Categoria: ESPECIAL COVID-19

  • A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    “Diálogos” de pandemia

    – Vocês não têm coração? Se alguém pega COVID-19 não pode fazer nada, não têm medicamentos e vocês não querem que a gente tente nenhuma possibilidade?!?

    – Vocês acham que as crianças têm que ficar trancadas em casa enquanto todo mundo circula por aí livremente? As escolas fechadas são perdas irreparáveis para as crianças!

    – As escolas devem ser as primeiras a abrir e as últimas a fechar!

    – E como deixar tudo fechado se as pessoas têm que ganhar algum dinheiro? E a comida na mesa?

    – Vocês não se importam com as pessoas, o que podemos fazer?

    Todas as semanas há diálogos que iniciam com estas perguntas, ou comentários em postagens do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp. Isto seja nas redes sociais, seja nos próprios textos, seja em conversas privadas.

    A produção de conteúdo científico na pandemia

    Não é bom ou satisfatório anunciar diariamente que não há tratamento ainda para a COVID-19, nem apontar a necessidade de adiamento do retorno às aulas. Tampouco ler sobre a falta de insumos para as vacinas e o quanto precisamos vacinar mais e mais rápido, em detrimento do que vem acontecendo no país. Dessa forma, não é algo que se faz de forma tranquila, ao contrário do que pode parecer a quem não acompanha diariamente as notícias e elabora os textos, com as equipes de Divulgação Científica.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria, com urgência, diminuir, a partir do fechamento do comércio e serviços, não é por haver satisfação em indicar que pessoas fiquem em casa independente dos seus problemas – que vão desde saúde mental até não termos condições de ganharmos dinheiro para colocar comida à mesa.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria diminuir com urgência, significa termos dados técnicos que o isolamento e distanciamento social é a ferramenta que possibilita que a circulação do SARS-CoV-2 aconteça.

    Assim, em um país cujas autoridades vem postergando e sabotando compras de vacinação e têm estimulado tratamentos inócuos para a COVID-19, informações científicas parecem pouco compreendidas como têm sido alvo de ataques e servem como mote de polarizações sem que o cerne da questão seja pauta.

    Tampouco os debates são imparciais e neutros. Longe disso. 

    Nossa preocupação tem sido apontar quais são os fatores que levam ao aumento do contágio e quais as problemáticas relacionadas a isso. Neste sentido, ler os gráficos de mobilidade urbana, com a retomada de atividades presenciais não essenciais (mesmo que por decreto se mude o status destas atividades), com análise do aumento de casos de internação de UTIs, filas de espera, além de óbitos diários, tudo isso somado à já conhecida falta de testes diagnósticos e vacinação lentíssima (por vezes confusa também), não torna simples divulgar a máxima “fique em casa se for possível”.

    A questão é que uma doença não é o ciclo do patógeno. Isto é, ao vivermos em sociedade – e numa sociedade desigual e populosa como a nossa – a doença é, também, social. Ela encontra em nossa sociedade o espaço perfeito para se proliferar rápido e com muita eficiência. Assim, como bióloga, aprendi a pensar em doenças. Como biologia, talvez pensemos a COVID-19 sempre como uma doença cujo o vírus transmite-se pelo ar, com contatos próximos, em um mundo com quase 8 bilhões de pessoas, em cidades urbanizadas com densidades demográficas altíssimas.

    Só nesta sentença, no entanto, podemos conjecturar o quanto de informação podemos desmembrar e tornar complexa a relação entre o vírus e nossa vida.

    Como assim?

    O SARS-CoV-2 tem a seu favor a própria forma de existir do ser humano: aglomerado em espaços fechados e, simultaneamente, centrado em seus próprios anseios e necessidades.

    A ciência é feita por pessoas que estão dentro da sociedade. Pessoas que foram formadas e constituídas dentro desta sociedade, com suas histórias, conceitos, preconceitos e pressupostos. Não existe “lado de fora”, embora exista questionar o que nos formou e buscar novos pensamentos e tensionamentos em relação ao que nos formou. Assim, há uma certa relação constituidora entre sujeitos e sociedade. Esta sociedade que vivemos não é (nem poderia ser) homogênea. Ela é formada por um conjunto de sujeitos (pessoas) que questionam e modificam a sociedade, ao passo que a sociedade forma e transforma sujeitos.

    Mas o que isto tem a ver com a ciência? Então a ciência é parcial?


    Em função de a ciência fazer parte da sociedade, e cientistas serem sujeitos sociais, não existe estarmos fora do pensamento social de uma época. Tampouco existe a possibilidade de termos pensamentos completamente iguais e homogêneos.

    Também não existe imparcialidade, nem pureza em nada do que é dito, analisado, formulado. Todavia, isso não quer dizer que os vieses de análise são “ruins” ou “bons”. Quer dizer que precisam ser debatidos por uma comunidade científica ampla. Uma das coisas que possibilita que a ciência minimize vieses é exatamente a análise e revisão por pares – e não só nas revistas (como manda o procedimento padrão), mas da própria comunidade científica.

    Sempre há margem para erros, mas é exatamente a possibilidade de assumirmos os erros que faz com que a ciência seja ciência. Ela não se postula dogmática e a única certeza é a de que mudaremos nossos conhecimentos de lugar e tornaremos o que conhecemos hoje ultrapassado em tempos futuros (longínquos ou não). 

    Com COVID-19 não é diferente. O que sabemos HOJE sobre a doença é muito diferente do que sabíamos no início. O mundo inteiro analisa a doença sob diferentes aspectos, estamos todos atentos ao que é publicado e isto, sim, é um grande feito.

    Mas voltemos à ideia de que a doença não se restringe ao ciclo do patógeno!

    Qualquer doença, exatamente por nos acometer, traz efeitos que estão para além dos sintomas da doença em si. 

    Se uma doença nos contagia pelo ar e pela proximidade, parte de como estancarmos sua proliferação é mudarmos nosso comportamento e hábitos. Isso vai desde como convivemos socialmente em aglomerações cotidianas – de ônibus lotados para irmos trabalhar, aos espaços fechados de comércio e serviços que se tornaram cotidianos em nossa vida. No entanto, vocês percebem que estas decisões não são individuais? Que muitas pessoas não possuem condições de não pegar transporte público, nem de não frequentar espaços fechados de comércio e serviços? Guardemos estas informações – elas serão importantes mais para frente no texto…

    Além disso, também temos negociações para mantermos vivas pessoas que não apenas necessitam de serviços específicos, mas de rendas extras, pela impossibilidade de seguirem sem trabalhar neste momento. Aqui, novamente: vocês percebem que estas decisões não são individuais?

    As doenças são, também, sociais

    E é aqui que compreender o ciclo em si da doença não basta (ou quando isto começa a ficar evidente). Cada conhecimento científico incorporado muda nosso modo de ver e pensar a sociedade e nossas relações. E, com isso, tomar decisões individuais da melhor maneira possível.

    Mas socialmente, estas decisões nem sempre estão ao nosso alcance. Isto é: estas decisões não são individuais! É preciso que algumas instâncias, ao terem em posse uma grande quantidade de informações, transformem isso em ações que atinjam a maior quantidade de pessoas quanto for possível. Assim, em geral, estas decisões são técnicas e deveriam buscar análises que envolvessem prejudicar a menor quantidade de pessoas, com ações mais concentradas e coerentes entre si.

    Políticas públicas é o nome disso…

    Na teoria, lendo assim, parece simples. Entretanto, ao termos diferentes modos de pensar e linhas de ação, podemos tomar decisões que entram em um espaço de disputa. Basicamente, estou falando de políticas públicas. Dessa forma, questionamos: elas são (ou deveriam ser) baseadas em dados técnicos: quantas pessoas estão adoecendo? Em que lugares? De que idades?

    Há inúmeras pesquisas que nos possibilitam acessar os dados populacionais. Todavia, junto a isto, temos acumulado dados científicos que nos dão condições de compreender melhor tanto o ciclo da doença, como as necessidades de protocolos e instalações hospitalares. Bem como, temos um montante de dados acerca dos efeitos em nossa sociedade, sobre as vulnerabilidade de populações marginalizadas, insegurança alimentar, comportamentos de risco na pandemia, etc.

    A partir destes dados, analisando-os em conjunto, podemos estabelecer algumas possibilidades de ação em diferentes esferas e contextos. Por exemplo:

    • Em nível individual e de nossa moradia, podemos organizar uma rotina de limpeza, compra de máscaras/respiradores individuais; rotina de compras minimizando saídas desnecessárias;
    • Em níveis familiares, podemos estruturar visitas com protocolos de cuidado, uso de máscaras, ciclos de resguardo para ninguém ficar inseguro com exposições desnecessárias, etc.

    Saindo destas duas esferas, teremos contextos em que não temos mais poder de decisão direta.

    São níveis de governo ou gestão.

    Isto é: empresas que trabalhamos, cidades e estados que residimos, nosso país.

    Perceba que nestas esferas, há menos condições de negociação e estabelecimento de cuidados específicos que nos possibilitam ter mais ou menos segurança. Ou seja, quando falamos de municípios, estados e nação, são estes os níveis em que a análise de dados para geração de protocolos e procedimentos, com buscas de minimizar impactos na saúde humana, vira o que chamamos de políticas públicas de saúde.

    Já temos alguns textos falando sobre coleta de dados, método científico e políticas públicas aqui no Especial Covid-19. Mas vamos apontar algumas que são fundamentais para entendermos onde temos errado e como podemos compreender melhor o funcionamento disto, dentro do enfrentamento da crise atual. Assim, dentro destas análises, seguiremos defendendo que as doenças também são sociais e que a biologia do patógeno não é suficiente para vencermos a crise.

