Categoria: ESPECIAL COVID-19

  • Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples (parte 2)

    No dia 26 de maio me perguntaram sobre a relação entre os casos confirmados e quantidade de óbitos de duas cidades, Porto Alegre e Hong Kong. A ideia geral da pergunta era: estes números são semelhantes?

    Ao tentar responder a pessoa ao que parecia uma pergunta simples, me vi envolta a inúmeras questões importantes sobre todo o fenômeno da COVID-19 e o quanto, também, temos apresentado dados sem que necessariamente as pessoas saibam não apenas receber a informação, mas questioná-las e compreendê-las de maneira menos apressada. 

    A pergunta gerou uma pesquisa que foi se estendendo, se estendendo e cá estamos, no segundo texto da série!

    O primeiro texto pode ser lido aqui. Em resumo, no dia 26 de maio, Porto Alegre tinha 1049 casos confirmados e 32 óbitos. Hong Kong tinha 1066 casos confirmados e 4 óbitos. No primeiro texto, eu busquei analisar algumas questões relacionadas à população total das duas cidades e, também, densidade populacional.

    Neste segundo texto, eu vou apresentar um pouco de como estas cidades estavam 15 dias depois, no dia 09 de Junho e comparar com os dados anteriores…

    Vamos aos dados?

    Ao olhar os números do dia 09 de Junho, 15 dias depois, como estão os dados destas duas cidades?

    • Hong Kong tinha 1.108 casos confirmados da doença, segue com 4 óbitos, 55 casos ativos (3 destes em estado crítico) e 1049 recuperados. Isto representa um aumento de 3,8% de casos confirmados em relação aos números de 26 de maio.
    • Porto Alegre tem 1.712 casos confirmados de Covid-19, têm 45 óbitos, 619 casos recuperados e 4.753 casos suspeitos em análise (aguardando o resultado). Isto representa um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de aumento de óbitos em relação aos números de 26 de maio.

    Quadro 1. Dados totais e percentuais nas datas 26 de Maio e 09 de Junho.

    Imagino que já seja possível compreender, nestes números, como olhá-los isoladamente não faz sentido e podemos cair em falsas impressões de que tudo está tranquilo.

    Vou propor um exercício que sempre é interessante, e que pode ser feito entre o pior e melhor cenário do dia. Não temos o cenário de Hong Kong, por isso pode ser pensado como injusta a comparação. Considerando o pior cenário, no dia 09 de Junho, teríamos 4.753 casos suspeitos que se confirmariam via testes. Neste caso, ao invés de 1.712 casos, teríamos 6.465 confirmações (um aumento de 616,3% de casos confirmados).

    Se metade destes casos em análise se confirmarem, já seriam 2.376 casos confirmados a mais, gerando um total de 4.088 casos confirmados (o que nos daria um aumento de 389,7% de casos confirmados). O melhor cenário seria todos estes casos em análise negativarem. No melhor cenário para o dia 09 de Junho, tivemos um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de óbitos.

    Existem outros dados relevantes?

    Na primeira postagem desta série, eu apresentei os dados comparando o número de infectados a cada 100 mil habitantes e a densidade populacional. Então, abaixo, vou apresentar os mesmos dados nas duas datas já mencionadas.

    Para retomar os dados populacionais:
    – Porto Alegre tem cerca de 1.483.770 habitantes e uma densidade populacional de 2.837,52 habitantes por km2 (segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre).

    – Hong Kong tem cerca de 7.493.240 habitantes e uma densidade populacional de 6.510,23 habitantes por km2 (Segundo o Index Mundi).

    Quadro 2. Comparação entre Números absolutos e comparativos à densidade populacional e número de habitantes em 26 de Maio e 09 de Junho

    Estes dados nos mostram que em Porto Alegre, tivemos um aumento de 81,92% de casos confirmados por 100 mil habitantes, enquanto Hong Kong teve um aumento de 2,07% de casos confirmados. 

    Em relação à densidade populacional dos casos confirmados, Porto Alegre teve um aumento de 62,68%, enquanto Hong Kong teve um aumento de 3,23%.

    Não apenas os dados das duas cidades eram diferentes na data do dia 26 de maio, como descrito no primeiro post desta série, como observar estes dados 15 dias depois aponta para uma diferença que, infelizmente, é gigantesca.

    Ao olhar os óbitos nas duas cidades, novamente a diferença se faz gritante. Hong Kong manteve a quantidade de óbitos, nestes últimos 15 dias. A relação de óbitos, no entanto, precisa de um olhar mais atento – que também será abordado em um próximo texto.

    Vamos observar as medidas das duas cidades…

    Hong Kong impôs um período de severo isolamento social na cidade. Quando o novo coronavírus foi anunciado, dia 31 de Dezembro de 2019, pela questão geográfica de proximidade, Hong Kong tomou medidas preventivas rapidamente. No dia 03 de Janeiro já havia controle dos desembarcados no aeroporto, com política de quarentena para quem tivesse qualquer sintoma. O primeiro caso foi registrado no dia 23 de Janeiro e a cidade foi impondo uma agenda de controle e registro de cada caso que aparecia. A partir do dia 13 de Fevereiro, fez um isolamento severo, sem lockdown, mas controlando a circulação de pessoas, proibição de viagens, fechamento de escolas e universidades e quarentena para pessoas que chegavam na cidade. O uso de máscaras na região, em casos de doenças infecciosas, já é um hábito. Hong Kong é uma das cidades com maior densidade populacional do mundo e, mesmo assim, a quantidade de mortos se mantém a mesma há mais de 2 meses, com um crescimento pequeno de casos confirmados.

    A flexibilização das práticas de isolamento social em Hong Kong, neste caso, se faz a partir não da análise dos números brutos de um dia ou uma semana, mas de meses de controle dos contatos sociais de modo disciplinado, aliado a uma testagem em massa da população (o que ainda vamos debater na próxima postagem da série). Lembrando que Hong Kong registrou seu primeiro caso em 23 de Janeiro, a flexibilização no dia 26 de maio seria 125 dias depois da primeira confirmação de casos da COVID-19 no país.

    Ainda é bom falar que esta flexibilização não se faz por uma ideia de que não existirá contaminação, mas a partir do controle de casos que forem aparecendo – via testes, fechando e abrindo a cidade de maneira disciplinada e estruturada, aumentando a capacidade hospitalar.

    Os dados de Porto Alegre – considerando que esta cidade que apresenta bons índices em relação ao Brasil – devem ser observados com cautela quando percebemos que existe, sim, um aumento da quantidade de contágio, internações e com uma enorme quantidade de casos em análise. Porto Alegre implementou um protocolo para aeroportos no dia 28 de Janeiro. O primeiro caso confirmado na cidade foi noticiado no dia 08 de Março, dia 16 de Março as aulas são suspensas. As medidas de flexibilização que vinham sendo debatidas no dia 26 de Maio, aconteciam 81 dias após o primeiro caso registrado na cidade, com 2.743 casos em análise (aguardando resultado).

    Reportagem da Gaúcha ZH de Tiago Boff no dia 26 de Maio, sobre o transporte público na capital gaúcha.

    Enquanto isso, tal como a reportagem acima afirma, o isolamento proposto em Porto Alegre – assim como em várias capitais brasileiras – não tinha uma adesão tão grande quanto deveria (por inúmeros motivos políticos, econômicos e sociais). 

    Nestes 15 dias – entre 26 de maio e 9 de junho – não apenas Hong Kong se manteve estável em relação às mortes, como permaneceu com uma média de testes populacional muito maior do que em nosso país. Mesmo assim, com uma quantidade de testes menor, aumentamos nossos casos confirmados e mortes de maneira expressiva. Vale lembrar que o Brasil, na data de 09 de Junho, estava fazendo 6 vezes menos testes do que Hong Kong, por milhão de habitantes. Com isso, temos uma quantidade de casos que são considerados leves e moderados que não têm sido testados em nosso país. Em toda a análise que apresentei aqui, desconsiderei completamente os casos de subnotificação por falta de testes.

    Finalizando

    Este post foi estruturada como resposta a uma pergunta feita no dia 26 de maio. É o segundo texto elaborado e minha ideia era não apenas apresentar os dados, mas tentar trabalhar um pouco sobre como, dentro da divulgação científica e dentro das áreas de pesquisa, vamos buscando compreender e estudar estes dados.

    Ainda há bastante temas para trabalhar em cima disso, vou falar um pouco sobre testes, subnotificações, modelagem epidemiológica e determinantes sociais da doença. Alguns destes itens já foram trabalhados aqui no blogs, outros ainda não… Este exercício se mostra interessante, mesmo alguns números ficando, aparentemente, desatualizados, pois nos impõe garimpar dados, olhar diferentes fontes, fazer perguntas aos números que nos são apresentados.

    Para escrever este texto, assim como o primeiro, eu contei com a leitura, revisão e boas conversas com uma galera da Divulgação Científica e da Unicamp, que eu faço questão de agradecer aqui:Marco Henrique, do blog zero (que além da revisão e das mil ideias, fez as imagens e corrigiu todos os cálculos! hehehe), o Samir Elian, do blog Meio de Cultura A Erica Mariosa, do blog Mindflow, o Roberto Takata, do blog Gene Reporter e o Professor Hyun Mo Yang, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação (IMECC) da UNICAMP.

    Para saber mais

    AAA INOVAÇÃO. Linha do Tempo do Coronavírus no Mundo [31/12/19 até 10/06/2020]. Acesso em 09/06/2020.

    BOFF, Thiago (2020) Passageiros e motoristas de linhas que podem ser suspensas afirmam que ônibus circulam lotados em Porto Alegre Gaúcha ZH, Porto Alegre, 26 de Maio de 2020. Acesso em 15/06/2020

    CRONOLOGIA DA PANDEMIA COVID-19. Wikipedia. Acesso em 09/06/2020.

    DIHL, Bibiana. Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal. Gaúcha ZH Porto Alegre, 02/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    GONZATO, Marcelo (2020). Porto Alegre tem a quarta menor incidência de coronavírus entre as capitais. Gaúcha ZH Saúde.

    HONG KONG. (2020a) Coronavirus  Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG (2020b) Latest Situation of Novel Coronavirus infection in Hong Kong Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG NÃO TÊM (2020) Hong Kong não tem novos casos de coronavírus pela 1ª vez em quase 2 meses. Valor Econômico. Acesso em 09/06/2020.

    LIMA, Lioman. (2020). Coronavírus: 5 estratégias de países que estão conseguindo conter o contágio. BBC Brasil, 18/03/2020. Acesso em 09/06/2020

    MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Coronavírus Brasil. Acesso em 09/06/2020.

    MOTA, Renato. Países asiáticos voltam a ver seus números da Covid-19 crescerem. Olhar Digital, 07/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020a). Boletim COVID-19 nº 65/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020b). Boletim COVID-19 nº 78/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. (2020c) Prefeitura prorroga decreto de isolamento social e libera mais alguns setores. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE (2020d). Vigilância do novo coronavírus mobiliza área de saúde da Capital. Acesso em 15/06/2020

    PORTO ALEGRE (2020e). Saúde Municipal se mobiliza para vigilância do coronavírus

    ROCHA, Camilo. (2020). Os estudos que mostram o impacto positivo do isolamento social.   Nexo Jornal, 21 de abr de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    SORDI, Jaqueline (2020). Lupa na Ciência: Estudos mostram eficácia do isolamento social contra Covid-19 e projetam cenários. Agência Lupa, 20 de abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    YUGE, Claudio. (2002). Países que já haviam controlado a COVID-19 confirmam a 2ª onda de infecções. Canal Tech, 06 de Abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    WORLDOMETERS. Coronavírus. Acesso em 09/06/2020.

    ZUO, Mandy; CHENG, Lilian; YAN, Alice e YAU, Cannix. (2019). Hong Kong takes emergency measures as mystery ‘pneumonia’ infects dozens in China’s Wuhan city.South China Moorning Post,  31 dezembro de 2019. Acesso em 09/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Flexibilizar ou não o isolamento, eis a questão.

    Nas primeiras semanas de junho, após quase dois meses de isolamento social, muitas cidades optaram por implementar planos de flexibilização do isolamento social com reabertura gradual do comércio e demais serviços ditos não essenciais. Em meio a um cenário ainda crescente do número de casos da COVID-19 e sem qualquer certeza de termos atingido o “pico da curva”, uma pergunta torna-se inquietante: qual a lógica por trás dessas ações? As medidas certamente têm por objetivo a retomada gradual da “normalidade” com foco no fortalecimento econômico. Mas, de fato, quais as consequências possíveis de tais ações? Com base nos dados expostos pelo plano São Paulo1 tentamos aqui costurar interpretações para entender a lógica que levou estados e municípios a adotarem medidas de flexibilização do isolamento social.

