Categoria: Políticas Públicas

  • A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    Texto por Matheus Naville Gutierrez

    A PEC 206 pode destruir a universidade pública brasileira. Precisamos defendê-la de argumentos falsos.

    O deputado Kim Kataguiri (Democratas-SP) colocou em pauta hoje um projeto que visa alterar a constituição, o qual ele é relator. A PEC 206/2019, redigida em 2019 pelo deputado General Peternelli (PSL-SP), propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas para todos os seus frequentadores, e aqueles que não puderem pagar, podem usufruir da universidade pública gratuitamente. O progresso científico e tecnológico brasileiro é diretamente afetado e atacado com esse projeto, que antes de mais nada, é deturpado e usa de pressupostos errôneos. Primeiramente, a PEC usa pressupostos completamente equivocados. Vamos debatê-los a seguir.

    O texto enganador da PEC

    Logo após a leitura do texto da PEC, uma problemática bem clara sobre o pressuposto do projeto de lei se mostra. A defesa nefasta que está acontecendo nas redes sociais não leva em consideração os parâmetros da lei em si.

    Trecho PEC
    Trecho retirado da PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º206 , DE 2019

    Conforme o texto acima, a lei propõe justamente que exista uma comissão que avalie a situação socioeconômica dos estudantes e faça uma deliberação sobre o pagamento ou não da mensalidade. Ou seja, a base é que TODOS os estudantes paguem mensalidade, estando apenas alguns eximidos da conta. Decerto, essa lógica levanta muitas questões problemáticas. Vamos a algumas delas:

    Como essa comissão será formada? Como ela atenderá todos os estudantes? Quais critérios serão utilizados para essa escolha? Essa comissão não poderia ser utilizada de forma a excluir ainda mais os estudantes? Eles não precisariam passar por mais uma etapa burocrática para conseguir se manter na universidade pública?

    Uma vez que esse debate entrou na esfera pública novamente, podemos nos debruçar em alguns pressupostos que esse projeto de lei. A seguir, coloco algumas dessas questões para conversa.

    Quem frequenta a universidade pública?

    Inicialmente, a defesa dessa PEC sugere que as universidades públicas brasileiras são frequentadas majoritariamente por pessoas oriundas das classes mais altas. Sendo assim, elas teriam o poder aquisitivo necessário para pagar os custos de seus estudos na universidade. Ainda que esse discurso pareça verdadeiro, ele atualmente é falso. Segundo dados da pesquisa do perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das universidades federais, o perfil brasileiro é: 53,5% dos estudantes vivem com renda de até 1 salário mínimo por pessoa nas famílias. Esta pesquisa coletou dados de 63 universidades federais brasileiras. Confira abaixo os dados na tabela:

    É necessário debater sobre as formas que universidade pública elitiza o conhecimento e cria modos de facilitar a permanência de pessoas com renda maior, nós sabemos disso. Contudo, o projeto de lei não serve como resposta para esse problema.

    Ou seja, a PEC coloca como responsável por essa problemática os estudantes. Como assim? Atualmente, a universidade não possibilita o acesso e a permanência de pessoas sem os recursos financeiros, o que falarei mais adiante. Mas o mais relevante é: cria uma disputa por vagas e cotas entre os próprios estudantes já em situação de vulnerabilidade social e financeira. Esta PEC cria, portanto, uma narrativa de embate entre os estudantes para tirar o foco da problemática real das universidades: as políticas públicas e como são feitos os investimentos.

    Atacando o problema de verdade

    Para que essa elitização velada da universidade comece a ser combatida de verdade, precisamos focar em duas frentes. Primeiramente, o debate sobre o vestibular. Ele sim, um gargalo colocado de forma proposital para excluir uma parcela dos estudantes. Ele afunila a entrada na universidade, principalmente quem não consegue dedicar o tempo necessário de estudos para enfrentar a maratona dos vestibulares (e não consegue pagar por cursos pré-vestibulares).

    Em seguida, as políticas públicas de permanência. A universidade pública brasileira é um espaço de formação que exige a dedicação quase exclusiva de seus alunos, sem tempo para trabalhos externos. Para criar condições aos estudantes usufruam de suas possibilidades formativas, a universidade precisa garantir moradia, alimentação e renda para os estudantes.

    Nossa defesa, como política pública, é oposta ao projeto de lei. Isto é, o financiamento para permanência de estudantes na universidade pública deve ser proveniente de políticas públicas inclusivas, que abarquem a diversidade, origem e identidades diversas. Quem deve financiar esses estudantes, portanto, não devem ser eles mesmos, mas políticas públicas destinadas a sua formação.

    O que se desenvolve na universidade pública no Brasil?

    Ao mesmo tempo, o discurso de se pagar é nefasto por não compreender a complexidade da produção e da vivência nas universidades brasileiras. A ideia de que é um local de apenas estudo, em que o estudante apenas assiste aulas e realiza provas é falacioso. A universidade pública, desde os estudantes de graduação, desenvolve ciência, forma profissionais, produz conhecimento que retornará para a sociedade.

    O desenvolvimento da ciência brasileira, realizada por graduandos e pós-graduandos, foi o que nos garantiu o desenvolvimento de diagnósticos, com agilidade e eficiência, durante toda a pandemia da Covid-19, aqui na Unicamp e em várias universidades brasileiras. Além disso, a grande quantidade de pesquisas e atuações acadêmicas neste período, em todas as áreas de conhecimento, tiveram participação ativa de estudantes ainda em formação, de modo voluntário ou com bolsas, que minimizaram os efeitos da doença em toda a sociedade brasileira.

    Uma nação que busca o progresso sustentável e tecnológico precisa do desenvolvimento científico, que acontece unicamente nas universidades públicas. Isto é, a proposta de se pagar para estudar em uma universidade pública, além de afastar futuros cientistas que poderiam surgir de diversas origens sociais e econômicas, deturpa a própria ideia de desenvolvimento científico em nosso país.

    A pós-graduação: ela também pode ser afetada em médio e longo prazo

    O pós-graduando, hoje, vivencia uma carreira de uma avassaladora precarização, sem recursos, com bolsas sem ajustes e com a visão social de que é “apenas um estudante”. Não, não é. O estudante de graduação e pós-graduação são profissionais que desenvolvem trabalhos em sua área de formação, desde o início do curso. Você, por exemplo, aceita trabalhar de graça por vários anos, sem nenhuma renda? Pois é, além de atuar de graça, ainda precisaria pagar, neste caso.

    Na perspectiva desta lei, que prevê cobrança de mensalidade na graduação, também não afetaria essa etapa que acontece na universidade pública? Se cobrarmos os estudantes de graduação, depois de quanto tempo a pós-graduação que será cobrada? Essa proposta de lei é um afronte gigantesco à autonomia e ao ideal de universidade pública.

    A educação deve sempre ser pública, gratuita, de qualidade e de fácil acesso

    Em suma, esse é um projeto de lei que ataca diretamente a constituição nacional que garante o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para para todas as pessoas da nação. Em primeiro lugar, a garantia que ela é pública é a base para o desenvolvimento da ciência, da extensão e do ensino sem a necessidade de cumprir uma agenda empresarial e de resultados. Juntamente, a educação precisa ser gratuita, para garantir que todas as pessoas tenham acesso ao desenvolvimento cidadão, profissional, científico e humanístico. Assim como ela também precisa ser de fácil acesso, garantindo que todas as pessoas que busquem uma instituição de ensino consiga acessá-la.

    O problema da elitização velada das universidades é importante e de necessária discussão. Mas que ela seja feita de forma séria, verdadeira e com propostas reais de sua superação, e não seja retirado do Estado brasileiro a sua responsabilidade.

    Atualização (24 de maio, 19h21; Editorial)

    A PEC não está mais em tramitação, enquanto finalizávamos o texto, em função do pedido de Audiência Pública, com participação de representantes da sociedade civil organizada, conforme consta neste documento.

    Para saber mais

    Beraldo, Gabriela (2022) Bolsa Capes, do MEC, completa 9 anos sem reajuste. entenda o que isso significa, 23 de março de 2022.

    BRASIL. PEC 206/2019, Dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

    UFES. Pesquisa nacional apresenta o perfil dos estudantes de graduação das universidades federais, 17 de maio de 2019.


    Publicado originalmente no blog PEMCIE.


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp.

  • A política e as histórias em quadrinhos

    Texto por Dani Marino

     

    Sabemos que nenhuma manifestação humana é dissociada do contexto em que foi produzida. Das artes plásticas, passando pelo cinema, pela literatura e outras expressões como as histórias em quadrinhos, essas expressões representam não só a visão de um artista sobre algo, mas indicam também quais são as condições sociais, políticas, culturais que possibilitaram a existência de suas obras.

    Painel da HQ “Vingadores: A cruzada das crianças” Foto: Reprodução

    Crivella manda recolher HQ dos Vingadores com beijo gay; Bienal se recusa – Prefeito disse estar ‘protegendo os menores da nossa cidade’; advogada diz que decisão é ‘censura’

    Ao mesmo tempo, o apagamento sistêmico da produção de determinados grupos, hoje entendidos como minorizados (a saber: mulheres, negros, LGBTs…), causa ausências que também são melhor compreendidas quando conhecemos o contexto político e social de cada época e de cada cultura.

