Categoria: ESPECIAL CIÊNCIA E POLÍTICA

  • Ciência e política: como atuar mutuamente?

    Texto por Lucas Miguel

    Sempre em ano de eleições, vem a tona o pensamento de como a Ciência será promovida no governo do próximo presidente. Algumas notícias em 2018, como o anúncio de cortes da CAPES e CNPq, deixam um alerta sobre uma possível escassez de recursos. O orçamento está apertando, porém tal situação não é de hoje. Qual a devida ação a ser tomada pelos políticos frente a Ciência? Apoiá-la? Camuflá-la? Deixá-la de lado? A política sempre andou ao lado da Ciência, desde longa data, porém ela é instável.

    Você já deve ter ouvido sobre Galileu Galilei: um cientista queimado por abraçar a sua descoberta sobre o movimento da Terra. Sócrates foi obrigado a tomar cicuta, um veneno letal, ao forçarem a recusar a verdade que ensina. Até mesmo Giordano Bruno, apoiador das ideias copernicanas, morto pela Inquisição. Naquela época, a Igreja era um “órgão” único e sempre lutava contra a presença da intelectualidade junto aos governos. A História sempre nos deu exemplos aonde, após o surgimento de uma ideia contrária a um preceito, simplesmente não se tinha diálogo, apensa execução. Hoje, no século XXI, a conversa entre Ciência e Política, por meio dos governantes, acontece, mas de forma muito lenta.

    Os cientistas em formação, mestrandos e doutorandos, almejam um dia reverter ao mundo aquilo que sua pesquisa científica busca: MUDANÇA. Os políticos brasileiros sempre dizem que mudar é necessário, mas nenhum deles pensa EM COMO MUDAR. Do modo contrário, os cientistas buscam pela IMPLEMENTAÇÃO DESTA MUDANÇA: facilitar a vida da sociedade, resolver problemas. Cientistas, por essência, buscam mostrar que o mundo não é apenas um livro, e sim uma grande biblioteca, pronta para prover e receber conhecimento. Todavia, será que a sociedade pensa o mesmo sobre a ciência brasileira? Visando alcançar o maior número de pessoas, realizamos uma pesquisa de opinião, via Twitter, a qual se encontra abaixo. Agradeço a minha amiga, Jéssica Sales, bacharela em Direito, pela UEMG, e atualmente mestranda na Unimontes, por se propor a me ajudar nessa pesquisa.


    A pergunta foi: “O Brasil investe apenas 0,7% do PIB em pesquisa, cerca de 4x menos que países desenvolvidos. Apesar disso, a Bradicinina, utilizada no tratamento de pressão alta, é 100% brasileira, e responsável por salvar muitas vidas. Sabe disso: você acredita na ciência brasileira?”


    Resultado:
    Número de impressões: 15.989 (total de pessoas que viram o Tweet)
    Número de engajamentos: 1305 (total de pessoas que interagiram com o Tweet)
    Votos: 1021
    SIM: 72%
    NÃO: 28%

    Podemos notar que mais de 15 mil pessoas visualizaram o tweet, no entanto, apenas 8% se engajaram e 6% responderam a pergunta. Esse resultado mostra que uma grande porcentagem dessa fração da população brasileira não acredita ou não se interessa pelo assunto. Quantos brasileiros sabem o papel do Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC)? Quantos já se interessaram em procurar sobre o papel da ciência na sociedade? Inclusive, muitos projetos do MCTIC são atuantes na sociedade, como o Gesac, o Cidade Digital e o Centro de Recondicionamento de Computadores.

    Ao meu ver, faltam políticas públicas que favoreçam o engajamento da sociedade com a ciência brasileira. As universidades federais e estaduais são pagas com dinheiro público e, além de promoverem serviços de saúde públicos, deveriam propor iniciativas sociais, mas, para isso, o Estado e o Governo, devem incentivar e promover diretrizes direcionadas a atuação dos cientistas na sociedade. Aqui na UNICAMP, durante o UPA (Unicamp de Portas Abertas), os alunos e a sociedade podem visitar o campus e interagir com os pesquisadores e decidir sobre uma futura carreira. Fizemos um post sobre este evento que pode ser acessado aqui. Outro modo de interação, de forma mais aberta, é o Pint of Science, que objetiva levar uma discussão sobre temas científicos aos bares e restaurantes. Uma forma mais ativa de implementação de projetos científicos em sociedade, por exemplo, é o sistema de Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (SAISP), que foi desenvolvido em convênio com Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). No SAISP são providos mapas de chuvas, leituras de represas e avisos de inundações.

    Diversas iniciativas poderiam existir para promover o maior contato da comunidade com os cientistas, como cursos, palestras, propagandas incentivadoras. É imprescindível a necessidade de um fórum entre políticos e cientistas, para discutir o rumo científico do Brasil, políticas públicas, ajudas necessárias, entre outros assuntos. Por que não haver uma cooperação mais frequente, com políticas de retorno a sociedade?

    Para realizarmos TUDO isso, não podem haver os diversos cortes prometidos: de bolsas, de incentivo a ciência, na manutenção frequente de lugares estatais,nas  medidas de prevenção de saúde pública, como o SUS, nos programas de desenvolvimento e aprimoramento de pesquisas em Zika …

    Em suma, gostaria de enfatizar que, em debate, nenhum candidato especulou ou foi questionado sobre seu posicionamento em relação a ciência e seus andares a passos curtos. IMPORTANTÍSSIMO discutirmos sobre o assunto, já que, dependendo do modo como ela é tratada, podemos ter a ciência noticiada não pelos seus méritos, mas sim como um próximo Museu Nacional.

    Uso da imagem de capa: Copyright

    Union of concerned scientists

    Texto publicado originalmente em Terabytes of Life

  • Eleições 2018: Propostas dos presidenciáveis em relação ao cenário energético

    Texto por Rafael Henrique

    Este é um texto especial considerando as eleições que já estão acontecendo e que estamos cada vez mais próximos de decidir o futuro presidente do Brasil de 2019 a 2022. Basicamente, é um levantamento das principais propostas dos candidatos em relação ao cenário energético, idem o seu comprometimento quanto a esse assunto. Aqui, eu levanto também o que eu acho das propostas em relação a energia. Logo, a analise opinativa está limitada quanto a este contexto. Não é uma analise do que os candidatos propõem como um todo. Sem contar que o estudo é feito limitando-se aos documentos das suas propostas de governo, e não as suas declarações antigas ou recentes.

    A analise também consiste em contabilizar a palavra energia, de forma a avaliar também o seu comprometimento com o assunto.

    Por Rodolfo Clix no Pexels

    Álvaro Dias (PODE)

    Energia: 1

    Não há muitas referências quanto a questões energéticas. No final do plano ele menciona a preservação e aproveitamento de biomas nacionais, idem o programa Renovabio. Como poucos conhecem o programa, achei que ele deveria ter explicado sobre o mesmo, e não simplesmente ter colocado ele como proposta. No plano de governo, eu senti falta de mais detalhes para cumprir o desenvolvimento sustentável. Inclusive na questão dos biomas nacionais, que é um assunto que exige esta explicação.

    Senadores da 56ª Legislatura | Senador Alvaro Dias (Pode-PR)… | Flickr

    Cabo Daciolo (PATRI)

    Energia: 0

    Nenhuma alusão a questão energética. Muito menos em relação ao meio ambiente.

    Ciro Gomes (PDT)

    Energia: 8

    Em relação a questões ligadas a infraestrutura, Ciro Gomes propõe uma seria de investimentos para incentivar as energias renováveis, como a solar e a eólica. Na parte de seu plano relacionado a meio ambiente, ele propõe estimular tais fontes com políticas públicas. Tal objetivo é a redução dos gases estufa, considerando a meta do Acordo de Paris. Demonstrou conhecer este contrato. Propõe também reduzir o desmatamento, desenvolver sistemas com informações sobre a emissão de carbono, e desenvolver setores que agregam a sustentabilidade. O programa de ciência do presidenciável visa contemplar a energia como um dos pontos mais importantes, demonstrando preocupação com o setor energético.

    Finalmente, ele menciona a questão nuclear, promovendo seu desenvolvimento. Ciro pensa em trazer a decisão da energia nuclear para fins militares venha da população, e não de deficiências tecnológicas e científicas.

    Fernando Haddad (PT) – Propostas considerando o plano de governo de Luís Inácio Lula da Silva

    Energia: 13

    Seu programa consta a produção de energia a partir de energias mais limpas, considerando que o país tem elevado potencial. Idem uma maior prioridade para fontes renováveis. Apresenta mais detalhes, como as tecnologias verdes de informação e comunicação, agricultura de baixo carbono, dentre outras. Da mesma forma que investir em competências mais verdes, como agroecologia, biocombustíveis, dentre outros.

    Assim como Ciro, pretende investir em ciência e tecnologia, com um foco para a área energética. O presidenciável também cita uma parceria entre empresas e universidades para o auxilio na sua proposta de políticas de financiamento. Finalmente, ele propõe uma reforma fiscal verde, com o intuito de aumentar o custo da poluição e premiar investimentos com emissão de baixo carbono. Estas propostas visam fortalecer tecnologias mais sustentáveis.

    Na sua proposta de soberania energética, propõe a redução das emissões de GEE, maior implementação de kits fotovoltaicos, e a modernização do sistema elétrico existente. Esta última propõe substituir os combustíveis líquidos por gás natural e biocombustível. Logo, ele propõe a inserção de pelo menos um combustível fóssil na matriz energética, embora esta também emita gases poluentes. A mesma proposta também propõe aumentar a eficiência energética.

    O governo também propõe uma gestão sustentável dos recursos hídricos. Ele também menciona e visa cumprir o Acordo de Paris mais a agenda 2030.

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    Energia: 1

    Apenas cita priorizar as energias renováveis. Inclusive também cita meio ambiente uma vez, falando em desenvolvimento sustentável, como a questão da preservação da Amazônia e a redução de gases, inclusive referenciando a agenda 2030 definida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Praticamente o programa dele é fraco em conteúdo, tanto a questão da energia, quanto em relação ao meio ambiente.

    Guilherme Boulos (PSOL)

    Energia: 18 (2 vezes a palavra aparece em um contexto fora de propostas energéticas)

    O programa de Boulos provou ser mais voltado ao meio ambiente do que para o desenvolvimento sustentável em si, embora ele não ignore a sua importância. Em seu plano de governo, é priorizado as fontes renováveis. Inclusive, ele também cita o incentivo aos carros elétricos. Basicamente, ele foca em alternativas para reduzir a emissão de gases estufa. O programa de Boulos também menciona o Acordo de Paris, considerando sua proposta para redução.

    Inclusive em seu programa, ele não propõe a construção de novas usinas hidrelétricas e nucleares. Porém, propõe a manutenção das mesmas.

    Outro ponto interessante é o desmatamento zero. Ou seja, não desmatar nenhuma floresta e utilizar apenas as áreas já desmatadas. Uma proposta ousada, porem dependendo de um bom estudo de consumo, poderá ser possível. Isso é, se não haver desperdício do que é produzido por estas áreas.

    Henrique Meirelles (MDB)

    Energia: 1

    Menciona o Acordo de Paris, porém apenas cita em uma única frase que irá cumpri-lo. Idem o incentivo para fontes renováveis. O presidenciável também cita a preservação do meio ambiente e da floresta Amazônica. Ao meu ver, faltou muitos detalhes em seu plano de governo.

    Jair Bolsonaro (PSL)

    Energia: 10

    Ele menciona que o Nordeste deve ser motivado a gerar energia eólica e solar, cujo potencial é maior. Inclusive, é um dos poucos candidatos que apresenta em seu plano de governo a questão do setor elétrico, embora fale muito pouco desta. Ainda mais que possui um tópico sobre energia, embora tenha pouco conteúdo. Isto realmente está sendo debatido nas universidades, considerando o seu mercado. Em questão as hidrelétricas, o candidato propõe um licenciamento ambiental de no máximo 3 vezes, o que reduziria o prazo para avaliar se é viável ou não. A medida tem como objetivo a redução da burocracia ambiental. Finalmente, ele propõe o uso em conjunto do gás natural com as energias renováveis. Apesar de ter pouco conteúdo nestas partes, apresenta maior preocupação do que vários dos candidatos.

