Categoria: ESPECIAL COVID-19

  • Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Recentemente temos ouvido falar muito sobre todas as pesquisas que têm sido realizadas para se descobrir uma vacina contra a Covid-19: Inglaterra, China, Rússia, todos estão correndo para ser o primeiro país a ter uma vacina aprovada para uso humano e que seja realmente eficiente em gerar uma imunidade em nós. Mas como que realmente funciona uma vacina e porque – em geral – demora-se tanto para desenvolver uma?

    Imunidade ativa e passiva

    Antes de falarmos sobre vacina, precisamos ter dois conceitos muito bem claros em nossa cabeça: Imunidade Ativa e Passiva. A Imunidade Ativa é aquela em que o nosso próprio corpo desenvolve a resposta imune contra o patógeno, um processo demorado, mas que nos garante uma proteção que pode durar décadas, a chamada memória imunológica (explicada no texto sobre anticorpos). Já a Imunidade Passiva, ocorre quando adquirimos anticorpos já prontos a partir de um outro organismo que os produziu. Esse processo garante uma imunidade rápida e eficiente, porém ela é temporária. A Imunização Passiva acontece, por exemplo, quando a mãe está amamentando o filho ou quando utilizamos de soros antiofídicos e antiaracnídicos, após picadas de cobras e aranhas.

    O processo de imunidade ativa pode ser desencadeado tanto de forma natural quanto de forma artificial. O primeiro acontece quando entramos em contato com o patógeno no próprio ambiente, como quando pegamos uma gripe. Já o segundo processo acontece quando somos expostos de forma intencional ao patógeno – que muitas vezes está enfraquecido ou destruído – ou a partes dele, como ocorre no processo de vacinação. 

    Histórico da vacina e o que é vacina

    O conceito de vacina foi descoberto no século XVIII por Edward Jenner, considerado o pai da imunologia, que observou que fazendeiros que contraiam a varíola da vaca, ficavam protegidos contra a varíola humana. A partir dessas observações, Jenner infectou pessoas com a varíola da vaca e após algum tempo, infectou essas mesmas pessoas com a varíola humana, observando que estas não ficavam doentes como as pessoas que não eram infectadas pela varíola da vaca anteriormente. Com isso, ele comprovou sua hipótese e criou a primeira vacina. Décadas mais tarde, no ano de 1980, a OMS declarou oficialmente a erradicação da varíola no mundo 1.

    Mas afinal, o que é a vacina?

    Vacinas nada mais são do que os patógenos – causadores de doenças que conhecemos – enfraquecidos, mortos ou fragmentos deles, que são injetados nos organismos para simular uma infecção natural (no processo dito acima de Imunização Ativa Artificial). Foi a partir desse processo que muitas doenças desapareceram de vários países, como a varíola, poliomielite, tuberculose e outras. Mas também é por causa da negligência e do crescente movimento Anti-vax que muitas doenças estão voltando a circular em países que anteriormente não a tinham mais, como é o caso do sarampo aqui nas Américas. 

    Leva-se anos para desenvolver uma vacina (a média de tempo é de 10 anos 2), e durante todos esses anos ela é testadas de inúmeras formas para ser segura para podermos tomarmos. Muito se fala sobre febre e a dor local após tomar uma vacina, mas isso nada mais é do que uma reação do corpo comum para qualquer infecção. A febre é até uma forma do nosso sistema imune combater alguns patógenos e, desde que não seja alta, está tudo bem.

    A única contra-indicação de vacinas são para pessoas alérgicas à algum componente dela. Contudo, essas pessoas são minorias na população e para elas estarem seguras contra o patógeno todos a sua volta precisam estar vacinados. Neste ponto é importante lembrar que a vacina é um pacto social. Isto é, quando a maioria da população toma a vacina, protege também quem não pode tomar, pois diminui a circulação dos vírus patógenos. Assim, todos nós precisamos nos vacinar para gerar a chamada Imunidade de Rebanho.

    Tipos de Vacina

    Mas voltando às vacinas propriamente ditas, não existe somente um tipo delas, mas sim vários. Aqui vamos explicar somente os principais 3, 4:

    – Vacinas de Patógenos Vivos:

    calma, não entremos em pânico por causa do nome! Apesar desse tipo de vacina ter sim o patógeno causador da doença vivo ele está sempre atenuado, ou em outras palavras, enfraquecido. Nesse tipo de vacina, o patógeno (seja um vírus, bactéria ou outro microorganismo), passa por um processo que compromete sua habilidade de causar a doença em nós, apesar dele ainda conseguir infectar nossas células. Em casos de vírus, muitas vezes o vírus que infecta humanos é cultivado em células de macacos ou outros animais por várias gerações, até que ele adquira mutações que fazem com que ele infecte muito bem células de macaco, ao mesmo tempo que perde a capacidade de infectar muito bem as nossas células, e então ele está atenuado.

    Normalmente, esse tipo de vacina é o melhor, pois em geral é necessário somente uma dose, a resposta e memória imunológica é de longa duração, gerando uma resposta imune celular e humoral (também comentada no texto de anticorpos). Contudo, há uma pequena chance de reversão do vírus, em que ele readquire a capacidade de infectar nossas células com força total e causar a doença que estamos tentando prevenir. É por esse fato que tal vacina é tão difícil de produzir, pois os pesquisadores muitas vezes não conseguem diminuir esse risco e o projeto da vacina não segue em frente.

    – Vacinas de Patógenos Inativado (morto)

    como o próprio nome diz, esse tipo de vacina nos dá o patógeno inteiro também, mas ele está morto. E com isso já temos uma vantagem logo de cara: não há o risco de reversão, como nos casos de patógenos atenuados. Contudo, também há alguns problemas. Pelo patógeno estar morto, ele não consegue se replicar dentro de nossas células, o que prejudica a formação de uma resposta imune celular. Assim, o tipo de resposta imune que vamos desenvolver é principalmente do tipo Humoral (focando nos anticorpos). Além disso, esse tipo de vacina, em geral, requer diversas doses de reforço e muitas vezes o uso de Adjuvantes: substâncias capazes de aumentar a eficiência da resposta imune contra o patógeno que estamos injetando junto.

    – Vacinas de Subunidades:

    Graças a biotecnologia que temos hoje em dia, caso um patógeno seja muito perigoso e não possamos usar ele inteiro, podemos trabalhar com partes dele, como com alguma proteína dele ou outro fragmento. Dessa forma nós tiramos todo o risco de patogenicidade da vacina, além de ser facilmente produzido em larga escala. Contudo, novamente temos problemas: o uso de adjuvantes, o maior número de doses de reforço e somente a resposta imune humoral participando. Além disso, ainda há um segundo fator problemático: algumas pessoas podem não responder a esse fragmento que está sendo utilizado na vacina. 

    O caso mais emblemático é o da vacina de Hepatite B. É relativamente comum encontrarmos pessoas que tomaram diversas doses da vacina para Hepatite B e constaram como “não-reagentes”, isto é, não desenvolveram anticorpos contra o vírus. Por questões genéticas da própria pessoa, mesmo que ela tome 1000 doses dessa vacina, ela jamais vai responder a esse fragmento. Isso quer dizer que ela é mais suscetível ao vírus da Hepatite B do que eu (que hipoteticamente sou reagente) e vai morrer caso contraia a doença? Não, de forma alguma! Isso só quer dizer que para esse pedaço específico do vírus, usado para fazer a vacina, ela não é capaz de responder, contudo, caso ela entre em contato com o vírus inteiro, ela responderá normalmente à ele, como qualquer outra pessoa.

    Vacinas contra Covid-19

    Atualmente as duas principais concorrentes para ser a primeira vacina contra Covid-19 são as vacinas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e a vacina da Sinovac Biotech, uma empresa chinesa com base em Pequim. Enquanto a vacina da Sinovac Biotech se baseia no modelo de vacina com o vírus morto 4, 5, a vacina da universidade de Oxford, se baseia em um novo modelo nunca utilizado antes em vacinas, em que se usa um vetor viral 4, 6, 7. Mas o que é isso? Um vetor viral nada é do que um vírus, criado geneticamente para carregar e produzir o material genético de outro organismo. No caso da vacina, esse vírus “caminhão” é responsável por causar um resfriado em macacos, mas foi inativado e engenhado geneticamente para ter as informações e ser capaz de produzir a proteína Spike, a principal proteína do SARS-CoV-2. 

    Atualmente, ambas as vacinas já estão na fase 3 de testes onde milhares de seres humanos estão sendo testados com elas para se descobrir se a resposta imune que elas causam em nós é realmente protetora. Até agora, as informações que temos é que ambas as vacinas não são perigosas para nós e conseguem desenvolver anticorpos, mas a dúvida que fica é: será que essa proteção é realmente eficiente em nos proteger? E principalmente: quanto tempo essa proteção durará?

