Categoria: Sintomas e Prevenção

  • Vacinação, Transmissão e Variantes: o que aprendemos nesse um ano?

    Vacinação, Transmissão e Variantes: o que aprendemos nesse um ano?

    Por meses e meses, o que mais tínhamos em nossas mentes quando o assunto Pandemia vinha à tona eram perguntas e mais perguntas. Por exemplo, o vírus é mortal? Como sei que estou infectado? Há uma cura? Quanto tempo será de lockdown? Preciso usar máscara e álcool em gel? Quando vai haver uma vacina? Tem algum remédio? Como as vacinas funcionam? Quanto tempo dura a proteção gerada por elas? E as variantes? Posso me infectar e transmitir mesmo vacinado? Como acontece a transmissão?

    Mês a mês, pesquisa após pesquisa, fomos aprendendo e descobrindo um pouco mais sobre o SARS-CoV-2, a COVID-19, as variantes e as vacinas.

    Mas ainda assim, duas perguntas ressoavam no fundo de nossas mentes, nos fazendo repeti-las a cada nova descoberta: por quanto tempo a imunidade das vacinas dura e, mesmo vacinado, ainda posso infectar novas pessoas?

    Bem, logo de cara posso lhes dizer que ainda não temos certeza de quanto tempo a imunidade total das vacinas dura em nosso corpo. Temos algumas noções, vários estudos avaliando o número de anticorpos, com muitas pesquisas mostrando a redução dos anticorpos após vários meses (o que é algo totalmente normal olhando do ponto de vista imunológico), mas ainda um baixo número de artigos avaliando a resposta imune celular, isso é, a porção do nosso sistema imune que nos defende utilizando células. 

    Entretanto, quanto ao impacto das vacinas na transmissão, temos cada vez mais informações que nos auxiliam em montar um panorama geral sobre esse assunto. E é sobre isso que vamos falar aqui hoje.

    O que se sabe até o momento sobre a influência das vacinas na transmissão da COVID-19?

    Pouco tempo após as primeiras campanhas de vacinação ao redor do mundo terem começado, os primeiros estudos avaliando sua capacidade de reduzir os sintomas da COVID-19, hospitalizações e mortes eram publicados. Nessa época, muitos desses estudos chegavam a comentar sobre a possibilidade das vacinas estarem reduzindo a transmissão do SARS-CoV-2 entre as pessoas. Contudo, esses primeiros estudos não focaram em avaliar exatamente a transmissão entre as pessoas. Por causa disso, muitas dessas suposições sobre o impacto na transmissão ficavam no campo das ideias.

    Entretanto, já passou um ano de vacinação mundo afora. Assim, vários estudos foram feitos focando especificamente no impacto da vacinação na transmissão, avaliando e mostrando efeitos bem positivos. Tudo isso reafirma a necessidade do uso de vacinas (mas não exclusivamente o uso delas) para se chegar ao fim da pandemia. 

    Entre muitas coisas, esses são os principais pontos que sabemos no momento:

    • As vacinas reduzem a infecção inicial causada pelo SARS-CoV-2. Isto é, os sintomas sentidos por uma pessoa totalmente vacinada infectada tendem a ser mais leves, do que em uma pessoa não vacinada infectada;
    • O tempo levado pelo vírus para gerar uma cópia de si mesmo dentro das nossas células (chamado de tempo de replicação) é menor em pessoas totalmente vacinadas que se infectaram. Isto quando comparado com pessoas não vacinadas infectadas. Consequentemente, a quantidade de vírus no organismo (a carga viral) de uma pessoa totalmente vacinada infectada é menor;
    • Pessoas totalmente vacinadas infectadas emitem uma quantidade menor de partículas virais através de tosse, espirro ou mesmo a fala. Além disso, as partículas virais emitidas por essas pessoas têm uma infecciosidade menor. 
      • Em outras palavras, uma pessoa totalmente vacinada e que foi infectada joga para fora do seu corpo uma quantidade menor de vírus, e esses vírus têm também uma menor capacidade de infectar outra pessoa;
    • Pessoas totalmente vacinadas que foram infectadas pelo SARS-CoV-2 conseguem limpar o vírus do seu corpo mais rapidamente. Isto é, o sistema imune desses indivíduos é mais eficiente em matar os vírus e as células infectadas por ele, em um intervalo de tempo menor.

    Ok, em um grande resumo, o que isso quer dizer? 

    Todos esses dados nos mostram que vacinas foram e são capazes de reduzir o tempo que o vírus fica dentro de nosso corpo, a partir de várias formas que é REDUZINDO:

    • a multiplicação do vírus;
    • a sua emissão;
    • o tempo que o vírus fica dentro do corpo;

    Assim sendo, de forma indireta, é possível dizer que as vacinas impactam e reduzem sim a transmissão do SARS-CoV-2 em pessoas totalmente vacinadas.

    E se você chegou aqui e ainda tem dúvidas sobre isso, vamos pensar o seguinte: 

    “Se uma pessoa com COVID-19 têm menos vírus dentro do corpo (por esse não estar conseguindo se multiplicar rapidamente), tal pessoa emite menos vírus para o ambiente ao seu redor (por tossir e espirrar menos, por exemplo) e fica menos tempo com o vírus dentro do corpo (por seu sistema imune estar matando o vírus e as células infectadas mais rápido). Assim, essa pessoa tem uma chance menor de transmitir o vírus para outros indivíduos, quando comparada com um indivíduo que se infectou sem estar vacinado.”

    Aqui é o momento em que faço algumas ressalvas. Note bem a palavra que foi usada anteriormente: indivíduos vacinados têm uma chance MENOR de transmitir para outras pessoas. Isso não quer dizer que, se você foi vacinado com duas ou três doses, você não terá chance alguma de pegar e transmitir o SARS-CoV-2. 

    Além disso, uma segunda ressalva que devo fazer aqui é sobre esses mesmos estudos que citei: as pesquisas mais completas avaliaram a transmissão de pessoa para pessoa em contatos domiciliares, e não em grandes ambientes abertos ou com grandes aglomerações. Para essas situações, novamente, ainda é estritamente necessário que nós continuemos a utilizar medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e de distanciamento social, em ambientes fechados ou com grandes quantidade de pessoas. 

    O grande ponto da discussão aqui é: uma pessoa com o esquema vacinal completo tem uma menor PROBABILIDADE de conseguir transmitir o vírus para outra pessoa. As vacinas não param a transmissão, mas sim reduzem esta.

    Além disso, como tem se falado muito, as vacinas também garantem outras vantagens como:

    • A redução da chance de desenvolver doença grave, hospitalização e morte por COVID-19;
    • A intensidade dos sintomas sentidos após o fim da COVID-19 de longa duração (que também têm sido chamadas de Sequelas Pós-COVID)
    • E também mas não menos importante, a frequência que variantes de preocupação surgem;

    Ué, mas ouvi dizer que as vacinas ajudam no surgimento de novas variantes

    Pois bem, já vou dar a resposta mais simples, curta e direta para esse tipo de boato que foi veiculado recentemente: Não. Vacinas não ajudam no surgimento de novas variantes. Ponto. 

    Agora que já deixamos isso certo, vem entender melhor comigo o motivo.

    Durante uma infecção, seja por um vírus, bactéria, fungo, ou qualquer outro parasita, nosso corpo trava um cabo de guerra: nosso sistema imune contra o parasita em questão (no caso, o SARS-CoV-2). Para fugir das diversas defesas que o sistema imune possui, os vírus possuem utilizam de sua maior arma: sua alta capacidade de mutação. 

    A mutação é nada menos que uma troca em alguma das bases nitrogenadas (as famosas “letrinhas”) no material genético, durante o processo de replicação. Entretanto, esse processo é caro, pois somente poucas mutações serão benéficas, enquanto que a grande maioria das mutações que surgirem irão ser, de alguma forma, ruins para o organismo em questão (no caso, o vírus). 

    O modo de se contornar esse problema é relativamente simples: infectando mais pessoas, ou, em outras palavras, se transmitindo mais. Quanto mais pessoas são infectadas (alta transmissibilidade), mais vírus são mutados, e maior é a chance de aparecer uma mutação que seja boa para ele (e, consequentemente, ruim para nós). Quando uma mutação boa aparece, esse vírus consegue se transmitir mais fácil, infectar mais pessoas, ganhar mais mutações, e isso acaba se tornando um ciclo eterno. 

    Dessa forma, surge a pergunta: como reduzir o número de mutações?

    E a resposta mais simples (que, a propósito, já temos falado há bastante tempo) é: reduzindo a transmissão do vírus entre as pessoas. Para isso, precisamos utilizar tanto medidas farmacológicas quanto não farmacológicas. Por isso a importância do uso combinado de máscaras, álcool em gel, distanciamento social E vacinas. As três primeiras medidas vão atuar logo no começo de uma cascata de eventos (citada logo mais), enquanto a vacina atua a partir do meio dela. A seguir exemplificamos como todas essas medidas auxiliam na redução da transmissão e, consequentemente, reduzem o surgimento de novas variantes. 

    Vacinação em massa e uso de medidas não farmacológicas → Menos pessoas se infectando → pessoas que foram infectadas tendo um tempo de infecção menor → Com o tempo de infecção menor, o vírus fica menos tempo no corpo do indivíduo  → Quanto menor o tempo que o vírus fica no corpo do indivíduo, menor a quantidade de vírus se multiplicando ali → Quanto menor a quantidade de vírus se multiplicando, menor a quantidade de mutações aparecendo → Quanto menor a quantidade de mutações aparecendo, menor a chance de surgir uma variante mais transmissível.

    Finalizando

    O ponto central aqui é mostrar que somente uma medida (como a vacinação de parte da população), não será o suficiente para acabarmos com a pandemia. Se quisermos que ela realmente chegue ao fim, precisamos todos fazer um esforço em conjunto para reduzir a transmissão do vírus, com a vacinação de TODA a população global, aliado ao uso de máscara, distanciamento social e – quando necessário – quarentena. Somente assim seremos capazes de diminuir o surgimento de novas variantes e superar a pandemia de uma vez por todas.

