Categoria: Checagem de Fatos

  • Vacina em camelô? Será fake news?

    BREAKING ~FAKE~ NEWS*

    O Brasil, ao que parece, não brinca em serviço…

    Recebemos em vários de nossos canais a notícia de que a vacina contra o coronavírus já está sendo vendida em camelôs na terrabrasilis!

    Será que funciona mesmo? Será que é real?

    Nós queremos muito dar uma boa notícia a todos vocês. Por exemplo, que o Plano Nacional de Imunização para a vacina contra a Covid-19 já está sendo implementado aqui no nosso país, com uma política EFICIENTE e campanha em massa para todos os brasileiros!

    No entanto, ainda não é a realidade!

    Dessa forma, a vacina que está sendo vendida nas ruas (e aplicada na hora) NÃO É VERDADEIRA e não sabemos ao certo que tipo de produto está sendo comercializado e TODO CUIDADO É POUCO!

    Isto é, temos sim a imensa tentação de se ver livre do coronavírus! Entretanto, com este produto não teremos imunização ainda!

    Assim, seguimos alertando: cuidado com as fake news e mensagens que chegam pelas redes sociais, sem confirmação de veículos oficiaIs ou canais confiáveis! O Blogs da Unicamp tem material específico sobre isso.

    No entanto, sim, há novidades sobre as vacinas no Brasil!

    Ontem, dia 21/12/2020, por exemplo, a Anvisa concedeu à Sinovac – empresa que produz a CoronaVac o certificado de “Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos”, publicado no Diário Oficial da União! Esta é uma ótima notícia, tendo em vista que isto adianta os processos para assim que os resultados forem divulgados, o andamento dos planos de vacinação possam ser implementados! Mas ainda há etapas a serem executadas – isso inclui recebermos os resultados da CoronaVac que está prevista para amanhã!

    E agora?

    Seguimos em casa, organizando materiais a vocês. Entretanto, como está chegando o final do ano e é fundamental lembrarmos que as recomendações ainda seguem as mesmas:

    • Mantenha distanciamento social e, se possível, NÃO SAIA DE CASA (isso inclui compras natalinas em shoppings lotados ou compras de vacina em camelôs);
    • Uso correto de máscaras – sim, precisa incluir o nariz dentro da máscara, não coloque a mão sem higienização na máscara para arrumá-la, não tire a máscara para tossir/espirrar, use SEMPRE a máscara em locais públicos
    • Se estiver em casa, com suspeitas de ter se contaminado, a regra da máscara também vale! Familiares também se contaminam com familiares! Cuide de quem mora com você!
    • Higienização das mãos e rosto. Água e sabão sempre que possível. Nas mãos use álcool em gel.
    • Não aglomerar (vale para happy hour, shopping lotado, praias, baladas e a sala de casa recebendo visitas)
    • Lembrar SEMPRE de conferir a veracidade de notícias que chegam para nós nas redes sociais! Especialmente aquelas soluções milagrosas e mágicas

    Relembrando 

    Só retomando que sobre “políticas públicas baseadas em ciência” nós e a Rede Análise Covid-19 produzimos uma carta e estamos pedindo ajuda e empenho de todos vocês para juntar um número maior e mais significativo para enviar a representantes políticos!

    Por fim, se cuidem, planejem este final do ano para ficarem o mais resguardados possível, combatam fake news e voltem sempre, a casa é sua!

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire”

    Sabe aquela vez que você topou, nas redes sociais ou fora delas, com uma pessoa muito convicta defendendo algo que você tinha certeza de que estava errado?

    Pode ter sido um antivacina, um terraplanista, um negacionista da pandemia ou um apoiador ferrenho de algum político, daqueles dispostos a defender qualquer bobagem ou mentira que seu ídolo tenha dito.

    Identificou o diálogo aí nas lembranças, né?

    Então, você têm os fatos e a ciência a seu favor. Você argumentou contra o que essa pessoa convictamente defendia e ela obviamente mudou de opinião diante das evidências que você apontou, não foi? Pois é, comigo também nunca aconteceu. A verdade é que, diante de pessoas inflexíveis sobre algo, muitas vezes não as convencemos nem mesmo de fatos elementares.

    Efeito backfire: quando a tentativa de argumentar sai pela culatra.
    (fonte: https://web.northeastern.edu/nulab/backfire-effects-misinformation)

    Seria essa tentativa de argumentar com os muito convictos, então, puro desperdício de tempo e energia? A realidade dura nos mostra que pode ser ainda pior do que isso. Sua tentativa de convencer o fanático pode ter um efeito totalmente negativo e torná-lo ainda mais convicto de sua crença. Esse é o chamado “efeito backfire” e é bem provável que você já o tenha produzido em alguém ou nele incorrido em discussões por aí.

    Entendendo o conceito

    “Nenhuma opinião deve ser defendida com fervor (…) O fervor apenas se faz necessário quando se trata de manter uma opinião que é duvidosa ou demonstravelmente falsa.” — Bertrand Russell

    O efeito backfire foi verificado pela primeira vez em um estudo publicado em 2010 [1], conduzido pelos cientistas políticos Brendan Nyhan e Jason Reifler das universidades de Michigan e da Georgia, EUA. Nesse estudo, eles criaram artigos fictícios de jornal que reproduziam informações falsas amplamente difundidas nos EUA à época. Por exemplo, como a ideia de que as forças armadas estadunidenses teriam encontrado armas de destruição em massa no Iraque do ditador Sadam Husseim. Os voluntários da pesquisa liam esses artigos e, na sequência, recebiam outro texto com a informação correta. Isto é as supostas armas de destruição em massa jamais foram encontradas.

    Um curioso resultado encontrado pela pesquisa foi o de que os voluntários mais conservadores e favoráveis à guerra contra o Iraque relataram, após a leitura do artigo com a informação verdadeira, que tinham ainda mais certeza de que as tais armas de destruição em massa realmente existiam. Em outras palavras, a tentativa de correção da crença incorreta desses voluntários “saiu pela culatra” (o efeito backfire) e eles ficaram ainda mais convictos sobre algo que nunca aconteceu de fato. Por acaso isso te soa familiar e te faz lembrar de alguma discussão que já teve com alguém?

    Mas, podemos chamar de ignorância?

    Não! Esse efeito não é fruto de ignorância ou burrice, como se poderia imaginar a princípio. Ele ocorre, na verdade, como um desdobramento do raciocínio motivado. Ou seja, é uma forma de pensar na qual selecionamos somente as evidências que nos agradam para embasar uma conclusão à qual já tínhamos chegado de antemão. Assim, ao receber uma informação que se choca com sua crença, a pessoa tende a revisar mentalmente as “evidências” (não importa muito que possam ser falsas) que a induziram a ter essa concepção equivocada e, nesse processo de revisão de suas memórias, pode acabar reforçando sua crença inicial.

    Efeito backfire e política em contexto de pandemia

    Até o uso das máscaras tem sido objeto de disputa na polarização política (fonte: Pixabay)

    No âmbito da política, que tem como motor as ideologias e paixões humanas, não faltam exemplos de racionalização de “evidências” que levam ao efeito backfire de forma coletiva. Em um cenário de intensa polarização política, quase tudo é politizado e não seria diferente com os aspectos que envolvem a pandemia de coronavírus. Nesse contexto, um exemplo do efeito backfire coletivo pôde ser observado nos que passaram a minimizar a pandemia, buscando equivaler a Covid-19 a uma gripe comum.

    As políticas negacionistas

    Nos EUA e no Brasil, foram os presidentes os principais líderes políticos a sistematicamente minimizar a gravidade do coronavírus [2, 3]. Tanto lá como cá, os seguidores de ambos, ao receberem o sinal de seus ídolos, passaram a reproduzir sua concepção. Diante do crescente número de casos comprovados e das complicações, sequelas e mortes causadas pelo vírus, parte expressiva dos defensores da ideia de que se tratava de uma “gripezinha”, ao invés de mudarem de posição perante evidências contrárias, passaram a intensificar seu negacionismo por meio de teorias conspiratórias, ou seja, acionaram o raciocínio motivado resultando no efeito backfire.

    Da afirmação — jamais comprovada — de que governadores estariam inflando os números de óbitos [4], passando pelo questionamento sobre a lotação de hospitais (com sugestão do presidente para que populares os invadissem e filmassem os leitos) [5], até o enfoque no número de casos recuperados [6], foram muitos os esforços dos negacionistas convictos para minimizar o terrível impacto da pandemia no segundo país em número de óbitos causados pela Covid-19 no mundo.

    Minimizando a pandemia

    Quanto àquele esforço de se minimizar a pandemia por meio do enfoque nos milhões de recuperados, é quase cômico observar que, na verdade, isso pesa contra o negacionismo dos fanáticos: a constatação de que há milhões de recuperados pressupõe a existência de um número ainda maior de infectados, o que por si só já expõe a extensão e a gravidade da pandemia.

    Animados pelo mesmo impulso negacionista, surgiram também inúmeros apoiadores do presidente cujos parentes ou conhecidos supostamente tiveram diagnóstico positivo para Covid-19, mas que morreram, juram eles, de câncer ou outra doença grave. Por suposto, trata-se aqui do que chamamos, em ciência, de evidência anedótica; é razoável a probabilidade, porém, de que a leitora tenha visto alguma história do tipo em suas redes sociais durante a pandemia.

    A “vacina chinesa” e o efeito backfire

    Nem mesmo a vacina contra o coronavírus escapou à lógica da polarização política. Bastou o Ministério da Saúde anunciar a intenção de adquirir a CoronaVac [7]– vacina que está sendo produzida em associação entre o Butantã e a Sinovac, uma empresa chinesa — que o presidente, pressionado por apoiadores contrários à vacina [8], cancelou o acordo de compra [9]. Após esse imbróglio, várias fake news sobre a CoronaVac inundaram as redes sociais [10], como a de que a vacina usaria células de bebês abortados [11]. Isso tudo nos faz levantar a questão: existe a possibilidade de ocorrer o efeito backfire ao argumentarmos com um antivacina? Considerando-se a ciência sobre o tema, a resposta infelizmente é “sim”.

    [Fonte: Renato Machado — cartunista]

    Os mesmos pesquisadores citados, Reifler e Nyhan, conduziram, em 2015, um estudo sobre mitos relativos a vacinas [12]. À época, 43% dos estadunidenses acreditavam que a vacina da gripe poderia fazê-los ter gripe. Assim, nesse estudo, eles buscaram verificar a eficácia de se oferecer as informações corretivas dessa crença infundada. Como resultado, o estudo apontou que informações corretas — que a vacina não causava a gripe — foram suficientes para reduzir bastante essa crença específica.

    Efeito colateral

    No entanto, os voluntários da pesquisa que demonstraram níveis mais altos de preocupação com supostos efeitos colaterais de vacinas (como acreditar que elas causam autismo) passaram a manifestar menor disposição a vacinarem seus filhos. Nesse estudo, o efeito backfire ocorreu não na crença específica, alvo da informação corretiva, mas na postura dos voluntários que já tinham uma perspectiva antivacina, os quais ficaram ainda mais convictos sobre isso.