    Nos quadrinhos, a política sempre esteve presente.

    Às vezes de maneira mais explícita, reforçando certos discursos e às vezes de maneira menos explícita, contrariando os discursos hegemônicos vigentes. Esses discursos podem ser examinados a partir de diversos vieses e é nas áreas como História e Ciências Sociais que estas análises encontram terreno muito fértil.

    Por exemplo, um dos marcos do desenvolvimento dos quadrinhos é o personagem Yellow Kid, de Richard Outcault. O garoto careca e de orelhas grandes já havia aparecido em outras publicações antes de se tornar o primeiro personagem colorido dos jornais estadunidenses.

    Suas tiras exerciam grande apelo ao púbico por reproduzir um tipo de humor carregado de estereótipos e era facilmente compreendida por imigrantes que não compreendiam bem a língua inglesa. Ou seja, por mais inocente que possa parecer, há uma série de elementos que podem ser observados a respeito do momento que os Estados Unidos atravessavam (MOREAU; MACHADO, 2020).

    Os códigos de ética e censura nos quadrinhos

    Com o surgimento dos quadrinhos de super-heróis no final dos anos 1930, o sentimento de nacionalismo inflamado pelas histórias de personagens como Capitão-América, Mulher-Maravilha e tantos outros tomou conta do dos EUA e contribuiu ainda mais com o sucesso das histórias em quadrinhos que enfrentariam um duro golpe nos anos 1950, quando o Comics Code Authority (código de ética dos quadrinhos) foi implementado pelas editoras (MOREAU; MACHADO, 2020).

    Em sua forma original, o código impõe, entre outras, as seguintes regras:

    • Qualquer representação de violência excessiva e sexualidade é proibida.
    • As figuras de autoridade não devem ser ridicularizadas ou apresentadas com desrespeito.
    • O bem deve sempre triunfar sobre o mal.
    • Personagens tradicionais da literatura de terror (vampiros, lobisomens, ghouls e zumbis) são proibidos.
    • Anúncios de tabaco, álcool, armas, pôsteres e cartões — postais nus são proibidos nas histórias em quadrinhos.
    • Zombarias ou ataques contra qualquer grupo racial, ou religioso são proibidos.

    o Código Hays que se trata do Código de Produção de Cinema aplicava entre outras regras as abaixo.

    Não era permitido:

    • Profanidade — uso de palavras como “Deus”, “Senhor”, “Jesus” ou “Cristo” (a não ser no contexto de cerimônias religiosas), “inferno”, “droga” e outras palavras profanas e expressões vulgares de qualquer forma;
    • Nudez — de facto ou insinuada
    • Tráfico de drogas
    • Insinuação de perversões sexuais
    • Escravidão de brancos
    • Miscigenação — relações sexuais entre brancos e negros
    • Higiene sexual e doenças venéreas
    • Cenas de parto — de facto ou insinuada
    • Órgãos sexuais de crianças
    • Ridicularização do clero
    • Ofensa deliberada a qualquer nação, raça ou credo

    Esse código impunha autocensura aos autores de quadrinhos a partir de critérios que foram acordados por editores após uma série de audiências no senado, após os estudos fraudados do psiquiatra Fredric Wertham em seu livro Sedução do Inocente (1954) terem ganhado popularidade. Com isso, vários temas e representações passaram a ser proibidos de serem retratados nos quadrinhos. Esse período coincidiu com o backlash (retrocesso) que as mulheres sofreram após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando toda indústria cultural reproduzia valores e discursos que pregavam a submissão da mulher ao marido, entre outras coisas.

    Paralelamente, em outros países do mundo também se observava esse movimento de constante entrelaçamento dos quadrinhos e da política. Fosse na censura da antologia de quadrinhos produzidos por mulheres na França, como o que ocorreu com a revista Ah! Nana! (NOGUEIRA, 2015), fosse na representação cômica dos gauleses e romanos nos quadrinhos de Asterix, que sempre representou uma crítica ao imperialismo britânico ou mesmo em nas caricaturas que Nair de Teffé fazia de personalidades brasileiras na primeira metade do século XX.

    Ainda sobre os quadrinhos mainstream, podemos citar os X-Men, que surgiram nos anos 1960 como uma alegoria para a situação de negros, mulheres e LGBTs nos EUA e que cujas causas ganharam visibilidade com os movimentos sociais que clamavam por direitos iguais na época. Com a equipe mais diversa de super-heróis já criados atém então, suas histórias inspiraram filmes, jogos e animações que traziam em seus discursos questionamentos sobre o ódio a quem era diferente. Porém, foi no final dos anos 1960 e durante os anos 1970 que os quadrinhos independentes, muitos deles com narrativas autobiográficas, definiram o tom de um estilo de quadrinhos que é publicado até hoje.

    Nomes como Robert Crumb, Art Spielgeman, Justin Green, Trina Robbins, Aline Kominsky-Crumb e tantos outros, encontraram no meio underground a chance de abordar temas tabu como sexualidade, aborto, direitos civis… e, em 1992, com o reconhecimento da HQ Maus, de Art Spielgeman (1986), contemplada com o prêmio Pulitzer, pessoas do mundo todo conheceram a história biográfica que narrava os horrores do Holcausto.

    Sem dúvida alguma, é por meio das publicações independentes que os autores alcançam maior autonomia para abordar temas como guerras, conflitos políticos, sexualidade, luta por direitos, como é o caso também da premiada HQ Persépolis (2000), da iraniana Marjani Satrapi, que aborda a revolução islâmica, ou de Fun Home (2006), de Alison Bechdel e que fala sobre sua homossexualidade e seu relacionamento com sua família enquanto tenta lidar com seus conflitos internos.

    E no Brasil?

    Com o golpe militar no Brasil nos anos 1960, a imprensa alternativa atingiu seu auge e entre os veículos de maior expressão na época, estava o periódico Ovelha Negra, editado pelo cartunista Geandré.

    Sua relevância é tamanha que o pesquisador e professor Osvaldo da Silva Costa decidiu registrá-la em sua dissertação de Mestrado, onde entendemos porque o humor gráfico teve um papel tão importante na propagação de ideais de oposição à Ditadura, fazendo com que muitos artistas que contribuíram com o jornal fossem perseguidos pelos militares.

    Capa do jornal Ovelha Negra fundado pelo cartunista Geandré (Foto: Divulgação)  

    Nos anos 1970, desenhistas e jornalistas que colaboravam com edições como O Pasquim, entre eles Ziraldo e Henfil, foram presos e várias publicações passaram a sofrer censura. Esta censura resultou na proibição de publicação de caricaturas durante o período de dez anos:

    “A censura proibia a publicação de caricaturas de autoridades nacionais e estrangeiras. Havia a censura prévia, que consistia na presença de um censor junto às redações até 1977”. (DA COSTA, 2012, p.73).

    Laerte Coutinho, uma das mais influentes cartunistas brasileiras, colaborou com muitos dos periódicos alternativos que circularam no Brasil e ainda hoje, seja em suas tiras como Piratas do Tietê ou em cartuns e charges encomendadas especialmente para ilustrar colunas de política em jornais, seu trabalho continua irreverente e provocativo.

    O cartum abaixo é um exemplo do diálogo entre o humor gráfico e a crítica político-social. Reflexo de temas recentes como os 50 anos do Golpe Militar no Brasil e uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa econômica aplicada havia apontado que 65% das pessoas entrevistadas acreditavam que mulheres que usam roupas curtas devam ser atacadas/estupradas, o cartum chama a atenção para os dois fatos diferentes e promove uma reflexão sobre ambos.

    Apesar da vocação dos quadrinhos para o entretenimento, não podemos negar sua importância no que se refere à crítica social e política através da História de diversos países. Muitas delas desempenharam um papel significativo na articulação de ideias durante regimes ditatoriais em países como Brasil e Argentina. Hoje, embora o Brasil viva um regime democrático, problemas como corrupção, escândalos políticos, desigualdade social, falta de investimento em programas de saúde e educação são temas recorrentes em tiras e charges de todo país.

    Nem só de humor vive a crítica

    Sabemos que nem todos os cartuns e tiras utilizam humor em sua linguagem, porém, é através do riso que grande parte dos artistas cria uma conexão com seu público. Tendo isso em mente, vale lembrar que não faltam estudos filosóficos, psicológicos e antropológicos acerca do poder do riso e suas funções, entre as quais podemos ressaltar a de atuar como arma de contestação política, como afirma Da Costa em sua pesquisa:

    A linguagem do humor – arma política contra regimes repressivos – é também considerada subversiva e de contracultura – pode ser narrada por meio do teatro, da música, da literatura, da imprensa, do cinema e do desenho de humor. Tem como finalidade provocar o riso ou o sorriso. O risível nas piadas e paródias, como imitação burlesca, era um dos recursos mais populares entres os bufões na Antiguidade. Rir de si mesmo e do seu semelhante, seja em tom jocoso ou de escárnio, é um traço marcante da natureza humana desde os tempos mais remotos. (DA COSTA, 2012, p.18).

    O escritor e semiólogo Umberto Eco, conhecendo o poder inquietador do riso, dedicou uma das de suas maiores obras a ele. Em O nome da Rosa, thriller ambientando na França medieval, a luta dos monges beneditinos do mosteiro de Melk para proteger um manuscrito nunca publicado de Aristóteles acaba causando inúmeras mortes e deixando um rastro de sangue.

