Categoria: Sociedade

  • SARS e Neo-Cov: sobre morcegos, pangolins e a família dos coronavírus

    Texto por Mellanie Fontes-Dutra, Lívia Okuda Santos e Ana de Medeiros Arnt

    Coronavírus: é uma família de vírus? De onde vêm? A quem infecta? Tem vírus novo? Os morcegos têm culpa no cartório? Pois bem, hoje vamos responder estas e mais algumas dúvidas no texto do Especial de hoje.

    O que é Coronavírus?

    O Coronavírus é uma família de diferentes vírus existentes na natureza. Alguns infectam humanos e outros não. Assim, nesta família viral, existem alguns vírus que causam resfriados e outros que podem causar síndromes respiratórias graves, como COVID-19. Mas temos um novo integrante, recém descoberto, nessa grande família e vamos falar mais dele neste texto!

    Olhando para nossa história, já tivemos pandemias ou risco de pandemias com os coronavírus: pelo SARS-CoV-1 (2002), MERS-CoV (2012) e SARS-CoV-2 (2019). Aliás, as pandemias, como sabemos agora, são eventos causados por patógenos (como vírus ou bactérias) que atingem o mundo inteiro, causando preocupação e danos à saúde da população de muitos países.

    Pode parecer novidade para muitas pessoas, mas existe monitoramento epidemiológico no mundo inteiro de possíveis patógenos pandêmicos, incluindo os diversos coronavírus que encontramos em espécies selvagens ou domésticas. Isto nos ajuda a saber se são ou estão se tornando perigosos para os humanos.

    Então, depois desse background, podemos falar sobre o nosso tema de hoje: Sars e os Neo-Cov. Sendo o primeiro o grupo do nosso conhecido e odiado COVID-19, e o segundo um tipo de coronavírus encontrado recentemente na África.

    Origem do SARS-COV-2: hipótese zoonótica.

    Análises filogenéticas recentes identificaram que os SARS-CoVs provavelmente divergiram de um coronavírus ancestral derivado de morcego entre 1948 e 1982. Filogenia é a área da biologia que estuda a “ancestralidade” dos vírus e seres vivos, a partir de análises genéticas e moleculares, traçando assim sua “história evolutiva”.

    Este estudo sugere que os vírus tipo os SARS-CoVs têm circulado em espécies selecionadas de morcegos há algum tempo. Existem trabalhos que mostraram uma grande semelhança de coronavírus que infectam morcegos com o SARS-CoV-2, apresentando até 96,1% semelhança no material genético, como no caso do estudo recente em Laos.

    Assim, é possível que a linhagem originária do SARS-CoV-2 tenha circulado despercebida em morcegos por décadas. 

    Em outro estudo constatou-se a ocorrência de uma frequente troca de coronavírus entre morcegos. Aliás, é sempre bom lembrar que eles são animais que podem viver aglomerados, podendo gerar uma grande diversidade genética e novas versões de vírus.

    Também é possível que um SARS-CoV tenha evoluído para SARS-CoV-2 em humanos após o chamado spillover de um animal (transbordamento, ou quando um vírus de uma espécie passa a infectar outra espécie diferente) seguido pela rápida transmissão desta cepa (tipo de vírus) adaptada a humanos. Portanto, é um desafio para a comunidade científica estimar a frequência do transbordamento zoonótico.

    Vamos entender melhor como uma pesquisa assim pode ser feita?

    Pesquisadores, em um estudo ainda em preprint, criaram um mapa detalhado de habitats de 23 espécies de morcegos conhecidas por abrigar coronavírus relacionados ao SARS. Nesta pesquisa, sobrepuseram dados sobre onde os humanos vivem para criar um mapa de potenciais pontos de infecção. Visto isso, cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas onde podem ocorrer spillovers, incluindo o norte da Índia, Nepal, Mianmar e boa parte do Sudeste Asiático. Logo, esta informação pode nos dar pistas de locais em que essa vigilância precisa ser frequente e fortificada.

    Interessante, não? Uma pesquisa que vai não só analisar habitats de animais infectados, mas relacionar-se às populações humanas que podem ter contato frequente com estes animais. Este é um dos modos de realizarmos monitoramentos e termos dados mais precisos (e constantes) de riscos para nós.

    Quer dizer que o vírus não foi feito pelos laboratórios chineses comunistas?

    É isso mesmo, ao que tudo indica a origem do SARS-CoV-2 é natural, de morcegos ou outros animais. 

    Essa afirmação pode ser compreendida melhor com o artigo que relata um vírus muito relacionado ao SARS-CoV-2 já circulava desde 2010 em Camboja. Este artigo adiciona mais uma evidência da origem natural desse vírus. Além disso, mais recentemente, foi descoberto que no norte do Laos alguns vírus muito parecido com o SARS-CoV-2 circulam em morcegos, os quais apresentam particularidades que os relacionam muito proximamente ao vírus da COVID-19.

    E esse spillover não dá em nada?

    Segundo o preprint  já citado, e tendo cuidado com as limitações do dado obtido, cerca de 400.000 pessoas estão provavelmente infectadas com coronavírus relacionados à SARS todos os anos, em transbordamentos que nunca se transformam em surtos detectáveis. 

    “Mas por que, se temos todas essas infecções anualmente, não vemos muitos surtos?” 

    Porque a maioria das infecções ocultas têm vida curta e não levam à transmissão, em razão de os vírus não serem bem adaptados aos humanos. Em geral, alguns humanos podem se infectar diretamente do contato com animais, mas acabam não transmitindo a outros seres humanos, acabando ali mesmo com a infecção. O problema é se a frequência delas se tornar alta, o que pode propiciar a transmissão entre seres humanos.

    Ainda, existe outro risco! Muitas dessas infecções, exatamente por serem “novas”, podem gerar diagnósticos errados, exatamente por sintomas que se assemelham a outras doenças. No caso da COVID-19, por exemplo, os primeiros diagnósticos saíam como gripe ou pneumonia, até que se percebesse que existia um novo patógeno infectando ali! Isto também adiciona um viés ao dado. Soma-se a isso toda uma discussão sobre o acesso à saúde que pessoas de regiões rurais possuem, e isso é uma questão importante.

    Só morcego pode passar doença para humano?

    Na verdade não. Em geral, o monitoramento de vírus que podem fazer o spillover aponta que existem vários vírus – de Influenza por exemplo – que indicam outros animais, especialmente aves. A gente já ouviu falar da gripe aviária e gripe suína, que são vírus da família Influenza. Portanto, tanto espécies ditas como “domésticas”, quanto espécies que vivem em ambientes selvagens podem estar envolvidas em spillover

    Mas em se tratando de coronavírus, apesar de os morcegos serem fortíssimos candidatos a reservatórios desta família, não podemos afirmar com certeza se existem ou não outros animais possíveis. No caso do surto de SARS-CoV em 2002, as Civetas foram um provável candidato, por exemplo.

    E aquele bichinho da China, o pan… pe… pebolim?

    Ah, quer dizer o Pangolin? SIM! Existe a possibilidade de o pangolin ter entrado de bobo nessa história. Ou seja, ser um hospedeiro intermediário entre o possível reservatório do vírus (morcego) e nós. Mas ainda precisamos de mais análises para entender se sim, e como isso ocorreu. 

    Essa situação não seria algo improvável, já que algumas famílias de morcegos (como o Rhinolophidae) compartilham algumas dietas com os pangolins na natureza. E por fim, temos fatores ecológicos que propiciaram esses spillovers. Urbanização, deflorestamento, redução de habitats selvagens forçam uma proximidade dessas espécies conosco, favorecendo contatos e exposições.

    Entretanto, analisando os SARS-CoVs, nota-se uma semelhança de mais ou menos 85,5 -92,4% ao SARS-CoV-2 em seu material genético. Além disso, possuem semelhanças intrigantes com o vírus em regiões que são fundamentais para a interação com nossas células. Especificamente, existe uma região do vírus, conhecida como RBD (sigla para receptor-binding domain), que é exatamente onde o vírus se liga com o ACE2 de nossas células, para entrar nelas. Esta região de um SARS-CoV de pangolim tem 97,4% de semelhança com o do SARS-CoV-2, o que é muito intrigante e mostra que existe muito ainda para conhecermos e, também, que a identificação filogenética destes vírus não é tão simples, tendo em vista que pode haver troca de materiais virais em animais hospedeiros. Isto é, os diferentes tipos de coronavírus que infectam um animal, podem trocar materiais genômicos (que conhecemos como recombinações).

    Imagem retirada de: https://www.cell.com/trends/ecology-evolution/fulltext/S0169-5347(20)30348-7

    Mas o Mercado de Huanan tem alguma coisa a ver?

    Vamos falar disso agora! Vimos anteriormente que os morcegos eram o reservatório do ancestral do SARS-CoV-2, certo? Também sabemos que este mercado é conhecido por ter bancas que vendem animais vivos, como o cão-guaxinim, que já foi associado a emergência do SARS-CoV-1 e que é não só suscetível ao SARS-CoV-2, como capaz de transmiti-lo. 

    Aliás, por meio de análises espaciais, um artigo demonstrou que os primeiros casos relatados de COVID-19 em dezembro de 2019 foram distribuídos geograficamente próximos e centrados no mercado de Huanan, em Wuhan. Assim, os autores comentam que essa proximidade de casos ao mercado de Huanan foi, em Dezembro de 2019, maior que o esperado, dada a densidade populacional de Wuhan ou a distribuição espacial dos casos de COVID mais tarde na epidemia, sugerindo o epicentro no mercado.

