Categoria: Educação

  • E as escolas, devem voltar?

    Texto escrito por Ana Arnt e Isaac Schrarstzhaupt

    Vivemos um momento em que há uma tensão no ar, com impasses difíceis de resolver. Por um lado, temos crianças e adolescentes que estão afastados da escola e de tudo o que isto implica – vivência social, aprendizados do espaço coletivo, contato com amigos, etc. Por outro lado, temos uma doença que assola o mundo – e nosso país de maneira intensa – e cujo os contatos interpessoais é a grande propulsora dos contágios e adoecimento.

    Sim, as escolas são fundamentais para a estrutura social que nós vivemos no mundo contemporâneo. Mas será que temos condições de abrirmos com segurança sanitária para todos?

    Assim, temos noção que precisaríamos urgentemente de um planejamento para retomar inúmeras atividades presenciais, tendo em vista a continuidade da pandemia, por mais tempo do que outrora imaginado.

    Recomendações para aberturas

    É imprescindível olharmos para algumas recomendações para o planejamento de abertura do espaço escolar, embasando-nos em princípios científicos e pressupostos da Organização Mundial da Saúde (OMS), além das regulamentações, leis e normativas do estado, para que a retomada seja repensada para um planejamento mais seguro a todos os trabalhadores da educação.

    Vamos olhar, por estarmos situados no estado de São Paulo, para as resoluções daqui, tendo em vista a abertura desde o dia 08 de Fevereiro. Segundo a Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, publicada no diário oficial (SÃO PAULO, 2021a), é considerado que, para o retorno existe

    “a necessidade de se assegurar as condições que favoreçam a realização de atividades escolares presenciais de forma segura para estudantes e profissionais da educação”.

    Dentre as condições, nós gostaríamos de destacar a distribuição de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), prevista pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que aponta o uso de máscaras de tecido como obrigatória para servidores.

    É sabido que máscaras de tecido de algodão, com duas camadas, são eficientes como barreira mecânica. Entretanto, não são um equipamento de proteção individual. Ou seja, elas funcionam como barreiras de proteção a terceiros, caso o indivíduo em questão esteja contaminado, para minimizar riscos de outros indivíduos próximos. Isto é, por ser uma barreira mecânica, ela impede a dispersão de aerossóis. Mas para o indivíduo que utiliza a máscara, tem um efeito menor de proteção. Além disso, as máscaras de tecido frequentemente tem escapes de aerossóis, por não terem um isolamento adequado.

    Tendo em vista a necessidade de proteção dos servidores, como manutenção do serviço prestado à comunidade, os EPIs adequados deveriam atentar-se não apenas à proteção de quem convive no mesmo espaço, mas dos indivíduos trabalhadores em si.

    Dessa maneira, alguns especialistas têm indicado as máscaras N95 ou PFF2, que no início da pandemia eram desencorajadas, por estarem em falta para o corpo médico que atuava na linha de frente. A indicação destas máscaras não se restringem ao ambiente de trabalho, mas a espaços como transporte público e escolar.

    Todavia, na ausência destas máscaras, a OMS têm preconizado o uso de máscaras de tecido, com 3 camadas: uma camada hidrofílica interna, duas camadas (uma intermediária e uma externa) com características hidrofóbicas.

    Assim, a OMS ainda aponta fortemente a necessidade de testes e rastreamento de contatos, não limitando-se ao aparecimento de sintomas e casos suspeitos.

    Parece exagerado falar isso? Tal como já temos debatido em outros textos, reforçamos o fato de que o Brasil é o 3º país do mundo em casos confirmados de Covid-19. Não bastando este número, somos também o 2º do mundo em quantidade de óbitos. Todavia, em números totais de testes, somos o 11º país do mundo. Mas, pior que isto, em testes por milhão de habitantes, estamos em 116º lugar no mundo (WORLDOMETERS, 2021).

    Afinal, o que estes números indicam?

    Isto indica que, à revelia da intencionalidade de rastreio e testagem das escolas, nós temos falhado (E MUITO) nas testagens de qualquer brasileiro.

    Outras informações relevantes

    Ao olharmos o documento Volta às aulas Seguras, 2021 (SÃO PAULO, 2021b), consta que o retorno deveria ser feito após a testagem negativa, em casos suspeitos. No entanto, nossa pergunta, neste caso, é: onde este teste será feito? Como serão os encaminhamentos de testes? Haverá garantia para testes a todos os estudantes e servidores da rede? Isto deveria ser respondido, tendo em vista a baixa testagem em nosso país, ainda.

    Todas estas questões somam-se ao fato de que o Estado de São Paulo tem registrado diariamente mais do que 10 mil casos, com óbitos que ultrapassam 300 por dia. Por outro lado, analisando-se a Média móvel de internações, nas últimas semanas vemos um aumento da taxa de internações, mesmo com a mobilidade urbana estável, ou diminuindo.

    Figura 1. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São João da Boa Vista e Taubaté. Fonte: SEADE, São Paulo

    Figura 2. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Marília, Presidente Prudente, Piracicaba, Registro. Fonte: SEADE, São Paulo
    Figura 3. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Bauru, Campinas, Barretos e Granca. Fonte: SEADE, São Paulo

    O que as Médias Móveis de Internação representam?

    Mais do que apenas a taxa diária de ocupação dos leitos, é fundamental em uma crise sanitária como esta, observar a tendência de internações – se estamos aumentando ou diminuindo em um tempo determinado e analisar quais os motivos estão nos levando a esta tendência (de aumento ou diminuição das internações).

    Segundo os dados do SEADE, pode-se ver que à revelia de termos UTIs não ocupadas (temos ocupação de 66,7% segundo os dados de hoje, 10/02), conforme indicado pela Secretaria de Saúde do Estado, vivemos atualmente um aumento de casos de internação, considerando a manutenção do isolamento – e fechamento e controle de horários de estabelecimentos de comércio, bares e restaurantes durante o final de semana.

    E o que o aumento de casos de internação nos diz? Que estamos com aumento de pessoas contaminadas! Ainda assim, lembramos sempre que as internações se referem à infecções ocorridas há pelo menos 10 dias. Isto levando-se em conta o período de incubação da doença e mais o atraso na notificação da internação. Como podemos propor um aumento de mobilidade em uma situação de aumento de internações?

    Sobre as escolas e o isolamento

    O retorno das escolas representa exatamente o avesso da “manutenção de isolamento”. Isto é, um aumento significativo de pessoas circulando, especialmente em transporte público e escolar. Além disso, o óbvio aumento do contato direto diariamente – mesmo seguindo-se todas as recomendações apontadas em documentos oficiais e restringindo-se a 35% de crianças dentro do ambiente escolar.

    Estamos vivendo um momento de apreensão, com as novas variantes aparecendo – e se espalhando. Ao que tudo indica, com uma transmissibilidade maior do que o vírus original. Também temos vivido um relaxamento das regras de isolamento social em vários setores da sociedade.

    Percebemos, sim, as falas de: cansaço de pessoas, falta de convívio social das crianças com outras crianças, trabalho das mães que não podem fazer home office e cuidados necessários por avós que ficam das crianças.

    Entendemos que a escola também não é apenas conteúdo técnico e científico. Pois as perdas são muito maiores do que aprender regras de subtração, divisão celular, ou capitais de estados e países. A vivência escolar é incomensuravelmente maior que tudo isto. E jamais diríamos o contrário.

    E a APEOESP?

    Por fim, alertamos que a APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo – tem lançado os comunicados com escolas em que casos de contaminação estão acontecendo e, até o momento, há 100 escolas com contaminação registradas, inclusive com servidores em estado grave e registro de óbitos.

    Em suma, o retorno se apresenta com poucas condições para a manutenção segura e saudável dos nossos alunos e servidores – ainda considerando-se a quantidade de contatos que cada indivíduo tem (familiares próximos) que potencializa o risco iminente de surtos com complicações em pouquíssimo tempo.

