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  • A Covid-19 tornou-se uma endemia?

    Texto escrito por Ana Arnt e Lívia Okuda

    Cada dia temos visto de maneira mais frequente a palavra endemia sendo falada ao se referir à Covid-19, como se ela tivesse se tornado uma endemia. Mais do que isso, esta endemização da Covid têm sido um dos pontos que justificam quaisquer ações como aceitáveis e não problemáticas no espaço público.

    Mas será mesmo que tá tudo tranquilo? Antes disso, vamos entender um pouco sobre:

    O que seria uma endemia?

    Seria uma infecção em que a quantidade de pessoas que adoece e eventualmente morre nem aumentam, nem diminuem. Ou seja, o número de pessoas que pode se infectar, a partir de um indivíduo infectado, está equilibrado dentro de uma população em que qualquer pessoa pode se infectar. Veja que isto não quer dizer que a doença diminuiu sua gravidade, nem que a mortalidade não causa prejuízos a uma população.

    Apenas quer dizer – e somente isto – que há um equilíbrio.

    Spoiler: endemia não significa um cenário tranquilo.

    A ideia da endemia vem sendo cada vez mais utilizada para justificar retomadas do que ainda estava em modo de home office, ou com rodízios ou modalidades que previam trabalhos híbridos. A grande questão, nos parece, é sobre o quanto a ideia de endemia leva a uma compreensão não apenas errada do atual cenário, mas também a uma banalização de cuidados e condições de combatermos as doenças.

    Neste sentido, Isaac Schrarstzhaupt comentou sobre as doenças negligenciadas, comparando com Covid-19. A noção de doença negligenciada aqui, apontada pelo Isaac, é exatamente pelo acesso às vacinas e às condições de manter-se saudável não estar acontecendo com equidade. Ou seja, as pessoas que não têm acesso às informações, condições de cuidados, e vacinas são pessoas em situação de vulnerabilidade – seja por estarem em regiões menos favorecidas economicamente, seja por serem regiões distantes de grandes centros urbanos. E essa preocupação é realmente importante, especialmente por estarmos há tempos também batendo na tecla sobre as políticas públicas de saúde e sua relevância no combate à pandemia, ao se basear em dados técnicos e científicos! Todavia, e sobretudo, também tendo responsabilidade social ao se olhar estes números – pois são pessoas, vidas em vulnerabilidade…

    Ah, Mas estamos realmente exaustos!

    Temos percebido, em nossos canais (e discutido isso nos grupos que falam da pandemia), cada vez menos gente falando sobre Covid e, também, cada vez menos gente procurando conteúdos sobre isso. 

    Nós sabemos – até porque estamos vivendo a pandemia também – que estamos todos cansados de ouvir, falar, pensar, ler sobre a Covid. No entanto, também sabemos que ela não sumirá dos nossos dias só por nós estarmos cansados de distanciamentos e usos de máscaras.

    As notificações de óbitos ao redor do mundo passaram de 70 mil na última semana. É como se as pessoas que residem em Viçosa (MG), ou Pato Branco (PR), ou Vilhena (RO) desaparecessem em uma semana.

    Aqui no Brasil, foram quase 6 mil óbitos na última semana! É muita gente morrendo para levantarmos todos os dias de manhã e fingirmos que nada está acontecendo. E isto não quer dizer passar os dias sofrendo, chorando e seguirmos trancados em casa.

    Mas é fundamental compreendermos que não, não está tudo bem. E, também, que é fundamental termos ações públicas efetivas para conter esta transmissão.

    Políticas públicas e ações individuais

    Individualmente seguimos batendo em teclas antigas: use máscaras (preferencialmente máscaras filtrantes, como as PFF2, bem ajustadas no rosto, sem escape de ar), mantenha-se o menor tempo possível em espaços fechados e mal ventilados, dê preferência para circular em espaços abertos e ventilados, ao apresentar sintomas ISOLE-SE e comunique as pessoas que tu entraste em contato nos últimos 5 dias.

    No entanto, é importante que os espaços públicos e privados, especialmente vinculados aos espaços de trabalho, tenham condições de abarcar não apenas estas medidas, mas cobrem posturas condizentes com o momento atual. Isso inclui – como temos defendido aqui – vacinação em esquema completo. Isto mantém o ambiente de trabalho mais seguro para todos e não, não é descabido pedir isto às pessoas. Aliás, o PL 1674/2021 que cria o Passaporte Vacinal está sendo debatido hoje no plenário.

