Categoria: ESPECIAL CIÊNCIA E POLÍTICA

  • Centrão ou arenão?

    Texto por Luã Leal

    Ele era, no início da carreira, apenas uma celebridade da TV que fazia uma parte da população rir. Antes de virar presidente, praticava o mesmo ofício de grande parte de sua família. Quando entrou na política, com discurso em prol da moralização, ele alinhavou seu programa de governo com discursos sobre fé e combate à corrupção. Candidato declaradamente cristão, se consagrou na eleição por um pequeno e novo partido de proposições nacionalistas e conservadoras. Grande parte de seus colegas de partido eram militares reformados. Conseguiu se eleger por pregar a moralização da vida política no país, mais uma república latino-americana exausta da “velha política”. Foi o mais votado no primeiro turno e derrotou um partido de inspiração social-democrata no segundo. Naquela conjuntura da votação para presidente, o seu país registrava inúmeras denúncias de corrupção, as quais atingiram inclusive o processo eleitoral, e era conhecido internacionalmente pela elevada taxa de homicídio intencional. Durante o século XX, a história dessa república teve várias rupturas com a ordem democrática, sucessivos golpes, ascensão de presidentes militares e alto grau violação de direitos civis. Representando a “nova política”, Jimmy Morales venceu a eleição presidencial na Guatemala em 2015.

    Durante a campanha, a primeira pergunta da peça publicitária – “por que estou na política?” – dá título ao vídeo e explica ao eleitorado porque o artista famoso na televisão se arriscou para concorrer ao cargo de presidente. Ao final da propaganda, o candidato nacionalista pergunta ao público: “quer uma Guatemala diferente?”. O então humorista e secretário-geral do partido Frente de Convergencia Nacional (FCN) tinha como mote parar com as pilhérias dos guatemaltecos acerca das próprias derrotas (inclusive no futebol). Desse modo, poderia ser construído um caminho sem os “guatemaltecos maus”, resgatando uma honra nacionalista. O seu slogan da campanha foi “Ni corrupto, ni ladrón”, uma opção de voto para derrotar os “maus políticos”.

    Em 2017, após ser acusado de financiamento eleitoral ilícito, o presidente Jimmy Morales considerou persona non grata o diretor da Comisión Internacional contra la Impunidad en Guatemala. Durante o seu mandato, esse presidente-humorista entrou em conflito com uma comissão da ONU e o Ministério Público da Guatemala, instituições que apuravam irregularidades no financiamento de sua campanha. Começaram então os protestos de rua, criticados prontamente por associações de empresários do país. Então, o presidente-humorista expulsou o diretor da comissão da ONU, que investigava complexos esquemas de corrupção. Surgiu uma onda de tensões internas para saber como o presidente deveria seguir a constituição e como poderia agir em relação à Comissão Internacional contra a Impunidade. No meio de uma crise política em 2018, a melhor opção de marketing político foi ligar as câmeras e entrar em um fast food.

    Cruzarei a fronteira para citar brevemente El Salvador, cujo universo partidário se assemelha ao do país vizinho. O principal partido de direita, Alianza Republicana Nacionalista (ARENA), foi fundado em 1981 e venceu as eleições de 1989, 1994, 1999 e 2004. O partido esquerdista Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional venceu duas eleições consecutivas, em 2009 e 2014. Nayib Bukele, sem poder se candidatar pelo seu partido, o Nuevas Ideas criado em 2018, precisou concorrer pelo GANA. Os egressos da ARENA e de outras organizações da direita salvadorenha formaram Gran Alianza por la Unidad Nacional (GANA) em 2010, partido vencedor das eleições de 2019 com o candidato Bukele. Nas eleições municipais de 2018, GANA foi o terceiro partido com mais vitórias nos municípios de El Salvador.

    A direita no Brasil, desde a redemocratização, reúne os “conservadores reformadores do Estado” e os “liberais reformadores”. Esses sustentam uma agenda de defesa dos direitos individuais, da propriedade privada e da redução das travas burocráticas, aqueles dependem da bandeira da gestão eficiente nos serviços públicos para angariar votos em suas bases conservadoras (da aristocracia dos políticos de bem incorruptíveis, segundo o dicionário udenista). Embora concordem na defesa dos interesses empresariais, sobretudo na crítica à burocracia estatal e ao corporativismo no serviço público, ambos os grupos (conservadores reformadores e liberais reformadores) representam a direita tradicional, que se esconde nos lemas da social-democracia europeia para conquistar o eleitorado das camadas médias urbanas. Percebemos, assim, alguns elementos que aproximam movimentos políticos de ascensão do discurso anticorrupção em três países latino-americanos: Guatemala, El Salvador e Brasil. Resposta das direitas à “onda rosa”? Talvez.

    O caso brasileiro tem suas peculiaridades, inclusive pela dimensão da fragmentação partidária, porém, assim como outros países, o seu panorama ideológico foi contaminado pelo período autocrático. Maria Victória Benevides, na revista Lua Nova em 1986, publicou uma genealogia das organizações do sistema bipartidário vigente da decretação do AI-2 (1965) até a Lei Nº 6.767 (1979). O objetivo principal do texto era analisar a conversão ideológica do MDB em PMDB. Nas palavras da autora, um “pacto conservador” resultou na formação do “partido-ônibus”:

    “Arenão” redivivo. Afinal, que revival maldito ronda o atual PMDB? Por que se lembram da UDN de tão triste memória, por que desenterram a Arena, pior ainda? Para entender as críticas — e, quem sabe, exorcizar as pragas — seria preciso voltar às origens do MDB, bem como tentar desvendar possíveis semelhanças entre o PMDB e a falecida UDN.

    Eleito presidente, o senador Fernando Henrique, representante do estado de São Paulo, usou a tribuna para se despedir do Congresso em dezembro de 1994. Seu compromisso era continuar uma “agenda de reformas políticas” que encerraria o ciclo de uma transição que durou de 1979 a 1994. De acordo com o texto lido, a eleição, sem sectarismos partidários, seria a comprovação do “fim da jornada da transição”, que resultaria em uma “democracia moderna” e com estabilidade econômica. Um trecho do discurso foi intitulado “O fim da Era Vargas”, pois, para FHC, o “autoritarismo” era “uma página virada na História do Brasil”. Restaria, contudo, atacar os “padrões de protecionismo e intervencionismo estatal”:

    um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas – ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista[1].

    [1] Para quem tiver interesse, no link é possível conferir a transcrição do discurso no Senado: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/discurso-de-despedida-do-senado-federal-1994

     A reforma – ou modernização – do Estado nunca saiu da pauta do PSDB, em sua agenda permanente para desestatização da economia e da abertura para aumentar a concorrência, sem esquecer a crítica contundente ao corporativismo e aos privilégios que distorcem a distribuição de renda. Em suma, o Estado produtor seria substituído pelo Estado regulador, preocupado em eliminar as “restrições anacrônicas ao investimento estrangeiro”. Pularei 20 anos nos capítulos da Sexta República para chegar a um discurso de novembro de 2014. O senador mineiro Aécio Neves discursou no Congresso após ser derrotado nas eleições presidenciais. Ainda o samba de uma nota só:

    Defendi a retomada das reformas para modernizar a nossa economia e retirá-la da paralisia em que o atual Governo a colocou.[…] Advoguei, em todas as partes do Brasil, a necessidade da maior participação do investimento privado na construção da infraestrutura, para que deixássemos de ser aprisionados por uma visão ideológica, estatizante e ultrapassada.[…] E propus a reaproximação do Brasil com o resto do mundo, ao qual demos as costas, nos últimos anos, ao priorizar as parcerias com governos ideologicamente alinhados[2].


    [2] Para quem tiver interesse, no link é possível conferir a transcrição do discurso no Senado: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/409754

    Evidentemente, pouca importa à cúpula dos partidos do Centrão um debate sobre o impacto das organizações criminosas, com armas disponíveis, nos resultados eleitorais. Tal tema não comove lideranças dos partidos que se interessam no binômio votos e cargos, com o único objetivo de sempre estar perto dos núcleos de poder no governo federal. Ignorar o permanente cenário de extrema violência durante as corridas eleitorais significa desluzir os poderes que financiam candidatos. O El País publicou um mapeamento de figuras políticas baleadas na Baixada Fluminense entre 2015 e 2016. O texto de María Martín, em 2016, analisou a conjugação de forças institucionais para elucidar nove execuções que ocorreram no período:

    A Procuradoria Regional Eleitoral pediu que a Polícia Federal participe das investigações pela suspeita de que a morte de pelo menos dois desses vereadores e quatro pré-candidatos se tratem de crimes políticos. 

    As legendas pendulares, que definem os gastos dos recursos indepentemente da bandeira ideológica do incumbente no Executivo, acompanham as tendências das marés. Até mesmo após um maremoto, como a provocada pela base bolsonarista em 2018. Para explicar a “utopia reacionária” de um presidente que assume um “sentimento antissistema”, Christian Lynch encontrou em 2015, no início do fim do governo Dilma, a gênese de

     uma vasta coalizão de oposição de liberais e conservadores. Diante da incapacidade de autorreforma do sistema político, emergiu, dentro do Poder Judiciário e do Ministério Público, uma “vanguarda” de juízes federais e procuradores disposta a derrubar a situação social-democrata, aproveitando a investigação contra a corrupção. Esse “judiciarismo” de índole liberal e retórica republicana (o “lavajatismo”) se legitimou como uma forma “democrática” de regenerar a República, pela mera aplicação destemida da lei por um grupo de patrióticos operadores jurídicos. 

    Alguns capítulos depois, no pleito de 2020, a principal característica foi a vitória daqueles personagens já conhecidos do eleitorado, os políticos profissionais. Alguns vencedores já haviam exercido o cargo, como em Belém, outros eram herdeiros de famílias poderosas na política local, como em São Paulo. Seria uma resposta ao fenômeno eleitoral de 2018? Fim do maremoto da “nova política”? Um candidato derrotado afirmou, em entrevista publicada na Folha em 2018, que o fracasso dos novatos resultaria no retorno dos políticos profissionais pois, com o ocaso da “nova política”, os eleitores e as lideranças partidárias “vão chamar quem tem um pouco mais de sobrevivência”. Gabriela Caesar publicou no G1 alguns infográficos que explicitam o êxito eleitoral dos principais partidos em 2020, quando 29 partidos conquistaram vitórias nas eleições para o executivo municipal.

    Uma máquina do tempo seria quase inútil para entender a repetitiva política brasileira. Themístocles Cavalcanti, então presidente do Instituto de Direito Público e Ciência Política e diretor da Revista de Ciência Política, publicou no segundo volume desse periódico um esforço teórico para conceituar “democracia”. Quero destacar o seguinte trecho do texto “A democracia como sistema político”, de 1968: “o progresso das comunicações e as facilidades crescentes no uso dos processos fraudulentos são outros tantos fatores que trouxeram para a democracia uma fase de crise”. Denúncias de fraude, compra de votos, oligopolização da mídia e bipolarização partidária: esses quatro ingredientes estiveram presentes nas eleições diretas desde 1945. E onde se situam as forças políticas do compadrio e do clientelismo?

    Em 24 de abril de 1995, no Painel da Folha, coluna assinada por José Roberto de Toledo e Gustavo Krieger, foi noticiada a “articulação” para a formação de um novo partido. Nos bastidores, articulavam duas lideranças do PFL: o vice-presidente Marco Maciel e o presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães. A proposta era fundir PFL, PPR, PTB, PP, PL e parte do PMDB, formando assim uma frente apelidada jocosamente de Arenão. Essa coalizão unificada em uma sigla partidária facilitaria, de acordo com esse plano, o caminho do governo de Fernando Henrique Cardoso para aprovar reformas no Congresso.

    O partido Arenão não saiu do papel. Em 2007, um formidável rebranding transformou o PFL em DEM. O partido sobreviveu politicamente, apesar de algumas cisões, e desde 2019 se equilibra na corda bamba apenas para não se afirmar como governista. Em 2020, os partidos PP, PSD, DEM e PL venceram em 2148 municípios, cerca de 39% do total.