    Entretanto…

    A centralidade de nosso ponto é que estamos falando em um aumento da média móvel de internações, estamos batendo recordes de mortes diárias, novamente. Temos uma campanha de vacinação que avança muito lentamente – e está longe de chegar ao alcance de servidores das escolas (que não foram priorizados nesta primeira fase) e familiares próximos.

    Vivemos um momento em que absolutamente todas as decisões têm sido tomadas em âmbitos individuais, pressionadas por posicionamentos do Estado que parecem não olhar para estes números de mortes, médias móveis de internações e para as condições precárias que milhões de famílias estão passando.

    A título de ilustração, abordamos um estudo (ainda em preprint) analisando cenários de retorno das atividades escolares na Europa. Neste estudo, levou-se em conta a diferença de transmissibilidade da Covid-19 em crianças e adolescentes. Assim, seria importante analisar a necessidade de abertura das escolas em cada uma das etapas de ensino. Nesta pesquisa, evitar a retomada do ensino fundamental e médio, em situações de aumento de casos – ou mesmo estabilidade – foi a recomendação.

    Além disso, em qualquer cenário analisado, os testes e rastreamentos seriam uma das ferramentas imprescindíveis para controle da Covid-19 (Domenico, 2021).

    Outra pesquisa, brasileira, também em preprint aponta que os critérios para abertura das escolas têm seguido parâmetros de:
    – Redução na propagação do vírus.
    – Sistema de Saúde com condições de abarcar casos graves;
    – Monitoramento (testes em larga escala e rastreamento de contatos)

    A partir destas questões

    O nosso ponto é: como podemos olhar para a escola como PRIORIDADE quando há denúncias de falta de condições, professores com medo e estabelecimentos comerciais não essenciais abertos? Assim, como priorizar escolas sem um plano em que servidores estejam vacinados e, com isso, protegidos entre si, e também em relação às crianças (que não poderão se vacinar ainda)?

    A pressão pelo retorno não poderia esperar por mais um mês? Em tempos em que estamos em uma corrida contra o tempo para os processos de vacinação, talvez fosse importante investir em diminuição dos casos. Isso enfatizando que, até que uma nova fase da vacinação se desenrolasse e tivéssemos, de fato, uma possibilidade de estes profissionais terem sua saúde garantida.

    Por fim, o retorno das escolas como política pública – mesmo que em âmbito de escolas privadas – deve ter recomendações específicas, com estratégias que visem proteção e segurança sanitária de servidores, crianças e familiares. Isto é, incluir EPIs adequados, testes em massa, rastreamento de contatos. Assim como, também seria fundamental repensar a retomada a partir de critérios específicos. Por exemplo, tomando estudos de lugares que fizeram a abertura das escolas e, também, análise de cenários destas aberturas.

    Nossos Materiais:

    Como Funciona a N95?

    Vamos abrir as escolas?

    Materiais de Parceiros

    Kokubun, F, Schrarstzhaupt, I, Fontes-Dutra, M, Santana, L (2020) Reabertura das escolas, Rede Análise Covid-19

    Mori, Vitor (2021) Qual máscara usar

    Material de referência

    Di Domenico, L, Pullano, G, Sabbatini, CE, Boëlle, PY, Colizza, V (2021) Modelling safe protocols for reopening schools during the COVID-19 pandemic in France

    SÃO PAULO (2021a) Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, Diário Oficial de São Paulo,Volume 131, Número 16, São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2021.

    SÃO PAULO (2021b) Volta às aulas segura 2021.

    Letícia Soares, Teresa Helena Schoen (2021) Medidas de prevenção à Covid-19 no retorno às aulas:Protocolos de 13 países

    SEADE (2021) Leitos e Internações (Data até 06/01/2021).

    WHO (2020). Mask use in the context of COVID-19

    WORLDOMETER (2021) Coronavírus (6 de Fevereiro de 2021)

    Os Autores

    Isaac Schrarstzhaupt é Cientista de dados e Coordenador na Rede Análise Covid-19 (@analise_covid19) e gentilmente nos ajudou a levantar os dados, analisá-los para debatê-los com vocês.

    Ana de Medeiros Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, pesquisadora do Grupo Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) e coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie, teve sua primeira versão publicada dia 10 de fevereiro, e revisado (especialmente o final do post) dia 12 de Fevereiro

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vamos abrir as escolas? (parte 2)

    Apenas no dia 24 de setembro, tivemos 831 óbitos no Brasil, acumulados, temos 139.808 óbitos confirmados no Brasil, até esta data. Como lidar com os debates de abertura de escolas, quando ainda temos em nosso país tantas mortes diárias?

    Temos escutado diversas opiniões, olhar algumas delas talvez seja importante para pensarmos a abertura das escolas. É o que faremos hoje e nos próximos textos em que vamos olhar para algumas falas comuns que escutamos quando perguntamos se as escolas deveriam mesmo abrir… 

    1. Os bares abriram! Como assim não podem abrir escolas?

    Talvez a pergunta correta fosse: será que os bares deveriam ter aberto? Qual o nível de segurança de um lugar como um bar, como controlar entradas e saídas destes espaços, quando grande parte funciona com seu público circulando na rua?

    Não faz sentido comparar bares e escolas, pois os bares não deveriam, pela lógica, estarem abertos. Há evidências de “superespalhamento” da COVID-19 em espaços como bares e eventos sociais (como casamentos), publicados sobre Hong Kong (saiba mais aqui e aqui). Assim, estes seriam os maiores responsáveis (10% dos casos de infecções rastreados). 

    Vale lembrar a reportagem da BBC, que aponta a partir de um estudo estadunidense as atividades de maior risco:

    Retirado da Reportagem “Apenas a vida de vocês importa?”

    Talvez por termos aberto comércios, shoppings e bares é que as escolas passaram a ser mais um fator de risco e não “o grande fator de risco”. Mas definitivamente, não é porque os bares abriram, que escolas também podem abrir (essa comparação não faz sentido!).

    – Mas, a economia, ela está sofrendo demais, sabe?

    Pois, sim. a economia está sofrendo. Já discutimos isso em várias postagens aqui no Especial. Também discutimos sobre necropolítica, vale a pena conferir…

    2. Se mantivermos os protocolos sanitários nas escolas, não vai funcionar?

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que para abrir escolas o indicado é ter uma abordagem baseada no RISCO de contaminação (veja na íntegra as recomendações da OMS aqui). Neste sentido, talvez mais importante do que pensar se escolas no Brasil devem abrir, seja pensar sobre: em que municípios e em quais estados escolas podem abrir. 

    Além disso, os benefícios e os riscos devem ser mensurados em relação a intensidade de transmissão na região da escola. Isto é, não adianta pensar em abrir escolas no BRASIL. Isto é, a análise de abertura tem que ser pensada em relação à comunidade escolar em cada cidade. Por exemplo: a transmissão está elevada? Como são as condições sanitárias desta região? Como as crianças chegarão na escola?

    Outros fatores, segundo a OMS, devem ser levados em consideração nesta conjuntura, tais como: os impactos de se manter a escola fechada nas comunidades, a realidade de populações vulneráveis, as desigualdades sociais e a relação do processo de ensino aprendizagem. Além disso, a OMS recomenda que deve ser analisado se as escolas conseguem operar em boas condições sanitárias e se as autoridades locais têm condições de agir rapidamente, caso necessário.

    Mas, vocês podem perguntar: o que são boas condições sanitárias, para a OMS?
    Recomendações OMS para abertura das escolas
    Recomendações OMS para abertura das escolas

    Aqui vou fazer algumas observações que penso ser pertinente:

    Somos o 7º país do mundo em óbitos por milhão de habitantes. 

    No entanto, somos o 82º país do mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    O que isto quer dizer? Que embora nós tenhamos aumentado a quantidade de testes realizados aqui no Brasil, os dados confirmados de óbitos e infectados nos colocam nos dez primeiros colocados. Mas de testagem e aferição de doentes em 82º lugar. Estamos testando pouco e, mesmo assim, confirmando muitas mortes. (Se às vezes parece confuso comparar os números da Covid-19 “por milhão de habitantes” ou em números absolutos, veja estas postagens: 1, 2, 3).