    Para saber mais

    1. Organização Panamericana de Saúde (2020) Erradicação da varíola: um legado de esperança para COVID-19 e outras doenças 
    2. Pronker, ES, Weenen, T. C, Commandeur, H, Claassen, EH, & Osterhaus, AD (2013) Risk in vaccine research and development quantified. PloS one, 8(3), e57755. 
    3. Rauch, S, Jasny, E, Schmidt, KE, & Petsch, B (2018) New vaccine technologies to combat outbreak situations. Frontiers in immunology, 9, 1963.
    4. Callaway, E (2020a) The race for coronavirus vaccines: a graphical guide; Nature, 28 April.
    5. Gao, Q, Bao, L, Mao, H, Wang, L, Xu, K, Yang, M,& Gao, H (2020) Development of an inactivated vaccine candidate for SARS-CoV-2; Science.
    6. van Doremalen, N, Lambe, T, Spencer, A, Belij-Rammerstorfer, S, Purushotham, J N, Port, J. R, & Feldmann, F (2020) ChAdOx1 nCoV-19 vaccination prevents SARS-CoV-2 pneumonia in rhesus macaques. bioRxiv. 
    7. Mullard, Asher (2020) COVID-19 vaccines start moving into advanced trials. Nature

    Outras Leituras:

    Outros textos sobre Vacinas no Especial

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    MODERNizAndo a vacina contra a COVID-19

    Vacina COVID-19 – Por que demora?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Teste com saliva pode ser alternativa mais rápida e simples para Covid-19

    Por João Pedro Broday

    Em agosto, o Brasil já acumula mais de 3 milhões de casos confirmados de Covid-19, sendo a grande maioria na região Sudeste. Todavia, persiste a alta subnotificação, visto que a testagem em massa não está sendo feita como recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Nesse cenário, um estudo realizado por Andrés Melián-Rivas e colegas, publicado na revista científica International Journal of Odontostomatology, demonstra a viabilidade da saliva como base biológica para a análise do paciente. Além da coleta de saliva ser mais simples e indolor, propicia agilidade na testagem. 

    “A saliva desempenha um papel fundamental na transmissão do Covid-19 na população. De fato, estudos atuais têm demonstrado que a saliva pode ser uma alternativa não invasiva validada para diagnosticar e monitorar a carga viral de SARS-CoV-2, fornecendo uma plataforma econômica e conveniente”, afirmam os autores ligados à Universidade do Chile e ao Hospital San Juan de Dios.

    A viabilidade deste tipo de amostragem já foi estudada em Hong Kong, onde foi possível encontrar marcadores da doença em 11 de 12 pacientes que tiveram saliva coleta e depois analisada via RT-PCR.

    Testagem atual provoca desconforto

    O novo coronavírus pode ser transmitido através de gotículas de saliva que são expelidas pelo trato respiratório, por isso os testes de detecção incluem coleta de amostra na garganta e nariz.

    Assim, os métodos atuais de detecção do vírus causadora da Covid-19 são baseados na análise molecular via RT-PCR de amostras coletadas via cotonetes nasofaríngeos ou orofaríngeos do trato respiratório. Mas este método tem desvantagens. “Apesar de eficazes, são métodos dolorosos e desconfortáveis para o paciente, podem causar complicações durante a amostragem, como hematomas, erosão mucosa e sangramento”, ponderam os pesquisadores.

    O método de análise RT-PCR usaria a saliva como fonte biológica
    para detecção da Covid-19. Crédito:Flickr 

    Em muitos casos, mais de uma amostra é necessária para a conclusão efetiva de um teste. Isso significa mais de uma coleta de amostra biológica, tornando o uso dos cotonetes nasofaríngeos algo doloroso e de risco de contaminação para os profissionais da saúde, visto a proximidade com um paciente potencialmente infectado. Por outro lado, a saliva pode ser obtida de maneira rápida e indolor.

    De acordo com os pesquisadores, “as amostras de saliva podem ser facilmente fornecidas pedindo aos pacientes que cuspam em uma garrafa estéril; na verdade, existem muitos dispositivos de coleta de saliva disponíveis no mercado para coleta segura e estéril sem comprometer a qualidade e quantidade”. Essa facilidade diminuiria os riscos de contaminação, bem como aceleraria a coleta, que poderia ser feita fora de grandes centros de testagem, aumentando a testagem e evitando a subnotificação da doença. 

    Leia artigo em acesso aberto:

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Ciência em Revista

    Outros textos no Especial

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. O artigo foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Lições da pandemia: avante à bicicleta

    Texto escrito por Tássia Biazon

    Foto: arquivo pessoal da autora

    Um vírus mostrou que mudanças de hábitos podem acontecer rapidamente. Além do uso de máscaras ou do álcool em gel, se você reparar bem vai perceber que o uso de bicicletas aumentou. Basta olhar nas redes sociais a quantidade de pessoas posando em suas bikes. Seja porque as academias ficaram fechadas, os transportes públicos se tornaram lugares inviáveis ou a preocupação com uma vida mais saudável aumentou!

    Ontem foi o dia em que a terra completou mais um Overshoot Day, momento em que a humanidade usou todos os recursos biológicos que a Terra pode regenerar durante um ano. Ou seja, a partir de hoje e até o último dia de 2020, estamos usando esses recursos no cheque especial. E para ajudar a diminuir esse impacto, vamos fazer das pedaladas um hábito de fato?

    Sobre a bicicleta

    A bicicleta surgiu como um meio de transporte há mais de 200 anos. O veículo de duas rodas pioneiro, que foi criado em 1817 pelo alemão Karl von Drais, era de madeira, funcionava com o impulso dos pés e pesava uns bons quilos. Mas apenas na década de 1970 houve um boom no uso das bicicletas, que não durou muito porque os automóveis ganharam vez! Todavia, em 2020 temos a oportunidade de estabelecer um maior uso das bikes para o bem de todos e do todo – uma vez que os automóveis estão entre os principais emissores de gases do efeito estufa na Terra!

    Em alguns lugares, a bicicleta é parte integrante da vida cotidiana há um bom tempo, como é o caso da Holanda, que é famosa por ter mais bicicletas do que pessoas. Por lá, se locomover em duas rodas é tão comum que não significa ser pobre, rico, atleta ou estiloso, pelo contrário. Mostra-se algo tão natural de ser feito diariamente quanto escovar os dentes. Outro exemplo de relação harmoniosa com as bicicletas, antes da pandemia do coronavírus, é em Copenhague, capital da Dinamarca, que há anos investe no setor, estimulando a circulação de mais bicicletas do que carros em suas ruas!

    Como cita a reportagem do Fórum Econômico Mundial, há muitos motivos para incentivar as duas rodas em todos os lugares. O ciclismo contempla quase todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU estipulados em 2015. Além disso, contribui para uma maior qualidade de vida, melhora a saúde mental e física, promove um ambiente mais saudável. Por fim, gera uma economia verde e de baixo carbono, reduz o congestionamento, a poluição do ar e as emissões de CO2. Então, devemos caminhar (ou pedalar) para que todos usem bicicletas?

    Por que não?

    Mas para isso será necessário muito mais do que a vontade de pedalar no final de semana, os desafios são diversos.

    Por exemplo, as ciclovias não devem ser estabelecidas apenas em áreas nobres e centrais; o investimento em infraestruturas permanentes para o uso das bicicletas como em Milão, com expansão e conexão de redes de bicicletas existentes; a educação para que todos os tipos de veículos e pedestres saibam melhor transitar por qualquer via (conforme aponta Infosiga, só no Estado de Paulo houve 143 mil acidentes de trânsito em 2019); o incentivo para ações como a World Bicycle Relief, organização sem fins lucrativos que leva bicicletas para quem precisa; a World Cycling Alliance, que tem como uma das prioridades compartilhar as melhores práticas, pesquisas e estatísticas para melhorar o uso de bicicletas em todo o mundo; e a People For Bikes que mostra o quanto o ciclismo pode prosperar!

    A bicicleta é uma solução de mobilidade humana muito econômica, simples e sustentável. Ela não é algo utópico. Talvez, o veículo do futuro foi inventado há muito tempo.

    Que esse movimento de expandir pedaladas se transforme em uma mudança cultural de fato, uma das maneiras de respeitar o planeta, que está trabalhando no vermelho e que clama por ações mais sustentáveis.

    Para saber mais

    Global Footprint Network (2020) Today is Earth Overshoot Day

    Nações Unidas Brasil (2015) Momento de ação global para as pessoas e o planeta

    A autora

    Tássia Oliveira Biazon é  graduada em Ciências Biológicas (Licenciatura/2013 e Bacharelado/2014) pelo Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Botucatu) e graduada em Biologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC-Portugal) em 2012; Pós-graduada (Lato Sensu) em Jornalismo Científico no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2016; Atualmente é colaboradora do Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Enem 2020 e o adiamento devido à pandemia


    A decisão do governo foi manter o Enem 2020

    Tempo de leitura: 3 min

    Nota (08/07/2020): foi decidido pelo adiamento da prova, as provas escritas serão nos dias 17 e 24 de janeiro.

    Pelos estudantes, as provas impressas seriam realizadas nos dias 2 e 9 de maio de 2021 e digital nos dias 16 e 23 de maio de 2021. Sendo realizada em maio, o primeiro semestre seria perdido.”

    Com a pandemia, muitos alunos não terão condições de estudar para o Enem. Crédito: Wilson Dias / Agência Brasil

    Em meio às incertezas do coronavírus, escolas e universidades tentam manter o cronograma do período letivo com o ensino à distância (EAD). Alunos e professores tiveram que se adaptar rapidamente ao ambiente virtual para conduzir as aulas, realizar apresentações e exames. Estando na era digital (ou era da informação), este cenário é visto como um futuro inevitável,  em que muitas tarefas serão realizadas virtualmente. Entretanto, a grande diferença sócio-econômica entre os estudantes e a realidade domiciliar são variáveis pouco consideradas no momento atual. 

    Será justo manter as metas para a Educação no Brasil em meio a uma pandemia, em que alunos já antes prejudicados pela desigualdade social e outras questões, hoje enfrentam barreiras ainda maiores? É isso o que pensa o ministro da Educação (nota 01/07/2020: agora ex-ministro), Abraham Weintraub, após anunciar que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 será mantido em  novembro [1]. 

    Expectativa x Realidade

    Além do desequilíbrio de oportunidades já oferecidas aos alunos de escolas públicas e particulares, outra questão preocupante é em relação às estudantes mulheres em particular. Infelizmente, não surpreende o fato de que as meninas são responsáveis por mais tarefas domésticas do que os meninos [2], o que prejudica ainda mais o desempenho exigido pelas escolas neste período.

