Categoria: Vacinas

  • Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    É tempo de esperança. A esperança da chegada de um dia melhor, sem a Covid-19 em nosso mundo, está quase na porta. Grande parte desta crescente esperança deposita-se na vacinação da população mundial.

    Cada vez mais estamos vendo manchetes em São Paulo, no Brasil e em vários outros lugares do mundo sobre a reabertura de locais, visto o número cada vez maior de pessoas se vacinando contra a Covid-19. As pessoas anseiam em se vacinar para estarem protegidas, poderem sair de casa, rever parentes, amigos, colegas, viajar, ir a bares, cinemas e museus. 

    Mas toda essa ansiedade para a volta ao “normal” também gera problemas. O principal deles é a ideia da rápida retomada das atividades presenciais, colocando de lado as medidas de distanciamento social, uso de máscara e quarentena.  

    Não é de hoje que os cientistas, autoridades sanitárias e divulgadores científicos vêm falando que a vacinação, única e exclusivamente, não irá resolver a pandemia. No melhor dos cenários, com pelo menos 75% da população vacinada e aliada a outras medidas de contenção, as vacinas podem diminuir muitos os casos de Covid-19 e permitir uma retomada lenta à “normalidade”. No pior dos cenários, uma vacinação com rápida abertura pode funcionar como um impulso para o surgimento de novas variantes, colocando em risco as pesquisas dos últimos 17 meses para o desenvolvimento de uma vacina eficaz.

    “MAS ENTÃO, SE MESMO VACINADO DEVO FICAR EM CASA, QUANDO VOU PODER SAIR?”

    Essa é a pergunta de ouro que todos estão se fazendo. Teoricamente, o ideal é estar com pelo menos 75% da população de um país vacinada. Tomando o Brasil como exemplo, temos uma população de aproximadamente 212 milhões de habitantes. Assim, poderia haver uma reabertura segura do país quando no mínimo 159 milhões de brasileiros estivessem completamente vacinados (que é o equivalente a população maior de 18 anos).

    E completamente vacinado significa duas semanas após a segunda dose (ou um mês depois da dose única, no caso da Janssen) no braço.

    Não é só com uma dose. Assim como não é no intervalo de doses. Ademais, não é com ambas as doses. 

    Novamente, o esquema completo é: duas semanas após ter recebido a segunda dose. 

    Contudo, não é isso que temos visto em alguns lugares. Tomando São Paulo como exemplo, tem se visto vários anúncios falando sobre a reabertura total do comércio e outros estabelecimentos, divulgando uma retomada à “normalidade” após o término da vacinação da população adulta do estado em 16/08 (última segunda-feira). Mas como comentado à exaustão em um outro texto recente aqui do Especial, falar em “população vacinada” quando boa parte dessa recebeu só a primeira dose não é realmente verdade. E nem correto. 

    É nessa falsa sensação de segurança que os problemas começam a surgir.

    VAMOS COMEÇAR OLHANDO OUTROS PAÍSES

    Reino Unido:

    com 68% da população tendo recebido pelo menos a primeira dose da vacina, e 52% terem recebido as duas, e com um relaxamento de quase todas as medidas de restrição, os britânicos voltam a ver uma subida rápida dos casos de infecção da Covid-19 após a chegada da variante Delta.

    Holanda:

    em 26 de junho promoveu a reabertura total do comércio, e tirou a obrigatoriedade do uso de máscaras. Duas semanas depois, revogou ambas as medidas e voltou a restringir as atividades quando os casos de Covid-19 explodiram com a variante Delta.

    Estados Unidos:

    com quase 50% da população vacinadas com as duas doses, o CDC (Centro de Controle de Doenças) suspendeu a necessidade do uso de máscaras e permitiu a reabertura de bares e restaurantes em todo o país, mesmo com estados em que a taxa de vacinação completa ficava por volta dos 35%. Dito e feito: os casos voltaram a aumentar, variante delta tomou o país, e no final de julho o CDC recorreu a decisão tomada.

    Vários outros países, com altos índices de vacinação completa (+50%), estão vendo os casos voltarem a subir, mesmo com boa parte da população vacinada: Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália e mesmo Israel, que foi modelo de vacinação há alguns meses atrás.

    Em grande parte deles, a história foi parecida: com um grande número de pessoas se vacinando, as autoridades começaram a diminuir e enfraquecer as medidas de restrição, permitindo que as pessoas circulassem mais, estabelecimentos ficassem abertos sem restrição de tempo ou lotação e retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras. E os resultados também são bem parecidos: uma explosão de novos número de casos, principalmente, entre os não vacinados. E isto  resultou em novos fechamentos e retomada das restrições. 

    Contudo, agora há uma questão nova que tem dificultado o controle da pandemia, mesmo nesses países com altos índices de vacinação: a variante Delta. 

    “O QUE QUE TEM DE TÃO ESPECIAL NESSA VARIANTE DELTA QUE OS JORNAIS NÃO PARAM DE FALAR? ANTIGAMENTE NÃO ERA A GAMA (OU P1) A PROBLEMÁTICA?”

    Pois é, a variante Gama AINDA é problemática. Contudo, há poucos meses surgiu a variante Delta na Índia, que vem tomando conta do cenário viral em todo o globo, já sendo a mais prevalente em boa parte do mundo. No Brasil, a variante Gama ainda é a mais prevalente e os pesquisadores têm tentado entender o motivo do avanço da variante Delta estar sendo mais lento aqui. 

    Veja nas duas figuras abaixo como a Delta está presente em vários países nas últimas duas semanas (Figura 1) e em São Paulo como a predominância das variantes foi mudando ao longo do tempo (Figura 2)

    Figura 1: Variantes predominantes em cada país, analisada a partir de sequenciamento genético nas últimas duas semanas. Isto pode não representar completamente a situação do país, em função de apenas uma fração dos casos serem sequenciados. Fonte da Imagem: CoVariants.org e GISAID.
    Figura 2: variantes relevantes em São Paulo ao longo dos meses. Fonte da imagem: Fiocruz (disponível em: http://www.genomahcov.fiocruz.br/dashboard/)

    Entretanto, esse não é o ponto deste texto.

    Todo o problema ao redor da variante Delta é a sua alta capacidade de transmissão. Além disso, soma-se a várias mutações que podem levar a um escape da imunidade. Mas para tranquilizar os corações: a proteção gerada pelas vacinas ainda permanece contra essa variante, assim como foi observado para outras. No entanto, há sim uma redução na quantidade de anticorpos neutralizantes.

    De acordo com alguns artigos recentes, o que se sabe até agora é que pessoas que tiveram uma infecção natural de Covid-19 com a variante Gama (de Manaus) ou a variante Beta (da África do Sul) têm uma fraca proteção contra a variante Delta. Em outras palavras, os anticorpos gerados pela infecção natural dessas variantes pouco protegem. Ademais, não garantem que, se essas pessoas não se vacinarem e pegarem a variante Delta, elas terão uma doença menos severa ou leve caso se reinfectem. 

    Claro que aqui precisamos fazer uma pequena ressalva: os pesquisadores olharam somente para uma parte da resposta imune, que são os anticorpos. Nosso sistema imune tem diversas outras ferramentas capazes de nos proteger, como a resposta imune celular. Pouco se sabe se esse escape do vírus também afeta os linfócitos, principais atores da resposta celular.

    Mas aqui também fica nosso apelo: NÃO caia nessa de “tive Covid-19 então não preciso me vacinar”.

    TODOS precisam ser vacinados.

    Muito provavelmente se você teve a Covid-19 no passado, foi com alguma das antigas variantes que não protegem (ou protegem fracamente) contra essa nova variante Delta. Você PODE sim ter Covid-19 novamente, tanto a forma leve com grave e transmitir para parentes, conhecidos e amigos.

    Voltando aos estudos, os pesquisadores também viram uma redução da efetividade das vacinas (isso é, a eficiência em reduzir os casos de Covid-19 com sintomas) e da eficiência dos anticorpos neutralizantes gerados em pessoas vacinadas. Entretanto, essa redução é parecida com a que foi vista em outras variantes (Alfa, Beta e Gama). 

    Trocando em miúdos

    Colocando em termos numéricos para exemplificar: a efetividade da vacina da Pfizer (com 2 doses) contra a variante Alfa foi de 93%, enquanto  contra a Variante Delta foi de 88%. Isso é, a cada 100 pessoas que tomaram ambas as doses da vacina da Pfizer, somente 7 (=100-93) tiveram sintomas de Covid-19 após a infecção pela variante Alfa, e somente 12 (=100-88) tiveram sintomas de Covid-19 pela variante Delta. 

    Já para a vacina da AstraZeneca, a efetividade das duas doses contra a variante Alfa foi de 74% e contra a variante Delta foi de 67%. Sim, um pouco menor do que a Pfizer. Mas isso não quer dizer que quem tomou a vacina da AstraZeneca tem mais riscos de ter Covid-19 e morrer. Esses números são só relativos aos casos sintomáticos, aqueles que a pessoa desenvolve um sintoma da doença. Ambas as vacinas continuam com uma efetividade bem alta contra casos graves. 

    Sim, são boas notícias, mas…

    Apesar dessas boas notícias das vacinas continuarem nos protegendo, nem tudo é um mar de rosas. Esses valores que dissemos são referentes a efetividade de AMBAS as doses de vacinas em uma pessoa. Os pesquisadores viram que em pessoas que só tomaram a primeira dose (seja de Pfizer ou AstraZeneca) a eficiência das vacinas era muitíssimo baixa. Em outras palavras: somente a primeira dose NÃO PROTEGE uma pessoa. Esse indivíduo NÃO TÊM uma chance menor de contrair a forma leve da Covid-19 e assim, pode morrer, além é claro de poder transmitir para outras pessoas. 

    Essa redução da efetividade das vacinas indicou aos cientistas que mesmo com a variante Delta não escapando totalmente da proteção garantida pelos anticorpos após a vacinação, é bem preocupante esse cenário em que surgem novas variantes que conseguem escapar, por exemplo, de uma imunidade “natural”, como foi visto no caso das pessoas que tiveram Covid-19 naturalmente com a variante Beta e Gama, e que produzem anticorpos pouco eficiente contra a variante Delta.

    Em suma…

    Sabemos que a variante Delta é muito mais transmissível, escapa da imunidade natural causada por outras variantes, e reduz a eficácia das vacinas (mesmo que essas ainda nos protejam). 

    Sabemos também que muitos países com vacinações MUITO mais avançadas do que as nossas reabriram. Isto é, voltaram à “normalidade” e tiveram que fechar os estabelecimentos novamente. Mas porquê? Ora, tudo porque a variante Delta chegou nesses países e NENHUM deles havia atingido ainda uma imunidade coletiva. 

    Vimos o número de casos e internações aumentando nesses países, com a grande maioria das pessoas não vacinadas sendo os infectados da vez. 

    E mesmo assim, com todos esses exemplos do que não funcionou, ouvimos pessoas em nosso país, estado e/ou cidade falando sobre a retomada à normalidade e abertura dos estabelecimentos. Isso com somente 20% da população inteiramente vacinada (isto é, com duas doses). Dessa forma, a mensagem final que queremos passar é: continuem se cuidando. Tomem as vacinas (ambas as doses!!!) se na sua cidade já é possível. E principalmente, continuem usando máscaras e evitando aglomerações. Pois no caminho que estamos, o futuro que nos aguarda não é nada bom. 

    Para Saber Mais

    Reportagens

    Europa aprova plano de abertura de fronteiras para vacinados, mas lista de países habilitados só será definida depois

    O que acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?

    Países com vacinação acelerada veem aumento de casos de Covid e queda de mortes.

    Se reabertura em SP virar vale-tudo, pode haver repique de Covid, dizem especialistas

    Entenda a alta de casos de Covid-19 em países com vacinação avançada.

    Israel restringe viagens e indica novo lockdown para conter casos de  covid-19. Covid: os primeiros resultados da reabertura em seis países.

    Artigos

    Liu, C, Ginn, HM, Dejnirattisai, W, Supasa, P, Wang, B, Tuekprakhon, A, … & Screaton, GR (2021) Reduced neutralization of SARS-CoV-2 B. 1.617 by vaccine and convalescent serum Cell

    Planas, D, Veyer, D, Baidaliuk, A, Staropoli, I, Guivel-Benhassine, F, Rajah, M M, … & Schwartz, O (2021) Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization Nature, 1-7. 