    Esta semana foi anunciado, aqui em Campinas, que na cesta básica destinada aos estudantes em isolamento social não terá arroz em função do valor. Como um município que não consegue garantir 5kg de arroz por aluno que precisa da cesta básica, garantirá testes diagnósticos à equipe que trabalha na escola e alunos? (A dúvida é sincera e vale a indicação de que teremos um texto sobre segurança alimentar em breve…).

    Será que conseguimos ter uma noção segura de risco e manter boas condições sanitárias para proteger a saúde e segurança de todos na escola (estudantes, funcionários e docentes) sem a realização de testes em massa em nosso país?

    Como diz o dito popular: fica aí o questionamento

    Voltemos às recomendações da OMS:

    “Higiene e práticas diárias na escola e nas salas de aula: Distanciamento físico de pelo menos 1 metro entre indivíduos, incluindo espaçamento de carteiras, higiene das mãos e respiratória frequente, uso de máscara apropriada para a idade, ventilação e medidas de limpeza ambiental devem ser implementadas para limitar a exposição” (tradução minha).

    A OMS recomenda, ainda, triagem de alunos e funcionários e recomendações de que caso apresente qualquer sintoma ou mesmo não se sinta bem, que fiquem em casa sem qualquer penalidade.

    Assim, aqui talvez fosse pertinente perguntar-se: É possível manter afastamento de 1 metro de cada carteira, com todas as crianças retornando? Como seria a dinâmica de retorno para criar condições MÍNIMAS de saúde para que estas recomendações tornarem-se efetivas?

    Além disso, quando pesamos os benefícios do retorno, talvez seja importante não apenas fazer um check list de benefícios e malefícios. Mas apontar quais os riscos deste suposto benefício do retorno.

    Destaco, ainda, o recente documento lançado pelo Ministério da Saúde (MS), “Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19” (leia na íntegra aqui). Neste documento, há um detalhamento sobre como as escolas devem agir em caso de reabertura. As orientações, no entanto, são sugestões a serem seguidas pelas escolas. Estas não são, portanto, obrigadas a seguir todas as recomendações do MS.

    No documento brasileiro, por exemplo, consta:

    “As orientações abaixo são gerais e deve-se sempre observar as normas e orientações estaduais e municipais na implantação dessas medidas e na determinação de reabertura das escolas, sejam elas da rede municipal, estadual ou federal. É importante reforçar a autonomia federativa, uma vez que as decisões sobre a implementação de estratégias são tomadas localmente, em colaboração com serviços de saúde. 

    Essas ações, ao longo de todo o processo de planejamento e execução, precisam ser articuladas com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e demais setores do respectivo ente federado capazes de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar. Com isso, os Grupos de Trabalho Intersetoriais Municipais (GTI-M) do PSE tem um papel central na articulação desses atores envolvidos nas orientações deste documento. É importante que o tema da Covid-19 seja incluído no planejamento das aulas, sendo trabalhado em conjunto com as ações de promoção da saúde e recomendações do Ministério da Saúde e integradas com as disciplinas escolares, como forma de agregar ao aprendizado” (Brasil, 2020, p.5-6).

    Em suma, o retorno às aulas tem como premissa as condições de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar por parte da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Neste contexto, seria importante à comunidade escolar – pais e gestão da escola – estarem em contato com a RAS e cobrarem estas ações antes do retorno efetivo das crianças.

    Por fim?

    Assim, seria recomendável, ANTES de reabrirem as escolas, assegurar que teremos estas condições em cada escola e comunidade escolar: distanciamento entre classes, escalonamento para intervalos, refeições, entradas e saídas de alunos; testes e rastreamento de contatos de funcionários, docentes e estudantes; análise de grupos de risco e contatos destas pessoas com indivíduos que apresentam riscos (pessoas idosas ou com comorbidades).

    Além disso, obviamente, uma análise detalhada da região e localidade para assegurar-se que não temos uma situação de risco neste momento – o que conseguiríamos dizer se tivéssemos testes em quantidades suficientes (o que está longe de ser uma realidade!).

    No próximo texto, vou propor que pensemos sobre outras falas comuns, tais como “é justo as crianças perderem o ano escolar por causa da Covid-19?”; “não dá para esperar a vacina, em algum momento teremos que voltar!” e “os pais e as crianças estão cansados, talvez seja bom voltar levando-se em conta a saúde mental” (também parecida com a fala) “não se contaminar é importante, mas conviver com outras crianças também!”.

    Por enquanto, acho, já temos bastantes ideias para pensar e discutirmos juntos (ou o famoso: por hoje é só, pessoal…).

    P.S.: um update rápido

    Só para lembrar que, junto a este debate, ontem (24/09) enquanto produzíamos este texto, o nosso Ministro da Educação Milton Ribeiro declarou que o ensino remoto acentuou a desigualdade no Brasil – o que tem sido apontado como um dos possíveis benefícios do retorno (minimizar esta desigualdade). Tal debate não leva em conta, claro, as condições em que as escolas estão e de que modo vai acontecer o retorno. Vale a pena destacar a fala, conforme o jornal Estado de São Paulo:

    BRASÍLIA – O ministro da Educação, Milton Ribeiro, reconhece que a pandemia do novo coronavírus acentuou a desigualdade educacional no País. “Não é um problema do MEC, mas um problema do Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão. Ribeiro acredita que não faz parte das atribuições do ministério resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas online ou se envolver na reabertura de escolas.

    Na entrevista, o Ministro afirma que haverá repasses para os municípios e para as escolas, para compras de insumos de proteção. O questionamento de se estas medidas asseguram estudantes, funcionários e docentes, feitas no início do texto, permanece.

    Para Saber Mais:

    ADAM, D.C., WU, P., WONG, J.Y. ET AL. (2020) Clustering and superspreading potential of SARS-CoV-2 infections in Hong Kong. Nat Med

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2014). Oficina Nacional de Planejamento no Âmbito do SUS.

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19.

    HSIANG, S, ALLEN, D, ANNAN-PHAN, S et al (2020) The effect of large-scale anti-contagion policies on the COVID-19 pandemic Nature 584, 262–267.

    ROVÊDO, T (2020) Educação corta arroz da cesta entregue a alunos de Campinas; A Cidade On 

    WHO (2020) Q&A Schools and Covid-19

    WORLD METERS (2020) https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vamos abrir as escolas? (parte 1)

    Texto escrito por Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Junior

    E agora, José? E agora, Você?

    Porque planejar um novo semestre escolar corretamente não significa precisar voltar ao sistema presencial? É hora de ouvir educadores, professores e alunos, e não só empresários e economistas. O problema, ou o caroço, não é a escola não ser presencial, é ela não ser nada. E, tristemente, em muitos lugares ela já é pouca.

    Com a naturalização irracional da pandemia do novo coronavírus, por boa parte da população e endossada por políticos e figuras públicas, a vida volta a uma normalidade inexistente e perigosa. Da irresponsabilidade de quem é legalmente dono de si, surgem os que querem colocar jovens e crianças em risco, com justificativas superficiais que se suportam no desconhecimento da realidade da escola no país.

    As ruas…

    Não bastassem as aglomerações em ruas, bancos, restaurantes e lojas, há quem defenda que é hora dos estudantes voltarem às suas atividades escolares presenciais. Defendem ainda que planejar um novo semestre/bimestre à distância não se justifica, uma vez ser possível organizar as escolas em condições para alocar estudantes, professores e funcionários em sala.

    Procuramos nesse texto iniciar uma discussão trazendo, primeiramente, uma visão geral e algumas recomendações de especialistas sobre o retorno às aulas. A intenção dessa série é, a partir de argumentos factuais, entender caminhos para a educação nesse momento, ainda que ocorra a distância. E, deixamos claro nossa opinião que o contexto de um planejamento do ensino à distância EM CONTEXTO PANDÊMICO não significa defender um projeto de educação a distância permanente. 