    De acordo com as convicções dos monges mais conservadores do romance, o riso seria algo muito próximo da morte e da corrupção do corpo, mas o filósofo grego, em seu livro que só existiu na ficção, alertava para o poder libertador do riso como um veículo da verdade.

    O riso desvia, por alguns instantes, o vilão do medo. Mas a lei impõe-se através do medo, cujo nome verdadeiro é temor de Deus. E deste livro poderia partir a centelha luciferina que transmitiria ao mundo inteiro um novo incêndio: e o riso designar-se-ia como a arte nova, ignorada até de Prometeu, para anular o medo. Ao vilão que ri naquele momento, não importa morrer: mas depois, cessada a sua licença, a liturgia impõe-lhe de novo, segundo o desígnio divino, o medo da morte. E deste livro poderia nascer a nova e destruidora aspiração a destruir a morte através da libertação do medo. E que seríamos nós, criaturas pecadoras, sem o medo, talvez o mais provido e afetuoso dos dons divinos? (ECO,1980, p. 359)

    Sendo então o riso capaz de nos guiar no caminho de descobertas sobre verdades que talvez nossos governantes prefiram que não tomemos conhecimento, não é de se espantar que tantos cartunistas tenham sido ameaçados, torturados ou mortos durante regimes ditatoriais ocorridos na América Latina, como foi o caso do autor de El Eternauta. Héctor Germán Oesterheld foi sequestrado, assim como quatro de suas filhas, duas delas grávidas, durante o regime militar da Argentina.

    Porém, engana-se quem acredita que essa tendência à crítica política mais explícita possa ser encontrada exclusivamente em charges e cartuns. Quadrinhos mainstream como V de Vingança ou Watchmen, por exemplo, são produções que também viraram filmes e que fazem críticas explícitas ao autoritarismo e à corrupção por exemplo. E até mesmo nos quadrinhos de Batman, cujos quadrinhos nos anos 1930 traziam forte propaganda dos esforços de guerra, é possível pensar sobre como Bruce Wayne se beneficia do capitalismo e contribui para a degradação de Gotham, como alerta a pesquisadora e especialista no personagem, Laluña Machado.

    V de Vingança – Filme

    No entanto, é por meio das charges que um tipo de humor costuma chamar os leitores à reflexão de maneira mais contundente, o que tem gerado consequências envolvendo censura e perseguição de artistas desde a eleição do atual presidente do Brasil ou até mesmo morte, como o que ocorreu com os cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo.

    Também não muito tempo atrás, que o projeto de quadrinhos Políticas, produzido por mulheres e dedicado a compartilhar charges e cartuns produzidos exclusivamente por mulheres (cis ou não) fez uma convocatória para homenagear a vereadora carioca Marielle Franco , brutalmente assassinada em 2018. Mais recentemente, a HQ da socióloga sueca Liv Stromqüist explorou a história da vulva a partir de inúmeras referências históricas, filosóficas e sociais em A Origem do Mundo (2018), enquanto artistas brasileiras como Carol Ito e Helô D’Ângelo exploram temas políticos em suas tiras online.

    Assim, não só artigos, como teses e dissertações sobre quadrinhos costumam explorar os aspectos políticos apresentados nas HQ e independentemente de os discursos políticos estarem explícitos, eles atravessam as obras em maior ou menor grau.

    Para saber mais:

    Podcast Confins do Universo com o professor Silvio Almeida: Tem política nos quadrinhos sim!

    Narrativas distópicas em quadrinhos

    Elas fazem política, cartuns e charges

    Referencias:

    DA COSTA, Osvaldo. Uma Ovelha Negra na Cultura Midiática: Inovações do Humor Gráfico na imprensa alternativa brasileira. Santos, Ateliê de Palavras. 2015.

    ECO, Umberto. O nome da Rosa. São Paulo. Record. 2009
    MARINO, Daniela; MACHADO, Laluña. Mulheres e Quadrinhos. Skript, 2019.
    MOREAU, Diego; MACHADO, Laluña. História em Quadrinhos EUA. Skript, Florianópolis, 2020.

    NOGUEIRA, Natania. Ah! Nanah! As mulheres e os quadrinhos na França. XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, 2015. Disponível em: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1435888872_ARQUIVO_AhNana_artigo.pdf

  • Por que aborto é um tema de Saúde Pública?

    Texto por Ana Arnt

    O Brasil vive um cenário de eterno retorno à questão do aborto entre debates morais, criminais, de saúde, planejamento familiar e educação sexual e reprodutiva. Assim, não é incomum estas falas aparecerem em períodos eleitorais, como palco de intensas disputas entre grupos religiosos, feministas, acadêmicos e científicos, de saúde, dentre outros.

    Além disso, é usual, também, apontar que o aborto deve ser tratado como um tema de saúde pública e que isso independe de opiniões individuais sobre ser favorável ou não à prática do aborto. Vamos compreender um pouco mais sobre o tema, pensando acerca de diferentes abordagens?

    Saúde é um conceito

    Sempre é bom conceituar o que é saúde e o que é saúde pública. O conceito de saúde não é simples ou definitivo. Em geral temos duas grandes ideias usuais (que não são muito compatíveis em vários sentidos):

    • Ausência de doença;
    • Completo bem estar físico, mental e social.

    Enquanto o primeiro conceito olha para pessoas a partir apenas de suas características físicas (anatômicas e fisiológicas), ignorando fatores sociais amplos que podem contribuir para adoecimentos ou estados saudáveis; o segundo conceito aponta para a necessidade de olharmos para fatores psicológicos e sociais, traz a implicação do Estado para a manutenção da saúde (via questões sociais, mais amplas e que fogem ao controle de indivíduos), bem como insere a subjetividade no conceito, tendo em vista que diz respeito ao modo como lidamos com doenças, sintomas e muitos aspectos de nossa vida. Todavia, este segundo conceito insere, também, uma saúde inalcançável, tendo em vista que o conjunto “físico, mental e social” estando em completo bem estar não é, exatamente, a situação mais simples que existe.

    Saúde Pública

    Saúde Pública diz respeito a uma prática, que deveria ser embasada em dados técnicos e científicos, para direcionar políticas públicas que aumentem qualidade de vida, diminuam mortes, possibilitem uma vida sadia a uma população.

    Lembrando que quando falamos de população, estamos falando de um conjunto de pessoas que vivem em um determinado território. Portanto, a Saúde Pública diz respeito a um conjunto de políticas públicas, direcionadas a uma população de um determinado lugar (município, estado, país, continente, mundo, por exemplo).

    A Saúde Pública busca a saúde de uma população a partir de dados complexos, estatísticas de curto, médio e longo prazo, análises epidemiológicas e vigilância sanitária constantes.

    E o que isto têm a ver com Aborto???

    Tratar o aborto como temática de saúde pública é olhar, sem julgamento de valor, para a saúde de pessoas com útero, que estão gestando um feto e ver quais são as causas de adoecimento e morte destas pessoas. Dessa forma, ao constatar que aborto é uma destas causas, também procura-se interferir neste fator, diminuindo ele como causa de morte.

    Quando eu falo de saúde pública, estamos falando sobre a diminuição de causas de mortes e adoecimentos em uma população, em modos de interferir em causas de mortes e adoecimentos. Não é, necessariamente, uma interferência médica, mas sim de interferências que podem abranger diversas áreas, em um trabalho interdisciplinar que diminua estes números de adoecimentos e mortes.

        Entretanto, é claro que não é tão simples assim. Como podemos interferir em algo como o aborto? Primeiro devemos caracterizar a população que aborta. A segunda questão é perceber alguns dos fatores que levam ao óbito, mulheres que abortam. De maneira simples, parece óbvio: são complicações com o procedimento do aborto.

        Ao olharmos com mais cuidado, um dos problemas é a busca por instâncias de saúde, quando estas complicações acontecem. Em função do aborto ser ilegal em nosso país, estas mulheres correm o risco de serem acionadas juridicamente, para responder pelo crime, previsto no código penal. Neste caso, a falta de assistência, por um receio de prisão, é uma das consequências sofridas por estas mulheres, que podem falecer.

    Pensando a partir de dados públicos

    Os dados trazidos a seguir são de Bonfim e colegas (2021), a partir de um levantamento e análise do banco de dados DataSUS. Entre 2010 e 2019, o Brasil teve cerca de 650 mil casos de abortos (procedimentos legalizados ou não), segundo dados do DataSUS. Destes casos, 44.70% tem entre 20-29 anos, 48.59% se autodeclara parda; 38.91% tem apenas ensino fundamental e 62.56% declara-se solteira. Em relação às internações durante uma gestação, nosso país registra cerca de 500 por dia, causadas por aborto (espontâneos/naturais ou provocados). Ao longo dos anos de 2009 e 2018, o Brasil registrou mais de 700 óbitos em decorrência de aborto, sendo 60% destas mulheres, pardas ou negras. Por fim, mas não menos importante, entre 2010 e 2019 o país registrou 24 mil internações por aborto, crianças entre 10 e 14 anos. 

    E aí?

