Categoria: ESPECIAL COVID-19

  • Coronacrise: emissão de moeda e inflação

    Por: Ulisses Rubio e Victor Young

    Os jovens que hoje cursam o ensino superior nasceram, em sua maioria, num período em que a ideia de inflação – ou seja, o aumento generalizado de preços – aparece como se tivesse uma só origem e uma só solução. A chamada vertente ortodoxa da economia, que está por trás dessa concepção, sempre considera que a inflação é causada por gastos demasiados do governo e que este deve, portanto, contê-la, realizando cortes nas suas despesas[1]. A “Coronacrise” tem colocado alguns limites a este “samba de uma nota só”[2]. Diante das medidas de gasto adotadas pelo governo, ouvimos interrogações sobre de onde virá o dinheiro (quem vai pagar?). Diante da resposta de que isto possa ser financiado simplesmente pela emissão de moeda, vem em seguida a pergunta que expõe bem o alcance da ortodoxia:

    – Mas isto não vai gerar inflação?

    Respondemos:

    – Não. De acordo com o pensamento dos economistas ortodoxos, não.

    Vejamos. Conforme a ortodoxia econômica, um aumento na oferta de moeda à sociedade por meio de impressão de dinheiro que seja maior do que quantidade total de bens e serviços produzidos em um ano – que é o PIB (Produto Interno Bruto)[3] – produzirá inflação. O raciocínio pode ser explicado de maneira bastante simplificada da forma como segue. Suponhamos que toda a economia produzisse e consumisse apenas dez sacos de batata por ano. Dado o montante de dinheiro existente na mão das pessoas, o preço de cada saco poderia ser, por exemplo, dois reais. Suponhamos ainda que, no ano seguinte, a produção não tenha aumentado e o governo, por alguma razão, viesse a emitir mais dinheiro e o disponibilizasse na mão do povo. Como as pessoas não teriam mais nada para comprar (porque a produção não aumentou), cada pessoa buscaria comprar mais sacos de batata. O aumento na procura pelos mesmos dez sacos de batata faria com que o preço do saco se elevasse a mais de dois reais. Conclusão: a emissão de moeda pelo governo teria, portanto, gerado inflação.

    Os alunos mais inquietos poderão perguntar:

    – E por que não aumentou a produção de sacos de batata?

    Neste caso, o raciocínio ortodoxo pressupõe que todos os fatores de produção estão sendo utilizados, isto é, todas as fábricas estão com suas máquinas e equipamentos em plena operação, todas as terras para plantio e criação estão produzindo na sua capacidade máxima, e todos os trabalhadores estão empregados (os que não estão, é porque decidiram que o salário não compensa). Ora, neste caso, não há como aumentar a produção. Para aumentar a produção, a sociedade precisaria diminuir seu consumo e direcionar parte dos recursos que produzem bens de consumo e serviços para a produção de bens de capital[4]. Isso permitiria aumentar a capacidade produtiva, isto é, a sociedade precisaria diminuir o consumo para aumentar o investimento.

    Convenhamos. Na situação atual, o estudante já não precisa ser inquieto para constatar que os setores produtivos não estão operando com sua capacidade máxima[5]. Temos uma situação em que a indústria e o setor de serviços querem aumentar sua produção ao mesmo tempo em que muitos trabalhadores desejam escapar de uma situação de desemprego forçada que se traduz numa taxa de desocupação para lá de alarmante.

    E qual a implicação disto para o assunto aqui tratado?

    Ao verificarmos os dados de nossa produção recente, o PIB brasileiro já está abaixo de sua capacidade há um bom tempo. No ano de 2014, este praticamente não cresceu. Se utilizarmos o exemplo das batatas, considerando que produzíamos 10 sacos de batata naquele ano, em 2015, com a recessão e a queda da demanda promovida pelas medidas de redução de gastos dadas pelo governo, diminuímos nossa produção para 9,5 sacos de batata. Em 2016, no pior momento econômico dos últimos anos, produzimos 9 sacos de batatas. A lenta e dificultosa recuperação dada por um Estado ainda bastante rigoroso na contenção das despesas fez com que a produção chegasse em 2019 a apenas 9,2 sacos de batata[6]. Para o ano de 2020, em função das restrições ocasionadas pela crise sanitária do corona vírus, a projeção é a de que venhamos a produzir 8,7 sacos de batatas em uma economia que pode ultrapassar, com folga, aqueles 10 sacos de 2014 [7]. Não há, dessa maneira, por que temer a inflação numa situação tão extrema em que o potencial produtivo não realizado se encontra em níveis tão elevados. A solução mais adequada para um problema tão adverso é o Estado emitir, transferir e manter um sólido fluxo de dinheiro para a mão das pessoas para que o máximo de potencial produtivo possível se realize.

    Se é para seguir apenas um pensamento econômico, como vem fazendo grande parte da mídia nos últimos anos, devemos considerar que, existindo considerável capacidade ociosa na economia, um aumento da procura por bens e serviços ocasionado pela transferência de dinheiro para a população e pequenas empresas por parte do Estado será acompanhado por um aumento da produção e, portanto, não pressionará a economia para um aumento de preços expressivo, como prevê a própria ortodoxia econômica.

    [1] O economista norte-americano, Milton Friedman (1902-2006), é geralmente a referência mais utilizada pela corrente do pensamento econômico ortodoxo no período contemporâneo. Esta vertente econômica se contrapõe, na maioria das vezes, às ideias econômicas heterodoxas que, em grande medida, se referência no economista inglês, John Maynard Keynes (1883-1946).

    [2] O termo foi utilizado pelo economista, André Lara Resende. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/04/24/andre-lara-resende-quem-vai-pagar-essa-conta.ghtml. Acessado em 03 de maio de 2020.

    [3] O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pela economia de um dado território em um determinado período.

    [4] Bens de Capital são bens que servem para a produção de outros bens, como, por exemplo, máquinas, equipamentos e infraestrutura produtiva.

    [5] Conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em abril de 2020, a indústria de transformação operou com 57,5% da capacidade instalada, sem considerar o setor de serviços e de produção rural. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/impactos-pandemia-covid-19-sobre-nivel-utilizacao-capacidade-instalada-industria. Acessado em 30 de maio de 2020. Conforme dados do IBGE, a taxa de desocupação dos trabalhadores é de 12,6%. Taxa de desocupação é a porcentagem de pessoas na força de trabalho que estão desempregadas. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=desemprego&searchphrase=all. Acessado em 30 de maio de 2020.

    [6] Estamos considerando aqui o crescimento do PIB conforme dados do IBGE. Disponível em: ibge.gov. br. Acessado em 3 de maio de 2020.

    [7] LAMUCCI, Sérgio. FMI projeta retração de 5,3% para economia brasileira em 2020. Valor, São Paulo, 14 de abril de 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/14/fmi-projeta-retracao-de-53percent-para-economia-brasileira-em-2020.ghtml. Acessado em: 03 de maio de 2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp compara experiências econômicas internacionais no combate à crise atual