    Lopez Bernal, J, Andrews, N, Gower, C, Gallagher, E, Simmons, R, Thelwall, S, … & Ramsay, M (2021) Effectiveness of Covid-19 vaccines against the B. 1.617. 2 (delta) variant New England Journal of Medicine.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • O TikTok e a educação pró-vacinas

    Foi-se o tempo em que fazer “dancinha” no TikTok (1) era exclusividade da Geração Z. Para além do entretenimento, o aplicativo tem sido usado por sites noticiosos, pela divulgação científica, por políticos e até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

    Figura 1: OMS entra no TikTok para oferecer conselhos confiáveis e oportunos sobre saúde pública. Fonte: Captura de tela do perfil no TikTok da Organização Mundial de Saúde (OMS, “World Health Organization” em inglês). 29 jul. 2021

    Popular entre os jovens, ele pode ser mais uma ferramenta para levar informações confiáveis sobre vacinas, em especial sobre as da Covid-19, diminuindo assim a hesitação vacinal de parte da população, fator que põe em risco a imunidade de grupo, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também entrou na plataforma desde 2020 para combater a desinformação. Mas, como tem sido essa comunicação até hoje?

    A comunicação em saúde e o TikTok

    Não é nova a adoção das mídias sociais na comunicação em saúde. Isto foi demonstrado por um estudo (2) desenvolvido por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA). Ele aborda essa utilização por organizações de saúde pública e profissionais de saúde. Assim, esse estudo tem como finalidade disseminar informação em massa para a promoção da saúde. Além disso, tinha como objetivo a construção de relacionamento médico-paciente, vigilância da saúde pública e melhoria de qualidade.

    Em 2020, pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia (China) e da Universidade de Brunel (Inglaterra) realizaram uma pesquisa (3) em que analisaram o conteúdo de 962 microvídeos enviados por 31 perfis de TikTok administrados pelos Comitês Provinciais de Saúde (PHC, na sigla em inglês para Provincial Health Committees) chineses durante o mês de agosto de 2019.

    Assim, nesta pesquisa verificou-se 100 microvídeos mais curtidos entre todos os PHCs. Dentre os temas mais produzidos, 38% foram sobre os profissionais de saúde. Posteriormente seguidos de conhecimento sobre doenças, alimentação diária e reforma sanitária (para os quais não foram colocados percentuais exatos). Dessa maneira, o estudo concluiu (entre outras coisas) que esses usuários do TikTok se engajam mais quando os microvídeos estão correlacionados ao seu entendimento de difíceis termos médicos ou jargões.

    A Comunicação sobre a COVID-19 no TikTok

    Figura 2: Continue lavando essas mãos: captura de tela de postagem com foco em precaução pessoal contra a Covid-19. 
    Fonte: Perfil no TikTok da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha (IFRC na sigla em inglês). 04 mai. 2020

    Todos concordam que uma comunicação eficaz em saúde pública é fundamental. Mas será que a rápida expansão do TikTok foi aproveitada pelos agentes de saúde pública para informar e educar as pessoas sobre a Covid-19? 

    Dessa maneira, foi o que buscaram compreender os pesquisadores das universidades americanas de New Jersey e do Arkansas (4) ao analisar 331 vídeos com alguma hashtag relacionada à Covid-19 postados por perfis oficiais de oito agências de saúde pública (como o da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha) e pelas Nações Unidas (como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) até maio de 2020. Eles identificaram sete categorias de temas de vídeo: 

    1. vídeos com foco em precauções pessoais; 
    2. vídeos de incentivo;
    3. conhecimento da doença; 
    4. antiestigma / antirrumor;
    5. gestão de crise social;
    6. reconhecimento e;
    7. relatório de trabalho

    Os vídeos com foco nas precauções pessoais tenham sido os mais prevalentes. Todavia, o estudo não encontrou diferenças substanciais nas visualizações. Tampouco nas curtidas, comentários e compartilhamentos de vídeos nos sete temas elencados, sendo mais populares aqueles que apresentam dança, devido às características da plataforma. Assim, uma das conclusões é que, apesar do potencial de envolver e informar que tem essa mídia social, as agências e organismos de saúde pública ainda estão num estágio bastante inicial de criação e entrega de conteúdo. 

    Para falar com os jovens

    Um levantamento foi realizado entre janeiro e fevereiro de 2021 pelo think tank estadunidense Pew Research Center (5). Neste estudo, apresentou-se que 48% dos usuários norte-americanos do TikTok têm entre 18 e 29 anos e que 22%, têm entre 30 e 49 anos. Embora as evidências anteriores tenham sugerido que a doença poderia ser menos grave entre os jovens (6), essas faixas etárias são importantes na comunicação de saúde da Covid-19. Isto porque estudos recentes indicam que ela pode se prolongar mesmo entre adultos jovens sem condições médicas crônicas subjacentes (7). Além disso, um em cada três jovens pode apresentar sintomas graves (8). 

    Assim, por ser tão popular entre os jovens, o TikTok pode ter uma utilidade imensa na comunicação de saúde e consequente educação desse público. Conforme se observa em recentes reportagens informando que os jovens estão usando o TikTok para aliviar seus medos do coronavírus. Assim, a empresa, atenta à questão, criou um centro de informações para oferecer aos seus usuários conteúdo confiável sobre a doença. Além disso, no Brasil, firmou parcerias com instituições de pesquisa em saúde, como é o caso da realizada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em maio de 2021.

    Health Literacy

    Os pesquisadores de Huazhong e Brunel (3) informam que o Conselho de Estado da China mantém desde 2016 um Comitê de Promoção da China Saudável. Este conselho realiza um trabalho sob a perspectiva holística da mídia na educação e comunicação em saúde pública. Dessa forma, possui o objetivo de levar à sua população a alfabetização em saúde (ou health literacy, no termo em inglês). Assim, esse movimento demonstra que a comunicação e a educação em saúde por meio de mídias integradas é uma preocupação nacional, naquele país.

    Figura 3: Conhecimento e bom humor. Fonte: capturas de tela de vídeos dos perfis do virologista Rômulo Neris (@oromulismo), à esquerda (19 jan. 2021), e do ator Emerson Espíndola (@mister.emerson), à direita (27 jul. 2021).

    No Brasil, há iniciativas pontuais, como o excelente trabalho realizado pelo ator Emerson Espíndola, que após o início da pandemia criou um perfil no TikTok com o codinome Mister Emerson e tem produzido microvídeos muito interessantes sobre as vacinas contra a Covid-19, além de outros temas relacionados à saúde. Há também cientistas, como o virologista e biofísico  Rômulo Neris (9) que também divulga informações sobre as vacinas contra a Covid-19, além de conteúdo relacionado ao Coronavírus, visto que pesquisa o assunto. Além disso, em nível governamental, podemos destacar para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, em cujo perfil institucional são postadas informações educativas para o público em geral.

    Finalizando

    Em um governo que trocou o ministro da saúde 4 vezes em plena pandemia da Covid-19, como no âmbito federal, tivemos campanha oficial contra o isolamento social e contra a obrigatoriedade das vacinas. Dessa forma, chega a ser devaneio supor que se faça uso de formas inovadoras de comunicação em saúde pública. Nessa seara, o país está à mercê de uma maioria de criadores comuns de conteúdo. Ainda que bem intencionados, por não terem formação para tal, eventualmente, podem cometer equívocos e desinformar. 

    Portanto, Health Literacy por meio do Tiktok já é uma realidade em canais oficiais de países e agências de saúde em diversas partes do mundo. Embora ainda esteja em um estágio inicial. Em suma, Brasil, dependente dos esforços dos divulgadores de ciência (profissionais ou não), infortunadamente, segue sem um direcionamento coordenado, o que pode estar custando centenas de milhares de vidas.

    P.S. [nota do editorial]: Em breve um texto específico sobre o Todos Pelas Vacinas e ações de divulgação no TikTok também!

    Update em 18/08/2021 – Entrevista a CBN 

    Saiba mais:

    (1) Desenvolvido na China, o TikTok é uma plataforma de mídia social que permite aos seus usuários a criação de vídeos curtos (microvídeos) de 15 a 60 segundos (noticiário recente informa esse tempo aumentou para até 03 minutos), possui funções de edição, permite a inserção de músicas, efeitos especiais e o compartilhamento com a comunidade. Assim, dados de 2019, mostram que o aplicativo já tinha, à época, mais de 500 milhões de usuários ativos e um bilhão de downloads no mundo.

    (2) HELDMAN, AB, SCHINDELAR, J & WEAVER, JB (2013) Social Media Engagement and Public Health Communication: Implications for Public Health Organizations Being Truly “Social” Public Health Reviews, Vol 35, Nº 1.

    (3) ZHU, Chengyan et al (2020) How health communication via Tik Tok makes a difference: a content analysis of Tik Tok accounts run by Chinese Provincial Health Committees International journal of environmental research and public health, v. 17, n1, p 192.

    .

    (4) LI, Yachao; GUAN, Mengfei; HAMMOND, Paige; BERREY, Lane E (2021) Communicating COVID-19 information on TikTok: a content analysis of TikTok videos from official accounts featured in the COVID-19 information hub Health Education Research, 261-271. 

    (5) AUXIER, Brooke;  ANDERSON, Mônica (2021) Social Media Use in 2021 Pew Research Center, Washington (EUA) 7/Abr/2021 

    (6) CASTAGNOLI, Riccardo et al (2020) Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review JAMA pediatrics, v174, n 9, p 882-889.

    (7) TENFORDE, Mark W. et al (2020) Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multistate health care systems network, Morbidity and Mortality Weekly Report, v 69, n 30, p 993.

    (8) ADAMS, Sally H et al (2020) Medical vulnerability of young adults to severe COVID-19 illness—data from the national health interview survey Journal of Adolescent Health, v 67, n 3, p 362-368.

    (9) Néris em 2020 era doutorando em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um dos sete pesquisadores brasileiros selecionados para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences para estudar a genética do vírus e suas mutações, além de alterações observadas no indivíduo durante a infecção, como metabólicas e pulmonares. (Mariana Alvim, da BBC News Brasil. 08 jun. 2020).

    Este texto foi escrito originalmente para o Mindflow

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacinação e Pandemia de Covid-19: desencontros narrativos

    Texto escrito por Marina Fontolan e Dayane Machado

    No texto anterior, falamos sobre a história da vacinação e a criação do Zé Gotinha, hoje nós vamos falar sobre a vacinação no Brasil no cenário da pandemia de COVID-19 especificamente.

    Como a vacinação no país, embora avançando, ainda está mais lenta do que gostaríamos e ainda não possuímos doses suficientes para toda a população, fizemos um recorte histórico.

    Assim, no texto de hoje, começaremos abordando o anúncio dos testes da Coronavac em território nacional e até o final do ano de 2020. Ainda que seja um recorte histórico muito breve, ele deixa claro como o governo federal reagiu à vacina e como foi mudando seu discurso ao longo do tempo, estratégia essa que continua sendo empregada ainda hoje.

    Vacinação no Brasil

    No Brasil, a vacinação para a Covid-19 já possui um histórico ”longo”. Ele começa em 2020, quando o governador do estado de São Paulo, João Dória, anunciou em meados de junho que o instituto Butantan produziria a vacina. Um mês depois, afirmou que a vacina poderia estar disponível à população em Janeiro de 2021. Um discurso problemático que já estava sendo adotado por outros países: Estados Unidos e Rússia, por exemplo, já estavam anunciando o lançamento de possíveis vacinas para agosto daquele ano.

    No entanto, o final de Agosto de 2020 marcou o início de uma grande discussão acerca da vacinação de Covid-19 no país. O Ministério da Saúde tentava negociar a compra de vacinas da Oxford (hoje conhecidas como AstraZeneca).

    Alguns poréns

    Enquanto isso, o presidente da república, Jair Bolsonaro, dizia a apoiadores que “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Ao mesmo tempo, João Dória começou a defender a vacinação obrigatória. A partir deste momento, tivemos um embate de narrativas, que politizou o debate em torno da vacinação e de possíveis tratamentos para a Covid-19.

    Em Outubro de 2020, Dória declarou que a vacinação seria obrigatória no estado de São Paulo, sendo rebatido por Bolsonaro no mesmo dia. Este afirmou que o governo federal não obrigaria a vacinação, mesmo tendo assinado uma lei que permitia aos estados tornar a vacinação compulsória.

    Ainda no mês de Outubro, o Ministério da Saúde anunciou a compra da vacina chinesa da Sinovac, a Coronavac, por meio de um acordo com o governo do estado de São Paulo. O presidente reagiu no dia seguinte, falando em traição do Ministério da Saúde e disse que seu governo não compraria a “vacina chinesa”. Esta fala foi contrariada pelo então vice-presidente da república, o general Hamilton Mourão, que afirmou que o governo federal compraria a vacina chinesa sim. Fala esta que veio acompanhada da estimativa do presidente da Anvisa de que o Brasil teria vacinas disponíveis no 1º semestre de 2021, momento em que o país já tinha mais de 150 mil mortes pela Covid-19.