    CapitalVencedor no 1º turno2º colocadoEleito no 2º turnoVencedor buscou reeleição ou apoio da situação ?
    São PauloPSDBPSOLPSDBSim
    Rio de JaneiroDEMRepublicanosDEMNão
    SalvadorDEMPTXSim
    FortalezaPDTPROSPDTSim
    Belo HorizontePSDPRTBXSim
    ManausPODEAvanteAvanteNão
    CuritibaDEMPDTXSim
    RecifePSBPTPSBSim
    GoiâniaMDBPSDMDBSim
    BelémPSOLPatriotaPSOLNão
    Porto AlegreMDBPC do BMDBNão
    São LuisPODERepublicanosPODENão
    MaceióMDBPSBPSBNão
    Campo GrandePSDBAvanteXSim
    NatalPSDBPTXSim
    TeresinaMDBPSDBMDBNão
    João PessoaPPMDBPPNão
    AracajuPDTCidadaniaPDTSim
    CuiabáPODEMDBMDBSim
    Porto VelhoPSDBPPPSDBSim
    FlorianópolisDEMPSOLXSim
    Boa VistaMDBSDMDBSim
    Rio BrancoPPPSBPPNão
    VitóriaRepublicanosPTRepublicanosNão
    PalmasPSDBPROSXSim
    Partidos vitoriosos nas eleições de 2020 – capitais. O “X” sinaliza que houve vitória no primeiro turno.
    CapitalVencedor no 1º turnoVencedor buscou reeleição ou apoio da situação?Currículo do candidato ou vínculo familiar
    São PauloPSDBSimNeto de Mário Covas, vice-prefeito eleito em 2016.
    Rio de JaneiroDEMNãoPrefeito de 2009 a 2016.
    SalvadorDEMSimVice-prefeito eleito em 2016.
    FortalezaPDTSimPresidente da Assembleia Legislativa (2019-2020).
    Belo HorizontePSDSimEmpresário do ramo de engenharia. Eleito para primeiro mandato em 2016.
    ManausPODENãoGovernador interino (2017) e presidente da Assembleia Legislativa (2017-2019).
    CuritibaDEMSimPrefeito de 1993 a 1997. Eleito novamente em 2016.
    RecifePSBSimDeputado federal, filho de Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes.
    GoiâniaMDBSimPrefeito de Aparecida de Goiânia de 2009 a 2017, governador de 1995 a 1998 e vice-governador de 1991 a 1994 de Goiás.
    BelémPSOLNãoPrefeito de Belém de 1997 a 2005.
    Partidos vitoriosos nas eleições de 2020 – 10 capitais com maior população. A última coluna apresenta um breve resumo do currículo dos vencedores apenas para corroborar a hipótese do texto.

    A fragmentação, no atual contexto, beneficia o Centrão. Essas duas tabelas comprovam que a maior parte do eleitorado, residente nas grandes capitais, experimentará uma onda do avanço dos partidos desse universo partidário. No Simpósio Direitas Brasileiras, em 2017, Rafael Mucinhato pontuou que o período antecedente às eleições (indiretas) de 1985 teve como marca a pulverização de siglas. Em seu texto, o pesquisador demarcou o seguinte processo de “arenização”, um “encontro com a velha direita”:

    Esse espalhamento e “infiltração” de ex-membros da Arena em partidos políticos que não eram seus sucedâneos diretos (no caso o PDS e o PFL), um processo que no caso do PMDB foi chamado por parte de seus políticos de “arenização do partido”, também foi notado por alguns membros do PSDB quando este chega ao governo em 1994.

    Se, entre as crises de 2013 e 2018, “mudança” era o substantivo que regia a busca pela “nova” política, os fluxos mais recentes indicam o retorno dos verbetes “experiência”, “confiança”, “continuidade” ou “estabilidade”. Importa menos a análise semântica do que apurar a tendência: os profissionais do varejo político aproveitaram o refluxo da onda “renovadora” para consolidar o seu protagonismo.

  • O valor da Constituição

    Texto por Victor Augusto Ferraz Young

    A crise social, política e econômica que se vive na atualidade em diversos países tem colocado em questão a viabilidade do Estado Social Democrático de Direito, ou seja, a ideia de que as sociedades devem persistir em sua tentativa de fazer com que todos vivam sob regras (da Constituição e das leis) criadas por esta mesma sociedade, mesmo em meio a todas as dificuldades que esse processo acarreta. A alternativa que vem sendo reiteradamente proposta por parte da sociedade a este caminho é, a nosso ver, muito arriscada e perigosa, pois baseia-se na concepção de que poderes acima de tais leis deveriam ser concedidos a um único grupo liderado por uma figura carismática que, em tese, superaria as dificuldades inerentes ao lento processo democrático. Espera-se com isso que as decisões políticas sejam mais rápidas e que o progresso econômico chegue mais cedo. O risco está justamente na entrega de poderes que estariam acima da lei produzida de forma representativa, pois a partir desse ponto pode surgir um antigo conhecido da história humana, a tirania. Foi justamente para impedir o risco de que esta prevalecesse que se criou o Estado de Direito que, ao logo do tempo, progrediria para o Estado Social Democrático de Direito.

    Estado de Direito e a Constituição

    Surgido sob a égide dos ideais iluministas, e principalmente após a revoluções liberais do século XVIII nos Estados Unidos e na Europa, a concepção de um Estado de Direito ocorreu em oposição ao então Estado Nacional Monárquico Absolutista. Ou seja, não haveria mais nenhum rei que encarnasse poder político absoluto sobre todos os outros cidadãos. Depois de sangrentas lutas revolucionárias, o Estado de Direito foi instituído em prol dos direitos e das liberdades individuais, em contraposição à arbitrariedade real, constituindo assim mecanismos para a proteção e perpetuação destes direitos e liberdades sem que para isso fosse necessária a abolição do Estado.

    O Estado de Direito com todo seu aparato subordina-se, dessa maneira, a uma lei superior, chamada de Constituição, que define direitos e garantias individuais, ou seja, trata-se de uma lei maior que protege esses direitos e garantias e está acima de qualquer arbitrariedade do próprio Estado. Este mesmo Estado deve limitar sua ação a apenas aquilo que é permitido pela Constituição. Esta vinculação do Estado à Lei Maior [Constituição] exige que sejam respeitados elementos como a supremacia da Constituição, a separação dos poderes, a superioridade das leis e a garantia dos direitos individuais.

    Dessa forma, a Constituição é a regra suprema, pois ela define os agentes (representantes) que farão as leis; estabelece como as leis devem ser feitas (processo legislativo); e baliza os limites de todas essas leis que são subalternas a ela. Caso uma lei inconstitucional, isto é, que não está de acordo com a Constituição, venha a ser aprovada (e promulgada), mecanismos de controle estabelecidos dentro da própria Constituição devem dar conta de expulsá-la do conjunto restante de leis (ordenamento jurídico). A Constituição, por seu turno, não é criada por nenhum dos poderes que delega, mas por um poder constituinte que assim o é dada sua força para fazer valer a regra para todos. Este poder de criação, geralmente constituído para a elaboração do texto, por fim, dissolve-se tão logo é promulgada a Lei Magna. O Estado de Direito e suas instituições emergem, portanto, depois de promulgada a Constituição. No Brasil, uma Assembleia Constituinte foi eleita para a confecção e promulgação da Constituição Federal de 1988.

    A Separação dos Poderes

    A separação dos poderes que deve, por sua vez, ser definida pela Constituição se faz necessária em função de o Estado necessitar de mecanismos de auto regulação que mantenham sua atuação dentro dos limites estabelecidos pela regra constitucional. De um modo geral, o poder do Estado fica, dessa forma, dividido em: Poder Executivo, que administra os negócios do Estado por meio de atos administrativos; Poder Legislativo, que cria as leis para a condução dos negócios do Estado e o regramento do convívio social; e Poder Judiciário, que julga os conflitos que podem ocorrer dentro do Estado, entre indivíduos e entre este e os indivíduos de maneira imparcial e mediante provocação. Os três poderes têm independência no exercício de suas funções. Os atos administrativos do Executivo e as leis emanadas do Legislativo submetem-se, todavia, à apreciação constitucional do Judiciário, ou seja, podem estar sujeitos a uma sentença que irá legitimar ou anular os atos daqueles poderes conforme dita a Constituição. O Estado de Direito busca, dessa maneira, autorregular-se, isto é, o Poder Judiciário não administra os negócios estatais, assim como não produz as leis, mas zela pela formação e pelo cumprimento dessas leis, assim como aprecia atos administrativos que possam ser ilegais. Por meio deste mecanismo de divisão de poderes, nenhum poder usurpa âmbito alheio, conduzindo a ação do Estado à submissão constitucional.

    A superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais

    Outro elemento fundamental dentro do Estado de Direito é a ideia de que todos os entes estatais e não estatais estão sujeitos à superioridade da lei. No que se refere especificamente ao Estado, a lei, como expressão da vontade geral do povo, concede aos agentes do Estado poderes para que as funções do Governo, do Legislativo e da Judiciário sejam cumpridas por estes sob o império daquela.

    A garantia dos direitos individuais estabelecidos pela Constituição é também elemento que compõe o Estado de Direito. Resulta dela o direito subjetivo público que vai além do direito subjetivo privado, ou seja, o indivíduo não só pode reclamar direitos frente a outros indivíduos, mas pode também opor-se ao Estado, caso este venha a violar suas garantias constitucionais.

    Estado Democrático de Direito e Estado Social Democrático de Direito

    O Estado Democrático de Direito, de outra maneira, vai além do Estado de Direito, ampliando o âmbito jurídico para a conformação de um Estado que tenha por objetivo a promoção da justiça e da igualdade entre seus cidadãos, pois além dos elementos do Estado de Direito, no Estado Democrático de Direito tem como premissa a participação efetiva do povo no exercício do poder. Para tanto, valida-se o conceito republicano de agente público eleito como representante do povo para o exercício do poder que este lhe concede. Dessa forma, representantes legislativos e executivos são escolhidos por um processo eleitoral para mandatos periódicos que podem ou não ser renovados conforme a própria vontade popular. Estes mandatários eleitos podem ainda ser responsabilizados e impedidos do exercício das funções, caso violem as prerrogativas que lhes são concedidas. Neste Estado, é, portanto, fundamental o clima de liberdade política para o debate social, a escolha e/ou impedimento dos eleitos.

    Em período mais recente, novas Constituições têm contemplado um modelo de Estado ainda mais elaborado no sentido de estender novas proteções aos cidadãos. Trata-se do Estado Social Democrático de Direito, isto é, um Estado que não só visa garantir os direitos individuais, a participação popular no poder, mas também proteger o povo do poder e/ou do desamparo econômicos. Neste, a Constituição pode regular as relações econômicas como contratos entre empregados e empregadores, assim como estabelecer que sejam garantidos direitos sociais como educação, saúde, previdência, seguro desemprego, entre outros elementos que protejam a dignidade humana.

    Concluindo

    Podemos considerar, portanto, que a ideia de um Estado Nacional definido e constituído pelo povo tem nos desdobramentos históricos das concepções de Estado de Direito até a de Estado Social Democrático de Direito uma determinada evolução em que, a cada período de tempo, além de estabelecerem-se mecanismos para a garantia dos direitos individuais, agregou-se às Constituições maior proteção às sociedades, buscando torná-las e mantê-las mais livres, justas e igualitárias.

    Todo este aparato foi constituído com base na experiência política humana, tendo como primeiro impulso a ideia de se evitar a tirania. Fazer com que funcione para que cumpra os propósitos virtuosos aqui expostos é uma construção social de cada povo, pois não é difícil perceber que as experiências de mera transplantação desse constructo para dentro de outros países não faz com que o resultado seja sempre positivo. Dessa forma, o Estado Social Democrático de Direito não é solução pronta para as aflições humanas, mas é, sem dúvida, um caminho melhor e contrário ao de aventuras que podem levar a terríveis ditaduras.

    Referências

    SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. Malheiros, 2004.

  • Sobre o que o Brasileiro pensa sobre mudanças do clima 2

    Texto por Claudia Chow

    Me empolguei com esses dados e resolvi explorar um pouco mais.

    Conversando com o master jedi em computação Felipe Campelo, descobri que essa minha “análise” pode ser chamada de análise exploratória de dados…

    Pois bem, dessa vez resolvi juntar as 2 perguntas que analisei no post anterior. E resolvi ver qual a coerência das pessoas quando escolheram Proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos e depois dizer se concordavam ou não com a frase: As queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia.