    Por: Alex Palludeto, Newton Silva, Renan Araujo, Roberto Borghi e Vítor Alves

    Em estudo intitulado Política econômica em tempos de pandemia: experiências internacionais selecionadas, pesquisadores do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI), do Instituto de Economia da Unicamp, abordam as medidas econômicas já tomadas por alguns países no intuito de mitigar os efeitos econômicos negativos provocados pela pandemia da covid-19.
    Os autores buscam ponderar a importância das medidas diante da mais grave crise sanitária do século XXI, e de uma crise econômica que indica não ter precedentes na história mundial recente. O enfrentamento destas crises, como se observa, requer, fundamentalmente a ação imediata dos Estados Nacionais, dada sua capacidade de promover e orientar políticas com a amplitude necessária para garantir a prevenção e combate a Covid-19 assim como a preservação do tecido social e produtivo.
    No que se refere em particular à atual crise econômica, argumenta-se que esta pode ser dividida em dois períodos: um primeiro momento, com duração estimada entre 3 e 6 meses, correspondendo à fase mais aguda de transmissão do novo coronavírus, o que requer a tomada de medidas de distanciamento social e, consequentemente, a paralisação de uma série de atividades econômicas; e um segundo momento, de 6 meses a 2 anos, no qual, uma vez tendo-se conseguido conter a disseminação do vírus, o distanciamento social poderá ser gradativamente suspenso, e as atividades econômicas poderão ser gradualmente retomadas.
    O estudo também aponta que em cada um desses prazos temporais um tipo específico de atuação econômica dos Estados faz-se necessário: no primeiro deles, os governos precisam adotar medidas emergenciais, visando, entre outras coisas, a garantir o poder aquisitivo das pessoas, a impedir a falência das empresas e a promover a estabilidade dos sistemas financeiros; já no segundo, os países precisarão contar com medidas para a recuperação econômica, a fim de que seus níveis de produção (PIB) e emprego retornem aos patamares desejáveis.
    Atualmente, embora os países do mundo estejam em fases distintas da pandemia, ainda se encontram predominantemente no primeiro desses momentos. Assim sendo, são as políticas já adotadas nesse contexto que o estudo aborda, apresentando os casos de nove diferentes países: China, Estados Unidos, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Alemanha, Argentina e Brasil.
    Como conclusão possível, os autores indicam ser falsa a dicotomia “salvar a saúde ou salvar a economia”, a qual é bastante difundida no debate corrente. Ao contrário disso, ponderam que tanto a saúde como a economia podem e devem ser salvas e que os enfrentamentos à crise de saúde pública e à crise econômica não são objetivos excludentes, mas complementares. O distanciamento social adotado no início do processo de contágio e de maneira rigorosa, aliado a medidas econômicas de suporte a trabalhadores e empresas, pode assegurar que um menor número de pessoas venha a se infectar e morrer, ao passo que permite que as atividades econômicas sejam retomadas mais rapidamente.
    Por fim, os autores enfatizam a necessidade de reflexões sobre as políticas futuras, já que a ação dos Estados Nacionais continuará sendo necessária no processo posterior de retomada econômica e de fortalecimento dos sistemas de proteção social. Nesse sentido, condenam a defesa que alguns economistas têm feito da adoção futura de medidas de austeridade fiscal, entendendo que estas poderão ter o poder de agravar e aprofundar a crise econômica.
    O estudo completo encontra-se disponível para download no link: http://www.eco.unicamp.br/covid19/politica-economica-em-tempos-de-pandemia-experiencias-internacionais.

    Autores do Estudo:

    Alex Palludeto – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Roberto Borghi – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Newton Silva – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Renan Araujo – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Vítor Alves – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Como a desinformação tem atrapalhado nossa resposta à Covid-19

    A notícia de que o Brasil atingiu, nesta semana, o segundo lugar de país com maior número de contaminados de covid-19, tornando-se o novo epicentro da doença, mostra que estamos falhando miseravelmente no controle da pandemia. Uma avalanche de notícias e informações falsas tem nos distraído e dividido bem no momento crucial em que deveríamos focar todas as nossas energias no combate ao vírus. 

    Especialistas têm chamado essa onda de circulação de notícias e informações falsas nas redes sociais de infodemia. Seria uma espécie de pandemia de desinformação global que prejudica nossas formas de enfrentamento à pandemia. A Coronavirus Fact-Checking Alliance, comunidade de verificadores de fatos de 88 organizações em 74 países, desmascarou 4.823 boatos e notícias falsas (em 43 idiomas!) sobre a covid-19 em três meses de trabalho. Um grupo de cientistas do Instituto de Física e do Instituto de Geociências da Unicamp coletou mais de 50 mil mensagens de fake news circulando no Whatsapp. A OMS já alertou para a gravidade da situação e tem proposto parcerias com os gigantes Google, Facebook e Twitter para enfrentar essa onda.

    Todos nós estamos vulneráveis a cair no conto da desinformação e das fake news, independente de classe social ou nível de instrução. Nosso cérebro tenta se agarrar a certezas que nos tragam o controle da situação, diante do contexto incerto da pandemia da covid-19. A falta de dados sólidos, já que os cientistas recém estão descobrindo como age o novo coronavírus, e o pânico de contrair a doença são ingredientes eficientes para espalhar desinformação, segundo avalia Cristina Targuila, diretora da Rede Internacional de Verificadores de Fatos (IFCN). Muitas vezes, a informação falsa chega pelas mãos da tia avó que não faria mal a uma mosca, no grupo de Whatsapp da família, com intenção de proteger seus parentes contra o coronavírus.

    A comunidade internacional de verificadores de fatos tem observado diversas ondas de fake news e desinformação. Tem de tudo: de teorias conspiracionistas da origem forjada do vírus em laboratórios chineses, uso de informações para espalhar pensamentos religiosos, anti-vacina e supremacistas, até informações sobre curas e falsas medidas preventivas para enfrentar a pandemia

    Tudo fica mais confuso quando vemos autoridades e profissionais de saúde repercutindo esses discursos de cura. Uma das principais fontes de desinformação sobre covid-19 no Youtube são canais de médicos ou pessoas que se apresentam como médicos, segundo essa pesquisa aqui. Em 30% dos vídeos com mais de 100 mil visualizações, o conteúdo vem relacionado à venda de produtos, cursos e publicações para aumentar a imunidade das pessoas. Ou seja, médicos e nutricionistas transformaram a pandemia em oportunidade de negócio.

        Além de trazer riscos à saúde individual, a desinformação afeta o modo como estamos lidando com a pandemia. Muitas informações falsas têm sido usadas com fins políticos para enfraquecer as ações de isolamento e distanciamento social, única forma conhecida de conter o avanço do vírus. Em alguns casos, os mensageiros deste conteúdo são autoridades políticas e governos. O presidente Jair Bolsonaro segue batendo na tecla da cloroquina como medicamento que cura a covid-19, mesmo com a comprovação de diversos estudos científicos de que a droga não traz benefícios e pode agravar os casos da doença. O deputado federal e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi o congressista que mais publicou fake news sobre a covid-19 no Twitter, segundo o site Aos Fatos.

    Em quem confiar, então?

    Ao mesmo tempo em que agentes ativos tem disseminado desinformação, muita gente tem trabalhado incessantemente para minimizar as consequências da infodemia. Universidades e instituições de pesquisa criaram sites com informações confiáveis sobre a covid-19 (veja alguns exemplos aqui, aqui e aqui ). Na plataforma Covid Verificado, o usuário pode mandar suas próprias dúvidas sobre o coronavírus. Tem site especializado na checagem de fatos, como Aos Fatos e A Lupa. A Agência Aos Fatos chegou a criar uma robô checadora de dúvidas sobre a Covid-19. Aqui, no Blogs, também separamos uma lista com fontes confiáveis para ajudar o leitor a navegar nesse mar de informações. Entre elas está, claro, o site da Organização Mundial da Saúde (OMS)

    Devemos adotar uma postura de desconfiança em relação às informações compartilhadas em grupos de Whatsapp e outros aplicativos de mensagem. Afinal, a nossa confiança em informações verdadeiras – comprovadas cientificamente – pode salvar vidas.

    Referências

    FÁVERO, Bruno e CUBAS, Marina. “Cotado para saúde, Osmar Terra é o congressista que mais publicou desinformação sobre Covid-19 no Twitter”, Aos Fatos, 15 de abril de 2020, Disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/cotado-para-saude-osmar-terra-e-congressista-que-mais-difundiu-desinformacao-sobre-coronavirus-no-twitter/. Acesso em 22/05/2020.

    Knight Center Courses. Entrevista com Cristina Tardaguila. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IM7haZyQ9JM. Acesso em 22/05/2020.

    MACHADO, Caio et. al. Ciência contaminada: Analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube. Relatório 1 de estudo do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD)  e Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), maio 2020, Disponível em: https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=cincia_contaminada. Acesso em 22/05/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • MODERNizAndo a vacina contra a COVID-19

    No último dia 18 de maio fomos surpreendidos pela notícia de que a empresa Moderna tinha resultados promissores para uma vacina contra a COVID-19, o que acendeu uma pontinha de esperança no mundo para o enfrentamento da doença. Então vamos falar um pouco sobre essa vacina, os resultados até então encontrados e as expectativas para um futuro próximo (?).