    Muitos devem lembrar do tal achatamento da curva, amplamente comentado no início da pandemia. A tentativa de “achatar a curva” dos casos da COVID-19 consistia em promover ações de isolamento social de modo que, ao ficarmos em casa, pudéssemos retardar a taxa de contaminação. Tínhamos que ter em mente que, enquanto não houvesse (e ainda não há) uma vacina, todos, hora ou outra, seríamos contaminados pelo corona vírus. A ideia é que isso ocorresse gradualmente de modo que o número de doentes não ultrapassasse o número de leitos disponíveis no sistema de saúde. Ou seja, imaginemos que uma determinada cidade dispõe de 100 leitos de UTI. Se tivermos 101 pacientes, 1 deles ficará sem atendimento adequado e correrá um risco maior de vir a óbito.

    Em diversas cidades, tais ações têm logrado êxito, considerando os números oficiais. 

    Mas o que mudou para que fosse possível nos libertarmos das amarras do isolamento social? Todos já se contaminaram, certo? ERRADO! Chegamos ao pico da curva? ERRADO! Descobrimos o tratamento ou a vacina? ERRADO. Então o que fez o governo flexibilizar o isolamento? Vamos tentar compreender a razão olhando os dados disponibilizados pelo governo do estado de São Paulo, que se assemelham a de outros estados da federação.

    O que é o plano SP?

    O Plano propõe que os municípios ou regiões sejam classificados em termos de “fases”. Cada fase implica um maior ou menor grau de liberação de atividades sociais e econômicas como mostrado na figura abaixo1.

    Fonte: Plano São Paulo.

    Para que uma região seja classificada em uma das fases, o governo propôs que cinco indicadores devem ser analisados: Taxa de ocupação dos leitos de UTI COVID, leitos de UTI para cada 100.000 habitantes, evolução no número de casos; evolução no número de internações e evolução no número de mortes. Desta forma, uma região que atinja a pontuação mínima para os indicadores pode adotar medidas de flexibilização do isolamento, conforme ilustra a figura abaixo1.

    Fonte: Plano São Paulo.

    Compreendido o sistema e os indicadores, a questão que nos fazemos é: o que mudou do início da quarentena até aqui?

    Dentre as ações propostas pelos governos, a construção de hospitais de campanha e a aquisição de respiradores foi, sem dúvida, a que demandou grandes esforços, culminando no aumento do número de leitos de UTI. Ou seja, não significa que o número de casos diários diminuiu ou que o número de casos tem estabilizado. Isso pode ser constatado pelos dados disponibilizados pelo próprio sistema de gerenciamento do governo2.

    A consequência do aumento do número de leitos é que com isso se consegue um menor índice de ocupação dos mesmos. Por exemplo, se temos 80 casos para 100 leitos a taxa de ocupação é de 80%. Se dobramos o número de leitos e mantermos o mesmo número de casos teremos 80 casos para 200 leitos, implicando uma taxa de ocupação de 40%. É exatamente aqui que reside o problema. Se o aumento semanal no número de casos durante o isolamento social já está sendo verificado, ao promover a reabertura obviamente este índice irá disparar, como aconteceu em todos os lugares que não implementaram o isolamento ou como tem ocorrido em regiões do BRASIL que já adotaram a flexibilização3,4.

    Então, qual a mensagem que o governo (neste caso o de São Paulo) está passando?

    Podemos dizer que, de certo modo, os gestores optaram nesse momento por contaminar mais rápido as pessoas mas tentando garantir que as mesmas tenham atendimento caso isso ocorra. Essa é a opção. Esse é o risco. Deixou-se um pouco de lado o achatamento da curva ou, como preferem alguns, foram acrescentados novos números ao estado.

    Vale ressaltar que, ocorrendo o óbvio (o aumento abrupto no número de casos), o governo pretende implementar um novo isolamento ou o retorno a fase 1. Apenas nos questionamos o quão viável seria, neste momento, aumentar a contaminação por meio da flexibilização do isolamento social? Conseguiremos retomar novamente o isolamento, caso o plano não de certo? O resultado parece poder ser visualizado desde já. Mas veremos, de fato, verificaremos as consequências nas próximas duas semanas. 

    Para saber mais

    1. Plano São Paulo. Disponível em https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/PlanoSP-apresentacao.pdf

    2. Boletim CIVID-19 São Paulo. Disponível em: https://www.seade.gov.br/coronavirus/

    3. Folha de Pernambuco: Pernambuco freia avanço da retomada gradual em 85 cidades. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/coronavirus/pernambuco-freia-avanco-da-retomada-gradual-em-85-cidades-veja-lista/143619/

    4. Portal G1: Prefeitura de Campinas publica decreto com prorrogação da quarentena. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/06/12/ultimas-noticias-de-coronavirus-na-regiao-de-campinas-em-12-de-junho.ghtml

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A ciência pelos olhos da Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e da doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas

    À esquerda, equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP a frente das pesquisas sobre Sars-Cov-2 e COVID-19. Dra. Marjorie está no centro da foto. À direita, Pierina segurando uma plca de cultura de células. Arquivo pessoal. 2020.

    Dando prosseguimento ao nosso Ciclo Temático Epidemias, junto de minha colega Bruna Bertol, hoje apresentamos a segunda entrevista do ciclo, dessa vez realizada com a Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e a doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas que estão atuando diretamente na pesquisa do novo coronavírus SARS-CoV-2. Se você tem curiosidade em saber como é trabalhar com o agente causador da pandemia que aflige o mundo e como é ser uma jovem mulher cientista, não perca essa leitura!   

    A Dra. Marjorie Cornejo Pontelli é uma jovem virologista brasileira, bióloga pela Universidade Federal de Santa Maria (2012), mestra em Ciências – Área Bioquímica (2014) e doutora em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP). 

    Dra. Marjorie no dia da sua defesa de doutorado em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela FMRP-USP. Arquivo pessoal

    Atualmente, realiza pós-doutorado no grupo de pesquisa do Prof. Dr. Eurico de Arruda Neto no centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP e seu trabalho tem se focado na compreensão da biologia do vírus SARS CoV-2, responsável pela COVID-19, bem como na busca por opções terapêuticas para a doença.

     A Dra. Marjorie participa de um estudo conduzido pelo Hemocentro de Ribeirão Preto e o Hospital das Clínicas da FMRP-USP que busca tratar pacientes graves da COVID-19 com o uso de plasma (porção líquida) do sangue de pessoas que já se recuperaram da doença. 

    Com essa abordagem, espera-se que haja uma recuperação mais rápida, menor tempo de internação e de UTI e/ou um menor risco de mortalidade. Inclusive, qualquer pessoa recuperada de COVID-19 (sem sintomas há pelo menos 14 dias) pode ser um doador de plasma no Hemocentro de Ribeirão Preto. Se quiser doar plasma, ligue para o 0800 979 6049 ou para o WhatsApp: 16 98215-1937 ou 16 98215-1277 ou envie e-mail para doador@hemocentro.fmrp.usp.br

    Além disso, a equipe composta pelo prof. Dr. Eurico e a Dra. Marjorie demonstrou que o novo coronavírus pode permanecer no corpo de pacientes recuperados por tempo indeterminado, o que pode fazer com que a transmissão viral continue, e pode explicar os casos relatados na Coreia do Sul e na China de indivíduos recuperados que voltaram a testar positivo para a doença. 

    Pierina expondo seu trabalho durante congresso. Arquivo pessoal

    A doutoranda Pierina Lorencini Parise é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, faz seu doutorado direto na área de microbiologia, com ênfase em virologia, no Laboratório de Vírus Emergentes (LEVE) sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Proença Modena, na mesma universidade. A página do Instagram do grupo @leve_ibunicamp é um excelente fonte de informação sobre o estudo de vírus emergentes, com atualizações sobre seus mais recentes projetos e descobertas. 

    Embora o foco principal de seu projeto de doutorado seja uma outra família de vírus, o momento pediu uma mudança de seus esforços de pesquisa. Hoje Pierina integra a força tarefa – grupo multidisciplinar que envolve docentes da Unicamp, do LNBio e do CNPEM – para o estudo do SARS-CoV-2, ajudando no desenvolvimento de testes rápidos para a região de Campinas e no estudo de reposicionamento de fármacos para o tratamento da COVID-19.

    A seguir, reproduzimos na íntegra as respostas das duas cientistas:

    Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?

    Marjorie: Sim. A ciência sempre me despertou muito interesse, desde a infância. Meus programas preferidos eram Mundo de Beakman e Testemunha Ocular. Com certa frequência eu fazia experimentos em casa. 

    Pierina: Na verdade quando era criança meu sonho era ser astronauta, mas desisti quando descobri que não poderia levar minha cachorrinha nas missões comigo e imaginei que sentiria saudade dela e dos meus pais. Mas desde pequena sempre tive muita curiosidade por tudo que vinha da natureza. Meus avós são sitiantes e eu lembro de estar sempre brincando entre as árvores e fingindo que era cientista. 

    Um dos presentes mais marcantes que eu ganhei de um tio na infância foi um kit de brinquedo de química com alguns reagentes para fazer experiências e um mini microscópio que eu guardo até hoje. Além disso, meus pais sempre incentivaram muito minha curiosidade e gosto pela leitura, que são características essenciais para todo cientista. 

    Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

    Marjorie: Um assunto muito inspirador foi a Teoria da Evolução. Durante o ensino fundamental estudei em um colégio evangélico. Uma das matérias que tínhamos era o estudo da Religião Cristã. Em uma dessas aulas o tema foi a origem dos seres vivo e nosso professor falou sobre o criacionismo. 

    Eu que sempre gostei de programas de ciência e já havia visto sobre a evolução, perguntei sobre como isso se relacionava com a evolução. A resposta foi bem categórica: 1º isso era uma teoria e 2º se nós viemos dos macacos, por que eles não continuavam evoluindo? Quando cheguei em casa, abri a Barsa e li sobre teoria e evolução. Achei fantástico que havia várias áreas e evidências que se complementavam. Foi nesse momento que decidi seguir a carreira de cientista. 

    Pierina: Eu tive certeza de que queria ser cientista na primeira aula de genética que tive com a professora de biologia Carla, ainda no ensino fundamental. Eu lembro que estudar sobre as leis de Mendel foi uma das coisas mais incríveis que eu tinha aprendido na época. A partir disso, falei com meu primo Márcio, que também é pesquisador e biólogo formado pela Unicamp, e ele foi um dos meus maiores incentivadores na ciência e a pessoa que me guiou na escolha da carreira, e através dele tive meu primeiro contato com o mundo acadêmico.

    Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à ênfase em virologia?

    Marjorie: Eu sempre me interessei por Microbiologia. No final do primeiro semestre do curso de Ciências Biológicas já havia buscado um laboratório de Microbiologia, mas foi no final do 3º semestre que entrei para o laboratório de Microbiologia Clínica onde fiz meu trabalho de conclusão de curso (TCC). 

    Quando decidi seguir a carreira acadêmica, fiz um curso de Bioquímica na USP de Ribeirão Preto e tive um relance do que seria trabalhar como pesquisadora. Ao final da graduação, passei no mestrado para trabalhar com uma archaebacteria extremofílica (organismo que vive em condições geoquímicas extremas). Aprendi muito sobre biologia molecular e bioquímica nesse período, bases fundamentais para estudar virologia. 

    E um dia, em um dos seminários do departamento, conheci a linha de pesquisa de virologia. Foi algo que me inspirou profundamente. Quando percebi, já estava fazendo a seleção de doutorado no departamento de Biologia Celular e Molecular, no laboratório de Virologia. 

    Pierina: Eu sempre tive em mente que queria uma profissão que me permitisse ajudar muitas pessoas com meu trabalho. No segundo ano da faculdade de biologia, tive meu primeiro contato com a virologia nas aulas do meu atual orientador, o professor Dr. José Luiz Modena, onde vi a oportunidade de estudar um tema que afeta diretamente a vida das pessoas, além de ser um assunto que me permitiria trabalhar e aprender mais sobre outras áreas que me interessavam como Imunologia, Biologia Celular e Genética. 

    No final do semestre eu fui conversar com o professor sobre a possibilidade de fazer iniciação científica em seu laboratório, onde estou até hoje fazendo meu doutorado direto. Na época, o professor era recém contratado e teve que se ausentar por alguns meses para finalizar seu pós doutorado nos EUA. Como eu seria sua primeira aluna, a professora Dra. Silvia Gatti me recebeu nesses primeiros meses em seu laboratório, que posteriormente seria compartilhado com o professor José Luiz, onde tive oportunidade de começar a aprender mais sobre o tema com a professora e ter meu primeiro contato com as técnicas de virologia. 

    Durante minha iniciação científica me dediquei a estudar a relevância da replicação em endotélio para a neuropatogênese dos vírus Zika e Oropouche, um vírus que circula na região amazônica e causa uma doença chamada de Febre do Oropouche, que já atingiu mais de 500 mil pessoas em diversos surtos que ocorreram na região. Apesar da sua importância, esse vírus ainda é pouco estudado. Atualmente no meu doutorado busco entender o papel do IRF5 (um importante fator da resposta imune) na patogênese e neurovirulência do vírus Oropouche, estudando principalmente modelos de barreira hematoencefálica para entender como acontece a entrada desse vírus no cérebro. 

    Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

    Marjorie: No laboratório que desenvolvi meu doutorado, eram duas as principais linhas de pesquisa: vírus respiratórios e arbovírus (transmitidos por artrópodes, como insetos, por exemplo). Dentro desses temas as abordagens eram bem diversificadas que iam desde a biologia básica do vírus (processos de replicação, entrada, montagem) até a persistência em tecidos do hospedeiro. 

    No meu caso, me dirigi à pesquisa dos arbovírus. Em relação às dificuldades, vale ressaltar duas que me atingiram em cheio: a falta de insumos comerciais e a falta de interesse das agências de fomento em vírus que não são de interesse “imediato”.

    Pierina: Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e para estudá-los é preciso que eles se repliquem em culturas celulares ou modelos animais. No nosso laboratório, cultivamos diferentes tipos de células de acordo com as análises que serão realizadas, como por exemplo células isoladas do cérebro ou intestino. Além disso, os modelos animais são essenciais para situações que não podem ser reproduzidas in vitro, como estudos sobre o papel da resposta imune frente a infecção viral. 

    Outra ferramenta essencial para nossos estudos é a biologia molecular, utilizada para quantificar a replicação dos vírus nos nossos ensaios ou amostras de pacientes. Para mim, a maior dificuldade que temos hoje é com relação aos reagentes: a maior parte deles tem que ser importada, demorando de 3 a 6 meses para chegar, o que muitas vezes atrasa nosso trabalho, além do alto valor pelas importações serem feitas em dólar. 

    Qual é o objetivo e quais as possíveis contribuições da sua atual pesquisa sobre o SARS-Cov-2 e a COVID-19?

    Marjorie: Nenhum trabalho dessa magnitude é desenvolvido sozinho. A nossa equipe tem desenvolvido pesquisas de ponta em diversas frentes: triagem de medicamentos, patogênese, interação vírus-hospedeiro, biologia do vírus, etc. 

    De imediato, nossa maior contribuição tem sido participar da Cooperativa Paulista de Combate à COVID-19 que está usando o plasma (a porção do sangue que contém anticorpos) de pessoas já curadas da COVID-19 para tratar pacientes em estado grave. Neste projeto, nossa participação é de triar os plasmas que possuem anticorpos que consigam reconhecer o vírus SARS-CoV-2. Em Ribeirão Preto, nosso laboratório em conjunto com o Hemocentro da USP já obteve êxito usando este tipo de tratamento. 

    Pierina: Atualmente, nosso laboratório parou todas as pesquisas que estavam sendo realizadas para focar no estudo do SARS-Cov-2 em parceria com outros professores que também tinham interesse em estudar o vírus. Em resumo, buscamos entender os mecanismos pelos quais o vírus leva algumas pessoas a apresentarem a doença de forma mais grave do que outras, como fatores associados com a microbiota, envelhecimento e diabetes. Além disso, estamos estudando reposicionamento de fármacos que podem ter efeito contra o SARS-Cov-2 em parceria com pesquisadores do CNPEM.  

    Nesse sentido, como é a sua rotina como jovem pesquisadora no laboratório em que atua? Você tem acesso aos materiais e à infraestrutura necessárias para execução do seu trabalho?

    Marjorie: Nossa equipe de virologistas tem se dividido para podermos dar atenção a todos os projetos com SARS-CoV-2 que estão acontecendo na FMRP-USP. Eu estou participando mais ativamente em três principais projetos: triagem dos plasmas convalescentes, papel dos neutrófilos (um tipo de célula humana da imunidade) na COVID-19 e células circulantes infectadas pelo SARS-CoV-2 em pacientes. 

    Posso dizer que tenho um grande privilégio de fazer parte de uma equipe multidisciplinar que recruta os pacientes e fornece os insumos. Além disso, o Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP conta com um laboratório BSL-2, onde podemos processar as amostras dos pacientes e um laboratório BSL-3 amplamente equipado, no qual fazemos os experimentos com vírus isolado e modelos animais. Dessa forma, conseguimos trabalhar de forma segura tanto para nós quanto para a população.

    Pierina: Com a pandemia nossa rotina ficou ainda mais intensa, trabalhamos em período integral quase todos os dias da semana, incluindo feriados e finais de semana. Para trabalhar com vírus como o SARS-Cov-2 é necessário uma estrutura de biossegurança de nível 3 que existe em poucos laboratórios do país e o LEVE é um deles. Essa estrutura demanda treinamento especial das pessoas que irão trabalhar no local e o uso de equipamentos de proteção individual específicos, como macacão impermeável, máscara N95, faceshield (protetor facial), luvas e bota. 

    Além disso, o laboratório conta com sistema de pressão negativa e filtros para impedir que o vírus seja liberado no ambiente externo. A manutenção desses filtros e a compra dos equipamentos de proteção individual (EPIs) são muito caras, e com a pandemia alguns dos produtos ficaram ainda mais difíceis de comprar pela falta no mercado.

    Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

    Marjorie: Um tratamento para um estágio específico da doença pode ser possível. Existem muitos grupos no mundo focando os esforços em readaptar medicamentos aprovados para outras doenças para tratar a COVID-19. Agora, uma vacina segura e eficiente leva anos para ser desenvolvida. No meu entendimento, o maior desafio é a falta de conhecimento básico em relação a esse vírus, que impede tanto o avanço na produção de um antiviral específico quanto na de uma vacina eficaz

    Para desenvolver uma vacina ou um medicamento, é necessária uma base muito sólida de conhecimento chamado de “ciência básica”. Quanto melhor compreendido a interação patógeno-hospedeiro, mais rapidamente será desenvolvido alguma forma de intervenção. Sem entender como ele funciona no hospedeiro e de onde veio, as abordagens ficam bem restritas ao que há de conhecimento para vírus semelhantes. 

    Esse é outro ponto interessante para se considerar. O SARS-1 – “parente” mais próximo do Sars-Cov-2 – foi erradicado após 2003. Portanto, novas pesquisas após o ápice da epidemia foram deixadas de lado, e os grupos que tentaram continuar se depararam com a falta de interesse em financiar o estudo de um vírus que já havia sido eliminado.

    Pierina: Atualmente temos vários antivirais que apresentaram efeito na inibição da replicação do SARS-Cov-2 in vitro que já estão sendo utilizados em testes clínicos em todo o mundo, incluindo alguns dos medicamentos selecionados nos nossos estudos de reposicionamento de fármacos em parceria com o CNPEM. Se algum desses medicamentos se mostrar comprovadamente eficaz no controle da doença, em breve veremos os resultados. 

    Com relação a vacinas, já temos várias pesquisas em fases avançadas de teste em humanos, como é o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que será testada em voluntários aqui no Brasil. Além disso, tratamentos com imunomoduladores, anti coagulantes e transferência de plasma de pacientes que se recuperaram da doença também estão sendo estudados como forma de impedir o desenvolvimento de casos graves.

    Eu acredito que o principal desafio agora é a corrida contra o tempo. O desenvolvimento de remédios e vacinas passa por diversas etapas para garantir sua segurança e eficácia, e pode demorar anos até que os estudos sejam concluídos e os produtos comercializados.

    Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

    Marjorie: Achei impressionante como a China, tendo uma população de mais de 2 bilhões de pessoas, conteve a epidemia com menos de 90.000 casos confirmados. É difícil para o ser humano, como um ser sociável, fazer o distanciamento social. Por isso, de certa forma entendo o porquê a adesão a essa medida é muito difícil. Sem sombra de dúvidas, governos que tomaram medidas mais enérgicas conseguiram retomar com mais rapidez a reabertura da circulação da população. E hoje no Brasil estamos sofrendo as consequências de escolhas ruins dos (e de) governantes.

    Pierina: Após alguns meses do início da pandemia, conseguimos ver um padrão de sucesso nos países que controlaram de forma eficaz a disseminação do vírus, e isso é devido a dois fatores principais: o isolamento social e a testagem em massa da população. Atualmente, grande parte desses países já iniciaram sua reabertura tomando os cuidados necessários para que não ocorra uma segunda onda de surtos. Infelizmente, no Brasil ainda é baixo o índice de adesão ao isolamento social e existe uma grave defasagem na testagem da população, o que pode fazer com que a gente ainda demore algum tempo para conseguir conter o avanço da doença.

    Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do coronavírus em breve?

    Marjorie: Acredito que agora teremos uma vigilância maior em diversos aspectos por parte de toda sociedade. Tanto da população, quanto do corpo científico. Mas, como virologista, sai que é possível a emergência de vírus pandêmicos a qualquer momento.

    Pierina: As mutações nos vírus acontecem de forma muita rápida e de tempos em tempos surgem novas cepas patogênicas que podem causar grandes estragos, como já visto diversas vezes na história. Porém, existem formas de minimizar os danos e controlar ocorrência de novos surtos. 

    Muitos desses vírus que causam doenças em humanos circulam na natureza entre animais e, a partir do momento em que os humanos passam a invadir o seu habitat natural, aumenta a chance de serem acometidos por novas doenças e gerar surtos como visto com o SARS-Cov-2. 

    Dessa forma, fatores como o desmatamento e mudanças climáticas, que fazem com que esses animais selvagens ou seus vetores estejam em contato cada vez mais próximo com os humanos, são de extrema importância para pensarmos em formas de impedir a ocorrências de novos surtos. Além disso, a pandemia atual provou que o investimento em ciência é essencial para que estejamos preparados para controlar com eficiência o surgimento de novas situações como esta.

    Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

    Marjorie: Sim. Existem muitos obstáculos e preconceitos que encaro diariamente sendo uma cientista mulher. Eu quando era criança e pensava em ser cientista, imaginava que ser uma mulher cientista seria igual a ser um homem cientista. Hoje percebo que parecem carreiras distintas. Preferencialmente os homens são ouvidos em diversas ocasiões. 

    Além disso, diversas qualificações de um bom pesquisador homem não são bem vistas em pesquisadoras mulheres. Por exemplo, quando assume a liderança de algum projeto e precisa delegar e cobrar, você acaba sendo tachada de “mandona”. Um homem nessa posição seria um bom líder. Se você for muito assertiva, será chamada de agressiva. 

    Você precisa ter muito mais tato para falar nessas situações. Inclusive por parte de outras mulheres, infelizmente. Uma forma que os homens podem nos ajudar é, ao invés de se sentirem ameaçados, encorajarem e exaltarem as mulheres inteligentes, competentes e fortes que os rodeiam.

    Pierina: Tenho sorte de fazer parte de um laboratório composto majoritariamente por mulheres e termos um orientador que nos incentiva na carreira científica sem fazer esse tipo de distinção. Mas fica claro na maior parte dos eventos científicos que, por mais que a plateia seja homogênea e conte com muitas mulheres, nos cargos mais altos, bancadas e palestras de convidados a grande maioria é composta por homens. E isso com certeza não é por falta de mulheres qualificadas que realizam pesquisas brilhantes.  

    Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Doutoranda Pierina Lorencini Parise.

    Marjorie: A ciência é extremamente apaixonante, é um processo diário de questionamentos e de busca por respostas. É muito gratificante você saber que um determinado processo biológico só é compreendido hoje em dia porque você estudou e o descreveu. 

    Ciência significa a liberdade de pensamento e o poder do conhecimento. Fazer ciência me permite nunca parar de sonhar e o poder de criar ferramentas. Felizmente, vivo em uma época em que é possível para mim como mulher seguir os meus sonhos e explorar minhas curiosidades. 

    Tenho muita gratidão pelas mulheres que vieram antes e quebraram as barreiras do conhecimento para tantas outras. E hoje ser uma mulher cientista buscando meu espaço é minha contribuição para o empoderamento feminino e para uma sociedade mais igualitária.

    Pierina: Para mim, a ciência é a ferramenta essencial para o desenvolvimento da sociedade, servindo para criar um mundo melhor e mais justo através do conhecimento.

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    Nós, a equipe do Ciência pelos Olhos Delas, agradecemos as duas cientistas que, mesmo diante de uma rotina bastante atribulada, dedicaram seu tempo a responder essa entrevista.  

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    Você pode interessar-se também pela nossa primeira Entrevista do Ciclo temático Epidemias com a farmacêutica e microbiologista Drª Tania Ueda-Nakamura que aborda a pandemia causada pela COVID-19 ou ler mais sobre a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    Confira ainda os “Colírio Científico” do Ciclo temático Epidemias sobre divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus e sobre a antropóloga brasileira Debora Diniz, referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública no país durante epidemias.

    Esse texto teve a co-autoria da colaboradora Bruna Bertol.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como conter um apocalipse zumbi?

    Apocalipses zumbis são temas muito comuns em filmes, séries, animes e jogos. Vários podem ser os motivos que levam a um apocalipse zumbi, desde um macaco-rato-da-sumatra, exposição à radiação, materiais extraterrestres, misticismo/feitiçaria, nanorrobôs, até o favorito da mídia e dos fãs de Resident Evil, um fator biológico (como um vírus ou a cura de um vírus). Outras produções simplesmente não mencionam (ou não percebi se mencionam) uma origem, por exemplo, Madrugada dos Mortos 1, 2, 3, … nestes filmes os zumbis aparecem do nada e a história segue.