    João Amoedo (NOVO)

    Energia: 2

    Ele cita o fim dos subsídios em energias não renováveis, idem o incentivo as fontes renováveis. Tem uma parte específica sobre o assunto falando sobre a sustentabilidade, e que aborda estes pontos. Porém, ainda assim achei que faltou detalhamento destas propostas.

    João Goulart Filho (PPL)

    Energia: 4 (3 vezes a palavra aparece em um contexto fora de propostas energéticas)

    Menciona a energia em questão da infraestrutura. Em sua proposta de número 11, ele propõe um uso racional dos recursos naturais, o que indiretamente envolve a produção de energia. Embora a sua proposta seja mais focada no meio ambiente. João Goulart também menciona a eólica e a energia hídrica, porém como renda de terra que deve ser priorizada para o crescimento econômico. Não da muitos detalhes, além de citar a manutenção da estatização e re-estatização de empresas privadas.

    José Maria Eymael (DC)

    Energia: 1

    Também menciona pouco a energia na questão da infraestrutura. Também menciona pouco o meio-ambiente, resumindo em usufruir deste sem agredi-lo. Praticamente apresentou pouco sobre os temas, porém aprofundou menor do que os presidenciáveis que fizeram pouco caso.

    Ficheiro:José Maria Eymael no senado.jpg – Wikipédia, a ...

    Marina Silva (Rede)

    Energia: 21

    Como já era esperado (para aqueles que já conhecem Marina pela sua longa trajetória idem suas candidaturas passadas para presidência), Marina propõe uma política mais sustentável. Como por exemplo, na questão do saneamento, ela propõe a redução de emissões dos gases estufa e do consumo de energia. Na questão do urbanismo, ela sugere a substituição de veículos elétricos no lugar dos convencionais (movidos a combustíveis fósseis), idem geração de energia renovável nas cidades, inclusive mencionando o uso da eficiência energética.

    Tem um tópico específico para desenvolvimento sustentável. Neste tópico ela, assim como Bolsonaro, reconhece o problema na distribuição de energia elétrica. Tem como proposta uma matriz sustentável e que produza um custo de investimento e operação o mais baixo possível.

    Possui também um tópico para uma economia de carbono neutro. Neste, promove o uso de energias renováveis, e cita o Acordo de Paris com o intuito de cumpri-lo. Ainda cita a Petrobras para atuar em investimentos nas energias mais limpas. Neste paragrafo ainda reforça a questão da eficiência energética para melhoria de distribuição de energia. Também tem uma proposta ousada que é expandir a energia solar para comunidades vulneráveis, embora se utilize de parcerias de instituições de pesquisas para este fim.

    Finalmente, neste tópico, Marina aborda questões relacionadas ao controle do desmatamento no meio ambiente.

    Em relação a qualidade de vida no campo, Marina Silva também levanta utilizar a agricultura para atender a demanda por biocombustíveis.

    Basicamente, no seu plano de governo, a pesquisa e a ciência é mais focado para a preservação do meio ambiente e seu uso de forma sustentável.

    Vera Lúcia (PSTU)

    Energia: 0

    Não fala nada sobre energia. Fala ainda bem pouco do meio ambiente, em relação ao agronegócio.

    Conclusão:

    Quanto a contabilidade da palavra energia, temos o seguinte ranking. O ranking, no caso, mostra quais estão mais comprometidos em relação ao tema da energia. Não aborda de fato a qualidade de seu conteúdo.

    1 – Marina Silva (21 vezes aplicado no contexto energético)

    2 – Guilherme Boulos (16 vezes aplicado no contexto energético)

    3 – Fernando Haddad (13 vezes aplicado no contexto energético)

    4 – Jair Bolsonaro (10 vezes aplicado no contexto energético)

    5 – Ciro Gomes (8 vezes aplicado no contexto energético)

    6 – João Amoedo (2 vezes aplicado no contexto energético)

    7 – Álvaro Dias, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, João Goulart Filho e José Maria Eymael (1 vez aplicado no contexto energético)

    8 – Cabo Daciolo e Vera Lúcia (A palavra energia não aparece, mesmo num contexto fora do cenário energético)

    Em relação ao conteúdo, ao meu ver o plano de Haddad (consultando o plano do ex-presidenciável Lula) foi o melhor, tanto por apresentar uma proposta conciliatória para o uso de energias renováveis quanto para não renováveis (como o incentivo ao gás natural), quanto para incentivar o uso da ciência para fins energéticos. Em seguida, teria a Marina por ter um viés mais ambiental porém incentivado para as energias renováveis, idem uma preocupação com o sistema elétrico, sendo este um ponto tocado apenas por ela e Jair Bolsonaro. Sem falar que também há um incentivo para a ciência, porém com um foco mais ambientalista. Em seguida estaria Ciro Gomes, por incentivar a ciência para investimento na energia, e fazer um destaque quanto ao uso da energia nuclear. Guilherme Boulos está em quarto lugar, não só por ter muitos detalhes em relação ao seu plano energético com um viés ambiental, mas também por ter uma preocupação em relação as usinas nucleares e hidrelétricas já existentes. Tanto que pensa em preserva-las, embora não busque expandi-las. Em quinto, Jair Bolsonaro. Apesar de demonstrar preocupação com o cenário energético, e destacar a política de preços, não deu muitos detalhes, no qual eu senti falta. Na penúltima colocação, ficariam Alckmin, Amoedo, Dias, Eymael, Meirelles e João Goulart. Posição compartilhada principalmente pela falta de detalhes em suas proposta. E em último, Daciolo e Vera Lucia, por justamente não mencionarem este assunto. Vejamos o ranking:

    1 – Fernando Haddad

    2 – Marina Silva

    3 – Ciro Gomes

    4 – Guilherme Boulos

    5 – Jair Bolsonaro

    6 – Álvaro Dias, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, João Amoedo, João Goulart Filho e José Maria Eymael

    7 – Cabo Daciolo e Vera Lucia

    E você. Qual a sua opinião? Quem na sua opinião tem uma melhor proposta no cenário energético. Lembre-se que a analise foi considerada apenas os documentos com seu plano de governo, e não suas mídias sociais, entrevistas, participações em debate, dentre outros. Fiquem a vontade para enriquecer este debate, idem acessar o plano de governo dos demais candidatos.

    Links com os programas de governo:

    Álvaro Dias (PODE)

    Cabo Daciolo (PATRI)

    Ciro Gomes (PDT)

    Fernando Haddad (PT)

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    Guilherme Boulos (PSOL)

    Henrique Meirelles (MDB)

    Jair Bolsonaro (PSL)

    João Amoedo (NOVO)

    João Goulart Filho (PPL)

    José Maria Eymael (DC)

    Marina Silva (Rede)

    Vera Lúcia (PSTU)


    Publicado originalmente em Conexão Na7ural

  • O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

    Texto por Cláudia Alves

    Hoje o dia amanheceu chuvoso em muitas cidades, e aqui em Roma também. Andando pelas ruas, reparei em quantas pessoas carregavam seus guarda-chuvas. Não pude evitar o pensamento: nenhuma delas estava com medo de levar um tiro e morrer por causa do que carregavam. Esse post é em memória de Rodrigo Serrano, brutalmente assassinado no dia 17 de setembro de 2018 pela polícia militar do Rio de Janeiro.

    O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

    Quem escolhe ser pesquisador em nosso país (e no mundo todo) acaba se acostumando com o questionamento recorrente sobre a utilidade prática do que faz, do seu trabalho. Nas ciências humanas, esse questionamento é talvez ainda mais frequente porque nossas pesquisas não produzem, na maioria das vezes, resultados imediatos, pragmáticos, mensuráveis pelos parâmetros da sociedade de consumo. Estudar as diversas perspectivas da representação literária ao longo dos anos na literatura brasileira não parece ter o mesmo prestígio que compreender a reprodução de uma bactéria a fim de criar um novo remédio, por exemplo. E por que será que isso acontece? Arrisco um palpite: porque, nessa sociedade, pesquisas que não geram patentes, sobretudo porque não geram lucros, não despertam muito interesse.

    Sempre que posso, faço questão de começar meus textos por aí, porque acredito que precisamos lembrar – e relembrar quantas vezes pudermos – que estamos vivendo em uma época em que a formação e a reflexão de tipo humanística correm o risco de cair em desuso. Atualmente, a ideia de trabalho e produção de conhecimento está ligada a valores capitalizados, tecnocráticos, pouco ideológicos ou apolíticos, e, nesse espaço, a maturação de reflexões humanas não tem tempo suficiente para acontecer. Tudo precisa ser rápido e funcional. Já deu para perceber que a conversa é tensa, né? Mas todo esse preâmbulo é para pensarmos juntos como a ideia de produção científica se encaixa nesse contexto – e como fazer ciência, em todas as áreas, principalmente dentro de uma universidade pública, só pode ser entendido como um gesto político.

    Nos estudos literários (e talvez posso afirmar que no âmbito das pesquisas sobre linguagem em geral), existe um esforço em se pensar os poderes que estão em disputa. Nosso trabalho muitas vezes se volta à desnaturalização de ideias consolidadas e de pensamentos enraizados em nossa cultura. Nesse sentido, fica difícil imaginar como uma pesquisa desse tipo pode ser considerada apolítica: estamos constantemente exercitando nossa reflexão crítica ao olhar para o mundo e estudar suas diversas manifestações ao longo do tempo.

    É por esse caminho que muitos estudiosos pensam na capacidade transformadora que a própria literatura exerce. Escrever seria um gesto de colocar no papel aquilo que precisa ser revisto em nosso mundo e, a partir daí, gerar no leitor um pensamento com potencial para se tornar atitude. Estamos então em um terreno em que a literatura pode ser vista como um espaço público de politização e também de disputa de histórias. Por meio dos livros, seria possível contar uma história que sistematicamente determinadas esferas de poder quiseram (e querem) calar, assim como poderia despertar nos leitores uma reflexão. Ou seja: quanto mais a gente lê, mais a gente se depara com versões diferentes para uma mesma história e dificilmente sairemos dessas leituras da mesma forma que entramos.

    Jean Paul Sartre, importante filósofo e escritor francês do século XX, publicou em 1948 o livro Que é a literatura? (Editora Ática, 2004, tradução Carlos Felipe Moisés), no qual discute, após o final da Segunda Guerra Mundial, o que, por que e para quem escrever literatura. Depois das atrocidades cometidas pelos governos fascistas e nazistas nos anos anteriores, Sartre e tantos outros intelectuais voltaram seus pensamentos em direção às ainda possíveis perspectivas de existência humana – e como o ato de pensar e escrever sobre essa existência ainda poderia ter alguma função.

    Foto por Daniel Frank.

    Sartre defende a ideia de que “através da literatura (…) a coletividade passa à reflexão e à mediação, adquire uma consciência infeliz, uma imagem não equilibrada de si mesma, que ela busca incessantemente modificar e aperfeiçoar” (2004, p. 217). Sua posição parece estar entre dois caminhos já bastante trilhados quando se pensa no fazer literário: a ideia de que a literatura vai salvar a humanidade, despertando-lhe a consciência necessária para isso, mas também a ideia de que essa consciência é infeliz, desequilibrada, mediada, o que significa que não necessariamente ela atingirá seu potencial de conscientização nos indivíduos.

    Muito complicado? É mais ou menos pensar que ler não é sinônimo de caráter – há muitos exemplos por aí de gente que já leu muito, mas continua tendo comportamentos questionáveis. E também que nem toda literatura é questionadora e progressista, afinal é também no âmbito literário que versões opressoras da história se consolidam. O ponto principal é que, repito, parece que estamos diante do potencial de reflexão e de crítica que pode emanar da literatura. A ideia de que, com esse esforço de leitura, a coletividade pode tomar conhecimento de si mesma, reconhecer onde estão suas falhas e, a partir daí, buscar modificá-las e aperfeiçoá-las. Em outras palavras, escrever e pensar a literatura como pequenos movimentos de transformação.