    O caroço no angu

    Matérias recentemente publicadas em jornais de grande circulação apresentam uma visão problemática, em alguns pontos, sobre a volta às aulas. Limitações de abordagem, falácias e uma diminuição da situação escolar nacional que é, na verdade, típica de quem nunca, ou muito pouco, entrou numa sala de aula da rede estadual de qualquer unidade da federação. Assim, a falsa simetria entre escolas e comércio, sob a égide de um populismo que se pauta em frases como “pagaremos caro por abrir bares antes de escolas” sustenta uma ideia de que o lucro do empresariado educacional está padecendo e necessitando de discursos baratos na tentativa de convencer população e governo. Em contraponto, pesquisas com a população mostram que uma de cada três pessoas não se sente segura no retorno à escola, o que acirra ainda mais o debate.  

    O fato é que a ingerência que se faz em tantas áreas econômicas e sociais não pode, nem deve de forma alguma, ser estendida para as escolas por uma justificativa, usada de forma rasa, de que a educação e as crianças devem ser prioridade. Se as crianças, os jovens, todos aqueles que trabalham neste setor e a educação devem (e devem mesmo!) ser prioridade, então porque não pensar na saúde e segurança desses sujeitos primeiro?!

    Pois é…

    Sabemos, e reafirmamos, a necessidade do compartilhamento de experiências com outros indivíduos na formação cognitiva, social e emocional dos estudantes(1) . Se nós, adultos, já sofremos com a ausência do contato humano, imaginemos as crianças. Além disso, é verdade que muitos jovens e crianças não estão tendo nenhum tipo de educação formal nesse período de pandemia (a ONU estima cerca de 1,6 bilhão de pessoas no mundo todo)(2). Mas, é exatamente por isso que precisamos pensar formas eficientes e acolhedoras de educação, ainda que à distância (e não necessariamente virtual), em um momento que essa parece ser a opção mais segura, principalmente em países com a estrutura educacional como a brasileira.

    Dizemos isso em virtude de nossa situação social e econômica ser muito particular, o que se desdobra e implica em grande medida na nossa educação quanto à acesso, eficiência, métodos, espaços, limitações e proficiências. Claro que discutir o lugar da escola nesse momento sem falar de seguridade e desigualdade social, distribuição de renda e condições mínimas de vida é bastante complicado.

    E o comércio, não abriu?

    Boa parte dos negócios reabriu porque seus donos não conseguem manter funcionários e a si mesmos, sem clientes. Isso mostra que, nas massas, até mesmo aqueles que se entendem parte do processo produtivo não têm estabilidade social. O que dizer então das famílias, e de seus estudantes, em situação de vulnerabilidade, ou que perderam o emprego ou tiveram diminuição de renda? Bom, a escola não é fonte de renda, de modo geral, para os estudantes, mas é a única fonte de alimentação balanceada que muitos deles têm. Estar desassistido pela escola sujeita um aumento das chances de abuso sexual, gravidez na adolescência e exploração do trabalho para auxiliar as despesas da casa. Além disso, significa não aprender na “idade ideal”, o que leva a defasagens na vida toda(3).

    Entretanto, observa-se que, mesmo que o comércio tenha aberto, a vida não voltou ao espírito de normalidade. Segundo a pesquisa(4), a sensação de segurança sanitária é baixa. Dados recentes mostram que 31% das pessoas não se sentem nada seguras para ir ao trabalho, e esse número aumenta em situações de lazer, atingindo 59% em ‘ir à restaurantes” e 63% para “ir ao cinema”. 

    E a escola?

    Quanto à escola, entre as famílias que ganham até 2 salários mínimos ao mês o percentual de pessoas contrárias à abertura das instituições é de 77%, e atinge 56% das famílias com renda superior a dez mil reais ao mês. Nas famílias em que os estudantes frequentam a rede privada, 75% se mostraram contrários à abertura, enquanto nas com estudantes da rede pública o índice chega a 79%. 

    Compreendendo toda a complexidade do impacto da ausência da escola como espaço físico. Todavia, compreendemos também que a escola é muito diferente do comércio e, nessa situação que vivemos, ela não precisa estar aberta para funcionar. Mesmo as escolas particulares continuaram funcionando e, inclusive, cobrando mensalidades, o Estado não cortou a pequena e mal-distribuída verba da educação. O trabalho de professores e funcionários não parou. Na verdade surgiram novos desafios, mas a maioria dos estudantes continuaram sendo, de alguma maneira, atendidos à distância, online ou por meios físicos. 

    O que defendemos portanto, é que, não havendo a garantia de preservação da saúde de estudantes e não sendo possível estimar como a disseminação do vírus seria afetada pela volta presencial as aulas, todo esse atendimento seja pensado, planejado e organizado para que continue remoto e, possa, nesse caminho aprimorar ações para garantir o acesso aqueles que ainda estão à margem do processo. No terceiro texto desta série apresentaremos dados das escolas e ações possíveis nesse sentido.

    Mas e a Europa, não tá abrindo?

    Enquanto isso, onde a desigualdade social é menor, e as condições de acesso básico à educação são levadas a sério, meio mundo resolveu voltar ao ambiente presencial, e com motivos. Além de ter um programa eficiente e planejado de retorno, esses (poucos) países tiveram um controle inteligente e efetivo da pandemia, desde muito cedo, coisa que, salvo exceções por forças estaduais ou municipais, não tivemos, não em nível nacional. Nossas taxas de contágio não diminuíram satisfatoriamente (apenas se estabilizaram) e nossa condição física escolar impede que o argumento de que “dá pra voltar, mas com cuidado” se produza como verdadeiro. 

    Mesmo nesses países não há plenas garantias de que a volta será definitiva; é um processo gradual e sob observação, com possibilidade de declinação à qualquer momento. Assim, há que se destacar ainda, que mesmo em países considerados seguros, o número de casos aumentou. Na frança, por exemplo, os novos casos associados ao ambiente escolar representaram na última semana um terço do total.(5)(6)

    Recomendações

    Se buscarmos as recomendações para entender o processo, acharemos as recomendações do corpo de especialistas em educação da UNESCO, em abril. Neste documento, consta que da reabertura das escolas os governos deveriam:

    “Preparar-se com políticas, procedimentos e planos de financiamento estratégicos necessários para melhorar a escolaridade, com foco em operações seguras, incluindo o fortalecimento de práticas de ensino a distância.”(7) 

    Nós fizemos isso? Temos um Plano? Não, não fizemos isso. Mas queremos reabrir tudo a toque de caixa.

    A OMS desencoraja a abertura de escolas em locais onde a contaminação ainda seja alta (como no caso do Brasil) (7). Além disso, pesquisadores do Massachusetts General Hospital (MGH), afiliado à Harvard, e do Mass General Hospital for Children (MGHfC) afirmam que as crianças desempenham um papel maior do que o imaginado na difusão do coronavírus na comunidade. Isso porque as crianças infectadas mostraram ter um nível significativamente mais alto de vírus em suas vias aéreas do que adultos hospitalizados em UTIs para tratamento da doença. Ademais, são assintomáticas em boa parte dos casos(8;9).

    Finalizando

    Deste modo, o que precisamos (antes de reabrir irresponsavelmente as escolas) é planejar, cobrar ações das esferas públicas (lembrando que não é o professor que resolve os problemas da escola). Isto para a manutenção e incremento do acesso e da qualidade da educação, em prol de programas que garantam que todos tenham uma vida digna, com saúde, educação e estabilidade econômica, fatores que poucas vezes antes estiveram tão interligados, ou tão na nossa cara. Tampouco podemos também transferir as responsabilidades da educação familiar para a escola.

    Nos próximos textos, discutiremos mais sobre todo esse contexto. O problema, ou o caroço, não é a escola não ser presencial, é ela não ser nada. E, tristemente, em muitos lugares ela tem sido pouca.

