Categoria: ESPECIAL COVID-19

  • Por que precisamos tomar a segunda dose das vacinas de COVID-19

    Um levantamento do Ministério da Saúde do dia 07 de Junho de 2021 mostrou que 49.584.110 pessoas receberam a primeira dose da vacina contra o SARS-CoV-2. Deste montante, 23.026.663 receberam as duas doses. Olhando assim, parece um número muito bom. No entanto, até meados de maio, aproximadamente 5 milhões de brasileiros tomaram a primeira dose de uma das vacinas contra a COVID-19, mas não voltaram para a segunda dose.

    Será mesmo que a segunda dose é fundamental? Você sabe porque ela é importante?

    Um lembrete para o seu corpo

    A vacina funciona como uma forma preventiva para que seu corpo já saiba criar uma resposta para o agente causador da doença, no caso o vírus SARS-CoV-2. A CORONAVAC usa uma tecnologia bem conhecida, a de vírus inativado, enquanto que a vacina da ASTRAZENECA usa um adenovírus que não consegue se replicar no nosso corpo e a da PFIZER uma mensagem codificada que faz nosso corpo reconhecer a proteína spike do vírus. Vocês podem ler um texto que falamos sobre as diferenças de vacinas aqui

    Independente de qual das três vacinas você tomar, é necessária uma segunda dose. Isso acontece porque o primeiro contato com as vacinas criará uma resposta do seu sistema imune. Mas não tão forte quanto a prevenção com duas doses. A segunda dose funcionará como um lembrete para o seu corpo saber que aquele vírus segue por aí. Assim, consequentemente aumentará a sua resposta.

    Além disso, alguns estudos ainda estão sendo feitos para compreender melhor como o corpo responde a essas vacinas. Os estudos da CORONAVAC garantem a eficácia da imunização após a segunda dose, mas ainda não possui nenhum estudo de apenas uma dose. Já a vacina da ASTRAZENECA possui uma eficácia de 76% após a primeira dose, e aos poucos o corpo “esquece” essa resposta no intervalo de 3 meses, por isso é necessária a segunda dose, que eleva a eficácia para aproximadamente 82% (Fonte: FioCruz). Já a Pfizer possui uma eficácia geral de 85% depois da primeira dose e 95% após as duas doses. Vale sinalizar que inicialmente o intervalo entre as doses da Pfizer era de 21 dias, mas depois foi alterado de acordo com um novo estudo em pré-print

    Confusão entre o tempo de espera de cada tipo de vacina

    A falta de informação a respeito do porquê tomar a segunda dose da vacina não é o único problema. Os diferentes intervalos entre as doses das vacinas também causam confusão. A CORONAVAC possui um intervalo de aproximadamente 20 dias, enquanto que o intervalo das doses de ASTRAZENECA é de 3 meses. Aqui no Brasil, a vacina da PFIZER também está seguindo o intervalo de 3 meses, em acordo com o resultado do estudo citado acima. 

    Por conta da quantidade de nomes, é fácil de se confundir. A falta de padronização na escrita da carteirinha de vacinação também é um ponto crítico. Muitas vezes a CORONAVAC está escrita “Butantan” ou “Sinovac” e a vacina da ASTRAZENECA fica registrada como “OXFORD” ou “FIOCRUZ”.

    Fique atento a sua carteirinha e a de seus familiares! Se tiver dúvida, não hesite em perguntar para a pessoa que estiver aplicando. Confira a data que estiver agendada na carteirinha. Evite perder o prazo entre as doses!

    Mas e a vacina da Janssen/Johnson & Johnson?

    Essa vacina já teve seu uso aprovado em caráter emergencial no Brasil, mas ainda não chegou nenhuma dose no país. Ela utiliza uma tecnologia de adenovírus semelhante à vacina da ASTRAZENECA. Nos estudos realizados até agora, apresentou uma eficácia desejável mesmo com apenas uma dose. Caso tua intenção seja tomar só uma dose, mas tua categoria (por idade, profissão ou comorbidade) chegue antes disso: não vale esperar! Vai e te vacina logo, pois precisamos de muita gente vacinada, rápido!

    Falta de doses de vacinas

    Outro problema encontrado é a falta de vacinas. Em um primeiro momento foi orientado aos municípios que guardassem a segunda dose das pessoas que estavam sendo imunizadas, para que elas não acabassem. Depois, em 20 de março todas as doses foram destinadas à primeira imunização de um grupo maior de pessoas, uma notícia sobre isso você pode conferir aqui. No dia 25 de abril o Ministério da Saúde voltou atrás e pediu para que 50% das doses recebidas fossem guardadas, mas isso não evitou que centenas de cidades, incluindo 13 capitais estaduais, ficassem sem doses. Essa série de erros também contribuiu para que diversas pessoas não conseguissem tomar sua segunda dose.

    Nós temos reiterado que esta confusão faz com que a gente realmente fique inseguro com tudo o que está acontecendo! Por isso sempre reforçamos: pergunte, se certifique das datas, cobre por informações e, na dúvida, chegue junto que a gente tenta responder também!

    Mais doses?

    Tem mais debate por aí falando em terceira dose. Mas fique atento! Por enquanto não existem dados suficientes que comprovem a necessidade de tomar mais doses da vacina. Ou mesmo se teremos que tomar a vacina em intervalos de tempo pré-definidos, assim como tomamos a vacina da gripe, difteria, tétano e HPV.

    E se eu tomar vacinas diferentes?

    ATENÇÃO! Em alguns países, como a Espanha, a combinação de doses de diferentes vacinas já está sendo testada. Apesar disso, no Brasil a ANVISA ainda não autorizou nenhum tipo de combinação. Caso queira saber mais sobre um dos estudos preliminares, leia aqui.

    Isso se dá ao fato de que  ainda estão sendo realizados estudos que comprovem uma resposta imune melhor se misturarmos as vacinas, ou até mesmo se existe algum tipo de interação entre as vacinas que possa ser prejudicial. Caso você tenha tomado doses trocadas de vacinas, é recomendado informar no posto de saúde o problema e aguardar instruções específicas para o seu caso. 

    Eu preciso manter medidas de segurança mesmo depois da segunda dose?

    Sim! Mesmo tomando as duas doses seu corpo ainda demora alguns dias para criar uma resposta e você ainda pode ser infectado de maneira leve pelo vírus. Além disso, mesmo com as duas doses, você pode ser um agente transmissor.

    Por fim, ainda temos a questão de que a vacinação em nosso país está lenta, há poucas pessoas vacinadas (MUITO POUCAS). A vacinação é um evento efetivo QUANDO EXECUTADO EM MASSA. Isto é, em uma grande parcela da população – não estamos nem perto disso ainda! Por enquanto, no Brasil as recomendações permanecem as mesmas: Máscara e distanciamento! Além do clássico: se puder, fique em casa!

    Para Saber Mais

    Barifouse, R (2021) Covid-19: os erros que levaram centenas de cidades a suspender vacinação por falta de 2ª dose, BBC Brasil

    Callaway, E (2021) Mix-and-match COVID vaccines trigger potent immune response, Nature 593, 491 (2021) doi: https://doi.org/10.1038/d41586-021-01359-3

    Da Redação (2021) Ministério da Saúde muda orientação e libera vacinas armazenadas para uso como 1ª dose, G1

    LedFord, h (2021) Delaying a COVID vaccine’s second dose boosts immune response, Nature

    Rangel, D, Lang, P (2021) Vacina Covid-19 Fiocruz tem eficácia geral de 82%. Notícias, Fiocruz

    Voysey, Merryn (…) and Pollard, Andrew and Group, Oxford COVID Vaccine Trial, Single Dose Administration, And The Influence Of The Timing Of The Booster Dose On Immunogenicity and Efficacy Of ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) Vaccine. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3777268 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3777268 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Personalidades da vacina: os altruístas, os fiscais e os sommeliers!

    [Sugestão é vocês lerem este texto ouvindo este som]

    Estamos em uma etapa de vacinação que inclui, além de idade (seguimos com a vacina para pessoas acima de 60 anos), comorbidades, gestantes e lactantes, além de profissões específicas.

    A vacinação, que era para trazer uma parca esperança em meio a tudo o que temos vivido em nosso país, tem sido questionada em muitos aspectos que tornam tudo ainda mais difícil.

    Sommeliers de vacina

    Por um lado, temos visto pessoas percorrendo postos de saúde atrás ‘da vacina que eu quero tomar’, seja por receio de reações adversas, seja por ter vontade de tomar “aquela que tem maior eficácia”, ou qualquer outro motivo que apareça pela frente.

    Temos chamado estas pessoas de sommelier de vacina. Sommelier são aqueles profissionais dedicados a “provar” e “degustar” produtos específicos – vinhos, queijos, cervejas, por exemplo. Parece chique, né? Na verdade é chique. 

    Mas não quando diz respeito à vacina! Entretanto, cabe a pergunta: qual vacina é boa? Há quem diga que várias vacinas são só “água com açúcar e só a fulaninha que presta”.

    Olha, quando se trata de 465.000 mortos em nosso país, a vacina boa é a que chega em nosso braço. Isto é, cobiçar a vacina de um dado fabricante e adiar sua imunização até poder acessar a queridinha do momento não é apenas descabido. É desrespeitoso. É um ato atroz com os milhares de brasileiros que aguardam sua vez no Plano Nacional de Imunização.

    Precisamos vacinar muito e precisamos vacinar rápido.

    Estas ações atrasam ainda mais nosso calendário e fazem permanecer aberto o cronograma de vacinação para uma faixa específica que poderia estar mais avançada.

    Esta confusão toda pode, sim, ser fruto de uma comunicação truncada que dá a entender que a vacina X em relação à Y é melhor.

    Neste sentido, os resultados recentes da CORONAVAC no município de Serrana enchem de esperança o que mais acreditamos: vacina boa é vacina no braço dos brasileiros e vacinação em massa funciona E MUITO! Ademais, lembramos que ela também acabou de ser aprovada em caráter emergencial na OMS, o que indica que ela é segura, eficaz e de qualidade.

    Com 75% da população do município coberta pela Coronavac (95,7% da população vacinável), Serrana viu suas internações, óbitos e registros de doentes despencar nas últimas semanas. Todavia, sim, precisamos dos dados abertos e verificáveis e precisamos dos dados e sua distribuição por faixa etária discriminados o quanto antes para nos debruçarmos e compreendermos todo o processo. Entretanto, os dados que nos foram apresentados até o momento nos mostram que cobertura vacinal é fundamental para enfrentarmos a pandemia!

    Mas há quem não queira tomar vacina pelas reações…

    [pausa dramática, respira fundo]

    como se nunca tivesse acompanhado crianças na família e visto os choros de dor, febre ou outras reações nos pequenos. Vacina pode dar reação, febre, dor no corpo, sonolência, enjoo por exemplo. Ou seja, ninguém nega isto.

    Todavia nenhuma destas reações se compara há semanas entubado, sem contato familiar, em uma situação de quase morte. Assim como, também não se compara ao risco de contaminarmos inúmeras pessoas e, mesmo estando com sintomas leves, levarmos pessoas a serem entubadas por COVID-19 pelos contatos que seguem vigentes na nossa vida.

    E antes que me achem exagerada, é bom lembrar que família contamina família, que temos filas de espera em UTIs e que seguimos com números altíssimos de contaminações e mortes. Nenhum medo de enxaqueca e febre deveria se sobrepor à possibilidade de nos contaminarmos e contaminarmos a quem está próximo de nós.

    Em suma, é só uma febre, vai passar.