    Também é preciso considerar todas as questões de minorias. Um estudo do IBGE de 2017 mostrou que cerca de ¼ da população brasileira ainda não tem acesso à internet, estando o seu uso concentrado na região sul. O norte e o nordeste do Brasil possuem ao menos 50% da população sem acesso à internet [3]:

    Esse mesmo estudo do IBGE aponta que, de todos os que possuem o acesso à internet, 98,7% utilizam o celular para esse fim. Tal percentual pode ser preocupante ao inseri-lo no contexto da educação à distância, visto que celulares não são o equipamento mais adequado para o aprendizado via ensino à distância. 

    Um estudo mais recente (2019), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, revelou que, apesar de ter crescido o número de pessoas com acesso à internet, a desigualdade ainda permanece alta. O levantamento demonstrou que, graças à popularização dos smartphones, 76% da classe C e 40% das classes D e E possuem acesso à internet. Entretanto, apenas 67% dos domicílios brasileiros estão conectados à rede e 97% das pessoas que utilizam a internet o fazem por meio de celulares. Quanto ao uso de computadores, 88% da classe A utilizam esse equipamento para acessar a internet, enquanto apenas 15% das classes D e E fazem o mesmo. [4]

    Ao ouvir alguns estudantes sobre o assunto da manutenção da prova do Enem, a deputada federal Tabata Amaral compartilhou o depoimento do aluno da rede pública de ensino, Gabriel Hanry, da Cidade de Acopiara, no Estado do Ceará. Com um telhado de pau-a-pique e canto de passarinhos ao fundo, Gabriel diz que recebe as aulas por WhatsApp e sente que será prejudicado na prova do Enem deste ano [5].

    Ouvir o depoimento do estudante no cenário em que ele se encontra e depois assistir à propaganda do governo para promover a manutenção do Enem, com falas de jovens atores conectados em múltiplos dispositivos digitais, atrás de uma mesa de estudo repleta de livros, materiais e conforto  [6], demonstra  que a expectativa está bem longe da realidade vivida por milhões de adolescentes brasileiros. 

    Está escrito na Constituição

    A democracia pressupõe a participação de todos. Não de alguns ou da maioria. Ao lado da democracia, há a república, cuja característica essencial pressupõe a igualdade. Daí decorre a justiça distributiva que exige o estabelecimento de critérios ao acesso igualitário ao que é público. Já a igualdade, segundo Aristóteles, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. 

    O Brasil é uma República Federativa e um Estado Democrático de Direito, de acordo com o artigo 1º da Constituição Federal. Um dos seus objetivos é a redução das desigualdades sociais e regionais, conforme o artigo 3º da Constituição Federal. Ou seja, está escrito e reconhecido que há desigualdades no Brasil. Assim, qualquer ação que uma autoridade toma dentro do governo deve necessariamente visar à preservação da democracia, assegurando a máxima participação popular e a preservação da república, garantindo o tratamento igualitário. 

    O artigo 205 da Constituição Federal prevê que a educação é direito de todos e dever do Estado. Em seguida, no artigo 206, a Constituição Federal diz que o ensino será ministrado com base na igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, com a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. No artigo 208, o texto constitucional disciplina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. 

    Com base na igualdade de condições, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) dispõe no artigo 44 que o acesso à graduação é aberto aos candidatos que tenham concluído o ensino médio e tenham sido classificados em processo seletivo. Ou seja, o critério estabelecido para o acesso ao ensino superior público foi a aprovação em processo seletivo. E o tratamento desigual, na medida de desigualdade, está previsto em outros critérios, como a nota do Enem que é utilizada justamente para tratar os candidatos desiguais, na medida de sua desigualdade, possibilitando uma pontuação mínima para se inscrever no Programa Universidade para Todos (ProUni). 

    Assim, ao se aplicar qualquer exame nacional, é preciso considerar se haverá a observação da participação de todos os interessados, em igualdade de condições. Se não houver, o ensino não será devidamente prestado, com violação de direito fundamental de cada estudante. 

    #AdiaEnem

    Atualmente está havendo  um movimento nas redes sociais com a hashtag #AdiaEnem, que tem como finalidade convencer o governo a rever as datas da aplicação da prova que está prevista para iniciar em 1 de novembro de 2020. Lembrando que este ano também existe  a possibilidade de realizar o Enem digital, que tem data de início para aplicação nos lugares estabelecidos no dia 22 de novembro de 2020. 

    As inscrições começaram dia 11 de maio e vão até 22 de maio, podendo ser feitas no site do Inep. Está rolando também um mutirão de inscrições para ajudar os alunos a realizarem a inscrição pela internet, basta preencher este formulário. Se vocês têm dúvidas, nos enviem uma mensagem que ficaremos muito felizes em ajudá-los. Recomendamos este livro didático digital gratuito para vocês estudar.

    Para finalizar, recomendamos o vídeo da estudante de história e youtuber Débora Aladim sobre os problemas com a realização do Enem este ano: https://youtu.be/eYmSSuaLtaQ 

    Fiquem ligados no blog, pois continuaremos trazendo as novidades sobre a aplicação da prova!

    #AdiaEnem #NenhumAlunoParaTrás

    Autoras: Paula Penedo Pontes de Carvalho, Gabriela Filipini Ferreira, Carolina Filipini Ferreira, Luisa Fernanda Rios Pinto

    Texto Original: https://www.blogs.unicamp.br/incentivandoelasnaciencia/?p=516

    Referências

    [1] https://oglobo.globo.com/sociedade/weintraub-defende-senadores-manutencao-de-provas-do-enem-em-novembro-1-24411467

    [2] https://oglobo.globo.com/economia/meninas-fazem-mais-tarefas-domesticas-tem-mesada-menor-que-meninos-22962910

    [3] https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html

    [4] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/08/29/O-perfil-dos-brasileiros-que-nunca-acessaram-a-internet?fbclid=IwAR1xqDPc1PWfscDuGri6OnoKa_6vOfXd58dgB1VLnZ5TMK77VvLzj7RojnM

    [5] https://www.facebook.com/tabataamaralSP/

    [6] https://www.youtube.com/watch?v=apufjiGlIY0[6] https://enem.inep.gov.br/


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A ameaça invisível assombra a economia

    Texto escrito por Jamile de Campos Coleti

    Com 86% da população do Estado de São Paulo na faixa amarela do Plano São Paulo de retomada das atividades comerciais. A abertura de shopping centers, a retomada parcial na oferta de alguns serviços como bares, restaurantes, salões de beleza, e academias dão, nos próximos dias, seu start inicial.

    Passados quase 5 meses da pandemia de Covid-19, havia uma certa ansiedade por parte da população por consumir grande parte desses serviços. Também pela maioria dos comerciantes e empresários em retomar suas vendas. Já que enfrentam uma crise econômica desde 2014, agravada ainda mais pela recente situação de isolamento forçado.

    De acordo com estimativas da fundação Getúlio Vargas, haverá um impacto negativo de cerca de 68% nas finanças da indústria. Além de 59% no setor de comércio e de 49% no setor de serviços. Esses serão os setores que mais serão afetados negativamente em suas finanças.

    O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê uma crise econômica global de grande proporção devido à pandemia. A recessão estimada pelo FMI, de 4,9% para o mundo, deve se confirmar. E, para o Brasil, o quadro é ainda mais alarmante, uma vez que estamos classificados na categoria de países em desenvolvimento. Ou seja, existe uma série de barreiras estruturais que ainda não foram superadas.

    As medidas de fechamento e isolamento social afetam toda a economia, mas principalmente o consumo. Quando estávamos na fase vermelha, apenas itens essenciais eram possíveis de serem comprados presencialmente. Além disso, as pessoas ainda ficavam receosas de receber em suas casas entregas delivery – mesmo que os empresários fizessem as adequações necessárias e entrassem de cabeça na era digital.

    Em um ambiente de extrema incerteza futura, como é o caso desta pandemia, o primeiro impacto sobre os agentes econômicos (famílias e empresas) é a retração na sua renda. A causa disso é o fato de que as próprias famílias ficaram mais cautelosas em relação ao consumo. Os empresários, por seu turno, interromperam os investimentos bruscamente. Uma indicação desse fenômeno é o aumento recente nas quantias depositadas em cadernetas de poupança, ou seja, o brasileiro está poupando e se preparando para o que há por vir.

    A questão da reabertura parcial do comércio

    Quanto ao plano de flexibilização e abertura parcial do comércio, temos, por um lado, lojas fechadas e com poucos clientes. Por outro lado, ruas lotadas com consumidores lutando pelo seu espaço – como observado no último sábado dia 7 de agosto, véspera do Dia dos Pais. Em relação à abertura do comércio, há algumas considerações que devem ser levadas em conta:

    • Muitas cidades que estavam na fase 4 regrediram para a fase 1 após medidas de flexibilização entrarem em vigor;
    • O índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF) atingiu o menor patamar desde o ano de 2010, segundo informações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo;
    • Há uma melhora identificada na qualidade dos serviços e atendimentos, uma vez que cada cliente que entra no estabelecimento comercial é extremamente importante para a geração de receitas;
    • A queda do nível de renda tem empurrado compradores para o comércio popular, gerando aglomerações em áreas que possuem essa característica;
    • Vendedores relatam medo em se deslocar para o trabalho, pois os meios de transporte coletivo apresentam grande possibilidade de contaminação. Muitos estão mudando as suas rotas e realizando mais baldeações para evitar linhas que possam estar congestionadas – isso normalmente aumenta o tempo de trânsito até o trabalho;
    • Existe também o acúmulo de funções dentro dos estabelecimentos, já que houve demissões e poucos funcionários ficaram para desempenhar a atividade de atendimento, venda, faturamento, estoque, etc.;

    Posto isso, o desafio é fazer com que parte importante do consumo seja retomada. Pois muitas famílias tiveram sua renda comprometida de alguma forma e as que foram menos afetadas estão bastante receosas em gastar.