    Para saber mais:

    Outros Materiais:

    • Mellanie Fontes-Dutra

    Vacinas impactam na transmissão;

    Vacinas podem produzir variantes mais resistentes? Não!

    Dados de Harvard (NBA) com tempo menor de transmissão e recuperação mais rápida da infecção entre vacinados x não vacinados

    Vacinação reduz transmissão de delta e individuos vacinados transmitem menos

    Totalmente vacinados contrair e transmitir COVID-19 em casa, mas em taxas MUITO MENORES do que indivíduos não-vacinados e as vacinas reduzem o risco de infecção pela variante #Delta e acelera a depuração viral

    Dados REACT-1 Imperial College London proteção vacinados (delta) e possivel redução da transmissão em vacinados (medidas seguem sendo necessárias enquanto transmissão for elevada).

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como o SARS-CoV-2 infecta nossas células?

    Já sabemos que o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, causa a COVID-19 e também que as medidas efetivas para seu combate são a vacinação, distanciamento social e uso de máscaras. Mas o que acontece no momento exato em que ele infecta um novo hospedeiro? Para entendermos como ocorre a infecção dentro dos organismos e dentro das células, primeiro precisamos lembrar da estrutura desse vírus. 

    Assim como outros coronavírus, o SARS-CoV-2 possui uma coroa de proteínas em suas extremidades. Essas proteínas são as que chamamos de spike, que iniciam o processo de entrada (ou infecção) do vírus nas nossas células. 

    Só que assim como uma coroa, as proteínas spike possuem alguns adereços junto com elas, chamados de glicanos. Os glicanos nada mais são do que açúcares que ficam acoplados nessa proteína e são essenciais para garantir o equilíbrio e a estrutura. Cientistas descobriram que esses açúcares são muito importantes para a mobilidade da proteína spike durante a infecção, da mesma forma que as rodinhas de apoio de uma bicicleta ajudam na sustentação da roda principal.

    A infecção acontece através de um sistema que costumamos chamar de “chave fechadura”.

    Isto é, a proteína spike seria como uma chave e alguns tipos de células do nosso corpo possuem moléculas em sua membrana que funcionam como a fechadura. Assim como colocamos a chave certa na fechadura da nossa casa, ao haver o encontro da spike com essas moléculas, o vírus consegue entrar na célula. Essa fechadura “molecular” é o receptor ACE2, presente em células do nariz, dos pulmões e de todo o trato respiratório. É por isso que, na maioria dos casos, a COVID-19 apresenta sintomas que são principalmente respiratórios. 

    A principal diferença do SARS-CoV-2 para outros vírus da mesma família, é que os glicanos ajudam a proteína spike a ser EXTREMAMENTE móvel, então ela possui uma chance muito maior de encontrar a fechadura das células. Em comparação com o coronavírus que causou o surto de SARS em 2002, o novo coronavírus tem uma capacidade de 4 a 5 vezes maior de se ligar a esses receptores e estabelecer uma ligação forte. Inclusive, atualmente já se sabe que o SARS-CoV-2 consegue infectar células de outros órgãos, como o fígado, rim, cérebro e intestino, fato esse que não havia sido visto para outros coronavírus, como a SARS de 2002 e a MERS de 2012.

    E por que estudar isso é importante?

    Porque a maioria das variantes possuem mutações (que também podem ser chamadas de diferenças ou modificações) exatamente nesta proteína! A variante Delta possui modificações que fazem com que ela tenha muito mais facilidade de se ligar aos receptores do que as outras variantes! 

    Uma variante que é capaz de infectar células mais rápido e mais fácil do que as outras, consequentemente também consegue gerar uma quantidade maior de vírus. Estima-se que a variante Delta possa produzir até mil vezes mais vírus do que outras variantes. Dessa forma, ela possui uma maior eficiência na transmissão e infecção de pessoas, até mesmo entre os vacinados. 

    Outro fato importante é que ao entender como acontece a infecção do vírus na célula, isso pode nos ajudar a descobrir (ou descartar) alguns remédios! 

    Depois de infectar alguns tipos de células, o SARS-CoV-2 utiliza pequenas vesículas, os endossomos. Dentro dos endossomos acontece uma modificação no pH que é a peça-chave para que o vírus consiga se “despir”, isso é, retirar todas as proteínas, açúcares e gorduras que protegem o seu genoma. Ao fazer isso, o vírus consegue liberar seu material genético para realizar o processo de replicação. É justamente nessa etapa de modificação de pH que alguns remédios conseguem atuar. 

    Você provavelmente se lembra da cloroquina, muito utilizada nos falsos kit de cura da COVID-19. A cloroquina consegue bons resultados dentro dos laboratórios quando é testada contra esses tipos celulares específicos. O problema é que nem sempre o SARS-CoV-2 utilizará os endossomos! Então em sistemas mais complexos do que uma simples célula (como nós, seres humanos, e outros seres vivos multicelulares), esses medicamentos não irão funcionar, como aconteceu isoladamente no laboratório. 

    Apesar disso, algumas terapias que realmente funcionam estão utilizando os anticorpos monoclonais, que já explicamos aquiaqui. Esses anticorpos se ligam à proteína spike e impedem que o vírus se ligue ao receptor ACE2 das nossas células. Isto representa 4 dos 5 tratamentos já aprovados pela ANVISA para a COVID-19!

    Por agirem na etapa de infecção das células, os remédios baseados em anticorpos precisam ser dados logo no início da doença. Além de serem tratamentos caros, outro problema que encontramos na terapia com anticorpos é que caso o SARS-CoV-2 continue se espalhando e novas variantes surjam, se alguma mutação nova agir na proteína spike, esses anticorpos podem perder a eficácia!

    O que devemos fazer então?

    A melhor maneira de combatermos a COVID-19 continua sendo: impedir o aumento no número de casos e o aparecimento de variantes! Todavia, isso só será possível se cumprirmos com o cronograma vacinal (duas doses e dose de reforço!), e continuarmos com medidas de distanciamento e o uso de máscaras! 

    Quer saber mais?

    Mishra, Sanjai (2021) Por que a variante Delta é mais transmissível e letal? National Geographic Brasil

    Menezes, Maíra (2021) Pesquisa sugere maior risco de reinfecção pela variante Delta Fiocruz

    Bertoni, Estevão (2021) Quais medicamentos contra a covid foram aprovados pela Anvisa, Jornal Nexo

    Referências! 

    1. Baisheng Li, Aiping Deng, Kuibiao Li, (…) Jing Lu (2021) Viral infection and transmission in a large well-traced outbreak caused by the Delta SARS-CoV-2 variant

    2.Scudelari, Megan (2021) How the coronavirus infects cells — and why Delta is so dangerous Nature, 595, 640-644.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial COVID-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como doenças de transmissão aérea como a COVID se espalham?

    Você sabe o que são aerossóis, fômites, gotículas e o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Homem branco ruivo de óculos e barba, virado de perfil na área esquerda da imagem. Ele está espirrando e as gotículas do espirro aparecem em contraste com o fundo preto da imagem
    Uma pessoa espirrando com gotículas produzidas em evidência. Fonte: Public Health Image Library – Center for Disease Control and Prevention

     A pandemia ainda não acabou. Estamos cada vez mais perto do fim, visto que agora temos vacinas que estão sendo aplicadas na população. Mas isto não significa que possamos baixar nossa guarda! Dessa forma, continuar os cuidados de prevenção é fundamental para conter a doença. Como aprendemos melhor o comportamento do vírus e os mecanismos de transmissão, estamos preparados para combatê-la de forma eficiente! Veja o que sabemos sobre o espalhamento do coronavírus e o que podemos fazer para diminuir as chances de contágio!

    O Sars-CoV-2, vírus responsável pela Covid é transmitido por via aérea e em geral existem três tipos de fontes de contaminação: fômites, gotículas e aerossóis

    Fômites

    São superfícies contaminadas que podem levar a doença ao nosso corpo através de contato com olhos, boca e nariz. No caso do coronavírus, são fontes secundárias de contaminação, sendo menos relevantes. Uma forma eficaz de combater vírus nos fômites é usar sabão e água pois inativa o vírus ao dissolver sua camada protéica.

    Gotículas

    São pequenas porções de líquido, geralmente esféricas e com tamanhos maiores que 20 µm. Podem carregar os vírus a curtas distâncias, visto que a gravidade as leva ao chão rapidamente. Assim, a forma mais eficaz de evitar gotículas é o distanciamento social superior a 2 metros.

    Aerossóis

    São porções de sólidos ou líquidos suspensos no ar, em geral têm tamanho inferior a 10 µm. Permanecem longos tempos em suspensão no ar, pois seu pequeno tamanho permite espalhamento por difusão. Consequentemente, pode levar o vírus de uma pessoa infectada por longas distâncias. Podemos diminuir os riscos ao aumentar a ventilação dos ambientes, pois isto faz com que os aerossóis se dispersem mais rapidamente.

    Mas não é tão simples assim…

    Estas são classificações da comunidade médica, porém para a Física, aerossóis englobam as gotículas, pois estas também estão em suspensão no ar. A formação de aerossóis acontece quando fornecemos energia para um corpo, o quebrando em pequenos pedaços e os arremessando no ar. Assim, no caso de aerossóis respiratórios, quando respiramos, falamos ou espirramos.

    Aerossóis respiratórios são polidispersos, isto é, têm uma grande variedade de tamanhos em suas partículas. Normalmente a variação é entre 1 µm e alguns décimos de milímetros.

    Assim suas partículas não apresentam comportamento único.

    Veja esta simulação de um espirro usando dinâmica de fluídos computacional:
    Simulação computacional de um espirro e como ele se espalha em distância, com o tempo. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. "Sneezing and asymptomatic virus transmission." Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.
    Simulação computacional de um espirro. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. “Sneezing and asymptomatic virus transmission.” Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.