    O lugar que ocupamos como pesquisadoras e pesquisadores, me parece, passa também por essas mesmas questões. A ideia de produzir ciência, ou seja, de produzir conhecimento, em um país com tantas desigualdades (sociais, econômicas, culturais) como o nosso não deve estar isenta de sua potencialidade de reflexão e de transformação social. Porque são ausências políticas em momentos conturbados como os que estamos vivendo ultimamente que podem criar monstruosidades históricas com as quais certamente não queremos conviver.

    E assim chegamos ao Brasil do ano de 2018, onde ainda é preciso debater machismo, racismo, homofobia e tantos outros preconceitos enraizados na nossa história. Esse debate, que perpassa todas as esferas públicas de produção de conhecimento (e por isso também todas as universidades, programas de pós-graduação e institutos de pesquisa), não pode ser diminuído ou silenciado, pois estamos disputando a história que se fará daqui por diante. A reflexão humanística, que deveria ser uma guia aos estudos literários e também às demais ciências, reafirma sua importância nesse processo como aquela que não nos deixa esquecer os momentos em que a humanidade se viu ameaçada por seu próprio desenvolvimento e capacidades destrutivas. Posicionar-se politicamente em todas as esferas que nos cabem é então reconhecer a função pública que cada indivíduo carrega em si e estimular a reflexão crítica em todas as frentes imagináveis. Resistir em todos os espaços que ocupamos: esse é o compromisso científico e político do qual não podemos nos isentar.

    Publicado originalmente em Marca Páginas.

  • Motivação entre a ciência e a política

    Texto por Gustavo

    O papel da ciência na sociedade atual vai além de gerar novas tecnologias. Apesar de bem vinda, a busca por inovação – palavra tão exaltada e incensada – nas áreas produtivas não pode ser o único motivo pelo qual a ciência existe. Fabricar celulares e computadores mais rápidos, carros mais econômicos e materiais mais resistentes é algo que certamente tem seu valor, assim como produzir medicamentos mais eficazes, métodos eficientes e não poluentes de controle de pragas agrícolas ou de geração de energia é, sem dúvida, indispensável. No entanto, a produção de novas maneiras de aplicar a ciência no cotidiano prático não esgota a função da própria ciência, ou, pelo menos, não deveria.

    Além da função filosófica, que coloca a ciência enquanto explicação possível para o mundo (o que daria assunto para um texto exclusivo) e de outras que lhe podem ser atribuídas, a Ciência tem a fundamental função de guia – ou ao menos conselheira – para a tomada de decisões no âmbito político. Como gerir melhor a sociedade, aplicar políticas públicas e descontinuar ações ineficazes ou danosas é algo que demanda conhecimento sobre as dinâmicas do mundo natural, área de atuação da Ciência – seja no campo das humanas, exatas ou biológicas.

    Se a ciência tem se dado bem na primeira função – a produção de tecnologia -, o que se pode dizer desta última? Frente ao que temos observado em muitos países e contextos, parece que, infelizmente, a conselheira está sendo solenemente ignorada.

    Como isso se dá?

    No panorama global, o caso que parece mais claro é a recusa do governo do país mais importante economicamente em aceitar os incontáveis alertas científicos quanto ao aquecimento do planeta e o provável caos global que se aproxima de nós. A saída dos EUA do acordo do Clima de Paris é uma demonstração flagrante de desdém para com o conhecimento científico, que apresenta o problema e propõe as soluções nunca aplicadas. A insistência na caça de baleias por países como Japão e Dinamarca, a despeito dos avisos de impacto ecológico e até mesmo econômico, merece também ser citada.

    No Brasil, arrisco dizer, a situação é ainda mais complicada. Não é só a destruição do Museu Nacional e os contínuos cortes no orçamento de C,T&I que mostram o descaso com a Ciência e o conhecimento em nosso país. Em termos práticos, o conhecimento científico tem sido sistematicamente ignorado por nossos representantes político.

    Um exemplo patente foi a discussão sobre o Novo Código Florestal Brasileiro, no começo desta década. Apesar das inúmeras críticas contrárias feitas por pesquisadores reconhecidos nacional e internacionalmente na área e da manifestação oficial de algumas das maiores entidades científicas do país contra a aprovação do projeto, o novo código foi sancionado em Os resultados, como previsto, têm sido desanimadores.

    Para não ficar só neste, podemos citar o exemplo de Belo Monte, onde um cenário semelhante de discussão se configurou, ou o da nova lei sobre liberação de químicos agrícolas – talvez o mais novo capítulo.

    Como motivar-se?

    Fazer pesquisa no Brasil, frente a todos os desafios, não é tarefa fácil. É preciso acreditar no que se faz para se dedicar ao tema que se quer abordar, a despeito de bolsas minguantes e estrutura muitas vezes insuficiente. Depende, portanto, de muita motivação. E é esse o questionamento neste texto. Tanta dedicação está sendo aproveitada por quem deveria? Sua pesquisa sobre a redução dos peixes da Amazônia em decorrência da instalação de barragens, ou sobre a perda dos solos em áreas de agricultura predatória, ou, ainda, a respeito do aumento de doenças causadas pela poluição do ar, por excelentes e incríveis que sejam, irão impactar e influenciar alguém mais que os cientistas da área? Alguma decisão relevante (à nível nacional, estadual, municipal) será tomada levando-a em conta? É difícil motivar quem faz ciência (seja pesquisador, docente ou pós-graduando) frente a este cenário, mas é preciso.

    Tudo começa com a valorização da ciência em toda a sua complexidade, e não apenas o potencial da tecnologia: a relevância desigual dada à ciência aplicada em detrimento da básica é um sintoma bem claro deste panorama. Além disso, a maneira como, frequentemente, as parcerias com a iniciativa privada são colocadas como a única salvação da pesquisa nas universidades é preocupante, pois, ainda que essa interação seja uma opção bem-vinda em muitos casos, a exclusividade deste tipo de financiamento traria impactos negativos inegáveis à produção de conhecimento básico e a temas que, a curto prazo, são “não-lucrativos”, como é o caso de boa parte das pesquisas em áreas como paleontologia ou história medieval, para ficar nestes dois exemplos.

    Mudanças dependem, em um regime democrático, de mobilização política e, obviamente, do voto consciente. Em tempos de eleições, o mínimo que devemos fazer é levar em consideração as propostas de governo dos candidatos em temas que dizem respeito à Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Agricultura, etc (veja aqui e aqui). Junto a isso, trazer a população para mais perto da Ciência é a única maneira de esperar que o dedicado trabalho dos cientistas seja levado em conta pelos representantes públicos.

    Publicado originalmente em Ciência em Si.

  • Política e Ciência: Newton morde a maçã

    Texto por Jefferson Picanço

    Não se pode pensar Ciência sem Política. Ciência pressupõe pesquisa, busca, invenção. Politica significa antes de mais nada fazer escolhas. No mundo em que vivemos, uma convive com a outra, se interconecta com a outra. No Brasil também sempre foi assim, com as suas peculiaridades. Existem muitos problemas a serem resolvidos e enfrentados usando ciência e usando política. Isso é fazer política. E isso também é fazer ciência.

    CIÊNCIA, NEWTON E A MAÇÃ

    Uma maçã caindo no chão é somente uma maçã. Para que essa maçã vire ciência, é preciso Newton observando a maçã cair. Para que Newton observe a maçã cair e isso vire ciência, Newton precisa subir no ombro de gigantes: isso pressupõe escolas, professores, despesas com educação. E isso é política: escolhas que devemos ter sobre quais escolas, quais professores e qual financiamento devermos controlar para que possamos ter Newton vendo a maçã cair e isso vire ciência.

    Newton e a maçã: uma alegoria (e uma lenda) da Ciência…

    Você não precisa de ciência para viver. Isso é uma escolha. Política. Podemos viver naturalmente, tendo o que a natureza nos dá. Alguém se habilita? Nós também não precisamos fazer Ciência. Se tivermos recursos, comprar ciência, comprar tecnologia. Como fizemos no passado, podemos vender borracha e comprar pneus. Vender ferro e comprar navios. É uma escolha política sem muitos riscos. Claro que continuaremos pobres. Alguns, que possuem o seringal e a mina de ferro, viverão confortavelmente. Aos demais, restará o trabalho duro e uma subsistência difícil. Mas, como sempre, é uma escolha política da ciência que queremos ter em nossas vidas.

    QUE CIÊNCIA QUEREMOS?

    Mas, e se nós quisermos ter Ciência? Ciência de verdade? Que tal não viver com a lenda de Newton e a maçã, a qual, como já mostraram seus biógrafos, não passa de uma lenda? O que precisamos para ter nosso próprio desenvolvimento cientifico? O que precisamos para vencer nossos problemas de educação, saúde, produção industrial, produção intelectual?

    Não existe milagre na ciência. Ciência requer trabalho. Leitura, estudo, experiencia. Como recentemente disse uma colega, horas-bunda na cadeira. E isso requer que tenhamos pessoas que façam isso como profissão. Pessoas que possam cada vez mais viver disso. E que tenham condições de fazer suas pesquisas, discutir livremente os seus resultados e suas ideias com outros cientistas, com os políticos, com a sociedade.

    QUE CAMINHOS TRILHAR?

    Todos os países que tem um nível razoável de vida para seu povo fizeram e fazem isso. A Inglaterra, desde o século XVIII tem uma cultura de manutenção e financiamento de pesquisas. A Alemanha, desde que era Prússia, reformulou a sua universidade a partir de 1811 e num século deixou de ser um país atrasado que era para se tornar uma potencia mundial.

    No século XX tivemos a Coreia, um país pobre e arrasado por guerras. Em 1960, os índices de vida e renda da Coreia eram inferiores aos do Brasil. No entanto, o país investiu firmemente em educação e hoje é uma das principais potencias industriais do planeta.

    Tudo isso são escolhas. Tudo isso é política. A forma como escolhemos nossa Ciência, por outro lado, impacta nossa maneira de ser e estar no mundo.

    O BRASIL CONSTRÓI SUA CIÊNCIA

    Nos últimos 100 anos, o Brasil também investiu em ciência. Neste tempo, erradicamos diversas doenças de nossas cidades. Ainda falta muito, mas a medicina brasileira progrediu. Hoje, conquistamos, com ajuda da ciência, solos que até então não eram férteis, e os fizemos produzir. Se hoje há agronegócio no Brasil, é porque houve pesquisa agropecuária, é porque houve a Embrapa.

    No início do século XX, éramos um país que não conseguia se desenvolver porque não tínhamos fontes de energia suficientes e boas. Hoje, graças ao esforço de varias gerações de geólogos, temos uma reserva de petróleo das maiores do Mundo, a qual só é possível explorar com altíssima tecnologia.

    Tá OK. Mas e a parte vazia deste copo?

    Ainda precisamos avançar. Como ter uma indústria competitiva e inovadora? Como ter uma Ciência de alto impacto? Como resolver os grandes problemas de nossa sociedade, como saúde, segurança, trabalho? Como resolver isso?

    POLÍTICA E CIÊNCIA. CIÊNCIA E POLITICA

    Precisamos de uma politica que invista mais, e não menos, em ciência. Se queremos realmente um futuro, devemos plantar as sementes hoje. Investimos pouco, e mal. Nossa despesa com ciência em 2015 (um ano ainda “rico”) foi de U$199 dólares por habitante. Empatamos com a Turquia. Perdemos feio para os países do Leste Asiático, Europa, América do Norte.

    E isso apesar de termos uma das maiores comunidades cientifica da América Latina. Uma comunidade briosa, que vem aumentando sua participação no quinhão da ciência nos últimos 15 anos. Mas que, como uma flor sensível, ainda corre sérios riscos.

    A participação publica vem diminuindo sua participação no financiamento da ciência desde 2015. E a política, que poderia trazer soluções, só nos tem trazido pesadelos. Claramente, ciência e a tecnologia não são prioridade de governo. As ameaças vêm de todos os lados.

    PARA ONDE VAMOS?

