Um vírus mostrou que mudanças de hábitos podem acontecer rapidamente. Além do uso de máscaras ou do álcool em gel, se você reparar bem vai perceber que o uso de bicicletas aumentou. Basta olhar nas redes sociais a quantidade de pessoas posando em suas bikes. Seja porque as academias ficaram fechadas, os transportes públicos se tornaram lugares inviáveis ou a preocupação com uma vida mais saudável aumentou!
Ontem foi o dia em que a terra completou mais um Overshoot Day, momento em que a humanidade usou todos os recursos biológicos que a Terra pode regenerar durante um ano. Ou seja, a partir de hoje e até o último dia de 2020, estamos usando esses recursos no cheque especial. E para ajudar a diminuir esse impacto, vamos fazer das pedaladas um hábito de fato?
Sobre a bicicleta
A bicicleta surgiu como um meio de transporte há mais de 200 anos. O veículo de duas rodas pioneiro, que foi criado em 1817 pelo alemão Karl von Drais, era de madeira, funcionava com o impulso dos pés e pesava uns bons quilos. Mas apenas na década de 1970 houve um boom no uso das bicicletas, que não durou muito porque os automóveis ganharam vez! Todavia, em 2020 temos a oportunidade de estabelecer um maior uso das bikes para o bem de todos e do todo – uma vez que os automóveis estão entre os principais emissores de gases do efeito estufa na Terra!
Em alguns lugares, a bicicleta é parte integrante da vida cotidiana há um bom tempo, como é o caso da Holanda, que é famosa por ter mais bicicletas do que pessoas. Por lá, se locomover em duas rodas é tão comum que não significa ser pobre, rico, atleta ou estiloso, pelo contrário. Mostra-se algo tão natural de ser feito diariamente quanto escovar os dentes. Outro exemplo de relação harmoniosa com as bicicletas, antes da pandemia do coronavírus, é em Copenhague, capital da Dinamarca, que há anos investe no setor, estimulando a circulação de mais bicicletas do que carros em suas ruas!
Como cita a reportagem do Fórum Econômico Mundial, há muitos motivos para incentivar as duas rodas em todos os lugares. O ciclismo contempla quase todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU estipulados em 2015. Além disso, contribui para uma maior qualidade de vida, melhora a saúde mental e física, promove um ambiente mais saudável. Por fim, gera uma economia verde e de baixo carbono, reduz o congestionamento, a poluição do ar e as emissões de CO2. Então, devemos caminhar (ou pedalar) para que todos usem bicicletas?
Por que não?
Mas para isso será necessário muito mais do que a vontade de pedalar no final de semana, os desafios são diversos.
Por exemplo, as ciclovias não devem ser estabelecidas apenas em áreas nobres e centrais; o investimento em infraestruturas permanentes para o uso das bicicletas como em Milão, com expansão e conexão de redes de bicicletas existentes; a educação para que todos os tipos de veículos e pedestres saibam melhor transitar por qualquer via (conforme aponta Infosiga, só no Estado de Paulo houve 143 mil acidentes de trânsito em 2019); o incentivo para ações como a World Bicycle Relief, organização sem fins lucrativos que leva bicicletas para quem precisa; a World Cycling Alliance, que tem como uma das prioridades compartilhar as melhores práticas, pesquisas e estatísticas para melhorar o uso de bicicletas em todo o mundo; e a People For Bikes que mostra o quanto o ciclismo pode prosperar!
A bicicleta é uma solução de mobilidade humana muito econômica, simples e sustentável. Ela não é algo utópico. Talvez, o veículo do futuro foi inventado há muito tempo.
Que esse movimento de expandir pedaladas se transforme em uma mudança cultural de fato, uma das maneiras de respeitar o planeta, que está trabalhando no vermelho e que clama por ações mais sustentáveis.
Tássia Oliveira Biazon é graduada em Ciências Biológicas (Licenciatura/2013 e Bacharelado/2014) pelo Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Botucatu) e graduada em Biologia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC-Portugal) em 2012; Pós-graduada (Lato Sensu) em Jornalismo Científico no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2016; Atualmente é colaboradora do Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Por Danila Gabriela Bertin, Felipe Ferreira Naves e Vinícius Nunes Alves
A colaboração científica global é essencial para vencermos a crise do novo coronavírus, mas também para uma reconstrução sustentável da economia pós-Covid-19
Quem nega o aquecimento global,
vai ver esses efeitos acontecendo daqui há 20 ou 30 anos.