    Protestos e intenções de se vacinar: as contradições brasileiras

    As falas do presidente da república em relação à vacina geraram reação da população brasileira, sobretudo aquela que apóia o presidente. Um grupo a favor dele chegou a realizar um protesto na Avenida Paulista no início de novembro de 2020, criticando Doria e a obrigatoriedade da vacina de Covid-19 em SP.

    Nessa época, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 72% da população tomaria a vacina da Covid-19, 57% aceitariam o imunizante de origem chinesa e 58% aceitavam a obrigatoriedade. Em outras palavras, as falas do presidente já estavam possivelmente contribuindo para a confusão da população em relação às vacinas e em relação às políticas públicas em torno da vacinação. Por exemplo, a obrigatoriedade que o presidente dava a entender que seria implementada, era aquela da Revolta da Vacina, algo muito distante da realidade.

    Da suspensão temporária de testes às mudanças de narrativas

        Ao constatar a morte de um participante dos testes da Coronavac no estado de São Paulo em meados de novembro de 2020, a Anvisa pediu a suspensão dos testes. Isto acontece para que as circunstâncias da morte fossem melhor analisadas, e os testes foram retomados dois dias depois. A notícia fez com que Bolsonaro comemorasse “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

    Esse ponto marcou uma certa mudança de discurso vindo do governo federal em relação às vacinas. Isto é, Dória anunciou que a vacina poderia ser aplicada no Brasil sem a autorização da Anvisa, a Anvisa rebateu a fala. Além disso, Bolsonaro afirmou que o Brasil iria fornecer a vacina, desde que a Anvisa a aprovasse. Este mês terminou com o Ministério da Saúde descartando a possibilidade de acesso à vacina para toda a população em 2021 e com a Anvisa fazendo inspeções na China relacionadas à produção da Coronavac. 

    Já o mês de Dezembro de 2020 iniciou com o Ministério da Saúde afirmando que a vacina da PFizer não atendia ao perfil desejado pelo Brasil e a Anvisa definindo requisitos para uso emergencial de vacinas. Além disso, o então presidente da câmara, Rodrigo Maia, tentou definir um plano de vacinação e uma discussão acerca de quanto tempo a Anvisa teria para avaliar os pedidos de uso emergencial das vacinas.

    Termo de responsabilidade e movimento antivacina

    Em meados de dezembro, Bolsonaro pediu a divulgação de dados sobre periculosidade das vacinas contra Covid-19. Neste momento, ele afirmava que exigiria das pessoas que tomassem vacina a assinatura de um termo de responsabilidade e, também, afirmou que ele próprio não tomaria.

    Neste discurso, Bolsonaro juntou algumas táticas usadas pelos movimentos antivacina. Quais? Ora, o questionamento gratuito dos processos de desenvolvimento das vacinas. Como a suposição de que elas não são seguras, independente do volume de evidências indicando o contrário. Além disso, também apontou a suposta relação de  liberdade de escolha. Para tanto, ele (e todos adeptos a este discurso) ignoram o fato de que as vacinas são uma política de saúde pública coletiva e que a perspectiva individualizada não faz o menor sentido nessa discussão.

    O Superior Tribunal Federal reagiu a esta fala, autorizando medidas restritivas às pessoas que não tomassem vacina e rejeitando o recurso que desobrigava os pais a vacinarem os filhos. Bolsonaro respondeu, dizendo que não haveria vacina para todos. Outra fala é que não havia razão para ter pressa pra comprar vacinas (discurso que mudou no dia 28/12). Por fim, que não ligava para o fato do Brasil estar atrasado na vacinação e nas negociações de compras de vacinas e que era responsabilidade dos laboratórios negociar as doses com o Brasil. Fundamental lembrar que tal fato chegou a ser feito pela Pfizer insistentemente, mas ela continuou sendo ignorada).

    Análise de dados: qual o resultado disso?

        Há uma clara confusão gerada acerca das vacinas, direcionando a circulação de desinformação à população. Quais?

    Por exemplo, a falta de uma campanha em defesa da vacinação por parte do governo federal (uma marco negativo na história da vacinação no Brasil, considerando a trajetória do PNI). Além disso, temos as suspeitas sobre as vacinas, desde a segurança até a eficácia, levantadas constantemente pelo presidente. Por fim, podemos citar também as informações desencontradas divulgadas por diferentes instituições (imprensa, instituições de pesquisa e diferentes setores do governo).

    Reforçamos estes exemplos com a popularidade de boatos de que as vacinas não seriam seguras, de que poderiam causar doenças e de que não protegeriam contra a Covid-19. Em entrevista ao Jornal Valor Econômico, Aurélio Tenharim, um líder indígena no Amazonas, afirmou o seguinte: “Muitos parentes não querem tomar a vacina (…) Os parentes dizem: ‘Se o presidente diz que não vai tomar a vacina porque diz que não precisa, porque eu vou tomar?”. Parentes se referem às pessoas que se identificam como indígenas – independente da etnia. 

    Mas isto não se deu de forma isolada

    Os discursos nada consistentes vindos do governo federal, sobretudo a partir da figura do presidente da república, não alimentaram a hesitação vacinal só entre os povos tradicionais no Brasil. Como visto, a pesquisa do Datafolha do ano passado já indicava a possibilidade de hesitação e, de acordo com os pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, a falta de vacinas também contribuiu para a população hesitar em se vacinar. Essa hesitação vacinal está chegando a ponto de sobrarem vacinas em algumas unidades básicas de saúde e de pessoas morrerem de Covid-19 por não terem tomado a vacina, como este caso reportado pelo Youtuber Felipe Neto.

        Essa hesitação vacinal se torna um problema cada vez maior no país. Afinal, a falta de vacinas de um lado e a hesitação de outro, fazem com que a pandemia não consiga ser controlada. Isso resulta no país permitindo que mais pessoas morram e levando mais tempo para conseguir retomar suas atividades econômicas – alerta dado inclusive pela OCDE

    Como lidar com essa situação?

        Quando estamos diante de uma pessoa espalhando desinformação, sendo essa relacionada à vacinas ou não, podemos seguir alguns passos. Primeiro: identificar o público: quem é essa pessoa? De onde ela tirou esta desinformação? A maior parte das pessoas acaba espalhando desinformação sem saber que se trata de desinformação. É importante lembrar que todos estão suscetíveis a desinformação e podem cair nelas.

    O segundo passo é conversar com a pessoa no privado e evitar ataques, sem fazer um estardalhaço em grupo, pois isso pode travar o diálogo.

    O terceiro passo é ouvir a pessoa de verdade e fazer muitas perguntas: de onde ela recebeu aquele dado? Quem enviou? Por que isso faz sentido pra ela?, faça isso reconhecendo os sentimentos das pessoas. Lembrem-se: estamos numa pandemia e é normal as pessoas sentirem medo. Isso faz com que as pessoas acreditem nas maiores bobagens sem pensar.

    O quarto passo é encontrar pontos em comum entre o que a pessoa fala e o dado que você tem, mas cuidado! Evite usar jargões e inundar a pessoa com dados e muitas informações, isso tende a fazê-la se fechar e passar a te ignorar. Por fim, repita os fatos sempre que possível

        Você percebeu que a pessoa está com muito contato com redes de desinformação? Além dos passos que já dissemos, é legal você mostrar para ela redes sérias de divulgação científica. Abaixo indicamos alguns destes locais:

    InfoVid – Twitter; Instagram e Facebook

    Especial COVID-19 

    Todos Pelas Vacinas

    Observatório COVID-19

    Rede Análise COVID-19

    Agência Lupa

    Organização Mundial da Saúde

    Associação Brasileira de Saúde Coletiva

    Central of Disease Control and Prevention

    Para Saber Mais

    Eve Dubé, Maryline Vivion & Noni E MacDonald (2015) Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications, Expert Review of Vaccines, 14:1, 99-117.


    Lazarus, J.V., Ratzan, S.C., Palayew, A. et al. A global survey of potential acceptance of a COVID-19 vaccine. Nat Med 27, 225–228 (2021).

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Cobertura vacinal, retomadas, indivíduos e população

    Texto de Carol Frandsen , Maurílio Bonora Junior e Ana Arnt  

    Temos visto muito debate acerca do avanço da vacinação contra COVID-19, no Brasil e no mundo. O que parece ser, evidentemente, uma ótima notícia! Porém, junto com a esperança renovada de que venceremos esta pandemia que já nos assola há 17 meses, também percebemos que as aberturas de comércio, serviços e espaços públicos (abertos e fechados) se tornam cada vez mais frequentes. Não só aqui, mas em todo o mundo .

    Sim, sabemos que as medidas de isolamento social estão sendo cada vez menos seguidas e estimuladas. Também já cansamos de dizer que as políticas públicas brasileiras nunca possibilitaram um real isolamento e proteção das pessoas no enfrentamento da COVID-19.

    PNI e estratégias de controle de doenças

    O Programa Nacional de Imunizações (PNI) completará 50 anos em 2023. Ao longo de sua história, se consagrou como uma das grandes conquistas no controle de doenças infecciosas em nosso país. Para alcançar este patamar, aliou diferentes ferramentas: vacinações de rotina, dias nacionais de vacinação, campanhas periódicas e vigilância epidemiológica. Isto, claro, levando-se em conta o PNI inteiro – não apenas relacionada à COVID-19.

    desenho de @clorofreela

    Mas o ponto aqui é: a vacinação nunca está sozinha. A ela se aliam outros elementos. Primeiramente, vamos falar aqui de dias nacionais, campanhas periódicas e vigilância epidemiológica. A vacinação da COVID-19 alia estes elementos (ou deveria aliar). Temos datas específicas para vacinar cada parcela da população. Seja por faixa etária, seja por profissão, seja por condição de saúde, dividimos a população em grupos, lançamos datas específicas e divulgamos para que a informação atinja a todos (a princípio). 

    Das campanhas

    A campanha é mais do que a organização das datas e da distribuição de vacinas e profissionais. A campanha é, literalmente, todo o marketing publicitário e informativo, junto da vacinação das pessoas. Neste sentido, a campanha envolve logística, público alvo, mídias pagas (televisão, rádio, redes sociais…) para que a maior quantidade de pessoas possível tenha compreensão de quando vão ocorrer os procedimentos da vacinação para cada grupo que precisa se vacinar.

    A vigilância epidemiológica é outro procedimento. Este diz respeito ao rastreamento de casos confirmados da doença e tentativa de bloqueio, isolamento de pessoas contaminadas e diminuição da circulação do vírus. É uma estratégia complementar e fundamental para o enfrentamento de doenças. Todos nós sabemos e já discutimos há meses como não temos feito vigilância epidemiológica eficientemente sobre a Covid-19 em nosso país. 

    Porém é relevante apontar que nunca é tarde para começar e é emergencial que se faça isto inclusive com a vacinação avançando em nosso país!

    E o que isto tem a ver com o tema de hoje?

    Por exemplo, no dia de hoje (para quem nos lê do futuro, dia 28 de julho de 2021), o Estado de São Paulo anuncia a ampliação do funcionamento de atividades econômicas, aumento da capacidade de atendimento presencial nos comércios e serviços não essenciais (isto inclui os espaços religiosos), e sinaliza interesse no retorno às aulas.

    No entanto, consideramos importante apontar para este aligeiramento das propostas de abertura que temos visto… Elas têm levado em conta tanto melhoras nos índices de saúde (quedas consecutivas nos números de internações e óbitos), mas principalmente vacinação.

    Mas será que isto é a cobertura vacinal que temos preconizado cientificamente?

    Primeiro: “cobertura vacinal” é o termo que usamos para designar a proporção de pessoas que estão com o regime completo para uma vacina específica ou para um conjunto de vacinas, em uma dada população.

    Assim, não é apenas a quantidade de pessoas vacinadas que importa, mas a quantidade em relação à população de um território. As porcentagens e comparações são feitas em relação ao todo e não em números absolutos. E neste momento, a cobertura vacinal se torna, portanto, uma questão fundamental e tão comentada.

    Existe um senso comum que diz que “tomar uma vacina me protege”, e que portanto é uma questão de opção individual para que uma doença não me afete, individualmente. No entanto, não é desta forma que se analisa a questão das vacinas. Quando se trata de uma doença transmissível, combatida por uma medida como a vacinação, estamos falando de um planejamento que precisa atingir as populações em massa.