    Em suma, a questão, olhada como saúde pública, é buscar entender o que leva a um abortamento da gestação e atender a estas pessoas, diminuindo os efeitos na saúde delas. Assim, a proibição legal, neste caso, fragiliza exatamente por expor a riscos de complicação, sem busca de socorro especializado, além do risco do aprisionamento.

    Dessa maneira, a preocupação imediata é que estas pessoas tenham atendimento seguro, com procedimentos que acolham e atendam às necessidades de manutenção de suas integridades físicas, psicológicas, por ações sociais.

    Além disso, o custo do SUS para remediar, cuidar e salvar mulheres que chegam aos hospitais a partir de procedimentos de risco, é altíssimo. Aliás, isso não é sobre ideias aleatórias, novamente é bom lembrar que esta defesa se faz por dados públicos. Por exemplo, segundo estudo recente, quase metade de gestantes (48%) precisa de internação para finalizar o procedimento de abortamento. Neste sentido, há risco de denúncia e, consequentemente, prisão. Além do risco de agravamento da saúde e possibilidade de óbito.

    Todos estes dados constroem esta compreensão de que oferecer um serviço seguro de aborto diminui os riscos e a vulnerabilidade destas pessoas. E aqui, novamente, estamos falando de saúde pública. Isto é, diminuição de casos de morte e agravamento de riscos de saúde

    – Ah, mas eu acho que o aborto não deveria ocorrer

    Olhar o ato do aborto, como saúde pública, não é julgar os motivos pelos quais ele ocorre, mas assegurar que pessoas que precisem recorrer a este serviço, não se exponham a riscos à sua saúde. Dessa forma, neste caso, uma das medidas de saúde pública também é investir em educação sexual e reprodutiva desde períodos escolares e planejamento familiar em espaços de saúde pública, como postos de saúde, com distribuição de preservativos e contraceptivos.

    Todavia, tratar deste tema como saúde pública, é mais do que apenas isso. Uma vez que precisamos trabalhar com campanhas reais, sem debates morais ao estilo “não transem”, que geram culpabilização e fragilização destas pessoas que podem engravidar. Ou seja, trabalhar com prevenção ao aborto, como medida de saúde pública, é trabalhar não na responsabilização de indivíduos, mas ações efetivas de educação, planejamento, prevenção.

    Assim, o aborto, neste caso, é a última saída ou subterfúgio para assegurar a saúde das pessoas que precisam abortar.

    É preciso encarar como saúde pública este dado, pois todos os anos pessoas morrem por falta de acesso a práticas seguras. É fundamental encarar o aborto como saúde pública, pois é tarefa deste setor social garantir saúde, minimizar mortes, promover vidas sadias, especialmente àquelas vulneráveis.

    Finalizando

    O aborto, como questão moral, pode e deve ser debatida publicamente. Mas é fundamental e emergente que tomemos estas questões como fundamentais para salvar vidas de pessoas vivas, mantendo sua integridade, sem expor a riscos desnecessários, causados por falta de políticas públicas de saúde eficientes para estas pessoas.

    Ainda não concorda com o aborto? Ora, nos parece que a questão tangencia uma abordagem moral, de construção familiar, de aspectos sociais específicos e individuais. Mas aqui estamos falando de saúde pública, e a saúde pública trabalha com dados populacionais, proporcionando base para práticas para promoção à saúde – e não em detrimento desta.

    Por fim, quer saber mais sobre questões individuais? O nosso próximo texto abordará estas relações! Por hoje, seguimos batendo nesta tecla: aborto, como prática em debate público, precisa analisar dados públicos e promoção à saúde.

    Para saber mais

    BOMFIM, VVB da S; ARRUDA, MDIS; EBERHARDT, EdaS; CALDEIRA, NV; SILVA, HFda; OLIVEIRA, ARdo N; SANTOS, ERdos; SILVA, LRMda; SOARES, LL; BEZERRA, MELdeM; OLIVEIRA, MPde; ANJOS, GFde PFdos; CAVALCANTE, RP; FERREIRA, PdeF; SILVA, JFT (2021) Abortion mortality in Brazil: Profile and evolution from 2000 to 2020, Research, Society and Development, [Sl], v10, n7.

    BRASIL (2021) Mortalidade proporcional por grupos de causas em mulheres no Brasil em 2010 e 2019, Boletim Epidemiológico n29, v52

    CARDOSO, BB, VIEIRA, FM (2020) dos Santos Barbeiro e Saraceni, ValeriaAborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cadernos de Saúde Pública, v36, nSuppl 1.

    LICHOTTI, C, MAZZA, L, BUONO, R (2020) Os abortos diários do Brasil, Revista Piaui

    MAIA, G; ZANLORENSSI, G, GOMES, L (2020) O direito ao aborto e a legislação ao redor do mundo, Jornal Nexo.

    Este texto foi publicado originalmente no blog PemCie.

  • Vidas negras importam – Black lives matter

    Texto por José Felipe Teixeira da Silva Santos

    Após o homicídio de George Floyd, asfixiado em público pelo policial Derek Chauvin, no dia 25 de maio em Minneapolis nos Estados Unidos, uma onda de protestos violentos se desencadeou em todo o País. Os manifestantes protestam pedindo a condenação do policial por homicídio em 1° (quando o autor do crime tem a intenção de matar) e, mais do que isso, esses manifestantes clamam pelas vidas de pessoas negras que, constantemente, são alvo de uma política de extermínio racista.

    Já no Brasil, o recente homicídio do menino João Pedro, alvejado pela Polícia do Rio de Janeiro dentro de seu próprio lar, mostra novamente que em nosso país, o Estado segue uma política de extermínio da população negra, semelhante aos Estados Unidos. Isto quer dizer que não foi um caso isolado. Apontar que existe uma política de extermínio é afirmar que não foi o primeiro caso, não será o último e, mais do que isso, é prática rotineira e em muitas medidas legitimadas publicamente.

    Os números têm nome e cor

    Casos de pessoas negras que tiveram suas vidas interrompidas, como o de João Pedro, de Ágatha Félix, de Marielle Franco, mortos pelas mãos do Estado, permanecem sem resolução até hoje, compondo uma dolorosa e cruel estatística. A maior parte das justificativas compreende a Guerra às drogas e ao Tráfico, mas ao que fica evidente, esta guerra na verdade é declarada a somente uma parcela da população, a que possui cor e endereço bem determinados. Estas guerras acabam com balas perdidas que coincidentemente são sempre encontradas em corpos de comunidades de favelas ou de bairros de periferia, negros.

    Essas situações não são novidade, mas têm inflamado ainda mais o descontentamento dos cidadãos brasileiros com o panorama atual do país. Similar aos protestos em Minneapolis, aqui também houve protestos e chamados para sairmos às ruas, exigindo justiça pelas mortes e igualdade racial nas políticas públicas e na vida em sociedade. Desse modo, as ameaças pelo contágio da doença COVID-19 causada pelo novo coronavírus, parece não serem suficientes para conter uma população que morre por tantos outros motivos, incluindo um período de isolamento social. Tais atos apresentam, assim, o lado cruel de políticas, de vivências, de rotina em que a morte é um enfrentamento cotidiano – dentro ou fora de casa. 

    Nas redes sociais não é diferente, pessoas das mais diferentes posições e crenças criaram filtros para destacar o seu compromisso com uma luta antifascista, têm postado questionamentos assertivos, cobrando posicionamentos de celebridades, intelectuais e veículos de comunicação.

    Todos estes momentos e movimentos são fundamentais, pois tornam visíveis os problemas da sociedade. Exaltar a ideia de que “vidas negras importam”, tanto quanto o nome e as vidas que estão sofrendo, tornando-os símbolos não é apontar isoladamente um problema que aconteceu, nem deve ser tomado desta forma. É, sim, buscar empatia de quem não vivencia isto como cotidiano (a população branca, por exemplo), tornar evidente a questão como parte da vida de muitos brasileiros. A luta contra o racismo não deve, portanto, estar restrita aos momentos de solidariedade às vítimas. A luta e o engajamento devem ser diários, pois para as famílias de sangue retinto, muitas vezes esse momento já é tarde.

    A famosa a frase da escritora Angela Davis segue apontando para o quanto é preciso protestar contra a desigualdade racial: não basta não ser racista, é preciso ser anti racista. 

    Você não acredita ou ainda tem dúvida que pessoas negras e suas vidas são as principais vítimas de violência no Brasil? Abaixo seguem estatísticas que retratam parte desta realidade.

    Genocídio da juventude Negra no Brasil

    Homicídio de pessoas negras no Brasil

    O informativo de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil mostra que a população negra tem 2,7 mais chance de ser morta do que a população branca.

    Segundo dados do Sistema de Informação de Mortalidade do SUS, de 2012 a 2017, foram registrados 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato

    Segundo a analista de indicadores sociais do IBGE – na série de 2012 a 2017, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda (categorias adotadas pelo IBGE), passando de 37,2 para 43,4. Enquanto para a população branca esse indicador se manteve constante no tempo, em torno de 16.

    Em 2017, para jovens brancos, de 15 a 29 anos, a taxa de mortalidade era de 34 em cada 100 mil habitantes. Para pessoas pretas, 98,5 mortes por assassinato a cada 100 mil habitantes; o recorte apenas para homens negros nessa mesma faixa etária, alcança a taxa de 185. No recorte para mulheres, a taxa é de 5,2 para brancas e 10,1 para pretas.

