Categoria: Sintomas e Prevenção

  • Hidroxi-cloroquina, já ouvi este nome!

    Nos últimos dias temos ouvido falar muito na droga hidroxi-cloroquina (cloroquina com um substituinte hidroxi – OH). Antes você também já pode ter escutado algo sobre ela, seja no tratamento da Malária ou ainda nos bons resultados apresentado para o Zika (outro vírus que nos assusta). E, sim, é muito bom que você já tenha ouvida falar nela antes, pois isso acelera e muito as coisas.

    Quando estamos trabalhando no desenvolvimento de uma nova droga, temos diversas etapas para garantir que ela será eficiente e também segura. Eficiente é fácil de entender, ela deve combater a doença que queremos tratar. Segura quer dizer que ela não irá causar nenhum efeito danoso, como câncer ou intoxicar algum outro órgão (toxicidade hepática), por exemplo. E como os profissionais que trabalham no desenvolvimento de drogas garantem isso?

    Tudo começa no desenho da molécula que irá atuar como princípio ativo. Nela, não pode haver porções que são conhecidas por alguma toxicidade (não dá para colocar uma  talidomida pendurada na molécula, por que sabemos que ela é teratogênica, por exemplo). Então com a droga desenhada e estuda por ferramentas in silico (em programas de computador), a síntese em bancada (ou o isolamento da natureza) é realizado.

    Depois disso, a molécula é testada in vitro e depois in vivo. In vitro  significa ser testada em células isoladas no laboratório, já in vivo  é o teste em animais. Nesta etapa é que entram os testes em ratos e depois em outros animais, claro, presumindo que tudo dá certo desde de o desenho da molécula até o teste em ratos. Testar em animais é muito importante pois começa a avaliar o metabolismo. Tudo isso é a chamada fase pré-clínica, e ela dura de meses a anos.

    Passando em todos os testes, e com louvor, a molécula de interesse vai para os ensaios clínicos. Aí entram mais 3 fases, que estão resumidas abaixo.

    • Fase I: avalia a segurança da droga, são 20-100 indivíduos e dura alguns meses. Se os indivíduos começam a apresentar efeitos colaterais, a droga pode ser suspensa;
    • Fase II: Indivíduos sadios e doentes, aqui se avalia a segurança da droga e também a eficácia. É comum, nesta fase, indivíduos receberem a famosa pílula placebo (apenas açúcar) e se avalia relação dose-resposta. Esta fase dura de vários meses até 2 anos.
    • Fase III: O número de indivíduos testados é maior. Segue-se acompanhando a segurança, mas a eficácia é o objetivo. Também ocorre o uso de placebo. Aqui se define que a droga realmente funciona
    • Depois de tudo, a indústria que começou a mais ou menos 10 anos atrás o desenho e síntese de mais de 10000 moléculas, consegue registrar uma que passou em todas as etapas. Quando temos algumas doenças graves, em estado terminal, algumas etapas podem ser puladas. Isso acontece bastante em tratamento de câncer e uso de drogas experimentais. Mas claro, sempre com ética e inúmeras aprovações em inúmeros comitês especializados. 

    Se hoje descobríssemos uma droga para a doença causada pelo covid-19, ela teria que passar por várias etapas, sendo algumas delas ignoradas devido à urgência da pandêmina. 

    E a hidroxi-cloroquina?

    Acontece que como a hidroxi-cloroquina já foi testada para malária e já se sabe (e muito bem) seus efeitos colaterais, não precisamos começar lá no início. Com os resultados bem  preliminares publicado pelos franceses, agora o Brasil está testando protocolos de administração da hidroxi-cloroquina. E isso não está errado, afinal, a segurança da droga já é conhecida. Assim, logo saberemos se a hidroxi-cloroquina é mesmo eficaz no tratamento do covid-19. Fique atento, pois até agora, 21 de março de 2020, as 20:00, enquanto escrevo este texto, não se tem certeza sobre isso. E neste mesmo instante, inúmeros cientistas estão estudando a hidroxi-cloroquina, e diversas outras outras drogas, para assim podermos obter um tratamento eficaz. 

    Agora vamos ser otimistas e dizer que a droga funciona, o que vai acontecer? Acompanha nosso próximo texto sobre isso!