    Porém vamos estragar um pouco da “diversão” que seria viver em um apocalipse zumbi do tipo biológico. Sim, este é um tema divertido e esperançoso para várias pessoas que sonham sair por ai com armas em mãos, lutando contra hordas zumbis e vivendo as aventuras estilo “Walking Dead” (e é claro, sobreviver).

    Para facilitar nossa análise e dar uma chance pros nossos zumbis, vamos supor de forma super otimista, que a mesma energia do corpo seja aproveitada na forma de alimento por quem consome (sabemos que isso não é verdade, mas mostraremos que mesmo se fosse, a coisa não ficaria boa para os zumbis).

    Consideraremos também que eles comam apenas a carne de humanos… pois se eles comessem a carne de outros animais, seu “controle de natalidade” seria simplificado, e se eles comerem vegetais ou fungos, bom, ai já começaria a virar piada (por favor, sirva um prato de brócolis com alcaparras ao vinho para este zumbi).

    Sabemos que o recorde mundial de tempo sem comer, é do ilusionista carioca Ericson Leif, que ficou 51 dias a base de água. Assim, podemos dizer que uma pessoa em condições ideais e com metabolismo suficientemente lento, possa sobreviver este período com uma carga energética inicial de X calorias (sendo X o número de calorias que Ericson Leif tinha acumulado antes de ficar este período em jejum).

    De forma ultra otimista, diremos que todos os seres humanos antes de virarem zumbis, tenham a disposição estas X calorias. E que após virarem zumbis, seu metabolismo funcione de forma suficientemente lenta para manterem em atividade sem ingerirem nenhum alimento por até 51 dias (Ericson Leif ficou em repouso, mas estamos dando uma chance aos zumbis, por isso assumimos que eles podem se mover livremente neste mesmo período).

    Assim chegamos a nossos zumbis e dois comportamentos representativos.

    1. O zumbi apenas “mordisca” outro ser humano para que ele vire um zumbi com reserva energética muito próxima de X;
    2. O zumbi come a carne de outro ser humano até que sua reserva energética retorne a X.

    ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 1

    Neste contexto, um zumbi não come para repor seu estoque energético e sim para proliferar o fator biológico. Assim, cada zumbi começará sua jornada com X de energia, e o zumbi que mordeu a pessoa, manterá seu Y de energia restante, sem reposição.

    A vantagem para os sobreviventes diante este comportamento, é que podemos determinar quanto tempo resta para os zumbis conhecendo as datas e quantidades de vítimas em cada ataque. Por exemplo:

    Dia 0 – Existiam 10 zumbis;
    Dia 14 – 3 pessoas foram atacadas; (total 13 zumbis)
    Dia 26 – 1 pessoa foi atacada; (total 14 zumbis)
    Dia 38 – 2 pessoas foram atacadas; (total 16 zumbis)
    Dia 42 – 15 pessoas foram atacadas; (total 31 zumbis)
    Dia 51 – os 10 zumbis do dia 0 pararam de funcionar; (total 21 zumbis)
    Dia 53 – 4 pessoas foram atacadas; (total 25 zumbis)
    Dia 65 – os 3 zumbis do dia 14 pararam de funcionar; (total 22 zumbis)

    Nessa perspectiva, diante um volume intratável de zumbis localizado em uma mesma região, vamos supor que toda a população da cidade de São Paulo virou zumbi, ou seja aproximadamente 12.195.000 de zumbis, o que fazer?

    Uma pessoa em caminhada leve movimenta-se a 4 km/h. Um zumbi caminhando nesta velocidade por rodovias e sem interrupções, percorreria 96 km ao dia, dando-lhes um pouco mais de vantagem vamos arredondar esta distância para 100 km ao dia. Em seus 51 dias de energia, ele poderia percorrer até 5.100 km. Como zumbis não usam GPS, não se orientam com mapas e nem tem um propósito muito claro, estamos lidando com uma cadeia de Markov, ou seja, eles podem mover-se em qualquer direção (para simplificar, digamos norte, sul, leste e oeste apenas). Assim, digamos que a cada dia um zumbi tomaria uma decisão sobre para qual direção seguir.

    Simulando este comportamento para um número menor de zumbis, 243.900 (apenas 2% do total), chegamos que em seus 51 dias de caminhada, apenas 4.619 zumbis (1,8% dos 243.900 analisados) afastaram-se da origem a uma distância de pelo menos 1.500 km.

    Aplicando o resultado desta simulação para o contexto de São Paulo capital, podemos estimar que 219.510 zumbis percorrerão a uma distância de pelo menos 1.500 km.

    Distribuindo estes zumbis pelo perímetro de um círculo com 1.500 km de raio, temos 219.510 zumbis a serem distribuídos por 9.424 km. Isso nos dá cerca de 23 zumbis a cada 1 km.

    Assim, em cidades localizadas a 1.500 km de São Paulo, como por exemplo Cuiabá (MT), que tem aproximadamente 26 km na sua maior dimensão, poderíamos esperar a aparição de aproximadamente 600 zumbis (pode parecer muito, mas lembre-se que estamos falando de um surto inicial na faixa de 12 milhões).

    ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 2

    Neste contexto, o zumbi ao encontrar um ser humano, repõe sua energia para X, fazendo com que o novo zumbi comece sua “jornada” com uma reserva energética inferior a 51 dias. Não há uma diferença entre este comportamento e o anterior, pois se considerarmos que os zumbis são fisicamente iguais, quando o zumbi com Y de energia restante, encontra uma pessoa, no momento seguinte passamos a ter um zumbi com X de energia e um zumbi com Y de energia. A situação é igual aquela apresentada no comportamento 1 a menos de uma comutação entre zumbis.

    CONCLUSÃO

    Assim, a melhor estratégia para sobreviver no caso de um conglomerado de zumbis de natureza biológica, é nos afastarmos do epicentro, mantermos uma vigilância rígida nas fronteiras e termos paciência até que a quantidade de zumbis seja mais fácil de controlar.

    PÓS-CONCLUSÃO

    A ideia de viver uma pandemia zumbi não é incomum em conversas banais entre amigos, bem como as estratégias de sobrevivência… mas será que seguiríamos mesmo as estratégias de sobrevivência em uma pandemia zumbi, em que contatos precisam ser evitados ao máximo e qualquer saída na rua para buscar suprimentos básicos já pode ser considerado um risco potencial?
    Ou será que faríamos como os filmes e não acreditaríamos no que está acontecendo e tentaríamos fingir normalidade promovendo saídas de casa para encontrar pessoas sem saber se elas foram infectadas ou não?

    Uma pandemia biológica requer afastamento dos epicentros, vigilância rígida de fronteiras, contenção e tratamento de doentes, no mínimo isolando-os e muita, muita paciência para nos mantermos bem e saudáveis até que a quantidade de infectados por Coronavírus, digo, zumbivírus seja possível de ser controlada (com vacinas, por exemplo!).

    Agradeço a meu amigo Mago do Código, por insistir veemente que um apocalipse zumbi do tipo biológico como acontecem em filmes/séries/jogos seria insustentável, tais discussões renderam a elaboração deste post 🙂

    Também agradeço à professora Ana Arnt, pela pós-conclusão, que conecta o cenário hipotético de um apocalipse zumbi às medidas de contenção para pandemias biológicas gerais, tais como aquela em que estamos vivendo pelo Coronavírus.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples (parte 1)

    Algumas semanas atrás, interrogaram-me sobre os números de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que estavam muito bons e parecidos com Hong Kong (em quantidade de casos confirmados e óbitos).

    Tal questionamento foi feito no sentido das possibilidades de abertura do comércio com segurança e sem exposição das pessoas (com protocolos específicos, por exemplo), uma vez que os contágios estariam contidos. Esta ideia se dava ao comparar os dados das duas cidades naquele dia (26 de maio de 2020). Fui olhar com mais cuidado os dados. Além disso, conversar com a pessoa que me perguntou, para ver como ela entendia os números que me pedia para comparar…

    Uma das questões que vem acompanhando grande parte das dúvidas sobre a COVID-19, os contágios, o isolamento social é a dificuldade em compreender gráficos exponenciais, relacionar projeções populacionais, a partir de ações pontuais (como os isolamentos em situações específicas e de lugares específicos), entender as curvas que tanto falam (tu podes ler aqui e aqui sobre isso). Também têm sido difícil entender mudanças de posicionamentos a partir de dados científicos. Assim, o que é tão propagado como fonte de segurança e tomada de decisões acertadas, parece mudar ao longo do tempo (tu podes acessar este texto e este aqui sobre o tema).

    Meu intuito neste post não é acrescentar muitos dados difíceis de serem compreendidos. Pelo contrário! Quero tentar mostrar como olhar os dados de forma apressada pode nos passar uma falsa impressão de que é possível comparar números de modo isolado. Assim, podemos evitar cair em análises rápidas e descuidadas. A grande questão é que uma pergunta aparentemente simples me levou a muitos caminhos para organizar a resposta! Com isto eu, bióloga de profissão, fui convidando outros colegas especialistas para revisarem e me ajudarem na elaboração do texto/resposta. O resultado disso é: “senta que o texto é longo”! (E aguarda que este é só o primeiro de uma série!!!).

    Vamos refazer a pergunta: Olha Porto Alegre e Hong Kong, os números estão parecidos, qual o motivo das ações de flexibilização serem diferentes? (pergunta feita dia 26 de maio de 2020).

    Primeiros cuidados

    É fundamental compreendermos que a comparação entre Porto Alegre e Hong Kong não deveria ser feita “pela mesma data do calendário”. Por quê? Pois, o tempo em que a doença iniciou e se disseminou nas duas cidades é diferente. Se comparamos a mesma data, pegamos uma função exponencial em Hong Kong com 30 dias de diferença a mais do que Porto Alegre.

    Levando-se isto em consideração, o melhor a se fazer, nesse caso, seria uma comparação tomando por data inicial de ocorrência em uma cidade e comparando com o mesmo tempo decorrido na outra cidade.

    Além desta primeira precaução, ao observarmos os dados, existem outros pontos, que eu vou apresentar a vocês agora e levantar outras questões acerca dos números que achei. Seria fundamental também vermos como cada cidade encarou as medidas de isolamento. Pois tudo isto interfere na contagem dos casos. Isto é, analisar antes e depois das exposições, transmissão comunitária, quantidade de leitos com respiradores,  entre outros fatores. Só este parágrafo é pano para manga – ou texto para vários posts…

    Vamos aos dados?

    Resolvi encarar o desafio e olhar os dados das duas cidades no dia que me perguntaram, tentando mostrar como também não é simples compará-las, mesmo ignorando o que já apontei no item anterior.

    No dia 26 de Maio de 2020, Porto Alegre tinha um total de 32 mortes em 1049 casos confirmados da doença. Hong Kong, no mesmo dia tinha, um total de 4 mortes em 1.066 casos confirmados.

    A suposição inicial, na pergunta que foi feita para mim, era: se os números são próximos, qual o motivo de Hong Kong poder abrir o isolamento social e em Porto Alegre afirmarem que a flexibilização era precoce?

    Bom, ao ver os cenários aparentemente, numa primeira vista, os números eram próximos mesmo. Porém, será que estes números são suficientes para afirmar que as cidades estão parecidas em relação à COVID-19?

    Eu resolvi pesquisar um pouco mais… Vale lembrar que no dia 26 de maio Hong Kong tinha 1066 casos confirmados, desde o primeiro registro, que ocorreu 125 dias antes (23 de Janeiro). Já Porto Alegre estava com 1049 casos confirmados em 81 dias de controle e registro.

    Assim, as perguntas que achei pertinente fazer, num primeiro momento foi: quantos habitantes têm estas duas cidades? Qual a densidade populacional?
    – Porto Alegre tem cerca de 1.483.770 habitantes e uma densidade populacional de 2.837,52 habitantes por km2 (segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre).

    – Hong Kong tem cerca de 7.493.240 habitantes e uma densidade populacional de 6.510,23 habitantes por km2 (Segundo o Index Mundi).

    Estes dois dados são interessantes pois não apenas indicam que Porto Alegre têm menos gente (número de habitantes), mas têm uma menor quantidade de pessoas “no mesmo espaço” (número de pessoas “em um quilômetro quadrado”). Ainda têm dúvida sobre estes conceitos? De repente uma imagem pode nos ajudar com isto…

    Densidade Populacional de Porto Alegre, cada rostinho feliz representa 100 pessoas. O espaço inteiro representa 1km2
    Densidade Populacional de Hong Kong, cada rostinho feliz representa 100 pessoas. O quadrado inteiro representa 1km2.