    Transmissão, Variantes e cenário atual

    Estamos vivendo um tempo de alta transmissão do SARS-CoV-2, especialmente após a entrada da variante Ômicron no país. Ao contrário do que muitas desinformações circulando nas redes, estamos em uma situação melhor do que poderíamos imaginar, exatamente por causa das vacinas!

    É por termos uma parcela da população vacinada com duas ou três doses, que a gravidade dos casos têm sido menor e, mais do que isto, temos tido menos óbitos do que o esperado sem as vacinas, levando-se em conta a quantidade de casos que têm sido registrados.

    As variantes, como já discutimos aqui no Blogs, são decorrentes de mutações naturais no vírus. E estas mutações – mudanças no código genético do vírus – consegue se fixar nas populações exatamente pela grande quantidade de transmissões que temos visto. As vacinas estão segurando o agravamento das infecções nas pessoas, mas é fundamental diminuirmos a quantidade de infecções e isto se faz com medidas de cuidados pessoais e políticas públicas que garantam que estes cuidados sejam implementados.

    Não é fazendo shows lotados em grandes centros urbanos que conseguiremos barrar as infecções.

    Tampouco é fingindo que a doença está acabando, ou normalizando espaços fechados sem ventilação como tranquilos pois vivemos uma endemia que daremos conta…

    Negligenciar a Covid, “endemizando” a doença por decreto só normaliza mortes, sem resolver o problema na sociedade

    Aris Katzourakis, epidemiologista que publicou uma coluna na Nature final de Janeiro, aponta que o otimismo preguiçoso, a falta de realismo ao analisarmos os dados de morte e adoecimentos, tanto quanto a falta de ferramentas efetivas, como vacinas, tratamentos, testes diagnósticos, cuidados básicos (máscara, espaços ventilados e distanciamento) são exatamente os pontos fundamentais para mudarmos nossa postura e conseguirmos “jogar à favor da humanidade”. Além desses pontos, claro que o pesquisador indicou a necessidade de investimentos para vacinas que consigam combater as variantes também.

    Basicamente, tudo isto seria dizer “escutem o que cientistas têm dito sobre combate à Covid, coloquem em prática em forma de políticas públicas em seus países e no mundo, invistam em ciência”.

    Enquanto estivermos brincando de mergulhar mãos em álcool gel e medição de temperatura no pulso, lotando espaços públicos com máscaras inadequadas e com elásticos frouxos, não apenas estamos ignorando o que cientistas têm dito sistematicamente, como temos jogado a favor do vírus, em um momento crucial de retomada. Claro, tudo isso sendo feito mais uma vez, já que não é recente estes comunicados – nem o quanto seguem sendo ignorados em campanhas de massa…

    Tornar a Covid-19 em endemia por cansaço e vontade de retomar a vida é tão certeiro quanto cuspir para cima e se espantar com onde cairá o projétil.

    Por fim, da mesma maneira que temos falado que a ciência não opera por milagres e têm seu tempo para desenvolver conhecimentos técnicos para compreender os fenômenos, as políticas públicas que negligenciam dados também não vai ter condições em acabar com uma mazela social gravíssima como um sopro de vento de esperança, em uma plantação de alecrins dourados.

    É preciso ações urgentes, análises precisas e, acima de tudo, responsabilidade frente ao atual cenário – para evitar cenários ainda piores.

    Para saber mais:

    Este texto foi inspirado em ideias debatidas por Mellanie Fontes-Dutra e Isaac Schrarstzaupt, elencados aqui:

    Qual é o preço de uma endemia no futuro?

    Estamos entrando/entraremos em uma endemia de COVID-19?

    A desigualdade na distribuição de vacinas

    Sabiam que a dengue, a malária e outras doenças se chamam “Doenças NEGLIGENCIADAS”

    Por que demorou tanto para ter uma vacina contra a malária? 

    Artigos em inglês

    KATZOURAKIS, Aris. COVID-19: endemic doesn’t mean harmless. Nature, v. 601, n. 7894, p. 485–485, 2022. 

    NDTV. COVID-19 Has Not Yet Become Endemic, WHO Warns. NDTV.com.

    Textos do Blogs:

    Variantes

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Como o SARS-CoV-2 infecta nossas células?

    As autoras

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Livia Okuda é estudante de Farmácia na Unicamp e divulgadora científica do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Olá, mundo!