    Os altruístas

    O outro lado da moeda tem sido as pessoas que começam a despontar no PNI como as próximas a serem vacinadas. Elas podem, suas documentações pessoais a fazem legalmente vacináveis, mas elas não se vacinam. Por quê? Por terem pessoas “que merecem mais do que eu”, costuma ser a resposta. Outra bem recorrente é “não acho justo quando há outros que não se vacinaram ainda”, e, por último “eu me encaixo, mas prefiro deixar para a próxima vez quando chegar”.

    O caso comum dos altruístas são as profissões. Várias profissões dão direito à vacina. Neste caso, o PNI deixa claro que os municípios e estados devem observar os critérios que considerarem pertinentes para estabelecer a vacinação de várias destas profissões.

    Eu posso, mas não devo: altruísmos às avessas

    Assim, os altruístas são as pessoas que mesmo tendo o direito, acham que é justo pular a vez e deixar para a próxima.

    Os fiscais (que falarei mais adiante) são os que acham que estes profissionais só podem se vacinar quando eles (os fiscais) acharem que devem ser vacinar.

    Nenhum dos dois está lá muito correto. Embora vacinar-se seja uma escolha (teu corpo, tuas regras, etc.), é um ato coletivo de proteção. Dessa forma, neste momento, temos mais de um milhão de casos de COVID-19 em acompanhamento. Ontem, dia 1º de junho de 2021, tivemos 78.926 confirmações de COVID-19 em nosso país e mais do que 2 mil mortes.

    135 dias depois de começar a vacinação em nosso país, tivemos 265 mil mortes. Nestes 4 meses e alguns dias tivemos mais mortes pela doença do que o ano passado inteiro. Aceleramos as mortes e os contágios quando vários países começam a abrir comércio e vivenciar a experiência de controle da doença em seus territórios.

    Nós não estamos nem próximo disto. Não é, portanto, altruísta abrir mão de vacinas que foram contabilizadas e estão à disposição. Tua vacina está lá, te esperando. Tu achares que o PNI não é justo, não modifica o PNI, não “adianta” as datas de categorias que começam a aparecer à revelia do que pode parecer justo, bom, emergencial ou interessante. Tu não te vacinares só faz com que menos uma pessoa, agora, esteja vacinada e com condições de diminuir a circulação do vírus.

    E isto é emergencial.

    Em suma, o altruísmo, neste momento, é se vacinar quando chegar a tua vez. A vacina é um processo que funciona em uma massa de pessoas – e para isto precisamos de uma massa vacinada. Abrir mão do teu direito não faz com que a vacinação ande mais depressa, não faz uma massa ser vacinada. Este é um altruísmo às avessas por estarmos em um momento delicado, triste e que apenas denota nossa fragilidade em vencer esta doença.

    Não era para, neste momento, estarmos debatendo quais categorias deveriam ou não estar vacinadas, por um motivo muito simples: nosso país sempre foi exemplo de estrutura e organização de vacinação no mundo, com doses para todos, calendário preciso, com campanhas eficazes, bem feitas, sólidas e robustas em todas as suas etapas.

    Fiscais de fila

    É um desserviço julgarmos quem está com lugar na fila, desencorajando as pessoas a tomarem vacinas e as tomando como fura-filas SE ELAS NÃO SÃO FURA FILA.

    Concomitante ao fenômeno altruísta, há as pessoas que viraram fiscais de comorbidades e profissões e julgam qualquer pessoa que apareça com a vacina no braço – o que fortalece ainda mais quem se sente culpado por estar se vacinando.

    Primeiramente, é fundamental apontar o quanto fiscal de comorbidade e de profissão é um cargo cruel em um país que, desde que a Campanha de Vacinação por COVID-19 começou em nosso país, matou 265 mil pessoas confirmadas por COVID-19 (fora casos não confirmados para a doença).

    Há, também, aqueles fiscais de obesidade, perguntando se o IMC da pessoa ultrapassou 40. Pior ainda são aqueles que acham que obesos não devem se vacinar pois são relaxados, relapsos, dentre outros xingamentos que não caberiam em um veículo como este.

    Ainda sobre comorbidades, não é que avisemos a todos o que nos acompanham ao longo da vida quais doenças e condições temos ou deixemos de ter. Acusar levianamente é cruel, insensível e não faz sentido. Ninguém é obrigado a apontar, cotidianamente para conhecidos, amigos próximos ou até familiares, que comorbidades nos acompanham.

    Ah! Ana, mas tem gente furando fila com atestado falso.
    – Sim… verdade. E isto é horrível Mas o Brasil também tem muitas pessoas com comorbidades e não és tu, alecrim dourado, a pessoa que sabe todas as que existem e todas as pessoas afetadas por elas, é?

    A rede social virou palco de guerra com pessoas indo perguntar “qual comorbidade”? Não há muitas palavras para narrar o constrangimento que tem sido imputado às pessoas que estão celebrando a vida e celebrando um DIREITO a permanecerem vivas.

    Nós compreendemos que o PNI poderia organizado-se de forma a não ocorrerem incoerências entre municípios e estados, com datas confusas e regras divergentes.

    O que não é justo é esta confusão que já está presente nos documentos oficiais gerar culpabilização de pessoas e inadimplência no comparecimento à vacina!

    Precisamos que vocês se vacinem: quando integramos o grupo #TodosPelasVacinas não foi para que as pessoas se sentissem culpadas de terem esta oportunidade, para termos fiscais de plantão e para questionarmos os atos de vacinação. 

    Foi para que todos conseguissem acesso à vacina e, quando chegasse seu dia: SE VACINASSEM.

    Seguiremos neste propósito, firmemente. A vacinação é uma política pública, deve ser organizada pelos setores públicos – como sempre foi – e é um absurdo ser cobrado de indivíduos que estão legalmente cotados para vacina que não se vacinem por julgamentos estapafúrdios (de “diplomas velhos” à “ideias de minha cabeça” ou “não concordo pois esta comorbidade não me interessa que exista”).

    Se chegou tua vez, é teu direito, é nossa defesa, é proteção a todos: VACINE-SE

    Para saber mais

    BRASIL, Ministério da Saúde (2021a) Plano Nacional de Vacinação COVID-19 5ª Versão

    ____ (2021b) Plano Nacional de Vacinação COVID-19, 6ª Versão

    ____ (2021c) Saúde antecipa vacinação de trabalhadores de educação e autoriza imunização da população geral por idade

    ____ (2021d) NOTA TÉCNICA Nº 717/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS

    CONASEMS (2021) Nota Técnica PNI 06-05-2021

    WORLDMETERS COVID-19, acessado em 1 de Junho de 2021. 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Nova técnica de impressão 3D pode levar a diagnósticos rápidos e econômicos

    Usando a técnica de impressão 3D, pesquisadores da Universidade Católica de Lovaina ou KU Leuven, na Bélgica, fabricaram uma versão 3D de um teste de fluxo lateral. A base é um pequeno bloco de polímero poroso, no qual “tintas” com propriedades específicas são impressas em locais precisos

    Esses testes são amplamente utilizados na forma de testes COVID-19 e de gravidez tradicional. Com esse método de impressão, os pesquisadores esperam ser possível o desenvolvimento de testes de diagnóstico de última geração, rápidos, econômicos e fáceis de usar.

    Devido à pandemia de COVID-19 em andamento, todos estão cientes da importância de um diagnóstico rápido. Diversos testes estão disponível e utilizam a técnica conhecida como teste de fluxo lateral.

    Aqui nesse blog, você pode ter acesso a vários textos sobre testes e pesquisas de diagnósticos de COVID19.

    Se você tiver interesse, eu recomendo os textos disponível aquiaqui e também aqui.

    Resumidamente, esse teste começa com uma coleta da amostra pelo nariz e posteriormente dissolvida em um solvente e usada no kit de teste. O kit contém um material absorvente que desloca a amostra e permite que ela entre em contato com um anticorpo.

    Dessa maneira, caso um vírus esteja presente, uma linha colorida aparecerá. A vantagem desses testes é que eles são econômicos e não precisam de nenhum dispositivo dedicado.

    Os testes de fluxo lateral são úteis para realizar testes simples que levam a uma resposta sim e não, no entanto, eles não são adequados para testes que precisam de um procedimento de várias etapas.

    Assim, esta é a razão pela qual os pesquisadores da KU Leuven decidiram projetar uma nova forma de teste de fluxo lateral com recursos adicionais.

    Manufatura aditiva precisa

    Os pesquisadores usaram uma impressora 3D e criaram um modelo 3D de um teste de fluxo lateral. A base deste modelo é um pequeno bloco de polímero poroso, onde “tintas” com propriedades particulares são impressas em locais precisos.

    Dessa forma, é impressa uma teia de canais e minúsculas “travas” que permitem o escoamento ou impedem onde e quando necessário, sem a necessidade de peças móveis.

    No momento do teste, a amostra é automaticamente direcionada para as várias etapas do teste. Este método ajuda a seguir até procedimentos complexos.

    Os pesquisadores avaliaram seu método, recriando um teste de Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA), usado para detectar a imunoglobulina E (IgE). Você pode saber mais sobre isso aqui.

    Ig E é quantificada para diagnosticar alergias. Isto é, em ambientes de laboratório, esse tipo de teste envolve uma série de etapas, com variação da acidez e diferentes enxágues.

    Os pesquisadores executaram com sucesso todo o processo usando um kit de teste impresso semelhante a um cartão de crédito.

    A complexidade não é um custo

    A grande vantagem da impressão 3D é que você pode adaptar rapidamente o design de um teste para acomodar outro protocolo, por exemplo, para detectar um biomarcador de câncer. Assim, para a impressora 3D, não importa o quão complexa seja a rede de canais.

    O novo método de impressão 3D também é escalonável e econômico. Segundo os pesquisadores, a produção do teste de protótipo Ig E custa cerca de US$ 1,50, mas poderia ser menos de US$ 1.

    O novo método não só oferece oportunidades para diagnósticos mais rápidos e baratos em países desenvolvidos, mas também em países onde há uma maior necessidade de testes diagnósticos de baixo custo e onde a infraestrutura médica não é altamente acessível.

    Dessa forma, atualmente, os pesquisadores estão desenvolvendo sua própria impressora 3D, que será mais flexível se comparada à versão comercial empregada na nova análise.

    Uma impressora otimizada é como uma mini fábrica móvel que pode produzir diagnósticos rapidamente. Você pode então criar diferentes tipos de testes simplesmente carregando um arquivo de design e tinta diferentes. 

    Fonte: AZoM

    Referência bibliográfica 

    Achille, C, et al (2021) 3D Printing of Monolithic Capillarity‐Driven Microfluidic Devices for Diagnostics Advanced Materials

    Este texto foi escrito originalmente para o blog Microfluídica e Engenharia Química

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Por que antibiótico não cura virose?

    Antibiótico não serve para tratar virose. Você já deve ter ouvido alguém falar isso. Mas se você não sabe por que isso acontece, hoje você vai entender.

    Mas para isso precisamos introduzir alguns conceitos… falar sobre os diferentes antimicrobianos – afinal, você sabe por que falamos tanto sobre antibióticos, mas quase não ouvimos falar nos antifúngicos ou nos antivirais?

    Então vem com a gente para termos uma visão bem ampla sobre esses medicamentos!

    Esse post é a unificação de 3 fios que fiz no twitter e que chamei de “O fio dos agentes antimicrobianos”. Eles podem ser acessados clicando AQUI.
    Também já comentamos aqui no blog sobre o uso de Azitromicina para o tratamento de Covid; e como o uso de antibióticos na covid pode contribuir para acelerar a epidemia das bactérias multirresistentes (parte 1 e parte 2).

    Os micróbios são muito diversos… e o que a gente chama de micróbio (ou de microrganismo) varia um pouquinho de acordo com que está falando. Aqui, neste post, a gente está considerando apenas os vírus, os fungos e as bactérias.