    Cobertura vacinal, indivíduo e população

    Quando falamos em vacinação de uma massa de pessoas e da relevância da cobertura vacinal, estamos também considerando uma quantidade de pessoas que não estará protegida por não se vacinar (seja lá por que motivo for – por ter alguma alergia, uma doença que a impeça de vacinar, não termos vacinas para aquela faixa etária, ou mesmo por ser antivacinação, …), mas estará protegida por ter muitas pessoas vacinadas ao seu redor. É bem aquele bordão dos três mosqueteiros: “Um por todos.. e todos por um!”

    A cobertura vacinal cria, neste sentido, uma verdadeira barreira para a circulação do vírus entre as pessoas. Quanto mais pessoas estão vacinadas, é mais difícil para o vírus conseguir infectar uma pessoa que não se vacinou (por exemplo, por ser alérgica a algum componente da vacina). Assim, a probabilidade dessa pessoa se infectar e desenvolver uma doença é menor, por (quase) todas as pessoas ao redor dela estarem vacinadas e protegendo-a.

    Cenários imaginários (porém nem tanto)

    Perceba os três cenários acima. Cada pessoa (ou bonequinho) representa 1 pessoa em uma população de 100 (1% portanto). As pessoas em vermelho não estão vacinadas com as duas doses (ou dose única). Isto é: não estão com o esquema vacinal completo e, portanto, não estão plenamente protegidas contra o coronavírus.

    No primeiro cenário nós temos 20 pessoas vacinadas em 100. No segundo, 60 pessoas vacinadas em 100. Por fim, no último cenário temos 75 pessoas vacinadas em 100. Vocês conseguem perceber como as pessoas vacinadas fazem, no último cenário, uma barreira para aquelas não vacinadas?

    Pois é. No Brasil, se todos os adultos se vacinarem contra a COVID-19 teremos um cenário próximo ao último cenário. No atual momento, estamos em uma situação comparável ao do primeiro cenário, pois temos 18,5% da população total (39,1 milhões de pessoas) com o esquema vacinal completo. 

    O Brasil e sua cobertura vacinal

    Hoje, no Brasil, nós temos uma população estimada de 212 milhões de pessoas e uma população adulta (18 anos ou mais) correspondente a cerca de 160 milhões.

    Para termos uma cobertura vacinal razoável da população brasileira deveríamos ter 100% da população prevista no PNI para a COVID-19 vacinada. Isto é: quando TODOS os brasileiros adultos se vacinarem, teremos um total de 75% da população brasileira completamente vacinada, 159 em 212 milhões.

    Pode soar repetitivo, mas veja: hoje temos 39 milhões com o esquema completo.

    Extinguir a pandemia com 75% de cobertura vacinal de toda a população seria possível, em teoria¹. Até lá, as medidas de contenção do coronavírus, como distanciamento e uso de máscaras, diminuir ao máximo a permanência em espaços fechados não ventilados não podem ser abandonadas! Estarmos acelerando a vacinação é uma notícia maravilhosa, mas hoje ainda não é o momento de relaxar as outras frentes de combate à pandemia. Na verdade, era a hora de mantê-las, e assim garantir que teremos a chance de salvar mais e mais vidas enquanto a cobertura vacinal vai se ampliando.

    Esta estimativa, aliada a medidas não farmacológicas contribuiriam significativamente para diminuirmos (talvez controlarmos) a COVID-19. Todavia, bom lembrar, estas medidas incluiriam uma vigilância epidemiológica eficiente, o que não vem ocorrendo desde o início da pandemia. 

    Mas estamos tão mal assim?

    Não é isso que estamos dizendo. Porém, é um pouco também. Nós temos aumentado significativamente a quantidade de pessoas vacinadas. Há muitas pessoas com uma dose de vacina aplicada, aguardando a segunda dose. Entretanto, como temos dito, não é suficiente para segurarmos a circulação do vírus SARS-CoV-2!

    Gráfico das médias móveis de vacinação no país: desde junho, vacinamos mais de um milhão de pessoas todos os dias! E a velocidade só aumenta.

    A pergunta que talvez tenhamos que nos fazer é:
    – Será que já atingimos uma boa cobertura vacinal para a COVID-19?
    A resposta é bem fácil e curta:
    – NÃO.
    E qual o motivo de escrevermos este texto neste momento?

    Para além de preocupações casuais, nós temos noção de que, por vezes, parecemos negativos em relação à pandemia. Isso inclui bater na tecla de que os modos de vida vivenciados nos últimos 500 dias, incluindo a adoção de políticas públicas, “nem sempre” fazem sentido (para combater a COVID-19).

    No entanto, há dois fatores que nos fazem produzir este post:

    1. A variante Delta e tudo o que ela vem “revolucionando” de comportamentos em países com a COVID-19 controlada (voltaremos a este tema em breve, por enquanto vamos só indicar os fios da Mellanie no fim do texto);
    2. Os anúncios de abertura de tudo, marcada para daqui 20 dias, no estado de São Paulo (onde o Blogs Unicamp acompanha de forma mais intensa, em função de ser nossa residência…).

    Sob qual justificativa abriremos tudo?

    É que parece que tudo vai bem aqui em São Paulo com a vacinação da COVID-19…

    Vimos estes anúncios do Governador de São Paulo, apontando a antecipação do término da Vacinação da 1ª dose contra COVID-19 e uma suposta “retomada segura” no Estado.

    Cabe lembrar que, sim, os casos notificados e os óbitos têm registro de queda no Estado de São Paulo. Mas é uma queda estilo usando paraquedas e pensando se vai parar no meio do caminho para tentar subir novamente… Isto quer dizer que estamos, sim, diminuindo casos diários, mas temos redução dessa diminuição nas últimas semanas. É preciso acompanhar estes dados e, mais do que isto, lembrar que temos a variante Delta está chegando e precisamos permanecer atentos e com muito cuidado e manutenção de medidas não farmacológicas.

    O Governador indica que a partir do dia 17 de agosto a população já estará vacinada. Mas será que é desta forma mesmo?

    Retrato da cobertura vacinal no Estado de São Paulo dia 28 de julho:

    No dia 28 de Julho, nós temos 23,2% da população com mais de 18 anos vacinada completamente (regime de duas doses ou dose única). Nós temos neste momento 58% da população com mais de 18 anos com ou nenhuma ou uma dose apenas.

    Parece redundante…

    É redundante e não nos importamos, inclusive, em insistir na redundância: não dá para falar em “população vacinada” quando estamos falando de uma parcela da população. Ou seja, uma parte da população que é inferior à proporção que seria aconselhável para as pessoas começarem a circular de forma segura.

    Além disso, falar em “população vacinada” um dia depois de terminado o cronograma de vacinação seria supor que ao tomar a primeira dose estamos imediatamente protegidos. E não é verdade. Temos um tempo necessário para produzir a proteção em nosso organismo – cerca de 15 dias após a SEGUNDA dose (ou 30 dias em casos de dose única).

    Se formos levar em conta que a data indicada pelo governo de São Paulo apenas considera a primeira dose: não faz sentido apontar que a população está protegida.

    Parece redundante, é redundante e não nos importamos em insistir na redundância…

    Não há proteção contra a COVID-19 que se faça por mágica em uma seringa. Nosso corpo precisa de um tempo para se proteger individualmente. Nossa população precisa de cobertura vacinal para se proteger em massa.

    E cobertura vacinal é regime completo no braço, com tempo para o corpo desenvolver a proteção contra o vírus.

    Não há protocolo diferente deste em local algum do mundo: não haverá nada que barre um vírus por decreto de governantes dizendo que estamos em retomada segura. Os casos no mundo inteiro estão subindo e “vida normal” não pode ser retomada com mais e mais mortes do que já tivemos até agora.

    Então é o fim da esperança?

    Longe de nós apostar em algo tão dramático assim. Mas seguimos apontando a linha de análises que PRECISAM de políticas públicas que levem em conta o que a ciência vem debatendo como protocolo, cobertura vacinal e vigilância epidemiológica desde os primórdios de tudo isto.

    Precisamos manter a esperança, sim. Mas isso significa que precisamos colocar em prática comportamentos e cobranças políticas reais e efetivas para voltarmos a um ritmo de vida saudável – e isto deveria ser o alvo da normalidade.

    Por fim, para não deixar dúvidas, usamos os números e casos de São Paulo como exemplos. Não é o único estado que tem ações nesta direção.

    Agradecimento especial deste post para Isaac Schrarstzhaupt que ajudou com os gráficos.

    Para Saber Mais:

    ¹ Bartsch, Sarah M et al (2020) “Vaccine Efficacy Needed for a COVID-19 Coronavirus Vaccine to Prevent or Stop an Epidemic as the Sole Intervention” American journal of preventive medicine vol 59,4 (2020): 493-503.

    Brasil, Ministério da Saúde (2003) Programa Nacional de Imunizações, 30 anos

    de Moraes, José Cássio, de Almeida Ribeiro, Manoel Carlos Sampaio, Simões, Oziris, de Castro, Paulo Carrara, & Barata, Rita Barradas (2003) Qual é a cobertura vacinal real?. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 12(3), 147-153. 

    São Paulo (2021) SP amplia funcionamento de atividades econômicas até 0h a partir de domingo | Governo do Estado de São Paulo (saopaulo.sp.gov.br)

    Vaccine registration to open for those aged 16 and 17 (rte.ie)

    Textos de Divulgação

    Fios de Mellanie Fontes-Dutra

    Nosso normal: variantes, festas e aumentos de casos

    Vacinas: uma ação de Saúde Pública

    Estratégias de vacinação: o que se leva em conta?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Do movimento antivacina ao Zé Gotinha

    Texto escrito por Marina Fontolan e Dayane Machado

    A Volta do Movimento Antivacina

    O texto de hoje pretende apresentar a atual configuração do movimento antivacina no Brasil. É importante destacar, antes mesmo de aprofundar a discussão, que a hesitação vacinal, sobretudo na atual pandemia de Covid-19, está também ligada à atitude do governo federal. Este insistiu por muito tempo em ineficazes práticas de combate à pandemia e acabou criando hesitação vacinal em parte da população.

    Além disso, reconhecemos aqui que as ineficazes práticas de combate à pandemia de Covid-19 indicadas pelo governo federal são disfuncionais desde o princípio. Por exemplo, incluindo o uso do kit covid, do isolamento vertical, da imunidade de rebanho. A tudo isto soma-se o compartilhamento de desinformação em relação a vacinas, que abordaremos no próximo texto. Sobre isso, destacamos que existe a constante sugestão, por parte da esfera federal, da falta de segurança ou sua irrelevância para o controle da pandemia.

    Para que o objetivo dessa apresentação seja cumprido, dividimos nosso texto em duas partes. Hoje abordaremos as definições acerca do movimento antivacina e da hesitação vacinal.

    É importante notar, no entanto, que esse fenômeno não pode ser totalmente medido no país. Uma vez que ainda não possuímos acesso à vacina para toda a população. Depois, apresentamos um breve histórico de hesitação de vacinação no país, mostrando que essa hesitação está atrelada à políticas públicas.

    No próximo texto analisaremos o caso da pandemia de Covid-19. Bem como os discursos do governo federal atrasaram a vacinação do país e criaram o atual estado de hesitação.

    Movimento Antivacina e Hesitação

    De acordo com Dayane Machado , há uma diferença fundamental entre pessoas hesitantes às vacinas e as pessoas que podem ser consideradas antivacinação.

    As que são hesitantes em vacinação são aquelas que recusam a tomar apenas algumas vacinas. Com isto adiam o calendário vacinal ou que até obedecem ao calendário, mas que não se sentem totalmente seguras. A hesitação e os níveis de insegurança em relação às vacinas podem variar ao longo do tempo.

    Pessoas que são antivacinas normalmente não se consideram como tal. Assim, vão recusar esse tipo de rótulo e são pessoas que criam e usam boatos para gerar desconfiança nas vacinas.

    Aliás, o movimento antivacinação é tão antigo quanto as próprias vacinas.

    Mas tem ganhado força por causa do crescimento do acesso à internet e às redes sociais. O apelo a diversos discursos que esses grupos fazem tem potencial de alcançar e influenciar pais. Com isso, acabam deixando de vacinar os filhos e passando a fazer parte do movimento antivacina. 

    Na atualidade, essas pessoas se utilizam muito da tática do discurso de liberdade individual para dizerem que elas não são contra as pessoas se vacinarem. Assim, essa é uma maneira de apresentar a rejeição a vacinas como algo mais razoável. Simultaneamente a isto, é uma tentativa de evitar possíveis responsabilizações. Dessa forma,, relacionam a escolha de não se vacinar e não vacinar seus filhos à defesa das liberdades individuais.