    Para saber mais

    1 – Socialização na Escola

    https://www.scielo.br/pdf/er/n32/n32a10.pdf

    2 – ARTIGO: Reabrir as escolas: quando, onde e como?

    https://pt.unesco.org/news/reabrir-escolas-quando-onde-e-como

    3 – Marco de ação e recomendações para a reabertura de escolas – Abril de 2020.

    https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373348_por

    4 – Pesquisa aponta insegurança sobre a volta às aulas

    https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/09/75-dos-eleitores-na-cidade-de-sao-paulo-sao-contra-volta-as-aulas-segundo-datafolha.shtml

    5 – Disparada de casos põe em xeque volta às aulas na França

    https://www.dw.com/pt-br/disparada-de-casos-p%C3%B5e-em-xeque-volta-%C3%A0s-aulas-na-fran%C3%A7a/a-54768254

    6 – Infecções em escolas são um terço dos novos casos de Covid-19 na França

    http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/t/videos/v/infeccoes-em-escolas-sao-um-terco-dos-novos-casos-de-covid-19-na-franca/8891815

    7 – OMS, UNESCO e Unicef fazem recomendações para a segurança escolar na pandemia.

    https://pt.unesco.org/news/unesco-unicef-e-oms-emitem-orientacoes-garantir-que-escolas-estejam-seguras-durante-pandemia-da

    a – Documento  https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374258_por

    8 – Alta transmissão por crianças

    9 – Crianças assintomáticas são 64% das infectadas pelo Covid-19 em Sp.

    https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/18/mais-de-64percent-das-criancas-que-testaram-positivo-para-covid-19-foram-assintomaticas-aponta-mapeamento-da-prefeitura-de-sp.ghtml

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 1.000.000, 272, 200

    Sugestão para escutar enquanto a leitura segue
    Um milhão um mil quatrocentos e setenta e sete

    Duzentos e setenta e dois

    Duzentos.

    O quê? Mortos, dias de anúncio da China, dias de anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Não sabe do que se trata ainda?

    Do assunto que se tornou o grande tema a ser debatido neste ano. Coronavírus, também conhecido como SARs-CoV-2, o causador da COVID-19. Portanto, o protagonista de várias de nossas conversas atuais.

    Hoje ultrapassamos a marca de 1 milhão de mortos no mundo, aos 200 dias de pandemia decretada pela OMS, 272 dias do anúncio oficial do governo Chinês (31 de Dezembro de 2019) sobre o vírus.

    No Brasil, hoje foram mais 300 mortes registradas no site worldmeters, com 141.741 mortes acumuladas. Estamos em segundo lugar no mundo em mortes totais. Somos o terceiro país em quantidade de infectados, com 4.732.309 – oficialmente. Estamos em terceiro lugar em novos infectados confirmados HOJE, mais 14.194. Terceiro lugar, também, em “mortes novas” (ocorridas no dia de hoje, 27 de setembro). Temos 539.731 casos ativos confirmados, sendo 8.318 destes casos críticos.

    Em casos relativos, por milhão de habitantes, estamos em sétimo lugar (ufa, não é mesmo?), com 666 mortes por milhão. Somos o sexto país do mundo que fez mais testes (17.900.000) o que parece bastante. No entanto, isto representa estarmos em 82ª posição no mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    As mortes do Brasil representam 14% das mortes totais por coronavírus no mundo.

    São números.

    Como assim? Pois é, temos nos acostumado a eles, os assombros das primeiras semanas foram tornando-se nubladas e sem muito sentido ao longo destes 200 dias de pandemia. Não te parece?

    Com bares abertos, praias lotadas, kits covid sem comprovação científica sendo distribuídos, dizeres anti-vacina propagados pelo alto escalão do governo, dinheiros de pesquisa cortados em todos os âmbitos do governo (este ano e ano que vem também) e relativização dos riscos como pauta para abertura de escolas.

    O mundo apresenta o cenário perfeito para qualquer grande conto de ficção científica. Isto é, descrenças em cientistas, pânico moral pelo simples abraço, assujeitamento às condições de clausura ou às necessidades imperativas de pôr alimento à mesa. Vocês conseguem imaginar a narrativa?

    Nós poderíamos descrever com detalhes como vislumbramos uma cena. Mas pareceria cruel tal descrição e, claro, talvez não pareça ficção.

    [pausamos a escrita. respiramos fundo]

    Recarregamos a página com o placar Covid-19 do site Worldmeters. Enquanto escrevíamos até este ponto, mais 261 pessoas morreram – só com a Covid-19.

    Às vezes parece uma realidade paralela “Justo na nossa vez, na nossa vida”, podemos pensar… Mais mortes, mais vidas. No entanto, se estamos reclamando é por estarmos vivos. Mas não adianta esconder, o pensamento volta:

    Justo na nossa vez, na nossa vida

    A resiliência segue e parece pífio falar em necropolítica, em ACE2 ou Spike. Pífio pelo cansaço de uns, pela evidente resistência dos corpos que, no dia a dia, vivem desde o dia 1 de isolamento social, sem isolamento. Que trabalham, vivem, morrem cotidianamente.

    Tampouco parece funcional bradarmos por verbas para a ciência, seguirmos batalhando para que não cedamos para grandes abates por políticas públicas. Contudo, sei lá, montar notas de repúdio e tuitaços falando de nossa auto-importância não ajudou.

    Dessa forma, parece banal falar de esperança. Sentimos como se isso fosse minimizar as mortes até agora sentidas. Assim, destacamos, em um editorial de divulgação científica, que não há ciência suficiente para explicar a dor que estamos vivendo. Um milhão de mortes confirmadas de uma causa que, antes de 31 de Dezembro de 2019, não existia para o mundo.

    Um milhão de mortes!

    Todavia, mesmo não havendo ciência que explique toda a dor sentida pelas perdas desta doença (mortes reais e simbólicas) é através destes conhecimentos científicos produzidos nestes últimos 272 dias – que são também resultado de centenas de anos de busca pela compreensão dos fenômenos naturais, sociais e culturais – que temos conseguido permanecer firmes e avançar. E é nos passos destes conhecimentos, e por todas as pessoas que existem e por todas as que se despediram de nós este ano, que seguiremos batalhando para chegar a soluções mais justas e éticas, para a saúde de todos, com e pela ciência.

    E enquanto produzíamos este texto, ao fim, recarregando o painel mundial, 1.002.402 mortes. Isto é, 925 óbitos por coronavírus, enquanto cerca de 800 palavras foram escritas, lidas, revisadas, reescritas.

    Mas ‘Blogs’, são só números!

    Todavia, se os números te parecem monótonos e sem sentido, recomendamos a visita no projeto INUMERÁVEIS. Um memorial dedicado a cada uma das pessoas mortas pela Covid-19. Ou seja, Não são números: são pessoas, famílias, amigos. Com nomes, sorrisos, força, trabalho, frugalidades, e é disso que se trata. 

    Cópia de tela do projeto Inumeráveis.https://inumeraveis.com.br/

    E é por isso, também, por estes nomes, pessoas, sorrisos, forças e frugalidades que viveram e se despediram que, hoje, gostaríamos de acabar o texto com esperança, no meio de todo este pesar. Esperança pelos saberes que temos e produziremos pela ciência. E esperança, por respeito a todos os que nos deixaram este ano, de que seguiremos lutando, por outros dias que nos aguardam. Por ímpetos e intenções de esperança, mas sem tirar os pés do chão, com o som e a voz de Milton Nascimento, quando ele diz:

    E o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir
    Falo assim sem tristeza, falo por acreditar
    Que é cobrando o que fomos que nós iremos crescer
    Nós iremos crescer, outros outubros virão
    Outras manhãs, plenas de sol e de luz 
    (O que foi feito deveras (de Vera) letra de Fernando Brant)

    Para ler mais

    Academia Brasileira de Ciência (2020) CNPq pode sofrer novo corte em meio à pandemia

    Amado, Guilherme (2020) Depois da Capes, governo corta bolsas também do CNPq: redução chega a 85%. Revista Época

    Bessa, Eduardo (2020) Kits de HCQ e ivermectina são ilusão perigosa na pandemia; Instituto Questão de Ciência, 2 de Julho de 2020.