    A esta altura, a leitora pode estar se perguntando se, por causa da possibilidade do efeito backfire, não devemos jamais argumentar com as pessoas muito convictas que estejam defendendo algum absurdo. Todavia, na realidade, há uma situação bastante frequente na qual convém, sim, debater com dogmáticos.

    Argumentar ou não argumentar, eis a questão

    Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” — Carl Sagan

    Em uma conversa privada, no tête-à-tête mesmo, com alguém defendendo radicalmente alguma inverdade, talvez seja melhor não insistir. O risco de você contribuir para que a pessoa fique ainda mais convicta é real. Por isso, vale muito mais a pena argumentar com as pessoas que podem ter caído em alguma desinformação, mas que têm maior abertura ao debate. E elas são muitas. Dessa forma, como sustenta o cientista político David Redlawsk, isolam-se os fanáticos de todo tipo, reduzindo sua influência.

    Estudos mais recentes, como o dos cientistas políticos Thomas Wood e Ethan Porter, da George Washington University, não encontraram o efeito backfire em relação a fatos específicos [13]. Os pesquisadores argumentam que é possível, sim, mudar a opinião equivocada das pessoas com a exposição de fatos.

    Mas…

    É preciso lembrar, no entanto, que existe sempre a possibilidade de que elas reforcem sua postura — como ocorreu no estudo mencionado sobre a vacina — apesar de se dobrarem a um fato específico. Como um exemplo, imagine que você vai argumentar com uma pessoa que defende um remédio comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 porque o político que ela apoia insiste se tratar de um medicamento salvador. A depender de sua abordagem e do nível de convicção dessa pessoa, talvez até a convença do fato de que o remédio é ineficaz. Não espere, porém, que diminua o apoio dela ao político, pois o mais provável é que o contrário aconteça.

    No entanto, como parte significativa de nossas vidas atualmente acontece em rede, quando o debate for em público, como no Facebook ou em grupos de Whatsapp, convém demonstrar que os radicais estão equivocados. Nas redes, terceiros quase sempre estão observando as conversas alheias. Eis aí a situação na qual vale a pena travar o bom combate contra a desinformação, a mentira e as concepções falsas. Se seu interlocutor direto ficar ainda mais convicto na defesa de alguma desinformação qualquer, paciência. Quase sempre há vários outros que podem se beneficiar do seu esforço de argumentação em prol do restabelecimento da verdade.

    Por fim

    Vivemos em tempos nos quais vicejam posturas anticientíficas e esforços de relativização da verdade, quando não de sua negação completa. Como é bastante conhecido, isso é impulsionado por líderes políticos cujo comportamento é replicado por milhões de seguidores. Por isso, é importante que continuemos disputando, se não os corações, ao menos as mentes das pessoas e ter consciência da possibilidade de que o efeito backfire ocorra é um passo fundamental nessa jornada.

    Referências:

    [1] Nyhan, B, Reifler, J (2010) When Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions; Political Behavior, Vol 32, No 2, pp 303-330.

    [2] (2020) Timeline: How Trump Has Downplayed The Coronavirus Pandemic. National Public Radio (NPR), 02 de outubro de 2020.

    [3] “Gripezinha” e “histeria”: cinco vezes em que Bolsonaro minimizou o coronavírus (2020)

    [4] Bolsonaro endossa notícia falsa para dizer que Estados inflam mortes por coronavírus, Valor Econômico, 31 de outubro de 2020.

    [5] Bolsonaro recomenda invadir hospitais, Correio Braziliense, 11 de junho de 2020.

    [6] Na data em que Brasil ultrapassa 100 mil mortos, Bolsonaro destaca pacientes recuperados, Agência Brasil (EBC), 20 de outubro de 2020.

    [7] Brasil anuncia que vai comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, Agência Brasil, 20 de outubro de 2020.

    [8] Bolsonaro sabia da intenção de compra da CoronaVac, mas recuou, Estado de Minas, Edição de 21 de outubro de 2020.

    [9] Bolsonaro diz que Governo Federal não comprará vacina CoronaVac Agência Brasil (EBC), 21 de outubro de 2020.

    [10] Aos Fatos (agência de fact-checking) – resultados de busca do verbete “coronavac”

    [11] (2020) É falso que CoronaVac usa células de bebês abortados, Aos Fatos, 28 de julho de 2020.

    [12] Nyhan, B, Reifler, J (2015) Does correcting myths about the flu vaccine work? An experimental evaluation of the effects of corrective information. Vaccine 33 (3): 459–464.

    [13] Wood, T., Porter, E. (2018). The elusive backfire effect: Mass attitudes’ steadfast factual adherence. Political Behavior, Vol41, pp135-163.

    OBS:

    Esse texto contou com a revisão primorosa de Caroline Frere Martiniuc e Eduardo Jesus Veríssimo, aos quais agradeço enormemente.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Política na Cabeça

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Todavia, não necessariamente representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Deus, hidroxicloroquina e unicórnios: é impossível demonstrar um negativo?

    Texto escrito por Fábio Machado

    Quem está habituado à discussão teológica está familiarizado com a afirmação de que seria “impossível demonstrar uma negativa”. Ela é rotineiramente usada por crentes e apologetas para argumentar que, “segundo a lógica”, é impossível dizer que Deus não existe, mesmo na total ausência de evidências da sua existência. Logo se você crê em Deus por fé apenas (sem evidencia), você não estaria sendo irracional ou ilógico. Esse argumentos sempre me soou estranho, mas eu honestamente não havia pensado nele por anos até que me deparei com alguns debates recentes na internet envolvendo a hidroxicloroquina e sua eficácia. A discussão segue mais ou menos assim:

    Crítico da hidroxicloroquina – Foi demonstrada a ineficácia da hidroxicloroquina

    Defensor da hidroxicloroquina – Não foi demonstrada sua ineficácia, porque é impossível demonstrar uma negativa.

    O que para mim o curioso nessa história toda é que a frase de efeito, ou truísmo, usado para corroborar esse raciocínio, de que  “é impossível demonstrar uma negativa” é obviamente falso. É completamente lógico derivar um argumento formal no qual a conclusão é a inexistência de algo. Por exemplo, digamos que estejamos argumentando sobre a existência de unicórnios. Eu poderia montar o seguinte argumento

    • P1 – Se unicórnios existem, deveria haver alguma evidência deles no registro fóssil.
    • P2 – Não existe evidência de unicórnios no registro fóssil.
    • Conclusão- Unicórnios não existem.

    Esse é um argumento logicamente válido no qual a conclusão (uma negativa) é a consequência lógica das premissas. Proposições negativas são tão demonstráveis quanto proposições positivas.

    “Mas, calma lá”, você pode pensar “o registro fóssil é notoriamente incompleto. Espécies podem simplesmente não estar representadas sem que isso signifique que elas nunca existiram”.

    Esse argumento remete ao problema da indução, que diz basicamente que nenhuma generalização baseada em observações limitadas pode ser bem sucedida. O exemplo clássico é a ideia de que, não importa quantos cisnes brancos você encontre na natureza, você nunca vai poder dizer que todos os cisnes são brancos, visto que você ainda pode encontrar um cisne negro que refute essa generalização. É importante ressaltar que, enquanto isso não invalida a ideia que proposições negativas são demonstráveis, isso parece levantar um problema sério para premissas que sustentem supostas inexistências.

    Porém, nem todas proposições são iguais. Imagine que, ao invés de você estar buscando cisnes negros, você que saber se um gene X está associado com a cor das penas em cisnes negros. Uma prática em genética para entender o funcionamento de um dado gene é exatamente deletar esse gene de um embrião, ou “nocautear” o gene. Se o gene era associado com a cor das penas, você espera que o embrião com o gene nocauteado desenvolva penas brancas (ou não-negras). Se o embrião continua desenvolvendo penas negras, você pode afirmar que o gene X não tem efeito sob a coloração negra das penas. Em forma de argumento formal:

    • P1- Se o gene X determina a cor negra da pena, sua remoção produziria penas sem essa coloração
    • P2- A remoção do gene não afeta a cor da pena
    • Conclusão- O gene X não afeta a cor da pena.

    Nesse caso não há ambiguidade alguma: uma vez que o mecanismo é proposto e testado, a ausência de um efeito implica que sua hipótese foi refutada: o mecanismo, como designado, não existe. A diferença é que, quanto mais específica é sua premissa inicial, mais certeza você pode conferir à sua conclusão.

    O caso de medicamentos tem mais a ver com o encontrar um mecanismo genético do que buscar unicórnios no registro fóssil: a ação de um remédio depende de que um mecanismo proposto seja verdadeiro, ou potencialmente verdadeiro. O que nos trás à hidroxicloroquina.

    Presidente Jair Bolsonaro no jardim do Palácio da Alvorada alimentando as emas e mostrando a caixa do remédio cloroquina para as emas, a mesma caixa que mostrou para os apoiadores no ultimo domingo 19/07. Sérgio Lima/Poder360. 23.07.2020

    Querida de três em cada três líderes com tendências autoritárias no continente americano (Trump, Bolsonaro e Maduro), a hidroxicloroquina foi alardeada com um possível tratamento ao COVID19 com base em um estudo feito em células in vitro (em placas de petri; aqui e aqui). Esse estudo demonstrou que a hidroxicloroquina em conjunto com azitromicina era capaz de prevenir a entrada do vírus em células vivas. Em investigações sobre a eficácia de medicamentos, a existência de algum tipo de efeito in vitro é considerado premissa básica para que mais estudos sejam realizados, para observar se um remédio pode ter efeito em seres vivos e, em última analise, humanos. De qualquer maneira, esse estudo deu o pontapé inicial à investigação sobre a eficiência da hidroxicloroquina contra o COVID19, resultando em diversos trabalhos que buscaram encontrar um efeito da droga em seres humanos infectados.

    Nada disso seria particularmente problemático se políticos não tivessem tomado para si o papel de decidir, com base em evidências problemáticas, quais são os tratamentos que devem ser seguidos. O que temos agora é a pior situação possível: enquanto a ciência demonstra a total ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento de COVID19 (ver aqui e aqui, por exemplo), políticos e entusiastas destes mesmos governantes se veem na posição de ter que defender pseudociência por motivos meramente ideológicos. E é nesse momento que vemos as pessoas se agarrarem cada vez mais desesperadamente à argumentos falaciosos para defender sua posição. No caso da hidroxicloroquina, como coloquei anteriormente, surge essa ideia de que seu efeito positivo não pode ser negado, pois seria impossível demonstrar uma negativa. Como já argumentei, essa afirmação é falsa (é incrivelmente simples demonstrar um negativo). Mas seria esse o caso da hidroxicloroquina?