    Todavia, quando falamos em movimento antivacina, precisamos ser cuidadosos. Isso acontece por já existirem muitos espectros e posicionamentos relacionados a esse assunto. Isto é, o espectro vai das pessoas que aceitam todas as vacinas com confiança, até as pessoas que rejeitam todas elas. No meio, em um espaço bem grande, há vários posicionamentos que classificamos como hesitação vacinal

    Da Revolta da Vacina ao Zé Gotinha

    O Brasil não possui um movimento antivacina estruturado como nos Estados Unidos. No entanto, há momentos em que a hesitação vacinal se torna mais latente na nossa história. É importante notar que a vacinação no país é obrigatória para as crianças desde 1837 e para adultos desde 1846. Isso mostra que a obrigatoriedade da vacinação no país remonta à época do império no Brasil. Essa prática ganhou força em 1884, quando o Rio de Janeiro – na época a capital do país – começou a ter algum tipo de produção industrial (saiba mais aqui).

    Quando o país se tornou uma república, em 1889, várias mudanças começaram a ocorrer no país. Na época, a cidade do Rio de Janeiro (como outras no país), possuía sérios problemas estruturais, incluindo o saneamento básico. Isso levou o país a ganhar fama mundial de ‘hospital’. Pois, sofria constantemente de pandemias como lepra, sífilis, varíola e febre amarela eram constantes no país. Na época, o presidente da república criou um plano para modernizar a cidade do Rio de Janeiro. Como consequência, várias reformas na cidade expulsaram boa parte da população de suas casas. 

    A revolta não era só pela vacinação em si

    O presidente também indicou o médico sanitarista Oswaldo Cruz para cuidar das pandemias do país e criar um plano de vacinação. Na prática, o médico criou um batalhão no Rio de Janeiro para vacinar a população à força. Nesse ponto, o discurso de liberdade individual vem à tona e tem-se, então, a Revolta da Vacina, que perdurou por quatro dias em novembro de 1904. É importante notar, aqui, que essa revolta está ligada à população não aceitar as atuais políticas impostas à força pelo governo republicano. Assim, a Revolta da Vacina vai além da questão da população não ter acesso à informação sobre as vacinas e estar sendo violentamente obrigada a se vacinar. Essa movimentação antivacina também possui um caráter de resistência às políticas republicanas.

    Zé Gotinha: a personagem que conquista os brasileiros

    A partir dessa revolta, o país continuou tendo campanhas de vacinação, mas estas eram muito esparsas e sem grande adesão. Com a redemocratização do país em 1985, o Brasil criou o Sistema Único de Saúde. Além disso, firmou um acordo com a Unicef para erradicar a poliomielite em até 10 anos. Para isso, contrataram o artista plástico Darlan Manuel Rosa para fazer o logo desta campanha de vacinação. O resultado disso foi mais do que um logo para a campanha, foi a criação de um mascote: o Zé Gotinha. A entrevista com o artista (abaixo) mostra o processo de criação e da relação dos brasileiros com a vacinação na época.

    Como nasceu o Zé Gotinha?

    Essa entrevista mostra que a hesitação vacinal por causa da brutalidade na forma da aplicação das vacinas, que também era alimentada por desinformação em relação ao papel das vacinas e de sua importância. O uso do Zé Gotinha como mascote das campanhas de vacinação permitiu criar uma imagem mais amigável para as campanhas de vacinação, fazendo com que crianças se informassem sobre as vacinas e as datas de aplicação.

    Finalizando

    É a partir deste cenário de campanhas específicas para a população, bem como da implementação das políticas públicas de compra e produção de vacinas que o Brasil se torna, ao longo das décadas seguintes, em um dos países com uma das maiores coberturas vacinais do mundo.

    O Programa Nacional de Imunizações completará, em 2023, 50 anos com um histórico de ser uma política pública de massa e muito eficiente, que esperamos ver retomada como princípio dentro de nosso país.

    Para Saber Mais

    Brasil, Ministério da Saúde (2003) Programa Nacional de Imunizações, 30 anos

    Eve Dubé, Maryline Vivion & Noni E MacDonald (2015) Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications, Expert Review of Vaccines, 14:1, 99-117.

    Lazarus, J.V., Ratzan, S.C., Palayew, A. et al.A global survey of potential acceptance of a COVID-19 vaccine. Nat Med27, 225–228 (2021).

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • As vacinas Astrazeneca e Coronavac nos protegem contra a variante Alfa? [Spoiler: sim]

    Alfa Texto escrito por Mariene Amorim, Maurílio Bonora Junior e José Luiz Proença-Modena

    Cá estamos nós de novo para falar de variantes (especificamente a Alfa) e de mais um estudo que saiu em pré-print recentemente, realizado por pesquisadores aqui da Unicamp. [vamos lançar um spoiler aqui para já ler o post inteiro sem alarmismos, ok?]. Esse estudo analisou a capacidade da variante Alfa (conhecida também por B.1.1.7, do Reino Unido) em se transmitir em ambientes fechados. Todavia, a análise levou em conta, também, o fato de a população estudada ter sido vacinada com a primeira dose de Astrazeneca ou as duas doses de Coronavac. 

    A partir dos resultados, apareceram também algumas evidências que a variante Alfa do SARS-CoV-2 é capaz de infectar e ser transmitida por pessoas imunizadas com a primeira dose da vacina da Astrazeneca e ambas as doses da CoronaVac.

    “Quer dizer que não valeu de nada eu ter tomado a vacina?”

    CALMA! Como diria Chapolin Colorado “Não priemos cânico”! Isso não quer dizer que se você tomou alguma dessas duas você está desprotegido. Vem conosco entender um pouco melhor essa pesquisa.

    Primeiro de tudo, precisamos entender que a infecção e a transmissão por indivíduos vacinados é algo comum já mostrado para muitas das vacinas corriqueiramente usadas em humanos. Além disso, isso não quer dizer que a vacina tenha baixa eficácia ou que não proteja contra o desenvolvimento da doença. De fato, o estudo mostra que a taxa de internação e de manifestações clínicas graves foi bem abaixo do esperado para pessoas dessa faixa de idade infectados com a variante alfa do SARS-CoV-2.

    Ademais, nesse estudo os autores mostraram que a detecção de SARS-CoV-2 e a presença de sintomas não foi correlacionada com os níveis de anticorpos neutralizantes, aqueles capazes de inativar o vírus e fazer com que ele não seja mais capaz de infectar uma nova célula.

    Isto é  muito relevante em tempos em que vemos muitas pessoas fazendo testes posteriormente às vacinas para averiguar se estão com anticorpos neutralizantes ou não! Esta pesquisa reforça cientificamente que este teste não faz sentido!

    Isso provavelmente se dá em consequência da complexidade da resposta imune protetora induzida pelas vacinas. Além disso,  precisamos entender que o nosso sistema imune é um conjunto de ferramentas muito diferentes, específicas e redundantes. Isto é, nós temos vários mecanismos e modos de se combater um patógeno, seja este um vírus, uma bactéria ou um fungo. Um desses mecanismos são os anticorpos, que tanto falamos no último ano. E mesmo os anticorpos não possuem somente a função de neutralização. Ou seja, eles podem agir de várias outras formas. Além disso, como disse, o sistema imune possui vários outros modos de combater ameaças, assim como células especializadas em combater vírus como o SARS-CoV-2 (vocês podem conferir isso aqui e aqui).

    Um segundo ponto que é necessário dizer aqui é: esses baixos níveis de anticorpos neutralizantes para algumas variantes de SARS-CoV-2 em pessoas que receberam algumas vacinas contra COVID-19 não é uma notícia nova. Cada vez mais temos visto publicações que apontam para dados como estes. Aqui no próprio Especial Covid-19 já escrevemos alguns textos falando sobre pesquisas daqui da Unicamp que apontavam para dados assim (aqui e aqui). E notem que usamos a palavra redução e não ausência de eficácia. Dessa forma, isso quer dizer que nós ainda geramos anticorpos e estes ainda são capazes de nos proteger. A diferença é que no caso dessas novas variantes, a quantidade que vemos não é tão alta quanto nos testes. Por quê? Justamente por não haver essas variantes durante a época dos testes, ou elas estarem começando a aparecer na população.

    Tá, mas e o artigo? O que descobriram então?

    Falando da pesquisa em si, os autores estudaram a dinâmica de transmissão de SARS-CoV-2 em duas populações de indivíduos vacinados e avaliaram se os níveis de anticorpos neutralizantes poderiam se correlacionar com a ausência de infecção ou da presença de sintomas clínicos. E eles observaram que não. Na verdade as maiores quantidades de anticorpos neutralizantes foram observadas em indivíduos sintomáticos. Tá, mas então estamos perdidos? NÃO. Calma lá….

    Os autores descobriram que apesar da variante alfa infectar e ser transmitida por indivíduos vacinados, a proteção contra a forma severa da Covid-19 e a chance de morte permanece semelhante com o que foi visto nos testes para a CoronaVac e Astrazeneca.

    Como assim?

    O fato dos indivíduos vacinados sintomáticos terem maiores níveis de anticorpos neutralizantes contra a variante alfa de SARS-CoV-2 do que os indivíduos vacinados assintomáticos ou não infectados, indicam que alguma “outra coisa” na resposta imune que nos mantém protegidos. O quê poderia ser? Possivelmente a resposta imune celular, como já comentada e explicada em outros textos.

    Um ponto interessante que os pesquisadores observaram, foi que a quantidade de anticorpos que a pessoa possui não está diretamente relacionada com a possibilidade de desenvolver sintomas. Pessoas com muitos anticorpos podem ou não ter sintomas, assim como pessoas com menos anticorpos também podem ou não desenvolver sintomas. Ou seja, existem outros fatores envolvidos na resposta imune que cada corpo vai gerar. 

    Dessa forma, os cientistas viram que a quantidade de anticorpos no sangue não importava caso quisessem prever se uma pessoa, que pegar a variante Alfa da Covid-19, teria uma doença mais leve ou mais branda. A lógica por trás disso é que usualmente pode-se pensar que as pessoas com maiores níveis de anticorpos deveriam ter uma doença mais leve. No entanto, não é bem assim que acontece sempre e, neste caso, foi justamente o oposto do observado.

    Mas pode isso, em nosso corpo (e na ciência?)

    Sim! A ciência é dinâmica e estamos sempre aprendendo mais e, quando necessário, revendo conhecimentos que produzimos ao longo do tempo. Dessa forma, embora seja comum pensar que pessoas com maiores níveis de anticorpos tenham a doença mais leve ou assintomática, foi observado que o oposto também pode acontecer. Ou seja, indivíduos com níveis mais baixos de anticorpos foram assintomáticos, enquanto alguns com altos níveis de anticorpos, desenvolveram sintomas.

    Isso nos mostra que, mesmo compreendendo muito sobre nosso corpo e seu funcionamento, sempre há mais para entender e pesquisar. A COVID-19 têm nos mostrado isso bastante e, mais do que questionar a ciência, ela nos demonstra exatamente como a ciência funciona: sempre buscando encontrar respostas para os fenômenos naturais e sociais de nossos tempos…

    Entretanto, é necessário lembrar – novamente – que mesmo com um menor nível de anticorpos contra a variante Alfa, a chance de desenvolver Covid-19 severa não foi modificada e as vacinas continuam protegendo as pessoas contra essa forma da doença, e a morte na grande maioria dos casos, tal como indicavam os testes clínicos (fase 3 dos testes).

    Os dois surtos ocorreram em locais parcialmente restritos, onde a maioria das pessoas tinham idade avançada!

    Em março de 2021, a Vigilância Epidemiológica de Campinas começou a investigação de dois surtos, um em um convento e outro em um lar de idosos, em parceria com o LEVE, do Instituto de Biologia da Unicamp. Foram coletadas amostras de todos, incluindo moradores e funcionários, sendo um total de 26 pessoas do convento e 52 pessoas do lar de idosos. No convento, 14 pessoas testaram positivo para SARS-CoV-2, e já haviam recebido a primeira dose da vacina AstraZeneca. Enquanto no lar de idosos, 22 pessoas que já haviam recebido duas doses da vacina CoronaVac testaram positivo.

    A média de idade dessas pessoas variou de 73 (convento) a 77 (lar de idosos) anos. Foi possível, por meio de sequenciamento do genoma do vírus na amostra de swab de algumas dessas pessoas, detectar a variante Alfa. Nesses dois surtos, 12 pessoas tiveram sintomas leves, enquanto 26 pessoas foram assintomáticas. Felizmente, o nível de gravidade foi semelhante ao que já havia sido descrito nos estudos das vacinas. São informações importantes para todos nós, que estamos preocupados com a disseminação de variantes pelo mundo e pelo Brasil. 