    Brasil, Ministério da Saúde (2020) Portaria nº 1.565 de 18 de Junho de 2020, Diário Oficial da União, ed 116; seção 1; p 64; 19/06/2020

    Bonora Junior, Maurilio (2020) Se o coronavírus é um vírus pulmonar, como ele infecta outros órgãos? (parte 1) Blogs de Ciência da Unicamp, Especial Covid-19

    Gallas, Daniel (2020) Coronavírus na escola: o que diz a ciência sobre os riscos da volta às aulas? BBC News Brasil, 7 de agosto de 2020.

    Oliveira, Leonardo (2020) Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia Blogs de Ciência da Unicamp, Especial Covid-19

    UOL (2020) Marcos Pontes diz que órgãos de pesquisa devem sofrer cortes no ano que vem

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial Covid-19, em nome da equipe editorial

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ensino Remoto Emergencial: não é só sobre acesso e equipamentos…

    Se a disponibilidade de tecnologias já limita quem pode ter acesso ao ensino remoto, o problema se torna ainda mais complexo quando analisamos as condições deste novo contexto de aprendizagem. É fundamental, neste momento, compreendermos que o ensino proposto está longe de ser o que se preconiza como educação, tanto quanto Educação à Distância. Vivemos um momento em que as escolas foram fechadas por uma situação de saúde pública. As escolas (e todos os serviços) foram fechados enquanto tentávamos (e ainda tentamos) entender tudo o que acontece e buscamos nos adequar da melhor maneira possível – individual e coletivamente.

    Helder Gusso é professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e tem refletido sobre a aprendizagem do ensino remoto emergencial. O pesquisador concedeu uma entrevista à Natália Flores (que assina esta postagem), e demonstrou preocupação com o ensino remoto emergencial, uma vez que a realidade das famílias brasileiras é muito heterogênea. Isto pode acarretar na falta de condições em proporcionar um ambiente favorável para o estudo de crianças e adolescentes. Inúmeros fatores entram em jogo, como a mudança na rotina, o aumento de demandas da casa, a preocupação excessiva com a contaminação, entre outros.

    Gusso aponta que mesmo que consiga acompanhar as atividades remotas, um estudante cuja família tem que lidar com problemas financeiros por conta da pandemia, parentes doentes ou o risco eminente de contaminação, caso familiares estejam trabalhando durante o período de quarentena, pode ter seu rendimento escolar comprometido. Entra na lista dos possíveis problemas, o fato de que muitos estudantes que não têm um lugar calmo e isolado para estudar, caso comum nas periferias urbanas.

    Atividades pedagógicas remotas e questões legais

    É importante pontuar que quando se fala em acesso há um grande abismo entre ter equipamentos, ter serviço de internet (com um sinal adequado para ver os materiais escolares sem restrição de dados já discutido em postagem anterior) e ter condições de acompanhar as atividades propostas pelas escolas e professores.

    E tudo isto ainda envolve um empenho público que não apenas legitime as ações, mas dê suporte técnico, legal e didático pedagógico para não aprofundarmos ainda mais as desigualdades sociais que virão em função da pandemia causada pela COVID-19.

    No dia 29 de Abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE)* lançou o Parecer Com Diretrizes Para Reorganização dos Calendários Escolares e Realização de Atividades não presenciais pós retorno. Há vários pontos que são pauta para outras postagens. Ressaltaremos apenas que o citado Parecer aponta que atividades “não presenciais” podem ou não ser mediadas por tecnologias digitais, citando outras alternativas.

    No entanto, mais do que isso, o parecer enfatiza a necessidade de comunicação entre escola e comunidade escolar (pais e alunos) e produção de guias que orientem não apenas os estudantes, mas seus responsáveis legais, sobre o planejamento e rotina de estudos, enquanto este período durar.

    Embora o texto traga avanços e legalidade para ações necessárias, indique a comunicação como imperativa e que as atividades não presenciais não precisam ser mediadas por tecnologias digitais, não indica saídas para isto, apontando, inclusive, uso de redes sociais como whatsapp e outros comunicadores instantâneos. Além disso, no Parecer a ênfase em conteúdos e atividades que supram conteúdos regulares se faz presente, especialmente na orientação para as séries Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

    Novamente, as preocupações do pesquisador Gusso se fazem relevantes, pois existe a necessidade de nos atentarmos que este não é um momento de suprirmos “todos os conteúdos” que seriam trabalhados normalmente em sala de aula presencial. Não há condições de os docentes acompanharem os estudantes com a qualidade e a efetividade necessária.

    Além disso, ignora-se a possibilidade de excessos de atividades e falta de interatividade que, especialmente para as crianças mais novas, pode ser até mais importante do que toda a centralidade no conteúdo que comumente acaba sendo o foco nestes debates.

    Segundo Luiz Carlos de Freitas, professor e pesquisador aposentado da Faculdade de Educação da Unicamp, é preciso ter cuidado com a sobrecarga de responsabilidade atribuída aos pais (que têm sido chamados de tutores em alguns casos, neste processo). A sobrecarga diz respeito às condições dos pais em atuarem de forma didática e pedagógica em relação às atribuições que comumente são não somente de docentes e escolas, mas de órgãos públicos governamentais. Freitas cita, especificamente, a situação das provas padronizadas que cobram conteúdos formais (aqui em São Paulo temos a SARESP, por exemplo). 

    Como o ensino emergencial deve ser encarado, então?

    Diante dos limites das tecnologias, muitos professores e pesquisadores da área da educação acentuam o fato do ensino remoto emergencial ser uma solução momentânea para a situação que estamos vivendo. Estamos em situação de emergência e é deste modo que temos que encarar, também, a situação no ensino. O Ensino Remoto Emergencial funciona como ferramenta para distrair e ocupar os estudantes com atividades complementares e não obrigatórias nas agendas escolares. 

    Essa é a posição defendida por vários especialistas da educação, entre eles, o próprio Helder, que estuda as razões do fracasso escolar. “Achar que os estudantes estão aprendendo o que estava previsto para eles aprenderem neste mês de março/abril e voltar, depois da pandemia, ao ensino presencial com essa suposição talvez nos coloque numa posição bastante complicada”.

    Segundo o pesquisador, alunos que não conseguem acompanhar as primeiras aulas de um semestre letivo têm grandes chances de fracassar, pois não conseguem aprender a base necessária para temas mais complexos que vêm na sequência.

    O que vai fazer a diferença é a forma como as escolas vão atuar, assim que as atividades presenciais forem restabelecidas. Formular estratégias para recuperar o que o que não foi aprendido durante esses meses, atuar de forma coletiva e compreensiva – fornecendo suporte emocional aos estudantes, que voltarão abalados pela situação – podem ser algumas soluções.

    Também neste blog:

    Desigualdade social e tecnologia: o ensino remoto serve para quem?

    Para saber mais

    BRASIL. CNE. (2020). Parecer Com Diretrizes Para Reorganização dos Calendários Escolares e Realização de Atividades não presenciais pós retorno.

    FREITAS, Luiz Carlos. (2020) Pais Defendam Seus FilhosAvaliação Educacional, publicado em 04 de Abril de 2020.

    GUSSO, Helder. Entrevista concedida à Natália Flores no dia 03 de abril de 2020 .

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Desigualdade social e tecnologia: o ensino remoto serve para quem?

    O ensino remoto emergencial foi uma das opções encontradas para contornar a falta de aulas em escolas e universidades durante a pandemia. Ainda que seja uma solução interessante para aproximar alunos e professores, o uso de plataformas virtuais e atividades escolares a distância coloca luz sobre a desigualdade de acesso a tecnologias de comunicação e informação – e pode aprofundar o abismo social da educação no Brasil. E hoje neste post, nos propusemos a apresentar um breve panorama sobre a Educação à Distância, as políticas públicas e o acesso à internet no Brasil.