    Pra entender isso, precisamos entender um pouco como supostamente a hidroxicloroquina deveria funcionar. Para entrar nas células animais, o coronavírus pode se valer de dois mecanismos. O primeiro é se ligando a receptores de superfície das células do hospedeiro para introduzir o seu material genético diretamente no interior da célula. No segundo mecanismo, o vírus é absorvido por invaginações da membrana celular (endossomos) e invadem o citoplasma celular a partir daí. Esse segundo mecanismos, o realizado por endossomos, necessita de uma proteína funcional chamada catepsina L, que necessita de um meio ácido para funcionar. Nesse contexto, a hidroxicloroquina atua diminuindo a acidez do meio intracelular, impedindo a ação da catepsina L, impedindo a entrada do coronavírus na célula. Para voltar para nossas preposições, podemos descrever a atuação da hidroxicloroquina da seguinte forma:

    • P1- Para a hidroxicloroquina funcionar no combate a COVID19 ela necessita prevenir a entrada do coronavírus nas celulas pulmonares humanas.
    • P2- Hidroxicloroquina diminui a acidez intracelular, afetando o funcionamento da catepsina L.
    • P3- Catepsina L é usada pelo coronavírus para entrar na célula.

    Segundo essa lógica – e essa era a lógica que poderíamos aceitar no começo do ano – a hidroxicloroquina (potencialmente) funcionaria no combate a COVID19. Mas o diabo mora nos detalhes. As células usadas inicialmente para demostrar que a hidroxicloroquina funciona in vitro eram culturas de células de rins de macacos. Essas células normalmente apresentam resultados bons o suficiente para a maior parte dos fármacos, porém no caso do coronavírus a coisa parece ser mais complicada. Enquanto é verdade que em células de rim a Catepsina L é essencial para a ação de entrada do vírus, células pulmonares humanas não apresentam essa enzima em grandes quantidades.

    Ao invés, o mecanismo de entrada do coronavírus na célula é mediada por uma enzima chamada TMPRSS2. O problema é que, diferente da Catepsina L, o funcionamento da TMPRSS2 não é afetado pela alteração da acidez do meio celular. De fato, um estudo recente em células pulmonares humanas demonstrou que a hidroxicloriquina é incapaz de impedir a invasão das células pelo coronavirus. Assim, podemos atualizar a descrição da atuação da hidroxicloroquina da seguinte forma:

    • P1- Para a hidroxicloroquina funcionar no combate a COVID19 ela necessita prevenir a entrada do coronavírus nas celulas pulmonares humanas.
    • P2- Hidroxicloroquina diminui a acidez intracelular, afetando o funcionamento da catepsina L.
    • P3- Catepsina L é usada pelo coronavírus para entrar em células de rim.
    • P4- TMPRSS2, que é usada pelo coronavirus para entrar em células pulmonares, não é afetada pela hidroxicloroquina.

    E disso segue que

    • C- Hidroxicloroquina não funciona no combate a COVID19 através do mecanismo proposto.

    O que mostra que é plenamente lógico afirmar que a hidroxicloroquina não funciona.

    Óbvio que isso não vai satisfazer os defensores da droga, pois inúmeros outros mecanismos podem ser propostos, inclusive mecanismos sem o menor respaldo científico, como foi o caso da “pílula do câncer”, uma droga sem efeito também defendida pelo presidente da república.

    Eu acredito que a luta pela hidroxicloroquina vai durar muito mais tempo depois que sua discussão acadêmica estiver de fato encerrada. Estamos entrando em um caminho onde teorias conspiratórias, pseudociência e pseudofilosofia estarão intrinsecamente ligados com a política nacional. Vai ser um caminho tortuoso. Boa sorte a todos nós.

    *Para os nerds: sim, eu estou mais que ciente das problemáticas sobre o grau de confiabilidade em resultados experimentais e estatísticos. Você pode transformar todos esses argumentos em probabilísticos e chegar a conclusão que a hidroxicloroquina muito provavelmente não funciona (o que é basicamente a mesma, visto que a única “certeza” que podemos ter em termos científicos são aquelas referentes à altas probabilidades).

    Para saber mais

    Boulware DR, Pullen MF, Bangdiwala AS, et al. A Randomized Trial of Hydroxychloroquine as Postexposure Prophylaxis for Covid-19. N Engl J Med. 2020;383(6):517-525. doi:10.1056/NEJMoa2016638

    Cavalcanti, AB; Zampieri, FG; Rosa, RG et al (2020) Hydroxychloroquine with or without Azithromycin in Mild-to-Moderate Covid-19. The New England Journal of Medicine

    Liu, J., Cao, R., Xu, M. et al. Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0

    Wang, M., Cao, R., Zhang, L. et al. Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro. Cell Res 30, 269–271 (2020). https://doi.org/10.1038/s41422-020-0282-0

    O autor

    Fabio Machado é Biologo Evolutivo, pesquisador e professor. Amante dos animais, defensor da natureza, amigo do vento.

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Haeckeliano.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    [Diálogos semi-imaginados, não aleatórios]
    https://giphy.com/gifs/du2gFIxNEM8n6e3Hrr
    Já pode lamber corrimão?

    A ciência na vida mundana

    A ciência virou notícia cotidiana – já não consta apenas em partes específicas dos noticiários e jornais, em programas televisivos que se passam nos primeiros horários da manhã durante o final de semana. Desde meados de março, quando o SARS-CoV-2 desembarcou de vez no Brasil, temos visto curvas epidemiológicas, debates sobre eficácia de medicamentos, aprendido sobre proteína Spike, sobre diagnóstico por PCR e sorológico. Temos lido sobre pulmão com aspecto de vidro fosco, compreendido sobre a relação de algumas comorbidades e a infecção pelo novo coronavírus, lido mais e mais sobre transmissão comunitária, imunidade cruzada, diferentes tipos de anticorpos, dentre outros temas.

    Também há todo um montante de informações que nos confunde, muitas vezes. Medicamentos como Cloroquina e Ivermectina – que já eram usados para outras doenças ou enfermidades, tornaram-se “drogas candidatas” e embora tenham sido descartadas, seguem sendo pauta no Brasil e no Mundo. 

    Semana passada a Ozonioterapia foi anunciada como tratamento em uma transmissão ao vivo, por um prefeito no Sul do país e pronto… Uma corrida por informações, memes, artigos publicados, declarações das sociedades relacionadas a isso.

    A Vacina Russa, esta semana também têm causado furor em redes sociais. E muitos se perguntam se tomariam mesmo sem ela ter apresentado os resultados das fases 1 e 2, afinal “é melhor que nada, né?”

    Um pouco é melhor que nada?

    É aí que reside um grande perigo… Percebam que não temos nenhum interesse em acordar todas as manhãs e ver que não há cura, tratamento ou vacina eficaz anunciada. Não é pessimismo olhar para como as etapas da vacina precisam de tempo para serem analisadas. Sagan, em 1996, comentou que vivemos em um mundo em que precisamos da ciência e seus produtos em cada detalhe da sociedade. No entanto, não sabemos como a ciência funciona – e isso é uma receita para o desastre, afirmou um dos maiores nomes da divulgação científica de todos os tempos.

    Pois bem, aqui temos uma série de questões fundamentais que precisamos entender (e talvez isso demore mais tempo do que a vacina, mas cá estamos aprendendo junto com vocês…). A ciência precisa de tempo. Ela é feita a partir de uma série de etapas, que expliquei na postagem que é a parte 1 deste texto. De maneira muito sucinta, o método científico é feito a partir das etapas desta imagem:

    Cada uma destas etapas é feita de maneira colaborativa, com diálogo, debates em grupos de pesquisa, aprovações em comitês de ética nacionais e/ou internacionais (que precisam ser avaliados quanto ao risco aos seres vivos envolvidos). Enquanto estas etapas acontecem, elas também vão gerando outras perguntas e hipóteses (não são etapas estanques e lineares), realizamos análises enquanto estamos realizando experimentos, apresentamos dados parciais em eventos e publicações, etc.

    Porque estou batendo nesta tecla com vocês?

    Ora! Para dizer que na ciência o método científico INTEIRO é permeado de diálogos, debates, conversas. Compartilhar resultados em periódicos ou congressos é uma parte de tudo isso – uma parte importante, pois não é apenas uma exposição, mas é uma avaliação pública do nosso trabalho. Todavia, é também parte de uma prática de expor conhecimento para que outros grupos de pesquisa, outros cientistas, consigam acessar isto e fazer novas perguntas, hipóteses, propor novos experimentos – aumentando ainda mais nosso conhecimento sobre um fenômeno.

    Isto leva tempo, demanda esforço, recursos financeiros, formação de cientistas ao longo de muito tempo, equipes inteiras que se debrucem sobre os problemas que aparecem no mundo. Não que cientistas sejam pessoas extraordinárias e mais inteligentes (o suprassumo de nossa espécie diriam algumas pessoas). Não é nada disso… É apenas demarcar que é uma atividade de médio e longo prazo – UM PROJETO DE UM PAÍS, para além de partidos e governantes.

    Dizer que terapias sem comprovação científica é melhor que nada não é dar esperança às pessoas: é tapar o sol com a peneira e dizer que qualquer coisa vale para a vida do outro. E isso inclui possíveis prejuízos (como a piora do quadro de saúde, o abandono das terapias paliativas, o falecimento sem assistência adequada, o contágio de familiares…)!

    Sobre terapias alternativas e seus resultados não publicados 

    (ou publicados para outras doenças que não aquela que estamos falando)

    Veja que nem é afirmar que não existem estudos vinculados a estas terapias e indicações de tratamentos que vou falar a partir de agora. Mas é sobre como resultados específicos não foram obtidos para esta doença.

    • “A ozonioterapia é usada há 100 anos já!”
    • “A ozonioterapia têm tido ótimos resultados em tratamentos cutâneos e outras enfermidades”
    • “A cloroquina é usada há décadas para Lupus e malária! Como assim é tóxica?”
    • “Os resultados in vitro deram positivo, qual o problema então se eu tomar?”
    • “A ivermectina não têm comprovação, nem contraindicação, deixa as pessoas tomarem ué!”
    • “Se a vacina russa sair, eu vou tomar, mesmo sem comprovação!”

    Estas são algumas das frases que vemos espalhadas nas redes sociais e expressam a opinião das pessoas. 

    Agora vamos lá…

    Para afirmar que a ozonioterapia é eficiente como tratamento, não basta o ozônio ser um bom composto químico que reage com o vírus fora do nosso corpo. Também não basta a ozonioterapia ser eficiente há 50-100 anos contra doenças diversas. Além disso, uma terapia eficiente contra uma doença não a torna automaticamente eficiente contra qualquer outra.

    Tratamentos para doenças muitas vezes necessitam de reagentes específicos (isto é: que quimicamente tenham ação contra o agente patógeno – vírus, bactérias, vermes, fungos…).

    Em suma, para ozônio ou qualquer componente experimental, componentes químicos reagem de modo diferente dentro e fora do nosso corpo. Além disso, os componentes reagem de maneiras diferentes dependendo de como entram em nosso corpo (com introdução anal, intramuscular, intravenosa, pelo trato digestivo).