    Crianças negras mortas nos anos de 2019 e 2020 vítimas de bala perdida

    No Brasil, crianças negras são vítimas de balas perdidas, dentro ou fora de suas casas, no trajeto para escola ou onde quer que estejam. A seguir, lista de nomes de crianças negras que tiveram suas vidas interrompidas por esta causa nos anos de 2019 a 2020:

    João Pedro Matos Pinto, 14 anos. Preto. 19/05/2020.

    Luiz Antônio de Souza Ferreira da Silva, 14 anos. Preto. 06/02/2020.

    Anna Carolina de Souza Neves, 8 anos. Preta. 29/01/2020.

    João Vitor Moreira dos Santos, 14 anos. Preto. 09/01/2020.

    Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, 5 anos. Preta. 13/11/2019.

    Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos. Preta. 20/09/2019.

    Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos. Preto. 08/09/2019.

    Kauã Rosário, 11 anos. Preto. 16/05/2019.

    Kauan Peixoto, 12 anos. Preto. 17/03/2019.

    Jenifer Cilene Gomes, 12 anos. Preta. 14/02/2019.

    PM’s negros lideram as estatísticas de mortes em serviço

    Mesmo estando em menor número dentro da corporação (37% do efetivo policial), entre os anos de 2017 e 2018, 51,7% dos policiais mortos em serviço eram negros.

    #vidasnegrasimportam

    Vidas negras importam, seja aqui, seja nos Estados Unidos, seja em qualquer outro lugar do mundo. José Felipe Teixeira da Silva Santos (autor deste texto), em conjunto com toda a equipe do Blogs de Ciência da Unicamp, manifestamos com este documento nossa posição anti racista e antifascista, mais do que não apoiar, nos contrapomos à conivência a qualquer tipo de ação, ato ou política que se articule ao racismo e a antidemocracia, hoje e sempre.

    Para saber mais

    ARAUJO, Taís.. Como criar crianças doces num país ácido | Taís Araújo – TedxSaoPaulo, TEDx Talks. 14 de nov. de 2017. Acesso em 01 de jun. de 2020.

    CERQUEIRA, Daniel RC; MOURA, Rodrigo Leandro de. Vidas perdidas e racismo no Brasil. 2013. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    COELHO, Leonardo. João Pedro, 14 anos, morre durante ação policial no Rio, e família fica horas sem saber seu paradeiro. El País, 19 de mai. de 2020.. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    DIEB, Daniel. Anonymous volta à ativa contra Bolsonaro e Trump; conheça o grupo hacker. Tilt, 02 de jun. de 2020. Acesso em 02 de jun. de 2020.

    DUAS novas autópsias afirmam que George Floyd foi morto por asfixia. Portal G1, 01 de jul. de 2020. Acesso em: 01 de jul. de 2020.

    IBGE: População negra é principal vítima de homicídio no Brasil. Exame, 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    IBGE. Tábua completa de mortalidade para o Brasil. Acesso em: 01 de jul. de 2020.

    MARREIRO, Flávia. Marielle Franco, vereadora do PSOL, é assassinada no centro do Rio após evento com ativistas negras. El País, São Paulo, 15 de mar. de 2018. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    MENINO de 14 anos morre atingido por bala perdida na Baixada Fluminense. O Globo, Rio de Janeiro, 08 de fev. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    MORRE adolescente de 14 anos baleado em Vila Kosmos. Portal G1, 02 de fev. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    NITAHARA, Akemi. Negros têm 2,7 mais chances de serem mortos do que brancos. Agência Brasil, Rio de Janeiro 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jul. de 2020.

    OLIVEIRA, Leonardo. Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia. Blogs de Ciência da Unicamp – Especial Covid-19. 2020.

    SANTOS, Guilherme; SOARES, Paulo Renato. Em 10 meses, Rio tem 6 crianças mortas por bala perdida e poucas respostas para as famílias. Portal G1, Rio de Janeiro, 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    TABU, Quebrando o. O dia que Brooklyn Nine-Nine explicou em um minuto o privilégio branco, Quebrando o Tabu, 01 de jun. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.

    José Felipe Teixeira da Silva Santos é estudante de Biologia da Unicamp, membro da equipe técnica, administrativa e científica do Blogs de Ciência da Unicamp.
    O texto tem apoio total e incondicional de toda a equipe técnica, administrativa e científica do Blogs de Ciência da Unicamp.

  • Arte e gastos públicos

    Texto por Lucas Miranda

    O que vem à sua mente quando você vê uma performance como essa da imagem? E o que vem à mente se eu te contar que ela teve um custo de 20 mil reais para a prefeitura da cidade de Juiz de Fora / MG? Um absurdo? Qualquer coisa menos arte? Um dinheiro que poderia estar sendo utilizado para cobrir buracos, melhorar os postos de saúde, melhorar a segurança pública? Uma “lacração”?

    Nesse texto, vamos conversar um pouco sobre gastos públicos com cultura e o que exatamente é arte.

    Este conteúdo foi originalmente produzido em vídeo, mas se preferir pode lê-lo logo depois do player!

    Cartaz chamando o público para a Semana de Arte Moderna de 1922. 

    100 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo

    No dia 13 de fevereiro de 2022, a famosa Semana de Arte Moderna de 1922 completa 100 anos. A Semana aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo e foi um grande catalisador de mudanças importantes na linguagem artística brasileira. A partir desse marco, surge o chamado “modernismo” no Brasil, trazendo uma estética bastante diferente.

    Até aquele momento, prevalescia a expressão artística do academismo, baseada nas academias de arte europeias e instituída no país desde 1816, com a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios por D. João VI.

    A arte acadêmica tinha um caráter bastante moralista, muitas vezes recorrendo a cenários bíblicos ou à coragem nobre de soldados em guerras. A idealização das formas e dos corpos também era algo que se perseguia, evitando-se ao máximo o mundano, o cotidiano e o real. As obras academistas eram carregadas de técnias complexas, uso moderado de cor e de tinta e as superfícies eram perfeitamente lisas (sem que se pudessem perceber os traços do pincel).

    Com a intenção de promover uma renovação artística e social no Brasil, um grupo de artistas (revolucionários) que se apresentariam na grande e esperada Semana de Arte Moderna de 1922, resolveram apresentar obras que causavam drástico rompimento com a expressão artística vigente (o academismo). Dentre as várias apresentações de música, poesia, esposição de obras, as obras dos chamados “modernistas” eram muito mais mundanas, cotidianas, coloquiais, cômicas, irônicas e com temáticas bem brasileiras.

    É claro que isso desagradou uma parcela importante da população e gerou diversos ataques aos artistas e a esse movimento. Mesmo assim, essa semente plantada em 1922 levou a uma série de movimentos e mudanças estilísticas nos anos seguintes.

    Segundo a jornalista e historiadora Marcia Camargos, o maior legado da Semana de 1922 “foi no sentido de libertar as artes e a cultura das amarras do academicismo, do parnasianismo, dos padrões europeus, para dar inicio à construção de uma estética nacional”.

    Primeira Missa no Brasil (1861). Obra de caráter histórico do período academicista do artista Victor Meirelles
    Samba (1925). Obra modernista do artista Di Cavalcanti

    Ataques à arte

    Para homenagear o centenário da Semana de 1922, a Prefeitura de Juiz de Fora lançou o edital cultural “Pau Brasil” para apoiar 15 ações culturais e artísticas na cidade com o valor fixo de R$ 20.000,00.

    Dos projetos contemplados o 5º lugar foi uma intervenção cultural chamada PRAIA. De acordo com a diretora dessa intervenção,

    “A ideia é a gente ocupar o Parque Halfeld [um ponto de encontro importante da cidade] de uma maneira diferente do que acontece normalmente e estamos aqui para propor novos olhares, novas maneiras de estar, questionando protocolos sociais, preconceitos e se dando ao prazer de desfrutar esse momento”.

    A intervenção artística, que ocorreu no dia 05/02/2022, consistiu em um grupo de artistas sobre uma lona amarela simulando que estavam na praia (tomando sol, conversando, etc.). Parte da população de Juiz de Fora criticou fortemente essa intervenção, alegando que: 1) isso não é arte e 2) foi um dinheiro jogado fora e os 20 mil reais gastos pela prefeitura poderiam ser utilizados para, por exemplo, cobrir buracos no asfalto.

    As críticas foram tão intensas, que o setor de inteligência da Secretaria de Segurança Urbana recomendou a suspensão da segunda apresenação dessa intervenção, de modo a proteger a integridade física dos artistas.

    É assustador ver uma performance artística precisar ser cancelada por risco à integridade física dos artistas. Da mesma forma que a Semana de Arte Moderna de 1922 sofreu ataques duros, essa intervenção (que homenageou a Semana de 1922) e outras obras artísticas que provocam rompimento com a arte mais pura, mais moralista, também sofrem ataques até hoje. Isso mostra que nesses 100 anos ainda não aprendemos tanto assim com os artistas modernistas, embora a arte tenha se transformado muito.

    Dinheiro jogado fora?