    Para essa análise eu desconsiderei quem respondeu que não sabe para as 2 questões, não responderam uma das questões ou as 2. Esse grupo desconsiderado equivalem a 4,42% das respostas.

    Não me surpreendeu descobrir que 62,39% das pessoas foram muito coerentes e além de priorizarem a proteção do meio ambiente também discordavam que as queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia. Apenas 3,9% das pessoas que priorizam o crescimento da economia concordam que as queimadas são necessárias para esse crescimento. Gostei de ver que 12,98% mesmo priorizando o crescimento econômico não concordam que as queimadas são necessárias. Porém as pessoas que não sabem ou estão em cima do muro (na minha opinião) em qualquer uma das questões, somam 11%.

    https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha6?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    Dessa vez eu resolvi levar em consideração o posicionamento político declarado dos entrevistados. Como comentei no outro post achei bem alto o dado que 25% dos entrevistados não responderam ou não souberam escolher entre direita, esquerda e centro.

    https://public.tableau.com/profile/claudia.chow7385#!/vizhome/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha7

    Ai, com esses dados eu resolvi cruzar com a pergunta: Você já votou em algum político em razão de suas propostas para defesa do meio ambiente?

    Ok, ok, vamos desconsiderar que “propostas para defesa do meio ambiente” é algo muito amplo.

    Algumas coisas que achei curioso: todas as pessoas que se declararam de esquerda responderam essa pergunta. E o grupo político com maior número de pessoas que responderam sim à questão foram os declarados de esquerda.

    https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha8?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    O curioso caso de quem não sabe se votou em alguém por conta de suas propostas de defesa de meio ambiente somam 0,51%.

    Porém é triste perceber que quase 60% das pessoas não consideram a pauta ambiental na hora de votar. E essa mesma pesquisa mostrou que 86% das pessoas se declararam preocupadas ou muito preocupadas com o meio ambiente.

    Mais algumas conclusões que me permiti tirar dessa pesquisa: Parece que as pessoas não conseguem relacionar voto e política com ação pelo meio ambiente. Parece que as pessoas pensam: Meio ambiente é uma questão para mim, mas na hora de votar esse não é um fator a ser levado em consideração.

    É muito curioso pois mais da metade das pessoas disseram nessa pesquisa que acham que os Governos são os principais atores na resolução do problema das queimadas na Amazônia!

    E pra quem pensa que as pessoas podem responder o que acham que é certo na pesquisa e não o que de fato pensam. Eu respondo que se as pessoas acham que se preocupar com meio ambiente, entender que para o crescimento econômico queimadas na Amazônia não é a melhor opção e que o tema aquecimento global é algo importante ou muito importante, eu acho que já é o suficiente para mostrar que estamos num bom caminho. Talvez seja demais afirmar com precisão que 90% dos brasileiros consideram a questão do aquecimento global importante ou muito importante. Mas vamos pensar que parte desses 90% só acham que é certo considerar esse tema importante ou muito importante, já não é um bom começo? Alguma coisa certa está sendo feita!

  • Sobre o que o Brasileiro pensa sobre mudanças do clima

    Texto por Claudia Chow

    Faz um pouco mais de 1 mês (início de fevereiro de 2021) o ITS junto com a Universidade de Yale e o Ibope divulgaram o resultado de uma pesquisa sobre a percepção do brasileiro com relação às mudanças climáticas. Confesso que só fiquei sabendo essa semana, pois o mesmo ITS lançou uma chamada pública para Programa de bolsas da pesquisa “Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros”.

    Pedi os dados da pesquisa pra eles e resolvi usar meus rudimentares conhecimentos de Tableau (um software de visualização de dados) pra entender melhor os dados dessa pesquisa.

    Se você quer saber mais detalhes de como a pesquisa foi feita acesse: https://www.percepcaoclimatica.com.br/

    AVISO: Eu só estudei estatística 1 semestre durante a graduação, meus conhecimentos de Tableau, como já mencionei, são rudimentares, mas eu tenho bom senso, é suficiente? Talvez. Veja aí onde eu cheguei com os dados e me corrija se você ver erros.

    MINHA “ANÁLISE” – (É muita pretensão minha chamar isso de análise.)

    Eu selecionei algumas perguntas que achei mais interessante da pesquisa e resolvi destrinchar melhor como as respostas apareciam regionalmente. Até tentei fazer uns gráficos com a posição política declarada pelos entrevistados, mas achei que a quantidade de gente que não sabia ou não respondeu esta questão era muito grande (quase 25%).

    Eis o meu achado.

    Quando os entrevistados foram perguntados se concordavam ou não com a afirmação: As queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia, em todo o Brasil a resposta foi que 74% deles discordavam essa afirmação. Achei sensacional esse resultado e ai resolvi fazer um recorte por região. Como a discordância ou não dessa afirmação se distribui pelas regiões do país? Eis que a região com maior número de “concordos” sobre a questão acima veio da região Norte, onde a Amazônia está localizada em sua maior parte. Enquanto no Sudeste nem 15% dos entrevistados concordavam com a afirmação, no Norte quase 30% concorda.

    Você pode ver o gráfico melhor aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil/Planilha1?:language=pt&:retry=yes&:display_count=y&:origin=viz_share_link

    Essa tendência meio que se confirma quando a pesquisa pergunta o que é considerado mais importante para o entrevistado: A) Proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos ou B) Promover o crescimento econômico e a geração de empregos, mesmo que isso prejudique o meio ambiente. No geral o brasileiro respondeu que a alternativa A é mais importante (77%). Mas quando abrimos as respostas por região, é o Norte mais uma vez que detém a maior quantidade de pessoas respondendo a opção B. Na região Norte 24,51% dos brasileiros consideram a alternativa B como mais importante para eles, enquanto que nas outras regiões esse número não chega a 17%.

    O gráfico fica melhor de ver aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha23?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    A minha opinião sobre esses dados pode estar muito errada, mas vou manifestá-la mesmo assim. Eu achava que era uma minoria de pessoas na região Norte que é a favor do desmatamento e pensa que pelo crescimento econômico vale tudo. Esses dados me mostram que não é bem assim, ainda tem muita gente por lá com esse tipo de pensamento desenvolvimentista a qualquer custo. E ai temos 2 possibilidades para mim: 1) eu era ingênua de acreditar que os maus eram a minoria, talvez eles até sejam, mas tem uns pseudos bons que os apoiam; 2) eu não sei mexer no Tableau, muito menos analisar dados e isso ai tá tudo errado… Aceito ajuda dos universitários!

    UPDATE: Fiz mais uma análise dessa pesquisa aqui.

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Ecodesenvolvimento.

     

     

  • Bolsonaro, a Petrobras e a luta de classes

    Texto por Vítor Lopes de Souza Alves.

    Na última sexta-feira, 19, o presidente Jair Bolsonaro manifestou a sua intenção de realizar uma troca no comando da Petrobras, substituindo o atual presidente da estatal Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna. Em decorrência disso, as ações da empresa negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (a Bovespa, atualmente denominada B3) despencaram, fechando os pregões de sexta (19) e segunda (22) com quedas de cerca de 8% e 20%, respectivamente, o que totalizou uma perda de valor de mercado da empresa de pouco mais de 100 bilhões de reais.[1]

    A explicação para o ocorrido reside na disputa social em torno da definição da política de preços dos combustíveis praticada pela empresa. Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff e a subida ao poder de Michel Temer, a Petrobras deixou de cobrar pelos combustíveis um preço compatível com os seus custos de produção domésticos e passou a tomar como referência de precificação o preço internacional do barril de petróleo. Como o custo para produzir petróleo no Brasil é bastante inferior ao custo médio do mundo, essa mudança impôs aos consumidores brasileiros um aumento dos preços pagos pela gasolina e pelo diesel. Além disso, passou-se a verificar uma maior volatilidade desses preços, uma vez que os reajustes passaram a ser mais frequentes a fim de acompanhar as variações dos preços internacionais. Por um lado, os preços maiores e mais voláteis representaram um prejuízo à sociedade brasileira como um todo, tanto aos motoristas em geral, que precisam abastecer os seus veículos, como aos caminhoneiros em particular, para quem o diesel representa a maior parte do custo dos fretes. Por outro lado, eles significaram uma vantagem para o mercado financeiro, pois elevaram a lucratividade da empresa, permitindo que ela distribuísse mais dividendos aos seus acionistas – a esse respeito, deve-se ter em conta que a Petrobras também possui ações listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE, na sigla em inglês) e que uma parcela relevante dos seus acionistas é formada por estrangeiros.

    Dando continuidade ao viés liberal, entreguista e pró-mercado de Temer, o governo Bolsonaro tem mantido, desde o seu início, essa mesma política de preços. No entanto, tal como a greve dos caminhoneiros de 2018, ainda no governo Temer, que culminou com a demissão do então presidente da Petrobras Pedro Parente, novas ameaças de paralisação por parte da categoria pressionam hoje Bolsonaro a intervir na empresa, alterando o seu comando. Ainda que não seja certo que tal intervenção resultará em redução e controle dos preços dos combustíveis, pois o governo analisa outras alternativas para atender às reivindicações dos caminhoneiros[2], o mercado financeiro já avaliou a possibilidade da adoção dessa política e já precificou os seus efeitos. Imaginando que os preços da gasolina e do diesel voltarão a ficar abaixo do nível determinado pelo livre-mercado – isto é, o mercado internacional de petróleo –, os acionistas da Petrobras já previram receber menos dividendos no futuro, venderam as suas participações na empresa e provocaram o colapso do seu valor de mercado. Esse fato constitui um claro sinal de que a mobilização da classe trabalhadora ainda é capaz de produzir resultados efetivos. A simples ameaça de uma greve, que sequer chegou a se concretizar, forçou o atual governo a sinalizar que atuará – o que ainda não é certo – de forma intervencionista, nacionalista e pró-sociedade e provocou um enorme alvoroço na Bovespa. Bolsonaro, temendo que uma nova paralisação nacional possa trazer dificuldades ao seu governo e inviabilizar a sua reeleição, está sendo coagido a atuar à maneira como Dilma atuava, a abandonar um tópico importante da sua agenda liberal e a fazer com que a Petrobras volte a atender aos interesses do povo brasileiro e não mais aos de uma minoria detentora de títulos financeiros.

    A grande mídia brasileira, que mantém uma relação íntima com a burguesia financeira do país, fez críticas severas à atitude do presidente. Os exemplos a seguir ajudam a ilustrar o tom da reação midiática. Uma matéria da BBC News Brasil argumentou que a intervenção de Bolsonaro na Petrobras gerará aumento da inflação.[3] Isso é falso. O petróleo constitui um insumo para quase todas as mercadorias, que precisam ser transportadas para chegarem aos seus consumidores finais. Assim, uma queda dos preços do diesel e da gasolina deve contribuir para reduzir, e não para elevar, os preços de todos os bens e serviços. A revista Isto É deu destaque à declaração do senador Otto Alencar, do PSD da Bahia, de que a desvalorização da Petrobras equivale a duas vezes o valor do auxílio emergencial a ser pago pelo governo no ano de 2021, dando a entender que ela prejudicaria as camadas mais pobres da população.[4] Trata-se, novamente, de um raciocínio equivocado e enganoso. Assim como nenhum cidadão espera o preço da sua geladeira subir para vendê-la e com isso pagar o seu almoço, o Tesouro Nacional não financia os seus gastos a partir da valorização patrimonial do governo. Por fim, na Globonews, Marcelo Mesquita, integrante do Conselho de Administração da Petrobras (um dos 3 conselheiros, num total de 11, que são indicados por e representam os acionistas), defendeu a privatização completa da empresa e disse que Bolsonaro é tão comunista quanto o PT.[5] Na mesma linha da fala de Mesquita, Demétrio Magnoli, um dos comentaristas do canal, chamou Bolsonaro de ditador e o comparou a Hugo Chávez, lembrando que este, quando governou a Venezuela, também interveio na estatal petroleira de seu país. Deve-se reconhecer que Mesquita e Magnoli têm razão quanto ao caráter da intervenção de Bolsonaro, que tem, tal como no caso venezuelano, um viés popular. Muito estranha, no entanto, que o presidente brasileiro seja assim tachado por essa atitude, ao passo que, quando participa de manifestações por um novo AI-5 e pelo fechamento do Congresso e do STF, é tratado de forma muito menos hostil pelos veículos de imprensa.