    Para saber mais:

    http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/Desenvolvimento%20de%20novos%20medicamentos.pdf

    (acesso em 21 mar. 2020)

    http://www.gradadm.ifsc.usp.br/dados/20171/7600011-3/Introducao-Farmacos-2017-compressed.pdf

    Arrepia, D. B.; da Costa, J. C. S.; tabak, D. Registro de insumos farmacêuticos ativos: impactos e reflexos sobre as indústrias farmoquímica e farmacêutica instaladas no Brasil. Vigil. sanit. debate Vol 2, No 2, 9-19, 2015. 

    Kumar, A. et al   Hydroxychloroquine Inhibits Zika Virus NS2B-NS3 Protease. ACS Omega Vol3, No 12, 18132-18141, 2018.

    Jia Liu et al hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquin, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell discovery. Vol 6, No 16, 2020.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ficar em casa para quê?

    Versão Ana Arnt do fim de Fevereiro…

    Enquanto eu estava viajando para um canto aqui na América do Sul, nas minhas férias, eu acompanhava a situação do Corona, à distância. Tentava entender a gravidade da situação pelos jornais, entre alarmismos e uma calma latente. (mas a letalidade não é baixa? Pensava eu…). Entre um café e outro, uma trilha aqui, uma parada em um lugar com internet ali, eu buscava acompanhar as notícias sem um empenho dantesco…

    Por outro lado, eu conversava com a Rafaela quase todos os dias! Mensagens bobas sabe? De saudades, felicidade pela projeção da amiga na pesquisa, pelas fotos bonitas em redes sociais… Estas coisas que parecem, para muitos, fúteis e mundanas (e são mesmo, em muitos níveis!). Entre relatos de pesquisa e novidades de laboratórios, conversas comuns de amigas que mesmo distante, seguem em contato. Desde que pensamos em montar esta série de textos, olhando para trás, fizemos uma retrospectiva, que apresentamos hoje, a partir da narrativa e perspectiva dela, na Itália…

    Diário de uma pesquisadora na Itália, em  etapas…

    1 – Quando o vírus começou a aparecer na China, estávamos de olho. O grupo de pesquisa que eu participo estudou a primeira epidemia de SARs, em 2003 , é normal acompanhar casos semelhantes e estar sempre atentos.

    2 – O vírus chega na Itália! Um casal chinês que estava em Wuhan vem para cá, nós monitoramos a situação… Mas até este momento, nem imaginávamos o que estava por vir.

    3 – Passam-se algumas semanas. Chega a notícia do paciente 1, que não teve contato com ninguém da China, nem ninguém infectado. Como assim? De que maneira isso pode ter escapado ao nosso radar?

    4 – Não há como não elaborar, no susto, teorias da conspiração diversas. Porém, hoje, sabemos que em razoável silêncio, o vírus já estava em circulação comunitária.

    5 – Segundo a OMS, os pacientes que se encaixavam como suspeitos do Corona teriam que ter contato com pessoas que vieram de países com a doença, além dos sintomas. O paciente 1 não esteve em contato com ninguém que estivera nos países de risco… A Itália, assim, descartou o paciente 1. 

    6 – Enquanto isso, no nosso laboratório, muita conversa, um pouco de piada, análises de textos e informações. Uma leveza extrema, as conversas fluíam entre análises.

    7 – De repente, opa! Em um piscar de olhos: o número de casos aumentam! De um dia pro outro, dobram! Como assim?

    8 – Carnaval chegou. Sim a doença estava aparecendo, mas estava tudo bem, estávamos monitorando e aprendendo sobre tudo o que ocorria. Eu, particularmente, fui à Veneza com a minha máscara (lindíssima, inclusive!). Está tudo tranquilo, posto fotos em redes sociais, converso com amigos do Brasil, que também estão no carnaval… E…

    9 – 11 cidades fecham! Carnaval cancelado! Isso: CANCELADO. Lockdown! Acabou o carnaval no meio da praça. Simples assim: em um segundo eu estou de máscara, plena, rindo. No outro é anunciada a medida de conter o coronavírus pelo microfone no meio da festa na rua.

    10 – Medo. Sim, não há outro modo de dizer. Eu estou em pânico de ficar presa em Veneza! Corro. Suspendo o resto da reserva do hotel, pego o trem e volto pra casa. Enquanto isso, uma amiga brasileira que está comigo, acha melhor ir pro Sul, porque lá a situação tá mais tranquila. 