Quem vai ser afetado,
não são as mesmas pessoas que estão negando agora.
[Átila Iamarino no programa Roda Viva da TV Cultura em 30 de março]
Nunca antes, na sociedade moderna, houve uma pandemia com esta magnitude. Ao mesmo tempo, há uma união global da ciência em prol de uma solução comum, em proporções nunca vistas antes. Mas Carlos Nobre, um dos maiores cientistas do clima, defende que a ciência se una não só durante a crise de Covid-19, mas também após a mesma para auxiliar a economia a se reconstruir de forma sustentável no mundo.
No webinar “Futuro Pós Covid-19” promovido pelos Líderes Climáticos da Juventude (YCL, sigla em inglês) em 05 de maio, o climatologista de destaque discutiu meios para uma reconstrução sustentável da economia pós Covid-19. “O ideal é uma colaboração, não é um país brigando com o outro, escondendo ciência, tentando usar a ciência com enorme poder tecnológico e econômico”, ressalta Carlos Nobre, que também apoia essa postura para as mudanças climáticas, outro problema global que as sociedades devem enfrentar.
Carlos Nobre é um cientista brasileiro de impacto internacional. Atualmente é pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP e Presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, entre outras titulações e funções. Nobre alerta sobre os riscos do aquecimento global formado nas últimas décadas para a humanidade, caso não frearmos as emissões de gases de efeito estufa. A destruição e poluição do meio ambiente podem tornar a manutenção da vida na Terra insustentável para os seres humanos, assim como para 40 a 50% das espécies do planeta.
Imagem de chamada do Youth Climate Leaders (Líderes Climáticos da Juventude) no Facebook para o webinar com Carlos Nobre.
Resistência e retomada econômica sustentável
Tanto na crise de Covid-19 quanto na crise climática há certa resistência da sociedade em mudar o estilo de vida, principalmente pelo impacto na economia. Carlos Nobre fez questão de reconhecer que “a recuperação econômica não é um coelho que sai da cartola do mágico”. É inevitável que grande parte dos recursos para isso saia do bolso do cidadão, assim como aconteceu nas outras recessões. Portanto, é imprescindível o posicionamento da sociedade a favor das soluções sustentáveis e economicamente viáveis, que evitem os limites planetários.
A energia de fontes renováveis, como a solar e eólica, estão entre as menos custosas. No entanto, os subsídios para a indústria fóssil, a maior responsável pela crise climática, ainda é dez vezes maior do que para a energia renovável. Logo, é urgente a inversão desta prioridade. Carlos Nobre ainda realçou a necessidade da transição para uma agricultura regenerativa, baseada em sistemas agroflorestais, que favoreça a biodiversidade dos países tropicais e os serviços ecossistêmicos.
“A floresta em pé tem um valor econômico superior para a sociedade em geral do que a floresta derrubada e substituída por pastagem de pecuária ou mesmo grãos. Tanto a ciência quanto o conhecimento tradicional podem valorizar, inclusive culturalmente, uma floresta em pé por milhares de anos”, conta Carlos. Nesse sentido, o projeto Amazônia 4.0 (em referência à quarta revolução industrial) é um exemplo de sucesso na parceria entre ciência, tecnologia e conhecimento tradicional de povos amazônicos que busca o desenvolvimento de uma economia que prioriza a floresta em pé.
Outra iniciativa recente que tem potencial para alavancar a economia de forma sustentável após a pandemia é a do Fórum Econômico Mundial (2020) que propõe plantar um trilhão de árvores de forma planejada. Isso, além de ser poderoso no combate às mudanças climáticas, pode ser também um instrumento valioso na recuperação econômica, uma vez que gerará empregos e benefícios para a agricultura e qualidade ecológica urbana.
Crise climática e pandemias no futuro
As hipóteses mais aceitas para o surgimento do novo coronavírus, o Sars-Cov-2, se relacionam ao tráfico de animais silvestres, ao seu manuseio e consumo. São os famosos mercados molhados. E por que eles trazem risco de epidemias? Os animais silvestres, há milhões de anos, estão em equilíbrio com seu ambiente. Ambiente este que é rico em diversos microrganismos e, quando perturbado, pode desequilibrar o tamanho das populações de microrganismos e de seus vetores (animais que o transportam).