    Todavia, o mais interessante é que, considerando o próprio mercado, os dados desse trabalho sugerem que um grande número de casos estava ligado ao setor oeste do mercado, onde a maioria das bancas que vendiam animais vivos se concentravam. Somando os dados, é plausível que várias espécies de mamíferos suscetíveis ao SARS-CoV-2 e que poderiam ser hospedeiros intermediários de seus “parentes ancestrais” foram vendidos vivos no mercado de Huanan em novembro de 2019 e podem ter contribuído para a transmissão.

    Pois é! Há indícios de que não foi “uma só infecção”!

    Deste modo, é provável que houvesse vários animais infectados no mercado de Huanan e pode ter havido pelo menos duas “entradas” do SARS-CoV-2 (linhagens A e B) em humanos, com a entrada da linhagem B e algumas semanas após, a linhagem A.

    A linhagem A do vírus, a qual não havia sido encontrada no mercado de Huanan, tem uma associação geográfica imensa com esse mercado, sugerindo que “as linhagens A e B surgiram nesse mercado e começaram a se espalhar para a comunidade residencial de Wuhan”. Dessa forma, os autores dizem que

    “Amostras positivas para SARS-CoV-2 estavam fortemente associadas à venda de mamíferos vivos, particularmente no canto sudoeste do mercado de Huanan, onde amostras ambientais positivas provavelmente foram derivadas de animais infectados”

    Outro artigo concluiu que a circulação de um vírus ancestral em morcegos, que passou a ser capaz de ligar em ACE2, “pulou” para hospedeiros intermediários (animais suscetíveis) que foram comercializados vivos no mercado de Huanan, surgindo as linhagens A e B pouco tempo depois e a infecção em humanos.

    A importância de monitoramentos ambientais e pesquisa básica!

    Sim, voltaremos a este tema, pois além de informações interessantes e fundamentais para compreendermos melhor o mundo que vivemos, também usamos estas informações para entender a importância da pesquisa científica! Recentemente, o vírus Neo-CoV foi encontrado entre morcegos na África do Sul. Cientistas chineses alertaram para esse vírus, no entanto, falta ainda um entendimento maior sobre seu potencial infeccioso. 

    Neo-Cov: quem é e o que sabemos dele?

    Primeiro, um spoiler: não é uma nova variante do vírus da COVID-19, e não é algo novo no geral!

    O Neo-CoV é um outro tipo de coronavírus que foi relatado pela primeira vez em 2012 e em 2015 durante o surto de MERS-CoV que pode usar receptores ACE2 de morcegos, mas não os receptores ACE2 de humanos. E, até o presente momento, não se observou infecção em humanos em sua forma atual, espalhando-se exclusivamente entre os morcegos.

    De acordo com especialistas, as descobertas feitas pelos cientistas de Wuhan não representam um risco para a humanidade no momento atual. Apenas apontam para a necessidade de se acompanhar mais um tipo de coronavírus e sua evolução.

    O Neo-CoV ganhou a atenção da mídia pelo fato de os cientistas chineses disponibilizarem esses dados recentes (e importantes) em um preprint. Assim, este vírus é na verdade um vírus intimamente relacionado ao MERS-CoV que entra nas células através dos receptores DPP4 e pode usar o ACE2

    Finalizando

    Por fim, imagino que não seja possível negar a importância do monitoramento epidemiológico e do investimento nesta ciência, não é? É muito provável que, para praticamente qualquer patógeno zoonótico da vida selvagem, o transbordamento é mais frequente do que anteriormente reconhecido. E precisamos de mais investimento em ciência e vigilância genômica para monitorá-los de maneira pública para que possamos controlar epidemias e evitar que novas pandemias, como COVID-19, apareçam.

    Além disso, também é sempre bom lembrar que não é culpa dos animais estas infecções. Portanto, não deveríamos interferir ainda mais nos habitats deles e causar danos e diminuição das populações silvestres. Os monitoramentos devem ser no sentido de compreendermos quais são os vírus presentes nestes animais e, também, estabelecermos formas de preservação e diminuição de interações que sejam prejudiciais para nós, enquanto espécie, e para estas espécies silvestres.

    Parte das infecções ocorre (e pode ocorrer) especialmente pela invasão de habitats destes animais, aumentando o contato entre seres humanos e espécies de ambientes naturais.

    Para saber mais: 

    LAM, Tommy Tsan-Yuk; JIA, Na; ZHANG, Ya-Wei; et al (2020) Identifying SARS-CoV-2-related coronaviruses in Malayan pangolins Nature, v 583, n 7815, p 282–285, 2020. 

    ‌XIAO, Kangpeng; ZHAI, Junqiong; FENG, Yaoyu; et al (2020) Isolation of SARS-CoV-2-related coronavirus from Malayan pangolins Nature, v583, n7815, p 286–289. ‌

    ZHANG, Yong-Zhen ; HOLMES, Edward C (2020) A Genomic Perspective on the Origin and Emergence of SARS-CoV-2 Cell, v 181, n 2, p 223–227.

    BONI, Maciej F.; LEMEY, Philippe; JIANG, Xiaowei; et al (2020) Evolutionary origins of the SARS-CoV-2 sarbecovirus lineage responsible for the COVID-19 pandemic Nature Microbiology, v5, n11, p 1408–1417. 

    BANERJEE, Arinjay; DOXEY, Andrew C.; MOSSMAN, Karen; et al (2021) Unraveling the Zoonotic Origin and Transmission of SARS-CoV-2 Trends in Ecology & Evolution, v 36, n 3, p 180–184. 

    KUPFERSCHMIDT, ‌SARS-like viruses may jump from animals to people hundreds of thousands of times a year. Science.org. 

    SÁNCHEZ, Cecilia A; LI, Hongying; PHELPS, Kendra L; et al (2021) A strategy to assess spillover risk of bat SARS-related coronaviruses in Southeast Asia. ‌

    FORATO, Fidel (2021) NeoCoV: tipo diferente de coronavírus chama atenção, mas não chegou em humanos Canaltech.

    KUMAR, Ajeet (2021) NeoCov: What is WHO saying about newly discovered coronavirus found in bats? Republic World. 

    WOROBEY, Michael; LEVY, Joshua I; MALPICA, Lorena M; et al (2022) The Huanan market was the epicenter of SARS-CoV-2 emergence, Zenodo, 2022. 

    PEKAR, Jonathan E; MAGEE, Andrew; PARKER, Edyth; et al (2022) SARS-CoV-2 emergence very likely resulted from at least two zoonotic events Zenodo, 2022. 

    Observação 1:

    Este texto foi organizado com informações complementares às publicações de Mellanie Fontes-Dutra

    1. E se eventos zoonóticos como o que provavelmente gerou o SARS-CoV-2 estiverem acontecendo centenas de milhares de vezes por ano?
    2. Sobre o Neo-CoV
    3. Origem do SARS-CoV-2

    Observação 2

    Há trechos desta postagem que são traduções livres de artigos, com adequações de linguagem para melhor compreensão do tema.

    As Autoras

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Livia Okuda é estudante de Farmácia na Unicamp e divulgadora científica do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp.

    Mellanie Fontes-Dutra é biomédica, doutora em neurociência e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Divulgadora Científica na Rede Análise COVID-19. Autora convidada no Especial COVID-19 e parte do projeto Todos Pelas Vacinas.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso? – Updated

    Texto escrito por Marina Fontolan e Ana de Medeiros Arnt

    Há alguns meses, fizemos um texto comentando o Projeto de Lei 1674/2021 que trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). No entanto, com o avanço da vacinação no Brasil e no mundo, precisamos revisitar essa questão. Aqui, argumentamos ser indispensável a exigência do passaporte vacinal, não apenas nas fronteiras do país, mas mesmo internamente.

    Antes de argumentarmos sobre isso, vamos retomar alguns dos principais pontos que discutimos no texto passado:

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! A vacinação, mesmo sendo obrigatória, não é compreendida como sendo uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. A vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos restritivos a serviços públicos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos ou serviços públicos específicos, por meio de lei, impossibilidade de matrícula em escolas e universidades, entre outros serviços.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar. Todavia, aquelas que são consideradas obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país. Essa lógica vale para qualquer outro tipo de decisão que tomamos. Por exemplo: não podemos dirigir sem nossa CNH, mas há pessoas que o fazem e que podem ser punidas por isso se forem pegas. Por exemplo: o voto é obrigatório. Se não votarmos e não justificamos, temos uma pendência com o governo, alguns serviços também ficam suspensos até que paguemos a multa. Não somos PRESOS por isso, mas temos uma restrição legal para acessar espaços e serviços.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    • Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Por que um passaporte vacinal faz sentido então?

    Há vários pontos que temos que considerar sobre o assunto. O primeiro deles é que a vacinação está avançando muito em muitos países do mundo, ainda que de forma muito desigual. O acesso à vacinação, pelo menos dentro do Brasil, está muito mais facilitado na atualidade e não tomar vacina – na maioria dos casos – está mais ligada à falta de vontade da população de tomá-las do que à falta de acesso. 

    Também é importante notar que o pouco acesso às vacinas fez com que uma nova variante surgisse, a Ômicron. Assim, se quisermos realmente voltar às nossas atividades normais, precisamos exigir a vacinação para que possamos nos proteger contra a Covid e controlar melhor o surgimento de novas variantes.