    Bem-vindo ao Blogs Científicos – UNICAMP sites. Esse é o seu primeiro post. Edite-o ou exclua-o, e então comece a publicar!

  • Reações adversas, vacinação e desinformação

    Texto Escrito por Julio C Ponce e Ana Arnt

    Há muita informação e desinformação sobre vacinação e reações após as pessoas se vacinarem. Elas causam mais do que apenas ruído para selecionarmos conhecimentos que nos ajudem a compreender a situação das relações entre a vacinação e a saúde humana. Temos visto que este conjunto de informações massificado têm se ampliado nas redes e ajudam a compor o que temos chamado de “hesitação vacinal”.

    Longe de julgar quem têm receio, é preciso entender que as notícias de reações adversas não são leves. Elas têm se intensificado não só em quantidade de mensagens, mas na gravidade dos efeitos após a vacinação. Mas será que as vacinas causam mesmo esta quantidade de reações adversas? Como podemos entender melhor isto?

    Vamos olhar mais de perto alguns exemplos sobre vacinação e reações adversas?

    Um dos exemplos que vamos analisar é sobre as mortes após vacinação em Singapura, supostamente 33 óbitos nos primeiros seis meses do ano passado.

    O estudo recém publicado na Forensic Science International avaliou se houve correlação entre a vacinação recente e mortes. O artigo tem como autores pesquisadores da Divisão de Medicina da Autoridade de Ciências de Saúde do país.

    Aliás, antes de falar do estudo, lembremos que Singapura está vacinando a população com Pfizer (desde 12/20) e Moderna (desde 03/21). Além disso, também importante ressaltar que até o fim do levantamento de dados do artigo (em Julho de 2021), mais de 5.5 milhões de doses haviam sido aplicadas: 3.4 como primeira, 2.1 como segunda. Atualmente, 84% da população está com duas doses e 55% com a dose de reforço.

    Neste artigo, incluiu-se todas as pessoas que morreram, tiveram problemas cardíacos ou neurológicos que ensejassem manobras de ressuscitação, em até 72 hs depois da aplicação. Isto entre as datas de 01/02/2021 e 30/06/2021, sendo que nenhum caso foi reportado antes disso.

    Ao todo reportaram-se 33 casos com dados completos. No mesmo período, Singapura, com sua política bastante restritiva, chegou a 36 mortes por COVID-19. Mas voltemos às mortes pós-vacina: foram 26 homens e 7 mulheres, com idade média de 69 anos (o mais novo tinha 23, o mais velho 96). Por fim, em 5 dos 33 casos, não houve autópsia.

    “O quê? Mas… como determinaram a causa mortis?”

    Assim, nestes casos, a causa da morte era visivelmente por outras ocorrências, por histórico de saúde prévia e pelas circunstâncias da morte. Já dos casos em que houve autópsia, solicitou-se uma série de exames (histopatologia, IgE, níveis de triptase, e de proteína C-reativa), para identificar possíveis reações à vacina.

    Ao avaliarem os dados, o estudo apontou que das 33 mortes, um total de ZERO (0), nenhuma, nadica de nada, tinha relação causal com a vacina. Ou seja, não havia aumento dos marcadores imunológicos/inflamatórios ou, quando presentes, eram devidos a outras condições, como sepse.

    Isto é, quando vamos analisar uma reação adversa após a vacina (leia-se até 72h após a vacinação acontecer), devemos analisar inúmeros indicadores, através de exames minuciosos destes pacientes com suspeita de reação adversa.

    Após esta análise, teremos condição de estabelecer (ou não) uma relação causal. Assim, o que queremos dizer: nem todo acontecimento após uma vacina tem como causa esta vacina. E nós sabemos que notícias podem assustar. Mas assusta mais ainda notícias sensacionalistas sendo usadas para causar medo em pessoas se vacinarem – ou vacinarem crianças!

    Seguindo o estudo…

    É interessante contextualizar que, sendo Singapura uma cidade-estado, todos os casos de óbitos passam por esse setor central. Ou seja, todas as mortes com potencial relação à vacina foram ao menos avaliadas. Novamente, nenhuma apresentou qualquer relação causal com as vacinas.

    Dessa forma, no período do estudo, o sistema de alerta de efeitos adversos do país (similar ao VAERS) registrou 6.606 casos suspeitos de efeitos adversos pelas vacinas, dos quais 252 foram classificados como sérios.