    11 – Volto para Milão, a vida parece normal no norte, menos pânico que em Veneza (Ufa!!! que bom!!). Lá tinha um caso confirmado (Deus me dibre de ficar lá presa, sozinha). Em Milão, ainda não há casos confirmados. 

    12- Dias depois, o medo vai dominando a mídia. Mil indicações de álcool em gel a todo instante. Eu acalmo meus amigos do Brasil que perguntam, falo que devem se preocupar com a Dengue e outras doenças tropicais. “Calma, tá tudo certo, tem um certo exagero no ar”, eu dizia. Mas enquanto isso…

    13 – Eu começo a mastigar artigos e relatórios da OMS, tanto para debater no grupo de pesquisa, quanto para discutir com as minhas amigas na Itália como poderíamos viver aquele momento. Quase numa tentativa de não assumir que a gente tinha que ficar em casa mesmo! Eu ainda comento com algumas amigas brasileiras que tenho dúvidas se devo voltar ou não. É tudo muito incerto, sabe?

    14 – Minha amiga, que tinha ido para o sul? Fui visitar ela e logo após ela consegue pegar o último vôo da latam Itália-Brasil.

    15 – Ah pronto! Bloquearam o norte! Eu fiquei…

    16 – Mas também… Ainda dava para ir trabalhar, ir em restaurante… Eu usava álcool em gel e mantinha um metro de distância, como recomendado. Uma pena não conseguir mais ir visitar o lago Como! Sigo lendo os artigos, seguimos tentando entender tudo e debatendo a situação no laboratório.

    17 – Dois dias depois, é anunciado o fechamento completo da Itália. Um dia depois é anunciado o fechamento de todo o comércio só ficando aberto farmácias e mercados. 

    18 – O número de mortos aumentam, os médicos são infectados, faltam médicos para tratar as pessoas. O caos chegou enfim. A gente parou! De novo: A GENTE PAROU!

    19 – Estamos em casa, todos!!!!! Vamos às ruas quando precisa, mas não sem medo.

    Enquanto isso, na ponte Brasil-Itália das redes sociais…

    A Rafa estava sã e salva em casa, mas sem ver pessoas, isolada no seu apartamento, lendo artigos sem parar e nos atualizando da situação, da gravidade dos números, das escalas de trabalho no laboratório e de como, aqui no Brasil, devíamos proceder. E nessa altura, Rafa era sim, bem enfática nas recomendações de que não era um exagero e tudo aqui ia fechar também!

    Já a Ana Arnt estava voltando às aulas depois das férias, questionando internamente se a amiga não tava exagerando, tentando ler relatórios internacionais e acompanhar os desdobramentos dos casos brasileiros, que já começavam a pipocar nos noticiários, redes sociais, canais de divulgação científica.

    Pois bem, mal começou as aulas na Unicamp e: paramos! Segunda semana letiva, 15 minutos antes da reunião do Grupo de Pesquisa do PEmCie acontecer, veio a mensagem oficial. Logo após tinha aula na Pós Graduação. Enquanto isso a Rafaela já dizia no grupo que era isso mesmo, sem exagero, a gente tinha que parar!

    Por que isso está nesta série de postagens sobre o Corona?

    Uma das grandes dificuldades de tudo o que está acontecendo é que estamos aprendendo enquanto a doença se desenvolve. E por ser uma doença que avança muito rápido na sociedade, em números, o quão severo era o problema e as razões de considerarmos severo, foram mudando (o que é bem normal no trabalho científico). A grande questão era: nós mudávamos nossa postura frente a tudo o que ocorria, literalmente, da noite para o dia!

    Grande parte do aprendizado, além disso, vinha (e ainda vem) de artigos recém publicados e de relatórios da OMS, sem tempo para debater com nossos colegas. Estamos aprendendo, estudando e divulgando o que sabemos, com um tempo muito curto – e isso não é exatamente o mais comum do dia a dia na Divulgação Científica e na produção científica… Mas vamos ao cerne da questão: Parar ou não parar?

    #fiqueemcasa

    Parece lógico dizer a todos para ficar em casa. Temos que provocar, sim, o isolamento máximo de contatos sociais. Não basta só limpar-se com álcool gel, nem lavar as mãos constantemente. É preciso distância entre pessoas! É fundamental respeitarmos um espaço entre todos na rua, repensarmos nossos hábitos higiênicos e tudo o mais que já foi dito. Mas ficar em casa é sim uma estratégia funcional e fundamental. É a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde, de pesquisadores da área. O cenário ideal é esse: todos em casa.