    Há os que sonhem com uma ciência sem estado. Houve o assessor de um candidato que chegou a dizer que “as pessoas subestimam o poder da filantropia”. Com isso, o douto senhor está nos dizendo que a contribuição privada para a ciência era uma fonte que nós não exploramos direito. Por outro lado, o financiamento privado é hoje irrelevante no financiamento da ciência.

    Entre os candidatos a presidente, qual deles menciona em seu programa a palavra ciência? E dos que o fazem, quais deles confundem ciência com ensino? Embora sejam parceiras, ciência e educação são coisas distintas, com pautas necessidades distintas. Não se faz ciência tirando dinheiro do ensino.

    A política vai ditar a ciência que queremos. Será que vamos escolher seguir um caminho de mais financiamento e uma busca maior de eficácia na resolução de nossos problemas? Ou será que vamos achar que não precisamos fazer ciência?

    São Heisenberg, rogai por nós!


    Publicado originalmente em PaleoBlog.

  • Propostas dos candidatos à Presidência do Brasil para o Meio Ambiente (2018)

    Texto por  Paulo Andreetto de Muzio

    O que seu candidato ou candidata a presidente do Brasil propõe para o meio ambiente? Se pra você esta é uma questão importante na hora de votar, então vale a pena ler o material que preparamos.

    A exemplo do trabalho feito pelo pessoal do Mural Científico ao analisar as propostas dos presidenciáveis sobre Ciência e Tecnologia, meu parceiro aqui do blog Felipe Zanusso sugeriu que fizéssemos uma análise das propostas ambientais dos candidatos.

    A temática ambiental é muito ampla. Não envolve apenas árvores, floresta e natureza selvagem. Sim, isto faz parte. Mas meio ambiente também trata de saneamento básico, abastecimento de água para a população, habitação digna, entre outros subtemas que, de alguma forma refletem em saúde e qualidade de vida para as pessoas. Deste modo, analisar 13 Programas de Governo bastante distintos entre si foi um grande e trabalhoso desafio.

    Para realizar este trabalho, tentamos compreender o que o cada candidato (e sua equipe) entendia por meio ambiente. Se tinha uma visão mais abrangente, se trazia conhecimentos técnicos, ou se ficava só no clichê. Alguns dos Programas citam nada ou quase nada em relação ao tema. Outros têm capítulos específicos para tratar de questões ambientais. Há também aqueles que trabalharam o tema de forma transversal entre os diferentes tópicos do Plano de Governo. Ainda sim, entendemos que quanto mais detalhadas as propostas, melhores elas são. Além de trazerem mais argumentos técnicos, denotam um maior comprometimento do presidenciável com o que está escrito e descrito ali. Propostas vagas e clichês retóricos qualquer um pode fazer e encaixá-los posteriormente nas ações mais diversas e não necessariamente relacionadas ao meio ambiente.

    Fizemos buscas de palavras para ver se encontrávamos termos como “ambiental”, “meio ambiente”, “sustentável”, “sustentabilidade”, “preservação”, “proteção”, “conservação”, “unidades de conservação” e “áreas protegidas”.

    Os Planos mais bem elaborados foram os mais difíceis de analisar, e provavelmente a investigação tenha sido mais superficial por conta da riqueza de detalhes. Deste modo, fiquem à vontade para contribuírem com dados que acharem pertinentes e que possam ter sido omitidos neste trabalho.

    O Natureza Crítica analisou as informações que constam nos Planos de Governo que foram entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas sabemos que os candidatos dão declarações que fornecem mais detalhes sobre suas propostas ou mesmo as contradizem. Também pode acontecer de o que está proposto no Programa, contradiga o histórico de atuação do candidato. Portanto, mais uma vez, pedimos que contribuam com dados e links para esta discussão nos comentários.

    Álvaro Dias (Pode)

    O Plano de Governo do Candidato Álvaro Dias tem 15 páginas (contando com a capa).

    A palavra “ambiente” aparece 4 vezes, sendo que em 3 compõe meio ambiente, conforme nos trechos reproduzidos abaixo:

    “O crescimento sustentado será alcançado através do estímulo ao empreendedorismo e do aumento e melhoria na qualidade da infraestrutura instalada, sem negligenciar um olhar atento à interiorização e ao meioambiente.” (pág. 5 )

    “O meio-ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação.” (pág. 8)

    “Tecnologia como aliada para preservar o meio-ambiente” (pág. 10)

    O último trecho é uma das diretrizes do Plano. Em um primeiro momento é proposto que o desenvolvimento não negligencie o meio ambiente. Em um segundo momento, o Plano propõe o uso da tecnologia para a proteção ambiental.

    O radical “sustent” aparece 9 vezes, sendo 4 para sustentavel, 4 para sustentado e 1 para sustentabilidade. Em todas as vezes os termos estavam relacionados ao desenvolvimento e crescimento econômico.

    O Plano é dividido em três grandes áreas: Sociedade, Economia e Instituições. Entretanto, a única das 19 metas do Plano do candidato (que no arquivo do Plano de Governo não é captada pela busca de palavras) que tem o viés ambiental, “VERDE-ÁGUA E SANEAMENTO 100%”, está inserida em Sociedade, não e Economia. Seguem abaixo os ítens desta meta:

    • Preservação e aproveitamento integral dos biomas nacionais
    • Proteção dos mananciais (replantio de matas em 3500 municípios)
    • Gestão produtiva dos cursos d’água e aquíferos
    • Cumprimento do Plano RenovaBio (créditos para descarbonização)
    • Prioridade Saneamento: 20 bilhões ano/em esgoto tratado

    O mais interessante no Plano de Governo, no que diz respeito à área de meio ambiente, são justamente esses itens, nos quais a proteção ambiental é relacionada ao fornecimento de água. Ainda sim, preocupa o viés de produtividade econômica, que pode ser interpretado no 1º e no 3º ítem. O termo “preservação” remete à maior restritividade em termos de proteção ambiental. Portanto, preocupa sua direta associação com “aproveitamento integral dos biomas”, visto que o justo aproveitamento que temos que dar a biomas que estão seriamente ameaçados é sua preservação e recuperação.

    Em relação aos dois últimos ítens do planos de metas, pode-se notar uma preocupação em relação à mitigação da emissão de gases causadores do efeito estufa, além de uma importante concepção de que saneamento básico também é questão ambiental (apesar de não haver referência ao termo neste trecho).

    Cabo Daciolo (Patri)

    O Plano de governo do candidato Cabo Daciolo tem 17 páginas (contando com a capa) e aborda cinco grandes áreas: Educação, Saúde, Economia, Infraestrutura de Transportes e Segurança Pública.

    Não é feita nenhuma menção direta a Meio Ambiente. O mais próximo o Plano de Governo chega em mencionar conceitos ambientais acontece em dois trechos, às páginas 03 e 17, entretanto sempre atrelados a economia e sem maior detalhamento.

    Seguem os trechos:

    “O Brasil é um país estratégico no cenário político internacional. Possui inúmeras riquezas naturais; um elevado potencial tecnológico e científico; e não por acaso, é atualmente a maior economia da América Latina.”

    “Uma sociedade bem constituída socialmente, psicologicamente e espiritualmente encontra os caminhos do progresso; da justiça social; da distribuição justa da renda; da efetiva ação de segurança pública; do desenvolvimento econômico e sustentável e também valoriza os pilares da educação.”

    Ciro Gomes (PDT)

    O Plano de Governo de Ciro Gomes apresenta 59 páginas (excluindo capa e outras firulas), das quais 4 são inteiramente dedicadas ao tema “Desenvolvimento e Meio Ambiente”.

    A apresentação deste tema é trabalhada com o objetivo de desconstruir a oposição artificial entre a ecologia e a economia (conceitos utilizados no Plano). O primeiro parágrafo se encerra mostrando que as ações devem melhorar a qualidade de vida das pessoas, entretanto. Entretanto, antes disso, o texto dá uma leve escorregada no viés desenvolvimentista e afirma que “as políticas conservacionistas priorizaram a instituição de unidades protegidas como salvaguarda de nossa biodiversidade e pouco avançaram em políticas de harmonização da preservação com a produção.” Vale  lembrar que as áreas protegidas se enquadram em diferentes categorias, algumas permitindo atividades de produção, outras não. O conceito de preservação, que é utilizado no texto, refere-se a formas mais retristritivas de proteção ambiental.

    O Plano de Governo de Ciro Gomes apresenta 15 linhas de ação para a área de Meio Ambiente, o que já mostra uma boa preocupação com a pasta.

    O primeiro ponto positivo é que no Plano, a questão ambiental está relacionada ao abastecimento da população e à questão do saneamento básico, mostrando a uma visão abrangente em relação ao tema.

    O planejamento e o aspecto socioambiental estão bastante presentes as metas. O candidato defende a compatibilização da agenda governamental com a legislação específica da área ambiental. No que tange às unidades de conservação da natureza, a meta é implementar as já criadas, ou seja, tirá-las do papel. Se por um lado pretende abrir concessões à iniciativa privada para explorar economicamente essas áreas, por outro busca a formação de arranjos produtivos locais. Da mesma forma, o Plano indica que grandes obras devam ser acompanhadas de planejamento desses arranjos produtivos em seu entorno. O zoneamento ambiental também está previsto. Além disso, a regularização fundiária para territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais também constam nas metas. Também está prevista a extensão rural.

    O candidato assume ainda compromisso com diversas ações necessárias para a redução da emissão de gases do efeito estufa.

    O último item das metas ambientais é a criação de uma política de proteção aos animais.

    Consta ainda no Plano uma atenção específica que será dada aos impactos da tragédia ambiental causada pela Samarco/Vale, em Mariana/MG.

    O radical “ambient” aparece 26 vezes no texto, sendo que em 20 está relacionado de alguma forma a meio ambiente.

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    O Plano de Governo do ex-governador de São Paulo possui 16 páginas (incluindo muitas firulas gráficas, fotografias de página inteira e por aí vai)

    A temática ambiental aparece em apenas dois parágrafos sequenciais.

    Primeiro, é abordada como estratégia de relações exteriores, na qual o candidato toma como referência a agenda Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), definida pela Organização das Nações Unidas (ONU), e se compromete com a redução de emissão de gases, conforme Acordo de Paris. Promete ainda atenção especial à gestão da Amazônia.

    O segundo parágrafo se inicia associando o conceito de sustentabilidade ao de crescimento econômico. Em seguida, o candidato afirma “seremos firmes e técnicos na questão ambiental, evitando a politização e a visão de curto prazo que pautaram os debates ambientais”. Acredito que este seja o ponto mais polêmico das poucas propostas do candidato em relação à área ambiental. Como o parágrafo está inserido em seção  do Plano chamada “O Brasil da Esperança”, esperamos que haja firmeza e respeito ao conhecimento técnico quando se trata do meio ambiente, bem como visões de longo prazo. Entretanto, não podemos esquecer que a questão ambiental já é política por si só. Também não podemos deixar de citar o histórico de aparelhamento político na pasta de meio ambiente do estado de São Paulo durante a gestão do candidato, bem como a interferência em pareceres técnicos.

    O Plano indica ainda que o Brasil concilia desenvolvimento com preservação. Vale lembrar que o conceito de preservação remete à categoria mais restritiva de proteção.

    Na busca por palavras-chave, o radical “ambient” apareceu 3 vezes, “sustent” aparece 4 vezes (sendo 3 relacionado a meio ambiente) e “preserv” aparece uma vez.

    Guilherme Boulos (PSOL)

    O Candidato Guilherme Boulos apresenta 228 páginas de texto em seu Plano de Governo.

    Na busca de palavras, o radical “ambient” aparece 52 vezes, sendo que em 42 refere-se à temática ambiental. O radical “preserv” aparece 7 vezes e em 2 refere-se ao meio ambiente. A palavra “sustentável” aparece 11 vezes, vinculado geralmente ao desenvolvimento econômico. Em 3 está explicitamente relacionado ao meio ambiente. O termo “áreas protegidas” aparece uma vez no texto, “bem como “Unidades de Conservação”.

    O Plano de Governo apresenta uma introdução e 19 capítulos. Um deles é dedicado ao tema “TERRA, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE: UM NOVO E URGENTE MODELO DE DESENVOLVIMENTO”, com 14 páginas.