    E aqui, novamente reforçamos que esses sistemas de registros tratam-se de suspeitas de reação, sem a análise final tendo sido realizada. Após as análises dos 252 casos sérios, 42 casos de reação anafilática, todos reversíveis, com tratamento ambulatorial. A reação anafilática, quando aparece, é em questão de minutos, ou até 4 horas depois da vacinação em sua forma precoce (tipo I), e 72 horas na forma mais tarde (tipo IV).

    Foram ainda relatados 12 casos de miocardite e periocardite. 12 casos em 5.5 milhões de doses aplicadas.

    Ah, mas 12 casos, gente!

    Aqui cabe o alerta acerca do quanto estas notícias enfatizam a exceção e não a regra. Foram mais de 5.5 milhões de doses aplicadas, com 12 casos de miocardite e periocardite. Isto é um total de 0,00022% de chances de acontecer. Difícil mensurar ainda assim?

    Por exemplo, há mais risco de morrer de acidente aéreo nos EUA do que de ter esse efeito com vacina. Sim! Anualmente contabiliza-se cerca de 740 mortes anuais por 291 milhões de habitantes (dados retirados deste link).

    Na verdade, fazendo uma regrinha bem básica de 3, dá para dizer que é mais risco morrer de Covid-19 (0,075%, ou 5.8 milhões de óbitos em 7.8 bilhões de pessoas). Ou seja, vacinas são seguras e à revelia do que sensacionalistas têm propagado nas redes, salvam vidas todos os dias!

    As mortes que ocorreram após a vacina, como demonstrado neste trabalho, são, na grande maioria, pessoas que pelo próprio desenrolar da vida potencialmente morreriam com ou sem a proteção (e de causas não relacionadas a ela)!

    Mas e a reação do caso de Lençóis Paulistas após a vacinação?

    Pois é, mais um caso em que matérias jornalísticas correram para alardear e negacionistas de plantão tem usado arduamente para causar pânico e hesitação vacinal. Vamos lá! Para não caírem em matérias com potencial viés sensacionalista, é sempre bom pensar no que temos de dados.

    Para quem não lembra, este caso aconteceu logo no início da vacinação infantil, e pode ser acompanhado melhor nesta matéria da CNN. A criança em questão teve alterações nos batimentos cardíacos e desmaiou, horas após vacinar-se.

    Com a investigação em andamento, acabou sendo diagnosticada com uma doença congênita rara, a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Quando falamos que é uma doença congênita, significa que ela nasceu com isto e apenas não tinha manifestado sintomas ainda. E para doenças congênitas isso pode acontecer sim!

    A incidência dessa síndrome, em crianças, aparece em torno de 0,07%, nos Estados Unidos (algo como 1 caso a cada 1.428 crianças).

    A vacinação está lenta, porém…

    Mesmo assim, até fecharmos este texto foram 590 mil doses na capital paulista. Meio milhão de crianças. Dessa quantidade de crianças, poderíamos estimar que cerca de 413 tenham esta síndrome, por exemplo.

    Dessa forma, por que então não vemos 413 notícias de crianças colapsando?

    A resposta é simples:

    Porque não há associação entre a vacina e eventos de taquicardia em pacientes com Síndrome de Wolff-Parkinson-White, aparentemente.

    Ou seja, a vacina não tem relação com eventos cardíacos nesses pacientes.

    A vacinação infantil

    O que mais nos preocupa, neste momento, é a lentidão que a vacinação infantil avança no país. Temos um cenário de retorno às escolas, muitas crianças nem na idade vacinal estão e a retomada tem sido prevista para todas as crianças. Veja, não estamos questionando a necessidade das escolas para este público, neste momento.

    É demarcar que temos uma situação grave e precisamos de um empenho maior, da sociedade, da classe política, das sociedades científicas, para a vacinação infantil acontecer. É preciso pressão social para termos maior cobertura vacinal e segurança para esta população específica!

    Dose de reforço e esquema vacinal completo

    Por outro lado, temos também outro dado importante e muito difícil neste momento, que é o fato de muitas pessoas não estarem aderindo à dose de reforço. Aliás, temos inúmeras pessoas que não tomaram a segunda dose da vacina.
    A partir da variante Ômicron, temos considerado a dose de reforço fundamental para termos uma resposta imunológica do nosso corpo, contra uma possível infecção. Assim, torna-se necessário, e urgente, prestarmos atenção nestes dados, ampliar a vacinação da população com o esquema vacinal completo, incluindo a chamada dose de reforço!