    Mas não é essa a possibilidade o tempo inteiro, não é mesmo? Vivemos em condição de pobreza e miséria em nosso país. Temos um enorme número de pessoas trabalhando na informalidade e/ou como autônomos, o que significa que parar de trabalhar (e, portanto, circular) é parar de receber. Temos pessoas que trabalham na área da saúde, transportes e logística de distribuição de alimentos e medicamentos. E é por estas pessoas, todas elas, que, também, temos que parar.

    Hoje, mais do que informações específicas, recomendações.
    Parar tudo seria um dos caminhos, dentre utopias reais e implementáveis!

    Vídeo em que Italianos falam para “o eles mesmos do passado” – 10 dias atrás.

    Série PEmCie: Coronavírus

    Entrevista de Rafaela Rosa-Ribeiro no jornal Estado de São Paulo

    Links para conferir, sempre, em caso de dúvidas:

    CANAIS OFICIAIS BRASIL e MUNDO

    Organização Mundial da Saúde
    Associação Brasileira de Saúde Coletiva
    Ministério da Saúde
    Central of Disease Control and Prevention

    Jornais

    Folha de São Paulo
    G1
    Estado de São Paulo

    Divulgação Científica:

    Rafaela Rosa-Ribeiro

    Blogs de Ciência da Unicamp:
    www.blogs.unicamp.br
    www.blogs.unicamp.br/pemcie
    www.instagram.com/blogsunicamp

    Átila Iamarino:
    www.twitter.com/oatila
    www.instagram.com/oatila

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Coronavírus e o controle do contágio

    No post anterior, falamos um pouco sobre a história das quarentenas e isolamentos para controlar os contágios. No entanto, o Coronavírus nos impõe um novo ritmo de cuidados e precauções. Como assim? Seja pela rapidez com que a informação se dissemina, seja pelo contágio rápido e silencioso pela população, seja por vivermos em constante deslocamento: estamos vivendo um novo momento de alastramento de doenças. Os tempos são outros… Não vivemos mais em épocas em que conseguíamos estancar embarcações por dias, atracados em alto mar, tampouco conseguimos manter presos entre muros fora das cidades as pessoas, sem que elas interajam com outras pessoas no caminho.  As fronteiras entre os países não só são linhas inexistentes, mas nosso modo de vida é de um grande fluxo de pessoas entre lugares distantes no globo. Assim, quando acontece o surgimento de uma doença que infecta tão rapidamente as pessoas, a partir do contato mais cotidiano e rotineiro, todas as estratégias e modelos criados para estancar o alastramento da doença e inibir o contágio são postos à prova.

    Coronavírus e sua rápida disseminação

    No caso do Coronavírus, após a percepção de que estávamos, sim, enfrentando uma nova doença e da rapidez com que mais e mais pessoas adoeciam, ainda em Wuhan, mesmo sem a compreensão de todos os mecanismos de contágio, houve os primeiros anúncios de quarentena. Após o contato inicial com alguém infectado com o Coronavírus, os primeiros sintomas podem aparecer entre 2 a 14 dias, sendo mais comum em 05 dias. Dessa forma, as pessoas que, inicialmente, chegavam de países ou regiões com incidência do vírus, recebiam orientação de permanecerem o período de 14 dias sob observação e isoladas socialmente, para livrar de qualquer dúvida estarem infectados com o coronavírus. 

    E agora?

    Hoje vivemos um outro momento da doença. Não mais a tentativa de barrar ou atrasar ao máximo sua entrada em nosso país, mas de impedir que o vírus atinja a todos ao mesmo tempo. Percebam: que muitas pessoas serão atingidas, é imaginável! O vírus se espalha por contato, cada pessoa com sintomas chega a infectar de 2-3 pessoas em média. E é muito difícil mudar este número. Porém precisamos que essas infecções vão atingindo as pessoas aos poucos. isto é, diluindo a expansão da doença ao longo do tempo, para que quando atinja o grupo de risco não sobrecarregue o sistema hospitalar público e privado com o uso de leitos e UTIs e a maioria consiga receber atendimento com tempo e adequadamente. Lembrando sempre que o grupo de risco são: idosos e pessoas com doenças cardiorespiratórias, hipertensas, diabéticas, imunossupremidas e que tenham ou já tiveram câncer. Em suma: o momento agora é de diminuir todo e qualquer contato possível. Esta é, por enquanto, a única forma real e tangível de diminuirmos a quantidade de infectados: diminuindo o contato humano! Pareceu cruel? E é mesmo. No próximo post vamos falar um pouco mais sobre a crueldade do isolamento e a noção de saúde e solideriedade…