A savanização da Amazônia também traz consigo riscos expressivos de gerar doenças com potencial pandêmico. Com as florestas tropicais secando e se transformando em fisionomias savânicas, a diversidade de microrganismos é desequilibrada e o fluxo desses muda, ficando mais expostos para a população humana.
Muitos desses microrganismos podem trazer doenças zoonóticas, se em contato direto com humanos. A Floresta Amazônica, além de sofrer problemas ambientais como desmatamento, queimada e grilagem de terras, já carrega potenciais endemias. “Se perguntarem assim: Poxa, a Amazônia nunca gerou até hoje uma pandemia, né? Eu responderia: pura sorte porque elementos de geração de epidemias e pandemias estão na Amazônia. Existe a leishmaniose que é endêmica. Existem umas hantaviroses que estão se tornando agora um pouco mais disseminadas. É um lugar que tem a maior diversidade de microrganismos do mundo”, destaca o cientista.
Crise climática e injustiça social
A desigualdade social se torna cada vez mais frequente, em ritmo acelerado nos países em desenvolvimento. As populações com menor capacidade de resiliência aos impactos das mudanças climáticas são justamente as mais vulneráveis e as que menos contribuem para a instalação desta crise. São países africanos, do sul da Ásia e América Latina. Mesmo diante desse contexto, “nós ainda não tivemos a habilidade de implementar um mecanismo de compensação de justiça social”, pondera Carlos Nobre com sua franqueza característica.
O Fundo Verde do Clima surgiu em 2010, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, com o objetivo de financiar projetos voltados ao enfrentamento da crise climática nos países mais vulneráveis. Porém, o Fundo se encontra com baixa efetividade de atuação contra a injustiça social, assim como para nos direcionar a trajetórias de menor risco.
Transações de caráter econômico não sustentáveis ainda estão recebendo prioridade, e um exemplo disso é a crítica iniciativa Belt and Rode da China que pretende vender termelétricas a carvão para a África. Ironicamente, é esse continente que possui o maior potencial de geração de energia solar do mundo com o Deserto do Saara.
Isso vai na contramão do Acordo de Paris (2015) realizado pelas Nações Unidas que considera “as mudanças climáticas como uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta e, portanto, requer a mais ampla cooperação possível de todos os países e sua participação em uma resposta internacional eficaz e apropriada, com vista a acelerar a redução das emissões globais de gases de efeito estufa”. Nesse sentido, Carlos Nobre ainda complementa que “se nós não conseguirmos atingir os objetivos do acordo de Paris, nós vamos criar um mundo muito mais impensavelmente injusto do que nós já temos hoje.”
Poluição atmosférica em cidades – Imagem de Pixabay
O papel da educação e dos jovens com as mudanças climáticas
Quando lidamos com crises sanitárias, como a Covid-19, a percepção dos impactos é maior, pois estamos vivenciando as consequências desse problema rapidamente. Mas quando tratamos das graduais mudanças climáticas a percepção de risco é menor. Para mudar essa percepção, não basta só a informação científica, mas precisa essencialmente de uma base educacional sólida que valorize o processo do conhecimento científico sobre problemas ambientais e outros que afetam a sociedade como um todo.
Os sistemas educacionais formais se concentram na juventude e colocam os jovens como protagonistas iminentes da sociedade. Assim, é a educação de qualidade que pode esclarecer a percepção de risco das mudanças climáticas, tornando a sustentabilidade um valor humano e de cidadania.
Carlos Nobre enfatizou que os “bons ventos” estão mais nas mãos dos jovens, pois serão os consumidores, empreendedores e políticos de uma sociedade futura. Segundo o pesquisador, a organização de jovens líderes climáticos deste webinar é um emblema disso. São jovens com esse perfil que pensam em medidas inovadoras e em ferramentas criativas da quarta revolução industrial para gerar oportunidades econômicas sustentáveis. A responsabilidade e a oportunidade parecem ainda maiores para as gerações jovens que crescem em países com dimensões continentais e com biodiversidade imensa como o Brasil.
Danila Gabriela Bertin é bacharel em Ciências Biológicas pelo ICENP/UFU.
Felipe Ferreira Naves é bacharel em Ciências Biológicas e mestrando em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU.
Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo IBB/UNESP, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU. Atualmente é estudante de especialização em Jornalismo Científico pelo Labjor/UNICAMP e colunista do jornal Notícias Botucatu.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.