    O que os episódios recentes evidenciam é uma vitória da classe trabalhadora brasileira, a qual só foi possível porque as relações de poder ainda se dão, no Brasil, sob um regime democrático. Numa ditadura, haveria um espaço muito menor para a luta de classes entre trabalhadores e burgueses, e qualquer ameaça de greve de caminhoneiros poderia ser facilmente reprimida com porretes, gás lacrimogênio, prisões ilegais e tortura. Como Bolsonaro, embora o deseje, não dispõe desses meios autoritários para o exercício do poder, só lhe restou, nesse caso específico, a alternativa de recuar ante as pressões dos trabalhadores e de contrariar os interesses da burguesia. Sob esse ponto de vista, sua intervenção na Petrobras é muito bem-vinda e deve ser comemorada. Em virtude dela, a estatal não perdeu capacidade técnica de produzir 1 mililitro de combustível, os ricos ficaram 100 bilhões de reais mais pobres, e os pobres – espera-se – poderão comprar combustíveis e mercadorias em geral por preços menores. Em outras palavras, o anúncio da alteração na chefia da Petrobras, ao provocar uma expectativa de redistribuição dos rendimentos gerados pela empresa, resultou numa enorme queima do seu capital fictício, sem destruição alguma do seu capital real. Em suma, a contradição trabalho x capital explicitou-se sob a forma do conflito entre caminhoneiros e acionistas pela política de preços da Petrobras, implicando um forte abalo para o governo.

    [1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/petrobras-perde-r-1025-bi-em-valor-de-mercado-apos-intervencao-de-bolsonaro.shtml.

    [2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/governo-estuda-bolsa-caminhoneiro-contra-alta-do-diesel-sem-interferir-na-petrobras.shtml.

    [3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56161636.

    [4] https://istoe.com.br/intervencao-na-petrobras-em-dois-dias-o-governo-perdeu-duas-vezes-o-valor-do-auxilio-emergencial-diz-senador/.

    [5] https://g1.globo.com/globonews/globonews-em-pauta/video/marcelo-mesquita-conselheiro-da-petrobras-fala-sobre-a-troca-de-comando-na-estatal-9291870.ghtml.

     

     

     

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Sobre Economia.

     

     

  • 300 dias de Especial Covid-19

    300 dias do Especial COVID-19 do Blogs de Ciência da Unicamp no ar, e é claro que nós montamos uma retrospectiva para apresentar a vocês e não deixaríamos de fora nenhum momento de cada dia vivido.

    300 dias do lançamento do site que elaboramos para apresentar o que achamos que seria um conteúdo temporário. Aprendemos que seria longo, depois que a doença era muito mais séria e difícil de lidar do que havíamos pensado previamente.

    300 dias e NUNCA, JAMAIS, em momento algum, imaginamos que teríamos que chorar em luto por falta de oxigênio, seringas, planejamentos logísticos de vacinas, em excesso de descaso, negligência, negacionismo científico.
    300 dias e milhões de reais de dinheiro público desperdiçados em tratamentos ineficazes para a COVID-19, enquanto testes diagnósticos apodrecem em galpões empoeirados, verbas para ciência são cortadas e falta ar.

    300 dias e nossa retrospectiva teria, sim, dados esmiuçados para apresentar. Mas nenhum é suficiente para expressar o luto, a dor pela falta de empatia e a plena convicção de que se estamos aqui falando dos

    300 dias é por estarmos cansados, mas vivos e seguros. O cansaço em segurança segue sendo privilégio reconhecido por toda a nossa equipe. E, tal como afirmamos no início do Especial COVID-19, seguiremos escrevendo, pois

    300 dias se passaram e não será no próximo despertar que terminaremos este capítulo de nosso especial. Pois falta ar. E enquanto faltar ar, por negligência ou descaso: nós seguiremos batalhando, mesmo em luto, para que estes

    300 dias, e todas as (e cada uma das) mortes sejam lembradas. E enquanto faltar ar, fazendo seres humanos morrerem ou sofrerem mortes e sofrimentos evitáveis em função de políticas negacionistas, mesmo em luto e sem ar: estaremos aqui.

    300 dias e a certeza que os divulgadores científicos do Blogs de Ciência da Unicamp e todos os coletivos de Divulgação Científica que tem atuado lado a lado, seguirão em luta pelo conhecimento como ferramenta e por políticas públicas baseadas em ciência.

    300 dias e nos falta ar

    Texto por: Ana Arnt

    Imagens: Carolina Frandsen (clorofreela)

  • O 7 de setembro de Jair Bolsonaro: defesa histórica da violência como fundamento da ordem

    Texto por Ulisses Rubio e Gustavo Zullo.*

    Consideramos que no pronunciamento realizado por Jair Bolsonaro no 7 de setembro algo foge ao estereótipo paradigmático dos discursos do atual presidente. Bolsonaro não repetiu as falas aparentemente desconexas, que têm deixado os analistas atônitos e os leva a análises no mínimo insuficientes, uma vez que enfatizam a incoerência e ressaltam um burro Bolsonaro. Ao contrário, consideramos que, na comemoração da independência, o presidente apresentou um discurso elucidativo e, na medida do possível, sereno sobre sua seleção do passado nacional e dos seus valores. Mais ainda, Jair Bolsonaro explicitou a sua visão de Brasil, na qual os dominantes desenharam a identidade nacional:

    “Naquele histórico 7 de setembro de 1822, às Margens do Ipiranga, o Brasil dizia ao mundo que nunca mais aceitaria ser submisso a qualquer outra nação”.

    Quem é o sujeito da ação? O Brasil. Mas quem é o Brasil? Mais que isso, quais seriam os “brasileiros [que] jamais abririam mão de sua liberdade”?

    Certamente não estão incluídos aí os negros escravizados, que permaneceram privados de sua liberdade ainda por mais de um quarto de século após a independência. Seriam os indígenas? Isto não seria coerente com as atuais políticas do executivo federal em relação aos povos indígenas, especialmente atingidos pela boiada incandescente que avança de modo acelerado sobre a Amazônia e o Pantanal.

     “A identidade nacional começou a ser desenhada, com a miscigenação entre índios, brancos e negros”.

    Nesse trecho do discurso, a vírgula após “desenhada” não é gratuita. Repare. A miscigenação não é o agente da passiva. O agente da passiva do verbo “desenhada” não aparece. A miscigenação é um aspecto muito importante da identidade nacional, mas não a sua realizadora. Assim, nos perguntamos quem seria este agente da passiva e por que ele teria sido ocultado? Para responder a estas questões, recorremos a um dos ícones do pensamento conservador brasileiro do século XX, Oliveira Vianna. Segundo ele, os principais acontecimentos que marcam a História do Brasil, inclusive a independência, foram protagonizados pela “Nobreza rural”. Coerente ao pensamento conservador, acreditamos que Bolsonaro está assumindo que são os dominantes que “desenharam” a identidade nacional.

    Implícita nesta posição está que a identidade nacional teria sido formada pelo andar de cima e para o andar de cima a partir da preservação da segregação social. E esta questão possui uma curiosidade quando a associamos à época da independência. Naquele período, a segregação social assumia a forma de um sistema escravista extremamente violento que, contudo, foi romantizado pelo conservadorismo brasileiro como um sistema em que se formaram afetos espontâneos entre negros e brancos. Como consequência, a interpretação conservadora da identidade nacional cancela a possiblidade dos dominados acessarem a cidadania sem que se o anuncie explicitamente – e aqui reside um dos grandes dilemas brasileiros.

    Na atual conjuntura, isto significa a supressão de todos os ensaios emancipatórios que se vislumbraram nos últimos anos, uma ofensiva a pautas sociais, culturais e econômicas que apontam para a construção de uma sociedade mais justa ou, se quiserem, menos injusta.

    Na visão conservadora da formação histórica do Brasil, a miscigenação cumpre um papel fundamental, mas não fundador, da identidade nacional. Para deixar ainda mais evidente o significado da miscigenação no discurso de Bolsonaro, recorremos a outro autor importantíssimo para o pensamento conservador brasileiro: Gilberto Freyre, autor que consolidou a ideia de que, no Brasil, vivemos numa “democracia racial” e que nos ajudará a decifrar a sequência do discurso de Bolsonaro.

    Assim, seguimos com o presidente: “Posteriormente, ondas de imigrantes se sucederam, trazendo esperanças que em suas terras haviam perdido. Religiões, crenças, comportamentos e visões eram assimilados e respeitados. O Brasil desenvolveu o senso de tolerância”.

    Bem… já identificamos “quem era o Brasil”. Agora vemos estes brasileiros serem “tolerantes”, “assimilando” e “respeitando” diferentes “religiões, crenças, comportamentos e visões”. A fala do presidente claramente retoma a “plasticidade” do português, o elemento branco da miscigenação exacerbada por Gilberto Freyre. Portanto, a suposta “democracia” racial decorreria da benevolência dos dominantes, caracterizada por sua plasticidade, isto é, por sua capacidade de “tolerar” e “assimilar” o caldo cultural dos dominados – e a esta altura já notamos que o termo “assimilação” significa dominar/sufocar. Mas esta não é uma dominação explícita – e esta tradição de se fazer parecer tolerante é preservada até por Bolsonaro, apelidado de “cavalão” nos seus tempos de exército. Isto é, se na frente das câmeras o discurso é de tolerância e mesmo de exaltação da diversidade, a prática é de perseguição social e policial de tradições e costumes não-hegemônicos, como ocorre com o candomblé.

    E aqui insistimos. O agente que integra é o mesmo brasileiro que realiza o movimento de independência. Este brasileiro absorve outros elementos culturais, mas não confere o mesmo valor à cultura dos povos escravizados e, consequentemente, não os concebe como dignos de fazerem reivindicações. Assim, a sua presença é tão somente tolerada na medida em que se preserva à sombra da sociedade. Portanto, compreendemos como “os diferentes tornavam-se iguais”, proferido na continuação da fala de Bolsonaro.

    Simula-se uma igualdade, posto que os povos dominados e as suas respectivas culturas jamais foram aceitos em pé de igualdade – isto é, o conflito nunca foi aceito como parte da construção de um ambiente verdadeiramente democrático. Esta “igualdade” a que Jair Bolsonaro se refere foi construída pelos dominadores. Isto é, uma igualdade que, na verdade, é absolutamente incompatível com a valorização real daquilo que o presidente ostenta orgulhosamente como um “conjunto de preciosidades culturais, éticas e religiosas”.

    Assim, a “plasticidade” que constrói a democracia racial de Gilberto Freyre pode se juntar à “placidez” da formação social brasileira de Oliveira Vianna, para quem “à sombra patriarcal deste grande senhor de engenhos, de estâncias, de cafezais vivem o pobre e o fraco com segurança e tranquilidade”.

    Com isto, Bolsonaro assume a figura de patriarca nacional, de defensor da ordem conservadora, entendendo que mobilizações sociais são bem vistas apenas quando subsidiam a sua ordem. E este detalhe é importante: a atuação do governo Bolsonaro não se restringe à perseguição de negros e indígenas, mas tem a relação histórica de perseguição e tutela a estes grupos como experiência a ser repetida quantas vezes forem necessárias para preservar privilégios.

    Podemos, assim, entender a narrativa que o presidente constrói no que segue de seu discurso:

    “Passados quase dois séculos da independência, nos quais enfrentou e superou inúmeros desafios, o Brasil consolidou sua posição no concerto das nações. Ainda no século XIX, durante o período do império, fomos invadidos e agredidos, derrotando a todos. Já no século XX, durante a II Guerra Mundial, a Força Expedicionária Brasileira foi à Europa para ajudar o mundo a derrotar o nazismo e o fascismo. Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais, de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social, e corrupção generalizada”.

    O que vemos é a exaltação de três governos autoritários que sufocaram manifestações sociais que chacoalhavam a ordem.

    Estamos, portanto, preparados para entender a coerência do discurso do presidente quando ele afirma defender a democracia e a liberdade:

    “O sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade. Vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre. No momento que celebramos esta data tão especial, reitero, como presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso País jamais abrirá mão. A independência do Brasil merece ser comemorada hoje, nos nossos lares e em nossos corações. A independência nos deu a liberdade para decidir nossos destinos e a usamos para escolher a democracia”.

