deste período são dos momentos de ensino remoto com os estudantes, visto que no segundo bimestre atuei na escola no formato do ensino híbrido.

    Confesso que me adaptei rápido a este novo estilo de sala de aula, claro que ao comparar as vivências do ensino remoto (mediado pela utilização da internet) com as vivências do ensino híbrido (ensino mesclado, onde parte da turma se encontra de forma presencial com a professora e parte da turma acompanha a aula em tempo real, através de plataformas digitais, em casa) percebi com clareza o quanto é mais proveitoso para nós professores e para os estudantes quando todos conseguimos nos encontramos de forma totalmente presencial.

    Vivenciando o ensino remoto

    Tive a oportunidade de trabalhar com os 6º, 7º e 8º anos e pude perceber o quanto cada turma é única e responde de forma bem diferente ao ensino remoto. Pude perceber nos mais pequenos a animação em conhecer a professora nova, o entusiasmo com algumas atividades realizadas em aula dentre tantas outras questões que imagino se aproximarem muito de uma sala de aula presencial.

    Alguns estudantes levantavam a mão para falar, pediam para ir ao banheiro, avisavam que iam sair da aula on-line, por algum motivo, e que já retornariam. Entendo que em muito disso estava a escola que incentivava e reforçava atitudes comportamentais como estas, mas não posso deixar de pensar, com as lentes de Michel Foucault, em todo disciplinamento de muito antes da pandemia que estes estudantes receberam ao longo dos anos dentro dos muros da escola e que não foram esquecidos agora que a mesma está em suas casas.

    O celular como parte do material escolar

    Outro ponto interessante a pensar, que a vivência remota proporcionou para as escolas privadas, é a inclusão do celular como parte do material escolar. Percebi que alguns de nós professores conseguimos adaptar de forma muito positiva jogos e atividades on-line de modo que estas envolvessem os conteúdos trabalhados aproximando os estudantes de sua realidade.

    Trago como exemplo o jogo “Minecraft”, comentado com frequência pelos estudantes na sala de aula. A partir dele, consegui trabalhar conteúdos relacionados como, por exemplo, aos tipos de solo e de rochas.

    Os estudantes se entusiasmaram muito com a ideia da aula, foram participativos e inclusive atuaram como protagonistas. Um dos estudantes, de forma voluntária, compartilhou sua tela e acessou o jogo a partir de sua conta privada. Eu, enquanto professora, apenas guiava e orientava para que ele apresentasse para turma os minerais presentes no solo, as diferentes rochas e assim por diante.

    Outro jogo aplicado em sala de aula e adaptado ao conteúdo de ciências (também por sugestão dos estudantes) foi o Gartic. Este, consiste em uma espécie de Imagem e Ação on-line. Caso você nunca tenha jogado, o jogo tem como objetivo adivinhar o desenho ou mimica que está sendo realizada por um dos participantes. Claro que precisei de tempo, que talvez não tinha, para adaptar ao conteúdo de ciências (aqui caberia mais uma boa discussão).

    Assim, tentando fazer do limão uma bela limonada utilizei o tal do Gartic como forma de revisar os conteúdos trabalhados no bimestre. Para isso, modifiquei as palavras sugeridas no jogo para conceitos que estudamos em aula e um estudante por vez realizava o desenho on-line sorteado pelo próprio site do jogo. Para conseguir desenhar e/ou adivinhar o que estava sendo desenhado era preciso domínio do conteúdo.  

    Outra ferramenta muito utilizada, nesse período, foi o Jamboard (quadro interativo desenvolvido pelo Google) através dele conseguimos adaptar atividades virtuais em grupos, pois os estudantes conseguiam acessar o mesmo quadro/mural acrescentando informações em tempo real.

    A tal das câmeras desligadas

    Para não dizer que só encontrei pontos positivos no ensino remoto (longe disso), um dos pontos negativos que poderia listar foi a questão da câmera desligada por alguns estudantes, seja por falta de motivação ou alguma impossibilidade. Alguns destes interagiam pelo microfone ou chat, mas aqueles que permaneciam em total silêncio não era possível ter ideia se estavam por ali ou não. Se fazia sentido o que estava sendo trabalhado em sala ou não.