    Por fim, temos que lembrar sempre que o Brasil continua não fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Ainda que os números de internações estejam diminuindo no país, não temos como saber com exatidão como a pandemia está no país e, por isso, não temos como ter certeza quando poderemos ter um abrandamento de medidas restritivas. Exigir o passaporte vacinal, assim, vai ajudar o país no controle da pandemia já que sabemos que as vacinas dificultam que o vírus se espalhe com a mesma facilidade de antes. No entanto, é importante notar que o passaporte vacinal não deve substituir testagem em massa, essa sim a forma mais correta de levantar dados para estudar abrandamento das medidas restritivas.

    Lembrem-se: já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Considerando o avanço da vacinação no país e no mundo, consideramos que o uso do passaporte vacinal é essencial. É ele que garante que a pessoa realmente tomou a vacina e, por isso, não transmite o coronavírus com a mesma facilidade que uma pessoa não vacinada. Além disso, é esse documento que vai proteger nossa população na circulação de novas variantes, como o caso da Ômicron. Por fim, é esse documento que vai proteger a população contra o negacionismo científico e contra os antivax.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19, em 21/06/2021 e atualizado nesta versão em Dezembro de 2021.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • [CARTA ABERTA] CONSULTA PÚBLICA SECOVID/MS Nº 1, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2021

    CONSULTA PÚBLICA SECOVID/MS Nº 1, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2021

    Ref.: 25000.184618/2021-87, 0024471968

    Exmo. Sr. Ministro da Saúde,

    Viemos, respeitosamente, por meio deste documento ressaltar não apenas a importância, mas a necessidade crítica de iniciar com urgência, no Brasil, a vacinação de crianças entre 05 e 11 anos de idade, com a vacina Comirnaty, produzida pela Pfizer e BioNTech o mais rápido possível. 

    Neste documento, apresentamos não só evidências apontando a segurança e eficácia da vacina Comirnaty para este público, mas também dados epidemiológicos que embasam a necessidade de iniciar essa campanha de vacinação o mais rápido possível. Afirmamos que não há controvérsias/dissenso na comunidade científica sobre a segurança e a eficácia desta vacina para a faixa etária estipulada. Tampouco existem divergências sobre a importância de iniciar imediatamente a oferta de imunizantes às crianças de 5 a 11 anos.

    Expressamos também nossa contrariedade em conduzir a avaliação desta iniciativa por meio de consulta pública, uma vez que tanto a agência regulatória ANVISA quanto a câmara técnica de assessoramento em Imunização da Covid-19 (CTAI-COVID), além de diversos outros órgãos científicos, já emitiram parecer amplamente favorável. Reiteramos nosso apoio e confiança nessas instituições, que são constituídas para avaliação técnico-científica do tema a partir de profissionais técnicos competentes que exercem a função. Em contexto de crise sanitária mundial, temas como este devem ser avaliados pelo Ministério da Saúde mediante consulta restrita às autoridades e sociedades técnico-científicas que possuem capacidade para tal, critério já garantido nas instâncias citadas.

        Entendemos ainda que a escolha por encaminhar uma consulta pública, após aval da ANVISA e do CTAI-COVID, (ação sem precedentes na história do Programa Nacional de Imunizações (PNI/MS)), abre caminho para o aumento da hesitação vacinal na população e para o fortalecimento do movimento antivacina no país. Inclusive o próprio PNI, recentemente, externou preocupação com essa situação quando  realizou ação neste sentido, um encontro com diversos especialistas em imunização e hesitação vacinal. A Organização Mundial de Saúde (OMS) listou, em 2020, a hesitação vacinal como uma das dez ameaças globais à saúde pública. Sendo assim, o questionamento das decisões cientificamente embasadas das agências competentes, externado através da consulta pública instaurada pelo Ministério da Saúde brasileiro, boicota o árduo trabalho de construção da cultura vacinal em nosso país, realizado pelo PNI/MS, que é historicamente exemplar no mundo inteiro. Tais ações colocam em risco o calendário vacinal, tão relevante para a saúde preventiva no país.

    Ressaltamos que estamos vivendo  um tempo de incertezas e medo, em uma pandemia ainda em curso. Medo da própria doença, suas complicações e sequelas. Medo de perder quem se ama. Medo de variantes vindouras e de novas restrições que mudem ainda mais  nossa realidade diária. Nossa maior preocupação é saber que o sentimento de medo é um solo fértil para que cresçam a insegurança e a desinformação. Em uma era de amplo acesso a informações, muitas vezes sem filtro de qualidade ou veracidade das mesmas, conteúdos de todas as partes do mundo podem chegar a milhões de pessoas em poucos minutos. Notícias sem embasamento científico, sem crivo de especialistas ou sociedades científicas, vindas de todas as partes do mundo, contribuem para o aumento  da hesitação.

    SOBRE OS DADOS EPIDEMIOLÓGICOS

        Segundo estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), quase metade das crianças e adolescentes brasileiros mortos por Covid-19 em 2020 tinham até 2 anos de idade; um terço dos óbitos até 18 anos ocorreu entre os menores de 1 ano e 9% entre bebês com menos de 28 dias de vida. Os dados analisados foram obtidos da plataforma Sistema de Informação sobre Mortalidade Infantil (SIM), do Ministério da Saúde (MS). As taxas de mortalidade por COVID-19 em crianças e adolescentes no Brasil (2.453/58 milhões entre 2020 e 2021) são substancialmente mais altas do que em países como os Estados Unidos da América (800/79 milhões) e Reino Unido (68/15 milhões), conforme apresentado recentemente.

        Observando os dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), no ano de 2020, 10.356 crianças entre 0 e 11 anos foram notificadas com diagnóstico de  Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Covid-19, das quais 722 evoluíram  para  óbito. Em 2021, as notificações se elevaram para 12.921 ocorrências na mesma população, com 727 mortes, totalizando 23.277 casos de SRAG por Covid-19 e 1.449 mortes desde o início da pandemia. Ainda, dentre  esses casos, 2.978 ocorreram em  crianças de 5 a 11 anos, com 156 mortes, em 2020. E em 2021, já foram registrados 3.185 casos nessa faixa etária, com 145  mortes, totalizando 6.163 casos e 301 mortes desde o início da epidemia. Os dados são da plataforma SIVEP-Gripe.

    O CONASS destaca que, no Brasil, a experiência com os casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), que pode ser desencadeada pela infecção por SARS-CoV-2, mostrou que 64% das crianças/adolescentes acometidos tinham entre 1 e 9 anos de idade (mediana: 5 anos). Entre as crianças hospitalizadas, a necessidade de internação em UTI ocorreu em 44,5% dos casos e a letalidade foi de 6% (cerca de 5 vezes superior à relatada nos Estados Unidos) (RELVAS-BRANDT  et  al.,  2021). O número de mortes por Covid-19 em crianças supera o total de mortes por doenças para as quais temos vacinas disponíveis, que somaram 955 vítimas entre 2006 e 2020 no país, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. 

        Em recente manifestação, as Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm), Pediatria (SBP), Imunologia (SBI) e Infectologia (SBI), além de instituições como a Academia Nacional de Medicina (ANM), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tornaram público o apoio à  vacinação de crianças de 05 a 11 anos no Brasil, destacando a relevância da carga da doença nesta população, as milhares de hospitalizações e centenas de mortes pela Covid-19, além de outras consequências da infecção nesta faixa etária, como a Covid longa.

        Dados publicados demonstram que crianças têm risco de desenvolver  quadro clínico grave de Covid-19, mesmo as que não apresentam  comorbidade, imunocomprometimento ou que fazem uso de imunossupressores por longo prazo. Até julho de 2021, 16.000 crianças nos Estados Unidos da América foram hospitalizadas e mais de 300 morreram. Ainda, as crianças infectadas pelo SARS-CoV-2 também correm o risco de desenvolver uma doença rara, chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica, que envolve a inflamação de várias partes do corpo. Cerca de 4.100 casos de SIM-P foram registrados apenas nos EUA. Considerando os dados disponíveis na literatura sobre Covid longa, estima-se que mais da metade das pessoas diagnosticadas para Covid-19 possam experienciar algum sintoma da Covid longa, a curto e  longo prazo.

    Na emergência de variantes com maior transmissibilidade, como a Ômicron (B.1.1.529), os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul indicam um aumento de hospitalizações em menores de 19 anos. O pico de crescimento é mais acentuado na faixa etária de crianças menores de um ano, conforme o gráfico abaixo, apontando uma tendência de crescimento para as próximas semanas: 

    Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention – CDC) dos EUA também mostram um aumento considerável de hospitalizações por Covid-19 em crianças após julho de 2021, consistente com um aumento de mobilidade populacional, em um cenário no qual as crianças, por não estarem vacinadas, estão mais expostas aos riscos atrelados a doença:

    O CDC também indica que há uma sobreposição entre a SIM-P e os casos de Covid-19, trazendo preocupação para um potencial aumento após as festividades de fim de ano no Brasil, período conhecido pelo aumento de mobilidade e diminuição de adesão ao distanciamento social.

    SOBRE A VACINAÇÃO EM CRIANÇAS

        Segundo dados analisados e apresentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no dia 16 de dezembro de 2021, a vacina ComirnatyⓇ, desenvolvida pelas farmacêuticas Pfizer Inc. e BioNTech SE, tem uma apresentação diferenciada em relação à vacina aplicada nos indivíduos acima de 16 anos: a vacina apresenta uma concentração reduzida de ácido ribonucleico (RNA) mensageiro, além do volume de aplicação também ser reduzido e o veículo ser diferente. Esta vacina indicada ao público alvo de 05 a 11 anos não se mostrou inferior, quanto a sua imunogenicidade (isto é, a indução de anticorpos neutralizantes após a vacinação), quando comparada com a vacina utilizada no público de 16 a 25 anos. Esta imunogenicidade se manteve elevada, mesmo considerando variantes de preocupação, como a variante Delta. 