    Nesta narrativa, já sabemos que quem teve a liberdade para fazer a independência e manter a ordem posteriormente foi o patriarca branco, intolerante e eugenista, oposto à imagem benevolente da miscigenação apresentada por Bolsonaro. Sabemos também que a democracia de que se fala, é a dita “democracia racial”.

    *Ulisses Rubio. Economista, Professor Universitário, Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP.

    *Gustavo Zullo. Economista, Professor Universitário, Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP.

    Referências:

    FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da familia brasileira sob o regime da economia patriarcal. 17. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1975.

    VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil: historia – organização – psicologia. Belo Horizonte, MG; Niterói, RJ: Itatiaia: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1987.

    Pronunciamento do Presidente Jair Bolsonaro, 7 de Setembro de 2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=2iomceoXjOY. Acessado em 7 de setembro de 2020.

  • Eleições 2018: por um Brasil mais educado!

    Texto por Cássio Ricardo Fares Riedo

    Estamos em época de eleições e é muito comum ver a preocupação com a Educação nas declarações do Brasil desejado pela população na “divulgação” feita por um dos canais televisivos abertos, que prefiro nem mencionar. Mesmo que tais declarações sejam chatíssimas, suspeito ainda das intenções sobre como tais informações voluntariamente cedidas pela populaçãoserão usadas. Contudo, não é esse o assunto que pretendo tratar neste post. Usei-o apenas para ressaltar a preocupação da população com a Educação. Enfim, parece que todos pedem uma Educação “melhor”, mas o que seria “realmente” uma Educação “melhor”? Nesse sentido, o que seria possível fazer para “melhorar” a Educação? Seja como for, vamos ver o que os candidatos a presidência dizem em seus programas sobre e Educação?

    Livro e lupa

    Como foi feita a identificação das propostas dos partidos nas Eleições 2018

    A fim de não ser intencionalmente partidário, usarei o resultado indicado pela última pesquisa Ibope para as Eleições 2018, divulgada em 26 de setembro, como referência para a apresentação das propostas na área de Educação. Além disso, após a identificação da ordem dos candidatos, usarei apenas as siglas dos partidos para indicar as propostas. Em síntese, os documentos oficialmente produzidos pelos partidos para as eleições não foram utilizados, pois é comum o uso de uma linguagem intencionalmente partidária. Conforme a intenção inicial, foram utilizadas indicações encontradas em sites que apareceram na primeira página do Google, a partir de um busca com as palavras “propostas sobre educação dos candidatos à presidência nas eleições 2018”. Como resultado, os sites melhores posicionados foram: BBC NEWS, DESTAK, NEXO e R7 Notícias.

    Este não é um levantamento preciso e acadêmico, com consultas a bases de dados totalmente confiáveis, mas apenas o que transpareceu na pesquisa pela internet sobre as Eleições 2018. Assim sendo, o objetivo não é chegar a nenhuma conclusão sobre se uma proposta pode ser melhor do que outra. É refletir sobre o que pode ser tomada como uma boa Educação, principalmente a partir do modo como as propostas foram reconhecidas pelos órgãos de notícias.

    Enfim, apresentarei um resumo das propostas sobre a Educação para as Eleições 2018 nos sites indicados na seguinte sequência: Jair Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (REDE), (João Amoedo) NOVO, Álvaro Dias (PODEMOS), Henrique Meirelles (PMDB); Guilherme Boulos (PSOL); Cabo Daciolo (PATRIOTA), Vera Lúcia (PSTU), João Goulart Filho (PPL), José Maria Eymael (DC).

    Eleições 2018
    As propostas dos dois partidos que disputam a primeira colocação na intenção de votos (acima de 20%) segundo a pesquisa do Ibope de 26 de setembro para as Eleições 2018

    • PSL: não admitir ideologia de gênero nas escolas; diminuir o percentual de vagas para cotas raciais; ampliar o número de escolas militares e impor a participação das Forças Armadas na diretoria das instituições educacionais; adoção da educação à distância no Ensino Fundamental, Médio e universitário; mudanças no método de ensino (com “mais matemática, ciências e português”); expurgar a ideologia de Paulo Freire; investir em parcerias privadas e colaboração com instituições da Ásia.

    • PT: investir 10% do PIB na educação pública; revogar a emenda do teto de gastos; promover uma Escola com Ciência e Cultura para valorizar a diversidade (em contraponto à Escola Sem Partido); priorizar a reforma do ensino médio; expandir as matrículas nos ensinos técnico, profissional e superior; valorizar e qualificar os professores (com a Prova Nacional para Ingresso na Carreira Docente na rede pública de educação básica); promover a inclusão digital.

    As propostas com chances relativas (intenções de voto entre 5% e 5%) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • PDT: revogar a emenda do teto de gastos; expandir o ensino integral com creches e Escolas Profissionalizantes com Ensino Médio integrado ao Ensino Técnico; elevar a média de anos de estudo da população; ampliar a oferta de vagas nas universidades públicas; fortalecer o CNPq e suas instituições de pesquisa (repassar 2% do PIB o gasto para Ciência e Tecnologia); valorizar os professores (com programas de iniciação docente, estágio e mentoria); combater a evasão escolar; definir critérios para a escolha de diretores; manter o ProUni e o Fies, além de programas de bolsa para pós-graduação e a criação de novos convênios com outras instituições ; eliminar o analfabetismo escolar; garantir a permanência e a conclusão na idade adequada; adotar uma base nacional comum curricular; aprimorar a formação e seleção de professores; promover a Educação de Jovens e Adultos.

    • PSDB: expandir o ensino integral; priorizar a educação básica; investir na formação e qualificação dos professores; melhorar os índices no Pisa (exame internacional de avaliação do Ensino Médio); fortalecer o ensino técnico e tecnológico; estimular parcerias entre universidades, empresas e empreendedores; promover a educação para idosos.

    • REDE: expandir o ensino integral; criar uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância; valorizar os professores; promover uma escola pública e laica; incentivar a política de cotas nas universidades; cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

    Eleições 2018As propostas com menos chances (intenções de voto entre 2% e 5%) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • NOVO: distribuição de valores monetários para os mais pobres pagarem por serviços privados; Prouni para os Ensinos Infantil, Fundamental e Médio; priorizar a educação infantil; ampliar o ensino médio-técnico; introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas; melhorar a gestão das escolas.

    • PODEMOS: expandir o ensino integral; priorizar a educação infantil e o ensino fundamental; universalizar o acesso, a permanência e o aprendizado de qualidade nos Ensinos Fundamental e Médio; combater as desigualdades entre as regiões do país; capacitar os professores.

    • PMDB: priorizar a educação infantil; promover a Escola sem Partido.

    As propostas praticamente sem chances (menos de 2% das intenções de voto) de concorrer ao planalto nas Eleições 2018

    • PSOL: revogar o teto de gastos; criar um Sistema Nacional de Educação; valorizar os professores; priorizar a educação infantil; investir em universidades públicas e Institutos Federais; retomar o investimento em pesquisa; acabar com as parcerias entre Estado e iniciativa privada; revogar a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular.

    • PATRIOTA: expandir o ensino integral; investir 10% do PIB na educação pública; acabar com ideologia de gênero nas escolas; erradicar o analfabetismo; combater a evasão; valorizar as atuais universidades federais, ampliando os campi e criar novas universidades públicas.

    • PSTU: investir 10% do PIB na educação pública; encarar o ensino e o acesso ao conhecimento como um direito e não como serviço ou mercadoria; estatizar todas as instituições privadas de ensino; acabar com o vestibular; promover as cotas raciais e sociais; acabar com o ensino religioso ou confessional.

    • PPL: expandir a educação em tempo integral; investir 10% do PIB para a educação; revogar o teto de gastos; federalizar o ensino básico; equiparar o piso salarial do Ensino Básico ao piso dos Institutos Tecnológicos; educação infantil; capacitar os professores; promover a acessibilidade do cidadão LGBT.

    • DC: expandir a educação integral; promover o ensino público universitário e cursos profissionalizantes; introduzir a disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental.

    PensadorBreve análise das propostas apresentadas pelos partidos para as Eleições 2018

    A intenção da análise não é se aprofundar teoricamente nos conceitos da área da Educação, mas apenas comparar alguns aspectos que surgiram nas propostas dos candidatos à presidência nas Eleições 2018. Muitas outras interpretações poderiam ser propostas e mesmo as que foram sugeridas, poderiam ser mais aprofundadas. Entretanto, preferiu-se apenas abrir alguns pontos para reflexão, para que cada eleitor pense, ou tente pensar, por si mesmo. Então, apenas podemos desejar que as reflexões sejam frutíferas para (re)pensar a postura dos candidatos em relação à Educação.

    Educação em tempo integral e a preocupação com a educação Infantil e Básica

    Um aspecto bastante presente em vários partidos é o conceito de educação integral. Foi o item mais citado. Outro aspecto também bastante presente foi a preocupação com a Educação Infantil e Básica e com o ensino técnico-profissionalizante, ainda que bem menos presente.

    O Ensino Superior e o desenvolvimento de pesquisas

    Posto que, em relação ao nível superior de ensino, nem todas as propostas revelam preocupação com o Ensino Superior ou o desenvolvimento da pesquisa, fica-se sem saber como será a formação dos professores. Com efeito, quando presentes, as propostas podem até ser consideradas antagônicas, variando desde a radical privatização das instituições privadas até o pagamento de mensalidades em universidades públicas ou o incentivo a parcerias público-privada. Em suma, deve-se relembrar que as empresas privadas “usam” os recursos das universidades para desenvolverem produtos de seus interesses. Entretanto, como as universidades brasileiras são em sua grande maioria públicas, o resultado das pesquisas deveria ser socialmente compartilhado e não restrita a interesses “comerciais”, afinal, são publicamente financiadas.

    O financiamento e a administração da Educação

    Surpreendentemente, considerando o financiamento, alguns partidos indicam o investimento de 10% do PIB na educação pública, mas a maioria não chega nem a mencionar possíveis percentuais de investimento. Ainda que tal informação possa ser considerada de extrema relevância para o planejamento e futuro da nação, nenhum valor ou índice é explicitado. Similarmente, e ainda pior do que a falta deste tipo de informação, há uma relativamente baixa preocupação em relação à formação e valorização dos professores. Ao mesmo tempo em que tal consideração não aparece em muitas propostas, indica-se o Ensino Básico como prioridade. Mas, como priorizar o Ensino Básico sem considerar a formação, necessariamente superior, dos professores?

    Ainda que a preocupação com os professores não tenha aparecido em várias propostas, a preocupação com a administração das escolas apareceu até de forma distorcida em algumas poucas propostas. Contudo, deve-se analisar que a Educação deveria ser considerada um bem comum e não um bem privado, pois deveria ser a base para formação do cidadão. Em outras palavras, a república e a democracia só se sustentam com indivíduos bem formados e capazes de avaliar as propostas dos partidos em todas as eleições. Dessa forma, por meio da Educação, torna-se possível escolher em quem votar com autonomia e consciência das implicações de suas escolhas.

    A escola NÃO deve ser vista como uma empresa

    Portanto, dirigir uma escola não pode ser comparada à administração de uma empresa ou de instituições extremamente hierarquizadas. Por exemplo, uma empresa privada pode falir enquanto que a Educação é algo tão sério que não pode ter nenhuma possibilidade de falência no desenvolvimento da população. Nesse ínterim, a escola deve sempre buscar o aprimoramento de toda a coletividade. Não apenas para aumentar um suposto lucro em favor de alguns e detrimento de outros. Nesse sentido, não dá para escolher um público-alvo, é necessário que a formação seja a melhor possível para todos.

    Dessa forma, propostas como a de impor a participação das Forças Armadas na diretoria das instituições educacionais ou simplesmente de “melhorar a gestão das escolas” devem ser consideradas com muita atenção e até algum distanciamento racional, pois, nem no Exército, a transparência na gestão e na concorrência de licitações podem ou devem ser idealizadas.

    A transmissão de conhecimentos e a formação dos estudantes

    Além disso, se é preciso reconhecer que, para melhorar a escola como um todo e, mais especificamente, a formação dos estudantes, não é suficiente apenas a transmissão de determinados conhecimentos. Deve-se ensinar a pensar e não apenas a obedecer e reproduzir o que já é conhecido. Ou seja, percebe-se a falta de sentido em propostas tradicionais e conteudistas como “introduzir a disciplina Educação Moral e Cívica no Ensino Fundamental” ou “mudanças no método de ensino – com mais matemática, ciências e português”.