    Já os que estavam com suas câmeras abertas, por mais que nem sempre participassem de forma oral, era possível perceber pelos gestos de cabeça ou expressões faciais se estavam um pouco mais envolvidos com a aula ou não.

    A avaliação em tempos remotos

    Outro fator que me incomodou bastante e que não poderia deixar de comentar, pois me fez refletir sobre a prática docente é a questão das avaliações. Sabemos que alguns dos estudantes copiam as questões da internet (como nos trouxe o Matheus em “A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira”) e sequer pesquisam nas páginas indicadas, pelos professores, dos livros didáticos ou da web.

    Sinto como se fosse muito mais prático (e talvez seja), para eles, jogar no google (ou no Brainly) e copiar a primeira resposta encontrada, que por vezes possuem termos muito avançados e que sequer foram trabalhados nas aulas, do que dedicar um tempo para realizar uma busca significativa.

    Nesse sentido, percebo que os estudantes talvez não estejam familiarizados com a pesquisa, pois para responder uma prova com consulta (o que se tornaram as avaliações em tempos de ensino remoto) é preciso ao menos que se consulte mais de uma fonte, reflita sobre o que encontrou e elabore uma resposta mais próximo do que acredita ser a correta, fugindo da decoreba.

    Assim, acredito que cabe a nós docentes, dar espaço em nossa sala de aula para que sejam ensinadas, por exemplo, como usar ferramentas de busca online e como referenciar um trabalho incentivando que o estudante tenha um contato maior com a pesquisa científica já no ensino básico.


    Para saber mais…

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

    FOUCAULT, Michel (2007) A arqueologia do Saber.

    Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público

    A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

    Este texto foi escrito originalmente para o blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • O TikTok e a educação pró-vacinas

    Foi-se o tempo em que fazer “dancinha” no TikTok (1) era exclusividade da Geração Z. Para além do entretenimento, o aplicativo tem sido usado por sites noticiosos, pela divulgação científica, por políticos e até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

    Figura 1: OMS entra no TikTok para oferecer conselhos confiáveis e oportunos sobre saúde pública. Fonte: Captura de tela do perfil no TikTok da Organização Mundial de Saúde (OMS, “World Health Organization” em inglês). 29 jul. 2021

    Popular entre os jovens, ele pode ser mais uma ferramenta para levar informações confiáveis sobre vacinas, em especial sobre as da Covid-19, diminuindo assim a hesitação vacinal de parte da população, fator que põe em risco a imunidade de grupo, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também entrou na plataforma desde 2020 para combater a desinformação. Mas, como tem sido essa comunicação até hoje?

    A comunicação em saúde e o TikTok

    Não é nova a adoção das mídias sociais na comunicação em saúde. Isto foi demonstrado por um estudo (2) desenvolvido por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA). Ele aborda essa utilização por organizações de saúde pública e profissionais de saúde. Assim, esse estudo tem como finalidade disseminar informação em massa para a promoção da saúde. Além disso, tinha como objetivo a construção de relacionamento médico-paciente, vigilância da saúde pública e melhoria de qualidade.

    Em 2020, pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia (China) e da Universidade de Brunel (Inglaterra) realizaram uma pesquisa (3) em que analisaram o conteúdo de 962 microvídeos enviados por 31 perfis de TikTok administrados pelos Comitês Provinciais de Saúde (PHC, na sigla em inglês para Provincial Health Committees) chineses durante o mês de agosto de 2019.

    Assim, nesta pesquisa verificou-se 100 microvídeos mais curtidos entre todos os PHCs. Dentre os temas mais produzidos, 38% foram sobre os profissionais de saúde. Posteriormente seguidos de conhecimento sobre doenças, alimentação diária e reforma sanitária (para os quais não foram colocados percentuais exatos). Dessa maneira, o estudo concluiu (entre outras coisas) que esses usuários do TikTok se engajam mais quando os microvídeos estão correlacionados ao seu entendimento de difíceis termos médicos ou jargões.