    Os dados também estão disponíveis na publicação online na revista New England Journal of Medicine (NEJM), que apresenta dados de elevada eficácia (90,7%) em casos de Covid-19 com início de sete dias ou mais após a segunda dose, relatada em três crianças vacinadas e em 16 crianças do grupo placebo. Quanto ao perfil de segurança da vacina, nenhum caso grave foi relatado no público entre 05 e 11 anos, sendo a dor no local da injeção (leve a moderada) o efeito adverso mais frequentemente relatado, com resolução completa em poucos dias.  

    Segundo os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, até o dia 16 de dezembro de 2021, foram reportados oito casos de miocardite  num total de mais de 7 milhões de crianças de 05 a 11 anos que receberam o imunizante acima referido (cerca de 0,00011%). Segundo o CDC, todos os anos, registram-se um a três casos de miocardite por cada 100.000 crianças e adolescentes sem relação com a Covid-19 (cerca de 0,003%). No entanto, a Covid-19 aumenta em cerca de 36 vezes o risco de miocardite para indivíduos menores de 16 anos. Um estudo recente aponta que entre 255 pacientes que desenvolveram SIM-P após a infecção pelo vírus da Covid-19, 75% tiveram miocardite. Mesmo considerando os relatos após a vacinação, segundo os dados apresentados pela ANVISA em reunião, o maior risco observado para miocardite após a vacinação não excedeu 0,07% (em meninos na faixa dos 16 a 17 anos). Portanto, este consenso em um número majoritário de estudos permite concluir que, quaisquer riscos de eventos adversos graves, com possibilidade de relação com a vacinação a ser confirmada, são significativamente inferiores aos benefícios promovidos pela própria vacinação. Isto é, a vacinação é segura, com baixíssimos riscos de eventos adversos e a melhor medida de combate à doença que temos neste momento.

    Segundo dados públicos das investigações conduzidas em Israel, os casos de miocardite relatados após a vacinação (cerca de 2,3 a cada 100.000 indivíduos – 0,0023%) em indivíduos maiores de 16 anos tiveram evolução benigna, sendo a grande maioria de intensidade leve a moderada. Não houve mortes relacionadas aos eventos de miocardite. 

    Em epidemias, as medidas de controle incluem a vacinação e o alcance da cobertura vacinal adequada, de acordo com o curso das doenças. Ainda, quando doenças podem ser prevenidas pela vacinação, esta é a principal medida de saúde coletiva para a proteção da população. Historicamente, a vacinação de populações tem sido um fator fundamental para o controle das epidemias. No caso da Covid-19, a vacinação é uma estratégia importante para a faixa etária de 05 a 11 anos, conforme os dados aqui mencionados apontam, visto que apesar de vacinas não serem produtos farmacológicos isentos de efeitos adversos, os riscos da infecção por SARS-CoV-2 superam amplamente os riscos de efeitos adversos. Dessa forma, pelos benefícios da vacinação das crianças de 05 a 11 anos serem evidentemente superiores aos riscos de efeitos adversos, conforme os dados demonstram, é necessário e urgente o início da vacinação também deste grupo etário.

    Por fim, considerando que a vacinação em massa diminui o número de internações hospitalares, incluindo ocupação de leitos em UTI, e diminui significativamente a transmissão do vírus, a campanha infantil vem de encontro à consolidação da tão esperada cobertura vacinal. A campanha de vacinação infantil terá impacto direto na diminuição de óbitos de crianças, sequelas advindas da doença e, além disso, impactos econômico e social positivos/relevantes ao diminuir o uso de leitos hospitalares e a transmissão do vírus no retorno às atividades escolares e encontros sociais.   

    CONCLUSÕES

        Considerando os dados acima citados, bem como as análises realizadas por agências reguladoras internacionais e do Brasil, as quais já emitiram a aprovação para o uso do imunizante desenvolvido pela Pfizer Inc. e BioNTech SE para o público de 05 a 11 anos;

        Considerando a alta carga viral que a Covid-19 pode oferecer a crianças de 05 a 11 anos, as consequências da infecção como a SIM-P, o risco de hospitalização e óbito, além do risco de manifestações pós-infecção aguda na Covid Longa;

        Considerando as análises e cartas em prol da vacinação da faixa etária de 05 a 11 anos, de sociedades brasileiras, como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), entre outras sociedades de grande relevância;

        Considerando a emergência de uma variante com potencial de maior transmissibilidade, somado aos dados epidemiológicos da África do Sul e de outros países, os quais estão enfrentando a aceleração de casos decorrentes da variante Ômicron (B.1.1.529);

               Considerando a tendência de aumento de carga da doença nessa população não-vacinada com a nova variante Ômicron  (B.1.1.529), aumentando ainda mais as hospitalizações e os óbitos entre crianças;

        Considerando o retorno completo das aulas presenciais em 2022, fato que pode ampliar a transmissão da doença entre esse grupo de 05 a 11 anos;

        Considerando as hospitalizações analisadas e apresentadas nas semanas epidemiológicas apontadas e o fato de os números de óbitos já superarem valores observados para outras doenças preveníveis por vacinas, no período de 2006 a 2020;

        Considerando que os benefícios da vacinação superam os riscos de quaisquer eventos adversos graves raros que possam ser observados após a vacinação;

        Considerando o extenso monitoramento que será realizado durante a campanha de vacinação para crianças de 05 a 11 anos, como já afirmado pela ANVISA e como parte da farmacovigilância do país;

        Ressaltamos a necessidade crítica e a importância de iniciar, com urgência, a campanha de vacinação para crianças de 05 a 11 anos no Brasil com o imunizante ComirnatyⓇ, conforme estabelecido pelo parecer e análise da agência reguladora brasileira – a ANVISA – com toda a exigência de monitoramento e compartilhamento de dados colocada pela agência à farmacêutica.

    ASSINATURAS

    As assinaturas estão sendo atualizadas no site:

    https://www.todospelasvacinas.info/posicionamentos

    O Documento foi originalmente publicado e elaborado por pessoas do movimento Todos Pelas Vacinas, com assinatura de colegas que apoiam a carta aberta. A publicação foi feita com anuência do movimento.

    Se você quer colaborar com esta carta, você pode compartilhar este documento – ou o site original do Todos – e, também, na rede social Twitter do Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Prática de endurance na pandemia

    Em tempos de pandemia, mais do que nunca, é fundamental manter-se ativo fisicamente para aumentar o bem-estar, reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida.

    Sabe-se que a prática regular de exercício físico associada à alimentação adequada traz vários benefícios para a saúde física e mental. Além de auxiliar no controle de peso, prevenção de doenças como obesidades, diabetes e dislipidemia, aumentar a imunidade e contribuir para uma composição corporal adequada.

    Com a pandemia, a prática de exercícios ao ar livre como os esportes de endurance vem aumentando significativamente. É uma forma segura de praticar exercício físico em locais abertos e com distanciamento social.

    Os principais esportes de endurance incluem: ciclismo, corrida, travessias, duatlo (ciclismo e corrida), triatlo (natação, ciclismo e corrida), mountain bike, montanhismo, cross country, maratonas, entre outros.

    O termo endurance é usado para modalidades de exercício de resistência com duração média maior ou igual a 90 minutos (1hora e 30 minutos) de forma contínua.

    SUPLEMENTAÇÃO NO ENDURANCE

    A demanda nutricional e o gasto energético no endurance costumam ser bem altos. Uma vez que trata-se de uma modalidade esportiva de resistência de longa duração cuja intensidade pode variar entre média e elevada.

    Porém, a demanda calórica e nutricional deve ser calculada de forma individual. Considerando que o gasto energético variam de acordo com: idade, sexo, composição corporal, além do tipo, duração e intensidade do exercício.

    E muitas vezes não é possível atingir as recomendações calóricas e nutricionais apenas com a alimentação.

    Por isso, suplementos a base de carboidratos e proteínas, e repositores de eletrólitos são boas estratégias para manutenção e/ou melhora do desempenho. E também para a recuperação pós-exercício.

    FORMAS DE SUPLEMENTAÇÃO

    Existem três tipos de suplementação: antes, durante e depois do exercício, treino ou competição. Cada tipo tem sua funcionalidade.

    • Pré-treino: Melhora a resposta e as adaptações fisiológicas ao exercício. E pode promover o aumento do desempenho esportivo.
    • Intra-treino: Usado para a reposição de eletrólitos e fornecimento de energia de forma rápida durante o exercício.
    • Pós-treino: Utilizado para reposição de nutrientes de forma eficiente visando a recuperação e também o preparo físico para os próximos treinos.

    SUPLEMENTOS NO ENDURANCE

    Existem vários suplementos utilizados por praticantes de endurance como: creatina, cafeína, bicarbonato de sódio, beta-alanina, nitrato, glutamina, zinco, ômega-3, probióticos, além de polivitamínicos, suplementos a base carboidratos e proteínas.

    Dentre eles, vale destacar aqueles que possuem altos níveis de evidência científica na melhora do desempenho no endurance como por exemplo: carboidrato, cafeína e nitrato.