    Estes comportamentos são ditados pelo tamanho da partícula. Partículas com tamanho superior a 100 µm sofrem baixa interação com outras partículas no ar. Assim, a principal influência é a gravidade e o movimento é próximo ao de um lançamento oblíquo. Isto é, aquele que vemos na escola quando descrevemos a trajetória de uma bala de canhão. Em média, caem no chão em segundos e não se afastam mais de 2 metros da fonte.

    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.
    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.

    Para partículas com tamanho próximo a 10 µm, a gravidade ainda é um efeito importante, mas estas também colidem com moléculas no ar de forma considerável aumentando seu tempo de voo. Assim, estas partículas ficam suspensas cerca de 10 minutos e podem percorrer distâncias maiores.

    Já as partículas pequenas, menores que 1 µm, têm uma influência muito maior da colisão com as moléculas no ar de forma a realizar um movimento praticamente aleatório. Dessa forma, elas podem viajar devido a este movimento de difusão por longas distâncias, sendo altamente influenciados pelo fluxo de ar no ambiente. Com isto podem ficar longuíssimos períodos em suspensão, até mesmo por cerca de 12 horas!

    Tamanho (µm)Tempo de voo
    > 100~1 segundo
    10~10 minutos
    < 1até 12 horas
    Fonte: How COVID-19 Spreads – METPHAST Program
    Assim percebemos que o maior risco é estar próximo a uma pessoa infectada durante o espirro.
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    E os aerossóis?

    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Aerossóis, distância e ambientes fechados…

    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro aspecto importante em relação ao tamanho das partículas é que estas ditam em que parte do sistema respiratório estas gotículas chegaram, podendo ter influência na gravidade da infecção.

    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro detalhe importante, apesar de as fômites serem fonte de contágio secundárias, devemos ter cuidado ao manusear material contaminado. Por quê?

    Para não gerar novos aerossóis!!!

    Por exemplo, um artigo (Aerodynamic analysis of SARS-CoV-2 in two Wuhan hospitals) identificou que em hospitais, além das áreas de internação e banheiro dos pacientes, um lugar com maior concentração do vírus no ar eram as salas para troca de roupas dos profissionais de saúde, que pode ter sido gerados devido ao manuseamento dos equipamentos de proteção que acumularam vírus durante o expediente dos médicos e enfermeiros.

    Vamos continuar mantendo esses cuidados básicos para garantir a segurança de todos e controlar a pandemia, somente assim poderemos começar o retorno de atividades presenciais sem novos picos da pandemia, que podem levar até mesmo a novas variantes do vírus que sejam mais resistentes às vacinas atuais.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Que medidas preventivas são necessárias neste momento contra a COVID-19 em nosso país?

    Nós sabemos da chegada da variante Delta em todo o território Nacional. Sabemos também que são necessárias duas doses da vacina, e que precisamos esperar o tempo de imunização da segunda dose – o chamado esquema vacinal completo – para nos protegermos de fato do agravamento da doença causada pelo coronavírus. Muito tem se falado também sobre as medidas não farmacológicas, e aí fica o questionamento:

    – “Mas só a vacinação basta?”

    Não!

    Temos dito, desde o ano passado, que estas vacinas de primeira geração seriam fundamentais para diminuir a quantidade de mortes e a circulação do vírus. Assim como também temos falado continuamente que a vacinação precisaria ser um processo rápido e populacional, aliado às medidas públicas de saúde. As tais “medidas não farmacológicas”.

    Estas medidas não farmacológicas têm sido uma das grandes pautas da divulgação científica desde os primórdios da pandemia. É claro, as recomendações variaram um pouco dos primeiros meses (entre março e junho de 2020) para cá. 

    Atualmente enfatizamos continuamente que a COVID-19 é transmitida pelo AR. Isto quer dizer que a higienização não é importante? Não. Quer dizer que a higienização não é o ato em que precisamos nos concentrar. Até porque higienização é importante para prevenir várias infecções ( sempre bom lembrar…).

    A grande questão reside em dois pontos: o que podemos fazer como medidas individuais de proteção (medidas que são limitadas) e quais deveriam ser medidas de política pública de saúde? Falei sobre isso neste post aqui, recentemente. Vou retomar alguns pontos e lançar outros para pensarmos juntos…

    Inicialmente, vou defender novamente que não deveríamos ter retomado todas as atividades, sem qualquer restrição de horários, rodízios de trabalhadores ou outras precauções. A partir disto, o que eu tenho escutado?

    – “Mas têm que voltar, não adianta, os serviços têm que retornar sim!”

    Realmente, em um país em que governantes tiveram dificuldade para adotar medidas que diminuíssem os números de casos de forma responsável durante o enfrentamento da pandemia, tem sido cada vez mais difícil permanecer em casa

    Temos, todavia, banalizado situações que são absolutamente dispensáveis agora.Em especial frente a transmissão da variante Delta, que segue avançando no país em um panorama de cerca de 700 óbitos diários (o que nos dá cerca de 5.000 mortes semanais).  

    Mas, quais são as medidas não farmacológicas que nós deveríamos prestar a atenção e deveriam ser uma prioridade nas políticas públicas?

    Uso de máscaras

    Preferencialmente PFF2, especialmente em espaços de trabalho, em ambientes fechados e pouco ventilados, ou nos ambientes abertos, mas com muitas pessoas. As PFF2 têm um Projeto de Lei 1054/21 desde março deste ano no legislativo federal para que sejam consideradas Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A aprovação dessa lei garantiria aos trabalhadores que as próprias empresas e empregadores fornecessem esse tipo de máscara, como medida MÍNIMA para retornos mais seguros ao trabalho presencial.

    Porém, mesmo no setor público isso não tem sido feito. O Estado, por exemplo, tem oferecido máscaras de pano para os docentes voltando às escolas públicas. Lembrando que máscaras de pano não são consideradas EPI, e não sendo indicados como proteção individual em espaços fechados, mesmo que ventilados.

    Distanciamento social ou físico

    Há um grande debate sobre o termo correto: físico ou social. Todavia, a nós importa que: em ambientes abertos, deveríamos ter um distanciamento adequado entre pessoas. Já em ambientes fechados com pouca ou muita ventilação, além do distanciamento entre as pessoas, deveríamos ter a menor permanência possível.

    O espaçamento entre pessoas, nessas retomadas, vem sendo sugerida como  “1 metro”. O que contraria medidas debatidas pela ciência desde meados de 2020 (que aponta cerca de 2 metros).

    Espaços ventilados

    Atividades conduzidas nestes ambientes deveriam ser prioridade em tempos como estes. Dessa forma, algumas perguntas são relevantes aqui também: Há condições de o espaço fechado ter ventilação adequada? Constantemente? Com qual lotação/ocupação? Qual o tempo de permanência máxima?

    Este item é fundamental, considerando que grande parte de nossos serviços desenvolvidos atualmente acontecem em ambientes encerrados entre paredes com poucas (ou mesmo nenhuma) janelas.

    Testagem e rastreio

    Parece um absurdo falar em teste e rastreio em pleno 2021. Mas é isto… O Brasil segue em segundo lugar no mundo em número de mortes por COVID-19. Todavia, quando falamos em quantidade de testes por milhão de habitantes, estamos em 124º lugar no mundo. A subnotificação passou a ser um tema tão banal que a ignoramos absolutamente enquanto informação básica no debate sobre COVID-19.

    Entretanto, considerando que agora as últimas barreiras de cuidados sanitários (fora o uso de máscaras) foram derrubadas, este é um tema que deveria ser (finalmente?) levado à sério. É necessário testar! Também é necessário ter protocolo de testes constantes, por grupos, por amostragem, de forma rotineira nas empresas. É urgente a indicação de isolamento de pessoas que testaram positivo e análise de quem teve contato com elas também.

    Isto é testagem e rastreio. O protocolo do estado de São Paulo, por exemplo, não indica como deve ser feito, quem analisa e quem paga por tais testes. Apenas aponta a necessidade de o poder público ser notificado dos resultados. Nas indicações de testes constantes, há recomendação de teste sorológico e não um teste de detecção do vírus.

    Em um país em que o trabalhador está em alta vulnerabilidade, os testes e rastreamentos acabam ficando sob o encargo de quem?

    Este questionamento serve também para o setor público, que têm realizado testes para a retomada, como se ela fosse segura apenas por termos o resultado negativo em mãos. Não. Não é.

    A testagem que temos debatido e enfatizado não é isolada, individual e pontual. É uma estratégia constante, periódica, para monitoramento seguro dos espaços coletivos de trabalho. E é realmente lastimável que, como política pública, estejamos debatendo isto neste momento, novamente.

    A dificuldade de implementação de testes não deveria ser uma questão, após 18 meses de pandemia. Não deveríamos, com a quantidade de casos diários notificados, estarmos fazendo tão poucos testes ainda. Testagem e rastreio em ambientes coletivos de trabalho deveria ser, há muito tempo, uma realidade.

    Não deveríamos, com tão pouca gente com o esquema vacinal completo, estar brincando de indicar testes ao aparecimento de sintomas, quando a doença tem transmissão iniciada antes desses sintomas surgirem. E aqui, nem alarmista, nem intransigente: estamos falando de indicações científicas que estão sendo feitas há meses e meses.

    – “Ah, mas e o home office, segue válido como opção”?

    Outra questão que seria importante é reforçar para empresas que têm condições de manter seus funcionários em home office, continuaram assim. Mesmo com duas doses de vacina!

    Por quê? Ora, em uma pandemia respiratória, com a circulação de novas variantes, sem o controle de transmissão, a diminuição da mobilidade urbana ainda é uma das ferramentas mais fundamentais para estancar o quanto for possível a circulação do vírus.