    Perceba que essa informação me pareceu importante de ser trabalhada para explicar essa questão, a partir da ideia de que: se o SARS-CoV-2 é transmitido através do contato com pessoas contaminadas (ou pelo contato com objetos contaminados por estas pessoas), quanto “mais pessoas” em um mesmo espaço, mais facilmente se daria o contato, caso não houvesse nenhuma medida eficaz de controle, correto?

    Assim, o motivo de eu buscar estes dados de quantidade de pessoas e densidade populacional se deu pois o número absoluto de casos confirmados e óbitos não diz muito sobre o que está acontecendo em determinado lugar. Precisamos comparar números que sejam “compatíveis” entre si… Neste caso, eu busquei não apenas olhar os casos confirmados e óbitos, mas analisar também:

    1. os casos confirmados e óbitos em relação à quantidade de pessoas existente em cada cidade (eu achei melhor analisar quantos casos para cada 100.000 habitantes para entender melhor os números) e
    2. os casos confirmados e óbitos em um mesmo espaço (1 quilômetro quadrado);

      Veja o quadro comparativo, para o dia 26 de maio:

    Estes dados, olhando para o dia 26 de maio apenas (sem analisar os dados e sua modificação ao longo do tempo), já demonstram que não são nem um pouco iguais. Vamos tentar entender?

    A primeira ideia que tive foi ver “quantas pessoas contaminadas existem a cada 100 mil habitantes?”. Com isto, eu conseguiria comparar números compatíveis entre si, pois faria uma proporção para quantidades equivalentes na população. Hong Kong têm uma população muito maior que Porto Alegre – para ser exata 5,05 vezes maior. Porto Alegre, no dia 26 de maio, estava com 71 casos confirmados a cada 100 mil habitantes, enquanto que Hong Kong estava com 14 casos confirmados a cada 100 mil habitantes, para ser exata, Porto Alegre têm 5,07 vezes mais pessoas contaminadas do que Hong Kong, a cada 100 mil pessoas. Esta relação já nos diz que não. As cidades não apresentavam dados semelhantes naquele momento.

    Outra pergunta que eu fiz ao olhar os números era a densidade populacional… Hong Kong tem uma quantidade de pessoas vivendo dentro de um mesmo espaço muito maior do que Porto Alegre, já mostrei isso com as carinhas felizes lá em cima. O fato de ter um número próximo de casos confirmados nos indica que há muito menos pessoas infectadas dentro de um mesmo território, comparativamente. A densidade de pessoas contaminadas confirmadas em Porto Alegre (2,01 pessoas) é mais que o dobro da densidade de pessoas contaminadas em Hong Kong (0,93 pessoas).

    Outro dado para pensarmos: temos um número próximo de casos confirmados, no entanto, Hong Kong têm 5 vezes a quantidade de pessoas. Isto é: comparativamente, a cidade de Hong Kong tem muito menos pessoas contaminadas do que Porto Alegre em um total de habitantes.

    Sobre a relação entre os óbitos, existem muitos fatores que podem influenciar estes dados e, embora Porto Alegre tenha 8 vezes mais óbitos do que Hong Kong, seriam necessárias informações mais minuciosas para se compreender completamente os óbitos e poder compará-los… Uma das questões poderia ser mais vinculada à quantidade de testes e à subnotificação no Brasil, o que gera uma ideia de maior letalidade aqui. Mas sobre os testes, falaremos em outro post… Aguarde 🙂

    Voltarei a ressaltar que o SARS-CoV-2, o novo Coronavírus, se transmite pelo contato entre pessoas, em espaços públicos e comerciais, de trabalho e, também em moradias com mais de uma pessoa, correto? É de se esperar, portanto, que uma cidade em que a densidade populacional é maior teria uma quantidade de pessoas infectadas maior também, pela própria forma como esta doença se espalha. Aqui temos um dado muito importante: Hong Kong, mesmo com uma densidade populacional 2,3 vezes maior que Porto Alegre, tem uma densidade menor de casos confirmados (menos da metade de casos, por quilômetro quadrado!!!).

    Em suma…

    Por hoje resolvi apresentar este primeiro exercício respondendo à questão, de tentar observar os dados e realizar perguntas para eles, buscando resposta nos sites oficiais, reportagens jornalísticas e artigos científicos.

    Esta pergunta se mostrou muito produtiva (para mim, ao menos) para pensar como existem dados que, sim, podem nos confundir e que existem diferentes maneiras de interpretarmos as informações. Além disso, compreender ciência não basta para sabermos explicar algo que é, numa primeira vista, uma pergunta simples. Com isso, já adianto que vem mais respostas por aí e que usarei estes dados para exemplificar e explicar como podemos analisar os números que nos vem sendo apresentados. Como podemos entender melhor os gráficos que têm sido mostrados, as relações entre estes gráficos e números, etc.

    Para isso, já adianto que chamei um conjuntinho de pessoas incríveis para me ajudar (inclusive intimei para escrever hehehe)! E esta primeira parte da resposta eu já tive colegas que me deram um grande apoio, lendo, comentando, dando pitaco. Vou agradecer formalmente ao Marco Henrique, do blog zero (que além da revisão e das mil ideias, fez as imagens e corrigiu todos os cálculos! hehehe), o Samir Elian, do blog Meio de Cultura A Erica Mariosa, do blog Mindflow, e o Roberto Takata, do blog Gene Reporter.

    Para saber mais

    AAA INOVAÇÃO (2020) Linha do Tempo do Coronavírus no Mundo [31/12/19 até 10/06/2020], Acesso em 09/06/2020.

    CRONOLOGIA DA PANDEMIA COVID-19 (2020) Wikipedia, Acesso em 09/06/2020.

    DIHL, Bibiana (2020) Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal Gaúcha ZH Porto Alegre, 02/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    GONZATO, Marcelo (2020) Porto Alegre tem a quarta menor incidência de coronavírus entre as capitais. Gaúcha ZH Saúde.

    HONG KONG NÃO TÊM (2020) Hong Kong não tem novos casos de coronavírus pela 1ª vez em quase 2 meses Valor Econômico, Acesso em 09/06/2020.

    LIMA, Lioman. (2020) Coronavírus: 5 estratégias de países que estão conseguindo conter o contágio BBC Brasil, 18/03/2020, Acesso em 09/06/2020

    MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Coronavírus Brasil Acesso em 09/06/2020.

    MOTA, Renato (2020) Países asiáticos voltam a ver seus números da Covid-19 crescerem Olhar Digital, 07/04/2020, Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE Secretaria de Saúde (2020a) Boletim COVID-19 nº 65/2020 Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020b) Boletim COVID-19 nº 78/2020, Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE (2020c) Prefeitura prorroga decreto de isolamento social e libera mais alguns setores Acesso em 09/06/2020.

    ROCHA, Camilo (2020) Os estudos que mostram o impacto positivo do isolamento social Nexo Jornal, 21 de abr de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    SORDI, Jaqueline (2020) Lupa na Ciência: Estudos mostram eficácia do isolamento social contra Covid-19 e projetam cenários Agência Lupa, 20 de abril de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    YUGE, Claudio (2002) Países que já haviam controlado a COVID-19 confirmam a 2ª onda de infecções Canal Tech, 06 de Abril de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    Worldometers (2020) Coronavírus Acesso em 09/06/2020.

    ZUO, Mandy; CHENG, Lilian; YAN, Alice e YAU, Cannix. (2019) Hong Kong takes emergency measures as mystery ‘pneumonia’ infects dozens in China’s Wuhan city. South China Moorning Post,  31 dezembro de 2019. Acesso em 09/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • A estupidez dos “Especialistas” de internet em tempos de pandemia: o efeito Dunning-Kruger

    Por Daniel Nunes e Davi Carvalho

    A principal causa dos problemas no mundo de hoje é que os idiotas estão cheios de certeza enquanto as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida.” (Bertrand Russell, em o Triunfo da estupidez)

    Você provavelmente já se deparou com comentaristas de redes sociais falando com convicção sobre um determinado tópico sem ter uma dose razoável de conhecimento necessário para isso, não? No contexto de uma pandemia, a coisa fica ainda pior: não faltam “especialistas” a versar sobre assuntos que pouco ou nada sabem, mas sempre cheios de certeza. “É só uma gripezinha”, alguns defendiam, convictos, sobre a doença causada pelo coronavírus, em que pesem várias evidência em contrário.  É muito estranho que, mesmo com bem pouco conhecimento,  tenham tanta certeza, não é mesmo? Na verdade, esse é um fenômeno bastante comum. Quando se depara com os “especialistas” de internet (e mesmo fora dela), você assiste à manifestação de um mecanismo psicológico humano dos mais recorrentes: o efeito Dunning-Kruger.

    Entendendo o conceito

    “A ignorância gera autoconfiança com mais frequência do que o conhecimento“. (Charles Darwin)

     O efeito Dunning-Kruger é um problema ligado à metacognição – a habilidade do indivíduo em monitorar seus processos cognitivos e identificar suas limitações de conhecimento e compreensão em diversas situações. Esse efeito se manifesta mais comumente nas pessoas como a incapacidade de reconhecer sua própria ignorância, alimentando, assim, uma ilusão de superioridade e conhecimento superestimados. De forma mais direta: quanto mais ignorante em determinado assunto, mais confiante a pessoa pode se sentir ao opinar sobre ele. Isso te soa familiar?

    O efeito leva o nome dos pesquisadores que primeiro o estudaram e a história de sua descoberta científica é das mais curiosas, quase cômica.

    O assalto à razão – a descoberta do efeito Dunning-Kruger

    Um caso pitoresco, ocorrido em 1996, chamou a atenção dos psicólogos David Dunning e Justin Kruger da Universidade de Cornell, EUA.  Um sujeito chamado McArthur Wheeler acreditou ter o poder de ficar invisível ao passar suco de limão no rosto e, certo dessa habilidade, assaltou dois bancos sem usar máscara alguma. Wheeler, que chegou a piscar para uma das câmeras de segurança em um dos assaltos, foi, claro, facilmente identificado pela polícia após analisarem as imagens. O mais intrigante na atitude de Wheeler é que ele não apresentava sintomas de transtornos psiquiátricos e nem estava sob efeito de entorpecentes; ele realmente acreditava em sua invisibilidade diante das câmeras ao cometer o crime. Tanto ele acreditava nisso que, relataram os policias, Wheeler ficou chocado que seu plano infalível (?) tivesse falhado e lhes teria dito, espantado: “Mas eu usei o suco de limão!”

    O que a princípio era um caso surpreendente e cômico, motivou um criterioso estudo publicado por Dunning e Kruger [1], em 1999. Nesse estudo, os pesquisadores investigaram o que leva um indivíduo a sentir-se tão confiante e a superestimar tanto suas habilidades sobre algo, ainda que não tivesse um conhecimento razoável para isso, o que, evidentemente, pode levar a pessoa a um comportamento absolutamente estúpido e ainda ter orgulho disso. A conclusão à que chegaram Dunning e Kruger foi a de que a ignorância gera realmente mais confiança e segurança do que o conhecimento.

    “Taxa de confiança x Conhecimento real” [Fonte: https://medium.com/altruísmo-eficaz-brasil/]

    No entanto, é também possível que pessoas competentes sofram de inferioridade ilusória, duvidando de suas próprias habilidades e subestimando suas capacidades, muitas vezes acreditando que são uma fraude. Quando isso ocorre, passam a acreditar que outros indivíduos menos capacitados estão no mesmo nível de conhecimento e desenvolvimento de tais habilidades do que elas. Essa distorção, que é o oposto do efeito Dunning-Kruger, é chamada síndrome do impostor e foi descrita, em 1978, pelas psicólogas Pauline Rose Clance e Suzzane Imes, da Universidade Estadual da Geórgia, EUA [2].

    A esta altura, ao entender o que é e como funciona o efeito Dunning-Kruger, é bem possível que a leitora já esteja se lembrando de situações do Brasil atual nas quais viu esse mecanismo psicológico ocorrendo, não? 

    Dunning-Kruger, estupidez e política em tempos de pandemia 
    “Especialista” de internet no ringue (Fonte: Renato Machado – cartunista)

    Tal como ocorre em época de Copa do Mundo, quando todo brasileiro se torna técnico de futebol, no Brasil atual, em função da pandemia de covid-19, muitos se tornaram epidemiologistas e microbiologistas. Até quando deve durar a quarentena? A cloroquina deve ser utilizada por quem contrair o vírus? Há milhares de cidadãos ávidos para responder a perguntas como essas país afora.

    Desnecessário seria dizer que, em um país formalmente democrático, todos são livres para ter uma opinião e para expressá-la nas redes sociais ou fora delas. Quando um cidadão comum exerce seu inalienável direito de expressão e emite uma opinião pouco ou nada embasada, distante da realidade, isso pode até ter algum impacto negativo em termos da influência de sua afirmação sobre a concepção de outras pessoas. Essa influência, porém, tende a ser bastante limitada no caso do cidadão comum. Em geral, se existente, ela é limitada a um círculo social restrito, como sua família e amigos.