    Ah, sim: o mesmo vale para a cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outras drogas candidatas (que já foram descartadas…). Ou seja: drogas candidatas e terapias em fase de pesquisa estão ainda cumprindo a sequência do método científico – não podem nem ser chamadas de tratamento. Assim, estes medicamentos em fase de pesquisa não poderiam ser administradas para as pessoas como tratamento sem que as pessoas fossem informadas sobre isso e consentissem formalmente!

    E a vacina russa?

    Sem transparência, não há segurança! Sem transparência no processo todo, não sabemos se houve ética no desenvolvimento desta vacina! E é por debatermos cada etapa da ciência que temos avançado não apenas em resultados mais precisos contra doenças, mas temos buscado meios de fazer isto de modos cada vez mais seguros, levando-se em conta questões étnicas, de gênero, de faixa etária, de classe social. Ou seja, levando-se em conta a diversidade humana em todos os seus aspectos – e isso é uma luta antiga e importantíssima dentro do meio científico. Que foi (e têm sido – pois ainda temos muito o que conquistar na igualdade e equidade das populações) pauta do que é ciência, como a fazemos e aplicamos o método científico e, mais importante do que isso, para quem fazemos isso – a sociedade.

    Compreendem a diferença? Não é ser negativo. Não é nos negarmos a querer que todos vocês – e nós – tenhamos novamente uma vida de idas ao supermercado sem neuras, abraços sem restrições e uma vida sem medo.

    É exatamente o oposto disso. E não é, também, deixar de olhar para tudo o que ainda temos a fazer e conhecer para que a transparência e a ética sejam alcançadas em cada etapa de nosso trabalho. É exatamente para isto que estamos aqui e trabalhamos com divulgação científica! Por uma maior transparência, diálogo, inclusão no (e pelo) conhecimento para debate socialmente éticos.

    Em suma, para fechar:

    Com ou sem coronavírus, lamber corrimão não parece ser uma boa ideia, ok? ERA MEME GENTE. Mas o diálogo é real.

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

    Galhardo, JA A hierarquia das evidências científicas: por que não devemos acreditar em qualquer coisa? Rede Análise Covid

    Iamarino, Atila (2020a) Vacina Russa

    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

    Artigos e Livros

    Caceres, RÁ (1996) El método científico en las ciencias de la salud: las bases de la investigación biomédica, Madrid: Ediciones Díaz de Santos.

    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

    Mullard, A (2008) Vaccine failure explained; Nature.

    Peeples, L (2020) News Feature: Avoiding pitfalls in the pursuit of a COVID-19 vaccine; PNAS April 14, 2020 117 (15) 8218-8221; first published March 30, 2020

    WHO (2020) More than 150 countries engaged in COVID-19 vaccine global access facility

    WHO (2020b) DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines – August 10th 

    Wechsler, J (2020) COVID Vaccine Clinical Trials Require Fast Decisions, But No Shortcuts Applied Clinical Trials

    Outros textos do blogs

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Ozônio na COVID dos outros é refresco

    COVID-19 e impactos na pesquisa

    De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Dia 11 de agosto, pela manhã, mais uma notícia: a vacina russa vai chegar em outubro! O presidente Putin informou que a fase de testes de eficácia já iniciou (o que seria a fase 3 de testes clínicos da vacina). Segundo a OMS, no registro consta que esta vacina ainda está na fase 1  (que testa a segurança da vacina).

    vacinação em massa, em outubro?

    Tal afirmação surpreendeu parte da comunidade científica.

    Mas por quê?

    Cada vez que anunciamos – aqui no blogs ou em qualquer canal de divulgação científica – uma pesquisa em andamento ou medicamentos e tratamentos em fase de pesquisa, temos tido o cuidado de verificar as informações e tentar compreendê-las para divulgar. 

    Uma das questões que rondam toda esta divulgação é a falta de transparência de cada etapa. Não vou me alongar aqui neste texto sobre as etapas em si, pormenorizadamente. Pois elas estão bem explicadas pelo Instituto Butantã e já foram pauta de uma longa live do Atila Iamarino. Também não detalharei questões específicas de questionamentos sobre a vacina, pois a Mellanie Dutra, da Rede Análise Covid-19, abordou muito bem. Mas vou falar do quê então? 

    Sobre a transparência nas pesquisas científicas em tempos de pandemia.

    Pode parecer exagero. Mas as críticas têm sido razoavelmente constantes. Não é que não queiramos acordar e ver estampado nas notícias e notificações que a vacina é um sucesso, que terapias alternativas funcionam, que medicamentos baratos e disponíveis a todos curam! Não temos divulgado milagres apenas porque a ciência não funciona deste modo…

    Antes de falar de transparência na pesquisa, vamos entender um pouco sobre pesquisa, a partir de vacinas?

    As vacinas precisam destas etapas mencionadas anteriormente – e elas levam tempo sim – pois cada uma destas etapas responde a uma série perguntas. Por exemplo: ela têm efeitos colaterais? Quais efeitos são estes? Quantas pessoas (em média) apresentam efeitos colaterais e o que isto representa em uma grande população?

    Em princípio, uma vacina é um modo preventivo em que nós inoculamos um vírus – ou fragmentos de vírus – para que nosso corpo gere uma resposta imunológica. Isto é: nós “enganamos” nosso sistema imune. Assim, quando entramos em contato com o vírus “mesmo” já temos uma resposta imunológica pronta.

    Porém na prática há vários detalhes que tornam as vacinas algo que não é tão simples assim de ser implementada. Isto não quer dizer que vacinas não são seguras… É exatamente o contrário, na verdade.

    As vacinas são cada vez mais seguras. Por quê? Ora, por termos implementado protocolos de segurança que se baseiam em um aprimoramento de nosso próprio conhecimento sobre as doenças, suas reações com anticorpos produzidos, suas ações dentro do corpo, tempo de ação e desenvolvimento de anticorpos, sintomas, etc.

    Também temos compreendido melhor os efeitos adversos (quando existem) e o limite de imunização em uma sociedade, ou como ela ocorre na sociedade. Isto é, nem todo mundo será imunizado pela vacina, algumas vacinas precisam de várias doses para provocarem a imunização, algumas são alergênicas (causam alergia) em pessoas e temos que ter estas informações antes de sairmos vacinando 7 bilhões de pessoas.

    A eficácia das vacinas hoje diz respeito a um conjunto de conhecimentos acumulados sobre nosso organismo, as doenças, junto com testes, experimentos, análises – que geram ainda mais conhecimento sobre as doenças e o funcionamento do nosso corpo.

    Tudo isto é feito baseando-se no método científico.

    Método científico?

    As inovações, invenções e compreensões advindas da ciência não são uma busca cega e desordenada. Muito menos fruto de ideias criativas que estavam à toa por aí, sem atentar-se a questões, debates e pensamentos que abordavam fenômenos naturais e sociais. A frase clássica de Newton “se enxerguei mais longe foi porque me apoiei em ombros de gigantes” é, exatamente, sobre isso. Para falar sobre objetos e fenômenos naturais e sociais, também nos apoiamos em quem estuda objetos e fenômenos naturais e sociais.

    É o quê, afinal de contas o método científico? O que ele têm a ver com tudo isso? De forma ampla, costuma-se falar em etapas ou sequências do método científico. O que seria isto?

    método científico e suas idas e vindas

    Observação de um fenômeno, elaboração de perguntas, elaboração de hipóteses (respostas possíveis para as perguntas pensadas previamente), resolução das hipóteses (aqui acontecem os planejamentos, organização e execução das etapas experimentais, observacionais, de campo, etc.), análise dos dados obtidos e conclusões. Isto é, esta sequência descrita são procedimentos que formam e consolidam os conhecimentos científicos.

    Embora pareça linear, ao longo de uma pesquisa, outras perguntas e hipóteses vão se somando, sendo pensadas, descartadas – gerando novas pesquisas, ou agregando novos elementos que, também, serão testados experimentalmente. 

    Tá bom, mas e o que isto tem a ver com o anúncio da vacina russa? 

    Em meio a uma pandemia tão grave como a COVID-19, temos sim uma corrida para ver quem consegue os melhores tratamentos – isto inclui vacinas. No entanto, as vacinas necessitam respeitar este conjunto de etapas a que chamamos comumente de método científico.

    Parte do “pôr à prova” os resultados e conclusões relaciona-se a apresentá-los à comunidade científica. Debater cada parte dos procedimentos do método científico – desde as perguntas, passando pelas hipóteses, protocolos experimentais, obtenção dos dados e, por fim, como analisamos os resultados!

    Grande parte dos debates sobre o método científico (que não se limita às etapas experimentais e de campo, como muitos acreditam) é sobre a transparência do seu desenvolvimento e execução. 

    Vocês podem estar pensando que tudo isso atrasa ainda mais a implementação da vacina e de tratamentos viáveis. Mas apesar de parecer “muita coisa” estamos falando de estabelecer, historicamente, critérios éticos e de segurança para a pesquisa não causar prejuízos em populações vulneráveis, não ter efeitos adversos e incontroláveis na população, não testar experimentos sem que as pessoas saibam que estão sendo cobaias – concordem com isto de maneira livre e esclarecida, dentre outros fatores. 

    É exatamente a partir da divulgação de resultados, compartilhando as etapas da pesquisa, protocolando em comitês de ética, apresentando publicamente o que estamos fazendo, que nosso trabalho cotidiano de pesquisa ganha transparência, pode ser não apenas compreendido pelos colegas, mas replicado se for necessário. Isto é, podemos repetir os experimentos, aferir resultados, inserir novas variáveis e levantar questões que não tinham sido feitas anteriormente.

    O que inúmeros veículos oficiais, científicos e jornalísticos apontaram ontem, dia 11 de agosto, é exatamente neste quesito: transparência.

    Ah, finalmente chegaste nisso! A transparência na ciência!!!

    As principais perguntas levantadas por cientistas, divulgadores científicos, instituições oficiais (como a OMS) foram: Onde estão os dados sobre a vacina? Quantas pessoas participaram como cobaia? De que forma aconteceram estes testes? Quem eram os sujeitos testados? Quais foram os efeitos colaterais? Se a vacina formou anticorpos, em quanto tempo foram feitos os testes? O tempo em que tudo isto ocorre é uma das grandes questões, por exemplo.

    Na Revista Nature foi apontado que a vacina Russa (Vacina Gamaleya) declarou ter 76 voluntários para as etapas 1 e 2 listadas no ClinicalTrials.gov, mas sem qualquer divulgação dos resultados ou quaisquer estudos pré-clínicos anteriores. E há preocupação acerca destes protocolos de segurança, protocolos éticos e, também, receio de tudo isso gerar medo da população quando uma vacina eficaz esteja pronta para ser aplicada na população.

    Veja que não queremos questionar a veracidade da vacina em si: mas se estão anunciando que em Outubro teremos vacinas disponíveis em algum lugar do mundo, queremos saber se elas são seguras e de que modo podemos confiar nisto que estão nos dizendo!

    Enfim, a próxima parte

    Este texto ficou razoavelmente longo, então juntamente com ele, outros questionamentos foram sendo levantados. Especialmente sobre como lidamos com informações científicas e os cuidados que devemos ter ao receber estas informações – sem cairmos no pessimismo, mas também sem nos animarmos achando que tudo se resolverá em um passe de mágica!