    Isto quer dizer que mesmo com pessoas tendo sintomas menos severos e lotando menos UTIS – e até falecendo menos – ainda temos uma transmissão alta em nosso país. Lembrando que não estamos mais vivendo o caos que vimos entre janeiro e abril de 2021. Entretanto, o “falecendo menos” mencionado antes está longe de “falecendo pouco ou próximo de zero”. Além disso, estamos transmitindo muito, contaminando muito e, apesar de as UTIs do país estarem em uma aparente tranquilidade, a nossa taxa de óbitos ainda segue muito alta, com cerca de 700 pessoas morrendo por dia

    Em que momento passamos a aceitar como tranquilo este fato?

    Hoje, dia 6 de setembro, foi noticiado que cerca de 2 milhões de testes para COVID-19 estão vencidos e serão incinerados. Não é a primeira vez que vemos este tipo de situação sendo noticiada em nosso país. O teste, monitoramento de sintomas e rastreio de contatos ainda não é levado a sério, quando se trata de possibilitar aos trabalhadores a permanência em suas residências para que se recuperem dos sintomas.

    Em protocolos oficiais, ainda existe como recomendação o monitoramento e teste de acordo com os sintomas aparentes, conforme designação no posto de saúde – aqui em São Paulo, ao menos. É importante termos em mente que um teste de antígeno (ou seja, que indica a presença do vírus ou de partículas do vírus) nos indica a contaminação entre 3 a 7 dias após o início dos sintomas. Considerando que os sintomas podem acontecer a partir do 2º até o 14º dia após o contágio – mas é mais frequente após o 5º dia, temos um tempo entre a contaminação e o início dos sintomas. E nestes dias já podemos estar contaminando pessoas.

    Por isso, o monitoramento, rastreio e testes são fundamentais. Além disso, seria importante (no mínimo) testes por amostragem em grupos, especialmente em situações de muito contato entre os trabalhadores ou destes com o público (como escolas e algumas empresas de serviços de atendimento).

    Finalizando

    Nós ainda lidamos com monitoramento, rastreios e testes como um luxo e uma estratégia de dificuldade logística, após 18 meses de pandemia. Mesmo considerando que esta estratégia nos possibilita diminuir a circulação do vírus exatamente por isolarmos casos e contatos dentro dos setores de serviço.

    Em todo o tempo da pandemia, nunca foi sobre manter todos os serviços fechados por tempo indeterminado: mas sobre planejar estruturalmente retornos seguros para pessoas não adoecerem, não morrerem e para diminuirmos a circulação do vírus.

    Nenhuma medida deveria constar como uma opção recomendável se acarreta em uma falta de segurança mínima para seres humanos de nosso país.

    Para saber mais

    BRASIL (2021) Projeto de Lei 1054/21

    BRASIL (2021) Ficha de Tramitação do Projeto de Lei 1054/21

    CONSTANZA, R, LOPES, R, VARGAS, M Governo Bolsonaro deixa vencer R$ 243 mi em vacinas, testes e remédios Folha de São Paulo 6 de setembro de 2021 

    Jones N R, Qureshi Z U, Temple R J, Larwood J P J, Greenhalgh T, Bourouiba L et al (2020) Two metres or one: what is the evidence for physical distancing in covid-19? BMJ 2020; 370: m3223 

    Documentos oficiais de São Paulo (2020):

    Protocolo de acompanhamento das condições de saúde para organizações privadas

    Resolução SS – 85 de 10-06-2020

    Protocolos Sanitários Educação – Segundo Semestre 2021

    Retomada Consciente (2021)

    Protocolo Sanitário Intersetorial

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como funcionam as máscaras N95 / PFF2

    Figura 1 – Máscara N95. Fonte: Wikimedia Commons – banej (CC BY-SA 3.0)

        As máscaras N95 se provaram grandes aliadas no combate a pandemia de covid-19, sendo um equipamento de proteção essencial para os profissionais da saúde. Mas você sabe como elas funcionam? O mecanismo por trás dos processos de filtração é uma excelente aplicação da Física no nosso cotidiano!

        Uma primeira intuição nos diz que o tecido atua como uma espécie de “peneira”, assim as partículas não conseguiriam passar pelas frestas das fibras do tecido, porém a N95 não funciona assim! Ela é pensada para barrar tanto partículas grandes quanto pequenas.

    Figura 2 – Imagem de microscopia eletrônica de um filtro da máscara N95. Fonte: Okinawa Institute of Science and Technology

        Talvez você já tenha visto insetos ou lagartos andando sobre a água. Isto acontece devido às chamadas “Forças de Van der waals”, uma fraca força de escala molecular bastante importante na Química. Essa mesma força faz com que o material particulado que tente passar pelo filtro da máscara grude em suas fibras não permitindo sua passagem. Logo a máscara é mais parecida com uma teia de aranha do que uma peneira.

    Figura 3 – partículas de diferentes tamanhos tentando atravessar a máscara. Fonte: Minute Physics

        Para aumentar a chance de filtragem, as N95 possuem várias camadas de fibras, o que aumenta bastante a probabilidade de uma partícula encontrar uma fibra em seu caminho. Partículas grandes (cerca de 1 micrômetro) não tem sua trajetória muito afetada pelo fluxo de ar e costumam se locomover em linha reta, com altas probabilidades de grudar no filtro.

        Partículas pequenas (cerca de 0,1 micrômetro) se chocam a todo momento com as moléculas do ar, realizando um movimento aleatório conhecido como movimento browniano. Esse movimento, que pode ser imaginado como o caminhar de um bêbado, aumenta a probabilidade dessas partículas encontrarem uma fibra e serem filtradas.

        O maior problema são as partículas de tamanho intermediário (aproximadamente 0,4 micrômetros), pois essas costumam seguir o fluxo de ar e podem acabar escapando da filtragem. Lembre-se que o fluxo de ar sempre existe, pois o usuário da máscara está respirando.

        Porém, temos um truque a mais à nossa disposição! Podemos induzir uma carga eletrostática nos fios do filtro. Isto transforma-os em eletretos, que são parecidos com imãs, mas que geram campo elétrico ao invés de magnético. Esse campo elétrico atrai partículas de todos os tamanhos em direção aos fios. Mesmo as partículas neutras são atraídas pois as cargas dentro da partícula se rearranjam, criando regiões positivas e negativas na partícula.

    Figura 4 – Partícula sendo atraída pelo fio da máscara visto em corte. Fonte: Minute Physics

        Estes processos em conjunto dão uma eficiência enorme para as máscaras N95, proporcionando uma filtragem de material particulado de pelo menos 95% (segundo a norma estadunidense)! Uma incrível aplicação da Física, não acham? Mas infelizmente, devido a carga eletrostática não podemos lavar a máscara, o que a torna descartável.

    OBS: existem nomenclaturas quase equivalentes para máscaras de proteção dependendo do órgão regulador, como: KN95, PFF-2 e FFP2.

    Fontes e referências:

    [1] N95 Respirators and Surgical Masks – Centers for disease control and prevention 

    [2] N95-electrocharged filtration principle based face mask design using common materials – Okinawa Institute of Science and technology 

    [3] The astounding physics of n95 masks – Minute Physics

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório, causa danos no cérebro?

    Texto escrito por Fernanda Crunfli* e Ana Arnt

    Quando a pandemia pelo novo coronavírus começou, foi um caos mundial para todos, principalmente para os profissionais da área da saúde. Assim, ninguém sabia nada sobre o novo coronavírus, e nem como realizar a melhor conduta médica para essa nova doença. Desde o início da pandemia, as evidências já demonstravam que o SARS-CoV-2 não era apenas uma gripe comum. Isto é, ela logo foi compreendida como uma nova doença com características incomuns e singulares. Um dos aspectos mais intrigantes do novo coronavírus é o número de sistemas do corpo que o vírus pode afetar.

    Hoje em dia, com toda a comunidade científica se voltando para o vírus, já temos mais informações e conseguimos traçar melhor qual é o caminho desse vírus e seus efeitos no corpo humano. 

    O início dos sintomas neurológicos na infecção pelo coronavírus

    Voltando para o início da pandemia, a comunidade médica começou a observar que um dos principais sintomas dos pacientes com a Covid-19 era a perda de olfato e paladar, funções comandadas pelo cérebro. Além disso, os problemas desses pacientes não eram apenas os problemas respiratórios. Por exemplo, aproximadamente 30% dos pacientes com Covid-19 apresentavam sintomas neurológicos, como dor de cabeça, confusão mental, fadiga, depressão e até convulsões. À medida que o número de casos aumentou, tornou-se mais evidente que a Covid-19 não apresentava apenas as manifestações comuns da doença, mas também as incomuns, como os problemas neurológicos graves.

    Diante disso, os neurologistas e neurocientistas do mundo inteiro começaram a questionar:
    – o que o coronavírus fazia no cérebro?
    – como esse vírus chegava até o cérebro? 
    – quais seriam os possíveis danos neurológicos ocasionados pelo vírus?

    Foi aí que nós, cientistas brasileiros da Unicamp, junto com cientistas da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) unimos esforços para investigar o que o vírus faz no cérebro!

    Nossa primeira pergunta foi se o coronavírus era capaz de chegar até o cérebro e se ele conseguiria infectar as células do cérebro. Dessa forma, nós observamos que: sim o vírus chega até o cérebro e ele é capaz de infectar e se replicar nos astrócitos.

    Calma que a gente explica…

    Astrócitos são as células mais abundantes do sistema nervoso central. E elas são responsáveis por apoiar os neurônios nos processos metabólicos. Pois nas autópsias de vítimas da Covid-19, percebeu-se que estas células eram muito afetadas.

    Os astrócitos são encarregados de manter o bom funcionamento dos neurônios, possuem um papel dinâmico na regulação da função neuronal. Mas, como isto ocorre? Digamos que os astrócitos percebem tudo o que está ocorrendo nas comunicações entre os neurônios e são responsáveis por manter esta comunicação eficiente e ativa, conforme a necessidade – isto se dá regulando neurotransmissores e outras substâncias que podem interferir no funcionamento dos neurônios. 