     

    A educação à distância e as políticas públicas no Brasil.

    Muito embora a educação informatizada não seja um debate novo no Brasil e no mundo – tendo sua história marcada no período após a Segunda Guerra Mundial (década de 1950) e com as possibilidades sendo maiores após o advento dos computadores pessoais (na década de 1980), o acesso aos equipamentos de informática e computação e o acesso às tecnologias de internet só recentemente tornaram-se viáveis para uma parcela grande da população. As Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDCI) aparecem neste cenário como ferramentas que são grandes promessas para a educação, no Brasil e no mundo. 

    A educação de um país, de modo geral, deveria seguir preceitos constitucionais e legais, pautados em políticas públicas que proporcionassem ao máximo uma igualdade de oportunidades, independente de condições socioeconômicas. Neste sentido, a educação à distância, regulamentada e estruturada a partir de políticas públicas, serviria para criar condições não apenas de trabalhar o que entendemos como conteúdo escolar (ou os conteúdos das disciplinas clássicas, digamos assim), mas também o desenvolvimento intelectual e a habilidade com diferentes estratégias e ferramentas de ensino e aprendizado.

    O uso de equipamentos como celular e computador seriam, deste modo, mais do que apenas uma porta de acesso ao conteúdo, mas um modo de aprendizado vinculado ao manuseio do próprio equipamento de múltiplas maneiras. Tudo isto, inicia-se não apenas com a pesquisa relacionada à educação à distância, mas também (e a partir destas pesquisas) com o estudo e a implementação de políticas públicas específicas.

    De modo geral, as políticas públicas de inclusão digital na educação se pautam não apenas na existência de conteúdos acessíveis, mas também na alfabetização da população sobre as TDCIs e na infraestrutura que garanta a disponibilidade de acesso a este conteúdo.

    As políticas públicas com este fim específico, no Brasil, vinham sendo discutidas e estavam previstas no Plano Nacional de Educação, e seria implementado via Programa de Inovação Educação Conectada, instituído em 2017, cujo objetivo principal era “apoiar a universalização do acesso à internet em alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica”. Nesta lei, argumentava-se sobre a importância de implementar políticas de acesso à internet, especialmente em populações com vulnerabilidade socioeconômicas e baixo desempenho em indicadores educacionais. O Programa previa, ainda, apoio técnico e financeiro para as escolas.

    Em pesquisa recente, constatou-se que em nosso país cerca de 82% das escolas privadas e 73% das escolas públicas do meio urbano possuem acesso à internet. No meio rural, este percentual cai para 42% para escolas privadas e 13% para escolas públicas. Só por este panorama breve das escolas, poderíamos questionar se existe condições e se os professores das escolas tiveram acesso às ferramentas antes deste momento que vivemos hoje. 

    Mas… Não estamos falando de escolas e suas condições de conexão. A Educação à Distância é diferente do que temos neste momento, pois preveria um planejamento anterior, com treinamento adequado e estrutura escolar e dos estudantes. O que temos neste momento poderia ser chamado de ensino remoto emergencial. E aí uma das questões é qual a condição desta educação mediada por tecnologias para que todos fiquem em casa enquanto durar a pandemia aconteça no Brasil?

    O acesso à internet no Brasil

    O primeiro dado que precisamos lembrar é que nem todo mundo tem equipamentos que possibilitam o acesso à internet. Em 2017, segundo dados do IBGE, 43,4% dos domicílios brasileiros possuíam computadores pessoais e 13,7% tablets. O percentual de telefones móveis, neste mesmo ano, estava presente em 93,2% dos domicílios (ao menos um por residência).

    Os dispositivos mais disponíveis para os brasileiros são, portanto, os telefones celulares. Em 2019, tínhamos 420 milhões de dispositivos digitais (computadores e smartphones) circulando no Brasil, o que dá 2 dispositivos por habitante. A distribuição desses dispositivos, no entanto, nem sempre é igualitária. Destrinchando estes números, a partir da pesquisa do CEDIC de 2018, percebemos que apesar de 83% dos brasileiros terem telefone celular, 16% ainda estão fora dessa realidade. Temos computadores portáteis em apenas 27% das residências, computadores de mesa em 19% e tablets em 14%. 

    Voltando ao IBGE, esta mesma pesquisa (que é por amostragem de domicílios) aponta que em 2017, 74,9% das residências brasileiras utilizavam internet. Este número chega a 80,1% em residências urbanas e 41% em residências rurais. Cabe ressaltar que a pesquisa do IBGE também buscou levantar os motivos pelos quais 25,1% dos domicílios brasileiros não tem (ou não tinham naquele momento) acesso à internet… As respostas variam entre: falta de interesse no serviço, valor do serviço de acesso, ninguém da residência sabe usar internet e o equipamento para acessar é muito caro, conforme gráfico abaixo (retirado na íntegra da publicação de IBGE, 2017).

    Além destes pontos levantados anteriormente, outra questão se refere à qualidade da conexão, que também pode ser um entrave para que estudantes acompanhem vídeo-aulas e conversas com a turma e professores nas plataformas virtuais.

    Neste primeiro texto da série sobre Educação e ensino remoto emergencial, buscamos apresentar um pouco sobre algumas problemáticas quanto ao acesso às Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação – enfatizando equipamentos e serviços de internet em domicílios brasileiros. 

    Mais do que dizer que estas estratégias não deveriam ser usadas pelas escolas, a ideia era brevemente apresentar um pouco as dificuldades de se implementar isto em tempos anteriores à pandemia (trazendo alguns dados históricos de políticas públicas brasileiras) e que são acentuados no atual cenário que vivemos.

    Agora é necessário, mesmo que de forma urgente, buscar formas de não acentuar desigualdades sociais que já são históricas e profundas na sociedade, em função de políticas de acesso à informação no país.

     

    Para saber mais:

    BRASIL. IBGE. (2018) PNAD – Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2017. Brasília: IBGE.

    HAYASHI, C.; SOEIRA, F.S.; CUSTÓDIO, F.R.; (2020) Análise sobre as políticas na Educação à Distância no Brasil. Research, Society and Development, v.9, n.1.

    MOREIRA, E. S.; LIMA, E.O.; BRITO, R.O. (2019). Estudo comparado das políticas públicas educacionais de inclusão digital: Brasil e Uruguai. Revista da Faculdade de Educação.

     

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Contradições acima de tudo, cortes acima de todos.

    Texto por Ana Arnt, Erica Mariosa Carneiro, Eduardo Akio Sato e Graciele Oliveira

    Ontem, 8 de Maio de 2019, recebemos a notícia de que “A gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) bloqueou nas últimas horas bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)”, conforme consta na publicação do Jornal Folha de São Paulo.

    Enquanto isso, nas redes sociais do Ministério da Educação, encontramos divulgada a abertura da inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio, relacionando isso a um passo para seguir a carreira científica (como vocês podem acompanhar clicando aqui, aqui, e aqui).

    Nos comentários destas postagens do Ministério da Educação, inúmeras pessoas interrogam sobre “qual carreira científica?”, tendo em vista os cortes orçamentários anunciados ao longo de toda a gestão deste governo.

    Quais cortes?

    Ao longo da semana passada três Universidades Federais alvo de bloqueios orçamentários – UnB, UFBA e UFF. A justificativa para tal ação era o enquadramento no critério “fazer balbúrdia”,

    Exemplo de Evento de Extensão Ridículo de Instituição Científica

    segundo o Ministro da Educação Abraham Weintraub. O Ministro ainda afirmou que “A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo“. Complementando com dizeres de que dentro das universidades há pessoas do Movimento Sem Terra, bem como gente pelada. Estes foram os exemplos de “bagunça” usados pelo Ministro da Educação, em sua entrevista com o jornal Estado de São Paulo, que justificariam os bloqueios.