    A segunda parte do texto fala sobre isso, corre lá para ler também!

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

    Galhardo, JA A hierarquia das evidências científicas: por que não devemos acreditar em qualquer coisa? Rede Análise Covid

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    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

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    Caceres, RÁ (1996) El método científico en las ciencias de la salud: las bases de la investigación biomédica, Madrid: Ediciones Díaz de Santos.

    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

    Mullard, A (2008) Vaccine failure explained; Nature.

    Peeples, L (2020) News Feature: Avoiding pitfalls in the pursuit of a COVID-19 vaccine; PNAS April 14, 2020 117 (15) 8218-8221; first published March 30, 2020

    WHO (2020) More than 150 countries engaged in COVID-19 vaccine global access facility

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    Outros textos do blogs

    Modernizando a vacina contra a COVID-19

    Vacina COVID-19 – Por que demora?

    Pandemia Covid-19: 150 dias

    Glossário da Covid-19

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ozônio na COVID dos outros é refresco

    Texto escrito por de Gildo Girotto Junior, Gian Carlo Guadagnin, Cyntia Almeida e Maria Luiza 

    Entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. É uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado tem gerado não apenas polarização, em um momento inoportuno, mas também colocado em risco a saúde coletiva.

    Qual o impacto que a administração de uma substância provoca no organismo? Realmente conhecemos quais efeitos um determinado alimento, medicamento ou qualquer outro produto pode provocar quando o ingerimos? 

    Recentemente, não apenas medicamentos têm sido alvo do debate na prevenção e cura contra a COVID-19. Os limites da insensatez ou do desconhecimento foram ultrapassados ao ponto de encontrarmos recomendações totalmente insanas e irresponsáveis. Por exemplo, com a administração de desinfetantes e, agora, de soluções contendo ozônio no combate a doenças. É preciso esclarecer alguns fatos. Assim, propomos neste texto, trazer explicações sobre a prática da administração de ozônio via retal recomendada, dentre outros, por um administrador público de uma cidade brasileira.

    Ozônio e seus diferentes “buracos”

    É possível que muitos dos que estão lendo este texto já tenham ouvido falar da “Camada de ozônio” ou do “Buraco na camada de ozônio”. Provavelmente, é a situação mais comum associada a esta substância. Em um outro contexto, o ozônio pode ser associado ao tratamento de água. O processo comercialmente conhecido como ozonização consiste em uma alternativa, ou um tratamento complementar da água, para a eliminação de bactérias. Neste procedimento, o ozônio reage quimicamente destruindo microorganismos e, com o surgimento da pandemia, esse mesmo princípio passou também a ser utilizada para a sanitização de ambientes

    Mais recentemente, uma terceira situação associada ao ozônio (sendo esta mais problemática) é o processo de ozonioterapia, um procedimento experimental que consiste na aplicação do ozônio em partes do corpo com intuito de eliminar doenças. Para entender um pouco sobre esses três usos, primeiramente vamos esclarecer um pouco sobre a composição e propriedades da substância em questão.

    O ozônio tem em sua composição o elemento químico oxigênio. Entretanto diferente do gás oxigênio que é vital, sua fórmula é um pouco diferente, o que faz com que sua atuação química também seja. Parece confuso? Vamos tentar entender.

    O gás oxigênio é formado por moléculas em que dois átomos de oxigênio estão unidos, representamos esta substância pela fórmula O₂. Já o gás ozônio tem suas moléculas formadas pela união de três átomos de oxigênio, e o representamos pela fórmula O₃. Essa pequena modificação faz com que as substâncias sejam bastante diferentes em termos de atuação. 

    moléculas de Oxigênio (O₂) e de Ozônio (O₃)
    Conhecendo um pouco mais de cada molécula

    Enquanto o gás oxigênio, por exemplo, pode se ligar a moléculas em nosso sangue como a hemoglobina (proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue) sendo levado a diferentes partes do corpo e alimentando reações que nos fornecem energia, o gás ozônio é uma substância extremamente tóxica para o nosso organismo uma vez que, ao invés de se ligar às moléculas, tem o poder de destruí-las. 

    De fato, o ozônio tem um grande poder de reagir com outras substâncias causando a degradação destas e ao mesmo tempo sofrendo transformações. Assim, quando as moléculas de O₃ encontram outras substâncias elas literalmente “atacam” esses compostos causando a degradação, ou seja, destruindo essas moléculas. Quimicamente, dizemos que esse comportamento do ozônio é relacionado a uma molécula oxidante e bastante reativa.

    Há outros exemplos de moléculas parecidas que têm comportamento bastante distintos. Você já deve ter ouvido falar de água oxigenada, certo? Enquanto a molécula de água (H₂O) é pouco reativa e vital para os seres humanos, a água oxigenada, que tem fórmula H₂O₂, é uma substância bastante reativa e também oxidante. Percebam que, mesmo a alteração sendo de apenas um átomo a substância muda completamente de propriedades. Ou seja, substâncias diferentes têm atuações diferentes.

    Podemos agora voltar a falar dos usos do ozônio, tudo bem?

    A “camada de ozônio”

    Na nossa estratosfera (uma das partes da atmosfera terrestre que se encontra a mais de 11 km de altitude, acima da maior parte das nuvens) as moléculas de ozônio se formam naturalmente devido às diferentes condições existentes nessa região e essa grande quantidade de moléculas de O₃ tem uma função importantíssima na vida do nosso planeta. Simplificadamente dizemos que ali há uma camada de ozônio. Como assim? O que queremos dizer é que é uma região que possui muitas moléculas desse gás. 

    A radiação do sol carrega uma grande quantidade de energia. Se toda a energia chegasse ao planeta seria capaz de destruir algumas espécies vivas e causar diferentes problemas incluindo riscos a nossa pele. Entretanto, quando essa radiação chega à estratosfera, uma parte da energia é absorvida pelas moléculas de ozônio que se transformam em moléculas de gás oxigênio. Deste modo, o ozônio se degrada após absorver parte da energia solar, como se formasse um verdadeiro filtro solar. Como resultado, apenas uma parte do conteúdo energético dos raios solares “entra” no planeta, possibilitando condições de vida adequadas. 

    Esse ciclo de formação e destruição do ozônio pela absorção de energia solar é contínuo e natural. Portanto, o ozônio lá na estratosfera é benéfico e fundamental ao planeta e a todos que o habitam.

    O ozônio no tratamento de água

    Como mencionado anteriormente, as moléculas de ozônio são muito reativas, o que significa que “atacam” outras moléculas e tem o poder de destruir principalmente os compostos orgânicos, como as proteínas, que compõem microorganismos, bactérias, nossa pele, nossas células, etc. Então podemos imaginar que se água estiver contaminada com agentes causadores de doenças (vírus, bactérias, protozoários, por exemplo) o gás ozônio borbulhado nesse sistema reagirá matando os microorganismos e contribuindo para a potabilidade da água. 

    De fato, isso ocorre e é possível utilizar o processo no tratamento de água para o consumo ou para ambientes como piscinas. Esse processo tem sido utilizado como uma alternativa ao uso de “cloro” e a vantagem é que após a reação, o ozônio se transforma em oxigênio, não deixando resíduos na água. Então, a água não fica com aquele “gosto ou cheiro de cloro”. Em larga escala esse processo ainda é mais caro do que o uso de “cloro” e, por isso, as empresas que cuidam da nossa água ainda não fazem esse tratamento.

    Mas você deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com o tratamento para a COVID-19? 

    Finalmente chegamos lá.

    A ozonioterapia é, na melhor das hipóteses, um método experimental que consiste na administração de ozônio de forma localizada ou intravenosa (aplicação nas veias) ou via retal (ânus) com objetivo de combater infecções diversas. (veja nosso texto sobre método científico e entenda a diferença entre hipótese e resultados científicos comprovados aqui)

    Já mencionamos sobre a reatividade do ozônio e seu poder oxidante, certo? Desta forma, imaginemos que uma pessoa possua uma infecção superficial na pele. Diversos tratamentos poderiam ser realizados neste caso sendo um deles (ainda experimental) a aplicação de ozônio diretamente sobre a região. Assim, o ozônio reagiria destruindo possíveis micro organismos causadores da infecção. A depender do tipo de infecção e do grau de complexidade, uma intervenção desse tipo, considerada de forma localizada poderia funcionar como têm sido apontado em estudos teste realizados¹. Seguindo a mesma ideia, outros estudos têm investigado a administração de ozônio diretamente em regiões internas no corpo que possuem células cancerosas e/ou infecções². 

    Um fator importante que deve ser destacado é que, sem exceções, os estudos afirmam que não há resultados 100% conclusivos (devido a fatores diversos) e a ozonioterapia é sempre considerada como tratamento experimental, ou seja, em fase de teste e ainda, nenhum dos casos mencionados têm relação com a administração retal de ozônio. 

    Mas então, como o ozônio por administração retal pode combater a COVID-19?

    A resposta é bastante simples. NÃO PODE! 

    Vamos repetir aqui só para deixar bem evidente, caso tenha ficado alguma dúvida sobre o que estamos argumentando neste texto:

    O OZÔNIO COM ADMINISTRAÇÃO RETAL
    NÃO COMBATE A COVID-19

    Mas pode usar ozônio como tratamento para Coronavírus?
    Não! Não pode!

    Ao injetarmos a molécula em qualquer parte do nosso corpo ela rapidamente reage degradando as substâncias que estiverem em contato, e ela mesma, a molécula de ozônio, sofre transformações produzindo novas substâncias. 

    Portanto é inimaginável que a substância injetada chegue às células onde o coronavírus se encontra (as quais estão espalhadas por todo o corpo), uma vez que ela teria que percorrer um longo percurso. Então, a menos que todo o vírus esteja concentrado na região onde se injetou o ozônio, não haveriam consequências benéficas e, mesmo nesta situação, não se têm estudos a respeito.

    Para se ter ideia, a própria Sociedade Brasileira de Ozonioterapia afirmou que “O efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”. Isto é, não há qualquer evidência e comprovação científica de que isto pode ser usado para cura e/ou tratamento da Covid-19!

    Ainda, o Conselho Federal de Medicina, em sua resolução 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018, estabelece “a ozonioterapia como procedimento experimental, só podendo ser utilizada em experimentação clínica dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep.”³, o que basicamente nos diz: “olha, isso precisa ser testado porque ainda não temos comprovação de qualquer efetividade”.  

    Mas, será que há efeitos prejudiciais? Sim. Basta pensarmos que estamos injetando uma substância extremamente agressiva em uma região relativamente sensível.

    Enfim, entender as consequências da administração de substâncias em nosso corpo vai além da pandemia de coronavírus. Isto é uma questão de educação científica e de saúde pública. A desinformação que tem circulado gera não apenas polarização num momento inoportuno, mas também coloca em risco a saúde coletiva. Ou seja: sigamos e fiquemos atentos e informados. Afinal, Ozônio na COVID dos outros é refresco.