    Vacinas de mRNA

    O título desse texto tem um trocadilho envolvendo o nome da empresa com a inovação e modernidade por trás da vacina testada. Além disso, no próprio nome da empresa está escrito a base da tecnologia que eles desenvolvem, o RNA (ModeRNA)

    Os RNAs são uma molécula parecida com o DNA. Nossas  células  guardam no DNA todas as informações necessárias para a vida e por isso essa molécula é bastante preservada e se localiza no núcleo das células. Para a célula conseguir utilizar as informações contidas no DNA, ela gera a partir dele um tipo de RNA, chamado de mensageiro (RNAm).  Quando há alguma necessidade da célula o RNAm é como uma cópia de alguns pedaços do DNA que carrega a informação necessária e célula passa a produzir uma proteína baseada nessa mensagem em um processo que se chama tradução. 

    As vacinas de RNAm são uma tecnologia nova baseada nessa capacidade do RNA de carregar uma mensagem, uma informação, que a célula ao recebê-la vai traduzir e utilizar. Todas as células do nosso corpo têm a capacidade de ler a informação que o RNA carrega e traduzir isso na forma de uma proteína, lembrando que essas informações são específicas e geram uma proteína específica. Mas como isso se torna importante no contexto de uma vacina? Há vários tipos de vacinas conhecidas e testadas, sendo que a principal finalidade delas é induzir uma imunidade protetora. Isso pode ser feito de diversas formas, como pela administração do vírus ou microrganismo atenuado ou de partes dele, por exemplo. Nesse último caso, as partes do vírus utilizadas na vacina são aquelas capazes de serem reconhecidas pelo sistema imunológico e gerar uma resposta protetora. As vacinas de RNAm, ao invés de utilizarem uma parte do vírus, elas têm o código, o RNAm,  para produzir uma proteína específica do vírus. Desse modo, são as nossas células que produzirão a proteína, que será então reconhecida pelo sistema imune. Assim, quando o vírus entrar no nosso corpo, o sistema imunológico reconhecerá a proteína que ele tem e agirá contra o vírus.

    mRNA-1273

    No caso do novo coronavírus (SARS-CoV-2), as principais tentativas de vacina têm sido desenvolvidas com base em uma proteína que está na superfície do vírus, que se chama SPIKE (S). É através dessa proteína  que o vírus se liga a receptores chamados de ACE2, que estão nas nossas células, e essa ligação (SPIKE+ ACE2) faz com que ele entre nas células. A vacina de mRNA da Moderna, denominada mRNA-1273, é um RNA mensageiro com a informação para as células produzirem a SPIKE. Mas como foi possível chegar nessa vacina? Em janeiro de 2020 os pesquisadores chineses compartilharam o sequenciamento do material genético do SARS-CoV-2, que permitiu à empresa, junto com os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), selecionar a sequencia para a mRNA-1273. Logo em fevereiro o primeiro lote de vacinas foi analisado e enviado para início dos testes pré-clínicos em animais (camundongos) no NIH. Esse trabalho foi publicado e mostrou bons resultados nos animais, com diminuição do vírus e não evolução dos sintomas. A agência regulatória americana (FDA) aprovou em março o seguimento para testes clínicos de fase 1, que estão também sendo  conduzidos pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID, que é parte do NIH). Agora em maio, os primeiros resultados dessa fase foram divulgados. 

    A fase 1 de um teste clínico consiste em analisar principalmente os efeitos colaterais de uma vacina ou medicamento para saber se ela é segura em humanos e geralmente é feita em um pequeno número de pessoas. Para essa nova vacina (mRNA-1273), foram testadas 3 doses: 25, 100 e 250μg, em 15 indivíduos em cada grupo. Segundo o relatório apresentado, a mRNA-1273 é em geral segura e bem tolerada; apenas 1 participante no grupo da dose de 100μg apresentou vermelhidão de grau 3 no local da injeção. Três outros participantes no grupo da maior dose (250μg) apresentaram reações de grau 3 que não foram especificadas no relatório, mas que foram passageiras e não precisaram de nenhuma intervenção. Não houve reações graves em nenhum dos participantes nesse período analisado. 

    Além da segurança, o relatório também reporta os dados de imunogenicidade, que são os relativos ao desenvolvimento da resposta imunológica. Segundo eles, todos os participantes se converteram após 15 dias da primeira injeção, ou seja, todos apresentaram níveis quantificáveis de anticorpos no sangue. Porém, ter anticorpos no sangue não significa que esses anticorpos são eficazes em neutralizar o vírus quando houver um próximo contato com ele no futuro. Essas informações sobre o tipo e qualidade dos anticorpos gerados são mais complexas e requerem testes funcionais. De um modo geral, parte dos anticorpos que nosso organismo gera têm capacidade de se ligar ao vírus (anticorpos de ligação), mas isso não significa que eles impedem o vírus de se ligar e infectar nossas células. Uma quantidade muito menor desses anticorpos é que realmente tem a capacidade de se ligar e neutralizar o vírus, impedindo a infecção, que são os anticorpos neutralizantes. E é esse o tipo de imunidade que se quer gerar com uma vacina. E segundo o relatório da Moderna, ainda não se tem essa informação para todos os indivíduos testados. Em relação aos anticorpos de ligação, para a dose de 25μg, após duas injeções (intervalo de 30 dias entre elas), todos participantes apresentaram níveis de anticorpos de ligação semelhantes aos níveis em pessoas que se recuperaram da COVID-19. Para a dose de 100μg, amostras de 10 indivíduos tiveram níveis de anticorpos de ligação significativamente maiores do que aqueles das pessoas recuperadas da doença. Em relação aos níveis de anticorpos neutralizantes, até o momento, há informações de apenas 4 indivíduos de cada grupo das doses de 25 e 100μg. E desses 8 participantes, todos apresentaram níveis de anticorpos neutralizantes iguais ou maiores do que os encontrados no soro de pessoas recuperadas da doença. Segundo os dados, em um modelo animal, níveis semelhantes a esses foram suficientes para proteger camundongos induzidos para a doença.

    O que esperar?

    A Moderna e o NIAID já têm autorização para a realização da Fase 2 de testes com um número maior de participantes (600) e esperam começar testes de Fase 3 já em julho, em pessoas de grupos de alto risco de contaminação, como os profissionais de saúde na linha de frente de combate nos hospitais.

    Vale ressaltar que os resultados referentes a Fase 1 da vacina mRNA-1273 foram apenas divulgados em um relatório e ainda não foram publicados em uma revista científica com revisão por pares, como se é esperado. Talvez quando os resultados de todos os participantes estiverem disponíveis, os dados sejam enviados para esse tipo de publicação.

    E como já foi dito inicialmente, as vacinas de mRNA são algo novo e promissor mas é bom notar que ainda não existem vacinas desse tipo no mundo que já tenham sido licenciadas e estejam em uso. Portanto, ainda é difícil dizer se elas terão sucesso em fases mais avançadas dos testes e na população em geral.

    Mas, com o avanço das tecnologias e aumento nos esforços direcionados para o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus no mundo todo, esperamos que os resultados positivos cresçam cada vez mais e possamos ter uma ferramenta a mais no combate à COVID-19 o quanto antes.

    As perguntas ainda sem respostas

    Como essa doença é nova e ainda estamos descobrindo como o vírus age em nosso corpo, muitas questões ainda estão sem respostas. Aponto algumas aqui que talvez nos ajudem a questionar as informações que recebemos e o modo como lidamos com elas. 

    Em quanto tempo teremos uma vacina eficiente contra a COVID-19? Serão seguidos todos os critérios éticos durante o processo? Os anticorpos neutralizantes (imunidade) vão durar por quanto tempo? Se uma vacina for eficiente em todos os quesitos, a produção e distribuição/comercialização a nível mundial será feita de modo justo e com equidade? 