    Os astrócitos também são responsáveis pela nutrição dos neurônios, atuando como “sensores metabólicos do cérebro”, mantendo um bom funcionamento neuronal. Além disso, os astrócitos também participam da resposta neuroinflamatória. Isto é, quando ocorre uma lesão ou um dano no cérebro, os astrócitos respondem a esse estímulo. 

    A infecção dos astrócitos pelo coronavírus

    Parece bem evidente a ideia de que se os astrócitos são infectados e funcionam mal, uma verdadeira bagunça pode ocorrer no cérebro, correto? Então, basicamente é isto: os astrócitos são as células mais abundantes no cérebro. Elas são verdadeiras “faz tudo” dos neurônios. Assim, se elas forem infectadas pelo coronavírus, atrapalhando suas atividades básicas como consequência, prejudicam o funcionamento dos neurônios e de todo o equilíbrio cerebral. 

    É como uma reação em cadeia. Ou seja, o coronavírus ataca os astrócitos e, quando infectados, eles morrem ou deixam de executar seu papel de manter o bom funcionamento dos neurônios. Dessa forma, o resultado pode ser a morte do tecido cerebral, e consequentemente sintomas como perda de memória, ansiedade, depressão e dificuldade de raciocínio.

    Astrócito infectado pelo SARS-CoV-2 (o vírus são os pontos vermelhos na imagem). Foto de: Flávio Protásio Veras

    Ainda na análise das autópsias do cérebro de vítimas da Covid-19, o coronavírus foi capaz de alterar proteínas associadas às doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. Em suma, agora precisamos compreender se o coronavírus desencadeia ou não doenças neurodegenerativas em quem tem algum potencial genético para isso.

    E agora?

    O próximo passo foi analisar os sintomas e efeitos neurológicos de 81 pacientes com sintomas leves da Covid-19. Para isso, um estudo avaliou o cérebro desses pacientes através de uma ferramenta chamada Ressonância Magnética Funcional. Sabe aquelas imagens de cérebro que sempre aparecem quando falamos de pesquisa deste órgão? Pois é, é gerada com esta ferramenta.

    Bom, o  resultado foi: o coronavírus promoveu alterações significativas na estrutura do córtex, a região do cérebro mais rica em neurônios e responsável por funções complexas como linguagem, memória e atenção. Além disso, esses pacientes apresentaram sintomas graves de ansiedade e depressão, e até mesmo déficits cognitivos. Com o atual cenário do Brasil, com mais gente adoecendo, mais pessoas sofrerão esses problemas, e isso é alarmante. 

    Todavia, resta ainda saber a gravidade destas lesões, e entender se lesões neurológicas são passageiras ou irreversíveis. Por isso, o grupo da Dra Clarissa irá acompanhar esses pacientes pelos próximos 3 anos para saber se o vírus desencadeia doenças neurodegenerativas, e se essas lesões serão reversíveis. Esperamos que sim!

    Já está bem claro que a Covid-19 pode afetar o nosso cérebro.  No entanto, a ciência ainda busca elucidar os mecanismos pelos quais o sistema nervoso central torna-se alvo do vírus. Entretanto, fica a pergunta:

    Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório pode causar danos no cérebro? 

    O novo coronavírus é capaz de atacar todas as células que possuem a porta de entrada dos vírus. Essas portas são diferentes receptores acoplados à membrana da célula, explicados aqui e aqui . Assim, a ciência continua investigando a possibilidade do coronavírus usar outros receptores como porta de entrada também. Da mesma forma, esses receptores estão presentes no cérebro, em menor quantidade quando comparado com o sistema respiratório, mas ainda estão lá. Então, o vírus consegue infectar as células do cérebro.

     Agora a maior dúvida é como o coronavírus chega até o cérebro?

    A primeira hipótese, é que o coronavírus consiga passar a barreira hematoencefálica. Mas, vamos por partes: esta barreira do nosso organismo protege a entrada de substâncias tóxicas, medicamentos e infecções bacterianas e virais no Sistema Nervoso Central.

    O primeiro indício que o coronavírus é capaz de atravessar a barreira foi demonstrado em animais. Isto é, as proteínas do coronavírus conseguiram passar a barreira hematoencefálica, exemplificando o que poderia acontecer no cérebro humano. Como a perda do olfato é sintoma comum, uma outra possibilidade seria a entrada do vírus no cérebro via nervo olfatório.

    A segunda hipótese, seria que os danos cerebrais observados poderiam ser sintomas secundários da doença. Ou seja, um resultado indireto da Síndrome Respiratória causada pelo vírus. Assim, os danos neurológicos podem ocorrer pelo efeito indireto da falta de oxigênio e da infecção grave (“tempestade de citocinas”) da Síndrome Respiratória. Até agora, há mais evidências de que os sintomas neurológicos possam ser primários e não secundários à Síndrome Respiratória. Entretanto, determinar a relação de causa e efeito dos danos neurológicos ainda é um desafio que precisa ser investigado. 

    Por Fim

    Todos esses estudos mostram-se essenciais para compreender o mecanismo de ação do novo coronavírus, e ajudar a encontrar alvos para o tratamento da doença. Assim, se nós sabemos quem é o nosso inimigo e qual é o seu plano de ataque, fica mais fácil combatê-lo. Isso aumenta as nossas chances de combate à doença. Uma das perguntas que precisam ser respondidas é como o vírus chega ao cérebro. A comunidade científica ainda tem um grande desafio pela frente. Porém, devemos seguir atentos na batalha contra a Covid-19, pois essa doença é como um sorteio de loteria, não sabemos quem será contemplado com quais sintomas graves ou não.

    A autora

    Fernanda Crunfli Possui graduação em Biomedicina (2011) e mestrado em Neurociências e Comportamento pelo programa de Biociências aplicada à Saúde pela Universidade Federal de Alfenas (2013). Doutora em Ciências (Fisiologia Humana) pela Universidade de São Paulo (2013-2017) com período sanduíche na Universidad Francisco de Vitoria em Madrid, Espanha (2017) no laboratório de Endocanabinoides e Neuroinflamação. Atua nos temas: modulação do sistema canabinoide, doenças neurodegenerativas e psiquiátricas, metabolismo neuronal e processos neuroinflamatórios. Atualmente, trabalha no Laboratório de Neuroproteômica (Unicamp) no estudo das bases moleculares da esquizofrenia. Com a pandemia da COVID-19 passou a estudar o efeito do SARS-CoV-2 no Sistema Nervoso Central, especialmente nos astrócitos.

    Este post foi escrito por Fernanda Crunfli, primeira autora do artigo

    Crunfli, FC et al (2020) SARS-CoV-2 infects brain astrocytes of COVID-19 patients and impairs neuronal viability

    Este artigo fez parte da pesquisa do Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp e faz parte do trabalho desenvolvido pela Força Tarefa da Unicamp contra a Covid-19 junto com o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da USP de Ribeirão Preto. Este artigo foi coordenado pela Fernanda Crunfli, Victor Corasolla Carregari, Flavio Protásio Veras, Clarissa Lin Yasuda, Marcelo A. Mori, Thiago Mattar Cunha e Daniel Martins-de-Souza.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    O projeto vinculado a esse artigo está registrado pelo nº Processo FAPESP: 2020/04746-0
    Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FAEPEX) Unicamp – 2274/20

    Mais textos sobre o tema, neste blog

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Para Saber mais

    ANDREWS, MG et al (2021) Tropism of SARS-CoV-2 for Developing Human Cortical Astrocytes

    Bélanger, M, Allaman, I & Magistretti, PJ Brain energy metabolism: focus on astrocyte-neuron metabolic cooperation Cell Metab 14, 724–738 (2011)

    De Felice, FG, Tovar-Moll, F, Moll, J, Munoz, DP & Ferreira, ST (2020) Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the Central Nervous System Trends Neurosci 43, 355–357.

    Lau, K-K et al (2004) Possible Central Nervous System Infection by SARS Coronavirus Emerging Infectious Diseases vol 10 342–344.

    MERGENTHALER, P et al (2013) Sugar for the brain: The role of glucose in physiological and pathological brain function Trends in Neurosciences, v 36, n 10, p 587–597.

    Moriguchi, T et al (2020) A first case of meningitis/encephalitis associated with SARS-Coronavirus-2 Int J Infect Dis 94, 55–58.

    Turner, DA & Adamson, DC (2011) Neuronal-astrocyte metabolic interactions: understanding the transition into abnormal astrocytoma metabolism J Neuropathol Exp Neurol 70, 167– 176.

    Varatharaj, A et al (2020) Neurological and neuropsychiatric complications of COVID-19 in 153 patients: a UK-wide surveillance study Lancet Psychiatry 7, 875–882.

    ZHANG, X et al (2021) Role of Astrocytes in Major Neuropsychiatric Disorders Neurochemical Research.

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O vírus SARs-CoV-2 pode ter uma ação parecida com o vírus do HIV, ao infectar linfócitos

    A Unicamp vem realizando trabalhos dedicados à Covid-19 desde 20 de março, através da Força Tarefa.
    Iniciamos nossos trabalhos, principalmente no Instituto de Biologia, com uma rede de pesquisadores para propor uma agilidade em diagnósticos, que seriam necessários conforme a Covid-19 avançasse aqui na região. No entanto, a Força Tarefa não se restringiu a isso, também começou a realizar pesquisas científicas que se estruturaram de maneira rápida e eficaz em muito pouco tempo.
    Alguns destes resultados de pesquisas já estão saindo e já publicamos alguns destes estudos aqui no Blogs de Ciência da Unicamp.
    Nesta semana, mais um estudo de impacto foi publicado, ainda em preprint, e vem tendo uma ótima repercussão internacional.