    Para saber mais

    1. MARCHESINI, Bruna Fuhr; RIBEIRO, Silene Bazi (2020) Efeito da ozonioterapia na cicatrização de feridas Fisioterapia Brasil, [Sl], v 21, n3, p. 281-288, jun 2020

    2. DE ANDRADE, Raul Ribeiro et al (2019) Efetividade da ozonioterapia comparada a outras terapias para dor lombar: revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos randomizados Rev Bras Anestesiol [online] 2019, vol69, n5 [cited  2020-08-06], pp493-501

    3. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (2018) RESOLUÇÃO 2.181, DE 20 DE ABRIL DE 2018.

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Cyntia Almeida é estudante de graduação em Licenciatura em Química (UNICAMP)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como a desinformação tem atrapalhado nossa resposta à Covid-19

    A notícia de que o Brasil atingiu, nesta semana, o segundo lugar de país com maior número de contaminados de covid-19, tornando-se o novo epicentro da doença, mostra que estamos falhando miseravelmente no controle da pandemia. Uma avalanche de notícias e informações falsas tem nos distraído e dividido bem no momento crucial em que deveríamos focar todas as nossas energias no combate ao vírus. 

    Especialistas têm chamado essa onda de circulação de notícias e informações falsas nas redes sociais de infodemia. Seria uma espécie de pandemia de desinformação global que prejudica nossas formas de enfrentamento à pandemia. A Coronavirus Fact-Checking Alliance, comunidade de verificadores de fatos de 88 organizações em 74 países, desmascarou 4.823 boatos e notícias falsas (em 43 idiomas!) sobre a covid-19 em três meses de trabalho. Um grupo de cientistas do Instituto de Física e do Instituto de Geociências da Unicamp coletou mais de 50 mil mensagens de fake news circulando no Whatsapp. A OMS já alertou para a gravidade da situação e tem proposto parcerias com os gigantes Google, Facebook e Twitter para enfrentar essa onda.

    Todos nós estamos vulneráveis a cair no conto da desinformação e das fake news, independente de classe social ou nível de instrução. Nosso cérebro tenta se agarrar a certezas que nos tragam o controle da situação, diante do contexto incerto da pandemia da covid-19. A falta de dados sólidos, já que os cientistas recém estão descobrindo como age o novo coronavírus, e o pânico de contrair a doença são ingredientes eficientes para espalhar desinformação, segundo avalia Cristina Targuila, diretora da Rede Internacional de Verificadores de Fatos (IFCN). Muitas vezes, a informação falsa chega pelas mãos da tia avó que não faria mal a uma mosca, no grupo de Whatsapp da família, com intenção de proteger seus parentes contra o coronavírus.

    A comunidade internacional de verificadores de fatos tem observado diversas ondas de fake news e desinformação. Tem de tudo: de teorias conspiracionistas da origem forjada do vírus em laboratórios chineses, uso de informações para espalhar pensamentos religiosos, anti-vacina e supremacistas, até informações sobre curas e falsas medidas preventivas para enfrentar a pandemia

    Tudo fica mais confuso quando vemos autoridades e profissionais de saúde repercutindo esses discursos de cura. Uma das principais fontes de desinformação sobre covid-19 no Youtube são canais de médicos ou pessoas que se apresentam como médicos, segundo essa pesquisa aqui. Em 30% dos vídeos com mais de 100 mil visualizações, o conteúdo vem relacionado à venda de produtos, cursos e publicações para aumentar a imunidade das pessoas. Ou seja, médicos e nutricionistas transformaram a pandemia em oportunidade de negócio.

        Além de trazer riscos à saúde individual, a desinformação afeta o modo como estamos lidando com a pandemia. Muitas informações falsas têm sido usadas com fins políticos para enfraquecer as ações de isolamento e distanciamento social, única forma conhecida de conter o avanço do vírus. Em alguns casos, os mensageiros deste conteúdo são autoridades políticas e governos. O presidente Jair Bolsonaro segue batendo na tecla da cloroquina como medicamento que cura a covid-19, mesmo com a comprovação de diversos estudos científicos de que a droga não traz benefícios e pode agravar os casos da doença. O deputado federal e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi o congressista que mais publicou fake news sobre a covid-19 no Twitter, segundo o site Aos Fatos.

    Em quem confiar, então?

    Ao mesmo tempo em que agentes ativos tem disseminado desinformação, muita gente tem trabalhado incessantemente para minimizar as consequências da infodemia. Universidades e instituições de pesquisa criaram sites com informações confiáveis sobre a covid-19 (veja alguns exemplos aqui, aqui e aqui ). Na plataforma Covid Verificado, o usuário pode mandar suas próprias dúvidas sobre o coronavírus. Tem site especializado na checagem de fatos, como Aos Fatos e A Lupa. A Agência Aos Fatos chegou a criar uma robô checadora de dúvidas sobre a Covid-19. Aqui, no Blogs, também separamos uma lista com fontes confiáveis para ajudar o leitor a navegar nesse mar de informações. Entre elas está, claro, o site da Organização Mundial da Saúde (OMS)

    Devemos adotar uma postura de desconfiança em relação às informações compartilhadas em grupos de Whatsapp e outros aplicativos de mensagem. Afinal, a nossa confiança em informações verdadeiras – comprovadas cientificamente – pode salvar vidas.

    Referências

    FÁVERO, Bruno e CUBAS, Marina. “Cotado para saúde, Osmar Terra é o congressista que mais publicou desinformação sobre Covid-19 no Twitter”, Aos Fatos, 15 de abril de 2020, Disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/cotado-para-saude-osmar-terra-e-congressista-que-mais-difundiu-desinformacao-sobre-coronavirus-no-twitter/. Acesso em 22/05/2020.

    Knight Center Courses. Entrevista com Cristina Tardaguila. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IM7haZyQ9JM. Acesso em 22/05/2020.

    MACHADO, Caio et. al. Ciência contaminada: Analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube. Relatório 1 de estudo do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD)  e Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), maio 2020, Disponível em: https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=cincia_contaminada. Acesso em 22/05/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Os 7 tipos de Fake News sobre a Covid-19

    Autoria de Cesar Augusto Gomes

    Conforme escrevi neste Especial Covid-19, há dois meses, a pandemia trouxe consigo a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito dessa terrível doença.

    Neste sentido, o presente texto pretende analisar e classificar os tipos de desinformação que circulam relacionados à Covid-19 e indicar um roteiro de perguntas básicas que você deve fazer antes de acreditar e / ou compartilhar informações que vale tanto para o Coronavírus quanto para as demais fake news sobre saúde, que circulam desde sempre.

    Para esta análise e classificação utilizo como método os 7 Tipos de Desinformação, inspirado na classificação feita por Wardle e Derakhshan (2017), para quem o termo fake news é inadequado, ambíguo e simplista para descrever o fenômeno da produção, difusão e consumo de uma gama variada de informações e não dá conta tanto da natureza quanto da escala do problema:

    Neste relatório, evitamos usar o termo “fake news” por dois motivos. Primeiro, é lamentavelmente inadequada para descrever os complexos fenômenos da poluição da informação. O termo também começou a ser apropriado por políticos de todo o mundo para descrever organizações de notícias cuja cobertura eles acham desagradável. Desta forma, está se tornando um mecanismo pelo qual os poderosos podem reprimir, restringir, minar e contornar a liberdade de imprensa. (WARDLE e DERAKHSHAN 2017:05)

    As informações foram coletadas entre os dias 26 de fevereiro de 2020 (data do 1° caso de Covid-19 registrado no Brasil) até o dia 10 de maio de 2020 (data da produção deste texto) e serão elencadas por ordem cronológica a partir do momento em que elas foram publicadas[1] pelas agências e editorias de fact-checking brasileiras, além Projeto Comprova, que atualmente se empenham em fazer o debunk das informações não factuais que circulam. Houve a seleção de um único exemplo de desinformação por categoria, com o intuito único de ilustrar os mesmos e não se buscou quantificá-los, hierarquizá-los nem relacioná-los a quaisquer correntes políticas ou a seus interesses subjacentes.

    Há, sem dúvida, a menção à política dentro das explicações porque ela atravessa o tema aqui estudado.

    (1) Manipulação do Conteúdo: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar.

    Foto editada publicada em post nas mídias socias (à esquerda) e frame de reportagem do canal pago GloboNews (à direita)

    31/03. A linguista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roxane Rojo (2012), ao diferenciar mídias digitais e analógicas, explica que estas faziam parte de um processo de comunicação unilateral em que o receptor estava incapacitado de responder ou interagir com a informação ou conteúdo que recebia.

    Por outro lado, aquelas, com a evolução tecnológica, permitem “que o usuário – ou o leitor/produtor de textos humano – interaja em vários níveis e com vários interlocutores – interface, ferramentas, outros usuários, textos/discursos etc.” (ROJO, 2012:23).

    Assim, o fácil acesso às tecnologias digitais permite não apenas receber conteúdos passivamente, mas interagir com eles e até interferir, produzindo outros conteúdos a partir do que foi lido, publicá-los e ser lido em qualquer parte do mundo por milhares de pessoas que tenham a acesso à internet.

    Essas possibilidades, que inegavelmente democratizam a comunicação de uma maneira nunca antes vista, podem estar se tornando uma armadilha para a Democracia, pois, têm servido a interesses de grupos de que delas se aproveitam para obter dividendos econômicos, e políticos, inclusive para defender o fim da Democracia, passando ao largo do interesse público.

    Portanto, a Manipulação do Conteúdo é um claro exemplo concreto dessa distorção, pois, no caso em destaque, o autor se utiliza de um frame de uma reportagem sobre chuvas do ano anterior e sobrepõe – por meio de uma legenda que imita a fonte da emissora de TV – uma informação não factual envolvendo a Covi-19. Um leitor desavisado e que não tenha a curiosidade de investigar a veracidade da informação, certamente vai absorver a versão transmitida por meio da montagem.

    (2) Conteúdo Fabricado: conteúdo novo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar.

    Frames de vídeo publicado no YouTube (à esquerda) e ilustração de fórmulas químicas (à direita)

    14/04. A produção de fake news não é exclusividade de um partido ou de uma corrente política, não agora, mas na história da humanidade. No entanto, no caso específico da Covid-19, no Brasil de 2020, uma corrente específica manifesta claramente o seu desprezo pelas determinações dos cientistas, o que não é segredo para ninguém, muito pelo contrário, alguns se orgulham disso. Isso talvez justifique a ansiedade (talvez, não seja nem maldade) de se produzir uma cura, que venha a desmentir tudo o que as pesquisas e os cientistas disseram até agora, revelado pela frase dita ao final do vídeo pela autora: “Isso a Globo não te conta!”.