    As propostas ambientais estão divididas em 6 grandes temas:

    • Reconhecimento, homologação, demarcação e regularização imediata de todas as terras indígenas, quilombolas e das populações tradicionais;
    • Reforma Agrária Popular e Agroecológica;
    • Acabar com o desmatamento e manejo e restauração das florestas com espécies nativas;
    • Proteção das águas e sistemas hídricos;
    • Defesa dos bens comuns e dos direitos da natureza;
    • Transição energética e produtiva, visando superar o uso dos combustíveis fósseis.

    As propostas estão bem detalhadas e mostram uma visão abrangente sobre o Meio Ambiente, valorizando tanto as pessoas quanto o valor intrínseco dos recursos naturais. O Programa de Governo propõe uma “economia verde” e dá grande destaque aos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

    O candidato também propõe a criação de áreas protegidas.

    A questão da água e do abastecimento urbano, o saneamento básico, assim como o compromisso com a redução da emissão de gases do efeito estufa para combater as mudanças climáticas estão presentes. O Plano ainda critica a atuação do agronegócio e se posiciona contra os transgênicos, pesticidas e afins, entendendo que a agricultura familiar é a solução.

    Na parte ambiental, o Programa está bem embasado. São citados diferentes biomas, conceitos técnicos, legislação, órgãos governamentais e Conferências sobre o tema. São mencionados ainda desastres como o causado pela mineradora Samarco/Vale em Mariana (MG).

    Além de conter um capítulo próprio, a preocupação com a temática ambiental aparece de forma transversal nos capítulos do Programa dedicados aos temas educação, cidades, cultura e relações internacionais.

    Henrique Meireles (MDB)

    Na busca de palavras, o radical “ambient” aparece 3 vezes, o verbete “proteção” aparece 2 vezes, o verbete “conservação” aparece 2 vezes. O radical “sustent” aparece 5 vezes, mas em apenas uma está relacionado a questões ambientais.

    O Plano de Governo do Candidato tem 20 páginas de texto corrido. É dividido em 5 grandes temas. Ao final do capítulo “O Brasil mais integrado”, que trata de investimentos em infraestrutura, são dedicados três parágrafos para tratar de temas ambientais.

    No texto o candidato defende a valorização da biodiversidade e proteção ao patrimônio natural. Em relação às Mudanças Climáticas, o candidato se compromete com a redução da emissão de gases do efeito estufa (conforme acordo de Paris), por meio de uma maior participação da bioenergia na matriz energética e incentivando o reflorestamento e o investimento em energias renováveis.

    O Candidato cita a importância de duas Unidades de Conservação criadas em 2018, mas não dá mais detalhes sobre metas em relação a criação de novas áreas protegidas. Defende ainda  que “Programas de redução do desmatamento na Amazônia, de recuperação de nascentes e de revitalização do Rio São Francisco precisam ser acelerados, assim como a conversão de multas ambientais em novos recursos para serem usados em programas de conservação e revitalização do meio ambiente.”

    Jair Bolsonaro (PSL)

    O Plano de Governo do candidato apresenta 81 páginas em slides de Power Point transformados em PDF.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece 4 vezes, sendo que em apenas 2 está relacionado à meio ambiente. Ainda assim, em uma delas “meio ambiente rural” está vinculado à uma nova infraestrutura agropecuária pretendida no Programa. Na outra, o candidato se refere ao licenciamento ambiental como criador de barreiras intransponíveis às pequenas centrais hidrelétricas.

    O verbete sustentável aparece apenas uma vez no ítem “Desenvolvimento Rural Sustentável (Atuação por Programas)”, também relacionado à infraestrutura agropecuária.

    A agropecuária pode ser tanto antagônica quanto aliada ao Meio Ambiente, dependendo de como é feita. Da forma como é colocada neste Programa de Governo, entendo que o presidenciável não traz nenhuma proposta ambiental. Vale lembrar que o candidato propõe a fusão dos ministérios da agricultura e meio ambiente.

    Só para dar uma colher de chá ao candidato, em algum momento ele menciona que “o Nordeste pode se tornar a base de uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática”. Mas de resto, sua preocupação com energia é mais relacionada à questão econômica.

    João Amoedo (NOVO)

    Plano de Governo com 23, incluindo capa com foto do candidato.

    Na busca de palavras, o radical “sustent” aparece 12 vezes, ma podemos relacioná-lo de alguma forma à questão ambiental apenas em 6.  Já o radical “ambient” aparece 7 vezes, sendo que em 5 está relacionado a meio ambiente. “Conserv” aparece duas vezes. “Preserv” aparece 2 vezes, mas apenas em uma remete a preservação ambiental. O verbete “protegida” aparece uma vez.

    Entre os 10 ítens propostos no Plano, um deles é dedicado à área de meio ambiente: “Responsabilidade Com As Futuras Gerações Com Foco Na Sustentabilidade E Um Agronegócio Moderno Indutor Do Desenvolvimento”.

    O candidato começa com o mesmo discurso de exaltação da natureza que outros candidatos também fazem uso. Da mesma forma, dá aquela escorregada e diz que vai conciliar preservação e crescimento econômico e dá uma ênfase na exploração dos recursos naturais. Mais uma vez lembrando que preservação e exploração não podem caber na mesma frase. O que mostra o viés econômico do candidato aos pensar na questão ambiental. Mais adiante no plano propõe conciliação definitiva entre conservação e desenvolvimento agrícola. Assusta um pouco o uso da palavra definitiva. A conciliação é sempre bem vinda, mas esperamos que não seja o desenvolvimento agrícola em detrimento da conservação, como normalmente é a linha de trabalho de quem alia a questão ambiental ao viés econômico.

    Um ponto positivo é que o candidato entende, ainda que não com a acurácia necessária conforme indica a redação do texto, que saneamento básico é questão ambiental e que o objetivo é justamente melhorar a qualidade de vida das pessoas. É um ponto importante entender que o tema afeta a vida das pessoas hoje, o que contrapõe com o clichê das futuras gerações, também utilizado no texto.

    Amoedo traz ainda uma visão razoavelmente abrangente de meio ambiente: inclui água, florestas, biodiversidade, clima, pessoas. Propõe recuperação de rios, baías e praias, redução do desmatamento da Amazônia, parcerias com consórcios municipais e com o setor privado, uso de tecnologias, aplicação do Código Florestal, fim dos lixões, foco nas energias renováveis.

    João Goulart Filho (PPL)

    O Plano de Governo do Filho de Jango tem 14 páginas de texto corrido. Dos 20 itens do Programa, um é dedicado ao Meio Ambiente, ocupando cerca de uma página.

    O radical “ambient” aparece 4 vezes na busca por palavras, sendo que em 4 está relacionado à questão ambiental. O verbete “preservação” aparece uma vez. “Proteção” aparece apenas uma vez vinculado a meio ambiente.

    João Goulart Filho faz um diagnóstico sobre a questão ambiental no país e se compromete com a promoção do desenvolvimento com o uso racional dos recursos naturais, em contraponto à exploração predatória vigente. Critica a falta de contrapartida dos países desenvolvidos, aos quais são enviados nossos recursos e aponta o quanto isso impacta na vida das pessoas, dando exemplos como a desertificação, assoreamento e contaminação de corpos d’água, do solo, morte de fauna e flora, acumulação de lixo e poluição atmosférica. Cita ainda o desastre promovido pela Samarco/Vale em Mariana (MG).

    Referente às mudanças climáticas, o candidato escorrega ao afirmar que “apesar de a responsabilidade principal ser dos países ricos, temos que dar nossa contribuição.” Sim, temos que dar a nossa contribuição, mas dizer que a responsa é dos ricos, é não entender a nossa grandeza e a nossa riqueza. É quase entregar a Amazônia pros gringos.

    O candidato propõe barrar o uso predatório dos recursos naturais e planejamento a longo prazo (ponto positivo). Especifica que “o aumento da produção agropecuária deve resultar, principalmente, do aumento da produtividade nas áreas já ocupadas, e não da incorporação de novas áreas, garantindo, assim, as metas de redução de desmatamentos.” Também propõe rever o Novo Código Florestal (de 2012), apontando que o desmatamento só aumentou após sua implementação.

    Goulart Filho propõe ainda aumentar as multas e penas para crimes ambientais, principalmente em casos de desastres ecológicos. Ou seja, responsabilizar mais os grandes e não os pequenos, que é o como acontece na prática.

    O candidato também propõe acabar com os lixões, e fazer convênios com estados e municípios dar a destinação adequada aos resíduos sólidos. Se compromete ainda a garantir a cobertura de 100% da coleta e tratamento de esgoto nos centros urbanos, além de trabalhar a “transição para combustíveis menos poluentes e estimular políticas de transporte coletivo.“

    José Maria Eymael (DC)

    O presidenciável José Maria Eymael apresenta um Programa de Governo de apenas 9 páginas. Dos 27 itens do Plano, um é dedicado ao Meio Ambiente. Confira abaixo na íntegra.

    “MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

    1. Proteger o meio ambiente e assegurar a todos o direito de usufruir a natureza sem agredi-la. Orientar as ações de governo, com fundamento no conceito de que a TERRA É A PÁTRIA DOS HOMENS.”

    Gostaríamos de ler mais. Um mínimo detalhamento que tire as expressões acima do campo do discurso vazio.

    Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

    O Plano de Governo de Lula tem 58 páginas, contando com capa, sumários e firulas afins. Dos 5 capítulos, um é inteiramente dedicado ao meio ambiente. O capítulo TRANSIÇÃO ECOLÓGICA PARA A NOVA SOCIEDADE DO SÉCULO XXI tem 14 páginas de texto.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece 66 vezes, sendo que em 62 está relacionado a meio ambiente. A palavra “sustentável” aparece 19 vezes. “Conservação” aparece 6 vezes e “Unidades de conservação” 3 vezes. “Preservação” aparece duas vezes, remetendo à biodiversidade.

    O Presidente propõe a construção de uma economia justa e de baixo carbono e defende que o Brasil precisa pensar no longo prazo. Propõe o investimento em agroecologia e mudança nas estruturas produtivas para garantir ar limpo para respirarmos, água potável, mares e rios salubres, e usufruto dos recursos naturais.

    Critica o governo Temer, no qual “o meio ambiente e os povos do campo, das florestas e das águas são tratados como moeda de barganha política, ao flexibilizar licenciamento ambiental, suspender demarcação de terras indígenas, reduzir as unidades de conservação, facilitar a grilagem, dentre outros tantos retrocessos.”

    O candidato defende uma economia de baixo impacto ambiental, com eficiência energética e reciclagem, investimento em energia eólica, biocombustíveis e química verde. Propõe uma reforma fiscal verde, que premiará investimentos e inovação em baixo carbono. Se compromete com a redução de gases de efeito estufa. Lula também propõe um novo marco regulatório para a mineração, citando a tragédia causada pela Samarco / Vale em Mariana (MG).

    De acordo com o Plano de Governo, o candidato entende que saneamento básico e abastecimento de água são questões ambientais e traz propostas para “para garantir a oferta de água para todos e todas com qualidade e regularidade, em sintonia com as metas do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de Água e Saneamento da ONU”.

    O candidato também parece entender o desenvolvimento urbano como questão de meio ambiente, conforme mostrado no Plano, no qual são tratadas questões como moradia e resíduos sólidos.

    Em relação ao campo, o candidato incentiva a produção agroecológica para a produção de alimentos mais saudáveis e propõe um programa de regulação do agronegócio para a redução do desmatamento.

    O Plano contém ainda propostas de políticas fundiárias, de demarcação de terras, de direitos humanos e sociais no campo, de enfrentamento à seca e de inclusão social de pescadores artesanais. Também se compromete a construir políticas públicas de defesa dos animais.

    Em relação a redução do desmatamento o candidato se compromete a fiscalizar o cumprimento do Código Florestal, incluindo o Cadastramento Ambiental Rural fortalecer a proteção das unidades de conservação e dos demais bens da natureza. Entretanto, parece dar o foco nesta questão apenas para o bioma Amazônia.

    Propõe ainda uma política pública de educação ambiental.