    • Carboidrato: Auxilia na manutenção da glicemia e reposição de energia durante o exercício prolongado. A recomendação pode variar, em média, de 6 a 10g de carboidrato/kg de peso/dia. E podem ser distribuídos antes, durante e depois do treino. Pode ser usado na forma de gel, cápsula, pó ou bebida com carboidrato. E alimentos como: rapadura, mel, frutas, aveia, macarrão, batata doce, entre outros.
    • Cafeína: Tem efeito positivo na função neuromuscular, redução da fadiga e diminuição na percepção do esforço por seu efeito estimulante. A recomendação é de 3-6 mg/kg de 30 a 90 minutos antes do exercício.
    • Nitrato: É convertido em nitrito e óxido nítrico que provoca o aumento da vasodilatação, da eficiência mitocondrial e do fluxo sanguíneo e regulação de O2 no músculo, reduzindo a fadiga e melhorando o desempenho cardiorrespiratório. Além dos suplementos a base de nitrato, o suco de beterraba é uma ótima opção. A recomendação é de 500mL de suco ou 3 a 6 unidades ou 150-200g de beterraba (300-600mg de nitrato) 90 minutos antes do exercício.

    Lembrando que o planejamento alimentar, a suplementação, a hidratação e a periodização alimentar e nutricional devem ser individualizadas e de acordo com o tipo, frequência, duração e intensidade da modalidade de endurance praticada.

    Vitale K, Getzin A. Nutrition and Supplement Update for the Endurance Athlete: Review and Recommendations. Nutrients. 2019;11(6):1289.

    Este post foi escrito originalmente no blog Nutrição e Ciência

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

     

  • Como doenças de transmissão aérea como a COVID se espalham?

    Você sabe o que são aerossóis, fômites, gotículas e o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Homem branco ruivo de óculos e barba, virado de perfil na área esquerda da imagem. Ele está espirrando e as gotículas do espirro aparecem em contraste com o fundo preto da imagem
    Uma pessoa espirrando com gotículas produzidas em evidência. Fonte: Public Health Image Library – Center for Disease Control and Prevention

     A pandemia ainda não acabou. Estamos cada vez mais perto do fim, visto que agora temos vacinas que estão sendo aplicadas na população. Mas isto não significa que possamos baixar nossa guarda! Dessa forma, continuar os cuidados de prevenção é fundamental para conter a doença. Como aprendemos melhor o comportamento do vírus e os mecanismos de transmissão, estamos preparados para combatê-la de forma eficiente! Veja o que sabemos sobre o espalhamento do coronavírus e o que podemos fazer para diminuir as chances de contágio!

    O Sars-CoV-2, vírus responsável pela Covid é transmitido por via aérea e em geral existem três tipos de fontes de contaminação: fômites, gotículas e aerossóis

    Fômites

    São superfícies contaminadas que podem levar a doença ao nosso corpo através de contato com olhos, boca e nariz. No caso do coronavírus, são fontes secundárias de contaminação, sendo menos relevantes. Uma forma eficaz de combater vírus nos fômites é usar sabão e água pois inativa o vírus ao dissolver sua camada protéica.

    Gotículas

    São pequenas porções de líquido, geralmente esféricas e com tamanhos maiores que 20 µm. Podem carregar os vírus a curtas distâncias, visto que a gravidade as leva ao chão rapidamente. Assim, a forma mais eficaz de evitar gotículas é o distanciamento social superior a 2 metros.

    Aerossóis

    São porções de sólidos ou líquidos suspensos no ar, em geral têm tamanho inferior a 10 µm. Permanecem longos tempos em suspensão no ar, pois seu pequeno tamanho permite espalhamento por difusão. Consequentemente, pode levar o vírus de uma pessoa infectada por longas distâncias. Podemos diminuir os riscos ao aumentar a ventilação dos ambientes, pois isto faz com que os aerossóis se dispersem mais rapidamente.

    Mas não é tão simples assim…

    Estas são classificações da comunidade médica, porém para a Física, aerossóis englobam as gotículas, pois estas também estão em suspensão no ar. A formação de aerossóis acontece quando fornecemos energia para um corpo, o quebrando em pequenos pedaços e os arremessando no ar. Assim, no caso de aerossóis respiratórios, quando respiramos, falamos ou espirramos.

    Aerossóis respiratórios são polidispersos, isto é, têm uma grande variedade de tamanhos em suas partículas. Normalmente a variação é entre 1 µm e alguns décimos de milímetros.

    Assim suas partículas não apresentam comportamento único.

    Veja esta simulação de um espirro usando dinâmica de fluídos computacional:
    Simulação computacional de um espirro e como ele se espalha em distância, com o tempo. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. "Sneezing and asymptomatic virus transmission." Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.
    Simulação computacional de um espirro. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. “Sneezing and asymptomatic virus transmission.” Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.

    Estes comportamentos são ditados pelo tamanho da partícula. Partículas com tamanho superior a 100 µm sofrem baixa interação com outras partículas no ar. Assim, a principal influência é a gravidade e o movimento é próximo ao de um lançamento oblíquo. Isto é, aquele que vemos na escola quando descrevemos a trajetória de uma bala de canhão. Em média, caem no chão em segundos e não se afastam mais de 2 metros da fonte.

    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.
    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.

    Para partículas com tamanho próximo a 10 µm, a gravidade ainda é um efeito importante, mas estas também colidem com moléculas no ar de forma considerável aumentando seu tempo de voo. Assim, estas partículas ficam suspensas cerca de 10 minutos e podem percorrer distâncias maiores.

    Já as partículas pequenas, menores que 1 µm, têm uma influência muito maior da colisão com as moléculas no ar de forma a realizar um movimento praticamente aleatório. Dessa forma, elas podem viajar devido a este movimento de difusão por longas distâncias, sendo altamente influenciados pelo fluxo de ar no ambiente. Com isto podem ficar longuíssimos períodos em suspensão, até mesmo por cerca de 12 horas!

    Tamanho (µm)Tempo de voo
    > 100~1 segundo
    10~10 minutos
    < 1até 12 horas
    Fonte: How COVID-19 Spreads – METPHAST Program
    Assim percebemos que o maior risco é estar próximo a uma pessoa infectada durante o espirro.
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    E os aerossóis?

    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Aerossóis, distância e ambientes fechados…

    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro aspecto importante em relação ao tamanho das partículas é que estas ditam em que parte do sistema respiratório estas gotículas chegaram, podendo ter influência na gravidade da infecção.

    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro detalhe importante, apesar de as fômites serem fonte de contágio secundárias, devemos ter cuidado ao manusear material contaminado. Por quê?

    Para não gerar novos aerossóis!!!

    Por exemplo, um artigo (Aerodynamic analysis of SARS-CoV-2 in two Wuhan hospitals) identificou que em hospitais, além das áreas de internação e banheiro dos pacientes, um lugar com maior concentração do vírus no ar eram as salas para troca de roupas dos profissionais de saúde, que pode ter sido gerados devido ao manuseamento dos equipamentos de proteção que acumularam vírus durante o expediente dos médicos e enfermeiros.

    Vamos continuar mantendo esses cuidados básicos para garantir a segurança de todos e controlar a pandemia, somente assim poderemos começar o retorno de atividades presenciais sem novos picos da pandemia, que podem levar até mesmo a novas variantes do vírus que sejam mais resistentes às vacinas atuais.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Marina Fontolan

    Faz sentido restringir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Recentemente aprovado, o Projeto de Lei 1674/2021 trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). O que você sabe sobre isso?

    O referido PL acabou de ser aprovado no senado e agora será apreciado na Câmara dos Deputados. Ele criou o PSS, que seria um documento para pessoas que estão imunizadas contra a COVID-19 para que tenhamos políticas públicas de suspensão ou abrandamento de medidas restritivas. Tais condições são relativas às informações de vacinação e/ou imunização das pessoas em relação a doenças específicas.

     A premissa para esta lei é exercer um controle de possíveis epidemias e pandemias futuras – além da própria COVID-19 – mas mantendo a liberdade de ir e vir, dentro de parâmetros de segurança previamente estabelecidos.

    Dessa maneira, a lei parte do pressuposto que podemos adotar determinados critérios para diminuir ou suspender medidas que restrinjam nossos movimentos em situações de crise sanitária.

    A pergunta que talvez seja importante se fazer para esta lei é: faz sentido dividir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Há diferentes questões que envolvem este debate. Vamos destrinchar alguns deles aqui

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! Não compreendemos a vacinação, mesmo sendo obrigatória, como uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. Assim, a vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos punitivos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos públicos ou serviços públicos específicos, por meio de lei.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar – mas aquelas que consideram-se obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Por exemplo, direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Exato, os testes de detecção feitos isoladamente, sem continuidade – especialmente em doenças em que a reinfecção pode ocorrer – são sempre um retrato do passado (que se relacionam à janela imunológica). Por isso, se estamos circulando, em um país com a nossa taxa de transmissão como está, os testes são fundamentais – mas eles são certificações temporárias, com validade de curtíssimo prazo. Em todo o caso, “teste negativo” sempre tem validade relacionada à janela imunológica – que é o tempo em que nós nos infectamos até o tempo do teste conseguir detectar os vírus. No caso da COVID-19, nossa janela é de no mínimo 5 dias. Assim, o resultado obtido hoje diz respeito ao tempo transcorrido entre a coleta, somados 5 dias de uma possível infecção.

    Mas o Projeto de Lei ainda abrange outras questões delicadas

    Este PL não se trata apenas da COVID-19, especificamente. É um projeto que se propõe a pensar futuramente a gestão de crises sanitárias, com outras epidemias e/ou pandemias.

    Na Justificação (páginas 8-12), há alguns pontos preocupantes para firmar a possibilidade de suspendermos medidas restritivas, como dado científico.

    Trecho da Justificação do Projeto de Lei

    Inicialmente, é exatamente por termos poucas pessoas imunizadas com a vacina que, ainda, as pessoas não estão em plena condição de retomarem suas “atividades normais”. Novamente, a vacinação é um processo de massa – não individual.