    Para saber mais

    CYNAMON, Szachna Eliasz (1990) Saúde Pública, qualidade de vida. Cadernos de Saúde Pública, 6(3), 243-246 https://doi.org/10.1590/S0102-311X1990000300001. FOUCAULT, Michel (2002) Em defesa da Sociedade São Paulo: Martins Fontes. ___ (2008) Segurança, Território e População São Paulo: Martins Fontes. GENSINI, Gian Franco; YACOUB, Magdi H; CONTI, Andrea A (2004) The concept of quarantine in history: from plague to SARS Journal of Infection, 49(4), 257-261. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2004.03.002 SOUZA, Luis Eugenio Portela Fernandes (2014) Saúde Pública ou Saúde Coletiva? Revista Espaço para a Saúde, 15(4), 07-21.

    Documentos e instâncias oficiais

    BRASIL Ministério da Saúde (2020a) O que é Corona Vírus BRASIL Ministério da Saúde (2020b) Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19)

    Aqui neste blog

    Série: Coronavírus

    Para que precisamos de estudos sobre controle de doenças?

    Os isolamentos são importante, sim senhor! E não é de hoje essa prática…

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Álcool é gel, álcool é pop, álcool é tudo?

    Em meio à pandemia vivenciada e às inúmeras ações que foram estabelecidas para a proteção contra o corona vírus, um item relativamente comum, e outrora pouco utilizado em nosso dia-a-dia, ganhou grande atenção de todos: o álcool em gel.

    Do dia para a noite, a procura e o preço deste produto tiveram seus índices absurdamente elevados. O preço em alguns estabelecimentos chegou a custar mais do que o grama do ouro!

    De modo súbito, vimos também emergir inúmeras alternativas, receitas milagrosas e adaptações, que tiveram sua divulgação potencializada por nossa incrível rede de disseminação de notícias por meio dos aplicativos de comunicação, redes sociais, programas televisivos, entre outros. Desde o uso de produtos não adequados à aplicação na pele (como álcool de churrasqueira, de limpeza ou o combustível) passando por receitas de produção caseira e por estratégias adotadas por indústrias, como a cervejaria que decidiu usar o álcool retirado de suas bebidas para a fabricação do formato em gel, pudemos presenciar, nesses últimos dias, iniciativas adequadas, oportunismos e práticas pouco recomendadas as quais podem não apenas deixar de proteger o usuário como também gerar lesões na pele. Entre mortos e feridos, boas e más condutas, oportunismos e ingenuidades, o que disso tudo se mostra coerente? O que de fato pode ser recomendado?

    Vamos às questões!

    Dois pontos parecem ser importantes de serem esclarecidos e englobam de modo geral esse sem número de informações disseminadas a respeito do álcool gel.

    O primeiro, que aparece como uma questão frequente se refere ao porque do álcool 99% (99 partes de álcool e 1 parte de água – alguns álcoois de limpeza e álcool combustível) ser MENOS eficiente na assepsia  do que o álcool 70% (70 partes de álcool e 30 parte de água – o álcool em gel).

    Afinal, se o primeiro tem mais álcool, deveria funcionar melhor, certo? A resposta é NÃO! Para explicar podemos começar com um exemplo bastante simples e que você mesmo pode testar em casa (sem precisar ser químico autodidata).

    Experimente tentar lavar uma louça suja com gordura apenas com o detergente. Isso, não utilize água. APENAS DETERGENTE (99% DE DETERGENTE). Faz ideia do que acontece? Pois bem, sua louça irá ficar mais suja do que antes uma vez que para a limpeza é necessário uma ação do componente do  detergente e da água. Mas e o que isso tem a ver com o álcool?