    Para muitas pessoas, a ajuda oferecida pelo governo federal foi insuficiente, sendo obrigadas a buscar outras alternativas para sobreviver, afinal as despesas não cessaram. Empresários e comerciantes, por sua vez, tentam recuperar as vendas mesmo com a insegurança de estar exposto a uma grande circulação de pessoas que movimentam os centros comerciais e shoppings.

    Por fim, é importante ressaltar que o isolamento social, da maneira como foi praticado no país teve como resultado até o momento mais de 100.000 mortes. Além de um impacto psicológico sobre a população – seja pelo medo, seja pelo luto. Na economia, o isolamento afetou a renda de milhares de famílias e a sobrevivência de muitas empresas. Com este afrouxamento, o novo normal está por vir. Mas o problema da contaminação pelo Covid-19 não está ainda resolvido, nem com remédios nem com vacina. Para isso, é ainda necessário que toda a população tenha cuidado, tome medidas de segurança e tenha consciência sobre o uso correto de máscara. E sobretudo, se puder, que continue em casa.

    A autora

    Jamile de Campos Coleti é Administradora, Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/FRUTAL) e Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp.

    ** Texto publicado originalmente no blog Sobre economia


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    [Diálogos semi-imaginados, não aleatórios]
    https://giphy.com/gifs/du2gFIxNEM8n6e3Hrr
    Já pode lamber corrimão?

    A ciência na vida mundana

    A ciência virou notícia cotidiana – já não consta apenas em partes específicas dos noticiários e jornais, em programas televisivos que se passam nos primeiros horários da manhã durante o final de semana. Desde meados de março, quando o SARS-CoV-2 desembarcou de vez no Brasil, temos visto curvas epidemiológicas, debates sobre eficácia de medicamentos, aprendido sobre proteína Spike, sobre diagnóstico por PCR e sorológico. Temos lido sobre pulmão com aspecto de vidro fosco, compreendido sobre a relação de algumas comorbidades e a infecção pelo novo coronavírus, lido mais e mais sobre transmissão comunitária, imunidade cruzada, diferentes tipos de anticorpos, dentre outros temas.

    Também há todo um montante de informações que nos confunde, muitas vezes. Medicamentos como Cloroquina e Ivermectina – que já eram usados para outras doenças ou enfermidades, tornaram-se “drogas candidatas” e embora tenham sido descartadas, seguem sendo pauta no Brasil e no Mundo. 

    Semana passada a Ozonioterapia foi anunciada como tratamento em uma transmissão ao vivo, por um prefeito no Sul do país e pronto… Uma corrida por informações, memes, artigos publicados, declarações das sociedades relacionadas a isso.

    A Vacina Russa, esta semana também têm causado furor em redes sociais. E muitos se perguntam se tomariam mesmo sem ela ter apresentado os resultados das fases 1 e 2, afinal “é melhor que nada, né?”

    Um pouco é melhor que nada?

    É aí que reside um grande perigo… Percebam que não temos nenhum interesse em acordar todas as manhãs e ver que não há cura, tratamento ou vacina eficaz anunciada. Não é pessimismo olhar para como as etapas da vacina precisam de tempo para serem analisadas. Sagan, em 1996, comentou que vivemos em um mundo em que precisamos da ciência e seus produtos em cada detalhe da sociedade. No entanto, não sabemos como a ciência funciona – e isso é uma receita para o desastre, afirmou um dos maiores nomes da divulgação científica de todos os tempos.

    Pois bem, aqui temos uma série de questões fundamentais que precisamos entender (e talvez isso demore mais tempo do que a vacina, mas cá estamos aprendendo junto com vocês…). A ciência precisa de tempo. Ela é feita a partir de uma série de etapas, que expliquei na postagem que é a parte 1 deste texto. De maneira muito sucinta, o método científico é feito a partir das etapas desta imagem:

    Cada uma destas etapas é feita de maneira colaborativa, com diálogo, debates em grupos de pesquisa, aprovações em comitês de ética nacionais e/ou internacionais (que precisam ser avaliados quanto ao risco aos seres vivos envolvidos). Enquanto estas etapas acontecem, elas também vão gerando outras perguntas e hipóteses (não são etapas estanques e lineares), realizamos análises enquanto estamos realizando experimentos, apresentamos dados parciais em eventos e publicações, etc.

    Porque estou batendo nesta tecla com vocês?

    Ora! Para dizer que na ciência o método científico INTEIRO é permeado de diálogos, debates, conversas. Compartilhar resultados em periódicos ou congressos é uma parte de tudo isso – uma parte importante, pois não é apenas uma exposição, mas é uma avaliação pública do nosso trabalho. Todavia, é também parte de uma prática de expor conhecimento para que outros grupos de pesquisa, outros cientistas, consigam acessar isto e fazer novas perguntas, hipóteses, propor novos experimentos – aumentando ainda mais nosso conhecimento sobre um fenômeno.

    Isto leva tempo, demanda esforço, recursos financeiros, formação de cientistas ao longo de muito tempo, equipes inteiras que se debrucem sobre os problemas que aparecem no mundo. Não que cientistas sejam pessoas extraordinárias e mais inteligentes (o suprassumo de nossa espécie diriam algumas pessoas). Não é nada disso… É apenas demarcar que é uma atividade de médio e longo prazo – UM PROJETO DE UM PAÍS, para além de partidos e governantes.

    Dizer que terapias sem comprovação científica é melhor que nada não é dar esperança às pessoas: é tapar o sol com a peneira e dizer que qualquer coisa vale para a vida do outro. E isso inclui possíveis prejuízos (como a piora do quadro de saúde, o abandono das terapias paliativas, o falecimento sem assistência adequada, o contágio de familiares…)!

    Sobre terapias alternativas e seus resultados não publicados 

    (ou publicados para outras doenças que não aquela que estamos falando)

    Veja que nem é afirmar que não existem estudos vinculados a estas terapias e indicações de tratamentos que vou falar a partir de agora. Mas é sobre como resultados específicos não foram obtidos para esta doença.

    • “A ozonioterapia é usada há 100 anos já!”
    • “A ozonioterapia têm tido ótimos resultados em tratamentos cutâneos e outras enfermidades”
    • “A cloroquina é usada há décadas para Lupus e malária! Como assim é tóxica?”
    • “Os resultados in vitro deram positivo, qual o problema então se eu tomar?”
    • “A ivermectina não têm comprovação, nem contraindicação, deixa as pessoas tomarem ué!”
    • “Se a vacina russa sair, eu vou tomar, mesmo sem comprovação!”

    Estas são algumas das frases que vemos espalhadas nas redes sociais e expressam a opinião das pessoas. 

    Agora vamos lá…

    Para afirmar que a ozonioterapia é eficiente como tratamento, não basta o ozônio ser um bom composto químico que reage com o vírus fora do nosso corpo. Também não basta a ozonioterapia ser eficiente há 50-100 anos contra doenças diversas. Além disso, uma terapia eficiente contra uma doença não a torna automaticamente eficiente contra qualquer outra.

    Tratamentos para doenças muitas vezes necessitam de reagentes específicos (isto é: que quimicamente tenham ação contra o agente patógeno – vírus, bactérias, vermes, fungos…).

    Em suma, para ozônio ou qualquer componente experimental, componentes químicos reagem de modo diferente dentro e fora do nosso corpo. Além disso, os componentes reagem de maneiras diferentes dependendo de como entram em nosso corpo (com introdução anal, intramuscular, intravenosa, pelo trato digestivo).

    Ah, sim: o mesmo vale para a cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outras drogas candidatas (que já foram descartadas…). Ou seja: drogas candidatas e terapias em fase de pesquisa estão ainda cumprindo a sequência do método científico – não podem nem ser chamadas de tratamento. Assim, estes medicamentos em fase de pesquisa não poderiam ser administradas para as pessoas como tratamento sem que as pessoas fossem informadas sobre isso e consentissem formalmente!

    E a vacina russa?

    Sem transparência, não há segurança! Sem transparência no processo todo, não sabemos se houve ética no desenvolvimento desta vacina! E é por debatermos cada etapa da ciência que temos avançado não apenas em resultados mais precisos contra doenças, mas temos buscado meios de fazer isto de modos cada vez mais seguros, levando-se em conta questões étnicas, de gênero, de faixa etária, de classe social. Ou seja, levando-se em conta a diversidade humana em todos os seus aspectos – e isso é uma luta antiga e importantíssima dentro do meio científico. Que foi (e têm sido – pois ainda temos muito o que conquistar na igualdade e equidade das populações) pauta do que é ciência, como a fazemos e aplicamos o método científico e, mais importante do que isso, para quem fazemos isso – a sociedade.

    Compreendem a diferença? Não é ser negativo. Não é nos negarmos a querer que todos vocês – e nós – tenhamos novamente uma vida de idas ao supermercado sem neuras, abraços sem restrições e uma vida sem medo.

    É exatamente o oposto disso. E não é, também, deixar de olhar para tudo o que ainda temos a fazer e conhecer para que a transparência e a ética sejam alcançadas em cada etapa de nosso trabalho. É exatamente para isto que estamos aqui e trabalhamos com divulgação científica! Por uma maior transparência, diálogo, inclusão no (e pelo) conhecimento para debate socialmente éticos.