    Por exemplo, para uma escola plural, na qual se aprenda a refletir sobre os mais variados valores, não deve haver espaço para restrições em relação ao que se pode ou não conhecer. Dessa forma, propostas como “Escola sem partido”, além dos conteúdos tradicionais, limitam a capacidade de reflexão dos estudantes. De fato, limitará também suas atuações futuras na sociedade, inibindo a capacidade de identificar e reconhecer as diferentes formas dos partidos apresentarem suas ideias e propostas. Portanto, terão dificuldade em escolher o que for mais adequado para si mesmos e para seu círculo social.

    A preparação dos futuros eleitores

    Não se trata de preservar os estudantes de conhecimentos inapropriados mas de prepará-los para evitar a adesão à imposições de figuras messiânicas ou palavras de ordem com sentido esvaziado. Por exemplo, permitirá associar, reconhecer e relacionar discursos em formas de promessas que não foram cumpridas quando algum dos postulantes teve a oportunidade de estar em outras instâncias estaduais e municipais de governo, como ao afirmar que se irá “investir na formação e qualificação dos professores”, mas não aceitar discutir as reivindicações de professores e colocar a polícia para reprimir (violentamente) suas manifestações.

    Ou então, pedir para ser chamado pelo profundo conhecimento de Economia, mas sem detalhar as pretensões sobre Educação. Afinal, governar não é apenas se preocupar com a Economia, mas deveria ter preocupações muito maiores com toda a população. Então, pior ainda, quando se assume não entender nada sobre Economia e se fez “sugestões” pouco razoáveis sobre a militarização da escola, a qual visa a impor obediências aos estudantes e não estimular a criatividade e o amor pelo conhecimento.

    Conclusão

    Portanto, se realmente queremos um Brasil mais educado, precisaremos conhecer melhor, no momento das eleições, as propostas dos candidatos para a área da Educação. De pouco adianta gravar um vídeo para aparecer em rede nacional, que nem sabemos para que será usado. Assim, seria preciso, e até mesmo mais coerente, ter clareza sobre o que é uma Educação de qualidade e como ela poderia ser melhorada. Contudo, a democracia, para um funcionamento ideal, infelizmente demanda esforço de compreensão e análise das propostas dos futuros governantes já nas eleições. E não só dos candidatos a órgãos majoritários, mas também de senadores e deputados federais e estaduais…

    Referências

    BBC NEWS. Eleições 2018: as propostas de todos os candidatos a presidente do Brasil. 17/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    DESTAK. Educação: compare as propostas dos candidatos à Presidência da República. 28/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    DUNDER, K. O que os candidatos à Presidência prometem para Educação e Cultura. 04/09/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

    FRAGA, O.; ELER, G. Como os candidatos tratam da educação nos planos de governo. 25/08/2018. Acesso em: 25 set. 2018.

  • As Propostas para Ciência dos Candidatos à Presidência de 2018, Segundo Seus Programas de Governo

    Texto por Lucas Rosa

    Esse ano, toda a nação se reunirá para decidir seu governante pelos próximos 4 anos. É a época onde diversas das questões são trazidas à mente do brasileiro; saúde, educação e segurança são amplamente discutidas na televisão. Historicamente, a ciência tem ficado de lado nesses debates, raramente sendo o ponto focal de qualquer candidato. Esse ano, mais do que nunca, a ciência brasileira precisa estar em pauta. 2018 e os próximos anos serão cruciais para decidir o destino do país pelas próximas décadas; com os cortes recentes da verba de ciência e tecnologia, o desenvolvimento brasileiro se tornará irreversivelmente defasado caso esses cortes não sejam revertidos. Se o próximo presidente não estiver disposto a priorizar a restauração dessa verba, podemos dar adeus às perspectivas de um Brasil desenvolvido no futuro próximo.

    Recentemente, tivemos uma iniciativa excelente para tentar mudar esse cenário, que foi a Sabatina com os Presidenciáveis organizada pelo Disperciência e o Science Vlogs Brasil. Essa sabatina contou com a presença de quase todas as candidaturas, seja na figura do candidato em si ou através de um representante (com três exceções: Manuela D’Ávilla (que não é mais candidata) e Geraldo Alckmin, que alegaram incompatibilidade de horários, e Jair Bolsonaro, que sequer respondeu ao convite da organização). Caso você não tenha visto, sugiro fortemente que veja o debate CLICANDO AQUI.. Ele é longo, sim, mas o seu país precisa que o seu voto seja informado. Vá assistindo ao longo de vários dias se necessário, mas faça-o.

    Essa semana, tivemos a divulgação dos planos de governo de todos os principais candidatos à corrida presidencial. Assim, resolvi dar uma olhada em todos eles e averiguar o que cada candidato tem em mente para resolver a situação da ciência no país.

    Farei o possível para afastar os meus viéses (Afinal, não sou uma máquina – tenho meus candidatos favoritos e, principalmente, os que sou veemente contra). O intuito aqui será avaliar as propostas conforme estão no plano de governo, emitindo a minha opinião. Peço aos leitores que façam o possível para fazer o mesmo – e, acima de tudo, evitem cair no fanatismo. Se eu falei mal do plano de governo do(a) seu(ua) candidato(a), não significa necessariamente que eu estou tendo favoritismos, que eu sou [insira aqui seu rótulo favorito] ou que eu sou incapaz de entender a genialidade do(a) candidato(a). Às vezes a ideia é só uma merda mesmo. E você precisa estar apto à avaliar criticamente o(a) seu(ua) candidato(a) e ser capaz de reconhecer que ele(a) é capaz de errar. Cultos à personalidade, historicamente, são uma cilada tremenda (vide Mussolini, Hitler, Mao Zedong, Stalin, etc)

    Sem mais delongas, vamos aos planos. Clicando no nome do candidato, você terá acesso ao plano de governo completo do mesmo. Os candidatos estão ordenados por ordem de intenção de votos NESSA pesquisa recente, e ordem alfabética em caso de empate.

    Haddad (PT)

    ATENÇÃO: Essa seção foi feita antes da impugnação da candidatura do Lula e anúncio do Haddad como candidato. Assim, a análise abaixo é do programa de governo do Lula (E suponho que o do Haddad seja similar)

    A primeira aparição da palavra “ciência” no programa é em um parágrafo falando sobre políticas visando promover representatividade feminina na sociedade de forma geral, onde menciona “o
    incentivo à produção de ciência e tecnologia pelas mulheres”. Obviamente é positivo expandir a participação feminina no mundo científico. Também propõe o Programa Escola com Ciência e Cultura, que, segundo o programa,  transformará “as unidades educacionais em espaços de paz, reflexão, investigação científica e criação cultural”. Bonito, mas os termos são vagos – significa ensinar metodologia científica no ensino fundamental e médio? Significa ampliar laboratórios de ciências nas escolas? Significa colocar alunos em contato com cientistas e trabalhos científicos? Não sabemos.

    Então, o programa do PT promete ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação – mas não diz para quanto, nem que medidas específicas pretende tomar para isso. Isso é repetido posteriormente no Programa. Também propõe ” intensificar o diálogo da cultura com outros campos, como a educação, a ciência e tecnologia, a comunicação, o esporte, a saúde, a economia e o turismo”. Novamente, o que isso significa, especificamente?

    Em parágrafo posterior, reconhece a necessidade de investimentos em ciência e tecnologia como pré-requisito para um modelo de desenvolvimento.

    Finalmente, chegamos à uma seção específica para falar de ciência e tecnologia, o que é bastante positivo (e presente em surpreendentemente poucos dos planos de governo). Reafirma nessa seção a importância de investimentos significativos no ramo, e propõe algumas ideias. A primeira é a criação do Sistema Nacional de Ciências, Pesquisas e Inovação (C,P&T) que, pelo que eu entendi, seria um sistema para integrar a produção científica pública e privada, aproximando as duas. Sinceramente não entendi bem a proposta. A segunda proposta é sobre a ampliação do comércio externo e utilização cooperativa de recursos com outros países. Não fica 100% claro a relação deste item com ciência – pesquisas colaborativas? Exportação de tecnologia? Enfim. Também propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (atualmente fundido ao de comunicações), uma decisão acertada ao meu ver (seria bom preenchê-lo por mérito e não por jogo político, mas essa é outra história…); por fim, o programa propõe retomar o direcionamento de recursos do Fundo Setorial do Petróleo ao Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. Essa proposta me agrada não só por ser maior financiamento para ciência, mas por ser uma proposta concreta.

    No geral, não achei o programa ruim, mas também não achei dos melhores. Ele reforça várias vezes o compromisso de aumentar o orçamento, mas não diz para quanto. Gostaria de uma porcentagem razoável do PIB (2 ou 3%) sendo fixada para isso. No mais, achei o plano meio vago. Parece estar com boas intenções, mas não com a atenção devida para o tema, e a estruturação devido.

    Jair Bolsonaro (PSL)

    O candidato possui uma seção dedicada à ciência e tecnologia no plano de governo, o que é um ponto positivo, bem como uma estruturação de um plano de fato, invés de apenas promessas – outro ponto positivo. A seção se debruça principalmente sobre a intenção do candidato de melhorar a relação da ciência com o mercado privado, tomando como exemplo hubs tecnológicos de países mundo afora. O programa realça a importância (na opinião do candidato) dos universitários terem uma formação empreendedora, buscando transformar os conhecimentos adquiridos em produtos e negócios, e a importância de aproximar a academia do mercado. Por fim, também destaca a importância do Brasil aproveitar os seus recursos e oportunidades – como o desenvolvimento de formas sustentáveis de energia (assunto que, de fato, somos um país com plenas condições de nos tornamos líderes) e procurando novas e inovadoras aplicações com nióbio e grafeno, dois produtos naturais abundantes no Brasil.

    Vamos começar pelos pontos positivos. O plano me surpreendeu positivamente. De fato, o Brasil se beneficiaria bastante de uma melhor integração entre a academia e a iniciativa privada e um maior aporte de recursos da iniciativa privada em pesquisas de tecnologia aplicada. Realmente no mundo inteiro há investimentos privados no setor de ciência e tecnologia, e o Brasil é deficiente nessa integração. Também fiquei feliz em observar essa valorização das capacidades energéticas do Brasil. Essa é uma tecla que eu bato bastante: nós estamos com a faca e o queijo na mão para nos tornarmos líderes do setor energético mundial conforme a mudança da matriz energética for se solidificando no século XXI (E isso é inevitável, graças ao aquecimento global. Negacionistas podem chorar e mentir à vontade, quando as temperaturas começarem a trazer malefícios econômicos ao setor agrário, por exemplo, os países serão forçados a procurar alternativas aos combustíveis fósseis). O Brasil precisa correr atrás, e logo, de desenvolver formas alternativas de energia ou aperfeiçoar as já existentes (hidrelétrica, eólica e solar são todas possíveis de serem aplicadas no país e, portanto, de serem estudadas e aperfeiçoadas por nós), estabelecendo-se assim como líder nesse mercado para poder aproveitar essa demanda que vai chegar mais cedo ou mais tarde. E, por mais que muitos zoem o Bolsonaro por ele botar fé demais no nióbio e no grafeno (não, eles não são a fórmula mágica para a solução de todos os problemas), vale a pena sim estudar esses materiais e procurar novas e inovadoras aplicações – porque, novamente, se conseguirmos, nós seríamos os líderes imediatos do mercado, por possuirmos amplas reservas desses recursos.

    O problema do programa do Bolsonaro não é o que ele contém, mas sim o que falta. O foco excessivo na iniciativa privada é preocupante porque, ainda que eu ache sim que o Brasil precisa melhorar nesse aspecto, a iniciativa privada jamais pode substituir os investimentos públicos em ciência, e sim complementá-los. Simplificando um pouco: A ciência se divide em ciência básica e ciência aplicada. A ciência aplicada pode e deve receber investimentos da iniciativa privada; isso é útil para liberar os recursos públicos para serem aplicados majoritariamente na ciência básica, que é a ciência que estuda os fenômenos meramente para entendê-los, não necessariamente para gerar uma tecnologia deles. E essa relação é simbiótica: A ciência básica é o pântano de ideias que a ciência aplicada extrai a sua “matéria prima intelectual”, por assim dizer; a ciência aplicada, por sua vez, fornece ao público leigo a justificativa para os investimentos públicos para manter a ciência básica.