    A Comunicação sobre a COVID-19 no TikTok

    Figura 2: Continue lavando essas mãos: captura de tela de postagem com foco em precaução pessoal contra a Covid-19. 
    Fonte: Perfil no TikTok da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha (IFRC na sigla em inglês). 04 mai. 2020

    Todos concordam que uma comunicação eficaz em saúde pública é fundamental. Mas será que a rápida expansão do TikTok foi aproveitada pelos agentes de saúde pública para informar e educar as pessoas sobre a Covid-19? 

    Dessa maneira, foi o que buscaram compreender os pesquisadores das universidades americanas de New Jersey e do Arkansas (4) ao analisar 331 vídeos com alguma hashtag relacionada à Covid-19 postados por perfis oficiais de oito agências de saúde pública (como o da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha) e pelas Nações Unidas (como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) até maio de 2020. Eles identificaram sete categorias de temas de vídeo: 

    1. vídeos com foco em precauções pessoais; 
    2. vídeos de incentivo;
    3. conhecimento da doença; 
    4. antiestigma / antirrumor;
    5. gestão de crise social;
    6. reconhecimento e;
    7. relatório de trabalho

    Os vídeos com foco nas precauções pessoais tenham sido os mais prevalentes. Todavia, o estudo não encontrou diferenças substanciais nas visualizações. Tampouco nas curtidas, comentários e compartilhamentos de vídeos nos sete temas elencados, sendo mais populares aqueles que apresentam dança, devido às características da plataforma. Assim, uma das conclusões é que, apesar do potencial de envolver e informar que tem essa mídia social, as agências e organismos de saúde pública ainda estão num estágio bastante inicial de criação e entrega de conteúdo. 

    Para falar com os jovens

    Um levantamento foi realizado entre janeiro e fevereiro de 2021 pelo think tank estadunidense Pew Research Center (5). Neste estudo, apresentou-se que 48% dos usuários norte-americanos do TikTok têm entre 18 e 29 anos e que 22%, têm entre 30 e 49 anos. Embora as evidências anteriores tenham sugerido que a doença poderia ser menos grave entre os jovens (6), essas faixas etárias são importantes na comunicação de saúde da Covid-19. Isto porque estudos recentes indicam que ela pode se prolongar mesmo entre adultos jovens sem condições médicas crônicas subjacentes (7). Além disso, um em cada três jovens pode apresentar sintomas graves (8). 

    Assim, por ser tão popular entre os jovens, o TikTok pode ter uma utilidade imensa na comunicação de saúde e consequente educação desse público. Conforme se observa em recentes reportagens informando que os jovens estão usando o TikTok para aliviar seus medos do coronavírus. Assim, a empresa, atenta à questão, criou um centro de informações para oferecer aos seus usuários conteúdo confiável sobre a doença. Além disso, no Brasil, firmou parcerias com instituições de pesquisa em saúde, como é o caso da realizada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em maio de 2021.

    Health Literacy

    Os pesquisadores de Huazhong e Brunel (3) informam que o Conselho de Estado da China mantém desde 2016 um Comitê de Promoção da China Saudável. Este conselho realiza um trabalho sob a perspectiva holística da mídia na educação e comunicação em saúde pública. Dessa forma, possui o objetivo de levar à sua população a alfabetização em saúde (ou health literacy, no termo em inglês). Assim, esse movimento demonstra que a comunicação e a educação em saúde por meio de mídias integradas é uma preocupação nacional, naquele país.

    Figura 3: Conhecimento e bom humor. Fonte: capturas de tela de vídeos dos perfis do virologista Rômulo Neris (@oromulismo), à esquerda (19 jan. 2021), e do ator Emerson Espíndola (@mister.emerson), à direita (27 jul. 2021).