    A protagonista (é bom pontuar porque ajuda a explicar o contexto da produção) tem pretensões político-eleitorais, conforme um site local e o perfil de seu partido num site de rede social noticiam que ela foi “aprovada no processo seletivo para Vereadora de Campo Grande/MS”. Se o objetivo era divulgar seu nome, deu certo, pois, num único perfil do site de rede social Twitter ela teve mais de 2 milhões de visualizações. É exatamente para isso que muitas vezes se produzem Fake News: dado o absurdo de algumas narrativas, uma parte das pessoas acabam compartilhando para criticar o que foi dito e outra parte, por concordar. De um modo ou de outro, a pessoa consegue aquilo que buscava: notoriedade. A estratégia tem se mostrado bastante eficiente, principalmente para fins eleitorais, como parece o caso.

    Podemos classificar como Conteúdo Fabricado todas as Fake News que circulam propondo algum tipo de cura para a Covid-19, sem nenhuma comprovação científica, como é o caso da recomendação para beber água quente ou ingerir Vitamina C e chá de erva-doce.

    (3) Falsa Conexão: quando manchetes ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo.

    Post que circula nas mídias sociais (à esquerda) e captura de tela (screenshot) de decreto emitido pelo Governo Federal (à direita).

    14/04. Outro caso bem comum de se encontrar, novamente ligado à política, porque no Brasil de 2020 a pandemia ganhou uma dimensão política, aparece uma linha de produção de Fake News que busca isentar a figura do presidente da república das consequências econômicas inevitáveis que virão pós pandemia. Isso do ponto de vista do debate democrático é legítimo, desde que feito baseado em fatos. Não é o caso do post acima que circulou nos sites de redes sociais ligados a determinado espectro político.

    A Falsa Conexão – muito parecida com o Conteúdo Enganoso – procura, a partir de um fato, distorcer parte da informação. A diferença é que o Conteúdo Enganoso distorce os dados omitindo as fontes e comunicando aquilo que lhe convém. Já a Falsa Conexão apresenta sim uma fonte oficial, porém distorce o conteúdo dessa fonte oficial, apostando no hábito do leitor ubíquo de não pesquisar a fonte e se contentar com o que está ali colocado para acredita na postagem. Logicamente isso está associado a uma série de questões como o viés de confirmação e tantos outros motivos que levam as pessoas a acreditar em Fake News, mas que não vamos discutir neste momento.

    (4) Falso Contexto: quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa.

    Frame de vídeo que circula no aplicativo WhatsApp (à esquerda) e frame de vídeo que ilustra reportagem da EPTV São Carlos, pertencente ao Grupo Globo (à direita)

    30/04. Com o agravamento da pandemia no Brasil, o Amazonas despontou como um dos primeiros Estados que apresentaram colapso em seu sistema de saúde. Como há uma questão política envolvendo a Covid-19 no país, não tardaram surgir desinformações questionando o número de mortos e as medidas de isolamento social.

    Na falta de provas materiais de seus interesses, os produtores de fake news encontraram na rede um vídeo genuíno, porém, gravado em 2017 em que uma exumação foi realizada e encontradas pedras em lugar de ossos humanos. Assim se caracteriza o Falso Contexto: uma informação factual, ocorrida num momento diferente, porém trazida a público como se fosse atual, com a clara intenção de enganar.

    (5) Conteúdo Enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou um indivíduo.

    Montagem de posts que circulam nas mídias sociais (à esqueda) e captura de tela (screenshot) dos dados de mortos por Covid-19 no Amazonas (à direita)

    07/05. Ainda no Amazonas, o ex-Ministro da Saúde, Nelson Teich, visitou o Estado no último dia 04 de maio para acompanhar de perto as ações desenvolvidas no enfrentamento à COVID-19, no Estado. Rapidamente, pipocaram nas mídias sociais informações de que o número de mortos havia diminuído após a chegada do político (conforme ilustração acima). Como de costume, este tipo de desinformação não apresenta nenhuma fonte oficial e circula por meio de imagens e vídeos de perfis ligados a determinadas posições políticas.

    Está caracterizado, assim, o Conteúdo Enganoso: partir de uma informação factual – no caso, a visita do ministro – e distorcer informações ou dados decorrentes desta – no caso a informação de que os óbitos em decorrência da Covid-19 teriam caído a 02 pessoas quando na verdade eles giraram entre 36 e 102, durante a passagem do ministro. A intenção é clara: levar os (e)leitores a deduzir que se a primeira informação é factual, a segunda também o será.

    (6) Sátira ou Paródia: nenhuma intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar.

    (7) Conteúdo Impostor: quando fontes genuínas são imitadas.

    Capturas de tela (à esquerda) de post publicado no site de rede social Twitter e (à direita) descrição do perfil da autora do post no mesmo site.

    A produção de notícias falsas como elemento de humor e ironia não começa com a internet. A revista Casseta Popular (paródia da Gazeta Popular) foi criada em 1978, por estudantes de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o jornal Planeta Diário surgido em 1984 – que chegou a alcançar a tiragem mensal de 100 mil exemplares – inauguraram um tipo de humor tendo como conteúdo paródias e notícias falsas baseadas em fatos reais. A união das duas redações deu origem em 1988 ao Casseta & Planeta, que ficou no ar pela TV Globo entre 1992 e 2010, cujo lema era “Jornalismo mentira, humorismo verdade”.

    Ocorre que, naqueles suportes – impresso e TV – havia condições de identificar o objetivo da publicação e a não veracidade das “notícias” publicadas. Com a chegada das mídias digitais – no sentido que Rojo (2012) lhe atribui, conforme dito anteriormente – houve a migração desse tipo de humor para as plataformas de mídias sociais, o que tornou a vida do leitor muito difícil para – no afã de compartilhar um grande volume de informações que lhe chegam a todo momento em seus dispositivos – diferenciar uma piada com ares de verdade e uma notícia factual, produzida pela mídia denominada tradicional, aqui entendida como “o conjunto de meios enquanto indústria da comunicação, com suas empresas e rotinas próprias” (GUAZINA, 2007:54).

    O Conteúdo Impostor, ao que se tem notícia, é utilizado no Brasil apenas para sites de humor, como a Falha de S. Paulo, paródia do jornal paulistano Folha de S. Paulo, e o G17, paródia do portal G1, do Grupo Globo. Embora não se descarte sua intencionalidade político-partidária, a Sátira ou Paródia, diferentemente dos demais tipos de desinformaçãonão têm o objetivo de enganar, mas sim, entreter.

    7 Dicas para identificar uma notícia falsa

    Segundo o biólogo Atila Iamarino nesta pandemia o raciocínio negacionista está sendo desconstruído pelo rápido confrontamento com os fatos. As fake news, que em boa medida bebem nas fontes negacionistas, estão tendo o mesmo destino. Embora saibamos que o alcance de uma desinformação é muito maior do que o seu desmentido, no curto prazo, as agências e editorias de fact-checking têm um papel fundamental, valorizando ainda mais os profissionais do jornalismo.

    No médio prazo, os legisladores propõem projetos para tentar coibir quem divulga fake news com pesadas multas. No entanto, no longo prazo somente a educação para leitura crítica da mídia pode vir a dirimir esse problema.

    Infelizmente, a Covid-19 nem as fake news sobre ela vão esperar, assim, inspirado no método de identificação de notícias falsas da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), enumero a seguir 7 considerações às quais o leitor deve levar em conta antes de compartilhar uma história:

    1. Considere a fonte: clique fora da história para investigar o site, sua missão e contato.
    2. Considere o título: ele corresponde ao conteúdo do texto ou só quer obter cliques?
    3. Considere o autor: há um autor que assina o texto?  Ele tem credibilidade?
    4. Considere a data: repostar notícias antigas como se fossem atuais, é uma estratégia.
    5. Considere outras fontes: a história aparece em outros sites com a mesma versão?
    6. Considere sua ideologia: seus valores e crenças afetam seu julgamento nessa história?
    7. Considere o Humor: pesquise se o site de origem é adepto do gênero humorístico.

    No passado, na Grécia Antiga, a Ágora ateniense era o espaço, físico, onde o cidadão fazia discussões políticas, entre outras atividades. Por ser o espaço da cidadania, era considerada um símbolo da democracia direta e, em especial, da democracia ateniense, na qual todos os cidadãos tinham igual voz. Hoje, as mídias sociais são os espaços (virtuais) mais frequentes em que os cidadãos (onde há dispositivos eletrônicos e conexão de internet) encontram “palco” para se manifestar. Infelizmente, essa Ágora Moderna está sendo destruída por quem não tem apreço à democracia, muito menos à vida humana, pois uma pessoa que tem a coragem de espalhar uma desinformação sobre saúde está (ou deveria estar) consciente de que sua atitude pode levar uma pessoa a deixar de tomar um remédio que poderia lhe salvar a vida ou tomar um que pode lhe tirar. O mundo todo está enfrentando a pandemia da Covid-19, no entanto os brasileiros enfrentam duas.

    Referências:

    GUAZINA, Liziane. O conceito de mídia na comunicação e na ciência política: desafios interdisciplinares. Porto Alegre. Revista Debates, v. 1, n. 1, p. 49-64, jul.-dez. 2007.

    RODA VIVA. Entrevista a Atila Iamarino. TV Cultura. São Paulo. | 30/03/2020. Disponível em https://youtu.be/s00BzYazxvU acesso em 14 mai. 2020;

    ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 264p.

    WARDLE, Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017. Disponível em https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c. Acesso em 15 mai. 2020


    [1] Exceção feita à Sátira e ao Conteúdo Impostor que, por pertencerem ao gênero humorístico, não passam por checagem das agências.

    Autoria de Cesar Augusto Gomes


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • De soluções milagrosas a desinfetantes: alguns perigos no combate ao coronavírus

    E é exatamente devido à simplicidade de sua produção e, portanto, a facilidade de acesso, que devemos compreender como esta mistura funciona no organismo e esclarecer o porque o MMS NÃO serve no combate a doenças, sendo na verdade um produto com potencial risco de intoxicação

    Produto milagroso, com potencial para o tratamento das mais diversas enfermidades conhecidas e até mesmo de condições ainda não compreendidas pela medicina e que, obviamente pode ser utilizado no tratamento da COVID-19. Sim, é desta forma que tem sido divulgado, em diferentes canais, a chamada solução mineral milagrosa (ou MMS – Mineral Miracle Solution). Recentemente, até mesmo o presidente do país de maior economia mundial fez referência ao uso de substâncias similares (os desinfetantes). 

    Nos referimos aqui a uma recomendação grave, de uma substância com potencial tóxico e que tem sido ofertada de forma criminosa por diferentes sujeitos. Mas o que é o MMS, qual a origem de seu uso e quais seriam seus possíveis efeitos? Este tema poderia entrar para a série: dos absurdos que recebi nesses últimos tempos.