    O artigo, liderado pelos pesquisadores Alessandro Farias e Marcelo Mori, discute uma das formas de o vírus infectar o nosso organismo.
    Os resultados da pesquisa indicam que o SARS-CoV-2 pode infectar os linfócitos e se proliferar, podendo causar um quadro de imunodeficiência, mesmo que temporariamente.

    Mas, se o SARs-Cov-2 ataca linfócitos… O que isto quer dizer na prática?

    Primeiro, isto significa que ele derruba exatamente as células que deveriam nos proteger, o que agrava o quadro geral da infecção.
    O linfócito que o coronavírus ataca é o conhecido T CD4, que coordena a resposta imune adaptativa. É onde se produz e liberam as moléculas que também muito se tem comentando atualmente: as citocinas.
    O efeito, ao que tudo indica, é parecido com a ação do HIV, mas de forma aguda.

    Ao infectar estes linfócitos T CD4, o coronavírus ou mata a célula, ou modifica sua funcionalidade. Com isto, haveria uma diminuição da atividade dos linfócitos T CD8 e, também, uma menor afinidade e eficácia dos linfócitos B – o que diminui nossa resposta imunológica contra o vírus.
    Não são todas as pessoas infectadas pelo coronavírus que apresentam este quadro. Na verdade, este tipo de infecção foi observada especialmente nos quadros graves de COVID-19. Estes resultados apontam para mais um passo para a compreensão da doença e seus mecanismos de infecção.

    Este artigo tem bastante pano prá manga!

    E é por isso que hoje resolvemos soltar esta nota rapidinha para vocês e apresentar um pouco do que temos pesquisado aqui na Unicamp! Logo mais soltaremos uma postagem que faça jus a este artigo, explicando mais detalhadamente toda a pesquisa.

    Também, a partir deste estudo, vamos inaugurar nossas entrevistas com os pesquisadores da Força Tarefa, em nossas redes sociais! Aguarde as novidades! 🙂

    Para saber mais

    Davanzo, G; Codo, A; Brunetti, N; (…) Mori, M; Farias, A (2020) SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. doi: https://doi.org/10.1101/2020.09.25.20200329

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Se o coronavírus é um vírus pulmonar, como ele infecta outros órgãos? (parte 2)

    Há algum tempo atrás, vimos em um texto aqui no blog como o SARS-CoV-2, causador da Covid-19, é capaz de entrar em nossas células e causar sua infecção. Contudo um número cada vez maior de artigos têm sido apresentados à comunidade científica mostrando que a infecção causada por tal vírus não se restringe somente ao trato respiratório e sim a muitos outros órgãos. O SARS-CoV-2 já foi encontrado no cérebro, no fígado, rim, intestino e dessa forma surgem perguntas: quais são os efeitos do vírus nesses órgãos? Vem com a gente para entender melhor isso!

    Problemas Cardiovasculares

    Tudo começou com pacientes que relataram palpitações no coração e sensação de aperto no tórax. Mais tarde estes pacientes foram diagnosticados com Covid-19, de acordo com a Comissão Nacional de Saúde da China (NHC), um órgão responsável em formular políticas de saúde na China. De acordo com eles, 11.8% das pessoas que morreram de Covid-19 tinham algum dano no coração, apesar de não ter doenças cardíacas prévias1. Consequentemente, cientistas e médicas começaram a observar melhor problemas cardiovasculares relacionados ao Covid-19 2,3, como:

    • dano no miocárdio (o músculo responsável pela contração do coração), 
    • a inflamação deste mesmo músculo, 
    • arritmia (um descompasso no ritmo de batidas do coração, em geral mais lento no caso da Covid-19), 
    • insuficiência cardíaca,
    • choque cardiogênico (uma falha na irrigação de sangue no próprio coração, com consequente falha deste para continuar bombeando o sangue).

    Assim, para todos esses problemas, imagina-se (e a cada dia novas pesquisas tem sido feitas para se comprovar ou não) que a origem de todos esses problemas sejam duas. A primeira delas seria a própria infecção das células cardíacas pelo SARS-CoV-2, vide que tais células expressam o receptor ACE2.

    As tais Tempestades de Citocinas

    A outra origem pode ser um fenômeno conhecido como Tempestade de Citocinas. As citocinas são moléculas que servem de comunicação para as células, principalmente para as células do sistema imune. Dessa forma, quando um macrófago ou um linfócito reconhece um agente invasor no corpo, essa célula libera essas moléculas e acaba levando a uma inflamação no lugar, chamando mais células imunes para combater esse patógeno. O grande problema de toda essa questão ocorre quando o corpo reconhece que o invasor é muito perigoso e não tem meios de derrotá-lo facilmente. Nesse caso, as células imunes lançam mão de sua estratégia final: a liberação de grandes quantidades de citocinas que se espalham por todo o corpo, o que acaba gerando dano em outros órgãos (mesmo aqueles que não estão infectados). 

        No caso da Covid-19 podemos entender facilmente porque então a tempestade de citocinas não é uma boa coisa: para ela acontecer a pessoa já precisa estar comprometida, muitas vezes com a forma grave da doença, seus pulmões não estão bem. Assim, por causa da tempestade de citocinas, outros órgãos como o rim, fígado e principalmente o coração também começam a sofrer dano, fazendo com que muitas  vezes isso leve o paciente ao óbito.

    Problemas Renais

    Depois do coração, começou-se a olhar para outros órgãos, dentre eles o rim. Assim, muitos médicos notaram que a Covid-19 tinha um certo envolvimento com o rim em casos mais severos. Alguns pacientes chegavam ao hospital com uma alta quantidade de proteínas na urina (a chamada proteinúria), o que é um sinal de que provavelmente havia algum problema nos rins.

    Além disso, pesquisadores e médicos viram que alguns pacientes – em geral aqueles que tinham a forma severa da doença – também desenvolveram lesão renal aguda (AKI), que é uma redução na capacidade de filtragem dos rins, que também acarreta em vários problemas 4. Uma pesquisa em específico, notou uma correlação entre doenças renais e um aumento no número de mortes de pacientes que precisavam de hospitalização 5. Enquanto isso, outras pesquisas já demonstraram que o SARS-CoV-2 possivelmente é mesmo capaz de infectar células renais 6,7 e isso pode ser uma das causas que levam ao dano, com um outro possível mecanismo sendo a Tempestade de Citocinas já citada acima 4.

    Problemas Hepáticos

    Todavia, como tudo tem sido complicado com o SARs-CoV-2, os problemas não pararam por aí. Assim, como o fígado também é um órgão que expressa o ACE2 na membrana de suas células, ele não também não ficaria de fora na Covid-19 8. O dano no fígado associado a Covid-19 é considerado como qualquer dano hepático que ocorra durante a progressão ou o tratamento da Covid-19 em pacientes sem precedentes de doenças no fígado. Dessa forma, o principal indicativo desse dano hepático é o aumento de algumas enzimas do fígado no sangue, fato que já foi notado em alguns pacientes com Covid-19 9. Os possíveis mecanismos que podem gerar esse dano são:

    • a tempestade de citocinas,
    • a infecção pelo próprio SARS-CoV-2 nas células do fígado, apesar disso ainda não ter sido demonstrado,
    • o baixo teor de oxigênio no sangue, e consequentemente no fígado e outros órgãos,
    • uso combinado de medicamentos que tem ação hepatotóxica, isso é, que em altas concentração acabam gerando dano ao fígado,
    • reativação de doenças hepáticas em pacientes que já as possuíam previamente, como em pacientes com hepatite B 10.

    Contudo, esse dano hepático foi muito mais frequente em pacientes severos de Covid-19, do que naqueles que tinham sintomas leves.

    Problemas Intestinais

    Quanto ao intestino, já se sabe que ele é um órgão que mais expressa o ACE2, e portanto logo se pensou que se o SARS-CoV-2 pudesse infectar outros órgãos, este seria um deles. Assim, o fato de que pacientes com Covid-19 também relatavam dor abdominal e diarréia só fortaleceu essa ideia. Tempos depois, várias pesquisas foram publicadas confirmando isso11,12.

    Ademais, também detectou-se o vírus nas fezes de vários pacientes, até mesmo após o vírus não ser mais detectado no trato respiratório, sugerindo que ele não só era capaz de infectar as células do intestino como também de liberar novas partículas virais, abrindo caminho para uma possível contaminação fecal-oral (aquela em que patógenos nas fezes acabam contaminando água ou alimentos, que são ingeridos posteriormente e infectam novas pessoas). Contudo, estudos in vitro já demonstraram que essas partículas virais são inativadas no trato gastrointestinal 12. Mesmo assim, mais pesquisas ainda são necessárias para se entender se in vivo esses vírus também são inativados ou se a contaminação fecal-oral é realmente possível. 

    Concluindo

    Por fim, como podemos ver, uma vez que o SARS-CoV-2 infecte as células dos pulmões – principalmente em casos mais graves – ele é capaz de desencadeando a tempestade de citocinas e, além disso, se espalhar pelo corpo inteiro, infectando novos órgãos. Em suma, esse processo já está sendo chamado de sepse viral14, e cogita-se que ele seja o principal fator relacionado à severidade da Covid-19. Apesar disso, mais pesquisas são necessárias para se entender essa questão.