    No Brasil, há iniciativas pontuais, como o excelente trabalho realizado pelo ator Emerson Espíndola, que após o início da pandemia criou um perfil no TikTok com o codinome Mister Emerson e tem produzido microvídeos muito interessantes sobre as vacinas contra a Covid-19, além de outros temas relacionados à saúde. Há também cientistas, como o virologista e biofísico  Rômulo Neris (9) que também divulga informações sobre as vacinas contra a Covid-19, além de conteúdo relacionado ao Coronavírus, visto que pesquisa o assunto. Além disso, em nível governamental, podemos destacar para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, em cujo perfil institucional são postadas informações educativas para o público em geral.

    Finalizando

    Em um governo que trocou o ministro da saúde 4 vezes em plena pandemia da Covid-19, como no âmbito federal, tivemos campanha oficial contra o isolamento social e contra a obrigatoriedade das vacinas. Dessa forma, chega a ser devaneio supor que se faça uso de formas inovadoras de comunicação em saúde pública. Nessa seara, o país está à mercê de uma maioria de criadores comuns de conteúdo. Ainda que bem intencionados, por não terem formação para tal, eventualmente, podem cometer equívocos e desinformar. 

    Portanto, Health Literacy por meio do Tiktok já é uma realidade em canais oficiais de países e agências de saúde em diversas partes do mundo. Embora ainda esteja em um estágio inicial. Em suma, Brasil, dependente dos esforços dos divulgadores de ciência (profissionais ou não), infortunadamente, segue sem um direcionamento coordenado, o que pode estar custando centenas de milhares de vidas.

    P.S. [nota do editorial]: Em breve um texto específico sobre o Todos Pelas Vacinas e ações de divulgação no TikTok também!

    Update em 18/08/2021 – Entrevista a CBN 

    Saiba mais:

    (1) Desenvolvido na China, o TikTok é uma plataforma de mídia social que permite aos seus usuários a criação de vídeos curtos (microvídeos) de 15 a 60 segundos (noticiário recente informa esse tempo aumentou para até 03 minutos), possui funções de edição, permite a inserção de músicas, efeitos especiais e o compartilhamento com a comunidade. Assim, dados de 2019, mostram que o aplicativo já tinha, à época, mais de 500 milhões de usuários ativos e um bilhão de downloads no mundo.

    (2) HELDMAN, AB, SCHINDELAR, J & WEAVER, JB (2013) Social Media Engagement and Public Health Communication: Implications for Public Health Organizations Being Truly “Social” Public Health Reviews, Vol 35, Nº 1.

    (3) ZHU, Chengyan et al (2020) How health communication via Tik Tok makes a difference: a content analysis of Tik Tok accounts run by Chinese Provincial Health Committees International journal of environmental research and public health, v. 17, n1, p 192.

    .

    (4) LI, Yachao; GUAN, Mengfei; HAMMOND, Paige; BERREY, Lane E (2021) Communicating COVID-19 information on TikTok: a content analysis of TikTok videos from official accounts featured in the COVID-19 information hub Health Education Research, 261-271. 

    (5) AUXIER, Brooke;  ANDERSON, Mônica (2021) Social Media Use in 2021 Pew Research Center, Washington (EUA) 7/Abr/2021 

    (6) CASTAGNOLI, Riccardo et al (2020) Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review JAMA pediatrics, v174, n 9, p 882-889.

    (7) TENFORDE, Mark W. et al (2020) Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multistate health care systems network, Morbidity and Mortality Weekly Report, v 69, n 30, p 993.

    (8) ADAMS, Sally H et al (2020) Medical vulnerability of young adults to severe COVID-19 illness—data from the national health interview survey Journal of Adolescent Health, v 67, n 3, p 362-368.

    (9) Néris em 2020 era doutorando em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um dos sete pesquisadores brasileiros selecionados para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences para estudar a genética do vírus e suas mutações, além de alterações observadas no indivíduo durante a infecção, como metabólicas e pulmonares. (Mariana Alvim, da BBC News Brasil. 08 jun. 2020).