    Para saber mais

    Ewen Callaway. Coronavirus Vaccine Trials Have Delivered Their First Results – But Their Promise Is Still Unclear. Nature. 2020 May 19.  doi: 10.1038/d41586-020-01092-3.

    Feldman RA et al. mRNA vaccines against H10N8 and H7N9 influenza viruses of pandemic potential are immunogenic and well tolerated in healthy adults in phase 1 randomized clinical trials. Vaccine. 2019. doi: 10.1016/j.vaccine.2019.04.074.

    Moderna. 2020. Moderna Announces Positive Interim Phase 1 Data for its mRNA Vaccine (mRNA-1273) Against Novel Coronavirus

    Organização Mundial da Saúde (OMS), 2016, Guidelines on clinical evaluation of vaccines: regulatory expectations. WHO.

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  • Eugenia, Seleção Natural e um “tanto faz” de vidas e mortes por Covid-19

    No dia 24 de Maio, vários de nós vimos mais uma transmissão ao vivo do biólogo e divulgador científico Átila Iamarino. Dessa vez com o convidado Leandro Karnal, historiador brasileiro.

    Ao final da transmissão, Átila encaminha a discussão com Leandro Karnal, falando sobre como pessoas apresentam o desprezo que têm com outras pessoas e como minimizam a morte do outro. Átila inicia falando de AIDS e segue com a questão da idade, diabetes, gordos. “São só os gordos, quem mandou comer demais?”, sobre o que já leu na internet. Karnal responde apontando a eugenia do mundo como uma grande distopia – a busca por um ideal padrão tal qual no Admirável Mundo Novo do Huxley.
    Antes de mais nada, eu vou dizer que este livro deveria ser leitura obrigatória em cursos de formação de biologia, traçando debates éticos sobre ciência e seres humanos.

    Mas voltando à questão, Karnal fala que defende a vida até de políticos.

    “Toda a relativização de vida, fulano é marginal deve morrer, fulano é criminoso deve morrer, fulano é pobre não é tão dramático, fulano é velho (…) é o início de uma infecção. E essa infecção não é controlada só naquele grupo. A gente tem que reprimir inclusive a nossa vontade de que alguns líderes morram, temos que reprimir inclusive isso (…) Nem para eles. Nem para eles se pode desejar doença ou morte: todos são humanos” (Karnal, 2020, na #livedoatila).

    Eu vou hoje analisar algumas falas que circulam “por aí” na sociedade que falam da pandemia, banalizam mortes e como isto se relaciona com a eugenia. Eugenia, como assim? A eugenia é uma distopia da busca pelo ideal… É eugenia cada vez que legitimamos vida, morte, ou investimentos em seres humanos a partir de premissas que dividem seres humanos com características que se supõe puramente biológicas. 

    Como assim, puramente biológicas? Como assim “supõe?

    Apontamos uma característica humana, por exemplo, “sobrepeso” ou “obesidade”, classificando em grupos: “uns” e “outros”. O que estamos fazendo? Agrupando e segmentando, simplificando causalidades, naturalizando como algo único o que no fundo são características complexas que estão enredadas em múltiplos fatores biológicos, sociais, culturais.

    Junto a isso, há o cerne da ideia eugenista: a escolha por quem vive, quem morre e quem pode e merece atenção e investimento. E isto é crueldade por tomar como simples, puro e biológico algo que é um emaranhado de conceitos, ideias, sem linearidade causal fácil de ser traçada.

    A busca de políticas públicas deve se pautar, sim, por escolhas técnicas, lógicas e racionais. No entanto, mesmo o olhar técnico apresenta, sempre, relações com o seu tempo e o pensamento de grupos sociais. Não existe isenção e neutralidade, mesmo nas escolhas lógicas e racionais (para saber mais sobre a construção do conhecimento científico, temos este texto aqui).

    Assim, neste sentido específico, é fundamental demarcar: políticas pautadas em características humanas que são dispensáveis foram, são e serão execráveis e assassinas. Alia-se a isso uma população, de acordo ou não com o governo, que apoia este discurso em muitos sentidos. Reforça-se neste conjunto governo e população que há, sim, quem seja dispensável. A morte destes “outros”, neste sentido, só potencializa o quanto “uns” estão no lado do “ideal”. 

    Tá, mas e para quê este falatório todo? Onde é que viste tanta eugenia assim?

    O que temos visto em diversos espaços – seja jornalístico, seja na política pública, seja em conversas informais em redes sociais – são muitos cortes biologizantes, com ares de descuidado de si e, portanto, merecimento de morte – o obeso, o diabético, o idoso, o fura quarentena, o conspiracionista que não acredita na severidade da situação.

    Pois bem, lembremos que basicamente para uma pessoa se contaminar, ela precisa entrar em contato com alguém contaminado (ou um objeto contaminado por uma pessoa). Podemos também simplificar o contágio como a prática do contato social “descontrolado” – em outras palavras o que era nossa vida social antes do mês de março.

    Para que a pessoa adoeça, no entanto, e entre em um modo crítico ou severo da doença, existem múltiplos fatores – e nenhum deles é possível prever individualmente… Isto é: quando apontamos uma possibilidade estatística de adoecimento, estamos falando de uma população. Existem características humanas que estatisticamente aparecem com maior probabilidade de acarretar em um agravamento da doença – o que geram os chamados grupos de risco. 

    Há três falas mais genéricas que eu gostaria de analisar, hoje: a Seleção Natural, a imunização de rebanho, e sobre as comorbidades (em especial a ideia de “ninguém mandou se comportar de maneira X”). Nessas três falas há uma série de itens ignorados (deliberada e cientemente ou não) que legitimam a morte de pessoas, tomando-os não apenas como menos importantes socialmente. É pior do que isso.

    Estas ideias apontam para a intencionalidade da morte como causa justa para desonerar quem vive e merece seguir vivo. Isto é, todas as falas são falas que usam ideias científicas em defesa de si mesmos como o ideal a ser seguido.

    Tão arrogante, quanto patético, tais discursos desconsideram inúmeras questões.

    A seleção natural quando apontada para aquele que fura a quarentena, no fundo aponta que este ato é deliberadamente colocar-se em risco e, portanto, merecidamente ser atingido. 

    A imunidade de rebanho insere uma lógica biologicista de recursos infinitos para atender todos os doentes em tempo hábil e morte só dos que “não teriam condições mesmo” e estão “dentro da estatística de letalidade da doença”. Naturaliza, também, o mais fraco como fatídico e sem solução.

    Por fim, a ideia do “ninguém mandou se comportar de maneira X”, relacionado às inúmeras doenças humanas simplifica fatores de adoecimentos, individualizando a culpa e a responsabilidade. Eximem, assim, necessidade de as políticas públicas terem qualquer ação real com os indivíduos.

    Neste último item, é importante apontar que existem múltiplos fatores (biológicos e sociais) para adoecimentos que, agora na COVID-19 que acabam agravando a situação. Incutir a culpa em obesos pois “era só não comer”, ou diabéticos pois era “só controlar a glicose”, é ignorar a multiplicidade de condições para sermos saudáveis (ou melhor: prescrições de uma vida saudável) que nenhum de nós segue. 

    Este discurso é sim biologicista, na medida em que torna a doença algo mecânico e simples de ser tratado, como simples rota metabólica a ser arrumada (só comer bem, só cuidar glicose, só fazer exercício regularmente…). É também um discurso moralista, que aponta – sempre no outro, claro – comportamentos condenatórios e não compatíveis ao que “nós” (o grupo de bem) consideramos correto.