    O projeto “PRAIA” recebeu R$ 20.000,00, como estava previsto no edital Pau Brasil, sendo que cerca de 5.000,00 ficaram retidos por imposto de renda. O dinheiro restante foi usado para remunerar: 1) uma oficina de criação de 1 mês de duração; 2) duas apresentações de 2h de duração com um grupo grande de artistas; 3) a produção de um vídeo de registro; e 4) uma oficina de avaliação aberta ao público. Ou seja, não foram 20 mil reais por uma performance.

    Para ser aprovado neste edital, o proponente deveria justificar a destinação de cada centavo gasto no projeto (e valores superfaturados ou gastos desnecessários poderiam fazer o projeto ser desclassificado) e após a sua execução todos os gastos deveriam ser comprovados. Ou seja, tudo é muito bem controlado e avaliado pela Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (Comic), que é composta por membros do poder público e da sociedade civil (principalmente da classe artística).

    Existem outros fatores importantes também: o projeto precisa ter alguma acessibilidade (seja para surdos, cegos, pessoas com deficiência, etc.); precisa estar muito bem justificado quanto ao seu objetivo artístico (e isso é avaliado por artistas); e ainda precisa oferecer uma contrapartida social gratuita (isso quer dizer que quem ganha essa verba precisa de oferecer gratuitamente uma oficina, um curso, uma aula, etc. para a poppulação da cidade. Ou seja, há aí uma importante devolutiva à sociedade, cujo dinheiro foi investido nesse projeto.

    Por fim, vale dizer que seria impossível a prefeitura simplesmente pegar esse dinheiro e usar para cobrir buracos no asfalto, simplesmente porque é uma verba que já está destinada à pasta da cultura. Quando a prefeitura aprova a lei orçamentária de um ano, ela já estabelece quanto de verba vai para cada setor. Uma vez que o dinheiro foi para a cultura, lá ele fica, e quem vai administrá-lo é a secretaria responsável. Além disso, um investimento de 300 mil reais (que foi o orçamento do edital inteiro, que contemplou 15 projetos) pode até parecer um valor exorbitante, mas não é. Para uma cidade que tem um orçamento anual da ordem de 2 bilhões e 600 milhões, esse investimento é muito pequeno. A arte sempre recebeu, e recebe, muito pouco. E o pouco que ela recebe é sempre alvo de muitos ataques e questionamentos.

    Sobre o argumento de que isso é ou não arte, nem faz sentido entrar nessa discussão, uma vez que as pessoas que mais estão defendendo que esta intervenção não é arte não têm qualquer formação artística e, pelo visto, não são consumidoras de algumas lingagens artísticas, como a arte performática. Muitas das críticas também se originam de um pensamento mais moralista e conservador e traz uma bagagem ideológica que dificulta o indivíduo a se abrir a expressões artísiticas que rompem com esse conservadorismo.

    No fim, a melhor prova de que trata-se de uma obra de arte singela e potente é que ela cumpriu um papel importante de provocar, tocar em feridas da sociedade e efervescer discussões.


  • Volóchinov, Marighella e o camarão de Wagner Moura

    Texto por Armando Martinelli Neto

    “Quero ser apenas um entre
    os milhões de brasileiros que resistem”
    (Carlos Marighella)

    Enquanto escrevo esse texto, no dia 04 de dezembro, data em homenagem a Orixá Iansã (rainha dos ventos, raios e tempestades), vejo um vídeo nas redes sociais com a primeira-dama do país saltitante a gritar “glória a Deus, aleluia, aleluia”, em razão da aprovação do Sr. André Mendonça ao cargo de juiz do Superior Tribunal Federal (STF). É, segundo os próprios seres que choram e rezam no vídeo, um feito histórico, pois trata-se de um representante terrivelmente evangélico a ingressar no STF.

    É dentro desse contexto de distopia ao vivo, que no segundo semestre tive a oportunidade de tomar conhecimento das ideias centrais do pensador russo Valetin Volóchinov, por meio do livro “A palavra na vida e a palavra na poesia – ensaios, artigos, resenhas e poemas”. Falar em coletivo, em compartilhamento de ideais, me faz conectar as páginas do livro com o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura e lançado em 04 de novembro.

    A obra, pronta desde 2018, sofreu inúmeras retaliações da Ancine (órgão oficial do cinema nacional), atuando, principalmente, em dificultar sua chegada aos cinemas. Calhou que depois de tanto atraso, o lançamento ocorresse justamente em período de menor contágio da pandemia, possibilitando o acesso maior das pessoas.

    O filme, como esperado, sofreu muitas críticas das narrativas centradas nas alas conservadoras que lideram o país, uma delas, com grande repercussão, foi o episódio da marmita com camarão degustada por Wagner Moura, em uma das exibições realizadas em acampamento do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

    É dessa junção do lançamento de Marighella, das repercussões sobre o prato com camarão degustado por Wagner Moura, ladeados pela distopia nacional, que esse texto pretende conduzir algumas reflexões, tendo como base ideias de Valetin Volóchinov, mostrando quão atuais são os pensamentos desse filósofo, poeta, linguista e crítico literário, falecido em 1936.

    Marighella Vive

    Um adolescente viaja no carro com o pai saindo do interior do estado com destino a São Paulo, capital. Visitar São Paulo sempre foi para aquele jovem um grande fascínio, com as misturas de fachadas e cores que se prolongavam diante dos curiosos olhares, ao mesmo tempo que um tom melancólico irrompia diante das cenas explícitas de miséria, com os barracos de papelão nas bordas das grandes avenidas e a multiplicação de pessoas pedindo esmolas. Nesse dia, em particular, uma pichação chamou sua atenção. Como essa da foto abaixo:

    Pixação em João Pessoa – Murilo Endriss
    https://www.flickr.com/photos/50496888@N00/8746527671/

    – Pai, quem é Marighella?
    O pai, que assoviava distraidamente na espera do semáforo, com a vista para uma roda de samba na esquina, coçou levemente a cabeça e respondeu.
    – Ah, filho, foi um terrorista, comunista, algo assim. Olha, já estamos quase na av. Paulista.

    Naquela época não havia google para que o jovem digitasse Marighella e recebesse inúmeras informações sobre o personagem. Anos mais tarde, na faculdade de Jornalismo, ele finalmente teve elementos mais contundentes sobre a vida de Carlos Marighella, durante aulas que abordaram a relação da imprensa e a ditadura militar no Brasil.

    Foi aí que ele entendeu a importância daquela frase no muro, ao se deparar com a trajetória do poeta, escritor, político, e um dos líderes da resistência armada contra a ditadura militar no Brasil. Como constatado no impactante filme de Wagner Moura, uma das grandes frentes de atuação da resistência era fazer chegar à população brasileira a mensagem de que havia um grupo de pessoas lutando pela liberdade do país.

    A expectativa de Marighella consistia em quebrar a versão oficial dos fatos disseminada pelo governo golpista, que sob a égide da truculência dos coturnos impunha a censura a qualquer veículo de comunicação. Mais do que nunca, a “verdade” oficial dos militares procurava ter um caráter eterno, e, assim, apagar qualquer fresta de comunicação que pudesse ampliar os horizontes, como Volóchinov explica.

    A classe dominante aspira dar ao signo ideológico um caráter eterno, acima das classes, apagar ou encurralar a luta de relações de classe que ocorrem no seu interior, fazer dele a expressão de apenas um olhar firme e imutável. (VOLÓCHINOV. A palavra na vida e a palavra na poesia. Pág. 320)

    O que mais assombra diante da pontuação dos fatos acima citados não é constatar que grande parte da população brasileira tenha aceitado o discurso dos “terroristas da luta armada”, que insistiam em atrapalhar a ordem e progresso do país. Afinal, a massificação da mensagem oficial torna o receptor alvo fácil. (Caso queira sentir hoje em dia o mesmo “gosto” da comunicação unilateral dessa época, basta sintonizar na emissora Jovem Pan).

    Junta-se a isso a “caça às bruxas” ocorrida em nível mundial decorrente da Guerra Fria, como no período do Macarthismo estadunidense, com listas de comunistas sendo expostas como inimigos da pátria (O filme Trumbo é bom exemplo da época, com inúmeros artistas e diretores de cinema americanos ameaçados de boicotes por serem comunistas) e compreende-se, assim, a força do discurso impregnado.


    A questão é verificar como a mensagem oficial perpetuou uma sensação positiva nas pessoas, em contraponto ao apagamento de Marighella e do grupo de resistentes, lembrados majoritariamente como terroristas. E, nesse sentido, existe um componente comunicacional crucial, a chamada mídia jornalística de massa. (Você pode conferir mais sobre isso no texto “Qual a diferença da comunicação antes da internet e agora?“)

    Se na ditadura militar os veículos de comunicação sofriam censura em razão do Ai-5, muitos anos depois constata-se que a cobertura tendenciosa de alguns casos auxiliou na corroboração de discursos cruciais para a conjectura política e social dos últimos anos. Exemplo claro foi a participação ativa da Rede Globo na valorização da operação Laja Jato.

    O veículo The Intercept Brasil teve acesso a várias mensagens virtuais que comprovaram a estreita relação entre a emissora e os procuradores-chaves da operação, conforme trecho da matéria abaixo.