    Este texto foi escrito originalmente para o Mindflow

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    O que o ensino não-presencial e o Brainly tem nos acrescentado no debate sobre a nossa estrutura educacional.

    Caso você esteja atuando como professor desde abril de 2020, tentando se adaptar, de forma rápida e sem preparo, a um ensino remoto improvisado e pouco estruturado, com certeza você conhece o novo arqui-inimigo dos professores, que tem deixado toda a organização escolar de cabelo em pé: o site Brainly.

    Brainly?

    Não está familiarizado com esta plataforma? Pois bem, ela funciona da seguinte maneira: aos moldes do finado Yahoo respostas, o estudante coloca a sua questão no site do Brainly, esperando que alguém da comunidade responda. Sabemos que muitas questões utilizadas pelos professores são recicladas de banco de dados, vestibulares e sites de exercícios, os estudantes encontram com facilidade as respostas. Dessa forma, muitas vezes, o estudante copia a questão, cola-a na barra de pesquisa do Google e encontra a resposta em menos de 1 minuto.

    Essa nova relação escolar forçada pela pandemia da COVID-19 expõe diversos fatores que nos levam a repensar a própria estrutura da escola. Por exemplo, podemos refletir sobre a estrutura escolar e a forma como organizamos e trabalhamos nas escolas atualmente. Trago aqui algumas reflexões específicas, que poderiam ser exploradas e expandidas.

    Sobre a escola e sua estrutura

    Iniciemos com a reflexão sobre a importância da estrutura escolar, a partir do que Michael Foucault coloca em sua obra “Vigiar e Punir”. Nela, o autor descreve a estrutura escolar como uma forma de poder disciplinar e que transforma os corpos em dóceis. Assim, a estrutura de avaliação tradicional, com prova escrita, sem consulta, sentado em seu lugar imóvel, com pessoas separadas geometricamente de você, é um instrumento que reforça a escola como local de poder disciplinar. 

    Ao tirar o estudante deste local quase inóspito e colocarmos ele com o acesso à internet e comunicação, essa estrutura tradicional perde o seu sentido. Ou seja, não está mais se ensinando ao estudante sentar, olhar recurvado para baixo, apenas uma caneta em mãos, respeitar e obedecer a autoridade das estruturas de poder colocadas na escola. Assim, organização do tempo e do espaço disciplinar, tanto quanto a imposição dos ritmos comumente exercidos no ambiente da escola se ressignificam no ensino remoto.

    Cabe a nós, docentes, essa reflexão. Eu realmente espero que a minha aula, o espaço que posso construir, debater e transformar os meus estudantes, seja apenas um momento de repetição de um tradicionalismo avaliativo? Essa pergunta já permeia o debate acerca dos processos de ensino-aprendizagem e avaliação há muitos anos. Contudo, neste momento específico ganha força e precisa ser retomado.

    O debate não se restringe a um tempo escolarizado subutilizado

    Além disso, aqui entramos em outra problemática exposta e piorada durante o período de ensino remoto: a desvalorização do trabalho docente como um trabalho reflexivo, que demanda tempo. Tempo para refletir, experienciar, conhecer, desenvolver técnicas e instrumentos, escolher e adaptar formas avaliativas. Os professores, que assumem um número de aulas exagerado para conseguir compor um mínimo de um salário decente, precisaram assumir outras funções durante esse período. 

    Dessa forma, além de aprender a usar novas ferramentas para as aulas, os professores também começaram a ultrapassar os horários para conseguir garantir um mínimo de presença e interação com seus estudantes. O que já era de extrema dificuldade para os professores, durante as aulas remotas se tornou praticamente impossível. Logo, a única forma rápida e que cabe no horário disponível aos professores é continuar com a avaliação tradicional. Obviamente, os estudantes aproveitam todas as respostas no banco de dados da plataforma do Brainly. Essa prática pode perpetuar um ciclo de pouco aproveitamento avaliativo nas escolas.