    Estes são discursos cruéis, montados em uma biologização e naturalização da doença, usando (sim!) ideias científicas. No entanto, as usam a partir de distorções, carregadas de preconceitos a partir de contextos sociais, políticos, econômicos, culturais específicos. que são distorcidas às vezes, mas são preconceituosas sempre, pois apontam que há grupos que nós não precisaríamos nos preocupar. Há trechos de DNA, sequências específicas, fisiologias determinadas, anatomias escancaradas, faixas etárias declaradas que não precisam ser salvas, melhor seria deixar sucumbir de vez. Assim restariam os que são imunes às problemáticas atuais. Seleção Natural, imunização dos fortes, morte dos indisciplinados e enfermos: a sociedade, enfim, poderá voltar à normalidade (sem trocadilhos). A estatística populacional neutra e límpida mostrará a régua do que deve permanecer! (Será?).

    [Por outro lado]

    Em governos que agem à revelia, fazendo feriado ao invés de propor fechamento das cidades/estados, promovendo abertura de comércio “com protocolo de segurança anti-covid-19”, retirando do auxílio emergencial categorias profissionais inteiras por considerá-las essenciais (sem protocolo de segurança, sem EPI indicado, sem essencialidade comprovada), que indicam medicamentos para tratamento com evidências científicas apontando riscos severos no seu uso, que trocam de cargos máximos de instâncias de saúde (nos deixando sem representante) em um período de crise como este, que reduzem transporte público “pois há menos pessoas na rua” – tornando-os lotados pela quantidade reduzida, ao invés de proporcionar aos trabalhadores que precisam circular, espaço com segurança… Em governos que se eximem das responsabilidades de gerenciamento da crise, riem da morte de sua população – por COVID-19 ou por miséria…

    [pausa para respirar]

    (ufa) Em governos que agem como estamos vendo agir, com populações que poderiam reforçar a segurança e contenção da doença, mas não o fazem por ignorância ou impossibilidade: não se faz piada biologizando a doença, usando a seleção natural como fato simples. Especialmente nestes tempos, não se reforça ideais eugênicos como política pública válida e socialmente aceita. Não se retira a responsabilidade pública, coletiva e social por individualizar situações e culpabilizar pessoas, especialmente sem analisar a complexidade do que vivemos.

    Quando falamos que nem todos que se arriscam merecem adoecer, logo se pensa em profissionais da medicina e enfermagem, inclusive os tomando como heróis. Pois em um país como o nosso, cada indivíduo que caiu nas malhas dos trabalhos informais e “microempreededorismos individuais”, autônomos e aquele conjunto de pessoas que foi empobrecendo e colocando sua vida como negociata para pouco mais que nada de dinheiro, e que têm sido sistematicamente descartado como parte do que importa de vida aos gestores deste imenso território chamado Brasil – que tenta salvar grandes CNPJs e descarta CPFs… – biologizar as causas de mortes evitáveis é aceitar o genocídio “dos outros” como fato inconteste e natural.

    É naturalizar, literalmente, que ações políticas não têm efeito sob o atual cenário. É rir de todos aqueles que não têm condições de se resguardar de tudo isso.

    Não se ironiza Seleção Natural como se nossa sociedade estivesse isenta de políticas e ações que mudam a nossa vida e suas condições. Não se desfaz, ou dá de ombros quando há grupos de pessoas historicamente determinando quem pode ou não viver. Tampouco se ironiza o adoecimento, usando ciência para criar cortes de vida e morte, enquanto homens sentam-se em volta de uma mesa, com toalhas brancas, sãos e salvos, determinando quais dinheiros podem ser gastos sem problema amparando-se em intelectuais nazistas, que definem que investimento na sociedade e em humanos é quebrar o país, que leis devem ser aprovadas para se passar a boiada, que os membros de um dos pilares da democracia devem estar presos, enquanto discursos dispersos para desviar a atenção se fazem e seres humanos cotidianamente morrem por falta de ação real.

    Não se faz piada, enquanto subsistência se faz a céu aberto em vala comum. Nunca. Jamais.

    Para saber mais

    ARNT, Ana de Medeiros (2013) Genomas, sexualidade, seleção de parceiros, anomalias, defeitos, aborto, seleção de embriões: educando e governando vidas e sujeitos pelo determinismo biológico enunciado genes na revista ciência hoje

    IAMARINO, Atila; KARNAL, Leandro (2020) Live 24/05 – O pior lado da Pandemia, com Leandro Karnal #FiqueEmCasa.

    KECK, Frédéric e RABINOW, Paul (2008) Invenção e representação do corpo genético. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques e VIGARELLO, George História do corpo: as mutações do Olhar, O século XX. Petrópolis: Vozes, p.83-105.

    LEWONTIN, Richard (2002) O Sonho do Genoma Humano, Revista Adusp.

    MBEMBE, Achille (2018) Necropolítica, 3ed, São Paulo, 2018.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Ciência para crianças! A importância do isolamento social

    Estamos iniciando nossa série de quadrinhos Ciências para crianças! Se você quiser conhecer um pouco mais sobre os personagens, confira antes nossos quadrinhos de apresentação: https://www.blogs.unicamp.br/nasasasdodragao/2020/05/18/ciencia-para-criancas-quadrinhos/

    O tema dos quadrinhos de hoje é muito pertinente na atual situação de pandemia de Covid-19 que enfrentamos. A forma mais eficiente de evitar o contágio e propagação do vírus é a prática de isolamento social, que consiste em evitar a participação em atividades que envolvam muitas pessoas e se manter dentro de casa por um tempo. 

    Neste quadrinho, Dragonino está triste por não poder ver seus amigos, porém sua mamãe médica, Driana, sabe que é preciso que todos se protejam bem para evitar a contaminação. Veja o quadrinho e, junto com o Dragonino, entenda a importância de ficar em casa durante esse período!

    Todas as informações têm como base dados disponíveis nos sites oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde do Brasil. Para mais informações, entre nos sites referenciados nos quadrinhos:

    https://coronavirus.saude.gov.br/

    https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019

    https://portal.fiocruz.br/video/video-da-oms-como-colocar-usar-retirar-e-descartar-uma-mascara

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
    • Orientação e Revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para crianças! Uma série de quadrinhos para os pequenos cientistas em meio à pandemia!

    Devido a atual situação da pandemia de Covid-19, a equipe do projeto Nas Asas do Dragão está iniciando uma série de quadrinhos de divulgação científica voltadas para o público infantil.

    As histórias se baseiam nos aprendizados do personagem Dragonino, um pequeno dragão muito curioso, e contam com a participação de sua mãe, Driana, que é médica, e seu pai, Draco, que trabalha como biólogo e professor. Juntos, eles irão ajudar a explicar diversos temas atuais para as crianças!

    Serão abordados, semanalmente, temas como o isolamento social, a importância dos profissionais de serviços essenciais, como lidar com o distanciamento de parentes e amigos na quarentena, entre muitos outros. Fique por dentro dessa aventura de conhecimento e vamos passar juntos por essa fase!

    Abaixo está nosso primeiro quadrinho apresentando os personagens. Conheça um pouco mais sobre Dragonino e sua família, e não perca as próximas tirinhas!

    Quadrinhos de apresentação do Dragonino e sua família para iniciar a série Ciência para crianças!

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinícios Saragiotto, Verônica dos S. Sales, Bianca Bosso de M. Fonseca
    • Orientação e Revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Mais rápido, mais preciso e mais fármacos: Triagens de Alto Desempenho.

    Imagine que você esteja na véspera de uma prova e precise ler toda a bibliografia recomendada pelo seu professor da noite para o dia. Se você for um ótimo leitor, conseguirá ler no máximo um dos livros recomendados. Agora pense que você tenha a habilidade não só de ler vários livros de uma vez, mas ler todos os livros de diversas bibliotecas da sua cidade de uma vez só. 

    Essa leitura dinâmica te ajudará a entender os principais pontos dos livros e, às vezes você encontrará um livro que você nem sabia que poderia te ajudar na hora de fazer a prova. Apesar disso, sua leitura terá sido pouco específica ou aprofundada e se você precisasse saber algum detalhe na hora da prova, você provavelmente não se lembraria. Na área de descobrimento de fármacos temos uma metodologia parecida: a triagem de alto desempenho (High-Throughput-Screening, ou HTS).