    É importante entender que ciência básica não é ciência inútil. Primeiro porque o propósito da ciência não é (só) gerar tecnologia, mas sim entender o mundo em que vivemos; e segundo porque, como eu expliquei, a ciência aplicada depende da existência da ciência básica. Ilustrando com um exemplo: As tecnologias de comunicação que possuímos hoje (rádio, TV, computador, etc) só se tornaram possível quando James Maxwell conseguiu compreender o fenômeno do eletromagnetismo. Maxwell era um cientista de ciência básica – ele não estudava o eletromagnetismo com o intuito de criar rádios e televisões, e sim para entender esse fenômeno da natureza. Porém, quando o fenômeno foi entendido, essa aplicação se tornou possível por outros cientistas. Ou seja, o governo precisou sustentar as pesquisas “inúteis” de Maxwell para que nós tivéssemos uma base sólida o suficiente para tornar possível o desenvolver aparelhos de comunicação.

    E esse é o tipo de investimento que a iniciativa privada jamais faria, porque os ganhos são incertos e, muitas vezes, à longuíssimo prazo. Por isso é preciso tomar cuidado com essa noção que a solução para a ciência é deixar a iniciativa privada cuidar dos investimentos. Essa deve sim ser uma prática complementar, permitindo assim uma maior liberação de recursos públicos. O programa de Bolsonaro só menciona a primeira metade, sem mencionar seus planos para a pesquisa básica e sem se comprometer a manter os investimentos públicos em ciência. Esse silêncio é preocupante.

    Com essa ressalva, porém, eu diria que o plano de Bolsonaro é aceitável. É certamente melhor que o silêncio ou promessas vagas de alguns candidatos supracitados.

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    A única referência à ciência no Programa é uma proposta de estimular parcerias entre universidades e empresas, trazendo o setor privado para próximo do setor científico de forma a aumentar a produtividade e competitividade brasileira. O programa especifica que essa aproximação seria para o setor aplicado, mas não diz nada sobre o que pretende fazer com o setor de ciência básica, ou quais serão as medidas tomadas para combater os catastróficos cortes recentes no orçamento científico. Na minha opinião, o programa está incompleto no que diz respeito às necessidades do setor científico neste momento do país.

    Marina Silva (REDE)

    O programa de Marina reconhece logo no início a importância dos investimentos em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país. Chega até a pincelar um reconhecimento da importância de difundir esse conhecimento na sociedade, mas não fica claro se ela fala especificamente da divulgação científica, ou apenas do acesso da sociedade aos frutos desse conhecimento. De qualquer forma, ambos são importantes.

    O programa possui uma seção específica sobre ciência e tecnologia – o que, como repeti várias vezes nessa matéria, é um ponto positivo, demonstrando que a candidata reconhece a importância do tema. A seção começa com um reconhecimento do problema, chamando-o de a maior crise da história da ciência brasileira (o que, de fato, é). Marina afirma que seu governo reconhece a ciência como investimento, e não gasto (uma visão acertada). A candidata se compromete a trabalhar para tentar garantir 2% do PIB para financiamento de ciência e tecnologia, e propõe recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia (separado do de Comunicações). Além disso, Marina afirma que a inovação brasileira é precária, se referindo aqui especificamente à empresas, que tem poucos retornos em investimentos de pesquisa e desenvolvimento. Ela propõe combater isso reduzindo tarifas e remoção de barreiras e entraves burocráticos para a importação de materiais, serviços e equipamentos a serem usados em ciência, tecnologia e inovação. Por fim, Marina pretende facilitar a vinda de cientistas de fora do Brasil pra cá (uma “fuga de cérebros” ao contrário) e fortalecer a relação universidade-empresa.

    Gostei muito do que vi no programa da Marina. Ele é sucinto, mas direto ao ponto, reconhece efetivamente o problema e tem boas propostas para solucioná-lo, algumas bastante específicas. Um dos melhores programas, ao meu ver, para a ciência e tecnologia.

    Ciro Gomes (PDT)

    O programa de Ciro Gomes possui uma seção específica para lidar com ciência e tecnologia, o que é bastante positivo. Nela, o candidato faz um bom resumo dos problemas enfrentados pela ciência brasileira – a fuga de cérebros, a falta de modernização, a burocracia. Então seguem-se uma série de propostas – elaborar um plano nacional de ciência e tecnologia, buscando tornar o esforço científico mais eficiente e mais próximo do setor privado; colocar a ciência e tecnologia nacional para fomentar o setor produtivo; fortalecer o CNPq, estimular a aplicação do conhecimento ao setor tecnológico e aproximar o setor empresarial das universidades. Neste último item, ele propõe ideias mais concretas: auxiliar empresas que atuam no país a construir centros de pesquisa por aqui, e estimular a contratação de pesquisadores por essas empresas, permitindo o pagamento de bolsas à esses pesquisadores, pelo que entendi. Se for isso, seria excelente; você permitiria que as agências de fomento fornecessem bolsas à pesquisadores trabalhando no setor privado, o que significa que a empresa receberia um profissional altamente qualificado para desenvolver pesquisa e desenvolvimento à custo baixo, e o pesquisador teria mais opções de carreira além de simplesmente se tornar professor universitário.

    Também propõe uma divisão de recursos para investimento em ciência; parte iria diretamente para a universidade para ela alocar onde achar melhor (Basicamente como é hoje), mas a outra parte seria direcionada à estimular pesquisas em assuntos estratégicos que “atendam as demandas da sociedade”. Se isso for associado a um aumento nos investimentos de forma geral, pode ser uma boa ideia. Ela respeita a importância da ciência básica, mas também trabalha para aproximar a academia da iniciativa privada, que é uma excelente medida, ao meu ver, como já discorri acima. O programa menciona também criar um conselho superior de política de ciência e tecnologia, o que pode ser uma boa ideia se for composto de cientistas – e uma péssima ideia se for composto de políticos. Reforça como dois setores chaves o setor de fontes de energia renovável (que concordo, como disse acima no item do Bolsonaro) e da “indústria 4.0” – a digitalização e automação dos meios de produção, outro setor absolutamente crítico para este século.

    O programa também discorre um pouco sobre a importância de estabilizar o financiamento científico – absolutamente crucial, como disse na introdução – e propõe novas maneiras de viabilizar financiamento científico, incluindo a criação de fundos de investimento. Também propõe algo extremamente importante: A desburocratização da importação de materiais para ciência, algo que prejudica extremamente o andamento eficaz da ciência brasileira. Por fim, Ciro promete melhoras no sistema de patentes e propriedade intelectual, buscando desburocratizar e aumentar a segurança jurídica do processo, facilitando a integração entre universidades e empresas.

    No geral, achei o programa do Ciro extremamente positivo. Ele reconhece a importância do investimento em ciência básica, mas também procura maneiras de estimular o investimento privado em ciência aplicada. Só tenho uma crítica, mas bem pequena: Faltou formalizar uma porcentagem do PIB para investimento em ciência. O Ciro já declarou intenção de investir 2% do PIB – meta brasileira há anos, nunca alcançada – em outras ocasiões, mas eu queria ver isso no papel. Ainda assim, um dos melhores planos entre os analisados.

    Álvaro Dias (PODEMOS)

    Uma das grandes propostas de Álvaro Dias nos debates tem sido o seu “Plano de Metas”, contendo 19 metas divididas em Sociedade, Economia e Instituições. A Ciência aparece como a Meta 4 dentro das Metas de Sociedade, junto de Cultura e Turismo. Me é um pouco estranho colocar a ciência junto desses outros dois itens, uma vez que eles não tem muita relação com a Ciência. Também passa aquele ar de “segundo plano”. Mas isso talvez seja só uma interpretação errônea minha.

    A próxima vez que a palavra ciência aparece no documento é nas diretrizes do plano de metas; o item “Ciência, Cultura e Turismo” propõe um “Programa Nacional de Inovação”, mas não explica o que seria esse programa, nem como ele vai ajudar a ciência brasileira.

    Não tem muito material para abordar aqui. O programa diz que tem ciência como uma das prioridades (Uma das 19, pelo menos…), mas não traz nenhum plano, nenhuma proposta concreta. Gostaria de ouvir mais do candidato sobre o que é esse Programa Nacional de Inovação.

    Cabo Daciolo (PATRIOTA)

    Em seu programa de governo, o candidato Daciolo reconhece a importância de políticas públicas em diversas áreas, entre elas a ciência. Também afirma que apenas 8% das escolas públicas do país possuem laboratório de ciências, e permite alocar mais recursos públicos para aumentar esse índice (entre outros citados no mesmo parágrafo). Em outro parágrafo, se compromete a valorizar ciência e tecnologia, mas não desenvolve o raciocínio, concluindo com uma promessa de aumentar o número de institutos federais de formação técnica. Por fim, no final do programa, afirma que quer tornar o Brasil um país utilizador de matérias-primas invés de exportador das mesmas, citando que podemos então aplicar essas matérias-primas em áreas de ciência e tecnologia para produzir bens finais de consumo interno. Conclui o parágrafo dizendo que ” IREMOS FIGURAR ENTRE OS PAÍSES MAIS DESENVOLVIDOS DO PLANETA.” (Com caps-lock ligado mesmo).

    Também acho que o Brasil pode ser um dos países mais desenvolvidos do planeta (com caps-lock opicional), e explico melhor como no parágrafo sobre o programa do Bolsonaro. Quanto ao programa do Cabo Daciolo, senti falta de propostas concretas e de um compromisso claro com a restauração dos níveis de investimento público em ciência.

    João Amoedo (NOVO)

    A palavra ciência só aparece uma vez no texto, em uma proposta que diz “Novas formas de financiamento de cultura, do esporte e da ciência com fundos patrimoniais de doações.”. Fundos patrimoniais são basicamente grandes montantes de dinheiro, geralmente doados por alguém, que são investidos e seus rendimentos usados para investir em objetivos diversos. Um exemplo famoso são a Fundação Rockfeller e a Fundação Bill e Melinda Gates. O candidato também menciona a ciência na proposta “Universidades: melhor gestão, menos burocracia, novas fontes de recursos não-estatais e parcerias com o setor privado voltadas à pesquisa.”

    A ideia de fazer isso no Brasil não é ruim. De fato, o Instituto Serrapilheira, fundado ano passado, é basicamente isso, e eu adoraria ver mais iniciativas do tipo se proliferando. Porém, é o mesmo que eu falei acima: Essa é uma prática complementar, não fundamental. Essa não pode ser a espinha dorsal do financiamento científico no país, ou a ciência brasileira quebra. Acho ótimo visar aproximar o setor privado da academia e das pesquisas aplicadas brasileiras, mas a ciência está em crise por falta de financiamento público, e a falta de comentários do candidato sobre isso é preocupante. Não será suficiente aproximar a iniciativa privada da ciência e se dar por satisfeito; é necessário também restaurar – ou, se possível, ampliar – o financiamento público em pesquisa.

    Henrique Meirelles (MDB)

    A palavra “Ciência” sequer aparece em todo o documento. Eu dei uma lida geral e realmente não encontrei nada. Acho bastante triste o candidato do maior partido do país não dedicar uma linha do seu programa de governo à ciência. Gostaria de ver um compromisso formalizado com a ciência por parte do candidato.

    Vera Lúcia (PSTU)

    As palavras “ciência”, “pesquisa”, “tecnolgia” e “inovação” sequer aparecem no texto em momento algum. Booo.

    Eymael (DC)

    O eterno democrata cristão, do jingle que gruda feito chiclete (você está cantando agora, não está?) só menciona uma vez alguma coisa relacionada à ciência, até onde pude ver: Ele propõe a criação do Plano Nacional de Apoio à Pesquisa, “tanto em seu aspecto de investigação pura, como no campo da pesquisa aplicada”. Fico feliz que o candidato reconheça a distinção e a importância de ambas, mas ele não diz o que é esse plano e como isso vai ajudar a ciência, tampouco menciona qualquer coisa sobre a crise orçamentária atual. É melhor do que o nada de alguns candidatos, mas gostaria de ter mais detalhes sobre esse Plano.