    Para Saber Mais

    1.  Zheng, YY, Ma, YT, Zhang, JY, & Xie, X (2020) COVID-19 and the cardiovascular system Nature Reviews Cardiology, 17(5), 259-260. 
    1. Dhakal, BP, Sweitzer, NK, Indik, JH, Acharya, D, & William, P (2020) SARS-CoV-2 Infection and Cardiovascular Disease: COVID-19 Heart Heart, Lung and Circulation.
    1. Driggin, E, Madhavan, … & Brodie, D (2020) Cardiovascular considerations for patients, health care workers, and health systems during the COVID-19 pandemic Journal of the American College of Cardiology, 75(18), 2352-2371. 
    1. Ronco, C., Reis, T., & Husain-Syed, F. (2020). Management of acute kidney injury in patients with COVID-19. The Lancet Respiratory Medicine
    1. Cheng, Y, … & Xu, G (2020) Kidney disease is associated with in-hospital death of patients with COVID-19 Kidney international
    1. Varga, Z, Flammer, … & Moch, H (2020) Endothelial cell infection and endotheliitis in COVID-19 The Lancet, 395(10234), 1417-1418. 
    1. Su, H, Yang, M, … & Zhang, C (2020) Renal histopathological analysis of 26 postmortem findings of patients with COVID-19 in China Kidney international

    8. The Human Protein Atlas

    1. Sun, J, Aghemo, A, Forner, A, & Valenti, L (2020) COVID‐19 and liver disease Liver International.
    1.  Zhang, C, Shi, L., & Wang, FS (2020) Liver injury in COVID-19: management and challenges The lancet Gastroenterology & hepatology, 5(5), 428-430. 
    1. Xiao, F, Tang, M, Zheng, X, Liu, Y, Li, X, & Shan, H (2020) Evidence for gastrointestinal infection of SARS-CoV-2 Gastroenterology, 158(6), 1831-1833. 
    1. Zang, R, Castro, … & Diamond, MS (2020) TMPRSS2 and TMPRSS4 promote SARS-CoV-2 infection of human small intestinal enterocytes Science immunology, 5(47). 
    1. Lee, IC, Huo, TI, & Huang, YH (2020) Gastrointestinal and liver manifestations in patients with COVID-19 Journal of the Chinese Medical Association
    1. Li, H, Liu, L, Zhang, D, Xu, J, Dai, H, Tang, N, … & Cao, B (2020) SARS-CoV-2 and viral sepsis: observations and hypotheses The Lancet

    Outras Leituras:

    Coronavírus: muito além dos pulmões

    Verdecchia, P, Cavallini, C, Spanevello, A, & Angeli, F (2020) The pivotal link between ACE2 deficiency and SARS-CoV-2 infection European Journal of Internal Medicine

    Parte 1 deste texto

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Do uso de máscaras à imunidade coletiva

    PENSANDO SOBRE BELO HORIZONTE/MG: DADOS EPIDEMIOLÓGICOS, ESTABILIDADE NOS PARÂMETROS E UM POUQUINHO DE ESTRANHEZA…

    Não sei se vocês sabem, mas moro em Belo Horizonte. Aqui, a prefeitura libera nos dias úteis um boletim epidemiológico. As emissões iniciaram no dia 20/04 e hoje (17/09) estamos no boletim de número 106.

    Um pouquinho do contexto da covid-19 aqui em BH: No dia 28/02 houve o início dos sintomas do primeiro caso confirmado. Além disso, e 18/03 é indicado como o dia do início da transmissão comunitária e início da fase de controle. A cidade permaneceu fechada por cerca de 2 meses para, então, no dia 25/05, iniciar uma reabertura que ocorreu em duas etapas e foi interrompida em 29/06, quando a cidade retornou à fase de controle. No dia 06/08, a prefeitura, novamente, iniciou a reabertura da cidade que hoje está funcionando com apenas algumas restrições de horário e de estabelecimentos. A reabertura se deu pela redução e estabilidade dos seguintes parâmetros: número de transmissão (RT) e ocupação de leitos de enfermaria e de UTI reservados para pacientes com covid.

    Nesses últimos dias comecei a me perguntar como andavam as notificações de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) na cidade… A dúvida era: será que os casos de covid estão reduzindo e os de SRAG estão elevados? Mas, no próprio boletim, a prefeitura informa que os casos confirmados consistem na soma de casos com resultado de exame positivo para COVID-19 que evoluíram ou não para óbito; e inclui casos de síndrome gripal e síndrome respiratória aguda grave.

    A @lailanaciencia fez um post no Instagram comentando pontos relevantes na análise desses relatórios. Vale muito a pena dar um pulinho lá, já que não vou incorrer nessas colocações por aqui!

    Feitas as considerações, vamos analisar um pouquinho esses dados (boletim epidemiológico e assistencial #106 da Prefeitura de Belo Horizonte do dia 17/09/20):

    O boletim #106 mostra que, nesta data, a cidade possui 38.629 casos confirmados de covid-19 e um total de mortes confirmadas por covid-19 de 1.144. Considerando que a população de BH é estimada em 2.501.576 habitantes, a relação entre o número de casos e a população nos indica que 1,54% dos moradores da cidade foram contaminados e tiveram essa contaminação confirmada (esse número é provavelmente maior, mas não tenho ideia do quão maior, uma vez que muitos contaminados podem ter quadros assintomáticos ou leves e não procuram assistência para realização de testes, por exemplo).

    O gráfico abaixo nos mostra a evolução do número de casos confirmados por dia desde o início do primeiro caso em 28/02). Observe como ele aumenta até atingir um pico no dia 02/07 e então começa a redução. Os dados dos últimos dias podem estar defasados, mas para nossa linha de pensamento isso será irrelevante.

    Eu queria, então, saber como foi a evolução do número de transmissão (RT) ao longo do tempo. Esse dado não tinha nos boletins, então, tive o trabalho manual de ir abrindo os boletins e plotei o gráfico abaixo com os dados de ocupação de leitos de UTI (amarelo) e de enfermaria (verde), além do RT (linha vermelha).

    Vemos que a ocupação dos leitos de enfermaria diminuiu de 60% para 38% e os de UTI de 80% para 45%. O comportamento do valor de RT, porém é bem diferente… Observamos seu menor valor (0,85) no dia 10/08, seguido por um aumento que se manteve acima de 0,9, chegando hoje a 0,97.

    Não tenho formação epidemiológica, mas essa situação toda que apresentei me pareceu muito estranha e tem me chamado muito a atenção. Por quê?

    • A taxa da população comprovadamente contaminada é muito baixa (~1,5%), ainda que possa ser bem maior.
    • Os casos (principalmente os mais graves) estão reduzindo, como vemos pelas taxas de ocupação de leitos e de novos casos confirmados.
    • O RT está aparentemente aumentando e deve chegar/passar o RT=1 nos próximos dias, o que configuraria uma aceleração da doença)
    • Não mostrei aqui, mas o boletim mostra que o número de testes (PCR e rápido) vêm diminuindo muito na cidade.

    Olhando para isso, pare que a conta não fecha… Foi então que… Bom, continue a leitura para saber o que aconteceu!

    A POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE O USO DE MÁSCARA, A REDUÇÃO DA GRAVIDADE DA COVID E O AUMENTO DA IMUNIDADE COLETIVA

    Foi então que… nesta semana saiu um artigo no The New England Journal of Medicine que trouxe um pouco de luz e acho que ajudou a colocar aquelas peças no lugar… Não é um artigo experimental, mas um artigo de opinião no qual os autores (Ganghi e Rutherford), a partir de diversas observações fazem comentários e propõem hipóteses… vem comigo pra gente entender as ideias desses autores e tentar montar esse quebra-cabeça!

    Há meses estamos falando e ouvindo falar sobre a importância do uso de máscara pela população. Elas têm um importante papel na redução da eliminação e dispersão de partículas virais a partir de pessoas infectadas e, também, reduz a carga viral inalada pelas pessoas suscetíveis à infecção. Isso seria ainda mais importante no caso de pessoas assintomáticas que transmitem o vírus sem nem mesmo saber que estão contaminadas. Podemos dizer que o uso das máscaras hoje é universal, ainda que estejamos vendo pela rua pessoas sem máscara ou usando-a de forma errada (no queixo; com o nariz de fora; pendurada na orelha).

    Para muitas doenças infecciosas, a quantidade de microrganismos inoculados no indivíduo está relacionada à gravidade da manifestação de sintomas da doença. Para os vírus, entretanto, esse ainda é um ponto controverso. Assim, os autores hipotetizam que a máscara, ao bloquear parte das partículas virais de serem inaladas, poderia ajudar a reduzir a gravidade da covid – que já sabemos tem diversas manifestações (de paciente assintomáticos, a pacientes que desenvolvem quadros de pneumonia, síndrome respiratória e morte).

    Ou seja: caso a hipótese de Gandhi e Rutherford esteja correta, as máscaras estariam contribuindo para o aumento de infecções assintomáticas pelo novo coronavírus (o SARS-Cov-2). Estimativas sugerem que os assintomáticos que no início da pandemia corresponderiam a 20% dos casos, hoje poderiam chegar a 80% nos locais em que o uso de máscaras é universal; além das consideráveis reduções nos números de covid grave e de mortes.

    O grande ponto de tudo isso seria que os pacientes com covid, mesmo aqueles assintomáticos e com sintomas leves poderiam desenvolver uma resposta imune contra o vírus… Assim, estaríamos passando por um momento no qual estaríamos aumentando a imunidade da população contra o vírus e, se chegarmos a um percentual grande da população, atingiríamos a imunidade coletiva (de rebanho).  Este seria um processo semelhante à variolação/variolização que foi utilizada por muitos anos até a introdução da vacinação e que consistia em coletar material de pacientes com varíola e inocular em indivíduos suscetíveis à doença. Estes, por sua vez, desenvolviam uma infecção leve e ficavam imunizados.

    Observe que o uso de máscaras não induz imunidade nem produz anticorpo, mas ela cria condições que possibilitariam que o indivíduo entre em contato com uma quantidade reduzida de vírus e (aí, sim!) essa infecção induziria a resposta imunológica no hospedeiro.

    RESUMINDO A PROPOSTA DO ARTIGO…

    CONCLUSÃO

    Apesar da redução de novos casos confirmados, a taxa de pessoas contaminadas em BH pode estar aumentando realmente (aumento do RT) mas grande parte dessas infecções pode ser assintomática ou leve – o que explicaria o número de leitos livres e a redução na realização de novos testes.

    O sucesso das medidas de prevenção nos dá a impressão de que elas são inúteis mas, como vimos, elas continuam muito necessárias! Isso tudo mostra que o uso universal das máscaras é muito importante tanto para a saúde individual quanto a coletiva.