    Em suma, para fechar:

    Com ou sem coronavírus, lamber corrimão não parece ser uma boa ideia, ok? ERA MEME GENTE. Mas o diálogo é real.

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

    Galhardo, JA A hierarquia das evidências científicas: por que não devemos acreditar em qualquer coisa? Rede Análise Covid

    Iamarino, Atila (2020a) Vacina Russa

    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

    Artigos e Livros

    Caceres, RÁ (1996) El método científico en las ciencias de la salud: las bases de la investigación biomédica, Madrid: Ediciones Díaz de Santos.

    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

    Mullard, A (2008) Vaccine failure explained; Nature.

    Peeples, L (2020) News Feature: Avoiding pitfalls in the pursuit of a COVID-19 vaccine; PNAS April 14, 2020 117 (15) 8218-8221; first published March 30, 2020

    WHO (2020) More than 150 countries engaged in COVID-19 vaccine global access facility

    WHO (2020b) DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines – August 10th 

    Wechsler, J (2020) COVID Vaccine Clinical Trials Require Fast Decisions, But No Shortcuts Applied Clinical Trials

    Outros textos do blogs

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Ozônio na COVID dos outros é refresco

    COVID-19 e impactos na pesquisa

    De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Dia 11 de agosto, pela manhã, mais uma notícia: a vacina russa vai chegar em outubro! O presidente Putin informou que a fase de testes de eficácia já iniciou (o que seria a fase 3 de testes clínicos da vacina). Segundo a OMS, no registro consta que esta vacina ainda está na fase 1  (que testa a segurança da vacina).

    vacinação em massa, em outubro?

    Tal afirmação surpreendeu parte da comunidade científica.

    Mas por quê?

    Cada vez que anunciamos – aqui no blogs ou em qualquer canal de divulgação científica – uma pesquisa em andamento ou medicamentos e tratamentos em fase de pesquisa, temos tido o cuidado de verificar as informações e tentar compreendê-las para divulgar. 

    Uma das questões que rondam toda esta divulgação é a falta de transparência de cada etapa. Não vou me alongar aqui neste texto sobre as etapas em si, pormenorizadamente. Pois elas estão bem explicadas pelo Instituto Butantã e já foram pauta de uma longa live do Atila Iamarino. Também não detalharei questões específicas de questionamentos sobre a vacina, pois a Mellanie Dutra, da Rede Análise Covid-19, abordou muito bem. Mas vou falar do quê então? 

    Sobre a transparência nas pesquisas científicas em tempos de pandemia.

    Pode parecer exagero. Mas as críticas têm sido razoavelmente constantes. Não é que não queiramos acordar e ver estampado nas notícias e notificações que a vacina é um sucesso, que terapias alternativas funcionam, que medicamentos baratos e disponíveis a todos curam! Não temos divulgado milagres apenas porque a ciência não funciona deste modo…

    Antes de falar de transparência na pesquisa, vamos entender um pouco sobre pesquisa, a partir de vacinas?

    As vacinas precisam destas etapas mencionadas anteriormente – e elas levam tempo sim – pois cada uma destas etapas responde a uma série perguntas. Por exemplo: ela têm efeitos colaterais? Quais efeitos são estes? Quantas pessoas (em média) apresentam efeitos colaterais e o que isto representa em uma grande população?

    Em princípio, uma vacina é um modo preventivo em que nós inoculamos um vírus – ou fragmentos de vírus – para que nosso corpo gere uma resposta imunológica. Isto é: nós “enganamos” nosso sistema imune. Assim, quando entramos em contato com o vírus “mesmo” já temos uma resposta imunológica pronta.

    Porém na prática há vários detalhes que tornam as vacinas algo que não é tão simples assim de ser implementada. Isto não quer dizer que vacinas não são seguras… É exatamente o contrário, na verdade.

    As vacinas são cada vez mais seguras. Por quê? Ora, por termos implementado protocolos de segurança que se baseiam em um aprimoramento de nosso próprio conhecimento sobre as doenças, suas reações com anticorpos produzidos, suas ações dentro do corpo, tempo de ação e desenvolvimento de anticorpos, sintomas, etc.

    Também temos compreendido melhor os efeitos adversos (quando existem) e o limite de imunização em uma sociedade, ou como ela ocorre na sociedade. Isto é, nem todo mundo será imunizado pela vacina, algumas vacinas precisam de várias doses para provocarem a imunização, algumas são alergênicas (causam alergia) em pessoas e temos que ter estas informações antes de sairmos vacinando 7 bilhões de pessoas.

    A eficácia das vacinas hoje diz respeito a um conjunto de conhecimentos acumulados sobre nosso organismo, as doenças, junto com testes, experimentos, análises – que geram ainda mais conhecimento sobre as doenças e o funcionamento do nosso corpo.

    Tudo isto é feito baseando-se no método científico.

    Método científico?

    As inovações, invenções e compreensões advindas da ciência não são uma busca cega e desordenada. Muito menos fruto de ideias criativas que estavam à toa por aí, sem atentar-se a questões, debates e pensamentos que abordavam fenômenos naturais e sociais. A frase clássica de Newton “se enxerguei mais longe foi porque me apoiei em ombros de gigantes” é, exatamente, sobre isso. Para falar sobre objetos e fenômenos naturais e sociais, também nos apoiamos em quem estuda objetos e fenômenos naturais e sociais.

    É o quê, afinal de contas o método científico? O que ele têm a ver com tudo isso? De forma ampla, costuma-se falar em etapas ou sequências do método científico. O que seria isto?

    método científico e suas idas e vindas

    Observação de um fenômeno, elaboração de perguntas, elaboração de hipóteses (respostas possíveis para as perguntas pensadas previamente), resolução das hipóteses (aqui acontecem os planejamentos, organização e execução das etapas experimentais, observacionais, de campo, etc.), análise dos dados obtidos e conclusões. Isto é, esta sequência descrita são procedimentos que formam e consolidam os conhecimentos científicos.

    Embora pareça linear, ao longo de uma pesquisa, outras perguntas e hipóteses vão se somando, sendo pensadas, descartadas – gerando novas pesquisas, ou agregando novos elementos que, também, serão testados experimentalmente. 

    Tá bom, mas e o que isto tem a ver com o anúncio da vacina russa? 

    Em meio a uma pandemia tão grave como a COVID-19, temos sim uma corrida para ver quem consegue os melhores tratamentos – isto inclui vacinas. No entanto, as vacinas necessitam respeitar este conjunto de etapas a que chamamos comumente de método científico.

    Parte do “pôr à prova” os resultados e conclusões relaciona-se a apresentá-los à comunidade científica. Debater cada parte dos procedimentos do método científico – desde as perguntas, passando pelas hipóteses, protocolos experimentais, obtenção dos dados e, por fim, como analisamos os resultados!

    Grande parte dos debates sobre o método científico (que não se limita às etapas experimentais e de campo, como muitos acreditam) é sobre a transparência do seu desenvolvimento e execução. 

    Vocês podem estar pensando que tudo isso atrasa ainda mais a implementação da vacina e de tratamentos viáveis. Mas apesar de parecer “muita coisa” estamos falando de estabelecer, historicamente, critérios éticos e de segurança para a pesquisa não causar prejuízos em populações vulneráveis, não ter efeitos adversos e incontroláveis na população, não testar experimentos sem que as pessoas saibam que estão sendo cobaias – concordem com isto de maneira livre e esclarecida, dentre outros fatores. 

    É exatamente a partir da divulgação de resultados, compartilhando as etapas da pesquisa, protocolando em comitês de ética, apresentando publicamente o que estamos fazendo, que nosso trabalho cotidiano de pesquisa ganha transparência, pode ser não apenas compreendido pelos colegas, mas replicado se for necessário. Isto é, podemos repetir os experimentos, aferir resultados, inserir novas variáveis e levantar questões que não tinham sido feitas anteriormente.

    O que inúmeros veículos oficiais, científicos e jornalísticos apontaram ontem, dia 11 de agosto, é exatamente neste quesito: transparência.

    Ah, finalmente chegaste nisso! A transparência na ciência!!!

    As principais perguntas levantadas por cientistas, divulgadores científicos, instituições oficiais (como a OMS) foram: Onde estão os dados sobre a vacina? Quantas pessoas participaram como cobaia? De que forma aconteceram estes testes? Quem eram os sujeitos testados? Quais foram os efeitos colaterais? Se a vacina formou anticorpos, em quanto tempo foram feitos os testes? O tempo em que tudo isto ocorre é uma das grandes questões, por exemplo.

    Na Revista Nature foi apontado que a vacina Russa (Vacina Gamaleya) declarou ter 76 voluntários para as etapas 1 e 2 listadas no ClinicalTrials.gov, mas sem qualquer divulgação dos resultados ou quaisquer estudos pré-clínicos anteriores. E há preocupação acerca destes protocolos de segurança, protocolos éticos e, também, receio de tudo isso gerar medo da população quando uma vacina eficaz esteja pronta para ser aplicada na população.

    Veja que não queremos questionar a veracidade da vacina em si: mas se estão anunciando que em Outubro teremos vacinas disponíveis em algum lugar do mundo, queremos saber se elas são seguras e de que modo podemos confiar nisto que estão nos dizendo!

    Enfim, a próxima parte

    Este texto ficou razoavelmente longo, então juntamente com ele, outros questionamentos foram sendo levantados. Especialmente sobre como lidamos com informações científicas e os cuidados que devemos ter ao receber estas informações – sem cairmos no pessimismo, mas também sem nos animarmos achando que tudo se resolverá em um passe de mágica!

    A segunda parte do texto fala sobre isso, corre lá para ler também!