    Além disso, pensar que temos poucas pessoas infectadas é um grande risco. Primeiro, temos os casos das pessoas assintomáticas, que estão infectadas, transmitem o vírus (que pode matar outras pessoas) e não são testadas.

    Em segundo lugar, o Brasil não está fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Especialmente se levarmos em consideração o andamento da pandemia no Brasil e a quantidade de mortes ainda crescente (e a transmissão, literalmente, correndo solta).

    Isso faz com que não tenhamos a dimensão real de quantas pessoas já se infectaram e aquelas que estão infectadas. Por fim, o argumento de ‘imunidade de rebanho’ criado por meio das pessoas infectadas naturalmente não existe. A cidade de Manaus foi um exemplo disso! A maior parte da população foi infectada e isso não gerou imunidade. A vacinação é um ato coletivo e precisamos que ela seja feita o mais rápido possível.

    Mas já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Por fim, na justificação, a ideia de que “muita gente não está infectada e portanto pode circular” em uma doença que ao infectar uma pessoa, pode passar despercebida em formas brandas ou até assintomáticas, transmitindo sem que percebamos, é um risco que temos debatido desde o início da pandemia. O controle tem que ser via diminuição de contatos, enquanto não tivermos uma cobertura vacinal adequada em nossa população!

    Nosso posicionamento segue termos políticas públicas efetivas, rápidas e seguras para estancarmos a transmissão da doença: vacinação em massa, uso de máscaras, distanciamento social (isolamento social quando possível) e auxílio para populações vulneráveis.

    Não existe mágica para vencermos o vírus, não existe passaporte de segurança, fora medidas não farmacológicas aplicadas à risca, com vacinação em massa.

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt, Bióloga, Doutora em Educação, Professora de Biologia do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Marina Fontolan, Historiadore, Doutorande no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, divulga ciência no Grupo Infovid e no Todos Pelas Vacinas

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 e para o Todos Pelas Vacinas

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A COVID-19 e a Sociedade: uso e cobrança de Equipamentos de Proteção Individuais

    Muito se fala sobre o uso de Máscaras ou Respiradores. Mas, será que existe diferença entre estes termos? Qual o melhor para usar e em que situação?

    Há inúmeros textos e divulgadores científicos que têm abordado o tema. Eu vou apontar a vocês, ao final do post, aqueles que consideramos interessantes para acompanhar.

    No entanto, a conversa aqui hoje é mais do que separar o que é “Máscara” e o que é “Respirador”

    Como este texto faz parte da série “A COVID-19 e a sociedade”, vamos entender como este objeto é fundamental para nossa proteção INDIVIDUAL e em que situações ela é necessária e deveria ser obrigatória como parte das políticas públicas e deveres das empresas que são do que consideramos “serviços essenciais” e contratam pessoas para trabalhar no modo “presencial”.

    EPI – O que é isto?

    É importante lembrar que um objeto, quando deve ser usado obrigatoriamente para proteger trabalhadores, é considerado um EPI. Talvez tu já tenhas escutado este termo antes. Ele quer dizer Equipamento de Proteção Individual e quer dizer “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho” 

    Assim, no caso da COVID-19, que é uma doença respiratória, podemos considerar EPI Para Proteção Respiratória as peças semifaciais filtrantes (PFF2). Estas têm sido as mais efetivas para a proteção contra o novo coronavírus.

    Mas qual a diferença entre ser ou não EPI? A máscara de pano não funciona?

    Toda e qualquer máscara, agora, é importante na contenção do vírus. A diferença é que máscaras de pano são bloqueios (ou barreiras) mecânicas e físicas contra o vírus. Isto é, contém a dispersão pela barreira física que apresenta, quando em situações de espirros, coriza, tosse, falas etc. Dessa forma, nestes momentos, soltamos gotículas ou aerossóis pelo nariz e pela boca, que podem estar contaminadas!

    No entanto, as máscaras de pano possuem dois problemas! Primeiro, elas não nos protegem com eficácia. Ou seja, por não NOS proteger as máscaras de pano não se configuram como EPI – que é Equipamento de Proteção Individual.

    A segunda questão é que não possuem controle de qualidade em sua fabricação. Isto é, máscaras caseiras não passam por certificação.

    Todavia, é relevante reiterar que isto de modo algum invalida sua importância, especialmente quando estávamos com falta de máscaras para profissionais de saúde no mercado!

    Este não é o caso agora.

    O EPI é um equipamento que possui normas técnicas que o regulamentam. Mas, mais do que isto, possui uma conferência no processo de confecção do produto que valida sua qualidade e é submetida a padrões nacionais e internacionais de segurança e qualidade. Portanto, um EPI nos dá condições de avaliação quanto a parâmetros técnicos que possibilitam uniformizar riscos que nos submetemos, em condições específicas.

    Por fim, quando em nosso trabalho existe um objeto que se configura como EPI quer dizer que é obrigatoriedade dos empregadores adquirirem e dos empregados utilizarem os equipamentos. Tudo isto visando não apenas homogeneizar os riscos, mas garantir que os trabalhadores que precisam executar determinados serviços essenciais estejam o menos expostos a enfermidades e riscos quanto for possível.

    E o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Em um momento tão delicado como o que vivemos, em que o contágio e a transmissão da COVID-19 está fora de controle, é fundamental cada vez mais tomarmos cuidados pessoais. Além disso, também é necessário e urgente que os trabalhadores estejam cuidados ao máximo para não correr riscos. Isto é, não existe condições de não se expor, ao sair para trabalhar diariamente. Todavia, existe como reduzir riscos e tornar isto parte de políticas públicas de cuidados contra o SARS-CoV-2.

    Ok! Mas é Máscara ou Respirador?

    PFF significa Peça Facial Filtrante e é um respirador, testado e verificado em sua fabricação (até aí já sabíamos). Entretanto, costumamos chamar os respiradores tipo PFF2 (que são similares à N95) de máscaras. E embora o nome “correto” seja respirador, o que nos importa aqui é que todos usem o melhor equipamento possível!

    E, além do melhor equipamento, cuidar e cobrar o melhor uso:

    • A máscara deve cobrir, sempre e completamente, o nariz e a boca. Assim, cabe sempre lembrar que máscaras com o nariz para fora, ou no queixo servem como adereço estético. Isto é: são inúteis para a proteção contra o coronavírus.
    • É fundamental que a máscara se ajuste ao rosto. Ou seja, sem deixar folgas ou aberturas por onde entre ou saia o ar. As máscaras PFF2 são filtrantes, se houver folgas ou escapes o ar não está passando pelas camadas filtrantes.
    • A boa vedação é o ponto mais importante.
    • Para que o ajuste e a segurança do equipamento seja o melhor possível, a recomendação são as máscaras PFF2 presas na nuca e pescoço, ao invés de atrás da orelha. Aliás, também recomenda-se as máscaras que possuem ajustes no elástico.
    • Uma peça de metal perto do nariz (clipe nasal) também melhora o ajuste da máscara e é, portanto, recomendado.
    Recentemente, colegas de divulgação científica do Qual Máscara publicaram um texto apontando a necessidade de servidores públicos do município do Rio de Janeiro terem acesso a respiradores do tipo PFF2, cedidos pela prefeitura. No abaixo assinado, com respaldo de vários cientistas, constam questões técnicas do uso destes respiradores como EPIs.

    Assim, talvez seja essencial cobrarmos que EPIs sejam parte da rotina em situações de trabalho presencial em nosso país. Ou seja, enquanto cidadã, me pergunto: em meio ao total descontrole, à lentidão da vacinação e à pressão por retornos aos ambientes presenciais de trabalho, incluindo alguns ambientes com pouquíssimas condições – e aqui incluo escolas públicas e privadas, me pergunto se não é prioridade da gestão pública a saúde dos cidadãos que são compelidos ao trabalho diariamente. Em especial aqueles que estão em setores considerados essenciais e que, portanto, devem retornar.

    Não vou me alongar, neste texto, sobre o conceito do que é ou não essencial neste momento. Tampouco apontarei os problemas vinculados aos retornos do que é dito essencial, embora possa ser executado na modalidade “home office” e o quanto isto não se restringe, apenas, ao ambiente de trabalho. Isto é, quando falamos em retorno estamos falando de toda a cadeia de deslocamentos e mobilidade urbana, aumentando a rede de contatos de cada sujeito e destes com seus colegas, clientes e usuários de serviços. Tudo isto é pauta para outro texto – que virá.

    Em suma, cobrar o quê e como?

    Cobrar retorno para trabalhos essenciais, em um momento de altíssimo risco à saúde humana, por contaminação de um vírus que é transmitido por aerossóis tem sido prática cotidiana. Entretanto, nós sabemos que nem sempre existe negociação entre empregador e empregados.

    Mas existem alguns serviços que as cobranças vêm dos próprios clientes ou usuários de serviços, por motivos que não nos cabe debater aqui.

    Dessa forma, para além dos dizeres “todos os protocolos de segurança estão sendo seguidos”, nós gostaríamos de indicar algumas perguntas que pensamos serem cruciais para quaisquer debates de retorno, que podem ser dirigidas aos empregadores:

    Quais são os protocolos?

    O ambiente é ventilado? De que forma?

    Qual a lotação máxima e como vocês vão organizar o ambiente, caso tenha mais pessoas para ocupar o ambiente, no mesmo horário?

    Que EPIs são fornecidos aos trabalhadores da empresa? Em que quantidade?

    Como estão sendo trabalhadas as informações de como usar os EPIs?