    Exemplo de Evento Universitário Ridículo

    Após repercussão negativa, em função de critérios subjetivos e completamente sem embasamento técnico, foram anunciados cortes orçamentários em universidades públicas federais de todas as regiões do país. Além do corte das verbas de custeio das universidades federais, ressaltamos que houve cortes também em todas as etapas de ensino – do infantil ao ensino médio – contrariando a ênfase do governo federal de que o orçamento priorizaria a educação básica e creches. Segundo o jornal Folha de São Paulo, os cortes na educação infantil até o ensino médio são da ordem de R$ 680 milhões. Na rúbrica relacionada à construção e manutenção da educação infantil, foram contingenciados 17% dos R$ 125 milhões do orçamento autorizado (como o exposto nesta reportagem).

    Ressoa, ainda em nossos pensamentos, a pergunta “que carreira científica é essa proposta pelo ENEM?”. A ciência, neste governo, vem sofrendo retaliações e cortes de forma sistemática. Simultaneamente a isso, as propagandas governamentais contradizem o que indica o orçamento. Como, por exemplo, seguir carreiras científicas quando vemos cortadas as verbas das instituições de ensino superior que, em nosso país, são responsáveis por 95% da pesquisa no país?

    Abaixo, o gráfico, cujo artigo pode ser lido na íntegra aqui apresenta dados que indicam o desempenho das principais universidades brasileiras em pesquisas. Figuram no topo da lista apenas instituições públicas, ao contrário do já pronunciado oficialmente por nosso presidente – fala não fundamentada em dados técnicos.

    Não compreendemos as razões que fundamentam a ideia de incentivar carreiras científicas, concomitantemente à promoção de cortes que inviabilizam a formação destes profissionais – tanto no Ensino Superior, quanto na Pós-Graduação (formação necessária a cientistas ao redor do mundo…). Sem bolsas, sem financiamentos de pesquisa, sem universidades com energia elétrica e contas de água em dia, com museus sem verbas para custeio, manutenção para suas estruturas, acervo técnico-científico, pesquisadores e curadores que carreira científica existiria para seguir?

    Vale lembrar que o investimento científico se faz via manutenção de universidades federais e museus – via Ministério da Educação – mas também há editais de pesquisa, programas e ações de outra instância do governo que são essenciais e complementares. O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação – MCTIC também vem sendo sucateado (42,27% do orçamento, conforme consta nesta nota de entidades e sociedades científicas brasileiras). Ao contrário do que tem sido veiculado pelo governo, as balbúrdias universitárias se relacionam mais a um aumento significativo da produção científica a partir do aumento dos investimentos públicos em ciência e tecnologia, do que bagunças e atuação inócua.

    Revista Nature 8 de Abril de 2019

    Internacionalmente esta situação tem recebido destaque em revistas de alto impacto científico, como a Nature e Science, e cientistas do mundo inteiro assinaram uma petição em defesa da ciência brasileira. Tais ações mostram consternação com nossa situação e indicam o quanto perderemos como país – e mundo – se seguirmos este caminho.

    Revista Science 12 de Abril de 2019

    Apenas um parênteses sobre a produção científica e a soberania nacional (algo tão enfatizado nesta gestão atual). A máxima “conhecer para governar” parece-nos cada vez mais um provérbio esquecido de tempos passados. A atual gestão pública se faz sem que a produção de conhecimentos seja fomentada e sirva como base para a tomada de decisões para o futuro da população, do território, a fim de manter nossa soberania nacional. Um país que não investe em ciência, tecnologia e produção de conhecimentos sociais e culturais é um país que perde condições de planejamento futuro, de compreensão das dinâmicas sociais, ambientais, políticas e econômicas de si mesmo. Nos tornamos, cada vez mais, um país que decreta que dados técnicos e conhecimento não são importantes para a soberania nacional, para a sociedade em que vivemos atualmente, para a vida das pessoas que constituem nossa nação.

    Simultaneamente a isso, vinculamos ao ensino escolar conteúdos e conhecimentos científicos completamente produzidos por nações estrangeiras – mais uma vez colocando em risco a noção de soberania por submetermo-nos à importação de todos os saberes técnicos-científicos a serem pensados em nossa pátria.

    Voltando às contradições de cortes orçamentários e incentivos educacionais, após o corte orçamentário no MCTIC, foi anunciado uma chamada pública que é uma parceria entre MEC-MCTIC, nomeado Programa Ciência na Escola. Ao lançar este edital, o Ministro Abraham Weintraub afirmou que “a ciência é a melhor vacina contra o obscurantismo”, na sequência, pronunciou ainda que “todos nós brasileiros, como nação, temos que fazer escolhas, e esse tipo de escolha, de alocar nossos recursos escassos numa iniciativa dessa, de valorizar a ciência, é justamente o que a gente quer fazer: manter investimento em educação, em pesquisa, em conhecimento”.

    Longe de criticar a iniciativa, o que interrogamos aqui é a contradição de indicar a ciência como saída do obscurantismo e o investimento em educação e conhecimento em um lado da moeda, enquanto evidentes cortes orçamentários se fazem presentes, cerceando as atividades universidades federais e as bolsas e projetos de pesquisas científicas. Além disso, ainda nos interrogamos sobre a contínua depreciação das instâncias produtoras de saber científico de nosso país, de docentes e pesquisadores universitários e sua contribuição histórica – mesmo com parcas verbas – para a construção de um espaço democrático de ciência e produção científica.

    Para saber mais:

    ABC, ANDIFES, CONFAP, CONSECTI, SBPC. (2019). Corte Orçamentário Atinge Desenvolvimento e Soberania Nacionais.

    Agostini, Renata. (2019) MEC cortará verba de universidade por ‘balbúrdia’ e já enquadra UnB, UFF e UFBA. Estado de São Paulo.

    Amparo, Thiago. (2019). Alvos de corte, universidades federais deram salto de produção em 10 anos. Folha de São Paulo.

    ANDES-SN. (2019). Só instituições públicas fazem pesquisa no Brasil, afirma organização

    Assessoria de Comunicação Social do MEC. (2019). No Senado, ministro Weintraub defende recursos para a educação básica. Ministério da Educação.

    Assessoria de Comunicação Social do MEC. (2019). MEC e MCTIC lançam Programa Ciência na Escola com o objetivo de modernizar o ensino de Ciências. Ministério da Educação.

    Moura, Mariluce. (2019). Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil. Unifesp.

    Oliveira, Regiane. Os primeiros efeitos da asfixia financeira de Bolsonaro sobre as ciências do Brasil. El Pais. 6 de maio de 2019.

    Pinho, Ângela; Saldanha, Paulo; Gentile, Rogério. (2019) Gestão Bolsonaro faz corte generalizado em bolsas de pesquisa no paísFolha de São Paulo. 8 de Maio de 2019.

    Pinho, Ângela; Saldanha, Paulo; Gentile, Rogério. (2019). Bloqueio de verba de universidade por motivo ideológico fere Constituição. Folha de São Paulo.

    Saldanha, Paulo. (2019). Bloqueios no MEC vão do ensino infantil à pós-graduaçãoFolha de São Paulo. 5 de Maio de 2019.

    Saldaña, Paulo (2019). Alfabetização será avaliada por gestão Bolsonaro só em amostra de escolas. Folha de São Paulo. 2 de maio de 2019.

    Saldaña, Paulo. (2019). Ministro da Educação ironiza reitores ao falar de tolerância e pluralidade. Folha de São Paulo.

    Saldaña, Paulo. (2019). MEC estende corte de 30% de verbas a todas universidades federais. Folha de São Paulo.

    UNESP. (2019). Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil

    Watanabe, Phillipe. Agências de apoio à pesquisa internacionais defendem ciências humanasFolha de São Paulo.

    *Este texto foi elaborado em conjunto com Ana Arnt, Erica Mariosa Carneiro, Eduardo Akio Sato e Graciele Oliveira*

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