    Até o último levantamento feito, ao escrevermos este texto, tínhamos 70,99% da população com 2 doses (ou dose única)

    Precisamos intensificar a terceira dose não como reforço, mas como dose adicional, tal como o próprio Ministério da Saúde preconizou em nota técnica recentemente, inclusive para adolescentes.

    Por fim

    Sempre que se deparar com notícias sobre reações adversas de vacina e notícias sensacionalistas, antes de compartilhar, nossa recomendação segue: procure fontes oficiais e cientistas ou divulgadores científicos que têm atuado na área, para entender melhor o caso.

    Sempre confira as informações, veja as fontes, rastreie os dados. Na dúvida, pergunte aos grupos que têm atuado nesta frente de combate à desinformação! Seja parte desta luta!

    E lembre-se, sempre: vacinas salvam vidas! Vacine-se e espalhe essa ideia!

    Para Saber Mais

    Florida Museum (2022) Risk of Death, 18 Things More Likely to Kill You Than Sharks

    Jung HJ, Ju HY, Hyun MC, Lee SB, Kim YH (2011) Wolff-Parkinson-White syndrome in young people, from childhood to young adulthood: relationships between age and clinical and electrophysiological findings, Korean J Pediatr 2011, 54(12):507-511. 

    G1 (2022) Mapa da Vacinação no Brasil

    Ministério da Saúde (2022) Ministério da Saúde recomenda dose de reforço contra a Covid-19 para adolescentes imunocomprometidos

    Resende, I (2022) Menos de 50% do público infantil recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid, CNN Brasil

    VAERS, Vaccine Adverse Event Report System

    YEO, A, KUEK, B, LAU, M, TAN, SR, CHAN, S (2022) Post COVID-19 vaccine deaths – Singapore’s early experience, Forensic Science International.

    Textos do Blogs e outras fontes:

    Julio Ponce escreveu dois fios no Twitter sobre o tema, aqui e aqui, que inspiraram a organização deste texto.

    Mais sobre Reações Adversas, Vacinação Infantil; Desinformação sobre vacinação infantil, e outros textos sobre vacina no Especial COVID-19 do Blogs Unicamp.

    Mais informações também podem ser vistas no site do Todos Pelas Vacinas

    Os Autores

    Julio C Ponce é Bacharel em Ciências Moleculares e Farmácia-Bioquímica, Mestre em Fisiopatologia Experimental e Doutor em Epidemiologia. Julio é autor convidado do Blogs Unicamp, para o Especial Covid-19.

    Ana Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, Mestre e Doutora em Educação, Livre Docente pelo Instituto de Biologia da Unicamp e Coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • No Brasil, é mais fácil vacinar crianças ou envenená-las?

    Texto por Paulo Andreetto de Muzio

     

    Imagine se fizessem o mesmo barulho para a liberação de veneno que fizeram e ainda estão fazendo para tentar barrar a aprovação de vacinas. Só imagine…

    No dia 9 de fevereiro, a câmara dos deputados aprovou o Projeto de Lei nº 6.922 de 2002, conhecido como PL do Veneno, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil. O resultado da votação foi de 301 a favor, 150 contra e duas abstenções. Neste momento o projeto tramita para o Senado.

    Ano após ano o Brasil bate recordes de liberação de agrotóxicos. Em 2020 foram 493 e em 2021 mais 562. “Entre os 50 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 30 já são banidos em outros países”, afirma o deputado federal Alessandro Molon, do Partido Socialista Brasileiro, contrário à flexibilização. A aprovação de veneno vem aumentando desde 2016, ano em que Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, foi tirada do cargo de Presidenta da República.

    A língua não é neutra e sempre é utilizada na construção das narrativas. Luiz Nishimori, do Partido Liberal, relator do projeto, modifica alguns termos na própria redação do PL substituindo agrotóxicos (assim aparecem na Constituição Federal) por pesticidas. E quando utilizados em florestas e ambientes hídricos, passam a ser denominados produtos de controle ambiental. Também não é incomum militantes pró-veneno chamarem os agrotóxicos de defensivos agrícolas. É um belo eufemismo, pra não dizer mau-caratismo semântico. Um negócio que ataca a vida, que mata, ser colocado como algo que defende, que protege. O que está realmente sendo defendido é o lucro de alguns poucos capitalistas em cima de mortes e da degradação do meio ambiente.