    Na figura abaixo temos um comparativo de tamanho entre esses micróbios…

    O círculo azul no fundo representa uma célula de levedura. Levedura é um fungo unicelular eucarioto (a gente vai falar sobre isso ali embaixo) e possui um tamanho relativamente grande. Depois, seguindo a ordem de tamanho, temos as células bacterianas (temos quatro no desenho, uma esférica cinza e três mais alongadas marrons – uma maior e duas menores). Veja que as bactérias variam no tamanho e na forma! Em seguida, temos os vírus, que são ainda menores. Eles estão indicados pelos números de 1 a 9 na figura. E o pontinho indicado pelo número 10 é uma molécula de hemoglobina, uma proteína que é encontrada nas células vermelhas do nosso sangue, e é responsável por transportar o oxigênio no nosso sangue.

    Apresentados os microrganimos, temos que introduzir um outro conceito muito importante.

    Quando falamos de agentes antimicrobianos (ou anti-infecciosos) esperamos que eles tenham uma característica que chamamos de TOXICIDADE SELETIVA. Isso significa que o fármaco deve ser tóxico para o microrganismo, mas deve causar o mínimo de dados ao hospedeiro (no caso, a gente mesmo!).

    Para isso, temos que buscar medicamentos que atinjam alvos importantes dos microrganismos mas que sejam diferentes dos presentes no hospedeiro. É aí que está o pulo do gato – e que explica não só a dificuldade em desenvolver novos fármacos, mas também os efeitos colaterais causados por esses medicamentos.

    Além disso, é a seleção desses alvos que faz com que os agentes antimicrobianos tenham um espectro ação amplo ou curto. Um espectro de ação amplo significa que o antimicrobiano atinge uma grande variedade de microrganismos, enquanto um espectro de ação curto, nos indica que esse antimicrobiano tem um uso mais restrito, apenas para alguns tipos de microrganismos. É isso que esta figura aqui embaixo nos mostra.

    Feitas essas considerações, vamos começar a falar dos agentes antimicrobianos mais famosos! São eles: os ANTIBIÓTICOS ou ANTIBACTERIANOS

    Quando falamos em células bacterianas, achar esses alvos é relativamente mais simples, sabe por quê? Olha a estrutura geral de uma célula bacteriana (procariótica) e de uma célula humana (eucarótica). Elas são muito diferentes (tanto no tamanho quanto nas estruturas)! – Ah! Você lembra da primeira figura? Os fungos são eucariotos assim como nós!

    De forma bem resumida podemos dizer que os eucariotos (células animais, vegetais e de fungos e protozoários) possuem o DNA “guardado” numa região específica chamada núcleo e que é delimitada por uma membrana e, também, tem diversas organelas complexas também membranosas. Os procariotos (bactérias) possuem o DNA disperso no citoplasma da célula.

    Com essas diferenças, a diversidade de alvos para os antibacterianos é bem extensa. Podemos dividi-los em grandes grupos de acordo com o alvo e seu nodo de ação. Como podemos ver nessa figura, os mecanismos de ação podem ser:

    • 1. Inibição da formação da parede celular bacteriana
    • 2. Inibição da fabricação de proteínas
    • 3. Inibição da multiplicação do DNA (replicação) e da formação de RNA (transcrição)
    • 4. Danos à membrana plasmática
    • 5. Inibição de reações de vias metabólicas específicas

    Apesar de vários desses processos acontecerem tanto nas células humanas quanto nas bacterianas, existem diferenças significativas entre eles. E são essas diferenças que serão usadas como alvo para os antibióticos.  E a diversidade deles é bem grande!!!

    Alguns desses medicamentos tem alta toxidade e causam danos, por exemplo, no fígado ou nos rins… esses efeitos colaterais são decorrentes, principalmente, da inibição da síntese de proteínas nas mitocôndrias das células humanas. Mitocôndrias são organelas responsáveis por gerarem energia e disponibilizá-la para que as células executem suas funções. Esses efeitos ocorrem devido ao fato de as mitocôndrias terem estruturas muito parecidas com as bactérias e, assim, elas podem acabar sendo alvos indiretos desses medicamentos.

    A resistência a antibacterianos vem se agravando e as estimativas indicam de 700 mil pessoas morrem por ano por complicações causadas por bactérias resistentes. Para 2050, esse número deve subir para 10 milhões!

    O uso indiscriminado de antimicrobianos ou seu uso incorreto tem contribuído muito para que isso aconteça… e ainda vamos ver os efeitos do uso de antibióticos no tratamento da COVID.

    “Ah, mas eu compro antibiótico na farmácia perto da minha casa.”

    Não compre, não é de bom tom, é perigoso e é ilegal! Sim, a Anvisa proibiu a venda de antibióticos sem receita desde o final de 2010.

    Agora chegou a vez de falarmos dos ANTIFÚNGICOS. Quando comparamos a diversidade entre esses medicamentos e antibióticos, vemos que há uma diversidade muito menor de fármacos para o tratamento de infecções fúngicas.

    Isso acontece porque, como já falamos, a célula fúngica é eucariótica, assim como a nossa. E, por isso, nossas células e as dos fungos compartilham muitas semelhanças genéticas, estruturais (em proteínas, por exemplo) e em processos celulares e moleculares.

    Então é muito mais difícil achar um fármaco que tenha ação sobre um fungo, mas que não afete as nossas células. Por isso, muitos antifúngicos têm limitações, como: efeitos colaterais, espectro reduzido e baixa penetração em alguns tecidos.

    Nos últimos anos, a terapia antifúngica tem sido reformulada e novos agentes menos tóxicos têm sido desenvolvidos. E a toxicidade implica inclusive na forma de administração: uso tópico (para os mais tóxicos) ou sistêmico (toxicidade seletiva).

    Além disso tudo, também temos que nos preocupar com o desenvolvimento de resistência aos antifúngicos. Candida auris, por exemplo, é um patógeno fúngico de grande importância hospitalar, que é de difícil identificação e, para piorar, é resistente a diferentes classes de antifúngicos! Já falei sobre isso aqui no blog!

    Assim, dentre os alvos para os quais direcionamos a busca de antifúngicos estão:

    • Síntese de proteínas
    • Síntese de ácidos nucleicos
    • Parede celular
    • Membrana celular (inibição da síntese ou dano direto)
    • Inibição da divisão celular

    Dois alvos interessantes quando falamos de fungos são a parede celular (porque nossas células não a possuem) e a membrana celular (que apesar de também termos, na nossa há a presença do colesterol como principal esterol, enquanto nos fungos observa-se maior presença do ergosterol).

    Acho que deu pra entender um pouquinho do motivo de a diversidade dos antifúngicos não ser muito grande…

    Agora vamos falar sobre os antivirais…

    Para falarmos sobre os ANTIVIRAIS precisamos antes falar um pouquinho sobre os vírus… Sabe por quê?

    Os vírus possuem uma estrutura muito diferente dos fungos, das bactérias, e de nós! Pra início de conversa, nem células eles têm (e, por isso mesmos, eles nem são considerados como seres vivos por muitos pesquisadores)! Eles consistem basicamente em material genético (DNA ou RNA) dentro de uma cápsula de proteína (e às vezes um envoltório de gordura).

    Mas é importante entendermos que, justamente por não possuírem células, para se multiplicarem os vírus utilizam da estrutura da célula do seu hospedeiroque pode ser uma bactéria, um fungo, ou uma célula humana!

    Em outras palavras:

    A toxicidade seletiva é muito difícil pois os mecanismos utilizados para a replicação do vírus são os mecanismos básicos de sobrevivência das células hospedeiras – assim, a chance de o fármaco atingir uma função vital da célula é bem grande!

    Por isso temos poucos antivirais e todos com espectro de ação bem restrito. A consequência é que poucas são as doenças tratáveis com esses agentes: Herpes, Catapora, Citomegalovirus, HIV, Gripe, Vírus respiratório sincicial, Hepatite B e C, Adenovirus, Papilomavirus.

    Os antivirais têm, geralmente, como alvo as enzimas codificadas pelos vírus e que são importantes para sua multiplicação ou que atuam na ativação da resposta imune do hospedeiro.

    Possíveis alvos para ação dos antivirais:

    • Inibição da ligação ou da penetração do vírus na célula hospedeira
    • Inibição da liberação, replicação ou síntese de material genético
    • Inibição da transcrição reversa do RNA (etapa importante do ciclo do HIV)
    • Inibição da síntese de proteínas
    • Inibição da montagem dos novos vírus
    • Inibição da disseminação do vírus pelo hospedeiro

    A resistência aos antivirais também é um problema devido às altas taxas de mutação viral (principalmente dos vírus de RNA) e aos tratamentos de longa duração em pacientes com infecções crônicas, como os imunocomprometidos (p.ex. com HIV+).

    FINALIZANDO…  (Ou, por que antibiótico não serve para tratar virose?)

    Acho que nesse post conseguimos fazer um caminho longo, mas que deixa claro por que um antibacteriano não serve para tratar uma virose…

    Ou seja: bactérias e vírus são microrganismos com uma biologia muito diferente entre si – essas diferenças são estruturais, moleculares, bioquímicas, na forma como infectam seus hospedeiros, dentre outras tantas que falamos ali em cima… Como os medicamentos utilizados para combater esses microrganismos atingem justamente esses diferentes alvos, os antibacterianos não são eficazes contra vírus.

    Ou, de forma simples e resumida: são microrganismos diferentes e os medicamentos para combatê-los também possuem alvos muito diferentes!

    Antes de terminar, só uma palavrinha sobre resistência:

    O uso de antimicrobianos, por si só, contribui para o aumento da resistência. Seu uso indiscriminado, bem como seu uso incorreto (dosagem ou tempo diferentes do recomendado) podem contribuir para o agravamento desenvolvimento da resistência entre os microrganismos. Isso é muito sério, mas é um assunto longo e vai ficar para um próximo post!

    Nota do Editorial COVID-19

    E qual a razão deste post estar no Especial COVID-19? Sabemos que existe uma grande busca por medicamentos que curem a doença e eliminem o vírus do nosso organismo. Também sabemos que existem antibióticos que têm sido usados, que existe toda uma “ansiedade”, expectativa e espera por novidades. Neste sentido, é fundamental uma discussão que consideramos “de base” tanto do funcionamento da ciência, quanto dos motivos pelos quais não usamos medicamentos de qualquer modo, para sanar mais uma expectativa de cura, do que uma realidade estabelecida que gerará resultados.

    Este post tem esta ideia: nos mostrar alguns caminhos para compreendermos melhor o funcionamento do medicamentos! E em tempos de COVID-19, é importante estas relações bem delineadas!

    Referências:

    • Madigan et al. (2016). Microbiologia de Brock – 14 ed.
    • Murray et al. (2021). Medical Microbiology – 9 ed.
    • Riedel et al. (2019). Jawetz’s Medical Microbiology – 28 ed.
    • Tortora et al. (2017). Microbiologia – 12 ed.
    • Trabulsi & Alterthum. (2015). Microbiologia – 6ed.

    Este texto foi escrito originalmente para o blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Para além das vacinas: a dependência tecnológica e financeira brasileira

    Por Ulisses Rubio

    Recentemente tem se comentado sobre a dependência do Brasil com relação ao desenvolvimento de vacianas e em relação à fabricação dos insumos necessários para fabricá-las, os IFAs. No entanto, não é somente em momentos de dificuldade para importar que se pode ver a dependência Brasileira. Uma maneira de evidenciar esta dependência é analisando o balanço de pagamentos.