    Além disso, retomando os diálogos (semi) inventados do início deste texto, o quanto é difícil analisar estes dados, percebendo desaceleração de internações (que não é queda…) com pedidos reiterados de abertura de comércio e escolas, quando há tanto o que enfrentar nesta crise.

    Os textos que já abordaram a temática estarão listados abaixo e, conforme formos avançando na discussão, serão atualizados aqui abaixo:

    Dados da Covid: como pesquisadores e imprensa toureiam o Quinto Risco

    Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    A ameaça invisível assombra a economia

    Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    A COVID-19 e a sociedade: uso e cobrança de equipamentos de proteção individuais

    Para Saber Mais

    Souza, LEPFde (2014) SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço Para Saúde, 15(4), 7-21.

    Revisaram este texto e contribuíram com a produção e ideias: Graciele Oliveira, Erica Mariosa, José Felipe Silva, Jaqueline Nichi. Grata por isso. :0)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Genética das populações e sua relação com o desfecho relacionado à COVID-19

    Texto escrito por Marco Antônio Marques Pretti e Ana Arnt

    A evolução da pandemia de COVID-19 trouxe à tona diferenças marcantes na taxa de mortalidade entre os países (WHO, 2020). É de se esperar que países mais populosos tenham um maior número absoluto de casos e de desfechos letais. Contudo, quando comparamos estes dados analisando-os pelo total de habitantes de cada país (o que chamamos de “normalizar” os dados), os países mais populosos não possuem, necessariamente, uma taxa maior de mortalidade associada à COVID-19.

    Existem vários  fatores socioeconômicos e políticos conhecidos relacionados a estas diferenças de mortalidade. Todavia, há fatores genéticos que também poderiam estar envolvidos a isto. E nosso grupo de pesquisa buscou compreender exatamente estes aspectos!

    Sobre fatores genéticos, populações e COVID-19

    Nosso grupo de pesquisa, o Laboratório de Bioinformática e Biologia Computacional (LBBC), utiliza diversas ferramentas de bioinformática para o estudo do câncer e também das moléculas de HLA. Mas, o que vem a ser essas moléculas de HLA?

    As moléculas de HLA são proteínas localizadas na superfície da célula (Figura 1). Elas são responsáveis por apresentar ao sistema imune duas coisas:

    1. porções de proteínas da própria célula, 
    2. Porções de proteínas de patógenos que invadem nosso corpo, como é o caso do vírus causador da COVID-19, o SARS-CoV-2.

    Essas partes (ou porções) de proteínas – de nossas células ou dos vírus – são chamadas de peptídeos. Dessa forma, o sistema imune consegue realizar uma varredura no que está sendo expresso pela célula e identificar células infectadas por patógenos e que precisam ser eliminadas.

    Mas há mais uma informação muito importante sobre estas moléculas!

    Elas são muito diversas entre as populações. Isto é, existem milhares de “tipos” de HLA no mundo. No entanto, quando analisamos as HLAs nas pessoas de um mesmo país ou região, estas moléculas tendem a ser bem parecidas. As HLAs são proteínas e, portanto, definidas geneticamente. Cada indivíduo possui até 6 moléculas diferentes de HLA, definidas por alelos (versões dos genes) diferentes, três de origem materna e três de origem paterna (Figura 1). Estas diferenças entre as HLAs é o que possibilita às HLAs se ligarem a diferentes partes dos vírus. 

    Figura 1. Representação esquemática de uma célula com moléculas de HLA de classe I na superfície de membrana. Cada indivíduo pode possuir até seis versões diferentes (alelos) que produzem proteínas HLAs. Existem centenas de alelos de HLA no mundo. Na Figura 1 estão representadas 6 HLAs por cores diferentes (alelos no centro do núcleo da célula), correspondentes a 6 proteínas HLA na membrana da célula. (Imagem de autoria de Marco Pretti)

    Nosso trabalho utilizou ferramentas de predição (previsão) para identificar porções do vírus da COVID-19 com a capacidade de se ligar a mais de 100 alelos de HLA majoritários em 37 países (PRETTI et al., 2020). Assim, ao considerarmos a frequência das diferentes moléculas de HLA-I entre as populações analisadas, foi possível perceber semelhanças entre países com melhor e pior desfecho frente à COVID-19. O que encontramos foi:

    Alguns dos alelos de HLA estão associados a um efeito protetor enquanto outros não.

    Isso nos deu indícios que a participação das moléculas de HLA é importante na COVID-19!

    Para analisar e prever que partes das proteínas dos vírus – os peptídeos, lembra? – que se ligam às moléculas de HLA usamos ferramentas de bioinformática. Isso é importante no desenvolvimento de algumas vacinas e também no estudo da biologia da doença. Imagine que se fosse possível identificar um conjunto de 5 peptídeos virais apresentados por HLAs de todos os povos teríamos em mãos uma vacina universal! Infelizmente não é tão simples encontrar 5 peptídeos apresentados por diferentes HLAs ao mesmo tempo… Por que isso acontece?

    Sobre a Cobertura Antigênica

    Considere as letras do “LBBC” (a sigla do nosso laboratório). Agora vamos fazer um jogo de suposições. Imagine que 15% dos brasileiros têm no seu sobrenome a letra “L” (Ladeira ou Silva, por exemplo). Em uma segunda etapa, vamos analisar quantos brasileiros têm sobrenome com a letra “L”, mais a quantidade de brasileiros que possuem a letra “B” em seus sobrenomes e essa proporção subirá para 25%. Por fim, adicionando ainda a letra “C”, e chegamos na proporção total de 30%. Logo, podemos dizer que as letras “L”, “B” ou “C” cobrem 30% dos sobrenomes brasileiros (e os sobrenomes podem ter 1, 2 ou 3 dessas letras em diferentes combinações).

    Pois bem, é razoável imaginar que nas populações chinesa, estadunidense ou francesa, possa existir estas 3 letras nos sobrenomes das pessoas. Todavia, a  proporção de pessoas com essas letras em seus sobrenomes não será a mesma que na população brasileira, pois os sobrenomes tendem a ser característicos de um povo.

    Se pensarmos nestas letras como os peptídeos que falávamos antes fica mais fácil de compreender como é muito difícil encontrar 5 letras (ou 5 peptídeos) que contenham 100% dos sobrenomes de todo o mundo. Cada população tende a apresentar uma gama diferente de peptídeos, pois seus HLAs são diferentes entre si. Contudo, uma mesma população apresentará peptídeos (letras) parecidas entre si. Isso se chama cobertura antigênica, o conjunto de peptídeos que um indivíduo ou população é capaz de apresentar pelo HLA.

    O que nossa pesquisa fez?

    O que fizemos, em seguida, foi calcular a cobertura antigênica de cada país, a fim de investigar se existe alguma associação entre essa cobertura antigênica e a mortalidade associada à COVID-19. Pera! Que relação seria essa? Associar cobertura antigênica e mortalidade? Isso mesmo. Uma de nossas hipóteses foi de que populações que mostram mais peptídeos virais ao sistema imune (através da HLA) pudessem estar mais protegidos. Ou seja, se um país tem, em média, uma maior cobertura antigênica a mortalidade poderia ser menor. Contudo, não observamos nenhuma associação da cobertura antigênica do vírus como um todo e dados de mortalidade..

    Apesar disso, não nos desanimamos! Continuamos investigando os dados gerados e conseguimos observar outras associações ainda mais interessantes. Antes disso, é importante dizer que o vírus da COVID-19 não é formado de uma só “peça” ou de uma única proteína. Ele possui algumas proteínas.. Algumas destas são responsáveis por manter a estrutura do vírus, outras por facilitar a invasão de células, dentre outras. Duas delas são particularmente importantes: 1) a proteína Nucleocapsídeo, responsável por revestir e proteger o genoma do vírus; e 2) a tão famosa proteína Spike que forma espículas na superfície do vírus.

    Figura 2. Representação de uma partícula do vírus da COVID-19, o SARS-CoV-2. A proteína Spike está representada em vermelho, na superfície do vírus. Fonte: (THE NEW YORK TIMES, 2020)

    Mas, e depois disso?

    Resolvemos então analisar a cobertura antigênica dos países não mais com o vírus inteiro, mas com cada proteína viral. Assim, observamos que a cobertura antigênica para a proteína viral Nucleocapsídeo possui uma correlação positiva com o número de mortes. Em outras palavras, quanto mais peptídeos virais derivados dessa proteína são apresentados ao sistema imune, maiores as chances de morte (em se tratando de população, nunca individualmente). Por outro lado, a cobertura da proteína viral Spike possui uma correlação negativa com o número de mortes. O que significa… que quanto maior a cobertura antigênica para essa proteína, menores as chances de morte!

    Ufa! Se você chegou até aqui, parabéns! Aprendemos bastante coisa, vamos resumir? O estudo sugere que uma maior cobertura para peptídeos derivados da proteína Spike, ao invés da proteína Nucleocapsídeo, pode ter efeitos benéficos. Ou seja, ter uma maior cobertura antigênica para Spike se vincula a um menor número de mortes associadas à COVID-19.

    Não é possível mudar nossas moléculas de HLA (nem queremos isso!), pois elas são uma herança genética. Por outro lado, poderíamos, um dia, determinar grupos que possuem HLAs de risco e que deveriam ser vacinados primeiro.