    “Por anos, a Globo trabalhou com a operação Lava Jato numa parceria de benefício mútuo. O arquivo da Vaza Jato mostra que a força-tarefa antecipava informações para jornalistas da emissora e dava dicas sobre como achar detalhes quentes nas denúncias. A Globo usava os furos para atrair audiência e servia como uma plataforma para amplificar o ponto de vista dos procuradores. O espaço dado à defesa dos suspeitos e investigados viraria nota de rodapé, e minguava a esperada distância crítica que jornalistas precisam ter de suas fontes e de grupos políticos que são tema de suas reportagens. A parceria da Globo com a Lava Jato foi fundamental para consolidar a imagem de heróis que procuradores e o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro sustentaram por anos”.
    ‘UM TRANSATLÂNTICO’ – O namoro entre a Lava Jato e a Rede Globo

    A frase “O espaço dado à defesa dos suspeitos e investigados viraria nota de rodapé…”, demonstra bem a tendenciosa apuração dos fatos, e a força que o tom das matérias alcançou, elevando figuras como o então juiz Sérgio Moro. A valorização da Lava Jato, sobretudo na concentração de denúncias contra o PT, impulsionou o discurso de ódio contra a esquerda. O conceito de entonação de Volóchinov traduz bem a forma da cobertura da Rede Globo, e como a construção das matérias sobre a Lava Jato auxiliou na simpatia com o auditório.

    A ideologia de classe penetra de dentro (por meio da entonação, da escolha e da disposição das palavras), qualquer construção verbal, ao expressar e realizar não só por meio do seu conteúdo, mas pela sua própria forma, a relação do falante com o mundo e as pessoas, bem como a relação com dada situação e dado auditório. (VOLÓCHINOV. A palavra na vida e a palavra na poesia. pág. 309)

    A Globo, assim como outros veículos de comunicação de massa do país, conduziram a entonação favorável para cristalizar a Lava Jato como uma operação séria e vital para o bom andamento do Brasil. A entonação utilizada pelos grandes veículos de mídia de massa fez com que um inimigo fosse criado, simbolizado na figura de Lula, adjetivado pelos signos vermelho, comunista, socialista, petista etc. O Brasil necessitava, novamente, de ordem para manter o progresso. Marighella renascia no filme de Wagner de Moura, no país que nunca saiu de 1964.

    Pobre pode comer camarão?

    Repare bem na foto abaixo. O leitor nascido no Brasil pode identificar que se trata do ator e diretor Wagner Moura, comendo uma refeição em evento de alguma unidade do MTST. Afinal, o símbolo do movimento está estampado nas paredes, bonés e vestes das pessoas que surgem na cena.

    Fonte: Uol

    Dentre as inúmeras polêmicas com o filme Marighella, uma das maiores originou-se na exibição, mais propriamente, em uma das várias sessões realizadas junto aos representantes do MTST, com a participação do diretor do filme, Wagner Moura, notoriamente reconhecido como um artista atuante em frentes políticas, sem nunca ter escondido suas críticas ao atual governo do país. Tudo tem origem com a foto acima publicada por Guilherme Boulos (Psol) em sua página no Twitter.

    O pré-candidato pelo Psol ao governo de São Paulo legenda seu post com o seguinte texto – “Wagner Moura comendo uma quentinha na ocupação do MTST, onde fizemos ontem a exibição popular de Marighella. Foi potente! Viva a luta do povo!”

    Fonte: @GuilhermeBoulos

    O post de Boulos reverbera e acaba por gerar comentários dos representantes da direita, como esse de Eduardo Bolsonaro. “Agora tem o MTST raiz e o MTST nutela. Ou será que já é o comunismo purinho, onde a elite do partido come camarão e o restante se vira e passa fome igual à exemplar Venezuela?

    Fonte: @BolsonaroSP

    Depois de muita polêmica e ataques no Twitter, Boulos fez novo post dizendo: “Direitistas raivosos com a foto do Wagner Moura comendo acarajé no prato na ocupação do MTST mostra que o bolsonarismo vibra com a fome e, acima de tudo, desconhece a cultura brasileira”.

    Fonte @GuilhermeBoulos

    Como podemos ver, a questão crucial é a ingestão de camarão dentro de um ambiente geograficamente destinado a pessoas de origem humilde. Notem que algumas palavras do diálogo deixam claro as relações de classes. Boulos em sua primeira mensagem denomina a refeição de Moura como quentinha, termo comum para designar as marmitas em embalagem de isopor ou alumínio, normalmente atreladas aos trabalhadores de menor poder aquisitivo.

    Eduardo Bolsonaro frisa em seu comentário a presença do camarão servido a Wagner Moura, dizendo que a iguaria provavelmente era destinada somente à elite do movimento, pois os demais integrantes do MTST deveriam passar fome como na Venezuela.

    Em três linhas, o deputado federal cita o termo comunismo e o atrela com a Venezuela, relembrando a retórica chavão das eleições de 2018. Boulos retruca conectando os termos direita e bolsonarimo com vibração pela fome e desconhecimento da cultura brasileira, já que o prato em questão é um vatapá (comida originária da época da escravidão e que contém camarão).

    A fotografia, para alguém distante da realidade brasileira traria como significado apenas um homem comendo uma refeição, em pé, provavelmente em algum evento, já que aparecem cartazes ao fundo e outras pessoas ao lado. Mas, como explicado por Volochinov, a imagem é cheia de signos quando alocada diante de seu embate social.

    Na verdade, apenas graças a essa refração de opiniões, avaliações e pontos de vista é que o signo tem a capacidade de viver, de movimentar-se e desenvolver-se. Ao ser retirado do embate social acirrado, o signo ficará fora da luta de classes, inevitavelmente enfraquecendo, degenerando em alegoria e transformando-se em um objeto de análise filológica, e não de interpretação social viva. (VOLÓCHINOV. A palavra na vida e a palavra na poesia. pág. 319).

    O camarão de Wagner Moura é um exemplo perfeito das narrativas que se configuram diante do mesmo signo, de como a luta de classes se embrenha na imagem e possibilita o surgimento de retóricas. Em uma entrevista realizada ao podcast PodPah, no dia 03.12, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionado sobre a polêmica do “pobre pode comer camarão”. A resposta de Lula viralizou nas redes sociais e recebeu mais de 16 mil curtidas.


    PodPah – Lula, pobre pode comer camarão?
    Lula – “Deve e pode comer. Até porque é ele quem pega o camarão. É ele quem constrói o carro, é ele quem faz a roupa que você está vestindo, então ele tem o direito de ter as coisas que ele produz”.

    A luta de classes viralizando no Brasil polarizado.

    A palavra resistência, mencionada na frase de Marighella na epigrafe desse texto, talvez seja o termo mais importante às pessoas que se unem em prol da oposição do governo autoritário e desumano de Bolsonaro. Oposição que não se faz através de armas, mas da junção de posicionamentos e manifestações que valorizem a democracia. As armas, inclusive, são símbolos do governo, de quem prega o direito de “proteção” a vida por meio da força, especialmente no campo, estimulando o uso desenfreado da violência pelos latifundiários.

    É óbvio que mesmo com todo alarde em torno da exibição do filme, com as polêmicas geradas pela guerra de narrativas, o alcance da obra será pequeno diante da força do sistema, impregnado nos veículos da mídia jornalística de massa, nas redes de Fake News, nos discursos que menosprezam as posições consideradas de esquerda, eternas “ameaças” aos bons andamentos do setor financeiro.

    Pouco antes de ser preso pela operação Lava Jato, Lula fez um discurso onde destacou a seguinte frase: “Eu não sou um ser humano, sou uma ideia. E não adianta tentar acabar com as ideias”. Se o país ainda trava embates de narrativas que contestam as forças sistêmicas é porque há pessoas que construíram e seguem a defender ideias opositoras, que cruzam os tempos em prol da contestação das mensagens oficiais impostas e/ou manipuladas pelos interesses do capital. Todos os dias somos atravessados por notícias e imagens repletas de signos, narrativas propostas com interesses específicos. Cabe as pessoas compreenderem que toda a realidade circundante é marcada pelas batalhas da luta de classes, como define Volóchinov.

    Em suma, toda a realidade e toda a existência do homem e da natureza não apenas refletem-se no signo, mas também refratam-se nele. Essa refração da existência no signo ideológico é determinada pelo cruzamento de interesses sociais multidirecionados nos limites de uma coletividade sígnica, isto é, pela luta de classes. (VOLÓCHINOV. A palavra na vida e na poesia. Pág. 319)

    Que Iansã continue a ventar forte e siga espalhando os ideais de Volóchinov, Marighella, Wagner Moura e energize todas e todos principalmente na defesa da democracia, contra os discursos fascistas que insistem em nos rodear. Ainda aproveitando o clima de início de ano, finalizo com um post no twitter de 2019, da atriz Vera Holtz, muito compartilhado nas redes sociais, com a permissão de atualizá-lo para 2022, afinal, as esperanças, principalmente no Brasil, precisam ser continuamente renovadas.

    Desejo para esse 2022
    ⦁ consciência de classe
    ⦁ Pensamento crítico para checar as informações
    ⦁ Interpretação de texto


    Referências bibliográficas

    VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019, 400 p.

    Filmografia – – Marighella – Direção de Wagner Moura – lançamento (2021) – 155 min

  • Contradições acima de tudo, cortes acima de todos.