    Balanço de Pagamentos é o conjunto de contas através do qual um país elenca e calcula, em valores monetários, todas as transações entre seus residentes e não residentes. Visto por certa perspectiva, este Balanço mostra quanto de Dólares está saindo do país e quanto de Dólares etá entrando no país. Quando o saldo das transações entre residentes e não residentes é positivo, o país acumula Dólares. Caso contrário, há perda de Dólares. Uma vez que praticamente tudo o que um país compra do exterior deve ser pago em Dólares, obter Dólares é imprescindível. Dito de outra maneira, exportar é imprescindível. Mas, olhar para isto é ver somente parte do problema. E, ainda assim, estaríamos olhando bem superficialmente para esta parte do problema.

    Balança Comercial

    Expliquemos mais. O que os residentes no Brasil podem comprar de não residentes se resume a bens e serviços. Mas, os residentes no Brasil também podem vender bens e serviços para não residentes. Como ilustra a Figura 1.

    Figura 1: Balança Comercial (Bens e Serviços). Estamos construindo uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos.

    No caso dos bens, até que o Brasil consegue manter um saldo positivo (vende mais do que compra). Como podemos visualizar no Gráfico 1, após 2001 o saldo foi praticamente sempre positivo. Mas este saldo não é folgado e, portanto, suscetível de se tornar um saldo negativo (isto é, perda de Dólares), como foi a tendência entre 2012 e 2014. A despeito disso, o problema mesmo é com os serviços. O saldo entre os serviços que os residentes no Brasil vendem para não residentes menos o que compram de não residentes é persistentemente negativo e em valor monetário nada desprezível (Gráfico 2). Quando juntamos bens e serviços percebemos uma oscilação entre períodos com valores negativos e períodos com valores positivos, mas com os saldos negativos sendo mais persistentes e atingindo maiores magnitudes (Gráfico 3).

    Opa! Vamos respirar um pouco. Até agora falamos de bens e serviços. O Brasil vende muitos bens. Também compra muitos. O problema maior são os serviços, que o Brasil compra bem mais do que vende. Em resumo, nestas contas podemos notar a dificuldade em evitar períodos de saídas de Dólares. E… bem… vocês sabem… nós não fabricamos Dólares. Precisamos obtê-los.

    A Conta Financeira

    Mas aí vem a outra parte do problema. Digamos que somando o que os residentes no Brasil vendem para não residentes seja inferior ao que compram. Não dá para ficar saindo Dólares do país por muito tempo né? Aí entra a conta financeira. Em resumo esta conta abrange todo o dinheiro de residentes que é investido fora do país  menos todo o dinheiro de não residentes que é investido país (Brasil). Há duas formas principais de não residentes colocarem seu dinheiro no Brasil: se eles compram ou constroem uma empresa (é o chamado investimento direto) ou se eles compram papéis no mercado financeiro (chamado investimento em carteira). A ilustração pode ser vista na Figura 2.

    Figura 2: A Conta Financeira (Adicionada à figura da Balança Comercial – Bens e Serviços). Estamos construindo uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos.

    Se estiver entrando mais dinheiro (tecnicamente chamam de capital) do que saindo, o país está obtendo mais Dólares. Repare que para esta conta os saldos negativos significa entradas de Dólates (portanto, inverso ao que é para as outras contas). Em geral, este é o caso do Brasil. Como podemos ver nos Gráficos 4, 5 e 6, os saldos são predominantemente negativos, significando que entram mais investimentos de não residentes do que saem investimentos de residentes para o exterior. Isto significa entrada de Dólares, contribuindo para contrabalançar as saídas de Dólares devido aos períodos de saldo negativo na Balança Comercial de Bens e Serviços juntos.

    A conta Rendas

    Para muitos, atrair estes capitais deve ser a meta número um do Brasil. Mas, de outro ponto de vista, podemos ver que esta necessidade de atrair capitais externos pode trazer problemas. Este dinheiro não vem de graça, não é? Eles esperam se transformar em mais dinheiro ainda. Isto é, os investidores externos esperam receber de volta ou lucro, ou juros, ou dividendos (aquilo que as empresas na Bolsa de Valores pagam para quem tem ações dela). Começamos assim a falar da conta de Rendas. Esta é o saldo daquelas rendas que os residentes no Brasil recebem por terem investido seu dinheiro (capital) em outros países menos o que os não residentes recebem por terem investido seu dinheiro (capital) no Brasil  (algumas rendas derivadas do trabalho também entram na conta de rendas, mas é valor pouco significativo). Esta relação pode ser vista na Figura 3.

    Figura 2: A Conta Rendas (Adicionada na Figura 2). Temos uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos, mas suficiente para nosso objetivo no artigo.

    No caso do Brasil, a soma de valores de renda que é recebida por não residentes é bem maior do que o valor da soma que os residentes no Brasil recebem por investirem o seu dinheiro fora do Brasil, gerando saldos negativos contínuos na conta de Rendas (isto é, saída de Dólares), como podemos observar nos gráficos 7, 8, e 9.

    Transações Correntes

    Quando a Balança Comercial (Bens e Serviços) é somada à Conta de Rendas, temos as Transações Correntes: a soma das transações de bens, serviços e rendas. Como entre estas três contas somente há saldos positivos mais persistentes nas transações de bens, este saldo positivo não é suficiente para contrabalançar os saldos negativos nas contas de serviços e de rendas. De modo que os saldos em transações correntes são persistentemente negativos (ou seja, há saídas de dólares), como podemos observar no Gráfico 10.

    E como o Brasil paga por isto? Como obtemos os Dólares para pagar estes saldos negativos? Bem.. no geral são duas maneiras: 1) ou atrai ainda mais investimentos de não residentes (investimentos externos) ou 2) tenta ter saldos positivos na balança comercial. Aí vocês olham e dizem: – Eita!! Mas tem algo aí! Onde isto vai chegar? Considerando a opção 1: vem dinheiro; para pagar a remuneração deste dinheiro precisa que mais dinheiro de fora venha pro Brasil; este círculo é infinito?

    Como resposta, só posso dizer: – pois é! Pode ser que não. E muito provavelmente não será. Pode ser que chegue um momento que os não residentes não queiram mais trazer seus dinheiros (capitais) para o Brasil. O leitor otimista certamente me chamaria a atenção: – ainda bem que ainda tem a opção 2, né? Respondo: – Sim, tem. Mas não é tão simples.

    A dependência vista pelo Balanço de Pagamentos

    O problema é que em geral o Brasil exporta bens e serviços de baixa tecnologia e importa bens e serviços de alta tecnologia. Como os preços das mercadorias de baixa tecnologia aumentam e diminuem com maior rapidez, pode acontecer que mesmo exportando mais o Brasil não consiga obter tantos Dólares porque o preço, em Dólares, baixou.

    Ainda que não aconteça de o preço dos produtos que o Brasil exporta diminuírem (ou não diminuírem muito), ainda temos outro problema. Quando se diz que a economia vai bem, em geral, se diz que o PIB (Produto Interno Bruto) está crescendo. Se diz isto porque quando o PIB cresce significa que a renda dos brasileiros está crescendo também: isto é, mais lucros e mais salários. Bem… Se o total de lucros e salários está aumentando, este aumento não vai ficar paradinho, né? Em geral, ou vai para o consumo (gastos das famílias), ou para investimentos (empresas decidindo comprar coisas para aumentar a quantidade que podem produzir).

    [porém]

    Acontece, minha cara ou meu caro leitora(o), que para aumentar a capacidade produtiva como um todo, em geral, é necessário importar máquinas e equipamentos (lembram das importações de alta tecnologia?) e muitas destas importações são acompanhadas de compra de serviços, como fretes e manutenção (lembra da balança de serviços?). Ou seja, para tudo isto precisamos de Dólares. Num momento em que pessoas de fora do Brasil não estão interessadas em trazer os seus dinheiros para cá, fica difícil de o Brasil obter os Dólares necessários para manter estas importações de bens e serviços.

    Finalmente está aí exposta a dependência financeira e tecnológica do Brasil. Não produz aquilo que é necessário para manter um crescimento do PIB. Então é necessário importar. Mas para importar precisa de Dólares. Se não entram Dólares porque os não residentes estão receosos de trazerem seus capitais para o Brasil, este país fica com dificuldades para manter suas importações. Com isto, fica difícil manter o crescimento, manter o número total de empregos. Assim, se entram Dólares através de investimentos externos, isto tende a prejudicar nossa capacidade futura para importar devido à saída de dólares para remunerar os capitais investidos (a conta de Rendas).

    O autor

    Ulisses Rubio Urbano da Silva, Graduado em Ciências Econômicas pela UNESP. Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP, enfatizando estudos em História Econômica. Pesquisas em Pensamento Econômico Brasileiro, em diálogo com Pensamento Social Brasileiro. Atualmente leciona Economia e disciplinas da área de Administração no CECA/UFAL.

    Este texto foi escrito originalmente para o blog Sobre Economia

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • PCR e a sopa de letrinhas científica

    Por: Rafael Sanchez Luperini e Renato Augusto Corrêa dos Santos

    PCR, qPCR, RT-qPCR: o que significam essas siglas e o que elas têm a ver com os fungos? As discussões sobre técnicas e metodologias científicas utilizadas para diagnóstico da COVID-19 se popularizaram nos mais diversos meios de comunicação. 

    O RT-qPCR (Reverse Transcriptase Quantitative Polymerase Chain Reaction, em inglês), por exemplo, é o método mais eficaz para diagnosticar um paciente e ficou conhecido como “o teste do cotonete no nariz”. E nós queremos saber:

    1. Você já se perguntou como ele funciona? 
    2. Como e quando surgiu essa metodologia científica tão avançada? 
    3. Você sabia que existem ainda outras variantes desta técnica, chamadas de PCR, qPCR e RT-PCR? 
    4. Além das letras em cada sigla, quais as verdadeiras diferenças por trás de cada uma dessas técnicas? 

    Esse texto busca trazer as respostas para quem está cheio de dúvidas a respeito dessas interessantes, e extremamente versáteis, ferramentas das ciências biológicas.

    A história do PCR

    Essas metodologias são geralmente aplicadas na identificação de seres vivos a níveis bastante específicos, e para esclarecer melhor todas essas perguntas, vamos explicar a técnica, juntamente com a sua história. 

    Em 1983 aconteceu uma das mais significantes descobertas do século XX. O cientista Dr. Kary Mullis desenvolveu a reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction ou PCR). A partir dessa técnica se tornou possível obter muitas cópias de um mesmo fragmento de material genético, possibilitando a obtenção de grandes quantidades de DNA de uma amostra genética de um organismo.

    A técnica possibilita a produção de fragmentos de DNA de interesse partindo de pequenas quantidades de amostras de DNA usando a enzima DNA polimerase, a mesma que participa da multiplicação do material genético nas células. Esta enzima se liga a um pequeno fragmento (o iniciador, ou primer, em inglês), desenhado especialmente para se ligar ao DNA alvo, produzindo uma sequência complementar ao fragmento de DNA de interesse, escolhido antes do início da análise.

    O primeiro estudo detalhando a metodologia da técnica foi publicado no periódico científico Science, no ano de 1985, revolucionando a ciência e as possibilidades de descobertas ao se trabalhar com DNA. Porém essa metodologia ainda apresentava uma série de desafios, visto que é composta de 3 etapas demonstradas na imagem abaixo:

    Reação em cadeia da polimerase explicada passo a passo

    A realização de 20 a 40 ciclos promove a amplificação da região que se pretende analisar, seja ela um gene humano específico, ou de microrganismos ou basicamente qualquer material genético que se deseja multiplicar para analisar posteriormente.

    Variações da técnica de PCR

    Ao longo dos anos, começaram a surgir variações da técnica, e aplicações das mais diversas formas, e é nesse contexto que surge a análise tão utilizada hoje em dia nos diagnósticos de COVID-19, a RT-qPCR. 