    Por fim

    De modo geral, o trabalho associou coberturas antigênicas do SARS-CoV-2 com dados de mortalidade de cada país. Nós observamos correlações entre número de mortes relacionadas à COVID-19 e coberturas antigênicas para proteínas do vírus até então não descritas no nível populacional. Além disso, selecionamos diversos peptídeos derivados de porções virais associadas a uma resposta predita como protetora para a COVID-19 e potencialmente apresentados por HLAs com maior frequência na população mundial.

    Em suma, onde esta pesquisa pode nos levar? A compreensão destas relações entre peptídeos e coberturas antigênicas nos possibilitam perceber melhor detalhes moleculares da doença, tanto sobre gravidade da doença e possibilidades de proteção. Estes resultados também podem nos trazer condições para o  desenvolvimento de vacinas de peptídeos seguras, mais eficientes e que abrangem uma maior parcela da população mundial!

    Referências

    PRETTI, MAM et al (2020) Class I HLA Allele Predicted Restricted Antigenic Coverages for Spike and Nucleocapsid Proteins Are Associated With Deaths Related to COVID-19. Frontiers in immunology, v11, p565730. 

    THE NEW YORK TIMES (2021) Bad News Wrapped in Protein: Inside the Coronavirus Genome – The New York Times.

    WHO, COVID-19 situation reports.

    O Autor

    Marco é graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em oncologia pelo Instituto Nacional de Câncer e aluno de doutorado pelo mesmo Instituto. Além da oncologia, possui interesse em imunologia, bioinformática e ciências da vida. Durante o confinamento teve que substituir a prática de voleibol por atividades físicas indoor.

    Ana Arnt, Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Este texto foi escrito para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Diários de pandemia, sobre as parcerias do caminho

    O Blogs de Ciência da Unicamp está em parceria com o Consulado Geral da França em São Paulo, a Unesco Brasil e o Nexo Jornal. 

    Desde meados de fevereiro deste ano, temos pensado em ações de divulgação científica juntos. O marco do início desta parceria é o ciclo de palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses. Dessa forma, neste ciclo, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento vão apresentar dados e debates fundamentais para pensarmos a pandemia da COVID-19 em muitos aspectos nos dois países que sediam as instâncias desta parceria. 

    Dia 08 de abril aconteceu a terceira palestra. Maurílio Bonora Junior, nosso blogueiro na área de imunologia e vacinas, era a grande figura da tarde.

    Durante o dia anterior, 7 de abril, e a manhã do dia 8, tivemos acesso às notícias (como fazemos habitualmente para nos manter a par dos acontecimentos diários sobre a pandemia). Assim, neste momento de leitura, eu achei que era preciso trazer alguns apontamentos importantes na abertura da palestra, relacionadas ao tema. Daquela apresentação, percebi que também saíram elementos deste desabafo-diário-dados que eu trago aqui, com as devidas atualizações de datas e dados.

    Quem eu sou?

    Hoje eu resolvi me apresentar e falar um pouco dos bastidores desta ação como um diário em que eu anoto o que vou observando, enquanto trabalho, pesquiso e vivencio estes tempos e quarentena na divulgação científica. Eu sou Ana Arnt. Sou bióloga, professora e pesquisadora da Unicamp na área de Educação em Ciências e Divulgação Científica. Atualmente coordeno o projeto Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19 deste veículo de divulgação.

    O Especial Covid-19

    Toda a equipe técnica, científica e administrativa da coordenação do Blogs de Ciência da Unicamp têm trabalhado nos últimos 390 dias intensivamente com conteúdos sobre a COVID-19 em todas as áreas de conhecimento.

    Somos mais de 90 autores publicando sobre o tema, com suporte e revisão de conteúdos, pensando, lendo, estudando e produzindo conhecimento para um público externo à academia.

    Nosso intuito é democratizar o conhecimento acadêmico, técnico e científico produzido no Brasil e no mundo. Ao escrevermos textos de divulgação científica, temos outras etapas de nossa rotina que incluem idealizarmos estes textos escritos em estruturas como cards, memes, desenhos, vídeos, que irão se multiplicar em nossas redes sociais. Além disso, vocês também podem ver alguns de nossos trabalhos em lives, entrevistas e eventos sobre o tema.

    Neste último ano, reforçamos uma de nossas premissas mais fortes e que temos buscado trabalhar desde o início do projeto: a produção coletiva de conteúdo. Nossos esforços, como equipe administrativa, é trabalhar a partir de expertises de cada indivíduo do grupo, mas de maneira articulada e com respaldo coletivo. A COVID-19 acentuou isto ainda mais.

    Transformamos o que era idealização, em prática cotidiana.

    Além disso, esta premissa de que o trabalho coletivo vale a pena nos trouxe novas perspectivas. Inicialmente, a visão de que não estamos competindo por espaço, frente ao trabalho de outros colegas deste campo de atuação. Dessa forma, observávamos outros grupos e percebíamos que existem possibilidades de crescermos juntos – dentro de um espaço democrático de decisões e que se constróem respeitando os modos de ação de colegas. Assim, nesta direção, aprofundamos laços com outros grupos de Divulgação Científica, que também pensam a partir da importância de colaborações e ações conjuntas, parcerias, para todos enfrentarmos juntos as problemáticas atuais. Isto é, compreendemos que o acesso ao conhecimento científico é um direito humano e parte dos deveres da ciência e dos cientistas.

    As vacinas e a divulgação científica

    Nos últimos meses, como não poderia deixar de ser, nossos esforços voltaram-se para divulgar sobre as vacinas, as novidades, o sistema imune, as relações de produção, estratégias de vacinação, fundamentos de saúde pública, história, combate à desinformação, etc. 

    Nos juntamos em Janeiro de 2021 ao movimento Todos Pelas Vacinas, que têm produzido campanhas e organizado conteúdos para divulgar mais e mais informações seguras e científicas sobre as vacinas, além de juntarmos esforços para que a vacina chegue a todos – como é tradição brasileira.

    As vacinas no Brasil e na França

    Na França, a notícia que nos chegou foi de ações de lockdown por 3 semanas (a partir do dia 3 de abril) para frear o avanço da doença. Até o dia 07 de Abril, o país vacinou 10 milhões de pessoas, o que significa 14% de sua população.

    Enquanto que no Brasil, há um ano nós esperamos ações que nos possibilitem frear o que já vem sendo diariamente avassalador para todos e todas nós. Esperamos também ações no que sempre fomos referência: fazer a vacina chegar a todos os cidadãos brasileiros. Todavia, tínhamos, até o dia 07 de abril, 2,5% de nossa população com as 2 doses de vacinas, o que representa menos de 6 milhões de brasileiros.

    No dia 07 de abril, recebemos a notícia de que interromperíamos a produção de vacinas com extrema preocupação, pois já estamos fazendo esta ação de modo extremamente lento. Às notícias somam-se a falta de adesão à segunda dose da vacina, o que agrava ainda mais a situação. Simultaneamente a isso, a falta de incentivo para lockdown, o que inclui a condição financeira para as pessoas permanecerem em suas casas.

    No dia seguinte, 8 de abril, foi reforçada a notícia de que apesar da suspensão da produção, haveria entrega das IFAs que manteriam a quantidade de vacinas produzidas e entregues, conforme acordado entre Instituto Butantan e o Ministério da Saúde. Todavia, também foi noticiada a possibilidade de compra de vacinas pelo setor empresarial brasileiro, com anuência do Governo Federal.

    [pausa para notícias de duas cidades]

    A cidade Araraquara apresentou dados efetivos com seu lockdown, sendo a única cidade brasileira sem óbitos por covid-19 por dias consecutivos, no pior cenário brasileiro desde o início da pandemia. Além disso, ⅓ das internações hospitalares são de cidades vizinhas, que possuem estrutura hospitalar e não têm feito lockdown. Isto é, Araraquara não apenas não têm apresentado mortes, como têm abarcado a necessidade de internação de cidades próximas.

    Além desta notícia, nós também temos as informações sobre a cidade de Serrana, em São Paulo, município escolhido para mostrar que a vacinação é a nossa ferramenta mais efetiva contra o coronavírus. Serrana, com 90% da população adulta vacinada, zerou casos de intubação com a vacinação.

    [fim da pausa das notícias de duas cidades]

    E agora?

    Estas duas cidades nos apresentam caminhos importantes para a contenção da doença, parte do que temos batalhado para informar e produzir de conteúdos que gerassem ações efetivas de políticas públicas. Ações estas que salvam vidas, que se baseiam em dados técnicos e geram resultados positivos.

    Ao contrário disto, temos acompanhado pesarosos, “retornos” a fases em que a maior circulação é permitida – sem indícios científicos de que temos controlado a doença. As UTIs seguem lotadas e há filas de espera. A vacinação segue a passos lentos, sem que prioridades sejam estabelecidas a partir de critérios científicos rigorosos. Por fim, há falta de normatizações que nos possibilitem agir com maior precisão.

    Seguimos não defendendo a abertura de escolas neste momento. Também seguimos não defendendo a abertura de bares e comércio não essencial. Seguimos, ainda, defendendo a vacinação em massa, prioritária, de grupos que estão em risco – especialmente, após o grupo de idosos, os trabalhadores de serviços essenciais que estão em contato direto com o público, como transporte e alimentação (supermercados e lojas de conveniência), por exemplo.

    Em suma, não estamos em um cenário de “queda de óbitos”, se estamos falando em um cenário de mais de 3 mil brasileiros, todos os dias. São 3 mil pessoas, cidadãos, amores de alguém, com nome, sobrenome, laços afetivos: vidas. Não existe sacrifício de vida que justifique a defesa da economia, que não existe sem vidas humanas.