    Os dois fatores anteriormente citados são apenas pedaços de uma vivência complexa e difícil que os professores têm passado durante esse período.

    Existem soluções para eles?

    É importante reforçar que o instrumento, por si só, não é o causador de todo o mal que analisamos. O potencial da internet como ferramenta de ensino é muito valioso. Ela pode ser adicionada e utilizada em desenvolvimentos críticos educacionais. Mas essa mudança precisa acontecer nas estruturas de poder e de organização escolar, e não apenas na cobrança solitária do professor. 

    A reflexão e as possíveis mudanças sobre essa problemática precisam acontecer em um momento anterior. Vamos iniciar com a reflexão da estrutura geral das escolas. Conhecer e entender que a escola é um ambiente de docilidade dos corpos é importante. Todavia, a sua superação depende não somente de uma mudança prática dos professores. Isto é, isso compõe um trabalho social, de percepção da função da escola e do conhecimento que será trabalhado. E isso podemos continuar discutindo futuramente.

    Acredito que podemos focar neste próximo ponto. O que precisamos, primeiramente, é fornecer possibilidades reflexivas sobre a própria prática para os professores. Permitir que os professores pensem e escolham sobre as suas aulas, métodos e instrumentos avaliativos. Atualmente, a estrutura geral da educação não permite essa prática, e os professores acabam forçados ao que é, supostamente, cômodo e ágil, sem que se permita que o professor tenha experiências pedagógicas, possibilidades reflexivas e condições para escolhas pedagógicas.

    Finalizando

    O que a plataforma Brainly fez foi escancarar algo que já se tornou historicamente problemático no ambiente escolar, e que continuará mesmo se o ensino tradicional presencial retorne a sua normalidade anterior a COVID-19. Os estudantes estarão sempre a um passo da internet e de todas as respostas de uma prova tradicional. Por outro lado, os professores sempre atolados e desmotivados para utilizar de outros pensamentos e modelos educacionais e avaliativos.

    Em suma, essas mudanças precisam ser repensadas, levando-se em conta a organização da sociedade. O poder disciplinar, tal como descrito em Foucault, acontece dentro do espaço escolar, é produtivo (como diz o autor), mas não necessariamente precisa acontecer de forma apenas a partir da reprodução contínua de atos e ritmos: é preciso que ensinemos mais do que a repetição automatizada de respostas.

    Para saber mais

    FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os a produção de textos acontece a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e possui revisão por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O estágio de docência na educação a distância: desafios encontrados

    Um texto escrito por Mélany Santos e Peterson Kepps

    No texto de hoje, vamos falar de educação. Abordaremos uma experiência de estágio de docência na graduação EAD em Pedagogia segunda licenciatura. Isso significa, claro, que nós somos licenciados e, além disso, ainda atuamos como professores em sala de aula. 

    Em função de já termos uma formação inicial e vivenciado na primeira licenciatura os estágios de modo presencial, buscamos, nas linhas a seguir, apontar nossas percepções no que concerne a esta vivência de estágio na modalidade a distância.

    Neste contexto, entendemos a importância do estágio nos cursos de licenciatura, enquanto um momento fundamental para a formação, experiência e vivência do professor. Assim, acreditamos que o estágio “[…] possibilita o contato com elementos indispensáveis para a construção da identidade profissional docente”.

    Deste modo, o texto está organizado em dois momentos. Isso se deu porque nós, autores, embora tenhamos vivenciado o estágio nesta modalidade e na mesma universidade, realizamos em momentos diferentes da pandemia de Covid-19. O que acarretou num formato diferente de desenvolvimento do estágio docência. 

    Primeiras reflexões

    Antes de começar esse relato, é necessário que eu me apresente a vocês. Meu nome é Mélany Santos, sou professora de matemática das séries finais do Ensino Fundamental, da rede municipal de Pelotas/RS. Sempre tive o desejo de fazer uma licenciatura em Pedagogia, e iniciei em 2020.