    Marina Silva (Rede)

    O Plano de Marina Silva possui 46 páginas, incluindo capa e muitas firulas gráficas.

    O radical “ambient” aparece 31 vezes na busca por palavras, em apenas 20 remetendo a meio ambiente. “Sustentável” aparece 18 vezes e “sustentabilidade” apenas 4, lembrando que compõe inclusive o nome do partido político. A palavra “preservação” aparece 5 vezes, sempre ligada de alguma forma ao meio ambiente, Os termos “Unidades de Conservação” e “Áreas Protegidas” aparecem uma vez cada.

    A candidata propõe investimentos em saneamento básico e segurança hídrica, por meio de criação de capacidades institucionais nos municípios, parcerias público-privadas, investimento em pesquisa e tecnologia e preservação e recuperação de mananciais, nascentes, e demais corpos d’água. Também priorizará “políticas para a redução, reutilização, reciclagem dos resíduos sólidos, tendo como horizonte uma política de lixo zero”.

    Em relação a povos e comunidades tradicionais, Marina promete criar políticas de fomento às suas atividades econômicas, com atenção às suas especificidades culturais. Cita indígenas, quilombolas, ciganos, faxinalenses, pomeranos, caiçaras, pescadoras e pescadores artesanais, seringueiros, extrativistas, quebradeiras de coco babaçu e ribeirinhos. A candidata também se compromete com a demarcação de terras indígena e o reconhecimento e titulação de terras quilombolas. Marina propõe ainda a retomada dos processos de criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável – especialmente Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável e a implantação de um sistema de compensação financeira para as comunidades tradicionais que promoverem a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade. Se compromete a envolvê-los em procedimentos de licenciamento ambiental que os impacte direta e indiretamente. Garante ainda programas educacionais diferenciados e adaptados às realidades e especificidades locais e o direcionamento de recursos de ciência e tecnologia para iniciativas dos povos tradicionais. A candidata promete ainda ações para a investigação de crimes ambientais e violação de direitos contra essas comunidades.

    A candidata da Rede se compromete ainda com a implementação de políticas que promovam o bem-estar dos animais, coibindo práticas que causam sofrimentos em atividades produtivas ou em pesquisa.

    Em relação ao meio urbano, Marina propões ações diversas relacionadas à habitação, revitalização de espaços públicos, gestão dos resíduos sólidos e redução da emissão de gases poluentes.

    Duas páginas são dedicadas à proposta de transição para uma economia de baixo carbono. Além da uma mudança no modelo energético, a candidata propõe a valorização de uma economia florestal como estratégia para combater as mudanças climáticas.

    Marina propõe ainda planejamento de uso da terra e se compromete a dar “tratamento específico, com o desenvolvimento de políticas públicas dirigidas para uma grande faixa situada no semiárido nordestino, onde estão concentrados os minifúndios no Brasil, com vistas a superar a situação de precariedade em que vivem centenas de milhares de famílias.” Garantirá financiamento para a agricultura familiar,  fundamental para produzir alimentos para o consumo interno, garantir o trabalho e a geração de renda no campo.

    Vera Lúcia (PSTU)

    O Plano de Governo de Vera Lúcia apresenta apenas 5 páginas de texto.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece duas vezes. “Proteção” aparece uma vez

    O termo meio ambiente aparece vinculado ao plano de obras públicas e a questão da reforma agrária. Dos 16 itens do Programa, não há um capítulo específico para Meio Ambiente. Entretanto, há item que propõe a regularização fundiária de áreas indígenas e quilombolas.

    Gostaríamos de saber mais detalhes sobre as propostas.

    Considerações Finais

    Os Planos de Governo de Guilherme Boulos (PSOL), Lula (PT) e Marina Silva (Rede) são os melhores estruturados e detalhados na área de meio ambiente, deixando as propostas de ações mais claras.

    Em seguida vem o de Ciro (PDT), seguido por Amoedo (NOVO). Logos atrás vêm João Goulart (PPL) e Álvaro Dias (Pode) empatados.

    Decepciona que os Planos de Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB), representantes de dois partidos políticos enormes, tenham descrito tão pouco sobre suas propostas para a pasta.

    Jair Bolsonaro (PSL) não apresenta propostas ambientais, tal qual o time dos café-com-leite Cabo Daciolo (Patri), Eymael (DC) e Vera Lúcia (PSTU).

    Elaboramos um ranking abaixo para representar graficamente as propostas dos candidatos para a pasta de meio ambiente.

    Ranking das Propostas:

    1. Boulos, Lula e Marina
    2. x
    3. x
    4. Ciro
    5. Amoedo
    6. João Goulart e Álvaro Dias
    7. x
    8. Meirelles
    9. Alckmin
    10. x
    11. x
    12. x
    13. Bolsonaro, Daciolo, Eymael, Vera Lúcia

    Esta análise deu trabalho e pedimos desculpas se ocorreu algum erro de digitação ou de interpretação, ou mesmo a uma possível falta de padrão nas análises de cada Programa. Esta análise foi realizada nas horas vagas de quem trabalha em horário comercial, portanto pedimos a compreensão. A discussão não se fecha aqui e ainda temos um mês até o dia da votação para o 1º Turno das Eleições de 2018. Portanto, ainda há muita informação para trocarmos. Mais contribuições para este debate são bem vindas.

    Confira abaixo os Programas de Governo de cada candidato:


    Publicado originalmente no blog Natureza Crítica.

  • Sobre fungos, corrupções e clichês

    Texto por Vilmar Debona

    Em uma crônica de 1 de setembro de 2016, o escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo afirmava:

    “Dilma recorreu à metáfora de uma frondosa árvore, representando a democracia, para comparar golpe parlamentar e golpe militar. No militar, a árvore é destruída a machadadas. No parlamentar, é atacada por fungos, parasitas e erva de passarinho e também morre, mas lentamente. A metáfora parece simples (só faltando definir, no cenário nacional, quem é fungo, parasitae erva de passarinho)”i.

    Gostaria de propor como uma das possíveis respostas para a definição que Veríssimo observa estar faltando a distinção elaborada por Jessé Souza entre o que chama de corrupção dos tolos e de corrupção real, uma oportunidade para “darmos nome aos fungos”.

    A microbiologia nos permite saber da diversidade de fungos, um reino de organismos à parte na natureza. Todos são heterótrofos, não produzem seus próprios alimentos. Sua nutrição se dá por absorção e, em quase todos os casos, não possuem raízes. É certo que há os fungos que fazem o pão crescer e o vinho fermentar, bem como os fungos dos bons cogumelos champignons. Mas certamente não foi a estes tipos que Dilma se referiu. Pois há aqueles fungos que se formam em matérias já mortas e, em conjunto com uma variedade de bactérias, possibilitam a decomposição dessas matérias. E, principalmente, há os fungos parasitas, que atacam seres vivos, provocam micoses, frieiras, excrescência carnosa, infecções e, nos vegetais, fitomicoses como a ferrugem, os esporões e o apodrecimento.

    Se formos ao Gênesis bíblico notaremos uma personagem bastante esquiva: a serpente, que instiga o rompimento da perfeição divina e que, logo que sai de cena, é culturalmente demonizada… mas, se notarmos bem, perceberemos que ela não é filha de nenhuma força das trevas ou demoníaca, senão do próprio Deus. O ímpeto em direção ao rompimento da proibição em comer da “árvore do conhecimento” não é provocado por algo externo à Criação. Ao considerarmos esse ímpeto ou impulso em corromper a ordem, em ceder à tentação, poderíamos ficar à vontade com a etimologia de Agostinho de Hipona (o mesmo filósofo que, aliás, cunhou o termo pecado): corrupção, de corruptioneii, de corromper, composto por cor (coração) e por ruptus (quebra, rompimento), literalmente, coração rompido, deteriorado, pervertido. Se todos temos coração, então apenas uma boa dose de hipocrisia seria capaz de manter alguém convicto de que existem “cidadãos de bem” capazes de atravessar toda uma vida sem nunca e de nenhuma forma transgredirem ou corromperem.

    Seres incorruptíveis, no entanto, são personagens férteis no imaginário seletivo dos inveterados apoiadores da Lava Jato. A percepção falsa não é falsa em relação a Agostinho, mas em relação à ideia de que, ao menos no Brasil, corrupção é somente da política e nunca do mercado, sempre do Estado e nunca das elites econômicas e do capital financeiro – ou, como formulou Max Horkheimer no contexto de suas teses sobre a razão instrumental, nunca das “forças econômicas cegas ou demasiadamente conscientes”iii.

    Em seu A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, Jessé Souza chama de corrupção real aquela do Brasil escravocrata, “semente de toda a sociabilidade brasileira”iv, que cria singularidades necessariamente excludentes e perversas. Seria a corrupção do que ele denomina elite da rapina e do dinheiro, uma elite (do atraso), que se perpetua principalmente sob o comando financeiro e midiático, com ações predadoras que fazem o jogo do capital financeiro internacional e que, com o termo “privatizar”, atribui um nome polido para o que, na realidade, é uma patranha e atende por corromper e saquear.

    Típicos dessa corrupção real – que, principalmente no caso da mídia oligopolista, oculta-se de forma magistral a fim de ter mais poder real – são a manipulação e o convencimento que aplicam com pílulas diárias sobre a opinião pública. O Estado e a política são, nessa sórdida manipulação, as únicas esferas corruptas, caminho que facilita o repasse de empresas estatais e de riquezas nacionais para nacionais e estrangeiros, que transformam em posse privada os colossos que deveriam ser de todos.

    Os complexos mecanismos mobilizados por grupos econômicos para levar multidões às ruas do país, reuniões-espetáculos manipuladas e transmitidas ao vivo pela mídia corporativa, para, assim, “justificar” as manobras jurídicas das “pedaladas” do Golpe contra Dilma Rousseff, foi um dos mais evidentes atestados da tese de Souza. E se alguém perguntasse em que termos é isso corrupção, a resposta viria fácil: em um dos sentidos mais convencionais do termo, o de enganar para obter vantagens ilícitas.

    Já a corrupção dos tolos seria a da crença originada ante a miragem provocada pelo espantalho da ideia segundo a qual o Estado é o único corrupto. É o que corruptos e corruptores reais ventilam diariamente para nenhum brasileiro duvidar de que os políticos e o Estado são os causadores de todas as tramoias, e não o contrário. O imbecil perfeito, diz Jessé, é forjado quando o cidadão espoliado passa a apoiar a venda subfaturada de recursos públicos a agentes privados, imaginando que assim ajuda a evitar a corrupção estatal.

    “Como se a maior corrupção […] não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale, que paga royalties ridículos para se apropriar da riqueza que deveria ser de todos, e essa será provavelmente a história da Petrobras”v.

    Ao final do livro, o sociólogo voltará à questão, tomando-a, desta vez, metaforicamente:

    “A política e os políticos são os aviõezinhos que sujam as mãos, se expõem à polícia seletiva e ficam com as sobras da expropriação da população. A boca de fumo são os oligopólios e os atravessadores financeiros, que compram a política, a justiça e a imprensa de tal modo a assaltar legalmente a população”vi.

    Eis, então, o pano de fundo, tomado genérica e confusamente como a única explicação da corrupção no Brasil: a corrupção como prática generalizada e creditada ao “jeitinho brasileiro”, interpretação de Roberto DaMatta para o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. A tese tornou-se um depósito de culpas, admissão de que todo um povo é ou tende a ser nacionalmente corrupto, um pseudo fundamento antropológico-moral criado e metodicamente orquestrado para maquiar a corrupção real das elites oligárquicas. Aí está o engodo, o chamariz de fungos, de sanguessugas e de parasitas de toda espécie.

    No mais, se existe um “homem cordial”, quem seria o seu contrário? Suspeito que posso encontrar boa parte da resposta toda vez que leio uma notícia de que um juiz brasileiro recebeu prêmio nos EUA ou na Europa pela “limpeza” feita em terras emporcalhadas. Mas fiquemos com Jessé.