    Por fim

    É com este panorama, em 390 dias de trabalho desde o lançamento do Especial Covid-19, que o primeiro texto vinculado às palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses se produz. Com preocupação, mas ainda aqui, presente. Ao lado daqueles que seguem percebendo que o acesso à informação científica é fundamental a uma sociedade democrática e saudável.

    Para aprofundar estas questões que descrevi a vocês hoje aponto os links relacionados às ações desta parceria com o Consulado Geral da França de São Paulo, com a Unesco Brasil e o Nexo Jornal.

    A palestra do dia 08 de Abril, As Vacinas Contra a Covid-19. A palestra foi proferida por Maurílio Bonora Junior. Ele é nosso principal pesquisador e divulgador científico no campo da imunologia e vacinas. As publicações são para o Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e, que também Todos Pelas Vacinas. Além disso, convidamos como mediadora desta fala a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociências pela UFRGS, divulgadora científica na Rede Análise COVID-19, equipe Halo da ONU, Grupo InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina, e nossa parceira, colega e amiga, no Blogs de Ciência da Unicamp.

    Além disso, Maurílio foi entrevistado pelo Nexo Jornal, ‘No ritmo atual, vacinaremos o último brasileiro em 2024’

    Próximas etapas

    Há dois textos atrasados, neste diário, fruto desta parceria. Quem não está atrasado nas escritas, atualmente, está vivendo errado – eu digo constantemente a quem me pede desculpas pelos atrasos… Vou me permitir usar esta fala para mim, desta vez.

    A próxima palestra do ciclo será em francês, La rhétorique de la Grande Guerre dans la crise française du Covid-19, com a pesquisadora Stéphane Audoin-Rouzeau (EHESS), dia 27 de Abril, às 14:30.

    A programação completa vocês podem encontrar aqui.

    Para Saber Mais

    Alegretti, Laís (2021) Araraquara X Bauru: dois retratos do Brasil com e sem lockdown contra a covid-19

    EPTV (2021) Araraquara faz testagem de Covid por amostragem em funcionários de vários setores econômicos

    Estadão Saúde (2021) Serrana está há 13 dias sem intubar; vacinação em massa contra o coronavírus termina hoje

    G1 (2021) Araraquara tem terceiro dia sem mortes por Covid-19 nesta semana

    G1 (2021) França entra em 3° lockdown nacional para frear alta de casos de Covid

    Jornal Zero Hora (2021) Para ministro da Saúde, compra de vacinas por empresas pode “beneficiar mais brasileiros”

    Revista Veja (2021) Butantan suspende envase da vacina CoronaVac após atraso de insumos

    Valor Econômico (2021) Fiocruz e Butantan prometem IFA nacional este ano, mas especialistas falam em 2022

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para Crianças! Como funcionam as vacinas

    Por Giovanna S. Veiga e Carolina S. Mantovani

    No quadrinho anterior, Dragonino ficou sabendo que os cientistas já desenvolveram vacinas contra o novo coronavírus. Não perca o videoclipe do MC Fioti e as informações que Draco trouxe sobre a vacina do Butantan! Dragonino ficou muito feliz com a novidade, mas ainda não sabe muito bem como funcionam as vacinas. Você já sabe?

    Para resolver isso, hoje Draco vai explicar melhor sobre as vacinas! Sistema imunológico, patógenos, vírus inativados, células de defesa, anticorpos, memória imunológica… junte-se ao Dragonino e venha descobrir o que isso tudo tem a ver com as vacinas!

    Quadrinhos da série "Ciência para Crianças!", com o tema "Como funcionam as vacinas".

    Obs.: após esses quadrinhos terem sido elaborados, surgiram notícias sobre algumas vacinas já estarem sendo testadas em crianças e adolescentes também. Assim, espera-se que em breve esse grupo possa ser incluído na fila da vacinação, respeitando a ordem das prioridades.

    O que você achou das explicações do Draco sobre como funcionam as vacinas? No próximo quadrinho, vamos entender sobre a importância da vacinação em massa para gerar a “imunidade de rebanho”. Não perca!

    Fontes de informações:

    Equipe: 

    • Design, pesquisas e roteiro: Giovanna S. Veiga e Carolina S. Mantovani

    Este texto foi escrito originalmente no blog Nas Asas do Dragão

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Dilema do Prisioneiro e o Lockdown

    Dilema do Prisioneiro é um famoso experimento mental da teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde os participantes escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno), que apesar de variações nos valores, pode ser exemplificado como:

    Duas pessoas são presas (A e B) por um crime e mantidas em celas separadas.

    Então apresentam a ambas a mesma proposta:

    • se você confessar e seu parceiro ficar em silêncio, você estará livre e seu parceiro cumprirá 10 anos de prisão;
    • se você ficar em silêncio e seu parceiro confessar, você cumprirá 10 anos de prisão e ele estará livre;
    • se você e seu parceiro confessarem, ambos cumprirão 5 anos de prisão;
    • se nenhum dos dois confessar, ambos cumprirão 1 ano de prisão.
    Prisioneiro “B” se mantêm em silêncioPrisioneiro “B” confessa
    Prisioneiro “A” se mantêm em silêncioAmbos cumprirão 1 ano“A” cumprirá 10 anos enquanto “B” sai livre
    Prisioneiro “A” confessa“A” sai livre enquanto “B” cumprirá 10 anosAmbos cumprirão 5 anos

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada prisioneiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (manter o silêncio) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim a liberdade sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a confessarem, fazendo com que sofram uma penalidade bem maior do que manter o silêncio.

    Ok, mas o que isso tem a ver com o Lockdown?

    De fato, vamos trocar no dilema os protagonistas de prisioneiros para cabelelereiros.

    Em uma pequena comunidade bem isolada de qualquer outra, o único serviço presencial que atende aquela população é o de cabeleleiro, e lá existem dois cabeleleiros (X e Y) que atendem a toda a demanda dessa população. Mas com a pandemia e o surgimento dos casos de COVID-19 nessa região, decretaram o fechamento de seus estabelecimentos até que houvesse uma grande redução nos casos.

    Porém as contas não param de surgir e ambos os cabeleleiros precisam lidar com essa situação:

    • se eu obedeço a restrição enquanto meu concorrente atende escondido, eu começarei a acumular dívidas, mas ele vai faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra ele), e também o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se eu atender escondido enquanto meu concorrente obedece a restrição, ele começará a acumular dívidas, mas eu vou faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra mim), e também o número de casos não vai diminuir, entao a restrição continuaria;
    • se ambos atendemos escondidos, manteremos o mesmo faturamento de antes, não teremos dívidas, mas o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se ambos cumprimos as restrições, ambos acumularemos dívidas, mas o número de casos diminuiria, então a restrição terminaria.
     Cabeleleiro Y obedece a restriçãoCabeleleiro Y continua atendendo
    Cabeleleiro X obedece a restriçãoAmbos tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 reduzemY tem lucro, X tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuam
    Cabeleleiro X continua atendendoX tem lucro, Y tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuamAmbos mantêm seus faturamentos, mas os casos de COVID-19 continuam

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada cabelereiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar (senão não seria um atendimento escondido), e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (ter prejuízo/acumular dívidas) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim seu lucro (ou mantendo seu faturamento) sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a atenderem escondidos, fazendo com que seus faturamentos se mantenham mas que o número de casos de COVID-19 continuem.

    Percebeu agora a relação desse dilema com o Lockdown?

    Nesse contexto simplificado, temos dois estabelecimentos apenas (dois prisioneiros), enquanto que nos contextos mais próximos da realidade temos incontáveis estabelecimentos (incontáveis prisioneiros), sendo tentados com a oferta de agirem de forma egoísta (confessarem) sem se importar com as consequências que isso resultará aos outros (tanto seus parceiros, quanto o fato do número de casos de COVID-19 continuarem).

    A solução para o Dilema do Prisioneiro, é o pensamento colaborativo, de entender que se cada um buscar apenas o melhor apenas para si, chegarão a um resultado pior do que se buscarem uma solução melhor para o coletivo. Deixo ao leitor, a tarefa de encontrar a solução para o Dilema do Cabelereiro.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Covid-19, Infodemia e Hiperpartidarismo

    Como explicar a não adesão de parte da sociedade às medidas sanitárias de enfrentamento da COVID-19?

    O Brasil vive seu pior momento da pandemia da COVID-19, até agora, chegando à triste marca de 300 mil mortes e mais de 12 milhões de casos de contaminação. Especialistas acreditam que, em função de fatores como as novas variantes do vírus, o colapso da rede hospitalar e a falta de vacinas, não se pode descartar a ocorrência de 4 mil mortes diárias pela doença até o fim de abril.

    No início de março deste ano, apesar da maioria dos estados apresentarem, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), taxas de ocupação de leitos de UTI acima de 80%, o índice de isolamento social oscilava em torno de 32%, número que só não é pior do que fevereiro de 2020 (26%), quando houve o registro do primeiro caso no país. 

    Assim, o país segue na contramão da pandemia, registrando na última semana de fevereiro um aumento de 11% no número de mortos, ao passo que no mundo inteiro essa porcentagem diminuiu em 6%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cuja previsão de que a infodemia poderia atrapalhar a resposta dos países frente à crise sanitária se concretizou.