    A ação do produto é resultado da interação não apenas do álcool mas da mistura álcool e água numa proporção que foi testada por diversas pesquisas. Desta forma, para que o produto consiga de fato agir sobre as moléculas que compõem o vírus é necessário uma ação conjunta do álcool e da água. O álcool atua na membrana celular bacteriana, tornando-a permeável. Neste processo a eficácia é aumentada na presença de água. A ausência de água gera menor penetração da substância no organismo e portanto, menor eficiência. Outro efeito, talvez menos importante mas que vale ressaltar é que há estudos que apontam um tempo mínimo de contato necessário. O álcool 99% pode evaporar num tempo menor do que o adequado para a atuação. Assim, ao utilizarmos álcool praticamente puro, minimizamos esta ação o que gera menor desinfecção1,2.

    O segundo ponto que abrange grande parte das principais divulgações feitas está relacionado à produção caseira de álcool gel a partir de outros produtos como álcool de limpeza ou mesmo álcool combustível. Além do fato de que talvez ninguém comumente tenha em casa produtos e materiais de medição precisa, nem ao menos tenha formação técnica para a produção de um produto em casa, podemos perguntar inicialmente se o álcool de limpeza ou o combustível são feitos para passar na pele? Será que a qualidade e/ou pureza dos produtos utilizados na fabricação destes componentes são as mesmas daquela usada na fabricação do álcool em gel para uso na pele?

    Pensemos então em outro exemplo simples e novamente utilizando o detergente. Você usaria detergente de pia para lavar seu cabelo (em substituição ao xampu?) Acredito que sua resposta tenha sido não. Mas porque, uma vez que o componente ativo é o mesmo na maior parte dos detergentes e xampus? Dê uma olhadinha nos rótulos e procure por lauriléter sulfato de sódio (ou sodium laureth sulfate – em inglês). Há ainda alguns derivados de mesma função como o linear alquil benzeno sulfato de sódio. Aproveite e veja também a quantidade de outras substâncias existentes

    Pois bem, usar qualquer outro tipo de produto para fabricar álcool em gel seria o mesmo que usar detergente como xampu. No entanto, os cuidados no preparo de um e outro produto são bastante distintos, bem como a pureza dos reagentes utilizados e as substâncias adicionadas com o intuito minimizar quaisquer efeitos sobre a pele. Portanto, o seu produto caseiro pode não apenas ser ineficiente (por medidas inadequadas nas quantidades) como causar problemas na pele. Por essa e outras razões não é recomendado que se faça álcool em gel a partir de nenhum outro produto que contenha álcool e que não tenha a finalidade de uso para a pele.

    Mas o que fazer?

    E então? Ficaremos reféns da indústria do álcool gel? Seremos contaminados pelo não uso do produto? A resposta também é não. Embora não tenha como substituir este produto, o hábito de lavar as mãos com água e sabão ou com água e o bom e velho detergente se mostra bastante eficiente no combate ao vírus. Portanto, quem não tem cão, caça com gato, e quem não tem álcool usa sabão. Uma atitude mais simples do que virar um alquimista autodidata com base nos “conselhos” de pessoas que nem ao menos se conhece.

    Algumas ressalvas

    O álcool em gel deve ser utilizado em situações em que não temos a possibilidade de lavar as mãos com água e sabão! Lavar com água e sabão é o melhor método. Mais ainda: é fundamental utilizar o álcool em gel em toda a superfície das mãos, em quantidade suficiente para senti-las molhadas inicialmente, até que esse efeito seja diminuído. Nunca se deve utilizar o álcool em gel em mãos sujas. Pois, se as mãos estão sujas, o álcool atua sobre a sujeira e pode não eliminar totalmente os vírus. (Ressalvas feitas pela professora Silvia Gatti, do Instituto de Biologia da Unicamp)

    Para Saber Mais

    1. Kawagoe, JY, Graziano, KU, Valle Martino, MD, Siqueira, I, & Correa, L (2011) Bacterial reduction of alcohol-based liquid and gel products on hands soiled with blood. American Journal of Infection Control, 39(9), 785–787. doi:10.1016/j.ajic.2010.12.018 

    2. Tim Sandle Pharmaceutical Facility Sanitization: Best Practices Considered https://www.americanpharmaceuticalreview.com/Featured-Articles/184449-Pharmaceutical-Facility-Sanitization-Best-Practices-Considered/

    Neste Blog

    Série Coronavírus

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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