    Desenvolver um remédio é algo muito caro e demorado. A triagem de alto desempenho é um processo automatizado capaz de testar milhares de “candidatos a remédios” (compostos químicos ou biológicos) em um único dia. Esse tipo de triagem, o HTS, é muito utilizado na indústria farmacêutica e é feita com a ajuda de robôs, o que minimiza os erros na hora de adicionar concentrações muito pequenas de remédios ao seu ensaio. Um cientista fazendo esse trabalho de modo manual demoraria uma semana para realizar a triagem de poucos compostos, e utiliza concentrações mais altas do que as do robô.

    O HTS é uma forma de separar fármacos promissores, também chamados de HITS, daqueles que não possuem efeito nenhum. Essa técnica é muito importante no cenário da pandemia de COVID-19, pois torna possível selecionar os compostos candidatos para tratamento de um modo bem mais rápido do que conseguiríamos sem a ajuda dos robôs. E como isto é feito?

    Para começar a triagem,  uma biblioteca de compostos é criada e funciona de modo bem parecido com uma biblioteca de livros. Essa biblioteca é um conjunto de compostos sintetizados quimicamente e de origem biológica. Podem ser, por exemplo, desde fármacos já aprovados para uso em humanos, até compostos extraídos de plantas. Essa biblioteca será testada com a ajuda destes “robôs pipetadores”, e os resultados serão analisados por cientistas que separarão os compostos HITS.

    Por ser um ensaio in vitro, ou seja, que não realiza observações em organismos vivos, e por nem sempre ser realizado com fármacos que já são aprovados para uso em humanos, esses testes são apenas indicadores de compostos promissores, que deverão ser validados em mais ensaios para confirmar se eles funcionam contra determinada doença ou não. 

    Caso sejam encontrados compostos promissores contra a infecção por SARS-CoV-2 (o vírus que causa a COVID-19), novos testes, que avaliam diferentes características dos remédios devem ser realizados antes, e depois validados pelos órgãos regulamentadores (como o FDA nos EUA e a ANVISA no Brasil). Existem 3 principais tipos de triagem de alto desempenho, e você pode conhecê-las a seguir:

    1. Triagem fenotípica, ou triagem celular

    As triagens fenotípicas, que são características observáveis, utilizam como base para o experimento uma cultura de células. Os pesquisadores, por meio de um sistema robotizado, adicionam uma quantidade específica de células em um poço de uma placa de ensaio, depois colocam o composto que será testado e o patógeno (agente causador da doença). No decorrer do experimento  as células, o composto e patógeno entram em contato e interagem entre si (isto pode durar alguns dias). O ensaio é finalizado com a adição de “corantes” no poço para realizar uma leitura no microscópio. Essa leitura pode mostrar estruturas celulares específicas e até mesmo o patógeno. Com essas imagens, são feitas análises para determinar se um composto teve efeito ou não.

    Caso o composto candidato apresente algum efeito, é necessário repetir o experimento, e depois estudos com outros tipos de testes/experimento , para que o resultado seja validado e se possa afirmar que um dado composto é eficiente de verdade. Por vezes, os testes indicam “falsos positivos”, compostos que parecem funcionar, mas na verdade não tiveram efeito. Além disso, uma desvantagem dos ensaios fenotípicos é que não é possível saber qual o mecanismo de ação do composto usado naquele contexto.

     

    2. Triagem Bioquímica

    As triagens bioquímicas são um pouco mais específicas do que as triagens celulares Antes de começar o experimento de triagem, são selecionadas  moléculas importantes do patógeno, como proteínas e enzimas.Tanto as proteínas, quanto as enzimas são pequenos pedaços que ajudam a dar uma forma para esse organismo, ou realizar uma função dentro dele. Essas moléculas são sintetizadas e colocadas nos poços das placas de ensaio juntamente com um ligante no caso das proteínas ou um substrato para as enzimas, ou seja, um composto específico com a sua molécula de interesse interage. Os compostos candidatos são adicionados, e é analisado se eles são capazes de interferir com a ação da proteína, ou seja, é avaliada a interação entre a proteína e o substrato ou ligante. Desta forma é possível saberse existe alguma interação específica entre essa proteína testada e o composto avaliado. A ideia é selecionar compostos capazes de fazer com que a proteína não funcione adequadamente. Essa análise pode ser feita por meio de indicadores de que houve uma transformação química, como uma mudança na coloração do poço que pode indicar, a quebra de alguma molécula do substrato, ou até mesmo alguma mudança na estrutura da proteína-alvo do experimento. Essa técnica foi efetiva para encontrar um remédio que atuasse na inibição da proteína NS5A do vírus da Hepatite C.

    Apesar de mais específico, esse tipo de teste está restrito a apenas uma região específica do patógeno (a proteína isolada). Proteínas diferentes têm estrutura diferentes e podem ter interação diferente diante de um determinado composto. No caso de um vírus como o SARS-CoV-2, existem diversos alvos possíveis para a ação de medicamentos, como a proteína spike, ou a enzima que quebra proteínas (protease). Caso o teste seja feito utilizando apenas a spike, nunca saberemos se os compostos testados funcionarão para a protease, por exemplo. 

    Figura 02. Esquema de um ensaio de triagem bioquímica.

    Triagem Virtual (vHTS)

    O ensaio virtual, ou triagem virtual, utiliza técnicas em bioinformática como base. Com o uso de programas de computador, são criados modelos em 3D da estrutura do composto e do alvo de interesse. Ao invés de usarmos um laboratório para sintetizar os compostos, cultivar as células e fazer o teste, realizamos o Docking molecular, ou uma simulação, em computadores. O Docking baseia-se na ligação das moléculas de compostos candidatos a sítios específicos da proteína alvo. Esta técnica funciona como um sistema de chaves e fechaduras, no qual testamos várias chaves e vemos qual se encaixa. O resultado disso é uma lista que ordena quais foram os compostos que se encaixam melhor naquele sítio de ligação. Dessa forma, podemos sintetizar apenas os compostos que mostraram uma boa ligação na molécula-alvo, economizando materiais do laboratório químico/farmacológico.

    Uma desvantagem desse ensaio é que para realizá-lo é necessário que você já conheça a estrutura molecular dos seus candidatos, e conheça a estrutura de onde você quer que ele encaixe, o que ainda não é possível para muitas moléculas. Essa estratégia só pôde a ser utilizada para encontrar candidatos contra a COVID-19 depois da publicação da estrutura das proteínas do vírus.

    Figura 03. Esquema de um ensaio de triagem virtual. Na imagem podemos observar uma das drogas que já foram selecionadas como possíveis tratamentos, se encaixando em uma das proteínas do vírus. 

    Mas qual o melhor HTS?   

    Cada um dos testes apresenta vantagens e desvantagens. A triagem por docking pode não representar de forma fidedigna o que acontecerá numa reação real, a triagem bioquímica exclui reações paralelas, como as que podem acontecer devido ao metabolismo celular, e a triagem por célula não nos permite conhecer o mecanismo de ação do fármaco. A melhor estratégia é sempre realizar a combinação dos 3 tipos diferentes de HTS e, caso um candidato passe por todas essas provas, o próximo passo é realizar os experimentos em modelos animais e testes clínicos que validem o composto como um remédio.

    Quer saber mais? 

    1. Integração das técnicas de triagem virtual e triagem biológica automatizada em alta escala: oportunidades e desafios em P&D de fármacos  https://core.ac.uk/download/pdf/37522641.pdf
    2. Acervo da Nature sobre HTS (textos em inglês):  https://www.nature.com/subjects/high-throughput-screening
    3. Impact of high-throughput screening in biomedical research: https://www.nature.com/articles/nrd3368.pdf
    4. A decade of fragment-based drug design: strategic advances and lessons learned: https://www.nature.com/articles/nrd2220.pdf
    5. Image based chemical screening: https://www.nature.com/articles/nchembio.2007.15
    6. Contemporary screening approaches to reaction discovery and development: https://www.nature.com/articles/nchem.2062.pdf
    7. An open-source drug discovery platform enables ultra-large virtual screens:  https://www.nature.com/articles/s41586-020-2117-z


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Descobrindo e Redescobrindo medicamentos: Como podemos tratar a COVID-19?