    No entanto, algo bem mais problemático ocorre quando pessoas em posições-chave  no mundo da política reproduzem, com convicção, — exatamente por serem ignorantes — opiniões anticientíficas, enviesadas ou completamente equivocadas [3]. Do ministro das Relações Exteriores atribuindo o aquecimento global à posição de termostatos próximos a asfalto quente [4], passando pelo presidente criticando material didático por ter “muita coisa escrita” [5], até, mais recentemente, o ministro interino da Saúde afirmando que as regiões norte e nordeste estão ligadas ao inverno do hemisfério norte [6], tem sido muitos os exemplos de gente em posições-chave opinando, com curioso grau de segurança, sobre assuntos que nitidamente desconhecem.

    O efeito Dunning-Kruger não tem lado ideológico

    Dada a capacidade de lideranças políticas de influenciarem milhões de seguidores, em qualquer tempo isso já seria um problema; torna-se ainda mais grave, porém, podendo atentar contra a saúde pública, em um contexto de pandemia global. E na conjuntura atual, fica claro que o efeito Dunning-Kruger não poupa líderes de nenhum dos lados do espectro político-ideológico. Tanto Jair Bolsonaro, no Brasil, quanto Nicolás Maduro, na Venezuela, insistem, convictos, mesmo sem fundamentos científicos sólidos, no uso da cloroquina no combate ao coronavírus [7]. Maduro, líder latinoamericano de esquerda, chegou a postar uma receita caseira de ervas como antídoto ao coronavírus no Twitter [8]. Nos Estados Unidos, Donald Trump chegou a sugerir que injetar desinfetante poderia ajudar no combate ao coronavírus (sim, você leu certo), o que levou ao aumento de casos de intoxicação por desinfetante, em Nova York, horas após a fala do presidente estadunidense [9].

    Como é possível que, mesmo autoridades que deveriam se fiar pelos dados e pela ciência, ajam dessa maneira? Por mais trivial que a explicação possa parecer, aí vai: faltam a eles as habilidades necessárias para reconhecerem sua ignorância, ou seja, sua ignorância é tal que os impede de saberem o quão ignorantes são. Como bem resume o psicólogo social David Dunning: “Se você é incompetente, não tem como saber que é incompetente (…) As habilidades que você necessita para produzir uma resposta certa são exatamente as habilidades que você precisa ter para reconhecer o que é uma resposta certa.” [10]

    Uma conclusão pela humildade

    “Todo mundo é ignorante, mas em assuntos diferentes” Will Rogers (1879-1935)

    De agora em diante, toda vez que a leitora se deparar com palpiteiros de plantão pela internet (mas também autoridades políticas), cheios de confiança, apesar de pouquíssimo conhecimento sobre o que falam, já saberá que está diante de um viés cognitivo muito comum. É possível também que esteja se perguntando se há maneiras de evitar o efeito Dunning-Kruger no seu próprio comportamento. Você não quer contribuir para a desinformação já colossal na internet, não é mesmo? Saiba que o primeiro passo, nesse sentido, já foi dado: saber da existência do efeito. É fundamental termos a humildade de reconhecer que sabemos muito pouco sobre muitas coisas. “Só sei que nada sei”, diz a célebre frase atribuída ao filósofo grego Sócrates. Sejamos socráticos. E isso porque, arafraseando o historiador norteamericano Daniel Boorstin, o grande inimigo do conhecimento não é a ignorância. É a ilusão de conhecimento.

    E caso a leitora seja como nós, que vivemos nos envolvendo em debates na internet (quem nunca?), ao entrar na disussão de um tema qualquer, sugerimos, como “vacina” ao Dunning-Kruger, que se lembre sempre do seguinte provérbio popular, comum no mundo de língua inglesa: ao argumentar com um tolo, certifique-se que ele não está fazendo a mesma coisa.

    REFERÊNCIAS:

    1. Kruger, J., & Dunning, D. (1999). Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6), 1121-1134. doi:10.1037/0022-3514.77.6.1121. [Link];
    2. Clance, P.R., Imes, S. (1978). The Impostor Phenomenon in High Achieving Woman: Dynamics and Therapeutic Intervention. Georgia State University, University Plaza Atlanta, Georgia 30303 [Link];
    3. Hornsey, M.J., Finlayson, M.,Chatwood, G.,Begeny, C.T. (2020). Donald Trump and vaccination: The effect of political identity, conspiracist ideation and presidential tweets on vaccine hesitancy. Journal of Experimental Social Psychology. Volume 88, Masy 2020, 103947. [Link].
    4. Marin, D.C. (2019) Chanceler atribui aumento da temperatura da Terra a asfalto quente. Revista Veja, edição de 30 de maio de 2019 [Link];
    5. (2020). Bolsonaro diz que livros didáticos tem “muita coisa escrita” e pede estilo mais “suave”. Jornal Estadão, Edição de 3 de janeiro de 2020 [Link];
    6. (2020) Ministro interino da Saúde liga inverno europeu ao Norte e Nordeste e vira meme. Revista Istoé, Edição de 10 de junho de 2020. [Link];
    7. Barrucho, L. (2020). Cloroquina “une” Bolsonaro e Maduro em meio à pandemia de coronavírus. BBC News Brasil em Londres, Edição de 15 de maio de 2020 [Link];
    8. (2020) Post de Maduro com recomendação de mistura de ervas para combater coronavírus é deletado pelo Twitter. Estado de Minas – Internacional, Edição de 26 de março de 2020 [Link];
    9. (2020) NY registra aumento de intoxicação por desinfetante após sugestão de Trump. Revista Exame, Edição de 26 de abril de 2020 [Link];
    10. Dunning, D. (2018). The best option illusion in self and social assessment. Pages 349-362, Self and Identity – Received 17 Sep 2017, Accepted 11 Apr 2018, Published online: 24 Apr 2018 [Link].

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Somos Todos um: A pandemia e a questão Indígena

    Lá no início dessa pandemia, em março de 2020, na postagem ‘Como divulgar informações de prevenção do Covid-19 se a língua de seu país não é a sua?’ conversamos um pouco sobre o trabalho da Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) sobre os desafios de adaptar as informações de prevenção do Covid-19 para as comunidades indígenas próximas a UFAM em Benjamin Constant.

    Agora, em junho de 2020, conhecemos outra iniciativa, agora mais perto de casa, que também se propõe a contribuir com as comunidades indígenas na prevenção da Covid-19, a Organização Não-Governamental (ONG) Kamuri – Indígenismo, Ação Ambiental, Cultura e Educação

    Criada por indigenistas, em Campinas – SP, Kamuri realiza, desde 2006, diversas ações que promovem a divulgação da questão indígena e realiza trabalhos  em  comunidades indígenas, na formação de professores, inclusão digital das comunidades indígenas, registro das línguas e cultura indígena em mídias digitais,  e produção de material didático para a educação escolar indígena, além do apoio à produção de alimentos saudáveis e divulgação de técnicas de permacultura.

    No Estado de São Paulo a Kamuri desenvolve, desde 2013, um Programa de Revitalização das Línguas Indígenas no Estado – abrangendo as línguas Kaingang, Nhandewa/Tupi-Guarani, Krenak e Terena – em parceria com o Grupo de Pesquisa Indiomas (IEL/Unicamp) e com apoio da FUNAI, programa que já rendeu 7 publicações de materiais didáticos para as comunidades de São Paulo (beneficiando também comunidades do Norte do Paraná e de Minas Gerais).

    E durante essa quarentena tivemos a feliz oportunidade de conversar com a Prof. Dra. Juracilda Veiga – Co-Fundadora e atual Coordenadora da Kamuri sobre esse trabalhom sobre o trabalho que eles vem realizando, confira:

    Com quais comunidades indígenas vocês têm trabalhado?

    R:  A Kamuri é integrada por indigenistas, pesquisadores acadêmicos (especialmente da linguística, educação e antropologia), profissionais liberais e estudantes.

    Temos uma longa atuação em programas de educação escolar indígena (sobretudo no assessoramento direto a avaliações e planejamento de escolas indígenas e na formação de professores) e realizamos periodicamente os Encontros sobre Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas – ELESI (um dos poucos – e um dos mais importantes – eventos de âmbito nacional, aberto, sobre educação indígena no Brasil).

    Desenvolvemos ações importantes de formação de professores e junto a escolas indígenas do Rio Grande do Sul (especialmente entre 2008 e 2014); participamos do projeto Web Indígena, conduzido pelo grupo InDIOMAS, e atuamos diretamente em educação junto aos professores de uma dúzia de escolas e áreas indígenas do Estado de São Paulo, especialmente com o programa de Revitalização Linguística, iniciado em 2013.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    No caso das comunidades do Alto Solimões, nossa atuação tem sido na forma de contribuição para combater a disseminação do Coronavírus nas comunidades indígenas, especialmente os Tikuna e Kokama. O Alto Solimões compreende 13 etnias (7 em território Brasileiro) e  concentra uma população indígena de cerca de 123 mil pessoas , (68 mil indígenas em território Brasileiro, desses 46 mil são Tikunas  ou 68 % do total da população indígena na região).

    As principais comunidades Tikuna são: Feijoal, com 577 famílias e cerca de 5000 mil pessoas.  Aldeia Belém do Solimões: 1.014 famílias,  5.800 pessoas.  Aldeia Umariaçu 1.  são 504 familias, 2.191 pessoas. Aldeia Umuriaçu 2.  São 1302 familias, e 5002 pessoas. Aldeia Filadelfia, 269 famílias. 1400 pessoas. E a campanha, à medida em que segue recebendo contribuições, buscará levar apoio a todas elas, além das famílias Kokama que já ajudamos, e famílias Tikuna da divisa, oficialmente moradores da Colômbia.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    Como tem sido o trabalho de divulgação científica sobre a prevenção da Covid-19 nessas comunidades assistidas por esse grupo de apoio voluntário?

    R: E diante dessa pandemia a Kamuri se propôs a colocar em prática uma Ação Solidária com as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões (Tikuna e Kokama e outras etnias da tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru).

    O pedido de socorro chegou ao IEL Unicamp  por Ozias Guedes Alberto, um mestrando indígena da etnia Tikuna, da Aldeia Feijoal (AM), que solicitava álcool em gel e mil máscaras para seu povo. Professores do IEL decidiram lançar uma Campanha para a arrecadação de recursos, solicitando apoio da Kamuri para organizar a arrecadação e a destinação final dos recursos, visto que estamos muito longe do local de realização das ações.

    Além de disponibilizar a conta da Kamuri para receber as contribuições em dinheiro, as coordenadoras da Kamuri articularam uma rede de apoio local, apoiando-se em grupos já organizados no Amazonas (em Manaus, Tabatinga e Benjamim Constant).

    As dificuldades de transportar álcool em gel de São Paulo para Tabatinga, fez optar por soluções locais mais ágeis e, nesse contexto, mais eficientes: montar nas cidades maiores próximas das aldeias, kits de higiene com água sanitária, sabão em pó, sabão em barra e sabonete.  E, também para contornar dificuldades logísticas e garantir rapidez no atendimento das urgências, em lugar de enviar máscaras de proteção prontas, decidiu-se por produzir localmente, gerando também, com isso, oportunidade de trabalho e renda para famílias locais.

    Informações atualizadas em 27/05/2020 sobre a situação da covid-19 nas comunidades indígenas, outras informações atualizadas podem ser conferidas aqui

    Local de Cobertura
    Casos Confirmados
    Casos que vieram a óbito

    Nos fale mais sobre o SOS TIKUNAS.

    R: A Campanha SOS TIKUNAS com o objetivo de apoiar as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões contra a pandemia do o COVID 19 começou dia 7 de Maio de 2020 por iniciativa dos professores do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp).

    A propósito, imediatamente iniciada aqui, um docente do IEL atuando como Professor Visitante na Universidade de Pequim, divulgou a campanha também lá, entre docentes e estudantes, e enviaram um importante aporte em dinheiro para ajuda aos Tikuna.

    Junto desse trabalho, já realizado pela Kamuri, procuramos minimizar os efeitos da pandemia entre os indígenas daquela região, disponibilizando informações, materiais de divulgação cientifica em língua tikuna e português, apoio e tradução das comunidades interessadas.

    Também há ações de ajuda comunitária de promoção de kits de higiene, cestas básicas e a confecção de máscaras de pano para essas comunidade, que seguem junto com materiais de divulgação científica.

    A Kamuri também promove divulgação científica sobre a Covid-19 em libras, confira aqui

    Outros materiais de divulgação científica sobre a Covid-19 em Língua Tikuna podem ser encontrados aqui

    Quais os retornos que a Kamuri tem recebido sobre esse trabalho?

    R: Temos recebido mensagens carinhosas das comunidades que ajudamos, tanto Tikunas como Kokamas.

    Da China, além do apoio financeiro, vieram mensagens muito significativas de jovens estudantes da Universidade de Pequim, dirigidas aos próprios Tikuna.