    E o que significam todas essas letras adicionadas antes da PCR?

    Elas dizem respeito a uma metodologia com uso de uma enzima chamada Transcriptase Reversa (Reverse Transcriptase, ou RT), que tem a função de produzir uma fita de DNA (chamada de DNA complementar ou cDNA) a partir de uma fita de RNA. 

    Além disso, a letra “q” indica que esta técnica é quantitativa e pode ser usada em RT-qPCR e qPCR. Esta metodologia se parece muito com a PCR original, porém com a diferença de que são adicionadas sondas fluorescentes de DNA junto das amostras, as quais emitem fluorescência a cada ciclo realizado pelo aparelho.

    Portanto, durante a amplificação, a quantificação de DNA é determinada pela quantidade de fluorescência emitida pelo produto amplificado a cada ciclo.

    Isso é possível somente com a utilização de um sistema de equipamentos com monitoramento da fluorescência emitida, possibilitando uma quantificação mais exata de quanto material genético existia na amostra inicial, abrindo ainda mais opções e oportunidades de análises a serem feitas, como será explicado a seguir.

    Pesquisas que utilizam a técnica PCR

    Agora vamos dar alguns exemplos de pesquisas importantes no Brasil e ao redor do mundo, que utilizam a técnica de PCR e suas variantes.

    Aplicações de PCR nas pesquisas agrícolas do Brasil.

    Além dos interesses das aplicações da técnica na área da saúde, a agricultura e a indústria de alimentos e bebidas também se beneficiam da técnica. Em algumas situações, a qPCR é utilizada em laboratórios de análise de alimentos visto que é uma técnica altamente específica e sensível. Porém, dentre as dificuldades estão seu alto custo devido à necessidade de mão de obra especializada, insumos e metodologia para a detecção e identificação de determinados microrganismos.

    Diversas pesquisas desenvolvidas no Brasil visam o melhoramento da detecção de fungos que contaminam alimentos, como é o caso de espécies das espécies Aspergillus niger e Aspergillus welwitschiae, produtoras de micotoxinas, algumas delas nefrotóxicas e potencialmente carcinogênicas. 

    Pesquisas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2018, coordenadas pela Dra. Marta Hiromi Taniwaki e em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) estudaram o uso da técnica de qPCR na detecção destas espécies citadas acima, obtidas de café. O método desenvolvido possibilita rápida, precisa e sensível detecção das espécies citadas, que são morfologicamente idênticas.

    PCR em laboratórios de fitopatologia

    No Brasil, há algumas clínicas fitopatológicas que fazem a análise de qPCR para a detecção de doenças importantes em plantas, como é o caso da EMBRAPA, a ESALQ (Universidade de São Paulo, em Piracicaba), o Centro de Cana e o Centro de Citricultura, ambos pertencentes ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC). 

    A pesquisadora Laís Moreira Granato, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), contou um pouco sobre a aplicação de qPCR no cotidiano. Na prática, laboratórios de fitopatologia usam a técnica de RT-qPCR para a detecção de vírus de RNA  e atécnica de qPCR para detecção de fungos e bactérias em citros. Geralmente o citricultor leva amostras de frutas ou folhas para a clínica do Centro de Citricultura procurando por essas doenças.

    Infelizmente, como ja foi dito, os insumos e equipamentos que envolvem a qPCR são caros! No entanto, os citricultores precisam desse serviço para ter certeza de que não há doenças escondidas em seus pomares. 

    Uma das motivações para se pagar um pouco mais por esse serviço envolve a legislação que regula a exportação dos vegetais. Frutas de mesa, quando exportadas para a Europa, precisam obrigatoriamente passar por uma comprovação de que não há presença de alguns fungos. Um exemplo é Phyllosticta citricarpa nas cascas das laranjas. Este fungo não existe na Europa e a legislação não permite que nada entre sem uma comprovação de que está “limpo”.

    Na prática, em algumas situações, mesmo que a detecção pudesse ser feita, questões ligadas ao sistema produtivo podem ser um problema, como a limitação de equipamentos, disponibilidade de equipes de inspeção e de corpo técnico. Mas, além disso, descobrimos algo curioso quando o assunto é priorizar um problema ou outro na agricultura, e que podem deixar os fungos “de lado”, como nos contou a pesquisadora Dra. Andressa Bini, do Centro de Cana do IAC. 

    O exemplo é o fungo Colletotrichum falcatum, causador da podridão vermelha em cana-de-açúcar. Acreditava-se que o fungo infectaria apenas plantas a partir de ferimentos causados por uma praga, a lagarta de Diatraea saccharalis. Seguindo este raciocínio, a prioridade no passado era controlar apenas a praga, mas não o fungo em si, que seria uma consequência oportunista. 

    No entanto, a realidade é que os fungos conseguem infectar as plantas mesmo na ausência da praga chamada de “broca”, tornando a detecção do fungo uma prioridade, já que sem um controle efetivo da doença, podem ocorrer perdas de até 35% da produção e hoje o patógeno já ocorre pelo menos no Triângulo Mineiro, no Mato Grosso do Sul e em algumas regiões de São Paulo.

    Os eucaliptos e o fungo Austropuccinia psidii

    Outro exemplo de pesquisa aplicada e com uso de qPCR também vem da ESALQ! O eucalipto é uma planta muito importante para a produção de madeira e papel em nosso país. Uma doença fúngica causada por Austropuccinia psidii, a ferrugem, é conhecida como problemática para esta cultura. 

    Um grande problema da detecção desta doença é que o fungo é normalmente percebido apenas após o aparecimento de sintomas nas plântulas, quando o problema já é muito grande. Os métodos usados geralmente são pouco eficientes ou pouco sensíveis. Apostando na qPCR, mais sensível, mais rápida e menos laboriosa, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em 2018, propuseram o uso de qPCR para a detecção prematura da doença em eucalipto. Outra aplicação interessante desta análise, sugerida pelos pesquisadores, é a identificação rápida de plântulas suscetíveis ou resistentes à doença em programas de melhoramento.

    Como pudemos ver, geralmente as limitações ainda estão no alto custo dessa tecnologia recente, porém as aplicações são as mais diversas, e ainda há muito para se desenvolver na área. Ainda estamos no começo de uma nova era, e a tendência é que a técnica seja aprimorada e torne-se mais barata e aplicável com o passar dos anos.

    Fontes consultadas

    • Dra. Laís Moreira Granato (Instituto Agronômico de Campinas – IAC)
    • Dra. Andressa Peres Bini (Centro de Cana – IAC)
    • Dra. Daniele Sartori (Universidade Estadual de Londrina, UEL)
    • Artigo científico intitulado “A Real Time PCR strategy for the detection and quantification of Candida albicans in human blood.”, publicado na revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 62 em 2020, de autoria de Busser, F. e colaboradores. 
    • Artigo científico intitulado “A New Age in Molecular Diagnostics for Invasive Fungal Disease: Are We Ready?”, publicado na revista Frontiers in Microbiology em 2020, de autoria de Kidd, S. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Development of a quantitative real-time PCR assay using SYBR Green for early detection and quantification of Austropuccinia psidii in Eucalyptus grandis.” publicado na revista European Journal of Plant Pathology 150.3 em 2018, de autoria de Bini, A. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Real-time PCR-based method for rapid detection of Aspergillus niger and Aspergillus welwitschiae isolated from coffee.” publicado na revista Journal of microbiological methods 148 em 2018, de autoria de Von Hertwig, A. e colaboradores.
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “História e evolução da técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em Cadeia da Polimerase)” publicada em 18/06/2015. (Website).
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “Qual a diferença entre PCR e qPCR?” publicada em 30/04/2015. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “A evolução da PCR” publicada em 05/12/2013. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “Reação em Cadeia da Polimerase – PCR” publicada em 14/06/2020. (Website)
    • Site da Embrapa (Website)

    Sobre os autores

    Rafael Sanchez Luperini é aluno de pós-graduação (mestrado) pelo programa de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) na Universidade de São Paulo (USP), atualmente orientado pelo Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto). Trabalha com espécies do gênero Aspergillus, buscando desvendar as diferenças entre espécies de fungos.

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7815439327487936
    E-mail: rafaluperini@gmail.com
    Instagram: @rafasluperini
    Facebook: https://www.facebook.com/rafaluperini/

    Renato Augusto Corrêa dos Santos é doutorando pelo programa de Genética e Biologia Molecular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), fazendo análises genômicas de fungos patogênicos do gênero Aspergillus, sob orientação do Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto) e com financiado da FAPESP. Seu projeto envolve uma colaboração do com o LGE (UNICAMP) e o Rokas Lab (Vanderbilt University, EUA).

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3339727232509001
    E-mail: renatoacsantos@gmail.com
    Instagram: @renato.correa.182
    Facebook: https://www.facebook.com/renato.correa.182

    Este texto foi escrito com originalmente no Blog Descascando a Ciência

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Não existe tratamento precoce para a COVID-19 [capítulo de hoje: Hidroxicloroquina]

    Desde o início da pandemia, criou-se um grande alvoroço sobre a polêmica hidroxicloroquina. Concomitante à possibilidade dela funcionar no tratamento e prevenção da Covid-19, no chamado Kit-Covid. Assim, nesse texto, nós vamos esclarecer tudo o que você precisa saber sobre esse assunto. E para começar, já podemos lhe dizer: não, ela não funciona.

    Mas calma lá, “vamos por partes”, como diria o velho Jack (O Estripador)…

    Para que serve e como funciona a Hidroxicloroquina?

    A princípio, a hidroxicloroquina foi uma forma alternativa da cloroquina. Assim, desenvolveu-se esta forma para combater os variantes do patógeno da malária que tinham desenvolvido resistência a própria cloroquina. Isto acontece de maneira similar com as bactérias que desenvolvem resistência a antibióticos. Dessa forma, a hidroxicloroquina surgiu como um antimalárico. Contudo, alguns estudos demonstraram que ela também era capaz de atuar de forma benéfica no cenário de algumas doenças autoimunes. Tais como artrite reumatóide e lúpus eritematoso (1, 2).

    Funcionamento da Hidroxicloroquina

    Basicamente, o principal mecanismo da hidroxicloroquina no combate a malária é impedir que uma enzima muito específica do parasita destrua a hemoglobina das nossas hemácias. Além disso, a hidroxicloroquina se acumula em uma parte específica do parasita, chamada de lisossomo, aumentando o pH dessa região. Caso não tenha visto, temos um texto muito bom explicando o que é o pH.

    Mas tem mais, esse medicamento tem a mesma capacidade de se acumular nos lisossomos (e endossomos, uma outra parte das células) nas nossas células humanas. Assim, isto dificulta a realização de alguns processos relacionados à resposta imune (3). E é daí que vêm a sua capacidade de influenciar doenças autoimunes, levando a uma consequente melhora dessas. Por fim, ainda se viu que a hidroxicloroquina tinha a capacidade de diminuir a formação de coágulos no corpo, também chamada de antitrombótica.

    Entretanto, nem tudo é um mar de rosas. Ao mesmo tempo que esse remédio mostra vários benefícios em alguns cenários, ele também tem seus efeitos colaterais. Dentre eles, o principal e que mais chama atenção é o de causar arritmias nas pessoas. Isto é, um descompasso dos batimentos do coração, tornando-os mais lentos ou mais rápidos (4, 5). Além disso, essa informação, soma-se ao fato de que o SARS-CoV-2 pode infectar células do coração e causar danos a ele. Ou seja, como a própria arritmia e insuficiência cardíaca, que você pode entender melhor nesse texto aqui. Tais questões tornam mais delicada a tomada de decisão no uso ou não da hidroxicloroquina.