    Lembre-se, a pandemia não acabou. Proteja-se!

    REFERÊNCIA

    Gandhi M, Rutherford GW. Facial Masking for Covid-19 – Potential for “Variolation” as We Await a Vaccine. N Engl J Med. 2020 Sep 8. doi: 10.1056/NEJMp2026913. Epub ahead of print. PMID: 32897661.

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    Este texto publicado no Especial Covid-19 foi escrito originalmente no Blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Se o coronavírus é um vírus pulmonar, como ele infecta outros órgãos? (parte 1)

    Há mais de 8 meses, um novo vírus surgiu na China e espalhou-se pelo mundo em poucos meses gerando uma pandemia em um nível que não víamos há mais de um século. O SARS-CoV-2 logo foi identificado e os sintomas de sua doença, nomeada de Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) foram descobertos, com toda a comunidade científica se voltando para ele e avaliando os problemas respiratório que causava.

    De lá para cá, muitas coisas foram descobertas tais como a porta de entrada do vírus nas nossas células, a chave que ele usa, sua possível origem e até sintomas que não esperávamos que ele pudesse causar a primeira vista.

    Por exemplo, vocês já devem ter lido ou ouvido falar de pessoas que apresentam infecções renais ou no fígado por causa da Covid-19. Além disso, há relatos de problemas neurológicos, vasculares, no intestino… Se olharmos “de fora”, muitas vezes não parece haver qualquer sentido em um vírus que causa Síndrome Respiratória afetar estes órgãos e sistemas, correto?

    Para entendermos melhor estas relações, na verdade, temos que entender um pouco mais sobre a fisiologia do nosso organismo.

    No post de hoje eu vou falar um pouco sobre alguns hormônios e proteínas que estão relacionados à entrada do SARS-CoV-2, o novo coronavírus, nas nossas células, para em uma próxima postagem falarmos sobre como isso afeta diferentes órgãos no nosso corpo.   

    Como se dá uma infecção viral em uma célula?

        Tudo começa com um vírus no ambiente, seja no ar, água, terra, ou alimentos. Nós ingerimos ou respiramos esse vírus e ele acaba entrando em contato com nossa mucosa (aquela parte do corpo que reveste o nosso interior) respiratória, gastrointestinal ou até mesmo urinária. A partir daí, o vírus tem um único objetivo: invadir nossas células. Mas fazer isso não é fácil, pois nossas células tem um controle rígido do que elas permitem entrar e sair. Dessa forma, cada vírus precisa desenvolver uma chave para uma fechadura das nossas células. 

    E essas chaves são as proteínas, um dos tijolos fundamentais que permitiu que a vida – como conhecemos – pudesse existir. Existem milhares de proteínas no nosso corpo, cada uma especializada em uma função diferente: transporte de oxigênio (a Hemoglobina), quebra do açúcar (chamado de Glicose) para a produção de energia (as chamadas Enzimas), contração muscular (Actina e Miosina), defesa contra patógenos (os Anticorpos), entrada e saída de substância pela membrana das células (os Transportadores), recebimento e envio de sinais químicos (os Receptores) e muitas outras funções.

    Muito bem, uma vez que o vírus consegue desenvolver uma proteína que é reconhecida por uma célula, ele começa todo o processo de entrar nessa célula. Um detalhe que precisa ser dito aqui é que os vírus (assim como as células) não tem consciência própria e não desenvolve proteínas por que quer. Usamos esse vocabulário aqui simplesmente para conseguir explicar melhor. É preciso deixar claro que é por causa da Evolução que os vírus – e outros patógenos – desenvolvem formas de invadir nossas células e nosso corpo, assim como é pela evolução que nosso sistema imune desenvolve formas de combatê-lo. Todo esse processo é chamado Co-evolução.

    Mas voltando para esses invasores microscópicos, quando eles conseguem ter uma chave para uma fechadura da célula, ele a invade. Algumas vezes ele deixa a sua “casca” para trás, injetando somente seu material genético (como aqueles famosos vírus com forma de aranha, os Fagos), enquanto outros fundem sua membrana com a da célula e liberam seu material genético e proteínas dentro da célula. Pois é nesse momento que o vírus começa a escravizar a célula para ela produzir milhares de novas cópias deles, até que a célula estoura e libera essas novas cópias no ambiente, para infectar novas células. E todo o ciclo recomeça.

    Mas peraí, se um um vírus precisa desenvolver uma chave específica para entrar em uma célula de um tipo, como as células do pulmão, como ele pode entrar em outros tipos celulares, como as células do rim, intestino e cérebro?

    A verdade é muitas das nossas proteínas são compartilhadas, a maioria delas. Assim, isso faz com que uma célula do pulmão expresse um mesmo conjunto de proteínas de uma célula do cérebro, ou do intestino. E isso abre porta para um vírus (ou outro patógeno) acabar se espalhando de um órgão para o outro, como o SARS-CoV-2.   

    Se os vírus precisam de portas de entrada para as células, quais são as chaves? 

    A principal porta de entrada para o SARS-CoV-2 é um receptor celular chamado ACE2, ou, Enzima Conversora de Angiotensina 2. Mas calma! Eu sei que este é um nome muito estranho! No entanto, o que esta molécula faz é muito “simples”: o ACE2 converte um hormônio em outro.

    Resumidamente, esses dois hormônios – a Angiotensina 1 e Angiotensina 2 – são responsáveis por controlar a contração e dilatação dos vasos sanguíneos, o nível de fibrose, inflamação e trombose. Enquanto a Angiotensina 1 aumenta todos esses efeitos (levando a um quadro mais pró-inflamatório), a Angiotensina 2 diminui eles (levando a um quadro mais anti-inflamatório).

    O que se sabe atualmente é que com o vírus se ligando ao ACE2, ele acaba retirando essa molécula da membrana das células, impedindo que ela cumpra sua função. Dessa forma, a Angiotensina 1 não é convertida em Angiotensina 2. Com um aumento da Angiotensina 1, o seu efeito no corpo prevalece: aumentando a vasoconstrição, risco de trombose e favorecendo um cenário mais pró-inflamatório. Assim, todos estes acontecimentos acabam levando à forma mais severa da Covid-19.

    Além disso, há outros dois fatos interessantes e que foram descobertos recentemente: além do ACE2, o SARS-CoV-2 necessita de uma outra molécula para entrar nas células. (Respira que lá vem mais nomes estranhos!!!) O TMPRSS2 é uma sigla complicada para designar uma proteína simples: ela é como uma tesoura, que literalmente corta ao meio outras coisas. Como assim? Você já deve ter escutado sobre a famosa e tão falada Spike. A Spike é cortada após se ligar ao ACE2, o que acaba coincidindo com a liberação do material genético do vírus dentro da célula 1,2.

    Mas ainda tem mais: a segunda descoberta é referente ao ACE2 e os famosos interferons (quem é mais velho por aqui pode reconhecer esse nome como um dos primeiros antivirais usados no combate ao HIV). Comparando informações de bancos de dados moleculares de camundongos, primatas e humanos, pesquisadores descobriram que um tipo de interferon liberado pelas células de defesa durante o combate ao coronavírus aparentemente é capaz de estimular as células a expressarem mais o ACE2, tornando elas mais suscetíveis à entrada do vírus e consequente contaminação 3.

    Com esses conhecimentos em mãos, vários pesquisadores se perguntaram se o ACE2 também seria expresso em outras células. Assim, com essa ideia, viu-se que esse receptor era expresso em vários outros órgãos tais como o coração, rim, fígado, intestino, muitas vezes em níveis mais altos do que no pulmão 4-7.

    E assim surgiu a grande pergunta: se o SARS-CoV-2 usa essa molécula para entrar nas células do pulmão que a expressam, ele seria capaz de infectar células de outros órgãos que também expressam o ACE2? É esta a pergunta que vou responder a vocês, leitores, na próxima postagem! Segue lá!

    Referências Bibliográficas:

    1. M. Hoffmann; H Kleine-Weber; S Schroeder; N Krüger; T Herrler; S Erichsen; T-S Schiergens; G Herrler; N-H Wu; A Nitsche; M-A Müller; C Drosten; S Pöhlmann (2020) SARS-CoV-2 cell entry depends on ACE2 and TMPRSS2 and is blocked by a clinically proven protease inhibitor. Cell 181, 271–280.e8
    1. S Matsuyama, N Nao, K. Shirato, M. Kawase, S. Saito, I. Takayama, N. Nagata, T. Sekizuka, H. Katoh, F. Kato, M. Sakata, M. Tahara, S. Kutsuna, N. Ohmagari, M. Kuroda, T. Suzuki, T. Kageyama, M. Takeda, (2020) Enhanced isolation of SARS-CoV-2 by TMPRSS2-expressing cells. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 117, 7001–7003
    1. Ziegler, CG, Allon, SJ, Nyquist, SK, Mbano, IM, Miao, VN, Tzouanas, CN, & Feldman, J (2020) SARS-CoV-2 receptor ACE2 is an interferon-stimulated gene in human airway epithelial cells and is detected in specific cell subsets across tissues. Cell.
    1. Kuba K, Imai Y, Ohto-Nakanishi T, Penninger JM (2010) Trilogy of ACE2: a peptidase in the renin-angiotensin system, a SARS receptor, and a partner for amino acid transporters. Pharmacol Ther; 128:119–28. 
    1. South AM, Diz D, Chappell MC (2020) COVID-19, ACE2 and the cardiovascular consequences. Am J Physiol Heart Circ Physiol 318(5):H1084–90. 
    1. Varga, Z, Flammer, AJ, Steiger, P, Haberecker, M, Andermatt, R, Zinkernagel, AS, & Moch, H (2020) Endothelial cell infection and endotheliitis in COVID-19 The Lancet, 395(10234), 1417-1418. https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2930937-5
    2. https://www.proteinatlas.org/ENSG00000130234-ACE2/tissue

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    Glossário Covid-19

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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