    Guilherme Boulos (PSOL)

    O plano de Guilherme Boulos é campeão absoluto em comprimento – 228 páginas, bem mais que o dobro dos outros programas extensos como o de Bolsonaro, Haddad/PT e Ciro. O programa reconhece a crise de investimentos na ciência, culpabilizando os cortes na área pela grave recessão que o país enfrenta. O programa realça que deseja combater a prática da Cura Gay e similares, que classifica (acertadamente) de pseudocientíficas. No item 4 do Programa, o candidato que a produção do conhecimento será um dos eixos do desenvolvimento do país. Reafirma o compromisso em manter a autonomia universitária e o aumento dos investimentos. Propõe a criação de um programa de fomento à inovação, pesquisa e desenvolvimento, buscando articular as áreas econômicas e sociais com a científica – o que, ao meu ver, é meio vago. A seção critica pesadamente os cortes e a dissolução do ministério de ciência e tecnologia através da sua fusão com o ministério de comunicações. Reconheceu o papel da luta política dos cientistas, que se fortaleceu esse ano, contra os cortes. Propõe fortalecer a cooperação internacional, promovendo mobilidade de pesquisadores e facilitando o reconhecimento de títulos entre os países. Por fim, faz três propostas: Refazer o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, ampliando seu orçamento; aplicar o Marco Legal da Ciência, já aprovado no Congresso (Se quiser saber mais sobre o marco, leia AQUI); e elaborar um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, articulando sociedade, setores produtivos e academia, estabelecendo uma política estratégia de pesquisa com metas a curto, médio e longo prazo, e estruturado de forma a não ficar vulnerável às mudanças de governo posteriores. Afirma que esse programa deve possuir mecanismos de controle para evitar uso irresponsável de dinheiro, mas reconhece a necessidade de autonomia acadêmica – o que é ÓTIMO. Deixe a ciência para os cientistas, e apenas mantenha o olho neles. Dito isso, queria mais detalhes de como esse plano vai ser elaborado – suponho que o candidato não tenha essas metas já em mente (o que é um acerto – novamente, deixe os cientistas decidirem isso), mas não fala quem vai compôr a elaboração desse projeto, etc.

    Em outro ponto do Programa, Boulos propõe o desenvolvimento de uma política de ciência e tecnologia para o setor farmacêutico, com laboratórios e instituições públicas como pilares centrais, que atenda às demandas do SUS. Isso me parece uma ideia arriscada. Laboratórios públicas não devem ser fábricas de remédio – isso quase aconteceu no caso desastroso da fosfoetanolamina, com consequências catastróficas. No caso de alguns candidatos, eu expressei preocupação que eles quisessem integrar a iniciativa privada em coisas onde ela não serve; aqui temo que seja o caso contrário, colocar a iniciativa pública em algo que fica melhor nas mãos do mercado.

    De qualquer forma, achei um plano sólido, bem-fundamentado. Gostaria de mais especificidade em alguns pontos, mas poucos programas delineiam tão bem o problema atual de financiamento da ciência quanto o programa do PSOL.

    João Goulart Filho (PPL)

    Sim, isso mesmo, o filho do ex-presidente João Goulart está concorrendo. Eu descobri isso pesquisando para este texto. Vivendo e aprendendo.

    O plano de governo do candidato possui uma seção extensa dedicada à ciência e tecnologia. Nessa seção, ele prioriza a restauração do ministério de Ciência e Tecnologia, desfazendo a fusão com o Ministério de Comunicações que foi realizada no governo anterior, e que o candidato João Goulart chama de “desastrosa”. Além disso, o candidato se compromete à ampliar o percentual de investimento em ciência e tecnologia para 3% do PIB, tal qual boa parte dos países desenvolvidos. O plano de governo do candidato aponta especificamente quais áreas ele pretende priorizar: microeletrônica, informática, telecomunicações, materiais estratégicos, engenharia genética, biomédica, nuclear, aeroespacial e a indústria da defesa, de forma a assegurar a independência nacional. Outro compromisso é o de fortalecer o Programa Espacial Brasileiro, bem como a indústria nuclear nacional, em cooperação com a comunidade internacional. Também reforça o desejo de aproximar universidade e setor privado, principalmente nos setores nucleares, agricultura, medicina e indústria. Por fim, propõe uma taxa de 1% sobre exportações agrárias, dinheiro esse a ser aplicado especificamente em ciência e tecnologia desse setor.

    Eu estou absolutamente chocado com a altíssima qualidade desse plano de governo. As ideias são estruturadas e muito bem planejadas – fica claro que o candidato (ou, mais provável, sua equipe) pesquisaram ostensivamente o assunto. A especificidade do plano me agrada muito. Não é uma promessa vazia e generalista – é uma promessa específica, dizendo onde e porque quer investir, e até bolando planos para tornar esse desejo possível. Pretende trazer investimentos da iniciativa privada aos setores que se beneficiariam dela, mas sem abrir mão da importância da ciência básica. Eu honestamente não consigo ver um defeito relevante para criticar. O candidato definitivamente está no meu radar agora.

    Considerações finais

    Os programas que me deixaram uma impressão positiva foram (em ordem do “pior” para o “melhor”, mesmo considerando todos positivos): Haddad/PT e Bolsonaro (empate técnico), Boulos, Ciro, Marina e João Goulart. Menção honrosa para o do Amoedo, que tá no caminho certo, mas falta algumas coisas. Lembrando que essa classificação é meramente opinião pessoal minha.

    Estou positivamente chocado com a do João Goulart. É uma pena que o candidato seja tão pouco conhecido e não tenha participação nos debates, porque suas pautas para a ciência são muito bem-embasadas. Marina é uma segunda-colocada muito próxima, ao meu ver. O espaço entre o programa de Ciro é um pouco maior, e entre o do Ciro e do Haddad/PT ou Bolsonaro ainda maior. Obviamente, essa é apenas minha opinião baseada no que eu li, e você pode interpretar as coisas de forma diferente.

    Nenhum dos planos de causou revolta (novamente, analisando o que os programas falam apenas sobre ciência). Os programas que me decepcionaram não o fizeram por falar besteira, mas por não falar nada.

    Naturalmente, essas são minhas impressões analisando apenas o programa. Se o candidato efetivamente acredita no que escreveu (ou no que sua equipe escreveu), são outros quinhentos.

    No mais, é isso e espero que tenham gostado, deu um trabalho razoável de fazer.

    Lucas Rosa é colaborador e administrador do blog Mural Científico.

  • Plebiscito: palavra difícil

    Por Luã Leal

    O período entre 1988 e 1993 foi, de fato, bastante agitado para a política no Brasil. Do ângulo da sociologia da cultura, também parece pertinente pensar como esse contexto, marcado nacional e internacionalmente por uma sensação de fim de ciclos, testemunhou a emergência de novos fenômenos midiáticos. Esquecida como peça da engrenagem da redemocratização, a campanha para

    O período entre 1988 e 1993 foi, de fato, bastante agitado para a política no Brasil. Do ângulo da sociologia da cultura, também parece pertinente pensar como esse contexto,  marcado nacional e internacionalmente por uma sensação de fim de ciclos, testemunhou a emergência de novos fenômenos midiáticos. Esquecida como peça da engrenagem da redemocratização, a campanha para o plebiscito de 1993 propiciou, no entanto, a reativação de uma série de imagens para representação do país.

    A regulamentação da propaganda eleitoral, atualmente, está garantida pela Lei nº 9.504/97. A ciência política e o estudos de comunicação já se debruçaram sobre os recursos midiáticos adotados pelas campanhas, mas, em geral, as atenções se voltam à construção de persona ou de agenda política no Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG). No plebiscito, os lados das duas disputas (parlamentarismo x presidencialismo) e (monarquia x república) revisavam os problemas recentes do Brasil para tecer diagnósticos de como resolver os impasses da jovem democracia após tanto anos de regime militar.

    O Brasil havia acabado de sair do período ditatorial, 1964-1985, e o primeiro presidente civil a inaugurar a Nova República, eleito por voto indireto, faleceu em 1985. O vice José Sarney, então, assumiu devido ao falecimento de Tancredo Neves, ambos membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Os tempos eram agitados, instáveis e a roda da história parecia girar muito rapidamente:

    • de agosto de 1984 a julho de 1993, o Brasil teve quatro moedas diferentes: Cruzeiro (1984-1986), Cruzado (1986-1989), Cruzado Novo (1989-1990) e Cruzeiro (1990 a 1993).
    • desde 1960, a primeira eleição com voto direto para presidente da República ocorreu em 1989, com 22 candidaturas, entre as quais sete tiveram mais de 1 milhão de votos no primeiro turno.
    • em dezembro de 1992, o presidente eleito em 1989, Fernando Collor, renunciou e sofreu impeachment.
    • seguindo a Constituição de 1988, no governo de Itamar Franco, vice e sucessor de Collor na presidência, foi convocado o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo de 1993.

    Em suma, a República presidencialista aparecia representada como um modo de organizar a política no Brasil em perpétua crise. Na imprensa, pululavam notícias que indicavam a ausência de perspectiva de melhorias para a população tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Líder do movimento de direitos nos seringais do Acre, Chico Mendes foi assassinado em 1988. Em 1992, na capital paulista, o governador do Acre Edmundo Pinto sofreu um latrocínio. Também em maio do mesmo ano, o esquema de de PC Farias passou a ser investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O movimento “Cara-Pintada” tomou as ruas das grandes cidades. Em outubro, houve o massacre no complexo penitenciário do Carandiru na cidade de São Paulo.

    Nas eleições municipais de 1992, PDT e PT conseguiram, cada um, quatros capitais, o PSB um total de três. O PSDB e o PMDB, respectivamente, venceram em cinco e quatro capitais. Esses partidos seriam protagonistas nas disputas entre parlamentarismo e presidencialismo.

    Entre 1985 e 1988, vale lembrar, houve intensa reorganização partidária, pois nasceram o PFL, o Partido Democrata Cristão (ambos de 1985) e o PSDB (1988), além da retomada das legendas de esquerda como PCdoB, PSB e PCB.

    Em 2018, o plebiscito completa 25 anos de sua realização. Devido à eleição deste ano, surgiram interessantes iniciativas de aproximar os debates das Ciências Sociais da conjuntura política contemporânea. A partir deste ponto da postagem, destacarei estratégias das campanhas durante o plebiscito.

    Na propaganda gratuita sobre a forma e o sistema de governo, a campanha monarquista era identificada pelo slogan “Vote no Rei”. Responsáveis pela comunicação com o eleitorado usaram expressões populares como “entrar na real”, “o sol é o astro-rei” e “quem foi rei nunca perde a majestade”. Outra estratégia era vincular o voto na monarquia como opção de protesto à situação, pois os monarquistas definiram que votar na república era optar pela situação. O jingle monarquista trazia ainda uma ideia potente: a monarquia seria uma resposta baseada na tradição para resolver problemas da modernidade. Para a campanha monarquista, recusar a república poderia colocar o Brasil no nível de desenvolvimento de outras monarquias parlamentaristas como o Japão e a Suécia.

    Trecho da letra do jingle:

    “Fique atento que chegou o dia/ de coroar a democracia/com modernidade a melhor tradição/ é sua vontade dizer sim ou não/ o plebiscito, palavra difícil/ torna mais fácil encontrar a verdade/ nosso passado é o pai do futuro/quem foi rei nunca perde a majestade”.

    Outra ideia recorrente apresentada pela campanha do “Vote no Rei”: o voto na monarquia era garantia de estabilidade, discurso bastante propício para um período de sucessivas crises na República Nova. Interpretando uma garota do tempo, a atriz Cissa Guimarães, por exemplo, apareceu em um peça publicitária explicitando analogias entre as crises de governo e as mudanças meteorológicas. No texto lido pela atriz, havia uma pretensão de explicar ao eleitorado as diferenças entre crises de governo, passageiras e resolvidas pelo primeiro-ministro, e o papel do chefe do Estado, o rei para os monarquistas, como duradouro representante do povo.

    O resultado desse plebiscito e as diferenças entre as campanhas dos republicanos parlamentaristas e presidencialistas abordarei na postagem da próxima semana. Por enquanto, basta informar que a Justiça Eleitoral registrou comparecimento de 74,24% , mais de 67 milhões de votantes. O estado com menor comparecimento foi o Maranhão, com participação de apenas 41,38% do eleitorado.

    Publicado originalmente em: Vértice Sociológico

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