    De onde vem a ideia de se usar um remédio de malária contra um vírus?

    Mas foi justamente dessa capacidade de se armazenar nos nossos endossomos, aumentando o pH deles, que alguns cientistas começaram a questionar se isso poderia ajudar no combate ao SARS-CoV-2. Visto que os endossomos também são uma porta de entrada do vírus nas nossas células. 

    Com essa hipótese em mente, os pesquisadores decidiram investigar os impactos do tratamento da covid-19 com a hidroxicloroquina. Dessa forma, os primeiros estudos publicados, analisaram a ação do vírus in vitro. Isto é, em células numa placa de laboratório, portanto, um ambiente mega controlado. Assim, nestas pesquisas, a cloroquina e hidroxicloroquina conseguiram diminuir a infecção do SARS-CoV-2 em células de rim de macaco (6, 7). E aqui entra a nossa ressalva.

    Esse tipo de estudo é muito importante pois é o pontapé inicial para mostrar se um medicamento é capaz ou não de combater uma infecção. Entretanto, definitivamente NÃO é a partir dele que podemos dizer com toda certeza (como muitos políticos tem feito) que esse remédio funcionará de verdade, no mundo real, quando for dado a nós.

    Um dos motivos: testou-se em células de macaco, e não humanas. Essas “linhagens celulares” como chamamos, são muito efetivas nesse tipo de teste por serem extremamente resistentes a toxicidade. Todavia, aí entramos em outro ponto! A dose de hidroxicloroquina dada para essas células para impedir a infecção do SARS-CoV-2 foi muito superior àquela permitida para nós, humanos, consumirmos. Ou seja, em um cenário em que nós ingeríssemos a mesma dose, ela seria extremamente danosa e até mesmo LETAL para nós.

    Como então a hidroxicloroquina foi liberada para uso?

    No início da pandemia, publicou-se estes primeiros artigos. Alguns médicos começaram a utilizar a hidroxicloroquina em casos graves da Covid-19, em que não havia mais o que ser feito. Assim, a partir daí, começaram-se a publicar alguns artigos. Dessa forma, o argumento relacionava-se ao fato de que mesmo uma dose menor do medicamento era capaz de auxiliar na melhora dos pacientes. Isto incluía casos em que a administração do medicamento acontecia junto com a azitromicina, parte disso, gerou o conhecido kit covid. Esses estudos foram recebidos com animação por parte de alguns cientistas. Mas também com muitas dúvidas. Várias perguntas baseava-se em limitações dos estudos como um baixo número de pessoas analisadas e pequeno tempo de acompanhamento (8, 9).

    Pois com base nesses primeiros artigos, muitas figuras políticas (como o presidente Trump e Bolsonaro), começaram a divulgar os aparentes “benefícios” da hidroxicloroquina. Tais ações se encaminham na contra-mão de várias entidades como o Ministério da Saúde dos respectivos países. Além disso, órgãos regulamentadores e a própria OMS diziam ser muito cedo para falar esse tipo de coisa com 100% de certeza.

    Mas então, a hidroxicloroquina funciona ou não?

    Após essas publicações preliminares de pesquisa, um grupo cada vez maior de pesquisadores começou a se questionar. Será que a hidroxicloroquina era realmente eficaz no combate a Covid-19? A proposta neste momento vinculava-se a estudos randomizados com um número muito maior de pessoas.

    Pois então, agora, trago algumas das conclusões que esses estudos tiveram:

    A hidroxicloroquina é incapaz de impedir o desenvolvimento dos sintomas da Covid-19. Isto em pessoas que começaram a tomar o remédio após terem contato com alguém que estava com Covid-19 (10).

    Neste trabalho, os cientistas analisaram cerca de 800 pessoas que tiveram contato com alguém da família que estava com Covid-19 (confirmado por RT-qPCR). Dessas pessoas, 400 delas foram tratadas por 5 dias com hidroxicloroquina, enquanto as outras 400 receberam o tratamento comum. Assim, ao final do estudo, o que se concluiu? Os pesquisadores viram que a porcentagem de pessoas que tratadas com hidroxicloroquina se aproximava muito parecido do havia recebido o tratamento padrão (11,8% vs 14,8%). 

    O tratamento com hidroxicloroquina não reduz a mortalidade de pacientes internados. (11).

    Nesse estudo, os pesquisadores acompanharam 4.500 pessoas que tiveram Covid-19 (confirmada com RT-qPCR) e acabaram sendo internados. Algumas pessoas precisaram de ventilação mecânica (os casos graves, de UTI). Outras precisaram somente de oxigênio e outros não precisando de nenhuma das opções. O que foi visto é que em nenhum dos cenários observados houve melhora dos pacientes com o uso de hidroxicloroquina por 6 dias. O tratamento com ela não diminuiu o número de mortes, o número de intubações e tempo no hospital comparado com o tratamento sem ela. 

    O tratamento combinado de hidroxicloroquina e azitromicina não melhora a recuperação de pacientes internados com casos leves e moderados (12).

    Nessa publicação, os cientistas avaliaram cerca de 600 pacientes que tinham casos confirmados leves ou moderados (com uso de oxigênio mas sem intubação) de Covid-19. Esses pacientes foram divididos em três grupos: 1º recebeu o tratamento comum; 2º recebeu o tratamento com hidroxicloroquina; 3º recebeu tratamento combinado de hidroxicloroquina e azitromicina. Ao final da pesquisa, os autores viram que não havia diferença na evolução da Covid-19 com o tratamento de hidroxicloroquina sozinha ou combinada com azitromicina. Como sempre, em estudos assim, quando comparada com o tratamento comum. Em outras palavras, o medicamento sozinho ou combinado não influenciou a melhora ou piora dos pacientes de alguma forma.

    Dito tudo isso…

    Quero terminar esse texto relembrando para todos: até o momento não há qualquer medicamento aprovado que seja eficaz no combate a Covid-19! Até agora a nossa melhor ferramenta contra a pandemia ainda são as vacinas. Mas somente elas não nos salvarão. Temos que continuar usando máscara (mesmo você que já foi vacinado). Ficar em casa o máximo possível, cobrar medidas de restrição em escala nacional e, principalmente, respeitá-las o máximo possível. 

    As vacinas são medidas de prevenção. Os medicamentos são medidas de tratamento. Para o controle da pandemia e recuperação da economia (como muitos desejam) é muito mais eficaz nós evitarmos a contaminação de pessoas. Não adianta confiarmos que poderemos ser tratados caso nos infectemos, sem qualquer indício de que teremos tratamento – pois não existe mesmo. Com a infecção há um gasto muito maior relacionado a outros medicamentos, intubação e hospitalizações. Enquanto com a prevenção da infecção com a vacina, o dinheiro gasto é muito menor.

    Fiquem em casa, se vacinem. E cobrem (cada vez mais) que o investimento na ciência, na produção de vacinas e na importação das IFAs aconteça.

    Para saber mais

    1. Petri M (2011) Use of hydroxychloroquine to prevent thrombosis in systemic lupus erythematosus and in antiphospholipid antibody-positive patients, Curr Rheumatol Rep ,13(01):77–80 

    2. Ruiz-Irastorza G, Ramos-Casals M, Brito-Zeron P, Khamashta MA (2010) Clinical efficacy and side effects of antimalarials in systemic lupus erythematosus: a systematic review, Ann Rheum Dis 69(01):20–28

    3. Informativo elaborado pelo grupo de trabalho “Ciências Farmacêuticas e a Covid-19. As bases científicas do uso da cloroquina e da hidroxicloquina sobre a covid-19.

    4. Bikdeli, B, Madhavan, MV, Gupta, A, Jimenez, D, Burton, JR, Der Nigoghossian, C, & Group, TC (2020) Pharmacological agents targeting thromboinflammation in COVID-19: review and implications for future research, Thrombosis and haemostasis, 120(7), 1004.

    5. Dhakal, BP, Sweitzer, NK, Indik, JH, Acharya, D, & William, P (2020) SARS-CoV-2 infection and cardiovascular disease: COVID-19 heart, Heart, Lung and Circulation.

    6. Wang, M, Cao, R, Zhang, L, Yang, X, Liu, J, Xu, M, & Xiao, G (2020) Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro, Cell research, 30(3), 269-271.

    7. Liu, J, Cao, R, Xu, M, Wang, X, Zhang, H, Hu, H, … & Wang, M (2020) Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro, Cell discovery, 6(1), 1-4.

    8. Mégarbane, B (2020) Chloroquine and hydroxychloroquine to treat COVID-19: between hope and caution, Clin Toxicol (Phila), 1-2.

    9. Gautret, P, Lagier, JC, Parola, P, Meddeb, L, Mailhe, M, Doudier, B, … & Raoult, D (2020) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial, International journal of antimicrobial agents, 56(1), 105949.

    10. Boulware, DR, Pullen, MF, Bangdiwala, AS, Pastick, KA, Lofgren, SM, Okafor, EC, … & Hullsiek, KH (2020) A randomized trial of hydroxychloroquine as postexposure prophylaxis for Covid-19, New England Journal of Medicine, 383(6), 517-525.

    11. RECOVERY Collaborative Group (2020) Effect of hydroxychloroquine in hospitalized patients with Covid-19 New England Journal of Medicine, 383(21), 2030-2040.

    12. Cavalcanti, AB, Zampieri, FG, Rosa, RG, Azevedo, LC, Veiga, VC, Avezum, A, … & Berwanger, O (2020) Hydroxychloroquine with or without Azithromycin in Mild-to-Moderate Covid-19, New England Journal of Medicine, 383(21), 2041-2052.

    Outros artigos mostrando a ineficácia da hidroxicloroquina sozinha ou combinada com azitromicina:

    • Magagnoli, J, et al. “Outcomes of hydroxychloroquine usage in United States veterans hospitalized with Covid-19.” Med 1.1 (2020): 114-127.
    • Fiolet, T, Guihur, A, Rebeaud, ME, Mulot, M., Peiffer-Smadja, N, & Mahamat-Saleh, Y (2021). Effect of hydroxychloroquine with or without azithromycin on the mortality of coronavirus disease 2019 (COVID-19) patients: a systematic review and meta-analysis. Clinical Microbiology and Infection, 27(1), 19-27.
    • Mitjà, O, Corbacho-Monné, M, Ubals, M, Alemany, A, Suñer, C, Tebé, C, … & Clotet, B (2020). A cluster-randomized trial of hydroxychloroquine for prevention of Covid-19, New England Journal of Medicine.
    • Bakadia, BM, He, F, Souho, T, Lamboni, L, Ullah, MW, Boni, BO, … & Yang, G (2020). Prevention and treatment of COVID-19: Focus on interferons, chloroquine/hydroxychloroquine, azithromycin, and vaccine. Biomedicine & Pharmacotherapy, 111008.
    • Gautret, P, Lagier, JC, Parola, P, Meddeb, L, Mailhe, M, Doudier, B, … & Raoult, D (2020). Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International journal of antimicrobial agents, 56(1), 105949.
    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Microfluídica Digital e as gotas movidas por programação

    Microfluidica Digital é um dos ramos mais recentes para manipulação de líquidos que permitem o controle de gotas em superfícies planas através da condutividade do material que recobre as paredes do dispositivo possibilitando operações como mistura, separação, aquecimento e resfriamento.

    Existem basicamente dois tipos de dispositivos na microfluídica digital: os dispositivos abertos (uma camada) e os fechados (duas camadas), sendo esse segundo grupo o mais utilizado por restringir o contato do líquido com o ar ou outros contaminantes.

    Na figura abaixo vemos exemplos dos dois tipos de dispositivo.