    Infodemia é a superabundância de informações – algumas precisas e outras não – que ocorre durante uma epidemia. Isso pode levar à confusão e, em última análise, à desconfiança nos governos e na resposta da saúde pública. (1)

    Pesquisadores, como o professor João Cezar de Castro Rocha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vêm apontando que a Guerra Cultural liderada pelo Presidente da República é um dos principais fatores do desencontro nas diretrizes do enfrentamento à pandemia pelas autoridades de saúde. Além disso, a retórica do Palácio do Planalto está assentada em uma grande estrutura de apoio e de atuação nas mídias sociais encarregada de enquadrar a pandemia como debate político e, assim, fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em meio às crises que o governo enfrenta, conforme mostra estudo (2) do Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

    Desinformação no Facebook

    Outro estudo do mesmo grupo (3), agora envolvendo o medicamento hidroxicloroquina (ainda sem eficácia comprovada contra a Covid-19), analisou a circulação de 70 mil publicações sobre o medicamento em páginas e grupos públicos da rede social Facebook, entre março e julho de 2020. Os resultados mostram que as URLs sobre a hidroxicloroquina (HCQ) circularam de forma polarizada tanto nas páginas quanto nos grupos, ou seja, nas duas redes há comunidades distintas, uma pró-HCQ (azul) e outra anti-HCQ (verde),

    Imagem 1: Gráficos de análise de rede indicam que o conteúdo que circula em um dos clusters (ou bolhas  de informação) não circula no outro. Fonte: Grupo de Pesquisa Midiars – UFPel.

    Ainda segundo esse estudo, constatou-se que esse contexto polarizado é assimétrico, ou seja, que os comportamentos no consumo de informações dos grupos são diferentes. Enquanto o cluster anti-HCQ deu preferência a veículos da imprensa tradicional e não circulou desinformação (4), o inverso ocorreu no pró-HCQ onde a maior parte da circulação de URLs foi de desinformação, frequentemente apoiada em mídias hiperpartidárias, isto é, “veículos que produzem conteúdo que dá preferência a uma narrativa política, por isso, frequentemente, distorcem fatos e produzem desinformação” (3).

    O hiperpartidarismo é caracterizado por contextos em que “usuários mais radicalizados em suas posições políticas tendem a ser mais ativos no reforço de uma narrativa única e compartilham com suas redes apenas informações que confirmam esta narrativa”. (5)

    Desinformação no Twitter

    Ainda em 2020, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) analisaram 21.076 tweets que traziam links contendo as palavras-chave “cloroquina” e “hidroxicloroquina” em língua portuguesa, publicados entre março e abril daquele ano por 14.356 perfis únicos. Foram encontrados nesses links 819 domínios diferentes, dentre os quais, as notícias com maior número de compartilhamentos foram submetidas a análises qualitativas, a fim de verificar o grau de desinformação presente em seus conteúdos.

    Dentre os 15 domínios mais referenciados, segundo o estudo, “pelo menos três foram previamente identificados como propagadores de desinformação sobre a Covid-19 por iniciativas de checagens de fatos brasileiras. Gazeta Brasil, Conexão Política e Jornal da Cidade Online aparecem num levantamento da agência de checagem Aos Fatos, que revela sites que lucraram com anúncios publicitários ao publicar desinformação sobre, por exemplo, a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19”. Os demais sites identificados nessa investigação (Notícia Brasil Online, Senso Incomum, Agora Paraná e Jornal 21 Brasil) também apareceram na amostra, embora não estejam entre os 15 mais referenciados (6).

    Para identificar quais as referências mais compartilhadas no contexto das disputas ao redor da cloroquina e hidroxicloroquina como tratamentos da Covid-19, os pesquisadores fizeram a análise das redes formadas em torno desses sites no Twitter. A partir do grafo a seguir, podemos observar como as diferentes fontes de informação abasteceram o Twitter com a polarização política e a controvérsia em torno da cloroquina. Foram destacados os 30 perfis com maior grau de entrada.

    Imagem 3: Ao lado esquerdo do grafo, uma massa de conexões na cor vermelha, com destaque para domínios da imprensa tradicional e de sites noticiosos mais associados ao espectro da esquerda. À direita, na cor verde, destaque para domínios de sites e portais alinhados ideologicamente à direita e à extrema-direita. Fonte: LIMA, CALAZANS e DANTAS, 2020.

    A dificuldade na resposta à Covid-19

    Quando surge uma doença nova, dispõe-se de pouca ou nenhuma informação, especialmente sobre tratamentos eficazes, de modo que é preciso ser bastante criterioso na comunicação para que ela não piore ainda mais um cenário de incertezas. Por sua vez, as redes bolsonaristas trabalharam desde o início da pandemia para transformá-la numa disputa política, além de desacreditar a ciência, conforme mostram as pesquisas aqui citadas e muitas outras já disponíveis na academia.

    Isso por si só já seria pérfido, fosse o Brasil um país do norte global dada a probabilidade de pessoas que poderiam morrer por fazer uso de remédios inócuos contra a Covid-19 ou por seus efeitos colaterais. Porém, diante do quadro de recessão econômica no qual o país se arrasta há pelo meno cinco anos, criar uma falsa sensação de segurança em parte da população para que ela vá para as ruas e se exponha ao vírus, sabendo que não há segurança, não há tratamento precoce e que a vacina é a única saída para a volta de uma vida normal é um crime contra a humanidade.

    A partir desses dados científicos é possível deduzir que o fato de o Brasil ter feito (estar fazendo) a pior gestão do mundo na pandemia não tem sido fruto apenas de sua incompetência, mas de seu projeto de governo.

    Para saber mais: 

    (1) ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Infodemic Management. Disponível em: https://www.who.int/teams/risk-communication/infodemic-management/ Acesso em 22 mar. 2021.

    (2) SOARES, Felipe Bonow et al. Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político. SciELO Preprints, 2020. Disponível em https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1334 Acesso em 22 mar. 2021

    (3) SOARES, Felipe Bonow et al. Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos. SciELO Preprints, 2020. disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1476 Acesso em 22 mar. 2021

    (4) Entendemos a desinformação como o conjunto de informações não factuais ou distorcidas que têm a função de enganar (FALLIS, 2015).

    (5) RECUERO, Raquel et al. Polarização, hiperpartidarismo e câmaras de eco: como circula a desinformação sobre COVID-19 no Twitter. SciELO Preprints, 2020. (p.05). Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1154. Acesso em 23 mar. 2021

    (6) LIMA, Cecília Almeida Rodrigues; CALAZANS, Janaina de Holanda Costa; DANTAS, Ivo Henrique. (Des) Informação em Câmaras de Eco do Twitter: Disputas sobre a cloroquina na pandemia da Covid-19. Revista Observatório, v. 6, n. 6, p. a5pt-a5pt, 2020. (p. 07 e 13) Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/9966 Acesso em 23 mar. 2021

    Bibliografia

    FALLIS, Don. What Is Disinformation?. Library Trends, v. 63, n. 3, p. 401-426, 2015. Disponível em https://muse.jhu.edu/article/579342 Acesso em 05 mar. 2021.

    BRADD, Sam. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation Report – 86. World Health Organization. Genebra. 15 Abr. 2020 (p. 02). Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200415-sitrep-86-covid-19.pdf?sfvrsn=c615ea20_6 Acesso em 05 mar. 2021

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Preprints: o que são e como fazer sua divulgação científica

    Em janeiro do ano passado, um grupo de pesquisadores da Escola de Ciências Biológicas Kusuma, na Índia, publicou um manuscrito em que apontava uma “misteriosa semelhança” entre o novo Coronavírus e o (Vírus da Imunodeficiência Humana, em inglês, Human Immunodeficiency Virus) HIV, vírus causador da Aids.

    No texto, os autores especulavam que essa coincidência dificilmente teria ocorrido ao acaso, abrindo espaço para teorias conspiratórias que afirmavam que partes do código genético do vírus foram inseridas intencionalmente.  

    O manuscrito continha falhas metodológicas grosseiras e, após receber críticas generalizadas da comunidade científica, foi retirado do repositório onde havia sido publicado, o bioRxiv. Mas o estrago já havia sido feito, e perfis nas redes sociais, veículos de imprensa e até um Nobel de medicina divulgaram amplamente que o coronavírus havia sido criado em laboratório por cientistas chineses. 

    Como um estudo com tão pouca qualidade conseguiu ser publicado? Isso aconteceu porque se tratava de um preprint, um relato de pesquisa que não passou pela avaliação dos pares e que é compartilhado em um servidor público antes de ir para um periódico científico. O principal objetivo dos preprints é acelerar o processo de comunicação das pesquisas entre os especialistas, uma vez que a divulgação em revistas acadêmicas pode demorar meses ou até mesmo anos, o que faz deles uma boa opção para as áreas que costumam ter urgência na publicação de seus resultados, como é o caso da saúde. 

    Desvantagens dos preprints

    Por ser um trabalho que ainda não passou pela avaliação por pares, os preprints também apresentam desvantagens, como a possibilidade de publicação de pesquisas com erros metodológicos, pouco confiáveis ou até mesmo fraudulentas. Embora os repositórios (atualmente existem mais de 60) possuam seus sistemas de triagem, estes ocorrem de forma superficial e são concluídos em poucos dias. Em geral, as avaliações buscam detectar apenas se há plágio, conteúdo ofensivo ou não científico e risco à saúde da população, sem verificar os métodos, conclusões ou qualidade do artigo. 

    A principal forma de controle de qualidade desses trabalhos ocorre por meio do feedback dos leitores – que são, na maior parte das vezes, cientistas – como um mecanismo de autocorreção. No entanto, ainda existem poucos estudos que indiquem a frequência com que esses preprints são examinados ou como os autores lidam com as críticas recebidas. O que se sabe é que os principais servidores ou não moderam a seção de comentários ou controlam apenas aqueles que são ofensivos e não pertinentes, além de ser um recurso pouco utilizado, com apenas 10% de todos os preprints recebendo algum tipo de comentário.  