    Prejuízos à saúde humana e impactos no Meio Ambiente

    Os agrotóxicos podem causar nas pessoas efeitos como como “aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade da produção de hormônios da tireoide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças”.  Também podem causar câncer.

    Os principais afetados são agricultores, agentes de controle de endemias, trabalhadores de empresas desinsetizadoras e das indústrias de agrotóxicos. Mas todas a população está exposta a agrotóxicos pelo consumo de alimentos e água contaminados.

    E se engana quem pensa que os agrotóxicos estão presentes apenas em produtos frescos. Pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, mostra que “os resíduos de agrotóxicos permanecem até em produtos ultraprocessados, como bisnaguinhas, bolachas recheadas, biscoito de água e sal, cereais matinais, bebidas de soja e salgadinhos. Foram 27 produtos analisados, divididos em oito categorias. Dessas, seis apresentaram  resíduos de agrotóxicos.”

    Com tanto veneno sendo solto no mercado, fica bastante difícil especificar os impactos negativos de cada um deles. Alguns são mais leves, outros mais pesados.

    O glifosfato, por exemplo, é o agrotóxico mais utilizado no Brasil. Um estudo realizado por pesquisadores das universidades de Princeton, Fundação Getulio Vargas e Insper revelou que a disseminação do glifosato nas lavouras de soja levou a uma alta de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem água de regiões sojicultoras. Isso representa um total de 503 mortes infantis a mais por ano associadas ao uso do glifosato na cultura de soja.

    Os agrotóxicos podem contaminar os corpos hídricos, afetando tanto a vida aquática quanto o abastecimento humano. Comprometem ainda a fertilidade do solo.

    Alguns desses produtos podem impactar na biodiversidade de insetos. No caso da mortalidade de abelhas, principal polinizadora animal, comprometem a própria produção agrícola. Algumas culturas são essencialmente dependentes dessa polinização, como abóbora, acerola, cajazeira, cambuci, castanha do pará, cupuaçu, fruta do conde, gliricídia, jurubeba, maracujá, maracujá doce, melancia, melão e urucum. Quando não polinizadas, a produção cai entre 90 e 100%.

    Lobby poderoso

    No documentário O Veneno Está na Mesa (2011), de Silvio Tendler, Eduardo Galeano afirma que os agrotóxicos, que são venenos contra a natureza, estão sendo permitidos até mesmo por governos progressistas em nome de uma produtividade, a partir de um critério economicista do que é o desenvolvimento humano. E dessa forma, esses governos aceitam os agrotóxicos como se fossem uma necessidade inevitável. Vale lembrar que Kátia Abreu, pecuarista pró-veneno e atualmente senadora pelo estado de Tocantins, que não consegue parar quieta em um partido político, foi Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no segundo mandato do governo Dilma.

    Se em gestões progressistas já estava ruim…

    Anos atrás, no Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, conversei com uma pessoa que representava uma ONG que exibia filmes sobre temas ambientais e havia firmado uma parceria com uma secretaria de estado de Meio Ambiente para a realização de sessões de cinema. O cronograma já estava rolando e vários filmes já haviam sido exibidos. Ela me contou que ao ser divulgada a exibição de O Veneno Está na Mesa, rolou censura. Tema sensível. Polêmico até mesmo para uma pasta governamental de Meio Ambiente.

    Ano passado escrevi aqui no blog como profissionais são perseguidos ao mexer em vespeiros como esse. Larissa Mies Bombardi, doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), publicou em 2017 o Atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Em 2019 foi publicado em inglês na Europa e, após a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia boicotar produtos do Brasil, Larissa sofreu intimidações por personalidades e instituições do agronegócio. Além disso, foi vítima de um assalto a sua casa em que o notebook com dados de sua pesquisa foi roubado. Monica Lopes Ferreira, imunologista do Instituto Butantan, também sofreu retaliações por sua pesquisa. Em 2018, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estudou 10 tipos de agrotóxicos e demonstrou que não há doses seguras para o uso de nenhum deles. A direção do Instituto Butantan proibiu Monica de submeter novos projetos de pesquisa por seis meses. Ela teve que entrar na justiça para reverter a situação.