    Dispositivos Microfluidicos Digitais. Na esquerda um dispositivo de modelo aberto e na direita um dispositivo de modelo fechado. Imagem: Wheeler lab, Universidade de Toronto

    Como funciona a Microfluídica Digital

    O princípio fundamental da microfluídica digital está no estudo da superfície de contato. Quanto mais hidrofóbica a superfície, menor é a permeabilidade do fluído.

    Essa hidrofobicidade, característica dos dispositivos, cria um campo elétrico em um processo chamado electrowetting on dielectric (EWOD).

    A aplicação desse campo elétrico cria uma camada hidrofílica polarizada na superfície do líquido que achata as gotas. A localização dessa polarização é controlada para produzir um gradiente de tensão que controle a movimentação das gotas na superfície da plataforma microfluídica.

    Os materiais utilizados para base na criação desses dispositivos precisam ser necessariamente materiais dielétricos, como o vidro, que é cercado por eletrodos que acumulam carga e gradientes de campo elétrico.

    A parte superior do dispositivo é tipicamente uma camada hidrofóbica para criar uma baixa energia superficial no ponto de contato entre as microgotas.

    Aplicações recentes da Microfluídica Digital

    Entre as principais aplicações da microfluídica digital está na conexão da área com a química e a biologia para detecção de componentes em fluidos como sangue, saliva ou urina.

    Um dos processos que é possível ser realizado nesse tipo de dispositivo é o PCR, devido a boa capacidade desse tipo de dispositivo de realizar manipulações e leituras de ácidos nucleicos.

    Um estudo recente publicado por Jain e Muralidhar (2020) no períodico Transactions of the Indian National Academy of Enginnering mostra o desenvolvimento de um sistema microfluídico capaz de realizar o exame PCR aliado ao processo EWOD (Electrowetting-on-dielectric).

    Nesse processo, o dispositivo recebe a amostra infectada e um reagente para extração de RNA. A amostra e o reagente passam por uma zona de mistura e por um tratamento térmico.

    Com o RNA extraído, o fluido se movimenta para outra câmara onde se mistura com outros reagentes para conversão do RNA em cDNA em uma nova região de tratamento térmico.

    Por fim, o fluido é transportado para uma terceira região para se misturar novamente com reagentes que amplificariam o DNA da amostra, passa por mais um tratamento térmico (região do PCR) e passa por um detector ótico para gerar a resposta. 

    Outro avanço recente na área é o dispositivo FINDER 1.5 da Baebies. O FINDER 1.5 é uma plataforma de diagnóstico baseada na tecnologia de Microfluídica Digital – realizando testes com baixo volume de amostra com um tempo de resposta rápido.

    Esta tecnologia opera com baixo volume de gotas, permitindo rápido aquecimento e resfriamento. Aquecedores e sensores estão localizados diretamente no cartucho descartável. A operação de teste é totalmente controlada por software.

    Abaixo um vídeo exemplificando melhor como funciona a tecnologia.

    https://www.youtube.com/watch?v=vY8EUMpdTGo&t=82s

    Perspectivas

    A microfluídica digital pode ter um forte impacto nos futuros dispositivos point-of-care e em outros monitoramentos de processos em tempo real.

    Em tempos de pandemia, esse tipo de dispositivo pode acelerar diagnósticos e condições inflamatórias de pacientes, auxiliando em tratamentos e na escolha do procedimento a ser tomado por médicos e enfermeiros.

    Dispositivos como os criados por Jain e Muralidhar, podem significar o futuro dos dispositivos biomédicos.

    Referências

    Jain, V.; Muralidhar, K. Electrowetting-on-Dielectric System for COVID-19 Testing. Transactions of the Indian National Academy of Enginnering, 2020.

    Coelho, B., Veigas, B., Fortunato, E., Martins, R., Águas, H., Igreja, R., & Baptista, P. V. Digital Microfluidics for Nucleic Acid Amplification. Sensors, 2017

    Jebrail, M.; Wheeler, A. Let’s get Digital: digitizing Chemical biology with microfluidic. Current Opinions in Chemical Biology, 2010.


    Texto escrito em parceria com Johmar Souza, @johmarsouza

    Conheça e curta a nossa página no Facebook

    Já segue a gente no Instagram?

    Siga-nos no TwitterFacebook ou Instagram

    Ou nos envie um e-mail para: harrison.santana@gmail.com 

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Microfluídica & Engenharia Química

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A COVID-19 e a Sociedade: uso e cobrança de Equipamentos de Proteção Individuais

    Muito se fala sobre o uso de Máscaras ou Respiradores. Mas, será que existe diferença entre estes termos? Qual o melhor para usar e em que situação?

    Há inúmeros textos e divulgadores científicos que têm abordado o tema. Eu vou apontar a vocês, ao final do post, aqueles que consideramos interessantes para acompanhar.

    No entanto, a conversa aqui hoje é mais do que separar o que é “Máscara” e o que é “Respirador”

    Como este texto faz parte da série “A COVID-19 e a sociedade”, vamos entender como este objeto é fundamental para nossa proteção INDIVIDUAL e em que situações ela é necessária e deveria ser obrigatória como parte das políticas públicas e deveres das empresas que são do que consideramos “serviços essenciais” e contratam pessoas para trabalhar no modo “presencial”.

    EPI – O que é isto?

    É importante lembrar que um objeto, quando deve ser usado obrigatoriamente para proteger trabalhadores, é considerado um EPI. Talvez tu já tenhas escutado este termo antes. Ele quer dizer Equipamento de Proteção Individual e quer dizer “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho” 

    Assim, no caso da COVID-19, que é uma doença respiratória, podemos considerar EPI Para Proteção Respiratória as peças semifaciais filtrantes (PFF2). Estas têm sido as mais efetivas para a proteção contra o novo coronavírus.

    Mas qual a diferença entre ser ou não EPI? A máscara de pano não funciona?

    Toda e qualquer máscara, agora, é importante na contenção do vírus. A diferença é que máscaras de pano são bloqueios (ou barreiras) mecânicas e físicas contra o vírus. Isto é, contém a dispersão pela barreira física que apresenta, quando em situações de espirros, coriza, tosse, falas etc. Dessa forma, nestes momentos, soltamos gotículas ou aerossóis pelo nariz e pela boca, que podem estar contaminadas!

    No entanto, as máscaras de pano possuem dois problemas! Primeiro, elas não nos protegem com eficácia. Ou seja, por não NOS proteger as máscaras de pano não se configuram como EPI – que é Equipamento de Proteção Individual.

    A segunda questão é que não possuem controle de qualidade em sua fabricação. Isto é, máscaras caseiras não passam por certificação.

    Todavia, é relevante reiterar que isto de modo algum invalida sua importância, especialmente quando estávamos com falta de máscaras para profissionais de saúde no mercado!

    Este não é o caso agora.

    O EPI é um equipamento que possui normas técnicas que o regulamentam. Mas, mais do que isto, possui uma conferência no processo de confecção do produto que valida sua qualidade e é submetida a padrões nacionais e internacionais de segurança e qualidade. Portanto, um EPI nos dá condições de avaliação quanto a parâmetros técnicos que possibilitam uniformizar riscos que nos submetemos, em condições específicas.

    Por fim, quando em nosso trabalho existe um objeto que se configura como EPI quer dizer que é obrigatoriedade dos empregadores adquirirem e dos empregados utilizarem os equipamentos. Tudo isto visando não apenas homogeneizar os riscos, mas garantir que os trabalhadores que precisam executar determinados serviços essenciais estejam o menos expostos a enfermidades e riscos quanto for possível.

    E o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Em um momento tão delicado como o que vivemos, em que o contágio e a transmissão da COVID-19 está fora de controle, é fundamental cada vez mais tomarmos cuidados pessoais. Além disso, também é necessário e urgente que os trabalhadores estejam cuidados ao máximo para não correr riscos. Isto é, não existe condições de não se expor, ao sair para trabalhar diariamente. Todavia, existe como reduzir riscos e tornar isto parte de políticas públicas de cuidados contra o SARS-CoV-2.

    Ok! Mas é Máscara ou Respirador?

    PFF significa Peça Facial Filtrante e é um respirador, testado e verificado em sua fabricação (até aí já sabíamos). Entretanto, costumamos chamar os respiradores tipo PFF2 (que são similares à N95) de máscaras. E embora o nome “correto” seja respirador, o que nos importa aqui é que todos usem o melhor equipamento possível!

    E, além do melhor equipamento, cuidar e cobrar o melhor uso:

    • A máscara deve cobrir, sempre e completamente, o nariz e a boca. Assim, cabe sempre lembrar que máscaras com o nariz para fora, ou no queixo servem como adereço estético. Isto é: são inúteis para a proteção contra o coronavírus.
    • É fundamental que a máscara se ajuste ao rosto. Ou seja, sem deixar folgas ou aberturas por onde entre ou saia o ar. As máscaras PFF2 são filtrantes, se houver folgas ou escapes o ar não está passando pelas camadas filtrantes.
    • A boa vedação é o ponto mais importante.
    • Para que o ajuste e a segurança do equipamento seja o melhor possível, a recomendação são as máscaras PFF2 presas na nuca e pescoço, ao invés de atrás da orelha. Aliás, também recomenda-se as máscaras que possuem ajustes no elástico.
    • Uma peça de metal perto do nariz (clipe nasal) também melhora o ajuste da máscara e é, portanto, recomendado.
    Recentemente, colegas de divulgação científica do Qual Máscara publicaram um texto apontando a necessidade de servidores públicos do município do Rio de Janeiro terem acesso a respiradores do tipo PFF2, cedidos pela prefeitura. No abaixo assinado, com respaldo de vários cientistas, constam questões técnicas do uso destes respiradores como EPIs.

    Assim, talvez seja essencial cobrarmos que EPIs sejam parte da rotina em situações de trabalho presencial em nosso país. Ou seja, enquanto cidadã, me pergunto: em meio ao total descontrole, à lentidão da vacinação e à pressão por retornos aos ambientes presenciais de trabalho, incluindo alguns ambientes com pouquíssimas condições – e aqui incluo escolas públicas e privadas, me pergunto se não é prioridade da gestão pública a saúde dos cidadãos que são compelidos ao trabalho diariamente. Em especial aqueles que estão em setores considerados essenciais e que, portanto, devem retornar.

    Não vou me alongar, neste texto, sobre o conceito do que é ou não essencial neste momento. Tampouco apontarei os problemas vinculados aos retornos do que é dito essencial, embora possa ser executado na modalidade “home office” e o quanto isto não se restringe, apenas, ao ambiente de trabalho. Isto é, quando falamos em retorno estamos falando de toda a cadeia de deslocamentos e mobilidade urbana, aumentando a rede de contatos de cada sujeito e destes com seus colegas, clientes e usuários de serviços. Tudo isto é pauta para outro texto – que virá.

    Em suma, cobrar o quê e como?

    Cobrar retorno para trabalhos essenciais, em um momento de altíssimo risco à saúde humana, por contaminação de um vírus que é transmitido por aerossóis tem sido prática cotidiana. Entretanto, nós sabemos que nem sempre existe negociação entre empregador e empregados.

    Mas existem alguns serviços que as cobranças vêm dos próprios clientes ou usuários de serviços, por motivos que não nos cabe debater aqui.

    Dessa forma, para além dos dizeres “todos os protocolos de segurança estão sendo seguidos”, nós gostaríamos de indicar algumas perguntas que pensamos serem cruciais para quaisquer debates de retorno, que podem ser dirigidas aos empregadores:

    Quais são os protocolos?

    O ambiente é ventilado? De que forma?

    Qual a lotação máxima e como vocês vão organizar o ambiente, caso tenha mais pessoas para ocupar o ambiente, no mesmo horário?