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

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    Iamarino, Atila (2020a) Vacina Russa

    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

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    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

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    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ozônio na COVID dos outros é refresco

    Texto escrito por de Gildo Girotto Junior, Gian Carlo Guadagnin, Cyntia Almeida e Maria Luiza 

    Entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. É uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado tem gerado não apenas polarização, em um momento inoportuno, mas também colocado em risco a saúde coletiva.

    Qual o impacto que a administração de uma substância provoca no organismo? Realmente conhecemos quais efeitos um determinado alimento, medicamento ou qualquer outro produto pode provocar quando o ingerimos? 

    Recentemente, não apenas medicamentos têm sido alvo do debate na prevenção e cura contra a COVID-19. Os limites da insensatez ou do desconhecimento foram ultrapassados ao ponto de encontrarmos recomendações totalmente insanas e irresponsáveis. Por exemplo, com a administração de desinfetantes e, agora, de soluções contendo ozônio no combate a doenças. É preciso esclarecer alguns fatos. Assim, propomos neste texto, trazer explicações sobre a prática da administração de ozônio via retal recomendada, dentre outros, por um administrador público de uma cidade brasileira.

    Ozônio e seus diferentes “buracos”

    É possível que muitos dos que estão lendo este texto já tenham ouvido falar da “Camada de ozônio” ou do “Buraco na camada de ozônio”. Provavelmente, é a situação mais comum associada a esta substância. Em um outro contexto, o ozônio pode ser associado ao tratamento de água. O processo comercialmente conhecido como ozonização consiste em uma alternativa, ou um tratamento complementar da água, para a eliminação de bactérias. Neste procedimento, o ozônio reage quimicamente destruindo microorganismos e, com o surgimento da pandemia, esse mesmo princípio passou também a ser utilizada para a sanitização de ambientes

    Mais recentemente, uma terceira situação associada ao ozônio (sendo esta mais problemática) é o processo de ozonioterapia, um procedimento experimental que consiste na aplicação do ozônio em partes do corpo com intuito de eliminar doenças. Para entender um pouco sobre esses três usos, primeiramente vamos esclarecer um pouco sobre a composição e propriedades da substância em questão.

    O ozônio tem em sua composição o elemento químico oxigênio. Entretanto diferente do gás oxigênio que é vital, sua fórmula é um pouco diferente, o que faz com que sua atuação química também seja. Parece confuso? Vamos tentar entender.

    O gás oxigênio é formado por moléculas em que dois átomos de oxigênio estão unidos, representamos esta substância pela fórmula O₂. Já o gás ozônio tem suas moléculas formadas pela união de três átomos de oxigênio, e o representamos pela fórmula O₃. Essa pequena modificação faz com que as substâncias sejam bastante diferentes em termos de atuação. 

    moléculas de Oxigênio (O₂) e de Ozônio (O₃)
    Conhecendo um pouco mais de cada molécula

    Enquanto o gás oxigênio, por exemplo, pode se ligar a moléculas em nosso sangue como a hemoglobina (proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue) sendo levado a diferentes partes do corpo e alimentando reações que nos fornecem energia, o gás ozônio é uma substância extremamente tóxica para o nosso organismo uma vez que, ao invés de se ligar às moléculas, tem o poder de destruí-las. 

    De fato, o ozônio tem um grande poder de reagir com outras substâncias causando a degradação destas e ao mesmo tempo sofrendo transformações. Assim, quando as moléculas de O₃ encontram outras substâncias elas literalmente “atacam” esses compostos causando a degradação, ou seja, destruindo essas moléculas. Quimicamente, dizemos que esse comportamento do ozônio é relacionado a uma molécula oxidante e bastante reativa.

    Há outros exemplos de moléculas parecidas que têm comportamento bastante distintos. Você já deve ter ouvido falar de água oxigenada, certo? Enquanto a molécula de água (H₂O) é pouco reativa e vital para os seres humanos, a água oxigenada, que tem fórmula H₂O₂, é uma substância bastante reativa e também oxidante. Percebam que, mesmo a alteração sendo de apenas um átomo a substância muda completamente de propriedades. Ou seja, substâncias diferentes têm atuações diferentes.

    Podemos agora voltar a falar dos usos do ozônio, tudo bem?

    A “camada de ozônio”

    Na nossa estratosfera (uma das partes da atmosfera terrestre que se encontra a mais de 11 km de altitude, acima da maior parte das nuvens) as moléculas de ozônio se formam naturalmente devido às diferentes condições existentes nessa região e essa grande quantidade de moléculas de O₃ tem uma função importantíssima na vida do nosso planeta. Simplificadamente dizemos que ali há uma camada de ozônio. Como assim? O que queremos dizer é que é uma região que possui muitas moléculas desse gás. 

    A radiação do sol carrega uma grande quantidade de energia. Se toda a energia chegasse ao planeta seria capaz de destruir algumas espécies vivas e causar diferentes problemas incluindo riscos a nossa pele. Entretanto, quando essa radiação chega à estratosfera, uma parte da energia é absorvida pelas moléculas de ozônio que se transformam em moléculas de gás oxigênio. Deste modo, o ozônio se degrada após absorver parte da energia solar, como se formasse um verdadeiro filtro solar. Como resultado, apenas uma parte do conteúdo energético dos raios solares “entra” no planeta, possibilitando condições de vida adequadas. 

    Esse ciclo de formação e destruição do ozônio pela absorção de energia solar é contínuo e natural. Portanto, o ozônio lá na estratosfera é benéfico e fundamental ao planeta e a todos que o habitam.

    O ozônio no tratamento de água

    Como mencionado anteriormente, as moléculas de ozônio são muito reativas, o que significa que “atacam” outras moléculas e tem o poder de destruir principalmente os compostos orgânicos, como as proteínas, que compõem microorganismos, bactérias, nossa pele, nossas células, etc. Então podemos imaginar que se água estiver contaminada com agentes causadores de doenças (vírus, bactérias, protozoários, por exemplo) o gás ozônio borbulhado nesse sistema reagirá matando os microorganismos e contribuindo para a potabilidade da água. 

    De fato, isso ocorre e é possível utilizar o processo no tratamento de água para o consumo ou para ambientes como piscinas. Esse processo tem sido utilizado como uma alternativa ao uso de “cloro” e a vantagem é que após a reação, o ozônio se transforma em oxigênio, não deixando resíduos na água. Então, a água não fica com aquele “gosto ou cheiro de cloro”. Em larga escala esse processo ainda é mais caro do que o uso de “cloro” e, por isso, as empresas que cuidam da nossa água ainda não fazem esse tratamento.

    Mas você deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com o tratamento para a COVID-19? 

    Finalmente chegamos lá.

    A ozonioterapia é, na melhor das hipóteses, um método experimental que consiste na administração de ozônio de forma localizada ou intravenosa (aplicação nas veias) ou via retal (ânus) com objetivo de combater infecções diversas. (veja nosso texto sobre método científico e entenda a diferença entre hipótese e resultados científicos comprovados aqui)

    Já mencionamos sobre a reatividade do ozônio e seu poder oxidante, certo? Desta forma, imaginemos que uma pessoa possua uma infecção superficial na pele. Diversos tratamentos poderiam ser realizados neste caso sendo um deles (ainda experimental) a aplicação de ozônio diretamente sobre a região. Assim, o ozônio reagiria destruindo possíveis micro organismos causadores da infecção. A depender do tipo de infecção e do grau de complexidade, uma intervenção desse tipo, considerada de forma localizada poderia funcionar como têm sido apontado em estudos teste realizados¹. Seguindo a mesma ideia, outros estudos têm investigado a administração de ozônio diretamente em regiões internas no corpo que possuem células cancerosas e/ou infecções². 

    Um fator importante que deve ser destacado é que, sem exceções, os estudos afirmam que não há resultados 100% conclusivos (devido a fatores diversos) e a ozonioterapia é sempre considerada como tratamento experimental, ou seja, em fase de teste e ainda, nenhum dos casos mencionados têm relação com a administração retal de ozônio. 

    Mas então, como o ozônio por administração retal pode combater a COVID-19?

    A resposta é bastante simples. NÃO PODE! 

    Vamos repetir aqui só para deixar bem evidente, caso tenha ficado alguma dúvida sobre o que estamos argumentando neste texto:

    O OZÔNIO COM ADMINISTRAÇÃO RETAL
    NÃO COMBATE A COVID-19

    Mas pode usar ozônio como tratamento para Coronavírus?
    Não! Não pode!

    Ao injetarmos a molécula em qualquer parte do nosso corpo ela rapidamente reage degradando as substâncias que estiverem em contato, e ela mesma, a molécula de ozônio, sofre transformações produzindo novas substâncias. 

    Portanto é inimaginável que a substância injetada chegue às células onde o coronavírus se encontra (as quais estão espalhadas por todo o corpo), uma vez que ela teria que percorrer um longo percurso. Então, a menos que todo o vírus esteja concentrado na região onde se injetou o ozônio, não haveriam consequências benéficas e, mesmo nesta situação, não se têm estudos a respeito.

    Para se ter ideia, a própria Sociedade Brasileira de Ozonioterapia afirmou que “O efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”. Isto é, não há qualquer evidência e comprovação científica de que isto pode ser usado para cura e/ou tratamento da Covid-19!

    Ainda, o Conselho Federal de Medicina, em sua resolução 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018, estabelece “a ozonioterapia como procedimento experimental, só podendo ser utilizada em experimentação clínica dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep.”³, o que basicamente nos diz: “olha, isso precisa ser testado porque ainda não temos comprovação de qualquer efetividade”.  

    Mas, será que há efeitos prejudiciais? Sim. Basta pensarmos que estamos injetando uma substância extremamente agressiva em uma região relativamente sensível.