    Por todos esses fatores, é preciso ter cautela ao fazer a divulgação científica de um preprint, para não correr o risco de dar como fato estabelecido um conhecimento que ainda está em construção ou uma conclusão enganosa. 

    Abaixo, apresento cinco dicas de cuidados que podem ser tomados ao escrever uma reportagem sobre esses estudos. Embora essas dicas tenham sido pensadas com o intuito de auxiliar jornalistas em suas matérias, elas podem ser aplicadas por qualquer divulgador científico e são interessantes mesmo para o caso de pesquisas que já passaram pela avaliação dos pares.

    1) Seja claro 

    Informe aos seu públicos-alvo que o estudo que está sendo divulgado é um preprint, que os resultados ainda são preliminares e podem ser contestados no futuro. Se possível, explique como ocorre o processo científico e a avaliação por pares e lembre-se que o sensacionalismo pode criar falsas expectativas em seu público, especialmente no caso de tratamento para doenças graves como a Covid. Tome cuidado para não apresentar como cura algo que é apenas o primeiro de vários passos ou, pior, algo que não é eficaz. 

    2) Verifique a reputação dos autores

    Qual é a formação desses cientistas? Eles são especialistas no assunto sobre o qual estão escrevendo? Em qual instituição eles trabalham? Há algum conflito de interesses que possa trazer desconfiança para os resultados? Eles já estiveram envolvidos em alguma polêmica ética, como acusações de fraude ou plágio? Já publicaram trabalhos em periódicos renomados? 

    Tenha em mente que dentro de uma área mais ampla existem várias subcategorias e que um biólogo não vai necessariamente entender de microbiologia, da mesma forma que um microbiologista nem sempre será especialista em virologia. 

    Se o pesquisador for brasileiro, é possível encontrar o currículo dele na plataforma Lattes, disponibilizada pelo CNPq. Se for um autor estrangeiro, esses dados podem ser procurados em locais como o ResearchGate, o ORCID ou o perfil deles no Google Scholar. 

    3) Busque a avaliação de especialistas independentes 

    É muito comum que os veículos de mídia entrevistem apenas os autores do estudo em suas reportagens. Embora essa consulta seja importante para entender como foi feita a pesquisa, é preciso ter em mente que existe um conflito de interesses e que nenhum cientista irá apresentar as limitações do próprio estudo ou confessar que errou nas conclusões. 

    Procure especialistas (idealmente, mais de um) na área do preprint e peça a opinião dele sobre o estudo. Pergunte sobre as metodologias, conclusões e cálculos estatísticos e verifique se é algo que realmente vale a pena publicar ou se é melhor esperar a publicação oficial em um periódico. 

    4) Desconfie de tudo   

    As conclusões da pesquisa se opõem ao atual conhecimento sobre o assunto, são muito sensacionalistas ou abrem espaço para teorias da conspiração? Nem sempre um jornalista sem formação em ciência será capaz de identificar falhas na metodologia – por isso a importância do tópico anterior –, mas tenha cautela com cientistas e pesquisas que afirmem ter respostas para tudo. 

    Dê preferência a fontes honestas, que reconheçam as próprias limitações e não tenham medo de dizer quando não sabem de alguma coisa. A ciência é construída por meio do trabalho coletivo de indivíduos, grupos e instituições ao redor do mundo, então olhe para o volume de opiniões e não para o que apenas uma pessoa diz. 

    5) Se errar, corrija! 

    Você divulgou um preprint muito interessante, mas que foi retratado algum tempo depois. O que fazer agora? Seguir o exemplo da comunicação entre pares e publicar uma errata que tenha o mesmo destaque da publicação original. Ninguém gosta de admitir que errou, mas estudos apontam que o público tende a ser mais benevolente e a avaliar a integridade de autores que cometem erros de forma mais positiva quando eles corrigem a informação.  

    Isso se torna ainda mais importante na atual epidemia de fake news e desinformações, em que grupos tentam deliberadamente confundir e manipular pessoas por meio de informações desonestas, como ocorreu no caso que abre este texto. Embora os autores daquele preprint pareçam ter cometido um erro honesto, ele foi amplamente utilizado por teóricos da conspiração para influenciar um comportamento xenófobo e ainda hoje, mais de um ano depois, existem pessoas que acreditam que o coronavírus foi criado em laboratório. 

    Nesse contexto, dar à correção a mesma visibilidade concedida ao preprint torna mais fácil o processo de verificação. Mas, tome cuidado para não reforçar a informação errônea quando for refutá-la, efeito conhecido como “tiro pela culatra”. 

    Aqui, você pode ler um texto bastante interessante do Roberto Takata sobre como evitar cair nessa armadilha.

    Referências

    BARATA, Germana. Pandemia acelera produção e acesso a preprints. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/pandemia-acelera-producao-e-acesso-a-preprints/ 

    FORSTER, Victoria. No, the coronavirus was not genetically engineered to put pieces of HIV in It. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/victoriaforster/2020/02/02/no-coronavirus-was-not-bioengineered-to-put-pieces-of-hiv-in-it/?sh=e8d59a356cbc 

    MAKRI, Anita. What do journalists say about covering Science during COVID-19 pandemic? Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41591-020-01207-3  

    MARIOSA, Erica. Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/mindflow/?p=634 

    MARQUES, Fabrício. Correção veloz de erros: Produção científica sobre o novo coronavírus tem trabalhos cancelados por equívocos e falhas metodológicas, na maioria cometidos de boa-fé. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/correcao-veloz-de-erros/ 

    ORDWAY, Denise-Marie. Covering biomedical research preprints amid the coronavirus: 6 things to know. Disponível em: https://journalistsresource.org/health/medical-research-preprints-coronavirus/ 

    SANT’ANA, Fabiano. Entenda o que são e como funcionam os preprints. Disponível em: https://galoa.com.br/blog/entenda-o-que-sao-e-como-funcionam-os-preprints 

    SPINAK, Ernesto. Acelerando a comunicação científica via preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/10/04/acelerando-a-comunicacao-cientifica-via-preprints/#.YGtkvOhKhPY 

    TAKATA, Roberto. Errei. E agora? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/blog/errei-e-agora/ 

    TIJDINK, Joeri; MALICKI, Mario; GOPALAKRISHNA, Gowri; BOUTER, Lex. Preprints são um problema? Cinco formas de melhorar a qualidade e credibilidade dos preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2020/10/15/preprints-sao-um-problema-cinco-formas-de-melhorar-a-qualidade-e-credibilidade-dos-preprints/#.YGtj2uhKhPZ 

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    “Em um período preocupante também em relação às mudanças ambientais, a COVID-19 traz lições importantes para os governantes em nível local”

    O Brasil comprovou a força dos governos locais no combate à pandemia. É em nível local que os investimentos em projetos e programas estão sendo executados para recuperar a saúde e a economia das cidades. Isso traz indícios de soluções para uma outra crise, também de nível global, e que requer um esforço de igual amplitude: as mudanças climáticas.

    Em 2021 teremos a Cúpula do Clima da ONU (COP-26) em Glasgow, na Escócia, a COP da Biodiversidade na China (COP-15) e o Fórum Mundial da Bioeconomia, no Brasil. Todos esses eventos reforçam a emergência do envolvimento do poder local na tomada de decisão em medidas de adaptação e mitigação de impactos climáticos.

    Mas o que é possível adotar para garantir uma recuperação verde pós-COVID-19 agora mesmo,  pelo menos em nível local? O World Resources Institute (WRI) lançou no mês passado o relatório “Seizing the Urban Opportunity” sobre oportunidades que as cidades concentram, especialmente nas economias emergentes, já que são as que enfrentam desafios particularmente complexos agravados pela pandemia. Os seis países estudados – Brasil, México, Índia, China, Indonésia e África do Sul – representam 42% da população urbana mundial, produzem quase um terço do PIB global e 41% das emissões de CO²; a maior parte pelo uso de combustíveis fósseis.

    As seis cidades pesquisadas no relatório Seizing the Urban Opportunity e seus principais desafios urbanos. Fonte: WRI – World Resources Institute

    O coronavírus expôs nossas economias e comunidades a uma ampla gama de desafios, com particular impacto nas cidades e nas populações mais pobres. O desemprego disparou e a expectativa é de que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema devido à pandemia. Os pobres urbanos vivem em condições de superlotação, sem acesso a serviços públicos de qualidade, segurança social ou transporte. Ao mesmo tempo, as cidades continuam sofrendo com ondas de calor, inundações e deslizamentos de terra à medida que os riscos climáticos aumentam de forma exponencial.

    A partir desse cenário, o estudo centrou-se em três desafios para os governos locais: recuperação pós-pandemia, desenvolvimento de longo prazo e mudanças climáticas. 

    O triplo desafio das cidades no pós-COVID-19. Fonte: WRI – World Resources Institute

    As cidades são espaços vitais para resolver esse triplo desafio, mas precisam de liderança nacional e apoio para colocar em prática seu potencial de ação local. Mais da metade da população global (56%) vive em cidades, o que corresponde a 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, a urbe é o motor econômico dos países, produzindo 80% do PIB global, gerando oportunidades de emprego, além de serem catalizadoras de cultura e inovação.

    Até 2030, trilhões de dólares serão investidos em infraestrutura urbana, em particular, nos setores de energia, transporte, construção civil, resíduos e materiais, que precisam ser direcionados a soluções carbono zero e socialmente inclusivas – o que é tecnicamente viável – para alcançarmos as NDCs do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5°C.