    Em sua outra obra, A radiografia do golpe, o autor dirigirá uma áspera crítica a Sérgio Buarque de Holanda (que se estende a seus epígonos Raymundo Faoro, Fernando Henrique Cardoso e Roberto DaMatta) sem hesitar na afirmação de que, na ausência do mito do “homem cordial” – portanto, sem Buarque e seu clássico Raízes do Brasil – a Lava Jato não se sustentaria. Em outras palavras, Gilberto Freyre, mas, principalmente, Sérgio Buarque, teriam autorizado de forma proposital a confusão entre os adjetivos “cordial” e “corrupto”, interpretando um vício pretensamente brasileiro como tendência inata à corrupção:

    “Ao definir o homem cordial, literalmente o ‘homem do coração’, como o protótipo do brasileiro de todas as classes […], prisioneiro das próprias emoções, ele supõe que exista um outro tipo de gente que teria se libertado dessa prisão. É aqui que mora todo o racismo, toda a ingenuidade e toda a admiração basbaque do brasileiro com o complexo de vira-lata em relação ao estrangeiro visto como superior”vii.

    E é muito curioso notar, então, como o mito do “homem cordial” estaria significativamente próximo da etimologia agostiniana de corruptione.

    Mas Jessé não atentou suficientemente para um elemento flagrante do uso e do abuso do mito do “homem cordial”, o do seu uso como clichê. Este elemento é particularmente significativo se considerarmos que, para além de intelectuais da direita e da esquerda de todos os tempos, “intelectuais” da Lava Jato também lançam mão do tal “homem cordial”.

    Minha hipótese é a de que se notarmos enquanto clichê o uso recorrente dessa desculpa para tudo, então poderemos alcançar uma melhor compreensão sobre por que qualquer combate daquela corrupção real é facilmente evitado ou comprometido. Indicar um inimigo oculto sob as sombras da cordialidade pode ser a melhor estratégia retórica – que soa simpática, mas é preguiçosa em termos de reflexão e crítica – para facilitar a perpetuação das mais perversas práticas.

    Tomemos, aqui, o uso de clichês como sinônimo de ausência de pensamento, de menoridade intelectual ou de comportamento condicionado, e veremos que não é difícil assumi-lo como causa indireta – e de difícil identificação – da prática de males que podem ser praticados de forma velada e em larga escala. No mais, recorrendo-se a clichês para jogar a culpa num sujeito oculto, todos e ninguém são culpados, podendo-se eleger eventual ou constantemente bodes expiatórios da corrupção dos tolos para, assim, transmitir à população explorada e vítima da desinformação proposital uma indignação teatral e cínica, como se o melhor senso de justiça reinasse nos gabinetes de corporações e nos estúdios de televisão.

    Se considerarmos esses três elementos complementares – o uso de clichês, a ausência de pensamento e a manipulação midiática – poderíamos lançar um olhar para uma das mais ilustrativas figuras do Golpe de 2016 e da Lava Jato: em uma postagem de rede social transcrita por Jessé em A elite do atraso, o jovem procurador Deltan Dallagnol afirma o seguinte, ao buscar justificar as Operações por ele comandadas:

    “O estamento aristocrático, na clássica avaliação de Raymundo Faoro, desenvolveu-se em um ‘estamento burocrático’, formado por autoridades públicas que são espécies de ‘seres superiores’ que não se subordinam à lei […]. Some-se, dentro desse contexto, que, analisando as características do brasileiro, o célebre Sérgio Buarque de Holanda, em seu consagrado ‘Raízes do Brasil’, definiu-o o ‘homem cordial’ […], criando o jeitinho brasileiro”viii.

    Fungos, lembremos, não apenas não possuem raízes, como também não são de fácil localização, podem estar por toda parte. E clichês podem eximir qualquer um de qualquer responsabilidade, bem como possibilitar a acusação e a condenação de pessoas e de grupos que se tornem politicamente indesejados. Podem jogar para “o todo” o que, na ausência dessa perigosa facilitação, seria delimitado e identificável. A estratégia do clichê também torna impossível a realização daquele ditado popular, comum no Brasil, de “cortar o mal pela raiz”. Em todo caso, ao menos o nome da maior Operação anticorrupção – dos tolos – estaria coerente com o que se propõe: “lavar”, mas não necessariamente “cortar” ou “extirpar”!

    Lava-se mal e porcamente a corrupção dos tolos, enquanto a corrupção real não é sequer atingida em seus profundos tentáculos – e, muito menos, “cortada”.

    A variedade de fungos não é exclusividade da microbiologia. Os dias transcorridos pós-Golpe de parasitas de 2016 tornam cristalina a certeza de que os fungos que atacaram a árvore da democracia foram e são os da corrupção real, suficientemente camuflada por seus promotores para não ser percebida pelos tolos espectadores de clichês. Ademais, o consumo cada vez mais voraz de clichês haverá de exibir seus resultados fecais nas eleições de 2018, pois é o maior cabo eleitoral de projetos protofascistas que dispensam a razoabilidade de pensamento e a ponderação.

    Poderiam estes elementos nos proporcionar alguma resposta para a definição que Veríssimo disse estar faltando? As feridas abertas em torno das quais a variedade de fungos se aloja e se reproduz são feridas antigas, jamais cicatrizadas, e que se renovam sob novos e criativos ataques diários.


    i VERÍSSIMO, L. F. Das metáforas. O Globo, 1. Set. 2016, grifos meus.

    ii Cf. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 486.

    iii HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Trad. Carlos Henrique Pissardo. São Paulo: Unesp, 2015, p. 37.

    iv SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: LeYa, 2017, p. 9.

    v Idem, p. 12-13.

    vi Idem, p. 226.

    vii SOUZA, J. A radiografia do golpe. São Paulo: LeYa, 2016, p. 36.

    viii DALLAGNOL, D. apud SOUZA, J. A elite do atraso, cit., p. 184.


    Publicado originalmente em Open Phylosophy.

  • “Nada sobre nós sem nós” ou pelo direito de representar nós mesmas

    Escrito por Maria Fernanda com Maurício Oliveira

    Desde o final do século XX se inscreveram na memória social outros sentidos possíveis para prostituição. Ressignificações trabalhistas, feministas e de luta coletiva dos trabalhadores organizados abalaram antigas certezas vitimistas e resgatistas por meio da enunciação das próprias pessoas que se prostituem, realizadas no singular ou no plural.

    Com uma longa trajetória de alianças que inclusive tutelavam suas ações políticas de mobilização coletiva a autonomia foi uma conquista trabalhosa e cativa. Passaram com bastante custo, embate e jeitinho a protagonizar sua própria história; a não mais figurar em uma narrativa construída e contada por outros grupos de pessoas, sem suas intervenções diretas e fundamentais.

    É um pouco isso que o lema “nada sobre nós sem nós” traz consigo. Referenciando os acúmulos do texto “Da integração à inclusão”, texto alusivo à luta coletiva de deficientes por direitos, publicado em site em Novembro de 2011, retomo:

    NADA quer dizer “Nenhum resultado”: lei, política pública, programa, serviço, projeto, campanha, financiamento, edificação, aparelho, equipamento, utensílio, sistema, estratégia, benefício etc. […]

    SOBRE NÓS,ou seja, “a respeito das pessoas com deficiência”. Estas pessoas são de qualquer etnia, raça, gênero, idade, nacionalidade, naturalidade etc., e a deficiência pode ser física, intelectual, visual, auditiva, psicossocial ou múltipla. Segue-se uma vírgula (com função de elipse, uma figura de linguagem que substitui uma locução verbal) que, neste caso, substitui a expressão “haverá de ser gerado”.

    SEM NÓS, ou seja, “sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Esta participação, individual ou coletiva, mediante qualquer meio de comunicação, deverá ocorrer em todas as etapas do processo de geração dos resultados acima referidos. As principais etapas são: a elaboração, o refinamento, o acabamento, a implementação, o monitoramento, a avaliação e o contínuo aperfeiçoamento (SASSAKI, 2011, grifos meus).

    Nesse recorte interseccionamos com outro movimento (o de deficientes intelectuais, físicos e sensoriais) que também luta contra a discriminação. Essa empreitada, como podemos notar com o trecho acima, não é específico da luta dos trabalhadores sexuais. Mas é nesse ensejo do movimento afirmativo de protagonismo que temos resumidamente uma síntese: nenhum resultado a respeito da luta das pessoas que são o foco do movimento organizado, sobre as quais efetivamente incidirão as políticas traçadas, haverá de ser gerado sem a plena participação dessas próprias pessoas. Não só gerado, acrescentamos, mas – parafraseando o último recorte – sem PARTICIPAÇÃO PLENA, que é elaborar, refinar, acabar, implementar, monitorar, avaliar continuamente aperfeiçoar.

    Nesse viés não me deixo levar pelo neoliberalismo parco que afirmaria, contra-argumentando então que qualquer pessoa que possa a vir assumir publicamente a condição de trabalhador sexual (seja qual for suas propostas e possíveis atuações governamentais) que não se comprometam publicamente com as demandas centrais do movimento internacional de trabalhadores dessa categoria. Ou seja, que não se opõem à criminalização e não se posicionam em prol da revogação de todas as leis e regulamentações punitivas relativas e relacionadas ao trabalho a fim de garantir que os governos defendam os direitos humanos dos profissionais do sexo.

    Afinal, com o acúmulo gerado nesses anos de construção e do qual aos poucos me filio, partimos do pressuposto de que enquanto o trabalho sexual for criminalizado – direta ou indiretamente através de leis e práticas de coerção seja dos profissionais do sexo, dos clientes ou ainda de terceiros haverá sempre um risco maior de violência (incluindo a policial), de detenções, de chantagens, de deportações e outras violações de direitos que precisam ser combatidas.
    Isto tem um peso significativo enorme quando retomamos toda a criminalização e marginalização empreendida por diversos setores da sociedade contra os sujeitos e suas práticas e, por extensão, ao trabalho sexual como um todo.

    Por isso, na véspera da eleição de 2018, destacaremos nessa blogagem coletiva da edição especial do Blogs de Ciência da Unicamp de Ciência e Política as candidaturas políticas de prostitutas no Brasil. Destacando as atuais e retomando algumas das anteriores, convidamos a todos conhecer um pouco mais de perto as propostas de cada representante.

    1. Cida Vieira , em 2004, 14 anos atrás, já disputava o cargo de vereadora de Belo Horizonte. Com uma trajetória de campanha mais longa que de suas companheiras, concorreu mais quatro vezes também para deputada estadual e deputada federal, todas por Minas Gerais: 2006, 2008, 2014 e 2018. Se filiou inicialmente ao Partido Trabalhista Nacional e hoje faz parte do Partido Comunista do Brasil. Esse ano novamente se empenha em gritar por você
    2. Célia Gomes, por sua vez, marinheira de primeira viagem, concorre neste ano a deputada estadual pelo Partido de Trabalhista Cristão e representa o estado do Piauí.

    3. Se lançando neste mar bravo, nem sempre piedoso, Ana Santos pelo Partido de Mobilização Nacional concorre também a deputada estadual mas por Amazonas.

    Essas integrantes e protagonistas do movimento, no entanto não foram as primeiras a se lançarem na carreira política se juntando a outras companheiras que também ousaram traçar esse caminho espinhoso que nem sempre nos admite sequer na arquibancada.

    E foi assim que, como sempre vanguarda, uma das personalidades mais consolidadas na defesa do direito dos profissionais do sexo:

    • há 16 anos Lourdes Barreto já se lançava como candidata a deputada estadual concorrendo em 2002 pelo Partido dos Trabalhadores.
    • Posteriormente Gabriela Leite, também fundadora do movimento, concorreu a deputada federal pelo Partido Verde nas eleições de 2010, há oito anos.

    2016, ineditamente, foi o ano de representações travestis e transgêneras:

    • Indianara Siqueira em 2016 concorreu ao cargo de vereadora do Rio de Janeiro em 2016 pelo Partido Socialismo e Liberdade e
    • Amara Moira que concorre para o mesmo cargo, mas na cidade de Campinas.