    Ainda temos fresco na memória a perseguição recente por parte do desgoverno miliciano a servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no contexto da pandemia de Covid-19, após a aprovação da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos.  Em 2010, José Agenor Álvares, um dos diretores da Anvisa, deu entrevista à edição brasileira do jornal francês Le Monde com o título “Brasil envenenado”, fazendo crítica ao uso excessivo de agrotóxicos pela agricultura brasileira. Na época, acabou sendo intimado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, na figura de Kátia Abreu, para prestar esclarecimentos.

    A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional realizou levantamento em 2021 que revelou que 19 milhões de pessoas passam fome no Brasil. Desde 2018 somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Em nome de uma suposta necessidade de alimentar a população, envenena-se a terra e tudo o que se vive nela. Uns poucos lucram com isso e grande parte da população continua passando fome.

    Imagine se vacinar as crianças fosse mais fácil que envenená-las… só imagine.

     


    Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor.

  • Arte e gastos públicos

    Texto por Lucas Miranda

    O que vem à sua mente quando você vê uma performance como essa da imagem? E o que vem à mente se eu te contar que ela teve um custo de 20 mil reais para a prefeitura da cidade de Juiz de Fora / MG? Um absurdo? Qualquer coisa menos arte? Um dinheiro que poderia estar sendo utilizado para cobrir buracos, melhorar os postos de saúde, melhorar a segurança pública? Uma “lacração”?

    Nesse texto, vamos conversar um pouco sobre gastos públicos com cultura e o que exatamente é arte.

    Este conteúdo foi originalmente produzido em vídeo, mas se preferir pode lê-lo logo depois do player!

    Cartaz chamando o público para a Semana de Arte Moderna de 1922. 

    100 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo

    No dia 13 de fevereiro de 2022, a famosa Semana de Arte Moderna de 1922 completa 100 anos. A Semana aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo e foi um grande catalisador de mudanças importantes na linguagem artística brasileira. A partir desse marco, surge o chamado “modernismo” no Brasil, trazendo uma estética bastante diferente.

    Até aquele momento, prevalescia a expressão artística do academismo, baseada nas academias de arte europeias e instituída no país desde 1816, com a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios por D. João VI.

    A arte acadêmica tinha um caráter bastante moralista, muitas vezes recorrendo a cenários bíblicos ou à coragem nobre de soldados em guerras. A idealização das formas e dos corpos também era algo que se perseguia, evitando-se ao máximo o mundano, o cotidiano e o real. As obras academistas eram carregadas de técnias complexas, uso moderado de cor e de tinta e as superfícies eram perfeitamente lisas (sem que se pudessem perceber os traços do pincel).

    Com a intenção de promover uma renovação artística e social no Brasil, um grupo de artistas (revolucionários) que se apresentariam na grande e esperada Semana de Arte Moderna de 1922, resolveram apresentar obras que causavam drástico rompimento com a expressão artística vigente (o academismo). Dentre as várias apresentações de música, poesia, esposição de obras, as obras dos chamados “modernistas” eram muito mais mundanas, cotidianas, coloquiais, cômicas, irônicas e com temáticas bem brasileiras.

    É claro que isso desagradou uma parcela importante da população e gerou diversos ataques aos artistas e a esse movimento. Mesmo assim, essa semente plantada em 1922 levou a uma série de movimentos e mudanças estilísticas nos anos seguintes.

    Segundo a jornalista e historiadora Marcia Camargos, o maior legado da Semana de 1922 “foi no sentido de libertar as artes e a cultura das amarras do academicismo, do parnasianismo, dos padrões europeus, para dar inicio à construção de uma estética nacional”.

    Primeira Missa no Brasil (1861). Obra de caráter histórico do período academicista do artista Victor Meirelles
    Samba (1925). Obra modernista do artista Di Cavalcanti

    Ataques à arte

    Para homenagear o centenário da Semana de 1922, a Prefeitura de Juiz de Fora lançou o edital cultural “Pau Brasil” para apoiar 15 ações culturais e artísticas na cidade com o valor fixo de R$ 20.000,00.

    Dos projetos contemplados o 5º lugar foi uma intervenção cultural chamada PRAIA. De acordo com a diretora dessa intervenção,

    “A ideia é a gente ocupar o Parque Halfeld [um ponto de encontro importante da cidade] de uma maneira diferente do que acontece normalmente e estamos aqui para propor novos olhares, novas maneiras de estar, questionando protocolos sociais, preconceitos e se dando ao prazer de desfrutar esse momento”.