    Este caso do surto, analisado via sequenciamento genômico, é importante exatamente por dois motivos. Em primeiro lugar, por conseguirmos rastrear as variantes que estão circulando em nosso país. Em segundo lugar, pelo modo como as vacinas respondem às variantes – um estudo que o mundo inteiro está fazendo!

    Tá, mas porque tão falando tanto dessa variante Alfa?

    Muitos dos estudos recentes avaliando a efetividade das vacinas vêm focando no impacto das variantes na imunidade justamente pelo fato delas poderem escapar da nossa imunidade. A variante Alfa foi uma das primeiras a aparecer e rapidamente tomar conta de vários países. É nesse contexto que se divide as variantes em duas categorias: as VOI ou Variantes de Interesse (Variants of Interest) e as VOCs ou Variantes de Preocupação (Variants of Concern). 

    Finalmente,

    A mensagem deste trabalho é mostrar que apesar das novas variantes (especialmente a variante Alfa, observada no trabalho) serem capazes de escapar do efeito neutralizante de parte dos anticorpos induzidos pelas vacinas, podendo nos infectar e serem transmitidas para outras pessoas, esta resposta imune ainda é capaz de nos proteger contra a forma grave da Covid-19.

    Entretanto, não é só a vacina que vai nos salvar. Assim como surgiram variantes que escapam da proteção conferida pelos anticorpos, em um cenário em que as campanhas de vacinação são lentas, as pessoas não fazem distanciamento social e não usam máscaras, a chance para o aparecimento de uma variante que pode escapar TOTALMENTE da proteção das vacinas é significativa. Atualmente as variantes Gamma (P.1), predominante no Brasil, e a Delta, têm gerado preocupação pelo tanto de mutações acumuladas, e capacidade maior de transmissão!

    Por isso, seguimos insistindo no investimento científico, para detectar as variantes, controlá-las e perceber a efetividade das vacinas nestes casos! A ciência brasileira segue buscando meios de se manter produzindo conhecimento técnico e científico de ponta, para combater a pandemia da COVID-19.

    Por fim, a mensagem que fica é que precisamos continuar nos protegendo, seguindo as medidas recomendadas pelos órgãos competentes, mesmo que nós e pessoas do nosso círculo já estejam vacinadas, até que toda a população esteja vacinada e quebrarmos a transmissão do SARS-CoV-2.

    Referências:

    de Souza, William M. (…) Proenca-Modena, Jose Luiz, Clusters of SARS-CoV-2 Lineage B.1.1.7 Infection After Vaccination With Adenovirus-Vectored and Inactivated Vaccines: A Cohort Study. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3883263 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3883263            

    WHO (2021) Tracking SARS-CoV-2 variants

    Outros Materiais do Especial COVID-19:

    O que são Anticorpos?

    Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    Anticorpos Monoclonais! Quê?

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma

    Este texto foi escrito originalmente para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

  • Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma

    Texto escrito por Mariene Amorim, Ana de Medeiros Arnt, Marcelo Mori, Alessandro Farias e José Luiz Proença-Modena

    Hoje nós vamos falar sobre um estudo que saiu quentinho do forno de pesquisadores aqui da UNICAMP! Como é um tema difícil e cheio de nuances, vamos começar aos poucos. Primeiro falaremos de conceitos do estudo. Após isso, vamos abordar sobre a metodologia. Só depois disso, vamos falar dos resultados em si.

    Nosso corpo e suas defesas: o nosso sistema imunológico

    Nosso corpo possui um sistema de defesa sofisticado e complexo, composto por diferentes tipos de barreiras, células e proteínas. Todos esses componentes juntos formam o nosso sistema imunológico, nosso sistema de defesa frente a invasores.

    Nosso sistema imune sempre está vigilante a tudo que entramos em contato. Quando algo considerado não-próprio (isso é, que não pertence ao nosso corpo) entra em contato conosco, o sistema imune identifica aquilo como “externo”, buscando destruir e algumas vezes guardando uma memória dessa ameaça. Mas algumas vezes precisamos de reforços. Nesses casos, além do sistema imune chamar mais células de defesa, este induz a liberação de várias proteínas que vão ajudar a combater a ameaça, resultando em uma Inflamação. 

    Entretanto, nosso corpo tem limites. Um longo período de inflamação (por exemplo, combatendo um patógeno) pode resultar em dano às células e órgãos do nosso corpo. Em outras palavras, podemos “exagerar” enquanto estamos tentando proteger nosso corpo de elementos externos (como vírus ou bactérias). Assim, acabamos gerando respostas que em certa medida também dão uma “bagunçada geral” no sistema. Como vocês podem ver a imunologia (e já temos falado disso em nossos textos) é bem complexa. Ao longo dos anos, esse tem sido foco de estudos e tem se desvendado mais e mais sobre o tema. Isto para a nossa melhor compreensão e para que possamos combater muitas doenças.

    Ensinando o corpo a se proteger

    Entender o sistema imunológico e como ele funciona não é algo fácil para compreendermos. No entanto, graças a muitos estudos, muitas noites sem dormir e experimentos sem fim, aprendemos um pouco mais sobre como o sistema imune funciona. Mas melhor do que isto, hoje também somos capazes de “ensinar” ao nosso sistema imune sobre um patógeno. Ou seja, quando, ou se, entrarmos em contato com este patógeno, ele não consegue se espalhar abundantemente e causar muitos danos. É o que fazemos quando tomamos vacinas!

    Quando a humanidade ainda estava desvendando as doenças e como preveni-las, há muito tempo atrás (século XVIII e antes), na tentativa de combater a varíola, pessoas eram inoculadas com uma versão mais branda da doença (uma varíola de vacas) e se tornavam imunes ao desenvolvimento da varíola humana, que era mais grave. A história das doenças e vacinas é fascinante, mas não é o que vamos discutir nesse texto!

    Hoje, já existem diversas maneiras de elaborar uma vacina, de forma que sejam muito mais seguras. A depender da técnica utilizada na produção de uma vacina, nós vamos apresentar ao nosso corpo o patógeno inativado, ou uma pequena parte do patógeno, para que o nosso sistema imune reconheça e guarde aquela informação em forma de memória imunológica.

    Vacinas, vírus e variantes

    Atualmente existem diversas vacinas contra vírus, que ajudaram a extinguir doenças em várias partes do globo. Porém, não é um processo fácil e não funciona para todas as doenças. Se um vírus, por exemplo, sofre muitas modificações genéticas (mutações) e consequentemente estruturais, à medida que ele se espalha em uma população, se torna difícil, produzir uma vacina eficiente, como é o caso do vírus da imunodeficiência humana HIV. É como se esse vírus fosse mudando com o tempo, de forma que a memória gerada pelo nosso sistema imune não irá reconhecê-lo mais. Além de outros fatores relacionados ao desenvolvimento da doença, que podem inviabilizar o uso de uma vacina. 

    Para nossa sorte, muitas doenças são causadas por vírus que não sofrem tantas mutações com muita rapidez, para as quais já temos vacinas eficientes, como a varíola, a rubéola, a poliomielite, entre outras. No cenário atual da pandemia de COVID-19, nos deparamos com um vírus de RNA que não sofre tantas mutações como outros vírus com genoma de RNA, como HIV e influenza. Entretanto, essa história não é tão simples como parece, como podemos ver com as notícias de surgimento de tantas variantes.

    Então não têm tanta mutação assim o tal do Corona??

    Mas o SARS-CoV-2 não é, de fato, um vírus que muta tanto assim. Todavia, ele se espalha muito rapidamente e o número gigantesco de pessoas infectadas juntamente com a alta taxa de transmissibilidade, tem favorecido não somente o aparecimento de mutações nesse vírus, como também a seleção de mutações mais favoráveis à infecção fixando-as na população. Ao longo da história da pandemia, foram surgindo variantes virais com mudanças significativas em algumas de suas estruturas, preocupando pessoas no mundo inteiro.

    Novamente, graças a conhecimentos acumulados ao longo de décadas de estudos, a humanidade conseguiu produzir não só uma, como vários tipos de vacinas contra esse vírus, e é claro que o aparecimento das novas variantes colocou o mundo inteiro em estado de alerta. A pergunta que não quer calar é:

    As vacinas ainda irão funcionar?

    Temos pesquisado muito a fim de desvendar como acontece a nossa resposta imune frente ao SARS-CoV-2, e as variações que têm aparecido. Será que produzimos memória imunológica quando entramos em contato com esses vírus? Por quanto tempo? Podemos pegar um tipo de vírus e depois pegar novamente uma variante? Como podemos investigar se temos alguma proteção?

    São muitas perguntas, pouco tempo para desenvolver os estudos e obter respostas enquanto tem muita gente adoecendo, muita gente morrendo, variantes surgindo… Mas vamos lá, temos muito ainda a percorrer sobre o tema!

    O que podemos fazer no âmbito científico para obter algumas respostas?

    Muita coisa tem sido feita. Primeiramente, nunca tivemos tanto sequenciamento de genoma completo de um vírus anteriormente na história. Temos conseguido acompanhar a evolução desse vírus em muitos países, identificar o surgimento das variantes e acompanhar seu desenvolvimento epidemiológico, inclusive no Brasil.

    Segundo, nós podemos isolar as partículas virais de uma amostra de paciente infectado, para que possamos estudar o vírus em cultura de células no laboratório (in vitro). Conseguimos fazer isso com as diferentes linhagens do SARS-CoV-2, as mais antigas e as novas variantes.

    Os vírus isolados podem ser utilizados, por exemplo, para investigar a presença de anticorpos neutralizantes circulando no sangue de pessoas que já tiveram algum contato com o vírus, seja por infecção natural ou vacinação. Um desses ensaios se chama PRNT, do Inglês Plaque reduction neutralization test. Nesse ensaio, utilizamos amostras de soro ou plasma, para investigar a presença de anticorpos capazes de neutralizar o vírus. Ou seja, anticorpos capazes de fazer com que o vírus não seja mais capaz de se replicar numa célula e causar dano no organismo.

    Como fazemos isso? Em nossa pesquisa, realizamos uma diluição seriada de uma amostra de soro ou plasma. Logo depois, incubamos as diferentes diluições com uma quantidade fixa de partículas virais viáveis. Ressaltamos este ponto aqui, pois é uma questão metodológica importante:

    Há diferentes concentrações de soro, mas com a mesma quantidade de partículas virais.

    Depois de um tempo, colocamos essas misturas em pocinhos contendo células que são facilmente infectadas pelo vírus. As partículas virais que ainda continuam viáveis em cada mistura de vírus+soro/plasma, serão capazes de infectar as células. Caso o soro/plasma da pessoa contenha anticorpos neutralizantes, estes irão neutralizar (ou seja, bloquear a capacidade do vírus infectar) as partículas virais que não serão capazes de infectar as células nos pocinhos. As células infectadas acabam morrendo depois de um tempo, formando uma pequena plaquinha no fundo do poço. Parece mais uma história triste essa parte né? Mas na verdade são estas plaquinhas que nós conseguimos contar, montar gráficos e realizar testes estatísticos.

    E o quê elas representam?

    Estas plaquinhas são exatamente o que nos indicam a quantidade de células que foi infectada e morreu. Portanto, indicam que o meio em que elas estavam (a mistura com soro/plasma) tinha poucos (ou nenhum) anticorpos neutralizantes. Assim, não houve bloqueio da ação dos vírus.  

    Nosso estudo sobre Neutralização da linhagem P.1 por anticorpos 

    Recentemente um estudo realizado pelo grupo do professor José Luiz Módena, aqui da UNICAMP, analisou diferentes amostras de pacientes para realizar exatamente este tipo de ensaio que comentamos anteriormente, com a variante P.1 – também conhecida como variante Gamma. 

    O estudo foi publicado ontem na revista The Lancet Microbe! Sim! Como dissemos, recém saído do forninho da publicação!

    Neste estudo, analisou-se a quantificação de anticorpos neutralizantes presentes em amostras de soro/plasma de pessoas previamente expostas ao SARS-CoV-2. Quando falamos em “previamente expostas” estamos falando de “exposição natural” (pessoas que se infectaram pelo vírus) ou por vacinação com vírus inativado – no caso, Coronavac.

    Ao analisar estas amostras, percebeu-se que a neutralização por anticorpos diminui quando incubadas com essa variante em relação à linhagem mais antiga do vírus. O que isto quer dizer?