    Não há relatos precisos a respeito da origem da indicação do uso do MMS, mas atribui-se as primeiras recomendações de uso a Jim Humble, que se auto-intitula ex-profissional da engenharia aeroespacial e, atualmente, cientologista. Inicialmente, o MMS foi sugerido, sem validação científica, no tratamento de malária e HIV. Atualmente, indivíduos de formação duvidosa continuam a sua recomendação no tratamento de dores lombares, envenenamento por picada de animais venenosos, como agente antimicrobiano diverso e incrivelmente no combate a condições como a Síndrome do Espectro Autista. Obviamente com todas essas promessas, houve quem acreditasse e  começasse a indicar tal  substância no combate ao vírus que tem causado a pandemia, o SARS-CoV-2

    Até aqui você já pode questionar: Teríamos então um remédio contra a COVID-19? Vamos tentar entender um pouco mais sobre o MMS do ponto de vista químico para fornecer subsídios que refutem o uso desta suposta solução milagrosa. 

    Do que é feito o MMS e qual  é a sua ação?

    O MMS constitui-se de uma solução formada por uma substância chamada dióxido de cloro (ClO2) – um gás, dissolvida em água. Tal solução pode ser produzida utilizando-se clorito de sódio (NaClO2) ou hipoclorito de sódio (NAClO) misturados a uma solução ácida, a qual as receitas recomendam que seja da ácido cítrico (C₆H₈O₇). 

    Talvez você reconheça os nomes citados e os associe a produtos presentes nas residências. De fato, o hipoclorito de sódio está presente na água sanitária (produto de limpeza que em algumas regiões é chamada simplesmente de cloro) e o ácido cítrico está presente em diferentes frutas ácidas (como limão e acerola) bem como pode ser adquirido em farmácias. Talvez, você também esteja se perguntando: então se eu misturar água sanitária com o ácido proveniente das frutas cítricas eu tenho o MMS? Sim, é isso que se recomendam as receitas de produção desta substância.

    O clorito e o hipoclorito de sódio são agentes oxidantes, ou seja, reagem com substâncias tendendo a degradá-las por meio de reações que conhecemos como oxidorredução. É por isso que a água sanitária é utilizada na remoção de manchas e na desinfecção de superfícies. O dióxido de cloro produzido e presente no MMS tem potencial ainda maior de oxidar compostos, principalmente moléculas orgânicas que contêm, além de carbono e hidrogênio, átomos de nitrogênio (N) e enxofre (S). Essas moléculas orgânicas fazem parte de um grande número de biomoléculas que compõem nosso organismo.

    Deste modo, o produto contido no MMS pode sim degradar as camadas proteicas presentes em vírus, assim como diversas outras moléculas presentes em nosso organismo, como as presentes em nossas células saudáveis. Isso acontece porque a degradação não apresenta seletividade1. Ou seja, o MMS irá degradar todas as substâncias com as quais tiver o contato e que sejam menos oxidantes do que ele. 

    Mas o que isso quer dizer? Se alguém ingerir a solução descrita, essa pessoa estará expondo seu organismo a um produto extremamente tóxico que poderá degradar tanto partes saudáveis do seu organismo como aquelas não saudáveis. 

    Mas o uso do MMS é permitido? 

    Não. A Organização Mundial da Saúde (OMS) em relatório publicado sobre o efeito da substâncias em cobaias mamíferas aponta os perigos diversos do uso do MMS que compreendem estresse respiratório, enfisemas e edemas pulmonares na dose mínima e morte de parte dos grupos nas doses superiores (no caso da inalação do gás)2 . Quando administrado oralmente, metade das cobaias morreu com a dose máxima, e outras duas com a dose intermediária passadas 48 horas da ingestão. Todas elas apresentaram irritação e  corrosão gastrointestinal. 

    Ainda, outros estudos mostraram que camundongos expostos à baixas doses de dióxido de cloro em filhotes tiveram problemas neurocognitivos, com atrasos no neurodesenvolvimento e redução na formação de sinapses cerebrais, bem como possíveis problemas que o produto pode causar na tireoide, estômago, intestino, e até na diminuição do número de hemácias.

    Todos estes dados impulsionaram a proibição do MMS em vários países e, no Brasil, tal proibição foi realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em junho de 20183 .

    Portanto, produtos a base de clorito e hipoclorito de sódio são recomendados apenas para limpeza externa de superfícies, não sendo recomendados nem mesmo o uso na pele. Quanto ao derivado dióxido de cloro que  gera a “solução milagrosa”, seu uso não é recomendado e, nem sequer existe algum produto comercial a venda que contenha essa composição. 

    Conclusão, administrar o MMS é o mesmo que ingerir veneno imaginando que o veneno irá atuar apenas nos microorganismos que causam doenças e não em células saudáveis, o que é completamente equivocado. Ou ainda, seria como pensar “Bom se a água sanitária mata as bactérias na pia, se eu tomar um pouco ela irá matar as bactérias do meu organismo” desprezando todos os outros efeitos que esta substância poderia causar.

    Referências

     ASCOM/ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Autismo: falso medicamento é proibido. 2019. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/medicamento-falso-para-autismo-e-retirado-do-mercado/219201>

    DOBSON, Stuart. CARY, Richard. Chlorine Dioxide (GAS). Concise International Chemical Assessment Document 37. World Health Organization. 2002. Disponível em: <https://www.who.int/ipcs/publications/cicad/en/cicad37.pdf

    EPA. U.S. Environmental Protection Agency. Chlorite (sodium salt); CASRN 7758-19-2. National Center for Environmental Assessment. Disponível em: <https://cfpub.epa.gov/ncea/iris/iris_documents/documents/subst/0648_summary.pdf

  • Pandemia acelera produção e acesso a preprints

    Cães e gatos podem transmitir o Covid-19? Descoberto anticorpos com ação eficaz contra o novo coronavírus. Droga contra HIV tem ação animadora contra Sars-Cov-2. Estas são algumas notícias que devem ter chegado a você, todas baseadas em artigos ainda sem avaliação por especialistas. São os chamados preprints, que são disponibilizados para acelerar o acesso à informação científica, o intercâmbio e as chances da ciência achar respostas rápidas contra o novo coronavírus.

    No Brasil, a pandemia mobilizou editores de revistas científicas a disponibilizarem, o quanto antes, artigos relacionados ao Covid-19. A urgência do atual momento é incoerente com o período médio de 6 meses (sendo otimista) para que um artigo seja submetido, avaliado e publicado. 

    Pensando nisso e atendendo uma demanda de editores científicos, a SciELO (Biblioteca Científica Eletrônica Online) acaba de lançar seu repositório, que já conta com 10 preprints submetidos pelos próprios autores. E, em breve, a Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec) e o Instituto Brasileiro de Informação de Ciência e Tecnologia (Ibict) lançarão a EmeRI (Emerging Research Information), plataforma de preprints com o diferencial de ser alimentada por editores, com o aval dos autores. 

    “Muitas revistas do Brasil e de países hispano-lusófonos não têm condições de manter cada uma seu repositório de preprints. Além disso, a dispersão dessa alternativa seria enorme e os trabalhos difíceis de serem recuperados”, descreveu um dos idealizadores do repositório, Piotr Trzesniak, Secretário-Geral da Abec e professor da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE).

    Ritmo frenético

    Dentre as plataformas mais importantes de preprints estão o  BioRxiv e o MedRxiv, voltados para as áreas de ciências biológicas e medicina, respectivamente e que juntos já disponibilizam mais de 1.700 preprints sobre a Covid-19 ou o vírus Sars-Cov-2. Em março deste ano, o BioRxiv bateu record de publicações (3.037 submetidas) e de downloads (mais de 3 milhões), desde que o repositório foi criado em novembro de 2013. Essa frutífera fonte de informação científica foi também a fonte das notícias que abrem esta matéria. 

    Com a facilidade de acesso online, jornalistas de ciência, generalista que ou comunicadores que cobrem a pandemia, encontram ali pesquisas que trazem pistas, tratamentos potenciais e respostas para o grave momento em que vivemos. Mas essa agilidade vem atrelada à maior chance de erros, fraudes e pesquisas de baixa qualidade. 

    De acordo com o editor da revista centenária revista de medicina tropical Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Adeilton Alves Brandão, o momento de urgência por informações científica demanda processos éticos mais ágeis, e cuidados que todo cientista – e jornalista – deveria tomar diante de qualquer: “duvidar e verificar”. 

    Adeilton critica o fato de, frequentemente, a mídia consultar os autores de preprints ou mesmo de artigos para comentar sua própria pesquisa. “Isto não oferece perspectiva interessante de análise, pois há conflito de interesses (nenhum pesquisador jamais apresentará as limitações de seu próprio trabalho!)”, enfatiza.

    “A ciência é um aliado importante dos tomadores de decisão, em primeiro lugar, e da sociedade de um modo geral, pois é a única atividade que gera dados, evidências baseados (idealmente!) no conceito de que serão sempre postos à prova, questionados, criticados”, afirma o editor científico da Memórias. Apesar da aparente contradição, ele explica que faz parte do próprio processo de construção do conhecimento científica que a robustez de dados seja posta à prova através de questionamentos e contraprovas que possam diminuir as incertezas.

    Impacto dos preprints

    Uma análise, que acaba de ser publicada no Quantitative Science Studies, demonstra que os preprints geram mais citações para os artigos depois de publicados em revistas científicas, do que artigos que não tiveram preprints disponibilizados. A explicação, segundo artigo liderado por Nicholas Fraser do Leibniz Information Centre for Economics e co-autores, é que muitos cientistas citam preprints em seus trabalhos. A análise, verificou que os artigos ainda sem revisão por pares também são amplamente citados no Twitter e em blogs, o que pode influenciar na divulgação, visibilidade e consequente aumento nas citações. 

    Talvez esses resultados sejam um importante chamariz para convencer autores e editores sobre a importância dos preprints. mais importante que citações (sempre!) é a agilidade, a transparência e o acesso aberto às pesquisas científicas em andamento. A atual urgência deverá deixar importantes legados para cientistas e jornalistas.

    Tão rápida quanto a velocidade de publicação dos preprints é a reação e olhar crítico e as reação de especialistas. Especialistas já colocam em dúvida os resultados, ainda preliminares, do preprint sobre a infecção de cães e gatos pelo novo coronavírus. “Precisa de uma quantidade significativa de trabalho extra antes que [os resultados] sejam interpretados como evidência de infecção pelo [vírus] Sars-CoV2. Como está, [o preprint] deve ser melhor visto como um texto opinativo”, avaliou Mick Bailey, professor de imunologia comparativa da Universidade de Bristol, sobre o preprint para o Science Media Centre

    “O impacto de preprints no discurso e na tomada de decisão da referente a atual pandemia de Covid-19 sugere que temos que repensar como recompensamos e reconhecemos as contribuições da comunidade científica durante a atual e futura crise da saúde pública”, sugerem Maimuna Majumder, Kenneth Mandl da Faculdade de Medicina de Harvard em artigo para a revista The Lancet.

    • Este artigo foi produzido dentro das atividades da Oficina de Jornalismo Científico II do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor)/Nudecri, da Unicamp.

    Mais leituras sobre o tema você encontra em:

    Adesão ao acesso aberto é chave no acesso a informações científicas sobre Covid-19. De Germana Barata para Associação Brasileira de editores Científicos (Abec), março de 2020.

    Mudanças à frente em direção ao acesso aberto de revistas científicas, postagem que publiquei neste blog em 2017.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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