    Considerando que este trabalho é essencial, como os trabalhadores estão chegando ao ambiente de trabalho? 

    Vocês avaliaram os riscos ao trabalhador e propuseram escalas para minimizar contatos?

    Vocês avaliaram a quantidade de contatos ao voltarem todos os trabalhadores ao mesmo tempo, convivendo conjuntamente?

    Aos usuários dos serviços e clientes, quais os protocolos de saúde e como podemos usar o serviço sem colocar em risco os trabalhadores?

    Eu posso usar estes EPIs também? Há indicação dos protocolos de usos que minimizem os riscos dos trabalhadores e de minha família?

    Existe condições de realizar as atividades deste serviço em espaços abertos? Se a resposta for SIM, priorize estes espaços e cobre que sejam usados, eles são mais seguros.

    Será realizada testagem RT-PCR, RT-LAMP ou antígeno periódica dos profissionais envolvidos no serviço? Quem arca com este serviço e qual a periodicidade prevista?

    No caso de sintomas de síndrome gripal, seja de clientes, seja de funcionários, qual a atitude imediata tomada?

    Existe alguma previsão de estratégias para monitoramento, rastreio e comunicação, em caso de sintomas de clientes e funcionários?

    Perguntar basta?

    Reitero que apenas questionar e cobrar respostas é pouco. Assim, a cada serviço prestado, que estava sendo realizado na modalidade home office em que há retorno, existe aumento de mobilidade. Dessa forma, se eu, cidadã, considero que é fundamental o retorno daquele estabelecimento de serviços e cobro pela sua reabertura, talvez eu precise fazer mais. Talvez, seja também premente que eu questione se as pessoas – trabalhadoras – que estão utilizando transportes públicos para chegar até o ambiente em que a prestação de serviço acontece, para que eu, o utilize, estão o mais seguras possível e com os melhores equipamentos quanto for possível validar tecnicamente à sua disposição. Além, obviamente, de terem todas as informações para que o uso de tais equipamentos seja  compreendido.

    Mas não é tarefa dos gestores públicos implementar e cobrar por isto?

    Sim, exatamente: é tarefa deles cobrar por tudo isto e implementar protocolos de segurança, manter estabelecimentos de alto risco fechados e implementar políticas públicas que garantam a melhor condição de retorno possível.

    Entretanto, se nós estamos nos autorizando a cobrar de estabelecimentos – como escolas, academias e comércio – que retornem, talvez também possamos nos dar conta que precisamos cobrar de autoridades (vereadores e prefeitos) para a não exposição das pessoas, especialmente em um momento tão crítico da pandemia no Brasil.

    É fundamental também ter noção de que os empregadores não podem coagir seus empregados a assinarem documentos isentando as empresas de responsabilidades com as contaminações possíveis. Isto é ilegal e não tem validade. Mais informações podem ser lidas no Ministério Público do Trabalho.

    As ações individuais precisam somar-se às necessidades coletivas. Agora mais que nunca. Se eu, individualmente, considero algo fundamental para a manutenção de minha vida, talvez precise cobrar para que a vida do outro siga existindo. Não é apenas abrindo UTIs que conseguiremos isso.  

    Para saber mais:

    A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    Brasil. (1943) DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

    Brasil, Ministério da Economia (2020) PORTARIA Nº 11.347, DE 6 DE MAIO DE 2020

    Brasil Ministério do Trabalho (2001) NR 6-EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL -EP 

    Sobre Máscaras e Respiradores

    Qual Máscara: 
    Instagram | Twitter | Site

    Vitor Mori
    Twitter | Youtube

    Melissa Markoski
    Instagram | Rede Análise Covid-19

    Redes Contra Covid-19
    Medidas Básicas de Proteção

    Textos do Blogs Sobre Máscaras e Cuidados Básicos:

    Coronavírus e o controle do contágio

    Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? *

    Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Do uso de máscaras à imunidade coletiva

    Como funcionam as máscaras N95

    * Este texto passou por inúmeras críticas a época que foi feito e, agora, parece fazer sentido novamente. Assim, em um momento em que faltavam máscaras aos profissionais, a recomendação das máscaras de pano eram fundamentais. No entanto, agora, quando a situação está pior (no sentido de quantidade de pessoas infectadas, se contaminando e de descontrole da pandemia), novamente se faz necessário o debate sobre o uso de máscaras de pano. Isto é, as máscaras de pano são, sim, importantes e tiveram um papel fundamental na diminuição dos contágios. Mas não temos mais falta de máscaras para profissionais de saúde e temos descontrole da doença no país. Máscaras com registro de qualidade, que nos possibilitam aferir e testar sua segurança são essenciais neste momento. Especialmente para profissionais que não podem permanecer em casa.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    “Diálogos” de pandemia

    – Vocês não têm coração? Se alguém pega COVID-19 não pode fazer nada, não têm medicamentos e vocês não querem que a gente tente nenhuma possibilidade?!?

    – Vocês acham que as crianças têm que ficar trancadas em casa enquanto todo mundo circula por aí livremente? As escolas fechadas são perdas irreparáveis para as crianças!

    – As escolas devem ser as primeiras a abrir e as últimas a fechar!

    – E como deixar tudo fechado se as pessoas têm que ganhar algum dinheiro? E a comida na mesa?

    – Vocês não se importam com as pessoas, o que podemos fazer?

    Todas as semanas há diálogos que iniciam com estas perguntas, ou comentários em postagens do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp. Isto seja nas redes sociais, seja nos próprios textos, seja em conversas privadas.

    A produção de conteúdo científico na pandemia

    Não é bom ou satisfatório anunciar diariamente que não há tratamento ainda para a COVID-19, nem apontar a necessidade de adiamento do retorno às aulas. Tampouco ler sobre a falta de insumos para as vacinas e o quanto precisamos vacinar mais e mais rápido, em detrimento do que vem acontecendo no país. Dessa forma, não é algo que se faz de forma tranquila, ao contrário do que pode parecer a quem não acompanha diariamente as notícias e elabora os textos, com as equipes de Divulgação Científica.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria, com urgência, diminuir, a partir do fechamento do comércio e serviços, não é por haver satisfação em indicar que pessoas fiquem em casa independente dos seus problemas – que vão desde saúde mental até não termos condições de ganharmos dinheiro para colocar comida à mesa.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria diminuir com urgência, significa termos dados técnicos que o isolamento e distanciamento social é a ferramenta que possibilita que a circulação do SARS-CoV-2 aconteça.

    Assim, em um país cujas autoridades vem postergando e sabotando compras de vacinação e têm estimulado tratamentos inócuos para a COVID-19, informações científicas parecem pouco compreendidas como têm sido alvo de ataques e servem como mote de polarizações sem que o cerne da questão seja pauta.

    Tampouco os debates são imparciais e neutros. Longe disso. 

    Nossa preocupação tem sido apontar quais são os fatores que levam ao aumento do contágio e quais as problemáticas relacionadas a isso. Neste sentido, ler os gráficos de mobilidade urbana, com a retomada de atividades presenciais não essenciais (mesmo que por decreto se mude o status destas atividades), com análise do aumento de casos de internação de UTIs, filas de espera, além de óbitos diários, tudo isso somado à já conhecida falta de testes diagnósticos e vacinação lentíssima (por vezes confusa também), não torna simples divulgar a máxima “fique em casa se for possível”.

    A questão é que uma doença não é o ciclo do patógeno. Isto é, ao vivermos em sociedade – e numa sociedade desigual e populosa como a nossa – a doença é, também, social. Ela encontra em nossa sociedade o espaço perfeito para se proliferar rápido e com muita eficiência. Assim, como bióloga, aprendi a pensar em doenças. Como biologia, talvez pensemos a COVID-19 sempre como uma doença cujo o vírus transmite-se pelo ar, com contatos próximos, em um mundo com quase 8 bilhões de pessoas, em cidades urbanizadas com densidades demográficas altíssimas.

    Só nesta sentença, no entanto, podemos conjecturar o quanto de informação podemos desmembrar e tornar complexa a relação entre o vírus e nossa vida.

    Como assim?

    O SARS-CoV-2 tem a seu favor a própria forma de existir do ser humano: aglomerado em espaços fechados e, simultaneamente, centrado em seus próprios anseios e necessidades.

    A ciência é feita por pessoas que estão dentro da sociedade. Pessoas que foram formadas e constituídas dentro desta sociedade, com suas histórias, conceitos, preconceitos e pressupostos. Não existe “lado de fora”, embora exista questionar o que nos formou e buscar novos pensamentos e tensionamentos em relação ao que nos formou. Assim, há uma certa relação constituidora entre sujeitos e sociedade. Esta sociedade que vivemos não é (nem poderia ser) homogênea. Ela é formada por um conjunto de sujeitos (pessoas) que questionam e modificam a sociedade, ao passo que a sociedade forma e transforma sujeitos.

    Mas o que isto tem a ver com a ciência? Então a ciência é parcial?


    Em função de a ciência fazer parte da sociedade, e cientistas serem sujeitos sociais, não existe estarmos fora do pensamento social de uma época. Tampouco existe a possibilidade de termos pensamentos completamente iguais e homogêneos.

    Também não existe imparcialidade, nem pureza em nada do que é dito, analisado, formulado. Todavia, isso não quer dizer que os vieses de análise são “ruins” ou “bons”. Quer dizer que precisam ser debatidos por uma comunidade científica ampla. Uma das coisas que possibilita que a ciência minimize vieses é exatamente a análise e revisão por pares – e não só nas revistas (como manda o procedimento padrão), mas da própria comunidade científica.