    Resumidamente, observou-se diminuição da capacidade de neutralização dos anticorpos em relação à variante P.1 Gamma. Ou seja, percebemos que houve uma menor capacidade de bloquear a infecção em relação à variante P.1 Gamma, quando comparamos as mesmas amostras usando as linhagens originais de SARS-CoV-2.

    Então a vacina não funciona, e isto que vocês estão me dizendo?

    Calma lá! Longe disso… Estamos dizendo que uma das defesas estimuladas por esta vacina, tanto quanto por infecção natural de linhagens “originais” – que é a produção de anticorpos neutralizantes – diminui sua capacidade de nos defender quando encontra a P.1 Gamma pela frente.

    Mas há um porém, vamos a eles…

    Primeiramente, os anticorpos neutralizantes não são a única defesa do nosso sistema imune. Existem outras defesas, como a imunidade celular, que também atuam no combate à infecção. E a imunidade celular não foi testada e analisada nesta pesquisa!

    Em segundo lugar, diminuir a capacidade de anticorpos neutralizantes não é “não ter ação alguma de anticorpos neutralizantes”. É, como a palavra diz: diminuir. Além disso, os anticorpos podem atuar por outros meios que não a neutralização, como a indução de fagocitose de partículas virais recobertas de anticorpo e a indução de morte celular em células infectadas. Isto é, existe resposta imune produzida pelo nosso corpo.

    E as outras vacinas?

    Outros grupos de pesquisa, em outros países, têm realizado testes semelhantes em relação aos diferentes tipos de vacinas que temos disponíveis atualmente, frente às diferentes variantes de SARS-CoV-2. E temos observado que algumas variantes tem maior capacidade de escape de anticorpos do que outras. Vamos detalhar este tema em um próximo texto, aguarde!

    Enquanto isso, 

    É fundamental este tipo de pesquisa ser feita e ser divulgada, sempre! Tal como é sempre fundamental apontar que sua divulgação precisa ser feita com cautela e sem alarmismos. Precisamos compreender a ação das vacinas em relação às novas variantes e, sim, pode ser que em algum momento existam escapes das variantes. As vacinas precisam (e provavelmente precisarão) ser “atualizadas” para conseguir nos defender das variantes que forem surgindo.

    Por isso, claro, vacinar é FUNDAMENTAL, não escolher vacina é primordial – lembrando que a vacinação é um fenômeno de massa e, mais importante do que isto, precisamos seguir protocolos e medidas de segurança mesmo depois de vacinados! Quais medidas? Uso de máscara, distanciamento social, higienização das mãos, diminuir ao máximo a circulação, especialmente em locais não ventilados!

    Por fim,

    É um texto trocando em miúdos os resultados que vocês querem? Pois esperem que vamos fazer também! Este artigo vai ter várias postagens sobre: metodologia, obtenção de resultados, análises e ponderações! Mas é claro que não podíamos deixar passar o tempo e precisávamos conversar com vocês sobre os resultados hoje mesmo!

    Para Saber Mais

    Estudo de referência:

    Souza, Willian … Modena, José Luiz (2021) Neutralisation of SARS-CoV-2 lineage P.1 by antibodies elicited through natural SARS-CoV-2 infection or vaccination with an inactivated SARS-CoV-2 vaccine: an immunological study The Lancet Microbe, 08 de Julho de 2021.

    Primeiro texto feito sobre este estudo:

    P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Outras referências

    O Que são Anticorpos?

    História das vacinas (em inglês)

    Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    Estudo sobre a CORONAVAC no Chile (Texto de Mellanie Fontes-Dutra)

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para Crianças! Vacinas e a verdadeira imunidade de rebanho

    Vamos falar sobre vacinas? Para reduzir a circulação de um vírus na população e obter a verdadeira imunidade de rebanho, é necessária uma estratégia coletiva e rápida de vacinação. Foi o que mostrou um estudo clínico realizado na cidade de Serrana, no interior paulista. No Projeto S, toda a população adulta de Serrana foi vacinada com a CoronaVac (A vacina do Butantan). Após a segunda dose de vacinação do último grupo, os casos sintomáticos de Covid-19 caíram 80%, e as mortes diminuíram 95%. Por fim, o estudo também mostrou que até mesmo as crianças e jovens menores de 18 anos, que ão vacinaram-se também ficaram protegidos.

    No quadrinho de hoje, Draco explicará melhor ao Dragonino sobre a imunidade de rebanho que pode ser alcançada por meio da vacinação!

    Quadrinhos da série "Ciência para Crianças!", com o tema "Vacinas e a verdadeira imunidade de rebanho".
    Esclarecimentos sobre a transmissão do coronavírus por pessoas vacinadas

    As diferentes vacinas têm diferentes taxas de eficácia e de redução da transmissão do vírus, se consideradas individualmente. Como vimos no quadrinho anterior (Como funcionam as vacinas), demora algumas semanas para uma pessoa adquirir memória imunológica contra um patógeno. 

    Dessa forma, quem só recebeu a primeira dose da vacina, ou tomou a segunda dose muito recentemente, ainda tem maior risco tanto de se contaminar, como de transmitir a doença. Por isso, mesmo com a vacinação, é essencial que todos os cuidados continuem sendo tomados (como uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos) até grande parte da população ser vacinada. Só então será possível reduzir, de fato, a circulação do vírus e obter a imunidade de rebanho.

    Imunidade de rebanho sem as vacinas? Será que é uma boa ideia?

    As tentativas de atingir a imunidade de rebanho sem as vacinas não são recomendadas pelos cientistas. Ou seja, não é uma boa ideia deixar as pessoas ficarem doentes naturalmente, esperando que seu sistema imunológico combata a doença e gere imunidade. 

    Isso porque em muitas pessoas o vírus pode causar formas graves da doença. Com isso, os hospitais ficarão lotados, e muitas pessoas podem não conseguir vagas para internarem-se e tratarem-se. Assim, muitas pessoas podem acabar adoecendo gravemente e morrendo. Portanto, a imunidade gerada pelas vacinas é a única forma ética e aceitável de gerar a imunidade de rebanho em nossa população. 

    Em resumo: de um lado, o contágio natural espalha vírus para todos os lados e causa um alto número de mortes. Do outro, a vacinação ajuda a diminuir a circulação dos vírus e a salvar muitas vidas.

    O perigo das variantes do coronavírus

    Para piorar a situação, deixar muitas pessoas se infectarem naturalmente pelo coronavírus aumenta as chances do vírus sofrer mutações. Essas mutações nada mais são do que pequenos erros no processo de cópia do material genético do vírus. É assim que aparecem as chamadas variantes dos vírus, que podem muitas vezes ser mais contagiosas e até mais perigosas. 

    Quanto mais pessoas o vírus infectar, há mais chances de acontecerem esses erros, então mais variantes podem surgir e se espalhar. Com mais variantes do vírus se espalhando, até quem já se contaminou com o coronavírus uma vez, ou já foi vacinado, pode acabar ficando doente. Isso porque no caso de algumas variantes, a mudança que acontece no vírus faz com que o sistema de defesa não consiga mais reconhecer o vírus para combatê-lo rapidamente. Assim, nesse caso, as células de defesa vão ter que trabalhar de novo desde o começo para aprender a combater o invasor diferente.

    Por isso, os cientistas recomendam que todos vacinem-se o mais rápido possível. Uma vacinação rápida e bem planejada pode ajudar a população a atingir a imunidade de rebanho de forma mais eficiente. Por fim, apenas com menos vírus circulando é possível reduzir o aparecimento de variantes e aumentar as chances de vencermos essa doença!

    Vacinas salvam vidas. Todos pelas vacinas!

    Campanha “Todos Pelas Vacinas”

    Fontes de informação:
    Equipe:
    • Design, pesquisas e roteiro: Giovanna S. Veiga e Carolina S. Mantovani
    • Revisão: Profa. Dra. Lúcia E. Alvares

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Nas Asas do Dragão

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • As informações e a responsabilidade dos dados em nossas mãos: o caso das vacinas vencidas

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Beatriz Ramos, Erica Mariosa Carneiro, Flávia Ferrari, Marina Fontolan, Mellanie Fontes-Dutra

    A cada notificação viralizam informações e tudo acontece em uma velocidade maior do que conseguimos processar. São tempos delicados e, além da sobrecarga de trabalho que muitos de nós temos enfrentado, acompanhamos os calendários de vacinação, avisamos amigos, familiares e conhecidos. Organizamos documentos, textos, vídeos, postagens e – no meio de tudo isto – respondemos às notificações que pipocam em nossas redes sociais.

    A cada dia que se passa, em nossos coletivos de divulgação científica, temos debatido estas informações. Assim, antes de publicar qualquer coisa, buscamos alguma consulta – mesmo que seja mais um “calma lá, vamos pensar juntos” do que a precisão da informação ou conhecimento técnico em si. O tempo da informação que sobrecarrega nossos espaços é maior do que o tempo que temos para averiguar tudo. É sempre preciso parar, ponderar e analisar como aferir estas notícias que nos chegam. Isto para conseguir responder as perguntas que começam a aparecer direcionadas em nossas redes.

    Hoje foi um destes dias: logo no início da tarde começaram a chegar mensagens sobre vacinas vencidas sendo aplicadas. Começamos a debater sobre como isto seria possível (vencer vacinas em um cenário em que faltam doses nos pareceu assustador). Dessa forma, resolvemos que era uma boa hora para conversarmos sobre responsabilidade com os dados que recebemos e como agir frente às avalanches de mensagens.

    Vale a pressa da notícia?

        Entre a pressa por termos algo não apenas importante – mas que sobressalta nos tempos que estamos vivendo – e os impactos que isto pode gerar (previstos ou não), há um limbo em que residem as ponderações. Algumas das perguntas que sempre são boas de serem feitas:

    • Eu preciso publicar AGORA este material?
    • Têm como aferir mais uma vez estes dados?
    • Existe outro modo de eu chegar a esta informação, para uma segunda, terceira ou quarta conferência das fontes?
    • Vale a pena esperar ou isto requer uma urgência em que estas questões não devem nem ser cogitadas?

    Bom, supondo que nós conferimos tudo e realmente consideramos que é importante publicar a informação: como fazê-la? Click-baits, ou seja, manchetes criadas de forma sensacionalista, podem criar pânico, medo e confusão desnecessários numa população.

    Não estou entendendo onde vocês querem chegar…

    A notícia de pessoas sendo vacinadas com vacinas vencidas foi exatamente este caso: um dado publicado às pressas e com uma manchete estilo click-bait. O resultado? Uma parcela da população com acesso já restrito à vacinação e à informação de qualidade entra em pânico. Outra parcela que já tomou a vacina e não sabe acessar dados com precisão, mais pânico ainda.

    Assim, o cuidado com a forma como a notícia é escrita e veiculada é de grande relevância para que a população possa tomar decisões racionais com quais atitudes tomar. É claro que um jornal precisa chamar a atenção para suas matérias. É óbvio que se há desencontro entre as informações de registro de vacina e datas de validade, é fundamental que isto seja averiguado (e com urgência!). Mas qual o limiar entre a notícia e a geração de pânico? 

    Tendo em vista os comunicados publicados logo após a reportagem, há vários indícios de que pode, sim, ter havido desencontro de registros de vacinações e datas de vencimento – o que, sim, precisa ser averiguado e investigado. Mas definitivamente é passível de ser solucionado e conferido.

    Mas teve mesmo pânico?

    Só ontem, entre nossos grupos de divulgação científica, grupos de amigos/familiares/colegas e mensagens particulares nossas e das redes sociais, foram mais de 10 horas buscando informações e respondendo perguntas. Alguns colegas que trabalham tanto em bancos de dados, quanto em centros e postos de saúde também nos ajudaram a entender melhor o que podia estar acontecendo.

    Isso tudo para elaborar respostas que, simultaneamente, atendessem ao que estava sendo perguntado e acalmassem os ânimos antivacina ou de dúvida sobre como tudo vem acontecendo. Sim, reportagens como estas causam insegurança em todo o processo vacinal e não apenas na vacina aplicada individualmente. Vamos explicar como procedemos quando este tipo de notícia chega nestas nossas redes sociais (particulares ou dos coletivos).

    Um breve relato

    Um de nossos colegas que atua diretamente com estes procedimentos, inclusive, foi verificar os bancos de dados e conferir as doses de seu município. O que encontrou? Incongruências entre o dia de aplicação das vacinas e o registro dos dados. Ao entrar em contato com as pessoas vacinadas, solicitando as datas de vacinação percebeu-se que não a aplicação das vacinas aconteceram antes da data de validade vencer. A data de registro que foi ao sistema era a que aparecia no banco de dados – e não a data de aplicação da vacina. 