    Enfim, entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. Isto é uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado gera não apenas polarização num momento inoportuno, mas também coloca em risco a saúde coletiva. Ou seja: sigamos e fiquemos atentos e informados. Afinal, Ozônio na COVID dos outros é refresco.

    Para saber mais

    1. MARCHESINI, Bruna Fuhr; RIBEIRO, Silene Bazi (2020) Efeito da ozonioterapia na cicatrização de feridas Fisioterapia Brasil, [Sl], v 21, n3, p. 281-288, jun 2020

    2. DE ANDRADE, Raul Ribeiro et al (2019) Efetividade da ozonioterapia comparada a outras terapias para dor lombar: revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos randomizados Rev Bras Anestesiol [online] 2019, vol69, n5 [cited  2020-08-06], pp493-501

    3. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (2018) RESOLUÇÃO 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018.

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Cyntia Almeida é estudante de graduação em Licenciatura em Química (UNICAMP)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Pandemia Covid-19: 150 dias

    arte por @clorofreela

    Dia 11 de março a Organização Mundial da Saúde decretou que a COVID-19 tornou-se uma pandemia. Parece, hoje, distante o período em que escutávamos sobre uma doença que rapidamente se espalhou em uma cidade na China e tentávamos entender as ações de bloqueio e isolamento lá.

    Também pareciam exageradas as ações ocorridas na Itália, em meio a um carnaval, com suspensão das festas e um fechamento de toda uma região do país. No Brasil, as atividades rotineiras se intensificavam na volta das férias e fim dos festejos – ainda que olhássemos para os números de doentes confirmados e buscássemos informações mais precisas. 

    Hoje, 8 de agosto, temos 150 dias de pandemia decretada. Neste meio tempo, a palavra pandemia não é mais desconhecida de nosso vocabulário mais mundano.

    Pandemia

    Pandemia:

    “disseminação MUNDIAL de uma doença ou surto com transmissão comunitária”

    Não foi a primeira vez, neste milênio, que uma pandemia fora decretada. Em 2009 a OMS anunciou uma “pandemia moderada”: a H1N1. Essa pandemia ficou conhecida como “Gripe Suína”. No Século XX foi causadora da pandemia estudada nos nossos livros de história como “Gripe Espanhola”. 

    A primeira pandemia foi registrada em 1580, iniciou-se na Ásia e espalhou-se em 6 meses. O Tifo (surgido no período das cruzadas) foi uma doença que de tempos em tempos têm suas marcas na história – mas não apresenta registro como pandemia. A Cólera teve 8 episódios pandêmicos registrados.

    A palavra Pandemia vem do grego, quer dizer “de todo o povo”. É interessante pensarmos como algo com esse significado parece tornar uma mazela democrática.

    Mas em se tratando de ciência, espantou-nos como em poucos dias alguns termos iam popularizando-se. Ficou comum, em março, falarmos em transmissão comunitária. Isto significa que pessoas que não tinham tido contato com pessoas estrangeiras já estavam transmitindo a doença.

    Em pouco tempo outras palavras comuns ao meio científico da virologia começavam a se espalhar – mais lentamente que o vírus, mas ainda assim tomavam ares cotidianos. Também víamos a ascensão do debate sobre a prática do isolamento e distanciamento social sendo debatida e outros costumes tão fora da cultura brasileira – como o uso de máscaras – entrando na pauta do dia.

    Por vezes parecia que a ciência teria seu momento e junto com a divulgação científica teriam o destaque que temos batalhado para ter. Não dizemos isso por uma ideia autocentrada e de autovalorização ou qualquer coisa que o valha (bem pelo contrário, na verdade). Mas por um trabalho de resistência de anos, construído no combate de fake news, de buscar a compreensão da ciência como ferramenta cotidiana de resolução de problemáticas mundanas.

    Números do lado de cá do mundo

    Casos totais por Estado, em escala linear, CC BY-SA 4.0, wcota/covid19br

    Mas voltando a pauta da Covid-19, inicialmente em São Paulo, mas muito rapidamente em Manaus, tivemos o alastramento da doença. Enquanto acompanhávamos a Itália atingindo 827 mortes no dia, e um total de 13 mil contaminados confirmados em um país que assumiu o lockdown, o Brasil confirmava 69 pessoas. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal eram os locais com registro.

    No entanto, o primeiro lugar a enfrentar o colapso de hospitais foi Manaus. Em pouco tempo vimos imagens de covas coletivas ocupando noticiários na televisão e nas mídias sociais. Dia 24 de março era anunciada a primeira morte na capital de Amazonas, dia 8 de abril as reportagens de falta de leitos de U.T.I. anunciavam o colapso.

    Na América do Sul, Equador foi o primeiro país a entrar nos noticiários sobre o colapso. Em 1º de abril já havia informações sobre corpos sendo recolhidos em casa e hospitais lotados. A Argentina agiu rapidamente com ações de isolamento social instituídas pelo governo federal e, até hoje, tem um dos menores números de morte da América do Sul.

    Balanço geral

    No mundo, o coronavírus chega a quase 19 milhões de infectados e ultrapassa 700 mil mortos. Deste total, quase 100 mil mortes são brasileiras. São 100 mil pessoas, familiares de alguém, com nomes, sobrenomes, profissões, relações sociais. 

    Enquanto a doença parecia longínqua e estrangeira, o compadecimento com as imagens, talvez, parecesse maior. Atualmente vivemos um paradoxo entre o cansaço do isolamento social – aqueles ainda têm o privilégio de estar isolado e trabalhando em home office – e os riscos rotineiros de quem teve que abandonar a indicação mais segura de saúde que temos no momento, pois a escolha entre ter comida na mesa ou a possibilidade de contaminar-se não é, de fato, uma escolha.

    Estamos completando 150 dias vivendo uma pandemia. A OMS também anunciou que a infodemia é um dos maiores agravantes da doença. Além disso, temos as fake news que vem assolando as possibilidades de alcançarmos a população de modo mais eficiente…

    pandemia: e o Brasil?

    Nestes 150 dias, já são 85 – mais da metade – com um Ministro da Saúde “provisório”. Tivemos episódios de apagão dos números oficiais. Temos uma avalanche de desinformação proveniente de instâncias oficiais. Protocolos que indicam medicamentos que cientificamente não são recomendados, planos de saúde que enviaram aos médicos “kits” anti-covid preventivos, com os mesmos medicamentos recomendados pelo governo – mas não pela Organização Mundial da Saúde. Fechamos o dia 07 de Agosto com 99.572 óbitos. Hoje, 8 de agosto, passaremos as 100 mil mortes, conforme a média diária que temos visto.

    Óbitos no Brasil, em escala linear, até 07/08/20. CC BY-SA 4.0, wcota/covid19br

    Há um quadro que temos visto ser debatido politicamente como Necropolítica. A morte normalizada e normatizada, quase triplicamos as mortes que nos assombravam na Itália – aquele país europeu, lembra? Pois é, soma cerca de 35 mil mortos.

    As mortes tornaram-se parte de uma população, no Brasil, que não é mais proveniente das férias em países Europeus ou Norte Americanos. Em maio, foi noticiado um outro perfil de mortes em nosso país. Não mais a faixa etária, mas a classe social. Também há demarcação racial (40% pardos e pretos, frente à 26% de brancos). Entre mulheres grávidas, mais do que o dobro são de pretas, em relação às brancas na mesma condição.

    Para além das comorbidades que vem sido estudadas cada vez mais, a PANDEMIA, aquela que é significada como “de todo o povo” e aparenta ser democrática no próprio nome, tem preferências cruéis. Definitivamente ter mais melanina em países como o Brasil, mais do que uma condição biológica e genética, demarca espaços sociais ocupados. A imensa maioria da população desassistida da condição de permanecer em casa em programas de home office são trabalhadores informais ou de baixa renda em que a negociação para condições humanas e de manutenção da saúde não são parte do cotidiano – mas a doença sim.

    Por fim

    Não há finalização amena de postagens em tempos de Covid-19, enquanto temos a centralidade das mortes causadas por descasos na condução das políticas públicas de saúde no país. Também é fundamental pensar o quanto se fala em retorno de atividades como aulas, quando há um evidente descontrole das transmissões no país – a marca de que temos pressionado pessoas e não instâncias e instituições – para mantermos a saúde dentro de todas as condições que temos o potencial de manter (mantendo pessoas, assim, a salvo!).

    Por outro lado, mesmo sabendo que nem tudo são flores, há uma corrida pela vacina, há grupos de pesquisa desvendando mais e mais rotas de como este vírus nos contamina e se transmite. Bem como uma compreensão cada dia maior dos determinantes sociais da doença.

    E de que serve tudo isto?

    Compreender a doença, seus números e seus detalhes – dentro e fora do corpo, na sociedade, dentro das sociedades – é o que nos dá cada dia mais condições de vencê-la. 

    Assim, temos trabalhado cotidianamente buscando divulgar o conhecimento produzido, em uma rede coletiva e mundial de pesquisadores. Se não buscamos soluções milagrosas, não é por não querermos divulgar algo positivo.

    Em 150 dias de pandemia (e destes temos 139 dias de Especial Covid-19 aqui no Blogs de Ciência da Unicamp), reafirmamos que nosso trabalho segue empenhado diariamente em entender melhor a ciência embrenhada em entender tudo o que envolve o novo coronavírus e a Covid-19 e apresentar todo o conhecimento possível em nosso tempo para a todos.

    Em 150 dias de pandemia, não há cansaço, não há fake news e desinformação – de acidez do limão, à cloroquina e hidroxicloroquina, chegando no uso de ozônio (calma que em breve teremos algo sobre isso!!!) – não há necropolítica, não há normalização de mortes que nos afaste disto que assumimos como compromisso com a divulgação científica e com a busca cotidiana de diálogos estabelecidos entre cientistas e a população não especialista.