    Para finalizar, destaco ainda o inestimável valor dessas parcerias na estrutura do movimento sólido que temos hoje. Jovem, robusto e sólido. E, ao mesmo tempo, realçar que por mais aderência que os apoiadores aliados possam ter ao discurso dos grupos de trabalhadores sexuais organizados, ainda não estarão na mesma posição que uma prostituta, um michê, uma travesti profissional do sexo. Até porque, mesmo que a nível verbal haja semelhanças, pontos de convergência e sintonia, o lugar não só social como também de fala é outro. A posição social é outra. Inclusive, a relação de forças entre essas duas posições são de sustentação, apoio, e não de equivalência.

    Neste outro momento, bastante diferente dos fundadores, do final dos anos 1980 e das décadas que se seguiram (1990, 2000 e 2010) corro o risco de dizer (parafraseando a noção de porta-voz de Pêcheux (1990)) que conseguimos a duras penas constituir um nós discursivo que passe a sustentar enunciações e demandas políticas em nome próprio, sem a necessidade de um técnico apoiador no papel de mediador discursivo.

    Digo isto porque costurando a chamada “função social” da ciência atualmente, que sofre tantos ataques via cortes orçamentários e desqualificação enquanto produtor de conhecimentos, viemos tecer conexões levando ao nosso público leitor mais informações sobre nosso papel na sociedade encadeando com reflexões teóricas que fundamentam essa parceria de extensão universitária com as três redes de articulação do movimento nacional de profissionais do sexo.

    E é por isso que reforço que essa posição de porta-voz, conceituada por Pêcheux em 1990, noção de caráter contraditório e paradoxal, é extremamente privilegiada para ser ocupada apenas por colegas que simpatizam com nossas pautas. Essa posição, a de representação política no governo, é tão valiosa que, nas palavras deste autor com o qual eu tanto me identifico, permite não só a narração do presente que vivemos como também delineia os contornos do futuro que estamos hoje construindo.

    Quando aqui falo desse movimento duplo que representantes legítimos podem ocupar falo da possibilidade de narrar acontecimentos quanto de propor ações. Em outras palavras, retomo as duas posições visíveis na qual se desdobra o porta-voz: uma de ator, “aquele que se expõe ao olhar do poder que ele afronta”; outra a de agente que resiste e fala “em nome daqueles que ele representa, sob o seu olhar” (p.17).

    Esse porta-voz se trata de uma figura discursiva que, em termos de como funciona na prática, em suas palavras, circula entre as posições de profeta, de dirigente e de homem de Estado. Se constitui como o agente de contradições e deslocamentos, porque atua entre o mundo existente e a possibilidade de um outro mundo. É o corpo (tão desejado) talvez impulsionado pela semente da resistência que perturba o campo do político, que pode vir a promover mudanças, rupturas – ou, em tempos sombrios e temerosos, estagnações, retrocessos.

    Além disso, em acúmulos consolidados no grupo de pesquisa que faço parte (o Mulheres em Discurso) consideramos que iniciativas como essas na qual sujeitos que não pertencem ao grupo do qual falam em nome de, recusando-se a ceder o protagonismo a quem efetivamente o detém, funcionam mais de modo a interceder por do que lutar com. Em outras palavras, operam o silenciamento condicional quando há a elaboração e enunciação de demandas coletivas através de mecanismos nos quais se é falado por (INDURSKY, 2000) a partir do discurso sobre (ORLANDI, 1990). Ou seja, algo que, por mais que estejam “na melhor das intenções” pode vir a ser extremamente nocivo para os acúmulos gerados pelo movimento nacional de prostitutas.

    Como pudemos acompanhar, segurando o boi pelo chifre e batendo o pé no chão, as protagonistas desde a virada do século mais do que nunca na história deste país tiveram condições de não depender de mediadores facilitadores. Mas de representantes, de sujeitos legitimados pelo movimento que falam por e em nome de uma coletividade da qual pertencem.

    Rumo à Câmara dos Vereadores e ao Congresso Nacional:
    TODO PODER ÀS PUTAS

    ***

    Agradeço ainda a todas as lideranças das três redes do movimento brasileiro de prostitutas na revisão e escrita conjunta desse texto: Rede Brasileira de Prostitutas, Central Única de Trabalhadoras Sexuais e Articulação Nacional de Profissionais do Sexo. Meus agradecimentos mais carinhosos se estendem a Vânia Rezende (Pernambuco), Cida Vieira (Minas Gerais), Célia Gomes (Piauí), Indianara Siqueira (Rio de Janeiro), Ana Santos (Amazonas) e Diana Soares (Rio Grande do Norte).

    Referências Bibliográficas

    • BEIJO DA RUA. Rio de Janeiro: Coletivo Davida. Ano 28, número 2, Dezembro de 2017.
    • DIVULGACANDCONTAS – Detalhes de Candidaturas brasileiras atuais e anteriores. Disponível em <http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#>. Acessado em 17 de Setembro de 2018.
    • DZIUBAN, Agata; STEVENSON Luca et all. Nothing About Us Without Us!: Ten Years of Sex Workers’ Rights Activism and Advocacy in Europe. Amsterdam: International Comittee on the Rights of Sex Workers in Europe. Dezembro de 2015.
    • INDURSKY, Freda. A função enunciativa do porta-voz do discurso sobre o MST. Rio de Janeiro, Alea, v.2, p.17-26, Do Programa de Pós Graduação em Letras Neolatinas, UFRJ, set. 2000.
    • ORLANDI, Eni. Terra à vista. Discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. Campinas: Ed, Unicamp, 2a ed., (1990), 2008.
    • ORLANDI, Eni. Silêncio e Implícito (produzindo a monofonia). In: GUIMARÃES, E (org). História e sentido na linguagem, incluindo o texto de Michel Bréal. Campinas, 2ª edição aumentada, Editora RG, 2008. p.39-46
    • PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões e deslocamentos. Tradução de José Horta Nunes. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v.19, p.7-24, 1990.
    • SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós: da integração à inclusão. Disponível em <https://www.researchgate.net/publication/289245278/download>, publicado em 22 de Junho de 2018 e acessado em 17 de Setembro de 2018.
    • SKACKAUSKAS, Andreia. Prostituição, gênero e direitos: noções e tensões nas relações entre prostitutas e Pastoral da Mulher Marginalizada. 2014. 313 p.

    Publicado originalmente em: #Linguística.

  • Editorial 2018 – Open Philosophy

    “No século IV a.C., a República de Platão oferecia a primeira utopia sócio-política – uma especulação sobre o melhor modo de organizar a vida (particular e) pública que haveria de se tornar objeto de interpretação e crítica constante no resto da história ocidental.

    Entre as teses mais controversas, há uma de especial interesse: grande conhecedor da psicologia humana, Platão sugere no Livro V de República uma estratégia para evitar os desvios produzidos pela ambição, à qual se inclina naturalmente todo sujeito (e em especial os detentores do poder), pode ser encontrado na abolição da propriedade privada, em especial para a classe governante, tornando comuns não apenas os bens materiais mas também os filhos e todos os laços sanguíneos, de modo que todos concebam o mesmo como “próprio” e o interesse particular não danificasse o comunitário, o bem comum à maioria.

    Anos depois o discípulo de Platão, Aristóteles, reagia à especulação do mestre e à ideia da comunidade de bens e família. Na Política, Aristóteles defende que a pretensão platônica é não apenas impossível mas, ainda que realizável, absolutamente indesejável. A propriedade privada – anota Aristóteles, outro grande conhecedor da vida subjetiva – constitui uma das maiores fontes de motivação e prazer humano, e a sua abolição resultaria justamente no efeito contrário do pretendido: ser de todos não equivale, diz Aristóteles, a ser de cada um mas, paradoxalmente, a ser de ninguém. Com o qual o que é comum seria igualmente negligenciado por todos.

    Há aqui uma clara polarização das perspectivas e um exemplo clássico de bom debate político. Tanto a polarização quanto o debate tiveram início há mais de dois milênios, e são ainda arena de agitada disputa na época contemporânea”

    Há aqui uma clara polarização das perspectivas e um exemplo clássico de bom debate político. Tanto a polarização quanto o debate tiveram início há mais de dois milênios, e são ainda arena de agitada disputa na época contemporânea.

    “Hoje, aliás, o debate político é especialmente imprescindível.

    Que significa hoje ser de esquerda? que de direita?

    É ainda pertinente esta nomenclatura? Se sim: qual a sua utilidade?

    Qual a ideia de “progresso” defendida por cada uma das vertentes?

    Qual é o discurso hegemônico de cada uma no que toca à justiça, e à justiça social principalmente?

    Existe uma dogmática própria da esquerda e da direita no que toca à educação e à ciência?

    Quais as propostas dos presidenciáveis no contexto eleitoral do Brasil atual?

     

    Open Philosophy – https://www.blogs.unicamp.br/openphilosophy/

    Conheça mais sobre o Blog https://www.blogs.unicamp.br/openphilosophy/sobre/

  • Ciência também é política e economia

    Texto por Victor Augusto Ferraz Young

    Nestes dias que antecedem às eleições presidenciais de 2018, nos deparamos com os recentes cortes orçamentários por parte do governo federal no que se refere à promoção e ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil.

    A redução neste e em outros gastos tem como base o fato de que o Estado deve garantir que parte daquilo que arrecada seja direcionado para o pagamento de suas dívidas depois de abatidas as despesas – grosso modo. Que o Estado deva cumprir com seus compromissos, isso não é objeto de discussão, ele deve pagá-los. Os termos da dívida contratada e sua rolagem, a qualidade do gasto realizado e a forma como se obtém a receita são, porém, objeto de acalorado debate, principalmente entre economistas. Ou seja, há espaço para várias formas de se abordar essa questão. Mencionamos o pleito presidencial, pois a forma de se gerir o gasto, a arrecadação e o endividamento é, em grande medida, uma opção política. Não fosse assim, este tema não estaria em todos os programas de governo de cada candidato e não seria um assunto tão debatido como o é nesse momento de escolha do futuro governante.

    Não pretendemos agora abordar toda a discussão sobre a gestão de recursos do Estado, faremos isso ao longo dos próximos meses, assim que o futuro blog de economia estiver pronto. Pretendemos, todavia, salientar nosso ponto de vista quanto à questão do suporte governamental para o desenvolvimento e para a produção de ciência e de tecnologia.

    Os recentes cortes orçamentários nestes itens do governo obedecem, em grande medida, a uma agenda que estabelece que um governo deve gastar não muito mais do que arrecada, realizando e rolando dívidas em meio a reiterados cortes sobre aquilo que não faria parte de suas funções. O mantra desta ideologia é o de que o Estado não deve auxiliar o desenvolvimento da economia local. Ou seja, a melhor ajuda é deixá-la sem auxílio para enfrentar corporações gigantescas em um mercado aberto e globalizado. Caberia ao empresário brasileiro arcar com o custo, o risco e o prazo para a maturação de um investimento em inovação. Isso sem considerarmos aqui um conjunto prévio de produtos avançados e conhecimentos técnicos necessários para a produção de algo novo e rentável. Dada esta ordem de coisas, não é difícil escutar entre candidatos que, neste cenário, do nada, o investidor estrangeiro viria ao Brasil trazer e desenvolver tecnologias de ponta. Ele virá, se houver um mercado aberto e com moeda estável para a retirada de seus lucros, mas a questão da transferência de tecnologias de fronteira me parece remota, quando não improvável.

    Por último, é muito importante enfatizar que historicamente não houve país que se tornasse altamente desenvolvido sem a interferência do Estado. Este apoiou o capital nacional, o progresso da ciência e, como resultado, promoveu a criação de empregos de alto nível para seus habitantes. Também não há nação nessa estatura que tenha seguido, nos momentos cruciais de seu desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, uma agenda como esta que descrevemos acima e que está sendo proposta nestas eleições. A chamada proposta “liberal”, eufemismo que substitui o termo neoliberal, não tem como conduzir o país para o mundo dos países desenvolvidos, pois sem o apoio do Estado, não há como desenvolver um dos elementos imprescindíveis e fundamentais para se chegar lá: a criação de tecnologias e inovações com base no conhecimento científico.

    Texto por Victor Augusto Ferraz Young – Doutorando em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP e Colaborador do Blogs de Ciência da Unicamp.

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