    Que EPIs são fornecidos aos trabalhadores da empresa? Em que quantidade?

    Como estão sendo trabalhadas as informações de como usar os EPIs?

    Considerando que este trabalho é essencial, como os trabalhadores estão chegando ao ambiente de trabalho? 

    Vocês avaliaram os riscos ao trabalhador e propuseram escalas para minimizar contatos?

    Vocês avaliaram a quantidade de contatos ao voltarem todos os trabalhadores ao mesmo tempo, convivendo conjuntamente?

    Aos usuários dos serviços e clientes, quais os protocolos de saúde e como podemos usar o serviço sem colocar em risco os trabalhadores?

    Eu posso usar estes EPIs também? Há indicação dos protocolos de usos que minimizem os riscos dos trabalhadores e de minha família?

    Existe condições de realizar as atividades deste serviço em espaços abertos? Se a resposta for SIM, priorize estes espaços e cobre que sejam usados, eles são mais seguros.

    Será realizada testagem RT-PCR, RT-LAMP ou antígeno periódica dos profissionais envolvidos no serviço? Quem arca com este serviço e qual a periodicidade prevista?

    No caso de sintomas de síndrome gripal, seja de clientes, seja de funcionários, qual a atitude imediata tomada?

    Existe alguma previsão de estratégias para monitoramento, rastreio e comunicação, em caso de sintomas de clientes e funcionários?

    Perguntar basta?

    Reitero que apenas questionar e cobrar respostas é pouco. Assim, a cada serviço prestado, que estava sendo realizado na modalidade home office em que há retorno, existe aumento de mobilidade. Dessa forma, se eu, cidadã, considero que é fundamental o retorno daquele estabelecimento de serviços e cobro pela sua reabertura, talvez eu precise fazer mais. Talvez, seja também premente que eu questione se as pessoas – trabalhadoras – que estão utilizando transportes públicos para chegar até o ambiente em que a prestação de serviço acontece, para que eu, o utilize, estão o mais seguras possível e com os melhores equipamentos quanto for possível validar tecnicamente à sua disposição. Além, obviamente, de terem todas as informações para que o uso de tais equipamentos seja  compreendido.

    Mas não é tarefa dos gestores públicos implementar e cobrar por isto?

    Sim, exatamente: é tarefa deles cobrar por tudo isto e implementar protocolos de segurança, manter estabelecimentos de alto risco fechados e implementar políticas públicas que garantam a melhor condição de retorno possível.

    Entretanto, se nós estamos nos autorizando a cobrar de estabelecimentos – como escolas, academias e comércio – que retornem, talvez também possamos nos dar conta que precisamos cobrar de autoridades (vereadores e prefeitos) para a não exposição das pessoas, especialmente em um momento tão crítico da pandemia no Brasil.

    É fundamental também ter noção de que os empregadores não podem coagir seus empregados a assinarem documentos isentando as empresas de responsabilidades com as contaminações possíveis. Isto é ilegal e não tem validade. Mais informações podem ser lidas no Ministério Público do Trabalho.

    As ações individuais precisam somar-se às necessidades coletivas. Agora mais que nunca. Se eu, individualmente, considero algo fundamental para a manutenção de minha vida, talvez precise cobrar para que a vida do outro siga existindo. Não é apenas abrindo UTIs que conseguiremos isso.  

    Para saber mais:

    A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    Brasil. (1943) DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

    Brasil, Ministério da Economia (2020) PORTARIA Nº 11.347, DE 6 DE MAIO DE 2020

    Brasil Ministério do Trabalho (2001) NR 6-EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL -EP 

    Sobre Máscaras e Respiradores

    Qual Máscara: 
    Instagram | Twitter | Site

    Vitor Mori
    Twitter | Youtube

    Melissa Markoski
    Instagram | Rede Análise Covid-19

    Redes Contra Covid-19
    Medidas Básicas de Proteção

    Textos do Blogs Sobre Máscaras e Cuidados Básicos:

    Coronavírus e o controle do contágio

    Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? *

    Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Do uso de máscaras à imunidade coletiva

    Como funcionam as máscaras N95

    * Este texto passou por inúmeras críticas a época que foi feito e, agora, parece fazer sentido novamente. Assim, em um momento em que faltavam máscaras aos profissionais, a recomendação das máscaras de pano eram fundamentais. No entanto, agora, quando a situação está pior (no sentido de quantidade de pessoas infectadas, se contaminando e de descontrole da pandemia), novamente se faz necessário o debate sobre o uso de máscaras de pano. Isto é, as máscaras de pano são, sim, importantes e tiveram um papel fundamental na diminuição dos contágios. Mas não temos mais falta de máscaras para profissionais de saúde e temos descontrole da doença no país. Máscaras com registro de qualidade, que nos possibilitam aferir e testar sua segurança são essenciais neste momento. Especialmente para profissionais que não podem permanecer em casa.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Por que não podemos nos precipitar com o reposicionamento de fármacos?

    Vamos supor que você está andando de bicicleta pela sua cidade, quando de repente seu pneu fura. Naquele momento você não consegue ir até um borracheiro, ou comprar um pneu novo. Então você pega o chiclete que você estava mascando, e tenta interromper a saída de ar naquele momento emergencial. Mesmo sabendo que depois você precisará dedicar mais tempo para arrumar o pneu, o chiclete conseguiu te ajudar durante um período. Essa analogia está relacionada com o que vimos de reposicionamento de fármacos durante a pandemia de COVID-19. 

    Sobre o reposicionamento de fármacos

    O reposicionamento é uma estratégia rápida, barata, e segura, desde que siga algumas etapas! Basicamente ele utiliza moléculas conhecidas para tratar algumas doenças e tenta utilizá-las em outras. O exemplo mais famoso de reposicionamento de fármacos é o viagra. Inicialmente, desenvolveu-se para tratar hipertensão e angina, uma dor no peito. Mas durante as etapas de estudo clínico acabou reposicionado e agora utiliza-se para tratar disfunção erétil. 

    Com o aparecimento da COVID-19, vimos tentativas de reposicionamento serem muito utilizadas e comentadas até mesmo por pessoas leigas. Esse método de pesquisa trouxe resultados para algumas respostas. No entanto, ele não pode ser levado como uma verdade absoluta. Afinal, nada na ciência é irrefutável.

    Reposicionar por quê?

    Reposicionar um remédio custa aproximadamente 300 milhões de dólares, enquanto que desenvolver um remédio “do zero” pode custar até bilhões de dólares! Além de economizar dinheiro, também é possível reduzir o tempo de pesquisa, já que “pulamos” algumas etapas, como por exemplo a criação e descrição da molécula. Apesar disso, algumas outras etapas não podem ser puladas, e é aí que o remédio pode dar resultados negativos. 

    Assim como outras pesquisas, o reposicionamento começa com a formulação de uma hipótese e reconhecimento de moléculas que possam apresentar algum tipo de efeito no que está sendo estudado, no caso a COVID-19. Depois de uma primeira rodada de testes, é necessário realizar uma etapa de estudos pré-clínicos, ou seja, dentro do laboratório. Normalmente esses testes realizam-se em culturas de célula para determinar qual a concentração efetiva do remédio, tentar entender como ele age, se ele de fato elimina o vírus, ou se ele interfere nas células, entre outros. Além dos testes in vitro, é nessa etapa que ocorrem os testes com modelos in vivo, ou seja, utilizando algum modelo animal. Seres vivos são organismos bem mais complexos do que uma cultura de um único tipo de célula, então testes que possivelmente foram positivos in vitro, podem não ser efetivos in vivo. 

    Entretanto…

    Aqui temos alguns exemplos de remédios que não passaram dessa segunda fase de testes de reposicionamento. A cloroquina funcionou em um tipo de cultura de células, mas quando testada em outros não funcionou. Já a ivermectina apresentou uma boa atividade. Todavia, a quantidade necessária era tão grande que inviabilizava tornar-se um remédio para a covid-19. 

    E você acha que acabou? NÃO! Os remédios podem funcionar muito bem nas etapas 1 e 2 de reposicionamento de fármacos, mas depois disso eles precisam dos testes nos ensaios clínicos. Nessa etapa, os remédios são dados para pacientes voluntários, que vão tomar de forma “cega” ou o remédio, ou um placebo. Depois disso, os resultados são coletados, analisados e o remédio pode ser aprovados ou não. O exemplo mais atual de um ensaio clínico foi o SOLIDARITY, organizado pela OMS que testou diversos remédios de reposicionamento. 

    Até agora, o único reposicionamento aprovado para uso é o do remdesivir, que já era estudado para Hepatite C e Ebola. Por isso, é muito importante que a população em geral tenha calma! Muitos testes são necessários para que um remédio, mesmo que seja de reposicionamento, seja considerado seguro para uso. 

    Isso significa que o reposicionamento é ruim? 

    Não! Como não conhecíamos todos os efeitos da COVID-19 e do coronavírus causador da doença, tivemos que realizar muita pesquisa de base antes de poder encontrar tratamentos efetivos. No início da pandemia não sabíamos quase nada sobre o novo coronavírus e diversos testes de reposicionamento ajudaram a entendermos mais sobre como o vírus se comporta dentro das células e do nosso organismo. 

    E porque não posso tomar remédio por minha conta e risco?

    Apesar de serem remédios que possuem aprovação de órgãos reguladores como a Agência Americana de Alimentos e Medicamentos (FDA) e a ANVISA, todo remédio possui uma faixa de segurança para uso e o uso indiscriminado de remédios pode causar tanto problemas de saúde para quem está tomando, como por exemplo hepatite medicamentosa, até problemas mais sérios que podem nos levar a pandemias futuras, como bactérias e parasitas super resistentes a remédios! 

    Além disso, é importante destacar que em humanos, o uso de medicamentos como um “combo” ou “coquetel” ou “kit” precisam, também, de testes específicos para analisar as interações entre os medicamentos. E não faz sentido isto, sem um controle rígido laboratorial, pois não temos como medir os efeitos dos medicamentos nos organismos com precisão. Isto é, os medicamentos podem interagir entre si e provocar outros efeitos colaterais (ou benéficos), completamente desconhecidos. Para isto, não apenas o reposicionamento precisa de várias etapas de análise, a medicalização por kits ou coquetéis também são tratamentos que necessitam análises específicas!

    Por isso, esteja sempre atento à medicação que você irá tomar, e continue utilizando as únicas medidas que são efetivas até agora: o distanciamento social, a máscara e o apoio à vacinação! 

    Quer saber mais?

    Artigos sobre o tema em inglês:

    Reposicionamento durante a Pandemia de COVID-19

    Reposicionamento de fármacos: Avanços e Desafios

    Desafios de Reposicionamento durante a pandemia de COVID-19

    Textos do Especial Covid-19 sobre o tema:

    Não existe tratamento precoce para Covid-19 [capítulo de hoje: ivermectina]

    1 Ano sem encontrar o tratamento de COVID-19

    Deus, hidroxicloroquina e unicórnios: é impossível demonstrar um negativo?

    Uma pandemia impulsionando outra – Parte 1: O uso de antimicrobianos durante a pandemia da covid-19

    Uma pandemia impulsionando outra – Parte 2: Resistência bacteriana a antimicrobianos: por que se preocupar?

    Antibiótico contra vírus? O curioso caso da azitromicina contra a COVID-19

    Mais rápido, mais preciso e mais fármacos: Triagens de Alto Desempenho.

    Descobrindo e Redescobrindo medicamentos: Como podemos tratar a COVID-19?

    Porque acreditar num remédio para a COVID-19 pode não ser uma boa saída

    Hidroxi-cloroquina, já ouvi este nome!

    Se acharmos um tratamento, o que acontece?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

plugins premium WordPress