    Como resposta à pandemia do coronavírus, diversos grupos de pesquisa têm procurado uma vacina ou um tratamento contra a COVID-19. Com isso, sempre aparecem novas notícias no jornal sobre medicamentos que são “a aposta” para curar essa doença. Você já se perguntou qual caminho um medicamento deve percorrer para sair do laboratório e ir até a prateleira da farmácia? Vamos explicar aqui como funciona o descobrimento (e o redescobrimento) de medicamentos para doenças ocasionadas por vírus!

    Mais rápido e mais barato, o que é o reposicionamento de fármacos?

    Criar um medicamento do zero demanda muito tempo  e é caro. O tempo médio para um princípio ativo ser sintetizado em laboratório, virar medicamento e ir parar nas prateleiras da farmácia é de 12 anos e custa milhões de dólares! 

    Em tempos de pandemia, não possuímos tanto tempo assim para achar uma solução, e uma alternativa é o que chamamos de reposicionamento de fármacos.

    O reposicionamento é uma forma de pesquisa que investiga se um medicamento que já é bem conhecido possui alguma atividade contra uma doença que ainda não tem tratamento.  Essa estratégia tem sido utilizada principalmente para identificar tratamentos para doenças que não possuem tanto investimento, como malária, leishmaniose, e doenças virais transmitidas por mosquitos. 

    O reposicionamento começa com uma pesquisa in vitro, normalmente em uma cultura de células, com objetivo de  verificar se o medicamento conseguiu atuar naquela infecção. Caso o resultado seja positivo, mais alguns testes são necessários para entender como esse medicamento atua na doença, determinar a dose e a periodicidade que ele deve ser administrado aos futuros pacientes. Após a validação dos testes, o remédio será seguro para realizar os testes clínicos. Esses testes possuem um número controlado de pacientes, e depois que os testes são finalizados, é possível dizer se o reposicionamento deu certo ou não. Reposicionar fármacos é tomar um atalho para encontrar uma resposta para uma doença.

    No caso do tratamento da COVID-19 temos muitos candidatos para reposicionamento.  O remdesivir, medicamento desenvolvido para o tratamento de casos de Ebola, o lopinavir e o ritonavir, utilizados em coquetéis anti-HIV, e claro, a cloroquina e a hidroxicloroquina,  utilizadas no tratamento de malária e lúpus. Possivelmente nas próximas semanas outros candidatos possam surgir e ganhar destaque na mídia.

    Todo medicamento de reposicionamento é seguro e é efetivo? Não!

    Mesmo sendo uma alternativa mais rápida do que o descobrimento de um novo medicamento, o reposicionamento precisa ser validado em diferentes experimentos e grupos de pessoas, e os efeitos a longo prazo também devem ser estudados! 

    Depois que foi divulgado um estudo experimental que utilizava cloroquina, houve um aumento substancial na venda deste composto, ocasionando problemas como a falta do medicamento para pacientes que fazem uso regular, diversos casos de intoxicação por má administração e até mortes! 

    Quer saber mais sobre a cloroquina? Se liga nestes links que selecionamos para vocês 🙂

    Desmistificando a Cloroquina:
    Nigéria registra intoxicações por cloroquina


    Estudo associa hidroxicloroquina a maior risco de morte por Covid-19

    Homem morre após automedicação com cloroquina nos EUA

    Maior estudo sobre cloroquina e hidroxicloroquina demonstra que aumentam risco de arritmias e morte

    Mesmo com as notícias de possíveis tratamentos, é preciso ter calma.  Ainda estamos na etapa de testes clínicos e apenas um grupo de pessoas realizou esse tratamento. Em um primeiro estudo com poucas pessoas, a própria cloroquina demonstrou ser um candidato ao tratamento, mas agora um estudo com mais de 96 mil pacientes indica que ela é ineficiente. Assim como qualquer medicamento, os tratamentos contra COVID-19 devem ser realizados apenas por meio de orientação médica e seguindo sempre as orientações dos órgãos regulamentadores e científicos.

    Ficou curioso para entender como funciona o descobrimento de um  novo medicamento? Aqui embaixo a gente te explica:

    O processo começa com o estudo do agente causador da doença e de etapas que são importantes para a evolução do quadro clínico. Algumas etapas importantes em doenças causadas por vírus são o momento de infecção, de replicação do vírus dentro da célula e de liberação das novas partículas. Com esse entendimento, é possível definir quais moléculas (naturais ou sintetizadas) serão capazes de realizar uma interferência e impedir, ou amenizar, a doença. O mecanismo de ação dos compostos pode ocorrer protegendo o corpo daquilo que está fazendo mal, atuando diretamente na morte do patógeno, ou em alguma outra etapa importante da infecção. Após esses estudos, é realizada a síntese em laboratório e a caracterização dos compostos de modo a verificar qual a composição exata deles. 

    Depois de sintetizados, esses princípios ativos são testados em ensaios in vitro. Um ensaio in vitro é como uma horta: As células cultivadas são como as plantas; a terra e os nutrientes são o que chamamos de meio de cultura, e todo esse cultivo ocorre geralmente em placas de vidro ou plástico. Os ensaios in vitro são muito importantes pois conseguimos controlar diversos fatores que não conseguiríamos em outros ensaios, definir uma quantidade exata de células, fazer observações ao microscópio e o mais importante, reduzir a quantidade de experimentos em animais. 

    No ensaio in vitro são realizados testes para verificar se o princípio sintetizado tem efeito ou não. Em uma doença ocasionada por vírus, verificamos se aquele composto foi capaz de proteger a célula, ou se aquele composto conseguiu diminuir a quantidade do vírus naquele experimento. Além disso, também verificamos se aquele composto está sendo tóxico para a cultura de células afinal, não adianta reduzir a quantidade do vírus, mas ao mesmo tempo matar as células.

    Depois de finalizados os experimentos in vitro, devemos partir para os modelos in vivo,ou seja, em modelos animais, pois a dinâmica do composto em um sistema vivo é diferente de um sistema fechado de cultura de células. Num corpo possuímos diversos tipos de células, que podem interagir de formas diferentes com esse possível princípio ativo. São nos testes in vivo que também verificamos as doses de segurança dos medicamentos, evitando uma possível overdose e também onde se reconhecem em parte os efeitos colaterais relacionados a substância administrada..

    Estabelecidos todos os parâmetros de segurança, passamos finalmente para os testes clínicos. Os testes clínicos são realizados depois da aprovação de um conselho de ética, e sempre com a autorização do paciente ou de um responsável. São testes realizados com escolha aleatória de pessoas, e sempre contando com um grupo controle, que não receberá o tratamento. Nesses testes é que realizamos a validação final dos medicamentos, e, aí sim ele pode ser considerado efetivo no tratamento de uma doença.

    Ainda não temos nenhum medicamento, novo ou de reposicionamento, que seja a cura para a COVID-19. A previsão é de que os resultados dos testes clínicos já iniciados sejam divulgados nos próximos meses, incluindo a iniciativa coordenada pela Organização Mundial da Saúde chamada “Solidariedade”. Por hora, os únicos métodos realmente efetivos de combate a pandemia são o distanciamento social e medidas básicas de higiene!

    Quer saber mais sobre o tema? Aqui embaixo temos algumas sugestões para você continuar a aprender:
    Novos Remédios para velhas doenças
    Como surge um novo medicamento?
    OMS lança estudo global para testar 4 medicamentos contra Covid-19

    Referências em inglês:

    MCCAUSLAND, Phil. CDC warns against using form of chloroquine that killed man, sickened his wife. 2020. Acesso em: 03 mai. 2020.

    WOUTERS OJ, McKee M, LUYTEN, J. Estimated Research and Development Investment Needed to Bring a New Medicine to Market, 2009-2018JAMA. 2020;323(9):844–853. doi:10.1001/jama.2020.1166


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Celebrando a Dra. June Almeida – a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    Estamos passando por um período bem delicado, em que a pandemia do coronavírus mudou a rotina de muitos de nós, e com isso procuramos aprender e nos adaptar aos novos modelos de trabalho e relações.