    Foram 150 dias de pandemia, 145 dias afastados da Universidade (quem está em home office), 139 dias de Especial Covid-19. Não esperamos (ou não gostaríamos) de mais dias assim. Tampouco “não arredaremos o pé daqui”, enquanto isto for necessário.

    Para Saber Mais

    ANDRADE, Eduardo Goulart (2020) Com coronavírus em disparada e UTIs lotadas, Manaus está à beira do colapso Intercept Brasil, 8 de abril de 2020.

    BBC News (2020) Coronavírus: OMS declara Pandemia BBC , 11 de março de 2020.

    BLANCO, Lis (2020) Alguns questionamentos sobre governo, um vírus e a fome Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    CANCIAM, Natália; SBERB, Paula; WATANABE, Phillippe (2020) Sobe para 69 o número de casos do novo coronavírus no Brasil Folha de São Paulo, 11 de março de 2020.

    CARMO, M (2020) Como a Argentina conseguiu manter o número de mortes por covid-19 sob controle Uol Notícias, 03 de Agosto de 2020.

    ESPECIAL COVID-19 Checagem de fatos Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    FLORES, Natalia (2020) Como a desinformação têm atrapalhado nossa resposta à Covid-19 Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    G1 (2020) Amazonas tem primeira morte por novo coronavírus, diz Susam G1 , 24 de Março de 2020.

    JORNAL NACIONAL (2020) Na Itália, número de mortos pelo novo coronavírus passa de 820. Jornal Nacional, 11 de março de 2020.

    OLIVDEIRA, Leonardo (2020) Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    SCHUELER, Paulo (2020) O que é uma pandemia? Notícias e Artigos Fiocruz, 23 de março de 2020.

    TERRA (2020) OMS eleva gripe suína a pandemia, 1ª no século XXI Terra, 11 de junho de 2009.

    VESPA, Talyta (2020) Em vez da idade, classe social passa a definir quem morre de covid no país

    WIKIPEDIA (2020) Gripe Espanhola, Wikipedia.

    YOUNG, Victor (2020) Morte pela covid-19 ou pela fome, será esta a questão? Blogs de Ciência da Unicamp, especial Covid-19

    ZIBELL, (2020) Mortos em casa e cadáveres nas ruas: o colapso funerário causado pelo coronavírus no Equador BBC , 1 de Abril de 2020.

  • Qual a relação entre diabetes e Covid-19?

    Texto escrito por Ana Campos Codo e Ana Arnt

    Quem está acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus, causador da Covid-19, deve ter visto sobre grupos de risco e associação com algumas doenças que várias pessoas têm. Muito se fala em grupo de risco, por exemplo. Isto em função de buscarmos, com isso, minimizar os impactos na saúde, destas pessoas que podem apresentar casos mais severos da doença. Assim, ao conseguirmos saber quais são os grupos de risco, conseguimos estabelecer quem deveria se expor menos ainda às possibilidades de contágio. Uma das doenças que muito cedo foi percebida como grupo de risco é a diabetes.

    Mas você sabe o que é a diabetes?

    De modo bem sucinto, a diabetes é uma doença caracterizada pela insuficiência da produção de insulina ou diminuição na sensibilidade e função da insulina. A insulina é um hormônio. Ela é produzida no pâncreas e têm como função controlar a quantidade de açúcar que está em circulação nos nossos vasos sanguíneos. Basicamente, uma das principais ações da insulina é se ligar em receptores que ficam nas membranas das células e promover, assim, a entrada do açúcar nestas células, retirando-o da corrente sanguínea.

    Quando nosso corpo produz pouca insulina (insuficiência de produção deste hormônio) ou diminui à reação na presença de insulina (diminuição na sensibilidade à insulina), o que acontece é que o açúcar não é metabolizado corretamente, isto é: as células não conseguem retirá-lo do sangue e ele permanece em circulação, ficando em excesso. Este excesso, em si, causa uma série de problemas no funcionamento do nosso corpo.

    E qual a relação entre a quantidade de açúcar no sangue e a Covid-19?

    Icons made by DinosoftLabs / Flaticon

    Pois esta é a pergunta que um grupo de pesquisadores aqui da Unicamp também se fez! E, mais do que isso, tentou compreender os mecanismos químicos e fisiológicos que fazem com que o excesso de açúcar no sangue aumente a probabilidade de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 apresentarem casos mais severos da doença Covid-19!

    Esta pesquisa mostrou que o açúcar favorece a infecção pelo novo coronavírus e sua replicação no interior dos monócitos. (ah, ok, agora entendi tudo!). Como assim, monócitos? Calma, a gente vai chegar lá…

    Os monócitos são células de defesa do organismo. Ou seja, eles circulam no sangue e são “recrutados” para irem até os tecidos infectados ou danificados – como os pulmões no caso da Covid-19, para combater a doença. Essas células de defesa são as mais abundantes no pulmão de indivíduos infectados com o novo coronavírus, de forma que é fundamental entender a resposta dessas células quando em contato com o coronavírus.

    O que acontece é que o coronavírus usa a glicose (açúcar) como combustível para sua replicação no interior destes monócitos. Como um dos principais órgãos afetados pelo coronavírus é o pulmão, quando nosso corpo detecta a infecção, envia uma grande quantidade de monócitos até lá – pois é uma célula importante de defesa. Acontece que o pulmão é, também, um órgão altamente vascularizado! Isto é, além de monócitos, no sangue de pessoas que têm diabetes quando não está sob controle, há um excesso de glicose chegando ao pulmão também.

    Assim, o coronavírus usa a célula que teria o potencial de nos defender contra a infecção para se replicar e aumentar a infecção ainda mais. 

    Espera que isso ainda não é tudo…

    Uma vez infectados, os monócitos produzem grandes quantidades de proteínas que geram inflamação, chamadas de citocinas. Essas citocinas são importantes na resposta contra patógenos ou danos, principalmente na ativação de outras células de defesa, como linfócitos T. Já os linfócitos T são essenciais para eliminar células infectadas por vírus ou para auxiliar os monócitos a eliminarem esses patógenos quando eles precisam de um estímulo! Durante a infecção pelo SARS-CoV-2, no entanto, há uma produção excessiva de citocinas. Isto tem sido comumente chamado de tempestade de citocinas! E ela é danosa ao tecido e também aos linfócitos T. Nessa pesquisa, foi apresentado que as células epiteliais do pulmão quando entram em contato com essa tempestade de citocinas morrem. Os linfócitos, por sua vez, perdem a capacidade de proliferação e acabam se tornando “exaustos”. 

    Pareceu confuso? Isto foi só um spoiler do nosso próximo texto, em que vamos esmiuçar o que é essa “tempestade de citocinas” e sua relação com a infecção pelo coronavírus!

    Por fim…

    Falando assim, tudo isto, parece tudo muito trágico, não é mesmo? Esta pesquisa que apresentamos não fala de tratamentos possíveis. Tampouco nos indica a cura. Esta é uma pesquisa que costumamos chamar, na universidade, de “pesquisa básica”. Para além da aparente curiosidade que move uma pesquisa como esta que apresentamos, é fundamental em um momento como este que estamos vivendo entender detalhes químicos e moleculares desta doença. Saber como funcionam os tecidos, órgãos e células do nosso corpo (o que a biologia estuda há séculos) nos dá condições para termos, desde que percebemos esta nova doença, perguntas mais direcionadas para solucionarmos este grande quebra-cabeças que é a cura/tratamento para o novo coronavírus.

    Assim, é a partir de pesquisa básica que entendemos de forma detalhada o processo químico, fisiológico, molecular da infecção. Toda esta pesquisa pode apontar possíveis alvos para, aí sim, conseguirmos alcançar tratamentos, ou diminuir o risco para pessoas que estão nestes grupos mais afetados.

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisdores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais (Ciência Brasileira)

    Codo, AC; Davanzo, GG; Monteiro, LB; Souza, GF; Muraro, SP; Virgilio-da-Silva, JV; Prodonoff, JS; Carregari, VC; Biagi Junior, CAO; Crunfli, F; Restrepo, JLJ; Vendramini, PH; Reis-de-Oliveira, Guilherme; Santos, KB; Toledo-Teixeira, DA; Parise, PL; Martini, MC; Marques, RE; Carmo, HR; Borin, A; Coimbra, LD; Boldrini, VO; Brunetti, NS; Vieira, AS; Mansour, E; Ulaf, RG; Bernardes, AF; Nunes, TA; Ribeiro, LC; Palma, AC; Agrela. MV; Moretti, ML; Sposito, AC; Velloso, LA; Vinolo, MAR; Damasio, A; Proença-Modena, JL; Carvalho, RF; Mori, MA; Martins-de-Souza, D; Nakaya, H; Farias, AS; Moraes-Vieira, PM (2020). Elevated Glucose Levels Favor SARS-CoV-2 Infection and Monocyte Response through a HIF-1α/Glycolysis-Dependent Axis. Cell Metabolism. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cmet.2020.07.007

    Outras postagens sobre a Força Tarefa no Blogs de Ciência da Unicamp

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    “Programa Nutrir Campinas: impactos em época de pandemia do COVID-19”

    Estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp compara experiências econômicas internacionais no combate à crise atual

    As autoras

    Ana Campos Codo – Farmacêutica-bioquímica de formação e apaixonada por Ciência, Imunologia e Star Wars. Atualmente faz mestrado em Genética e Biologia Molecular com ênfase em Imunologia e participa da Força-Tarefa da Unicamp, tem interesse em temas diversos

    Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

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