    Mas o retorno mais importante são as fotografias e as informações que nos repassam, por mensagem, das aldeias, mostrando os equipamentos, kits e alimentos sendo entregues a cada família, contribuindo, seguramente, e muito, para diminuir os impactos da pandemia e conter sua propagação nas aldeias, em uma região onde os equipamentos de saúde são limitados e precários.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Máscaras e testes são necessários para evitar a transmissão assintomática do SARS-CoV-2 liberado em aerossóis e gotículas.

    Esse é o resumo do artigo publicado na respeitada revista Science, do dia 27 de maio de 2020. Trata-se de um artigo que coloca em perspectiva as medidas para a redução da transmissão do SARS-Cov-2 por meio de testagem e do uso máscaras pela população. Uma análise necessária… principalmente aqui no Brasil, onde os dirigentes estão tirando a população da quarentena em pleno momento ascendente da curva de casos! (veja nossa série “O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1 e parte 2).

    Ao respirarmos, falarmos, tossirmos ou espirrarmos acabamos liberando gotículas e aerossóis. Se estamos com alguma infecção respiratória viral, vírus vão estar contidos ali. Aerossóis são partículas muito, muito pequenas, são menores que cinco micrômetros (≤ 5 μm) enquanto as gotículas possuem mais de cinco-dez micrômetros (> 5-10 μm).  

    Um conjunto combinado de fatores (tamanho da partícula, velocidade que a partícula é liberada, gravidade, evaporação) vai determinar a distância percorrida e o tempo que a partícula permanecerá no ar. De forma simplificada, gotículas caem no solo mais rápido do que evaporam, permitindo assim uma maior taxa de contaminação de superfícies. Os aerossóis, por sua vez, permanecem mais tempo no ar e podem ser transportados por longas distância, permitindo uma maior taxa de contaminação por inalação. Além disso, a inalação de partículas menores pode estar relacionada à gravidade da doença (aerossóis muito pequenos, poderiam chegar diretamente às regiões mais profundas dos pulmões, onde o sistema de defesa atua mais vagarosamente, causando uma doença mais grave).

    Para efeito de comparação, uma gotícula grande de 100 μm (em rosa na escala da figura), atingiria o chão em 4,6 segundos e uma distância de quase 2,5 metros, enquanto uma partícula de aerossol de 1μm poderia permanecer no ar por cerca de 12 horas. Além disso, tosses e espirros intensos podem lançar as gotículas por mais de 6 metros (os aerossóis podem ir ainda mais longe). Estima-se que uma pessoa com COVID-19 falando alto por 1 minuto pode gerar de mais 1.000 partículas de aerossóis, o que poderia levar a liberação de mais de 100.000 partículas virais de SARS-COV-2!

    Há, ainda, diferenças na densidade de partículas virais no ar em ambientes abertos e fechados. Apesar de ainda termos poucos estudos sobre taxa de transmissão de SARS-CoV-2 ao ar livre, as concentrações ali são mais rapidamente diluídas, além de que o SARS-CoV-2 pode ser inativado por radiação UV da luz do sol, provavelmente seja sensível à altas temperaturas ambiente, bem como à presença de aerossóis atmosféricos que ocorrem em áreas muito. Porém, ao mesmo tempo, os vírus podem se prender a outras partículas presentes no ar, como poeira e poluição e, assim, aumentar sua dispersão (distância e tempo no ar). Observou-se, por exemplo, que pessoas que vivem em áreas muito poluídas apresentam maior COVID-19 com sintomatologia mais grave.

    As máscaras surgem como uma importante barreira uma vez que o seu uso reduz a probabilidade e a gravidade da COVID-19 e reduz significativamente as concentrações de SARS-CoV-2 liberadas no ar. As máscaras também podem proteger os indivíduos não infectados das partículas liberadas e contaminadas com SARS-CoV-2 presentes no ar. Na figura abaixo vemos as 4 situações diferentes na qual pessoas saudáveis podem entrar em contato com o vírus liberado por uma pessoa infectada assintomática:

    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS SEM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra mais exposta ao vírus
    • Pessoa infectada assintomática sem máscara e pessoa saudável com máscara
    • Pessoa infectada assintomática com máscara e pessoa saudável sem máscara
    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS COM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra menos exposta ao vírus

    Alguns estudos identificaram a eficiência de filtragem de aerossóis por máscaras caseiras feitas com materiais adequados e bem ajustadas ao rosto foi encontrada como semelhante a de máscaras médicas (mas ainda precisamos de mais estudos para essa confirmação). Acontece, porém, que a universalização da proteção que o uso correto das máscaras caseiras deveria trazer não acontece como deveria. É só olhar pela janela de casa e ver que nas ruas as pessoas estão andando com máscara frouxa, ou sem máscara, ou com a máscara no queixo ou pescoço, ou com o nariz exposto… Ou seja: a proteção não está funcionando!

    Outro ponto importante a ser levantado é que nas infecções respiratórias mais comuns, as transmissões dos vírus ocorrem por meio das partículas liberadas em tosses ou espirros de indivíduos sintomáticos. Porém, para a COVID-19 o que está sendo observado é um pouquinho diferente: a transmissão parece ocorrer principalmente pela liberação de aerossóis durante a fala ou a respiração de indivíduos contaminados, mas que não apresentam sintomas (indivíduos assintomáticos) – ainda que estes venham a desenvolver os sintomas depois.

    O que expusemos neste post é muito importante pois é o que deve guiar a maneira que devemos agir para reduzir a transmissão do vírus. O que deveria ser muito simples, uma vez que são dois os principais pontos que devem ser observados, tudo é muito difícil pois depende da cooperação da população e bom senso e boa gestão dos nossos governantes:

    Precisamos: [1] de medidas que reduzam a liberação de aerossóis (uso CORRETO de máscaras com boa taxa de filtração); e [2] realizar testes para saber quem são os indivíduos contaminados assintomáticos e, assim, teremos dados reais para que os governos possam elaborar políticas públicas/estratégias pensadas com cuidado para essas pessoas e que visem evitar a disseminação da COVID .

    Em Wuhan, cidade que foi o epicentro inicial da COVID-19, por exemplo, ao iniciar o processo de saída da quarentena foram detectados novos casos da doença. O medo de que uma nova onda da doença surgisse levou as autoridades locais a realizarem um grande movimento para testarem toda a população. Foram mais de 9,9 milhões de testes realizados, com a identificação de 300 casos de portadores assintomáticos do vírus. O curto dessa ação foi de aproximadamente 126 milhões de dólares.

    Pelo jeito algo parecido aqui no Brasil vai ser muito difícil…

    ATUALIZAÇÃO: A Organização Mundial da Saúde (OMS) liberou novas orientações para a fabricação de máscaras caseiras! Veja abaixo o infográfico produzido pela equipe do COVID-19 DivulgAÇÃO Científica.


    Para saber mais, consulte:

    Prather KA, Wang CC, Schooley RT. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science (2020). doi: 10.1126/science.abc6197.  

    Reuters. Testes em massa em Wuhan registram 300 portadores assintomáticos de coronavírus, mas nenhum novo caso. Publicado on-line em 02/06/2020.
    COVID-19 DC. Nova orientação para máscaras caseiras. Publicado on-line em 06/06/2020.

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  • Conheça Debora Diniz, antropóloga referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública no Brasil durante epidemias

    Debora Diniz. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Ao conversarmos sobre a possibilidade de fazer um ciclo temático no blog sobre as mulheres que atuaram e atuam em contextos de Epidemias, nós, da equipe do Ciência Pelos Olhos Delas, vimos como essencial visibilizar também as pesquisadoras que trabalham nas esferas do conhecimento ligadas às ciências sociais e humanas – algo que foi trazido à pauta com a entrevista que a Carolina Francelin fez com a pedagoga, professora e pesquisadora Telma Vinha.

    Por que Debora Diniz?

    Quase que de imediato, me veio em mente Debora Diniz, antropóloga, documentarista e professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB. Tomei conhecimento do trabalho da professora Debora em 2015, quando participei como ouvinte do “Fórum Fale Sem Medo”, uma iniciativa do Instituto Avon que tem como objetivo discutir as violências sofridas por meninas e mulheres.

    Naquela edição do Fórum, Debora foi uma das participantes da mesa de debates sobre violência de gênero no contexto universitário. Confesso que fiquei admirada com sua eloquência, didática e clareza ao falar. Nos anos seguintes, a acompanhei esporadicamente por meio de notícias de grandes jornais.

    Nos últimos dois anos, venho seguindo mais de perto o trabalho de Debora, que passou a estar presente nas redes sociais – primeiro com uma conta no Twitter e, mais recentemente, com um perfil no Instagram

    Debora Diniz. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Antes de abordar como tem sido a atuação da pesquisadora durante a pandemia da COVID-19, vou falar um pouco mais sobre a trajetória de Debora e sobre suas importantes contribuições para o progresso da discussão acerca dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no Brasil.

    A trajetória acadêmica

    Debora Diniz Rodrigues nasceu em 1970 em Maceió, Alagoas. Graduou-se em Ciências Sociais em 1993 pela UnB, mesma instituição onde obteve seu mestrado em 1995 e seu doutorado em 1999, ambos em Antropologia. A tese de doutorado de Debora – orientada pela reconhecida antropóloga argentina Rita Segato – foi intitulada “Da Impossibilidade do Trágico: Conflitos Morais e Bioética”.

    Desde então, Debora tem se debruçado sobre a Bioética¹ (“a ética da vida”) sob uma perspectiva de atenção à saúde de mulheres e meninas, num esforço interdisciplinar entre as Ciências da Saúde e as Ciências Humanas.

    A Anis – Instituto de Bioética

    Em 1999, o mesmo ano em que defendeu seu doutorado, Debora fundou a Anis – Instituto de Bioética, “a primeira organização não-governamental, sem fins lucrativos, voltada para a pesquisa, assessoramento e capacitação em bioética na América Latina.”² 

    Nas duas últimas décadas, a Anis – cuja sede é em Brasília – tem atuado em todas as esferas do poder político brasileiro visando assegurar o avanço, como já mencionado, dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas brasileiras.

    Aqui é importante conceituar direitos sexuais e reprodutivos como essenciais para a garantia dos direitos humanos. Em artigo publicado em 2014³, Adriana Lemos, doutora em Saúde Coletiva pela UERJ, explica que o deslocamento do uso da terminologia “saúde da mulher” para “direitos reprodutivos” visa englobar o exercício pleno da capacidade de reproduzir-se e da liberdade de como e quando reproduzir-se, e o acréscimo do conceito de “direitos sexuais” como uma forma de desestigmatizar sexualidades diversas.

    Nesse sentido, a Anis foi instrumental para garantir que mulheres grávidas de fetos anencéfalos tivessem o direito de interromper a gestação em procedimentos legais e seguros, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. 

    Debora, como fundadora e diretora da Anis, encabeçou a realização de duas Pesquisas Nacionais sobre o Aborto (PNA), a primeira publicada em 2010 e a segunda em 2016.

    As pesquisas serviram de base para diversas outras produções acadêmicas em várias áreas e continuam a ser utilizadas como referências na discussão acerca da criação de políticas de saúde pública visando preservar a vida das mulheres.

    “Zika – do Sertão Nordestino à Ameaça Global”

    Em meio à luta de Debora e da equipe da Anis pelo avanço dos direitos reprodutivos das mulheres no país, o Brasil tornou-se epicentro da epidemia do Zika vírus em 2015. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o vírus Zika pode causar complicações como a microcefalia, uma malformação congênita que afeta o desenvolvimento do cérebro.

    Contudo, no começo de 2015 a correlação entre o vírus Zika e a microcefalia em recém-nascidos ainda não estava estabelecida; naquele ano, começaram a surgir, às centenas, casos de bebês nascidos com microcefalia, sobretudo nos estados da Paraíba e de Pernambuco. Debora, então, foi a campo.

    De sua etnografia – que é o trabalho de pesquisa e coleta de dados utilizado na antropologia e que tem como pressuposto o contato direto entre o pesquisador e o objeto da pesquisa – nasceu o livro “Zika – do Sertão Nordestino à Ameaça Global”, publicado em agosto de 2016.

    Caoa do livro "Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global"

    Capa do livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Editora Civilização Brasileira. Todos os direitos reservados.

    Resenhas da obra destacam o caráter jornalístico da pesquisa. A antropóloga documenta que houve uma “disputa” pela identificação do vírus entre médicos pesquisadores – o que, para Debora, evidenciou as tensões geopolíticas entre os chamados médicos de “jaleco branco” do Sul e do Sudeste, e aqueles profissionais nomeados de “beira de leito”, que estavam em contato direto com pacientes que primeiro manifestaram a doença no Nordeste e no Norte do país.

    Nesse contexto, Debora destaca a atuação da Dra. Adriana Melo, de Campina Grande. Proporcionando um atendimento humanizado às gestantes atingidas pelo Zika, Adriana “olhou para o líquido amniótico de duas grávidas e constatou que a microcefalia era causada por uma transmissão vertical.”⁴ 

    Muito além de acompanhar os profissionais de medicina, Debora voltou especial atenção para a história das gestantes atingidas pelo vírus Zika. Há uma divisão entre a “primeira geração” de gestantes – antes da correlação Zika/microcefalia ser comprovada – e a “segunda geração”.