    Sempre há margem para erros, mas é exatamente a possibilidade de assumirmos os erros que faz com que a ciência seja ciência. Ela não se postula dogmática e a única certeza é a de que mudaremos nossos conhecimentos de lugar e tornaremos o que conhecemos hoje ultrapassado em tempos futuros (longínquos ou não). 

    Com COVID-19 não é diferente. O que sabemos HOJE sobre a doença é muito diferente do que sabíamos no início. O mundo inteiro analisa a doença sob diferentes aspectos, estamos todos atentos ao que é publicado e isto, sim, é um grande feito.

    Mas voltemos à ideia de que a doença não se restringe ao ciclo do patógeno!

    Qualquer doença, exatamente por nos acometer, traz efeitos que estão para além dos sintomas da doença em si. 

    Se uma doença nos contagia pelo ar e pela proximidade, parte de como estancarmos sua proliferação é mudarmos nosso comportamento e hábitos. Isso vai desde como convivemos socialmente em aglomerações cotidianas – de ônibus lotados para irmos trabalhar, aos espaços fechados de comércio e serviços que se tornaram cotidianos em nossa vida. No entanto, vocês percebem que estas decisões não são individuais? Que muitas pessoas não possuem condições de não pegar transporte público, nem de não frequentar espaços fechados de comércio e serviços? Guardemos estas informações – elas serão importantes mais para frente no texto…

    Além disso, também temos negociações para mantermos vivas pessoas que não apenas necessitam de serviços específicos, mas de rendas extras, pela impossibilidade de seguirem sem trabalhar neste momento. Aqui, novamente: vocês percebem que estas decisões não são individuais?

    As doenças são, também, sociais

    E é aqui que compreender o ciclo em si da doença não basta (ou quando isto começa a ficar evidente). Cada conhecimento científico incorporado muda nosso modo de ver e pensar a sociedade e nossas relações. E, com isso, tomar decisões individuais da melhor maneira possível.

    Mas socialmente, estas decisões nem sempre estão ao nosso alcance. Isto é: estas decisões não são individuais! É preciso que algumas instâncias, ao terem em posse uma grande quantidade de informações, transformem isso em ações que atinjam a maior quantidade de pessoas quanto for possível. Assim, em geral, estas decisões são técnicas e deveriam buscar análises que envolvessem prejudicar a menor quantidade de pessoas, com ações mais concentradas e coerentes entre si.

    Políticas públicas é o nome disso…

    Na teoria, lendo assim, parece simples. Entretanto, ao termos diferentes modos de pensar e linhas de ação, podemos tomar decisões que entram em um espaço de disputa. Basicamente, estou falando de políticas públicas. Dessa forma, questionamos: elas são (ou deveriam ser) baseadas em dados técnicos: quantas pessoas estão adoecendo? Em que lugares? De que idades?

    Há inúmeras pesquisas que nos possibilitam acessar os dados populacionais. Todavia, junto a isto, temos acumulado dados científicos que nos dão condições de compreender melhor tanto o ciclo da doença, como as necessidades de protocolos e instalações hospitalares. Bem como, temos um montante de dados acerca dos efeitos em nossa sociedade, sobre as vulnerabilidade de populações marginalizadas, insegurança alimentar, comportamentos de risco na pandemia, etc.

    A partir destes dados, analisando-os em conjunto, podemos estabelecer algumas possibilidades de ação em diferentes esferas e contextos. Por exemplo:

    • Em nível individual e de nossa moradia, podemos organizar uma rotina de limpeza, compra de máscaras/respiradores individuais; rotina de compras minimizando saídas desnecessárias;
    • Em níveis familiares, podemos estruturar visitas com protocolos de cuidado, uso de máscaras, ciclos de resguardo para ninguém ficar inseguro com exposições desnecessárias, etc.

    Saindo destas duas esferas, teremos contextos em que não temos mais poder de decisão direta.

    São níveis de governo ou gestão.

    Isto é: empresas que trabalhamos, cidades e estados que residimos, nosso país.

    Perceba que nestas esferas, há menos condições de negociação e estabelecimento de cuidados específicos que nos possibilitam ter mais ou menos segurança. Ou seja, quando falamos de municípios, estados e nação, são estes os níveis em que a análise de dados para geração de protocolos e procedimentos, com buscas de minimizar impactos na saúde humana, vira o que chamamos de políticas públicas de saúde.

    Já temos alguns textos falando sobre coleta de dados, método científico e políticas públicas aqui no Especial Covid-19. Mas vamos apontar algumas que são fundamentais para entendermos onde temos errado e como podemos compreender melhor o funcionamento disto, dentro do enfrentamento da crise atual. Assim, dentro destas análises, seguiremos defendendo que as doenças também são sociais e que a biologia do patógeno não é suficiente para vencermos a crise.

    Além disso, retomando os diálogos (semi) inventados do início deste texto, o quanto é difícil analisar estes dados, percebendo desaceleração de internações (que não é queda…) com pedidos reiterados de abertura de comércio e escolas, quando há tanto o que enfrentar nesta crise.

    Os textos que já abordaram a temática estarão listados abaixo e, conforme formos avançando na discussão, serão atualizados aqui abaixo:

    Dados da Covid: como pesquisadores e imprensa toureiam o Quinto Risco

    Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    A ameaça invisível assombra a economia

    Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    A COVID-19 e a sociedade: uso e cobrança de equipamentos de proteção individuais

    Para Saber Mais

    Souza, LEPFde (2014) SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço Para Saúde, 15(4), 7-21.

    Revisaram este texto e contribuíram com a produção e ideias: Graciele Oliveira, Erica Mariosa, José Felipe Silva, Jaqueline Nichi. Grata por isso. :0)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Dilema do Prisioneiro e o Lockdown

    Dilema do Prisioneiro é um famoso experimento mental da teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde os participantes escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno), que apesar de variações nos valores, pode ser exemplificado como:

    Duas pessoas são presas (A e B) por um crime e mantidas em celas separadas.

    Então apresentam a ambas a mesma proposta:

    • se você confessar e seu parceiro ficar em silêncio, você estará livre e seu parceiro cumprirá 10 anos de prisão;
    • se você ficar em silêncio e seu parceiro confessar, você cumprirá 10 anos de prisão e ele estará livre;
    • se você e seu parceiro confessarem, ambos cumprirão 5 anos de prisão;
    • se nenhum dos dois confessar, ambos cumprirão 1 ano de prisão.
    Prisioneiro “B” se mantêm em silêncioPrisioneiro “B” confessa
    Prisioneiro “A” se mantêm em silêncioAmbos cumprirão 1 ano“A” cumprirá 10 anos enquanto “B” sai livre
    Prisioneiro “A” confessa“A” sai livre enquanto “B” cumprirá 10 anosAmbos cumprirão 5 anos

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada prisioneiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (manter o silêncio) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim a liberdade sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a confessarem, fazendo com que sofram uma penalidade bem maior do que manter o silêncio.

    Ok, mas o que isso tem a ver com o Lockdown?

    De fato, vamos trocar no dilema os protagonistas de prisioneiros para cabelelereiros.

    Em uma pequena comunidade bem isolada de qualquer outra, o único serviço presencial que atende aquela população é o de cabeleleiro, e lá existem dois cabeleleiros (X e Y) que atendem a toda a demanda dessa população. Mas com a pandemia e o surgimento dos casos de COVID-19 nessa região, decretaram o fechamento de seus estabelecimentos até que houvesse uma grande redução nos casos.

    Porém as contas não param de surgir e ambos os cabeleleiros precisam lidar com essa situação:

    • se eu obedeço a restrição enquanto meu concorrente atende escondido, eu começarei a acumular dívidas, mas ele vai faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra ele), e também o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se eu atender escondido enquanto meu concorrente obedece a restrição, ele começará a acumular dívidas, mas eu vou faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra mim), e também o número de casos não vai diminuir, entao a restrição continuaria;
    • se ambos atendemos escondidos, manteremos o mesmo faturamento de antes, não teremos dívidas, mas o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se ambos cumprimos as restrições, ambos acumularemos dívidas, mas o número de casos diminuiria, então a restrição terminaria.
     Cabeleleiro Y obedece a restriçãoCabeleleiro Y continua atendendo
    Cabeleleiro X obedece a restriçãoAmbos tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 reduzemY tem lucro, X tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuam
    Cabeleleiro X continua atendendoX tem lucro, Y tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuamAmbos mantêm seus faturamentos, mas os casos de COVID-19 continuam

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada cabelereiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar (senão não seria um atendimento escondido), e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (ter prejuízo/acumular dívidas) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim seu lucro (ou mantendo seu faturamento) sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a atenderem escondidos, fazendo com que seus faturamentos se mantenham mas que o número de casos de COVID-19 continuem.

    Percebeu agora a relação desse dilema com o Lockdown?

    Nesse contexto simplificado, temos dois estabelecimentos apenas (dois prisioneiros), enquanto que nos contextos mais próximos da realidade temos incontáveis estabelecimentos (incontáveis prisioneiros), sendo tentados com a oferta de agirem de forma egoísta (confessarem) sem se importar com as consequências que isso resultará aos outros (tanto seus parceiros, quanto o fato do número de casos de COVID-19 continuarem).

    A solução para o Dilema do Prisioneiro, é o pensamento colaborativo, de entender que se cada um buscar apenas o melhor apenas para si, chegarão a um resultado pior do que se buscarem uma solução melhor para o coletivo. Deixo ao leitor, a tarefa de encontrar a solução para o Dilema do Cabelereiro.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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