    Texto por Ana Arnt, Erica Mariosa Carneiro, Eduardo Akio Sato e Graciele Oliveira

    Ontem, 8 de Maio de 2019, recebemos a notícia de que “A gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) bloqueou nas últimas horas bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)”, conforme consta na publicação do Jornal Folha de São Paulo.

    Enquanto isso, nas redes sociais do Ministério da Educação, encontramos divulgada a abertura da inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio, relacionando isso a um passo para seguir a carreira científica (como vocês podem acompanhar clicando aqui, aqui, e aqui).

    Nos comentários destas postagens do Ministério da Educação, inúmeras pessoas interrogam sobre “qual carreira científica?”, tendo em vista os cortes orçamentários anunciados ao longo de toda a gestão deste governo.

    Quais cortes?

    Ao longo da semana passada três Universidades Federais alvo de bloqueios orçamentários – UnB, UFBA e UFF. A justificativa para tal ação era o enquadramento no critério “fazer balbúrdia”,

    Exemplo de Evento de Extensão Ridículo de Instituição Científica

    segundo o Ministro da Educação Abraham Weintraub. O Ministro ainda afirmou que “A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo“. Complementando com dizeres de que dentro das universidades há pessoas do Movimento Sem Terra, bem como gente pelada. Estes foram os exemplos de “bagunça” usados pelo Ministro da Educação, em sua entrevista com o jornal Estado de São Paulo, que justificariam os bloqueios.

    Exemplo de Evento Universitário Ridículo

    Após repercussão negativa, em função de critérios subjetivos e completamente sem embasamento técnico, foram anunciados cortes orçamentários em universidades públicas federais de todas as regiões do país. Além do corte das verbas de custeio das universidades federais, ressaltamos que houve cortes também em todas as etapas de ensino – do infantil ao ensino médio – contrariando a ênfase do governo federal de que o orçamento priorizaria a educação básica e creches. Segundo o jornal Folha de São Paulo, os cortes na educação infantil até o ensino médio são da ordem de R$ 680 milhões. Na rúbrica relacionada à construção e manutenção da educação infantil, foram contingenciados 17% dos R$ 125 milhões do orçamento autorizado (como o exposto nesta reportagem).

    Ressoa, ainda em nossos pensamentos, a pergunta “que carreira científica é essa proposta pelo ENEM?”. A ciência, neste governo, vem sofrendo retaliações e cortes de forma sistemática. Simultaneamente a isso, as propagandas governamentais contradizem o que indica o orçamento. Como, por exemplo, seguir carreiras científicas quando vemos cortadas as verbas das instituições de ensino superior que, em nosso país, são responsáveis por 95% da pesquisa no país?

    Abaixo, o gráfico, cujo artigo pode ser lido na íntegra aqui apresenta dados que indicam o desempenho das principais universidades brasileiras em pesquisas. Figuram no topo da lista apenas instituições públicas, ao contrário do já pronunciado oficialmente por nosso presidente – fala não fundamentada em dados técnicos.

    Não compreendemos as razões que fundamentam a ideia de incentivar carreiras científicas, concomitantemente à promoção de cortes que inviabilizam a formação destes profissionais – tanto no Ensino Superior, quanto na Pós-Graduação (formação necessária a cientistas ao redor do mundo…). Sem bolsas, sem financiamentos de pesquisa, sem universidades com energia elétrica e contas de água em dia, com museus sem verbas para custeio, manutenção para suas estruturas, acervo técnico-científico, pesquisadores e curadores que carreira científica existiria para seguir?

    Vale lembrar que o investimento científico se faz via manutenção de universidades federais e museus – via Ministério da Educação – mas também há editais de pesquisa, programas e ações de outra instância do governo que são essenciais e complementares. O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação – MCTIC também vem sendo sucateado (42,27% do orçamento, conforme consta nesta nota de entidades e sociedades científicas brasileiras). Ao contrário do que tem sido veiculado pelo governo, as balbúrdias universitárias se relacionam mais a um aumento significativo da produção científica a partir do aumento dos investimentos públicos em ciência e tecnologia, do que bagunças e atuação inócua.

    Revista Nature 8 de Abril de 2019

    Internacionalmente esta situação tem recebido destaque em revistas de alto impacto científico, como a Nature e Science, e cientistas do mundo inteiro assinaram uma petição em defesa da ciência brasileira. Tais ações mostram consternação com nossa situação e indicam o quanto perderemos como país – e mundo – se seguirmos este caminho.

    Revista Science 12 de Abril de 2019

    Apenas um parênteses sobre a produção científica e a soberania nacional (algo tão enfatizado nesta gestão atual). A máxima “conhecer para governar” parece-nos cada vez mais um provérbio esquecido de tempos passados. A atual gestão pública se faz sem que a produção de conhecimentos seja fomentada e sirva como base para a tomada de decisões para o futuro da população, do território, a fim de manter nossa soberania nacional. Um país que não investe em ciência, tecnologia e produção de conhecimentos sociais e culturais é um país que perde condições de planejamento futuro, de compreensão das dinâmicas sociais, ambientais, políticas e econômicas de si mesmo. Nos tornamos, cada vez mais, um país que decreta que dados técnicos e conhecimento não são importantes para a soberania nacional, para a sociedade em que vivemos atualmente, para a vida das pessoas que constituem nossa nação.

    Simultaneamente a isso, vinculamos ao ensino escolar conteúdos e conhecimentos científicos completamente produzidos por nações estrangeiras – mais uma vez colocando em risco a noção de soberania por submetermo-nos à importação de todos os saberes técnicos-científicos a serem pensados em nossa pátria.

    Voltando às contradições de cortes orçamentários e incentivos educacionais, após o corte orçamentário no MCTIC, foi anunciado uma chamada pública que é uma parceria entre MEC-MCTIC, nomeado Programa Ciência na Escola. Ao lançar este edital, o Ministro Abraham Weintraub afirmou que “a ciência é a melhor vacina contra o obscurantismo”, na sequência, pronunciou ainda que “todos nós brasileiros, como nação, temos que fazer escolhas, e esse tipo de escolha, de alocar nossos recursos escassos numa iniciativa dessa, de valorizar a ciência, é justamente o que a gente quer fazer: manter investimento em educação, em pesquisa, em conhecimento”.

    Longe de criticar a iniciativa, o que interrogamos aqui é a contradição de indicar a ciência como saída do obscurantismo e o investimento em educação e conhecimento em um lado da moeda, enquanto evidentes cortes orçamentários se fazem presentes, cerceando as atividades universidades federais e as bolsas e projetos de pesquisas científicas. Além disso, ainda nos interrogamos sobre a contínua depreciação das instâncias produtoras de saber científico de nosso país, de docentes e pesquisadores universitários e sua contribuição histórica – mesmo com parcas verbas – para a construção de um espaço democrático de ciência e produção científica.

    Para saber mais:

    ABC, ANDIFES, CONFAP, CONSECTI, SBPC. (2019). Corte Orçamentário Atinge Desenvolvimento e Soberania Nacionais.

    Agostini, Renata. (2019) MEC cortará verba de universidade por ‘balbúrdia’ e já enquadra UnB, UFF e UFBA. Estado de São Paulo.

    Amparo, Thiago. (2019). Alvos de corte, universidades federais deram salto de produção em 10 anos. Folha de São Paulo.

    ANDES-SN. (2019). Só instituições públicas fazem pesquisa no Brasil, afirma organização

    Assessoria de Comunicação Social do MEC. (2019). No Senado, ministro Weintraub defende recursos para a educação básica. Ministério da Educação.

    Assessoria de Comunicação Social do MEC. (2019). MEC e MCTIC lançam Programa Ciência na Escola com o objetivo de modernizar o ensino de Ciências. Ministério da Educação.

    Moura, Mariluce. (2019). Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil. Unifesp.

    Oliveira, Regiane. Os primeiros efeitos da asfixia financeira de Bolsonaro sobre as ciências do Brasil. El Pais. 6 de maio de 2019.

    Pinho, Ângela; Saldanha, Paulo; Gentile, Rogério. (2019) Gestão Bolsonaro faz corte generalizado em bolsas de pesquisa no paísFolha de São Paulo. 8 de Maio de 2019.

    Pinho, Ângela; Saldanha, Paulo; Gentile, Rogério. (2019). Bloqueio de verba de universidade por motivo ideológico fere Constituição. Folha de São Paulo.

    Saldanha, Paulo. (2019). Bloqueios no MEC vão do ensino infantil à pós-graduaçãoFolha de São Paulo. 5 de Maio de 2019.

    Saldaña, Paulo (2019). Alfabetização será avaliada por gestão Bolsonaro só em amostra de escolas. Folha de São Paulo. 2 de maio de 2019.

    Saldaña, Paulo. (2019). Ministro da Educação ironiza reitores ao falar de tolerância e pluralidade. Folha de São Paulo.

    Saldaña, Paulo. (2019). MEC estende corte de 30% de verbas a todas universidades federais. Folha de São Paulo.

    UNESP. (2019). Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil

    Watanabe, Phillipe. Agências de apoio à pesquisa internacionais defendem ciências humanasFolha de São Paulo.

    *Este texto foi elaborado em conjunto com Ana Arnt, Erica Mariosa Carneiro, Eduardo Akio Sato e Graciele Oliveira*

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