    Ela percebeu que algumas das mulheres da segunda geração, cientes do drama vivido pela primeira geração de gestantes, chegavam até a não fazer exames e ultrassons, com receio do possível diagnóstico.⁵

    Débora produziu e dirigiu o documentário “Zika”, que tem cerca de 30 minutos de duração e retrata algumas das mulheres abordadas pelo livro. Esse esforço documental é riquíssimo e emocionante, e mostra a realidade vivenciada por mulheres atingidas pelo vírus Zika – que, em sua maioria, são nordestinas, trabalhadoras do campo e possuem baixa renda.

    É a partir desse recorte de perfil das gestantes que Debora posteriormente avalia que o Zika não se configurou como epidemia global justamente porque suas vítimas eram mulheres “invisíveis” na sociedade.

    Tal vírus não atingiu, em números significativos, mulheres das classes média e alta e não viajou além das fronteiras de países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento – tanto que a OMS retirou o Zika como ameaça global poucos meses depois de sua inclusão em 2016.

    O exílio forçado

    Com a publicação do livro em 2016 – que ganhou o 1º lugar na categoria Ciências da Saúde no prêmio Jabuti em 2017 – Debora continuou seu trabalho na Anis, sempre discutindo em entrevistas o impacto do Zika na vida das mulheres nordestinas. 

    Então, no final de 2017, teve início a discussão de uma ação no STF sobre a descriminalização do aborto. Como reportou o jornal digital Nexo, a Anis foi consultora de uma proposta, protocolada pelo partido PSOL, que pedia a descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação.

    Até agosto de 2018, Debora acompanhou a proposta protocolada ao Superior Tribunal Federal e falou numa audiência pública do STF em 03/08/2018 em prol da descriminalização do aborto.

    Pelo seu ativismo, ela passou a receber ameaças contra sua integridade física, a de seus alunos e colegas da UnB, o que a levou a prestar queixa numa Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e entrar no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, do governo federal.

    Debora Diniz em audiência pública no STF em 03/08/2018.

    Debora Diniz em audiência pública no STF em 03/08/2018. Carlos Moura/STF. Todos os direitos reservados.

    Com o aumento e o agravamento das ameaças, Debora teve que deixar o Brasil pouco depois de sua fala no STF. Desde então, ela tem recorrido às redes sociais como forma de exercer seu ativismo político, respaldado por mais de duas décadas de etnografias e de pesquisas teóricas. Atualmente, ela é pesquisadora visitante no Centro de Estudos Latino-americanos e Caribenhos da Universidade Brown, nos Estados Unidos.

    A pandemia da COVID-19

    Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, Debora tem dado diversas entrevistas e participado de uma série de transmissões ao vivo e de debates. Exilada nos Estados Unidos, ela vê sua presença digital como um canal para se posicionar e para chamar a atenção para os impactos da pandemia em diversas camadas da população.

    No início da pandemia, havia uma narrativa de que a COVID-19 era uma doença “democrática”, estando todos os indivíduos suscetíveis à contaminação. Contudo, ao longo das semanas, foi identificado que as taxas de mortalidade pela COVID-19 são mais altas nos bairros periféricos e centrais com menor renda per capita de São Paulo se comparado aos bairros considerados de classe alta.

    A antropóloga, em suas falas, ressalta que aqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade antes da pandemia hoje estão ainda mais vulneráveis – pessoas sem acesso a uma nutrição adequada e aos aparelhos de saúde pública são mais propensas a desenvolver e a tratar inadequadamente as comorbidades associadas à COVID-19.

    Assim, Debora salienta que o impacto da COVID-19 deve ser analisado considerando fatores como raça, classe social e idade. Além disso, outro ponto crucial na análise de Débora durante a pandemia é o trabalho de cuidado, majoritariamente exercido por mulheres. Com a imobilidade social imposta pela quarentena, crianças, idosos e pessoas com deficiência também ficam restritos à esfera doméstica e requerem atenção.

    Dessa forma, às mulheres cabe exercer essa função do cuidado – sobretudo às mulheres de classe baixa, negras e indígenas. A pandemia escancarou como esse trabalho é essencial para a manutenção da vida – conceito que, no campo das Ciências Sociais, é chamado de “trabalho reprodutivo”.⁶

    Em entrevistas ao UOL, à Folha de São Paulo e à rádio CBN, Debora apontou que está enxergando uma maior circulação de valores feministas nas discussões em âmbito digital e na mídia. Conceitos como trabalhos essenciais e cuidado são intrinsecamente ligados à vida das mulheres e estão em pauta no cenário atual. É sempre válido lembrar que, de acordo com a OMS, 70% dos profissionais que atuam na linha de frente da pandemia são mulheres.

    Nesse contexto, a pesquisadora faz uma provocação: para ela, a quarentena ressalta que a normalidade na qual vivíamos antes da pandemia era, na verdade, anormal, tendo em vista a naturalização gritante das desigualdades sociais.

    Portanto, Debora acredita que há um potencial criativo a ser desenvolvido para a construção de um novo normal, que levará em consideração as pessoas mais vulneráveis na elaboração de políticas públicas e de novas formas de viver.

    A atuação nas redes sociais

    Nas últimas semanas, Debora tem feito paralelos entre a epidemia do Zika e a pandemia da COVID-19. Ela destaca que o Brasil continua tendo casos de bebês com Zika em 2020 – até agora, foram 227 notificações e não há mais destaque na mídia para isso; indo além, a pesquisadora chama a atenção para a situação de extrema vulnerabilidade das nordestinas atingidas pelo Zika agora com a pandemia da COVID-19.

    Passando das mulheres invisíveis no sertão nordestino para as vítimas anônimas da COVID-19, Debora começou um projeto em parceria com o artista gráfico Ramon Navarro: o perfil de Instagram Reliquia.rum (palavra que lembra a grafia de “Relicário” em latim). 

    Relicários são pequenas lembranças do que se foi, e, assim, Debora e Ramon buscam homenagear e tornar visíveis algumas das mulheres vítimas da COVID-19 no Brasil para que elas deixem de ser apenas números numa estatística. Até o momento da publicação deste texto, o perfil contava com 89 relicários.

    https://www.instagram.com/p/B-GACxAB0EY/
    Primeiro post do Reliquia.rum. Arte por Ramon Navarro. Todos os direitos reservados.

    Debora também encabeça outra conta no Instagram chamada Women in Times of Pandemic. Uma parceria de Debora com a argentina Giselle Carino e a venezuelana Valentina Fraiz, o Women in Times conta histórias de mulheres latino-americanas e caribenhas afetadas pela pandemia, e cada post é publicado em português, espanhol e inglês.

    https://www.instagram.com/p/B_1_a_GhLiP/
    Post do Women in Times publicado em 6 de maio de 2020 retratando a história real de uma família do Rio de Janeiro afetada pela epidemia do Zika e pela pandemia do novo coronavírus. Todos os direitos reservados.

    O merecido reconhecimento e a importância do trabalho de Debora

    Debora Diniz foi reconhecida como uma das pensadoras globais (“global thinkers”) de 2016 pela revista Foreign Policy e recebeu no começo de 2020 o prêmio internacional Dan David na categoria “Igualdade de Gênero” pela sua destacada atuação em prol dos direitos de mulheres e meninas.

    Com seu trabalho, Debora nos lembra que as Ciências Sociais também são um campo de pesquisa essencial durante epidemias e pandemias, já que investigam e analisam os impactos desses contextos de emergência global nas mais diversas camadas das populações – o que é indispensável para a posterior formulação de políticas públicas visando a melhoria das condições de vida das pessoas.

    Ao ir a campo no sertão nordestino em meio à eclosão de casos de microcefalia em recém-nascidos, Debora registrou as vidas reais que foram afetadas pela epidemia do vírus Zika. O livro e o documentário, resultados desse trabalho de campo, são materiais fundamentais para profissionais de múltiplas áreas que realizam pesquisas com o objetivo de mitigar os efeitos de epidemias e pandemias. 

    Indo além, as iniciativas atuais de Debora – agora no campo digital – em meio à pandemia da COVID-19 nos lembram que pessoas de diferentes raças, gêneros, idades e camadas sociais são impactadas de forma desigual pelo novo coronavírus, o que requer estratégias e medidas de proteção que levem em conta essas particularidades. 

    Reforçando, ajudar a tornar visíveis quem por tanto tempo esteve à margem é uma das “tarefas” das pesquisas em Ciências Sociais, sobretudo em momentos como esse que estamos todos vivendo.

    Leia os textos que já publicamos sobre a atuação de mulheres cientistas durante epidemias:

    Celebrando a Dra. June Almeida – a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    A ciência pelos olhos da Profª Drª Tania Ueda-Nakamura

    Conheça algumas divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus

    A Anis – Instituto de Bioética possui um canal no YouTube chamado Vozes da Igualdade. Vale muito a pena conferir o conteúdo do canal, em especial a série Quinquilharia, onde Debora aborda as principais inquietações e dúvidas dos alunos de graduação (e de pós-graduação) sobre como fazer pesquisa.

    Notas

    ¹ Para saber mais sobre bioética, veja a página 2 da cartilha “Bioética”, de autoria de Cilene Rennó Junqueira, publicada pela UNASUS – Universidade Aberta do SUS da UNIFESP.

    ² Citação obtida na seção “Quem Somos” do site institucional da Anis – Instituto de Bioética.

    ³ LEMOS, Adriana. Direitos sexuais e reprodutivos: percepção dos profissionais da atenção primária em saúde. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38n101/0103-1104-sdeb-38-101-0244.pdf 

    ⁴ DA SILVA, Lucivânia Gosaves. Resenha do livro “Zika: do sertão Nordestino à Ameaça Global”. Revista Textos Graduados, p. 131. Julho de 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/tg/article/view/26191/23011

    ⁵ DINIZ, Debora. Vírus Zika e mulheres. Caderno Saúde Pública, p. 3. Rio de Janeiro. Maio de 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v32n5/1678-4464-csp-32-05-e00046316.pdf 

    ⁶ Para saber mais sobre trabalho reprodutivo, veja a aula “Divisão Sexual do Trabalho”, parte do curso online “Feminismo e democracia”, ministrado pela cientista política Flávia Biroli no canal de YouTube da Editora Boitempo: https://youtu.be/EWM3X-BMbQg 

    Referências 

    http://lattes.cnpq.br/3865117791041119

    http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/zika-virus

    https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/microcefalia

    http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT757558-1666-1,00.html

    https://www.scielo.br/pdf/icse/v22n66/1807-5762-icse-22-66-0967.pdf

    https://www.scielo.br/pdf/sess/n24/1984-6487-sess-24-00246.pdf

    https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/04/debora-diniz-stf-deve-responder-o-que-significa-o-zika-virus-pra-vida-das-mulheres.html

    https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/15/politica/1544829470_991854.html

    https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/07/25/Quem-é-a-pesquisadora-ameaçada-por-sua-atuação-no-debate-sobre-aborto

    https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-vocabulario-comum-diz-antropologa-debora-diniz.shtml

    https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/o-mundo-pos-covid-19-2—comportamento-por-debora-diniz

    https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/298913/pandemia-escancara-desigualdades-e-privilegios-de-.htm

    https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/ultimo-adeus/

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para crianças! Profissionais essenciais

    Durante a pandemia de Covid-19, muitos setores do comércio e indústria estão parados por conta do isolamento social. Contudo, existem alguns profissionais que são de áreas essenciais, ou seja, não podem parar de trabalhar, e por isso estão se arriscando todos os dias para manter tudo funcionando. 

    Junto com o Dragonino, confira quais são os profissionais que estão atuando na linha de frente do combate ao coronavírus e que estão salvando muitas vidas nos hospitais. Entenda também o papel de se manter em casa para diminuir os riscos de contaminação dos profissionais essenciais que estão nos supermercados, farmácias, entre outros que não podem parar.

    Por fim, a equipe do projeto Nas Asas do Dragão faz uma homenagem e um agradecimento especial para todos esses profissionais que estão fazendo sua parte nesse momento tão delicado!

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema "profissionais essenciais".

    Você pode conferir a lista completa dos profissionais essenciais na matéria abaixo:

    https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/12/senado-amplia-lista-de-profissionais-que-terao-prioridade-em-testes-de-coronavirus

    Fonte: Agência Senado

    Essa mesma matéria reforça a importância de trabalhadores essenciais terem prioridade nos testes para Covid-19, pois quando o resultado dá positivo, significa que eles precisam se afastar por um tempo do trabalho (ficar em isolamento social) para se tratar e para evitar contaminar outras pessoas. Depois que ficarem bem, eles devem fazer o teste novamente, e se o resultado der negativo para Covid-19, eles podem voltar ao trabalho para continuar ajudando a manter os serviços essenciais funcionando!

    Cuidem-se bem!

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
    • Orientação e Revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema "profissionais essenciais", traduzido para o inglês.
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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
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