    Metade da possível redução de emissões urbanas encontra-se em cidades de pequeno e médio porte, que muitas vezes carecem de recursos financeiros e técnicos das cidades maiores e, portanto, precisam de apoio do governo nacional. No Brasil e na Índia, 42% do potencial cumulativo vêm de cidades com menos de 300 mil habitantes. Além disso, os governos nacionais controlam os domínios políticos que controlam os mecanismos regulatórios e de financiamento, acelerando o processo de descarbonização das cidades.

    Assim, as escolhas dos governos locais durante a pandemia podem colocar seus países no caminho para um futuro mais próspero e resiliente ou acelerar a emergência climática. Investir em cidades compactas, conectadas e verdes podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. À medida que os governos nacionais aumentem seus compromissos climáticos rumo à COP-26, as cidades devem estar no foco de seus planos de desenvolvimento socioeconômico.

    Ações de curto prazo no nível municipal

    Há diversos caminhos quando pensamos em nível municipal, no entanto, dado o atual cenário socioeconômico, a solução precisa vir acompanhada de empregos, saúde e bem-estar. Algumas possibilidades viáveis e eficazes e que não necessitam de vultosos investimentos em infraestrutura incluem:

    Mobilidade ativa, como andar de bicicleta e caminhar. A construção de ciclovias e áreas mais amigáveis para os pedestres podem contribuir para gerar fluxo e crescimento econômico local. A redução de congestionamento reduz a poluição do ar e sonora e motiva a retomada das cidades, que as tornam mais atraentes para se viver e trabalhar.

    Eficiência energética, para reduzir o uso de energia fóssil. A formulação de políticas públicas pode contemplar uma matriz de energia limpa para reduzir custos e melhorar a competitividade da indústria, com significativa redução dos índices de poluição. 

    Serviços ecossistêmicos urbanos. Isso inclui os parques e a qualidade ambiental que estimulam o lazer e o convívio social em áreas coletivas verdes. Essa natureza urbana engloba “serviços” como conforto térmico, absorção de dióxido de carbono, arborização para minimizar as ilhas de calor, e proteção de recursos hídricos.

    Referência:

    WRI, 2021. Seizing the Urban Opportunity: How can national governments recover from COVID-19, tackle the climate crisis and secure shared prosperity through cities? Disponível em: https://urbantransitions.global/urban-opportunity/seizing-the-urban-opportunity/

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A importância e os desafios de se comunicar ciência no Brasil em tempos de COVID-19

    Desde março de 2020, quando a OMS decretou a Covid-19 como uma pandemia, mudamos completamente nossa forma de viver. Ficamos perdidos com o a grande quantidade de informações conflituosas que nos chegam pela TV, redes sociais e grupos de whatsapp. Nesse contexto, diversas iniciativas, surgiram para contribuir para a conscientização da população. Eu tive uma pequena participação nisso também, mas não chega nem perto do trabalho que grandes divulgadores/comunicadores estão fazendo. Esse texto é uma forma de agradecer e reforçar a importância de cada uma dessas iniciativas (que foram muitas). Obrigado! Vocês estão salvando vidas!

    *Esse post é a versão completa do miniensaio que apresentei para processo seletivo do Amerek – Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência, da UFMG, que teve como tema: “Como a pandemia afetou a relação entre ciência e sociedade e qual o papel da comunicação da ciência nisso?”

    A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E SOCIEDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19

    A pandemia da Covid-19 promoveu uma grande mudança social: nunca se falou tanto sobre ciência, nunca se observou tão de perto os processos científicos e nunca houve tanta gente opinando sobre os resultados de artigos. Isso é importante, mas, também, é um grande desafio para a comunicação pública da ciência, uma vez que estamos sendo expostos de forma muito rápida a uma quantidade excessiva de informações (independentemente de sua acurácia) – chamamos essa situação de infodemia (uma epidemia de informações).

    Neste momento torna-se, portanto, importante e necessário fornecer meios para que o público consiga analisar e encontrar informações acuradas, atualizadas e confiáveis, em meio a abundância de outras incorretas e negacionistas. Esperamos que, assim, possamos permitir que a população tenha participação e protagonismo na cultura científica e nas decisões públicas de forma efetiva. Esse grande desafio da comunicação pública da ciência no Brasil é, também, um desafio em todo o mundo.

    Costuma-se falar que os brasileiros e a ciência não têm uma relação das mais amistosas, mas pesquisas sobre a percepção pública da ciência nos mostram que os brasileiros confiam nos cientistas e nos profissionais da saúde e, também, que há interesse desse mesmo público em temas científicos. Observamos que 79% da população acredita nos benefícios da ciência – somo um dos povos mais otimistas em relação à ciência no mundo!

    Mas, então, como poderíamos explicar o negacionismo científico que estamos presenciando atualmente no nosso país?

    Talvez a explicação que nos ajude a entender esse momento esteja no distanciamento entre a população e o modus operandi da ciência (que é lento e produzido “às escondidas” nas universidades) e, também, no fato de estarmos vivendo na era da pós-verdade.

    COMO O DISTANCIAMENTO DA CIÊNCIA E A ERA DA PÓS-VERDADE PODEM EXPLICAR O QUE OBSERVAMOS NO BRASIL

    O distanciamento entre a população e a produção do conhecimento científico é observado quando vemos que a grande maioria dos brasileiros não sabe nomear um cientista (90%) ou uma instituição de pesquisa (88%) — veja que 90% da ciência nacional é feita em universidades públicas. Nesse ponto, ressaltamos que, a pandemia, de uma hora para outra, trouxe o processo científico para o cotidiano, sem que a população a entendesse adequadamente. Produzir ciência é um processo que demanda tempo, envolve diversas etapas e é dinâmico, atualizando-se a medida em que novos estudos são realizados e novas evidências são acumuladas. Mostrar isso à população não é descrédito ou demérito e é necessário.

    A pós-verdade é um termo que busca resumir esse momento no qual as experiências individuais/pessoais e o apelo às emoções e às crenças influenciam mais do que os fatos objetivos e as evidências. Há, assim, uma desvalorização do conhecimento bem estabelecido e baseado na razão e na ciência.

    Feitas essas considerações, precisamos entender o consumo de conteúdo pelos brasileiros. Das pessoas com mais de 10 anos de idade, 74% utilizam a internet de alguma forma e, talvez por causa disso, observa-se que o consumo de conteúdo pela TV (66%) equivale ao das mídias sociais (67%). Dentre as mídias mais utilizadas, estão o Facebook (54%), WhatsApp (48%) e Instagram (45%) – o Twitter tem um alcance de apenas 17%. As pessoas usam as mídias sociais para consumir, mas, também, para compartilhar conteúdo, coletar notícias, informações e opiniões e, também, para participarem de discussões sociais.

    Quando falamos de compartilhamento de informação/conteúdo, observamos um ponto muito problemático: com frequência ocorre a recirculação das informações recebidas sem que tenha havido seu efetivo consumo – ou seja: o compartilhamento de notícias sem que o remetente tenha lido o seu conteúdo – contribuindo assim, com a infodemia. Isso acontece porque as pessoas confiam que seu círculo de contatos compartilha informações corretas e, assim, ocorre a disseminação de informações falsas, ainda que de forma não intencional – situação agravada por situações pandêmicas que, sabidamente, são acompanhadas por um aumento de informações sensacionalistas, rumores, distorções e boatos.

    No Brasil essa situação se agrava ainda mais pelas tensões político-ideológicas/partidárias que são observadas. Essas abordagens polarizadas desviam o foco original e afastam grupos inteiros de discussões relevantes, reduzindo a possibilidade de diálogo a disputas intensas por valores e identidades.

    O presidente Jair Bolsonaro incentiva essa tensão ao usar em suas lives semanais uma retórica baseada em argumentos de autoridade, experiências individuais (evidências anedóticas), emoção e desconhecimento da metodologia científica. Assim, objetiva: 1) defender convicções desprovidas de embasamento técnico, formal e objetivo (p.ex., tratamentos e medicamentos comprovadamente ineficazes); 2) expressar o ceticismo na ciência; 3) criticar a velocidade e flexibilidade do processo científico; e 4) enfatizar a liberdade individual de escolha (do paciente e do médico) para o tratamento, ainda que possa ter consequências prejudiciais. O presidente adotou uma estratégia na qual ele culpa todos à sua volta pela situação do país, exceto a ele mesmo, que sempre tem a solução apropriada – mas é ignorado por todos. É assustador ver que o discurso iniciado em março de 2020 continua, mesmo depois de mais de um ano de pandemia, e traz consigo mais de 300 mil mortes.

    O Conselho Federal de Medicina (CFM), adota uma posição semelhante, ao se isentar de omitir um posicionamento formal conta o uso dos medicamentos do chamado “kit-covid” (ivermectina, cloroquina, zitromicina, nitazoxanida) – mesmo com todas as evidências de sua ineficácia e o posicionamento contrário de associações, sociedades e órgãos médicos importantes nacionais e internacionais (AMB, SBI, OMS, NIH, FDA, dentre outros).

    Desinformação, negacionismo e ideologias político-partidárias estão colocando pessoas em risco. (Sim, pessoas estão morrendo por isso!). Este cenário está aí para desafiar ainda mais Comunicação Pública da Ciência no Brasil. E os comunicadores decidiram aceitar o desafio!

    COMO A COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA ENFRENTA ESSES DESAFIOS

    A comunicação pública da ciência é um processo plural que acontece em várias mídias e possui diferentes objetivos; mas entendo que o comunicador deve ter em mente a responsabilidade em divulgar informações precisas e acessíveis a seu público-alvo, permitindo que este participe do debate público e social com informações baseadas em evidências. Para conseguirmos fazer isso de forma eficaz, temos que considerar que a divulgação é uma via de múltiplas mãos e que envolve o diálogo e a participação entre academia, cientistas, jornalistas, instituições científicas, ONGs, indústria e a própria população.