    No curso EAD em Pedagogia segunda licenciatura, os estágios de regência eram de forma presencial nas escolas. Contudo, devido ao início da pandemia do coronavírus, os estágios tiveram que  ser modificados.

    No início de 2021, mais especificamente em março, tive que realizar os meus estágios de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. A forma encontrada pela Universidade foi desenvolver um plano de estágio que pudesse ser apresentado em forma de vídeo aos alunos e publicado no youtube. 

    Organização das aulas e atividades

    Criei então dois planos de aula, um para cada nível. Em seguida, gravei essas aulas, de no máximo 10 minutos. Que ficaram organizadas em: um momento de apresentação enquanto professora deles; vídeo para o momento da história; outro vídeo para que eles pudessem cantar uma música; depois tiveram que manipular massinha de modelar; posteriormente fariam desenhos e teriam que pintar.

    Por fim, a última atividade consistia em que eles gravassem um vídeo e me devolvessem,  respondendo algumas perguntas. Dentre elas, como estava sendo para eles o período de aula online, o que eles sentiam mais falta da escola e perguntas relacionadas a atividade. 

    Postamos essas duas aulas no youtube, já que não teríamos como aplicar em sala de aula, em função das escolas estarem fechadas. Quando postadas, encaminhei o link para que conhecidos pudessem ver e mostrassem aos seus filhos. 

    Em uma semana o vídeo “A Dona Aranha” teve 30 visualizações, e o vídeo “A Lenda do Saci-Pererê” teve 31 visualizações. Assim, realizei o relatório de dados de repercussão, apresentando o alcance que os vídeos tiveram. E por fim, os relatórios de estágios. 

    Estágio simulação

    Inicio esse subtítulo um tanto provocador, mas foi assim que me senti ao final dos estágios, estando em uma “simulação”. Desde o planejamento eu sabia que não teria nenhuma interação com os alunos, com o ambiente escolar. 

    Formular essas aulas foi uma experiência muito estranha, já estou acostumada a trabalhar em sala de aula, tendo o contato com os alunos, e receber esse retorno deles. Esses pontos são fundamentais para nos formar enquanto professores. 

    Tive que simular que estava falando com os alunos, e ficar imaginando nas respostas e nos questionamentos que eles iriam propor em aula. Além de ter que pensar em recursos que fossem atrativos e divertidos para ensinar.

    Contatos de corredor 

    Não ter este contato com os alunos, não experienciar isso em sala de aula, e não ver a reação de cada um deles é bastante difícil, pois todos esses momentos são fundamentais em um estágio. 

    Na aula (fictícia) pedi no final que os alunos gravassem um vídeo e me retornassem com as respostas das perguntas, contudo esse retorno não existiu, dado que ele não foi aplicado diretamente aos alunos. Em decorrência disso, vejo o quanto isso se torna prejudicial para a (re)elaboração dos planos de aula, e reflexão das atividades que deram certo ou não. 

    Neste modelo de estágio não pude vivenciar o contato com a realidade escolar, com os outros professores, nem promover discussões ou ideias para atividades em sala de aula. Essas são situações vivenciadas no estágio presencial, e que contribuem muito para o desenvolvimento e formação pessoal.

    Penso o quanto toda essa readaptação dos estágios foi prejudicial para nossa formação enquanto pedagogos, pois o que é o estágio sem o retorno e experiência dos alunos? Como refletimos as nossas práticas enquanto professores?

    Outras reflexões…

    Antes de iniciar o relato da minha experiência, preciso me apresentar. Me chamo Peterson e sou professor de Ciências da educação básica. Diferentemente do estágio da Mélany, o meu se deu por meio do ambiente escolar. Isto é, pude estagiar em uma turma de 1° ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do município de Pelotas/RS, neste ano, 2021. 

    Embora com essa possibilidade de atuação mais direta com alunos, professora regente e coordenadora pedagógica da escola, os trâmites que envolvem o processo de estágio foram extremamente comprometidos. Digo isso por alguns motivos que vou apontar a seguir.