    Vocês estão acompanhando nosso Especial Epidemias, e quero apresentá-los à Dra. June Almeida, a mulher que descobriu o primeiro coronavírus. Há cerca de um mês, June vem sendo destaque em alguns meios de comunicação e páginas de divulgação científica –  quando seu trabalho foi retirado do esquecimento. 

    Hoje, vamos explicar por que sua técnica de microscopia eletrônica foi revolucionária para a época e merece destaque nos dias atuais. Também convidamos vocês a refletirem sobre a razão pela qual uma pandemia foi necessária para que a Dra. June Almeida fosse, enfim, celebrada.   

    O começo

    A Dra. June Almeida nasceu em Glasgow em 1930 e foi uma virologista escocesa, doutora em ciências e pioneira no método de imagens para vírus. 
    Filha de Jane Dalziel e Harry Leonard Hart, sempre foi considerada uma aluna brilhante, mas aos 16 anos ela precisou deixar a escola pois não conseguiu uma bolsa de estudos . Por não ter recursos para ir à universidade, pois seu pai trabalhava como motorista de ônibus, June começou a trabalhar como técnica de laboratório em histopatologia na Royal Glasgow Infirmary. Posteriormente, mudou-se para o Hospital St. Bartholomew, em Londres, para continuar sua carreira em função similar.

    O reconhecimento

    Ao mudar-se para Londres, June conheceu  o artista venezuelano Enrique Almeida,com quem casou-se em 1954 e teve uma filha.  Um tempo depois, o casal mudou-se para o Canadá, onde June passou a trabalhar como técnica em microscopia eletrônica no Ontario Cancer Institute. Mesmo sem qualificações universitárias ela teve um grande destaque e escreveu diversos artigos científicos, sendo a maioria relacionada a estruturas de vírus.

    A metodologia desenvolvida por June, que possibilitava  uma melhor visualização de vírus por meio do uso de anticorpos, permitiu utilizar microscópios eletrônicos no diagnóstico de infecções virais, sendo uma delas a rubéola. 

    Seu trabalho começou a ser aceito e, alguns anos depois, em 1964, ela foi convencida pelo professor de microbiologia na St. Thomas Hospital Medical School a voltar à Inglaterra para trabalhar no hospital.

    June Almeida. Foto: Getty Images

    A técnica revolucionária

    Os vírus são partículas microscópicas e a visualização de suas estruturas só é possível através de um microscópio eletrônico, que evidencia partículas menores que 1mm. Quando um microscópio eletrônico emite um feixe de elétron sob uma amostra, essa emite elétrons secundários que são capturados por detectores. As interações das partículas com a superfície da amostra são então registradas, criando uma imagem 3D na tela do computador. Como os elétrons têm comprimentos de onda muito mais curtos que a luz, a imagem revelada apresenta detalhes pequenos e finos.

    Na época em que June trabalhou, as imagens de microscopia eletrônica eram muito duvidáveis devido à falta de nitidez do contraste, sugerindo resultados falsos-positivos. Contudo, June era conhecida por ter desenvolvido uma metodologia de sucesso, através da mistura de reagentes em determinado pH, que melhorava o contraste do material gerando imagens mais definidas. Essa metodologia é conhecida como marcação negativa

    June ainda realizou importantes avanços na técnica conhecida como microscopia eletrônica imune que utiliza anticorpos para marcar a molécula de interesse. Com essa técnica, June conseguiu demonstrar a morfologia do Rinovírus, o que era muito difícil na época. No geral, seus trabalhos em microscopia eletrônica promoveram importantes avanços em virologia nas décadas de 1960 e 1970.

    A validação

    Quando a Dra. June Almeida voltou para o Reino Unido suas publicações já eram reconhecidas, e com o seu retorno sua carreira efetivamente decolou e ela obteve o grau de doutora honorária. 

    A cientista começou, então, a colaborar com Dr. David Tyrrell, que analisava pacientes da unidade de gripe comum do hospital. Algumas amostras de lavagens nasais de voluntários foram enviadas a June, que pôde identificar em seu microscópio os vírus do resfriado comum e um outro vírus, que era uma nova causa de infecção respiratória: o coronavírus. A princípio, esse novo patógeno foi chamado de vírus “tipo influenza”, mas esse nome não soava tão especial. June batizou então o novo vírus com o seu nome, agora tão famoso, por observar nas imagens uma espécie de halo em volta do vírus,  que remete a uma coroa

    Embora a identificação de um novo vírus que causa uma patologia respiratória em humanos pareça algo muito relevante, seus achados foram imediatamente rechaçados pela primeira revista científica em que June tentou a publicação dos dados. Eles duvidaram se tratar de um novo vírus, argumentando que seria apenas imagens mal feitas do vírus influenza. 

    Somente em 1967, June publicou as imagens captadas pela brilhante técnica de microscopia eletrônica no Journal of General Virology. Esse artigo pode ser lido na íntegra aqui.

    June também produziu a primeira imagem do vírus da rubéola e descobriu a existência de dois componentes distintos do vírus da hepatite B.

    Primeiro tipo de coronavírus identificado por June Almeida em 1964. Foto: Reprodução/BBC.

    Ela encerrou sua carreira no Wellcome Research Laboratory, onde trabalhou desenvolvendo vacinas. Em 1985, ela se aposentou e tornou-se professora de ioga, mas manteve-se como consultora no Hospital St. Thomas desde 1980, onde ajudou a registrar a imagem do vírus HIV

    Ela morreu em 1 de dezembro de 2007, aos 77 anos, em sua casa em Bexhill, após um ataque cardíaco, deixando a filha Joyce e as netas.

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    Se pararmos para refletir, a história de June Almeida infelizmente não se difere muito da história de outras tantas mulheres cientistas que já abordamos aqui. Assim como ela, Rosalind Franklin e sua fotografia que ajudou a desvendar a estrutura do DNA ou Nettie Stevens e seu trabalho com cromossomos sexuais não tiveram a merecida valorização na época em que foram realizados. 

    O que sua história também tem em comum com a de outras cientistas é que anos mais tarde, de uma forma ou de outra, esses achados são resgatados e trazidos à luz e seus feitos são enfim merecidamente destacados. Nos orgulhamos em cumprir esse papel de resgatar e celebrar essas mulheres cientistas e seus feitos fundamentais para a construção do conhecimento. 

    Convidamos a todos vocês a celebrar a Dra. June Almeida e a descobrir aqui outras tantas mulheres incríveis. 


    Esse texto teve a colaboração de Marina Barreto Felisbino e Carolina Francelin.

    Referências

    https://oglobo.globo.com/celina/june-almeida-mulher-que-descobriu-primeiro-coronavirus-humano-24376400

    https://www.publico.pt/2020/04/17/ciencia/noticia/historia-primeira-pessoa-coronavirus-humanos-1912722

    https://pt.wikipedia.org/wiki/June_Almeida

    https://brasil.elpais.com/smoda/2020-05-08/a-verdadeira-historia-da-cientista-sem-estudos-que-descobriu-os-coronavirus.html

    https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/jgv/10.1099/0022-1317-1-2-175;jsessionid=bDf_z0c7jWH2XFbtjM92rvp-.mbslive-10-240-10-103

    http://coronavirus.butantan.gov.br/ultimas-noticias/june-almeida-a-doutora-que-nao-terminou-o-ensino-medio-e-identificou-o-primeiro-coronavirus

    https://www.bbc.com/news/uk-scotland-52278716

    https://jvi.asm.org/content/jvi/10/1/142.full.pdf

    https://www.oxforddnb.com/view/10.1093/ref:odnb/9780198614128.001.0001/odnb-9780198614128-e-99332;jsessionid=C76D00BE1623ACAFA790C8992369D53D

    https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/jgv/10.1099/0022-1317-1-2-175;jsessionid=BzeMOhElGboAUSiTKaCfW0HP.mbslive-10-240-10-183


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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