    Algumas destas vacinas foram aplicadas dias após chegarem ao nosso país, em fevereiro. Mas os registros no sistema aconteceram algumas semanas depois. Isto é, alguns postos repassam os dados de vacinação com atraso. Mas calma, coletam-se todos os dados no dia de vacinação, mas não necessariamente em planilhas já unificadas. É preciso que manualmente sejam inseridos no sistema final que alimenta o banco de dados do Ministério da Saúde. E é neste ponto que alguns erros acontecem.

    É importante averiguar isto? Sim! É preciso que melhoremos o sistema inteiro de registro de dados? Também. É nosso papel invalidar o trabalho de quem está lá na ponta atendendo mil demandas simultâneas e tentando fazer tudo da maneira mais ágil possível? Não, definitivamente não.  

    Nosso papel hoje ao longo do dia

    Após a publicação, sobre a aplicação de quase 26 mil doses de vacinas vencidas, muitos de nós, que trabalham com divulgação científica sobre COVID-19, começamos a receber a reportagem perguntando como proceder. Neste caso, antes de mais nada, nossa postura sempre foi de acalmar as pessoas, tentar entender o que estava sendo noticiado e buscar dar um passo a passo básico.

    Parece bobeira, mas as pessoas, antes de averiguar seus próprios dados, saem enviando as notícias e perguntando o que vai acontecer – como se 26 mil doses, em um universo de milhões de doses – fosse o maior fim do mundo desta história recente. Não, não é. Precisa ser averiguado SIM, mas há passos fundamentais para compreendermos melhor como proceder, sem se exasperar. Então fizemos o quê? 

    Além disso, sempre a informação que vai junto nestas ocasiões segue sendo:

    • É importante lembrar que a vacinação é um ato que não apenas ajuda a te proteger, mas ajuda a proteger outros à sua volta. Assim, além de tomar a vacina quando chegar a sua vez e voltar para tomar a segunda dose confira as informações do teu cartão, peça ajuda dos funcionários que estão te atendendo, se tiver dúvida: pergunta.
    • Não tenha receio de pedir as informações, seja respeitoso com quem está te atendendo nos postos de saúde e ajude sempre quem tem mais dificuldade de acessar informações sobre calendários, cronogramas e agendamentos de doses!

    Nosso posicionamento

    Respeitamos as pessoas que organizaram os dados e publicaram a reportagem, consideramos que sua postura ao longo deste ano no combate à pandemia, buscando informações técnicas e oficiais seja fundamental. Nosso posicionamento aqui não invalida, em nada, seu trabalho. Dessa maneira, nosso texto hoje, dentre tantos temas abordados, aponta que nosso posicionamento ao comunicar ciência inicia-se no levantamento de dados, aferição de conteúdo e organização das informações. Mas também se faz desde a escolha do título, até cada palavra escolhida para organizar nossas frases e parágrafos. Como apontamos anteriormente.

    Entretanto, ressaltamos que esta não é a primeira vez que esta discussão vem à tona, embora não tenha acontecido uma repercussão grande na primeira publicação de outro veículo de notícias. Apontamos que tudo o que mencionamos no texto hoje, sobre os cuidados e responsabilidades com a comunicação, valem para os dois casos.

    Inclusive, relembramos que em casos assim, existe uma responsabilidade em cascata de aferição de lotes, dados de sistema, registro no sistema e conferências de vacinas e datas de validades desde a base (quem está aplicando nos postos) até o Ministério da Saúde, passando por secretarias municipais e estaduais.

    Sobre os cuidados em cada etapa

    Devemos cuidar, também, sempre em quem recaem as culpabilizações nestes casos e como isto fragiliza, muitas vezes, os trabalhadores da saúde que estão na ponta atendendo à população, sobrecarregados e executando muitas tarefas simultâneas sem que, muitas vezes, tenham o suporte necessário para isto. E essa questão, ressaltamos enfaticamente, não costuma ser pauta. Mas precisa ser levada em consideração. Os tons acusatórios podem ajudar a termos cliques na reportagem, mas não ajudam a encaminhar soluções para as situações denunciadas. 

    Assim, dito isto, consideramos também é fundamental sempre olhar para os dados e se perguntar: existe outra explicação para isto que eu possa ter deixado passar? Este é um tema sensível e é fundamental termos esse cuidado.

    Sobre a Comunicação e a agressividade em rede

    Por fim, rechaçamos todo e qualquer ato de desrespeito às pessoas que escreveram a matéria e compreendemos que um veículo de comunicação não tem uma notícia produzida por uma ou duas pessoas apenas. Além disso, atos de cancelamento e falas agressivas e de ataques pessoais nunca fazem parte de um debate democrático e que busca compreender os dados científicos e acontecimentos cotidianos, especialmente quando envolvem COVID-19 e vacinação.

    *Atualização em 04/07/2021: Após a publicação deste texto a reportagem “Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles” abriu para leitura sem restrições.

    * Atualização em 07/07/2021: A Folha publicou o seguinte texto aberto: ” Folha errou ao não afirmar que dados sobre vacinas vencidas poderiam decorrer de falhas do sistema; texto foi alterado – Reportagem apontou problemas no processo de vacinação e registro de informações; quem recebeu AstraZeneca deve conferir lote e validade no cartão”

    Para saber mais

    CONASS, CONASEMS (2021) Nota Conjunta Conass e Conasems sobre a aplicação de doses vencidas da vacina Astrazeneca/Fiocruz

    GAMBA, E, RIGHETTI, S (2021) Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles Folha de São Paulo, 2 de julho de 2021

    MARQUESINI, L, VELEDA, R (2021) Dados da Saúde mostram aplicação de 1,2 mil doses vencidas da AstraZeneca em 23 estados Metrópoles 24 de abril de 2021

    PARANÁ (2021) NOTA – Estado do Paraná não recebeu e não distribuiu vacinas contra a Covid-19 fora do prazo de validade

    VIVA BEM, UOL (2021) Municípios negam ter aplicado vacina vencida e culpam sistema de dados

    G1 SÃO PAULO (2021) Prefeitura de São Paulo nega aplicação de vacinas com validade vencida G1 SÃO PAULO, 02 de julho de 2021

    As Autoras

    As autoras são pesquisadoras e divulgadoras científicas da rede Todos Pelas Vacinas e organizaram em conjunto este texto posicionando-se em seus nomes e pelo Todos Pelas Vacinas também.

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 junto com o movimento Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 500 mil mortos, corrida das vacinas e os esquecidos da segunda dose

    Apenas 49 dos 5.570 municípios brasileiros possuem mais de 500 mil habitantes. Na outra ponta, teríamos que juntar os 257 municípios com menos habitantes para representar a quantidade de vidas perdidas pela COVID-19 no Brasil até o dia 19 de junho de 2021 (dados extraídos da projeção populacional IBGE 2020). O que a segunda dose tem a ver com isso?

    Estamos com essa quantidade enorme de vidas perdidas. Este “dado” – pessoas que partiram – nos coloca em segundo lugar no ranking de mortes por COVID-19 no mundo e após 15 meses de pandemia declarada. Todavia, ainda não temos políticas públicas efetivas para o controle da pandemia no Brasil. 

    “Mas agora temos vacinas”, eles dizem. Sim, entretanto apenas 24 milhões de pessoas, dos mais de 211 milhões de brasileiros, tomaram a segunda dose da vacina. Isto é, 11% de cobertura vacinal. Lembrando que só as duas doses garantem a imunização completa.

    Não estamos seguros.

    Em meio a arraiás de vacinação, memes de corrida e organização de eventos testes, a terceira onda já começa a aparecer. Isto é, aquela onda que mais parece um tsunami que não acaba nunca. Cidades do interior de São Paulo como Campinas e São José do Rio Preto já voltaram às medidas mais restritivas. Por exemplo, medidas como fechamento de comércio e toque de recolher noturno.

    A corrida das vacinas serviu para alimentar a esperança da população de que finalmente enxergamos uma luz no fim do túnel da pandemia no Brasil. Apesar disso, em reunião da OMS já fomos alertados de que apenas a vacinação não será suficiente para conter o avanço das diversas variantes do SARS-CoV-2 no país. 

    Ainda que prefeitos e governadores estejam adiantando a aplicação da primeira dose em adultos, e a cidade do Rio de Janeiro tenha incluído adolescentes em seu calendário de vacinação, o Brasil encontra alguns problemas. 

    Gráfico 01. Porcentagem estimada da população idosa com mais de 70 anos vacinada no Brasil com qualquer uma das vacinas contra COVID-19 aprovadas no país. Em laranja estão representadas a primeira dose. Em azul estão representados aqueles que tomaram duas doses da vacina. 

    Dados disponíveis no dataSUS (que você pode consultar aqui)  mostram que a população de idosos, que começou a ser vacinada em fevereiro, ainda carece de segunda  dose. Assim, aproximadamente 92% dos idosos com mais de 70 anos tomaram uma dose da vacina, e somente 74% tomaram a segunda dose. Além disso, é interessante notar que a partir dos 80 anos, a taxa de retorno para a segunda dose cai em relação a faixa entre 70 e 79 anos. 

    Mas tem mais questões aí…

    Quando observamos os dados por estado também vemos algumas discrepâncias. Enquanto alguns já estão próximos a 90% da imunização dos idosos, outros ainda estão na faixa de 50%. Em 18 estados há uma imunização maior em suas capitais, o que mostra que ainda precisamos investir muito em campanhas no interior dos estados. 

    Gráfico 02. Porcentagem de idosos com mais de 70 anos vacinados contra COVID-19 separados por Unidade Federativa e respectiva capital. Em roxo está representado por estado a porcentagem de pessoas que tomaram as duas doses da vacina. Em verde, a porcentagem dos idosos residentes da capital de cada estado que tomaram duas doses da vacina. 

    Assim como já discutimos no texto sobre a importância da segunda dose das vacinas, que você pode ler aqui, reforçamos que é necessário melhorar a divulgação do calendário de vacinação para a população.

    Sobre comunicação científica e campanhas de vacinação

    Quando falamos em reforçar a divulgação, não estamos falando da divulgação científica não. É campanha PESADA EM MÍDIAS ACESSÍVEIS A TODOS: televisão, jornais, rádio, panfletos em postos de vacina. É fundamental que pessoas sem acesso à internet, por exemplo, tenham uma informação precisa acerca de datas de vacinação, processos de agendamento e retorno. Este procedimento é obrigação dos governos, pois faz parte de uma política pública de massa que PRECISA SER EFETIVADA O QUANTO ANTES.

    Possuímos vacinas com intervalos de imunização diferentes, que podem gerar confusão na hora do retorno, principalmente em pessoas mais velhas. Estas pessoas precisam, sim, de informações precisas acerca dos calendários. Além disso, de nada adianta correr com o calendário e divulgar novas datas mais cedo no cronograma anterior se as vacinas previstas não estão chegando – ou a população não está indo se vacinar. Vacinação é política pública, precisa de previsão, organização e estrutura da maquinaria do estado. Já fizemos isto antes com maestria, já fomos referência mundial de vacinação. Sabemos fazer isto, mas saber não é o suficiente: precisamos deliberadamente atingir a todos e conseguir que as pessoas compareçam nos postos de vacinação!

    E quanto a nós?

    Nós, formiguinhas em meio à turbulência seguimos trabalhando e buscando tornar a informação acessível. Todos nós, cidadãos, podemos contribuir ajudando àquelas pessoas que têm dificuldade de acesso (seja por falta de acesso confiável e segura pela internet, seja por falta de condições de acessar à internet, dificuldade de leitura, dentre outras questões).

    Não esqueça de informar seus familiares e conhecidos sobre quando chegar a hora deles se vacinarem, pergunte se já se inscreveram e se estão acompanhando os calendários.

    E, lembre-se, mesmo depois de vacinados, continuem usando máscara e praticando o distanciamento!

    Agradecimentos

    Neste texto, agradecemos imensamente à Sabine Righetti (Labjor/UNICAMP e Agência Bori) que nos forneceu os dados brutos do levantamento sobre a segunda dose no país para elaborarmos a postagem. Abaixo indicamos as matérias da Sabine.

    Quer saber mais ? Separamos aqui mais notícias que utilizamos de referência:

    Um quinto dos brasileiros de mais de 70 anos não completou vacinação contra Covid-19

    Quase 2 milhões tomaram segunda dose de vacina contra Covid-19 fora do prazo no país

    Mais de 16 mil pessoas tomaram doses trocadas de vacina contra Covid, mostra registro

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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