    Isso está sendo feito! Observamos, neste último ano, o surgimento ou o incremento de diversas iniciativas individuais ou coletivas que se mobilizam para estimular e estabelecer o diálogo sobre ciência, saúde, mídia, cultura e sociedade e atuam na produção de conteúdo, formação e atualização de profissionais e checagem de fatos. É uma mobilização gigantesca na área da comunicação pública da ciência, com aumento de produção de conteúdo e ocupação das diferentes mídias.

    Para citar algumas iniciativas coletivas: Especial covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp; Coletivos como Observatório Covid-19, Todos pelas vacinas, Covid-19 DivulgAção Científica, União Pró-vacina, Rede Análise Covid-19, Força Tarefa Amerek; a criação do consórcio de imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL); o fomento de ações pelo Instituto Serrapilheira; e a atuação das Agências Bori e Lupa. Entre as iniciativas individuais, vou citar as lives do Átila Iamarino, mas temos muitas outras que dariam uma lista imensa (e tem gente em blog, no Twitter, no Facebook, no TikTok, no Instagram, no YouTube – opção não falta, é só procurar direitinho – por exemplo, seguindo indicações feitas pelas iniciativas coletivas)!

    Entender a dispersão do conteúdo produzido por essas ações é necessário para o direcionamento eficaz dos nossos esforços. Temos que entender quem e como atingimos nosso público quando divulgamos em redes sociais (Twitter, Facebook, TikTok), plataformas de streaming (Spotify, YouTube) ou em aplicativos de mensagens (Whatsapp). Mas, também, é precisamos saber como é a concorrência pela atenção do público entre conteúdos incorretos e os divulgados pelos agentes da divulgação científica.

    É importante saber que conteúdos incorretos são publicados em menor quantidade, mas geram mais engajamento do que conteúdos acurados – o que mostra que aquele tipo de conteúdo tem uma dispersão mais rápida nas mídias sociais. E, tendo isso em mente, temos que considerar que não basta divulgar conteúdo correto em grande quantidade, mas estratégias devem ser pensadas para engajamento e, para isso, os conteúdos precisam ser envolventes e direcionados à audiência em seus canais favoritos.

    O surgimento de novas informações é muito rápido, contudo, corrigir informações falsas parece não funcionar muito bem. Assim, os comunicadores também devem atuar rapidamente, de forma a prever e agir contra a desinformação. Combater o negacionismo e valorizar a ciência devem ser estratégias realizadas com narrativas efetivas, precisas e que forneçam ao público (população e governantes) condições de tomarem decisões e participarem de debates.

    DIVULGAR CIÊNCIA É SIM UM ATO POLÍTICO!

    O conteúdo midiático afeta a opinião pública. É por isso que divulgar ciência é um ato político – o que não implica ser partidário ou ideológico –, e a decisão dos conteúdos e da forma de abordagem escolhidos pelo divulgador também o é.

    Por fim, nesse momento crítico de saúde pública, temos que ter em mente que divulgar ciências envolve responsabilidade, clareza, precisão e credibilidade. E que ela contribui para salvar vidas, pois tem participação na percepção de risco pela população estimulando, assim, o engajamento público. Divulgar ciência é defender a saúde pública e a ciência… Divulgar ciência é defender a democracia.

    Agora, se essas mudanças serão permanentes? Teremos que esperar mais um pouco para saber. Tem gente achando que não, mas a gente espera que sim!

    REFERÊNCIAS

    Agência Bori. (2021). Disponível em: <https://abori.com.br/>

    Agência Lupa. (2021). Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/>

    Arnt A. (2021). Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos? Especial Covid-19 – Blogs de Ciência da Unicamp. Publicado em 03/03/2021.

    CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. (2019). Percepção Pública da C&T no Brasil – 2019. Resumo executivo. Brasília, DF: 24p.

    Consórcio de Imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL). (2020). Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19.

    COST – European Cooperantion in Science & Technology. (2021). Communicanting Science in times of Covid-19Ç a selective overview of good practices.

    Covid-19 DivulgAção Científica. (2021). Disponível em: <http://coronavirusdc.com.br/>

    Força Tarefa Amerek. (2021). Disponível em: <https://amerek.com.br/>

    Instituto Serrapilheira. (2021). Disponível em: <https://serrapilheira.org/>

    Massarani L, Waltz I, Leal T. (2020). A COVID-19 no Brasil: uma análise sobre o consumo de informação em redes sociais. Journal of Science Communication, 19(07).

    Monari AC, Santos A, Sacramento I. (2020). COVID-19 and (hydroxy)chloroquine: a dispute over scientific truth during Bolsonaro’s Weekly Facebook live streams. Journal of Science Communication, 19(07).

    Observatório Covid-19. (2021). Disponível em: <https://covid19br.github.io/>

    OECD – The Organisation for Economic Co-operation and Development. (2020). Transparency, communication and trust: The role of public communication in responding to the wave of disinformation about the new Coronavirus. Publicado em 03/07/2020.

    Rede Análise Covid-19. (2021). Disponível em: <https://imef.furg.br/pesquisa-sobre-covid-19?view=article&id=1362&catid=52>

    Todos pelas vacinas. (2021). Disponível em: <https://www.todospelasvacinas.info/>

    União Pró-vacina. (2021). Disponível em: <https://sites.usp.br/iearp/uniao-pro-vacina/>

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    Este texto publicado no Especial Covid-19 foi escrito originalmente no Blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vocês sabem o que é “Clickbait”?

    Este termo é usado em manchetes e títulos para atrair a atenção (e cliques!) a partir do sensacionalismo. Sensacionalismo este que pode, inclusive, ser aversivo a nós, na primeira leitura.

    Pode parecer bobo! Mas na verdade o clickbait é super eficiente – e aí reside o perigo! A divulgação científica e o jornalismo tem debatido este tema, sua necessidade (na verdade a falta de necessidade) e a ética desta prática.

    Afinal, mais do que só clicar, a ideia é compartilharem nosso conteúdo!

    Nós sabemos, também, que muitas vezes não há leitura do material completo. Assim, um título ou manchete impactante – mas não necessariamente vinculado à verdades ou fatos – pode gerar exatamente o efeito contrário do que gostaríamos!

    Além disso, também é importante mantermos manchetes e títulos que angariem mais e mais pessoas possibilitando aprofundamento e argumentação com nosso material – e não engajamento por raiva, choque e por termos ficados estupefatos…

    Lidar com divulgação científica e jornalismo científico é lidar com ética e direito às pessoas terem acesso à informação confiável. Ou seja, rebatendo atos de raiva e cliques com compartilhamentos sem leitura e compreensão dos conteúdos. E isto é um pressuposto básico e ético de uma comunicação empática e ética. Dessa forma, mais do que cliques e seguidores, debates sobre fatos, argumentação sobre pressupostos, compreensão social da ciência e seus princípios!

    Ser sensacionalista – por exemplo com manchetes de “efeitos colaterais da vacina”, “mutação do nosso DNA com as vacinas” ou (pior) o “uso de fetos abortados e vacinas” – mexe com o imaginário de pessoas. Assim, assustamos, mais do que conversamos. Geramos raiva e desafeto, mais do que informamos. Produzimos pânico, mais do que propomos compreensão.

    Assim, seguimos uma pergunta crucial sobre nosso papel na produção de conteúdos diários para todos vocês!

    Isso inclui uma postagem sobre o clickbait, em plena pandemia da covid-19 – que já gera medo o suficiente em nossa população! Não precisamos alardear mais e mais receio, sem qualquer fundamento.

    Há estudos científicos sobre clickbait e estes estudos indicam perda de credibilidade dos veículos. Lá no twitter vocês podem ver nos “assuntos do momento” o quanto veículos se aproveitam para gerar aversividade e raiva para o engajamento.

    Com base na ciência, apontamos que precisamos de mais cautela e ética, especialmente em tempos de crise!

    Por fim, vamos inserir uma série de referências sobre isto – exatamente para reforçar que não é “só uma clicada”, não é “só um compartilhamento”, não é “apenas uma piada que gera engajamento”.

    Compromisso com notícias, com ciência, com divulgação científica não é apenas falar de fatos – e usar ironia ou buscar engajamento não pode ser feito à revelia de ética e empatia!

    Há estudos que indicam, sim, que isso pode ter um impacto social e estimulem produção de fake news.

    Em tempos de crise sanitária, qualquer clickbait que gere medo em relação às vacinas é triste, pois em nome do engajamento e compartilhamento do conteúdo, estimulamos raiva, descrença e fake news!

    Vamos apoiar boas práticas na ciência e na divulgação científica? 

    Divulgadora queridíssima do nosso coração que falou sobre o clickbait e fake news do momento (brilhantemente):
    @mellziland

    Para saber mais:

    Clickbait na wiki

    Pedro, M (2019) O clickbait no ciberjornalismo português e brasileiro: o caso brasileiro

    Bolton, DM (2017) Fake news and clickbait–natural enemies ofevidence-based medicine.

    Bourgonie, P (2017) From Clickbait to Fake News Detection:An Approach based on Detecting the Stance of Headlines to Articles.

    Potthast M., (…) (2016_ Lecture Notes in Computer Science, vol 9626. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-30671-1_72

    Hurst, N (2016) To clickbait or not to clickbait? : an examination of clickbait headline effects on source credibility.

    P.S.: Esse post veio de leituras aterrorizadoras pela manhã? Sim! Mas também veio de uma conversa com o @Dslmoura. obrigada por instigar 🙂

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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