    Destaco, ainda, que as aulas para os alunos, nesta escola em que realizei o estágio, se deram através do whatsapp. Em meio a isso, eu tinha de enviar em formato de imagem a aula do dia.

    Acessos ao material

    Nesta situação, a interação com os alunos passou a ser inexistente, tendo em vista que estava atuando numa turma de 1° ano, com alunos ainda não alfabetizados e, muitos, sem acesso a celular ou computador.

    Foi então por intermédio apenas da família que busquei estabelecer alguma relação com os alunos. O envio de vídeos poderia ser uma possibilidade de interação com eles. Entretanto, a coordenação da escola informou que o uso destes deveria ser evitado. Isso se justifica porque o pacote de internet de muitas famílias não comportaria acessar todas as aulas.

    Diante de uma situação como essa é impossível, ao menos para mim, não pensar no caos que estamos vivendo. Não pensar na falta de acesso a serviços que, em 2021, acredito que já teríamos de ter superado/avançado.

    Sei que aqui o texto vai por um caminho espinhoso, que pode nos desassossegar e provocar sentimentos e reações não tão boas. A frase “a pandemia de coronavírus escancara desigualdades brasileiras” para muitos de nós, pode ter se tornado repetitiva ou até mesmo naturalizada. Mas vivenciar esta falta de acesso, a incapacidade de desenvolver um trabalho minimamente razoável é extremamente desanimador e revoltante.

    Interrogações

    Em meio a tudo isso, outra questão que surge é o feedback dos alunos. Há, no grupo de whatsapp da turma, quase que diariamente uma chamada da professora titular com mensagens e animações/figuras que buscam estimular o envio das tarefas solicitadas nas aulas. O retorno é escasso. E o que fazer?

    Além disso, pensemos na própria elaboração dos planos de aula. Os professores que aqui nos leem sabem que nossos planos são sempre reajustados de acordo com as potencialidades e dificuldades da turma. Com baixo número de responsáveis que retornam as atividades dos alunos, o que podemos fazer para, ao menos, suprimir estes impactos?

    Por fim

    Para fechar, questiono, também, a formação de professores neste período. Que professores, o que de certa maneira também me inclui, serão formados diante de um estágio docência em que não há troca com os alunos? Que professores se constituirão sem ter a experiência de readaptar, (re)planejar, reinventar suas metodologias de ensino e atuação de acordo com os acontecimentos diários de sala de aula?

    O estágio de docência não pode ser tomado como a cereja do bolo, o momento que vai apenas coroar o estudante de licenciatura enquanto professor. Assim, o estágio é muito mais que um trabalho final, é aprendizado na prática, na vivência do espaço escolar, que perpassa desde a sala de aula com os alunos até a sala de café com a conversa com outros colegas professores.

    É no estágio que vemos entrar em operação aquelas teorias fortemente faladas na seara acadêmica, discutidas nos trabalhos e cobradas nas provas de graduação. Tomando a escola como local onde professores aprendem a ser professores, concluo, claro, repetindo esta indagação: que professores estão sendo formados?

    Para saber mais…

    Ester Maria de Figueiredo Souza & Lúcia Gracia Ferreira. Ensino remoto emergencial e o estágio supervisionado nos cursos de licenciatura no cenário da Pandemia COVID 19. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.14290.

    Mélany Silva dos Santos. A Dona Aranha. Disponível em: https://youtu.be/orvQy4T9fuE. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Mélany Silva dos Santos. A Lenda do Saci-Pererê. Disponível em: https://youtu.be/mpD27Z8Fkrw. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Os autores

    Olá! Meu nome é Mélany Santos. Sou licenciada em Matemática. Mestre em Educação Matemática. Doutoranda em Educação em Ciências. Graduanda no curso de Pedagogia; e professora de Matemática da Educação Básica.

    Olá! Meu nome é Peterson. Sou graduado em Ciências Biológicas licenciatura. Graduando no curso de Pedagogia. Doutor em Educação em Ciências e professor de Ciências da Educação Básica.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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