    A intervenção artística, que ocorreu no dia 05/02/2022, consistiu em um grupo de artistas sobre uma lona amarela simulando que estavam na praia (tomando sol, conversando, etc.). Parte da população de Juiz de Fora criticou fortemente essa intervenção, alegando que: 1) isso não é arte e 2) foi um dinheiro jogado fora e os 20 mil reais gastos pela prefeitura poderiam ser utilizados para, por exemplo, cobrir buracos no asfalto.

    As críticas foram tão intensas, que o setor de inteligência da Secretaria de Segurança Urbana recomendou a suspensão da segunda apresenação dessa intervenção, de modo a proteger a integridade física dos artistas.

    É assustador ver uma performance artística precisar ser cancelada por risco à integridade física dos artistas. Da mesma forma que a Semana de Arte Moderna de 1922 sofreu ataques duros, essa intervenção (que homenageou a Semana de 1922) e outras obras artísticas que provocam rompimento com a arte mais pura, mais moralista, também sofrem ataques até hoje. Isso mostra que nesses 100 anos ainda não aprendemos tanto assim com os artistas modernistas, embora a arte tenha se transformado muito.

    Dinheiro jogado fora?

    O projeto “PRAIA” recebeu R$ 20.000,00, como estava previsto no edital Pau Brasil, sendo que cerca de 5.000,00 ficaram retidos por imposto de renda. O dinheiro restante foi usado para remunerar: 1) uma oficina de criação de 1 mês de duração; 2) duas apresentações de 2h de duração com um grupo grande de artistas; 3) a produção de um vídeo de registro; e 4) uma oficina de avaliação aberta ao público. Ou seja, não foram 20 mil reais por uma performance.

    Para ser aprovado neste edital, o proponente deveria justificar a destinação de cada centavo gasto no projeto (e valores superfaturados ou gastos desnecessários poderiam fazer o projeto ser desclassificado) e após a sua execução todos os gastos deveriam ser comprovados. Ou seja, tudo é muito bem controlado e avaliado pela Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (Comic), que é composta por membros do poder público e da sociedade civil (principalmente da classe artística).

    Existem outros fatores importantes também: o projeto precisa ter alguma acessibilidade (seja para surdos, cegos, pessoas com deficiência, etc.); precisa estar muito bem justificado quanto ao seu objetivo artístico (e isso é avaliado por artistas); e ainda precisa oferecer uma contrapartida social gratuita (isso quer dizer que quem ganha essa verba precisa de oferecer gratuitamente uma oficina, um curso, uma aula, etc. para a poppulação da cidade. Ou seja, há aí uma importante devolutiva à sociedade, cujo dinheiro foi investido nesse projeto.

    Por fim, vale dizer que seria impossível a prefeitura simplesmente pegar esse dinheiro e usar para cobrir buracos no asfalto, simplesmente porque é uma verba que já está destinada à pasta da cultura. Quando a prefeitura aprova a lei orçamentária de um ano, ela já estabelece quanto de verba vai para cada setor. Uma vez que o dinheiro foi para a cultura, lá ele fica, e quem vai administrá-lo é a secretaria responsável. Além disso, um investimento de 300 mil reais (que foi o orçamento do edital inteiro, que contemplou 15 projetos) pode até parecer um valor exorbitante, mas não é. Para uma cidade que tem um orçamento anual da ordem de 2 bilhões e 600 milhões, esse investimento é muito pequeno. A arte sempre recebeu, e recebe, muito pouco. E o pouco que ela recebe é sempre alvo de muitos ataques e questionamentos.

    Sobre o argumento de que isso é ou não arte, nem faz sentido entrar nessa discussão, uma vez que as pessoas que mais estão defendendo que esta intervenção não é arte não têm qualquer formação artística e, pelo visto, não são consumidoras de algumas lingagens artísticas, como a arte performática. Muitas das críticas também se originam de um pensamento mais moralista e conservador e traz uma bagagem ideológica que dificulta o indivíduo a se abrir a expressões artísiticas que rompem com esse conservadorismo.

    No fim, a melhor prova de que trata-se de uma obra de arte singela e potente é que ela cumpriu um papel importante de provocar, tocar em feridas da sociedade e efervescer discussões.


  • As 11 Fake News sobre vacinas infantis que circularam antes e durante a consulta do Ministério da Saúde

    Segundo agências de checagem de fatos, 90% dos textos abordam a questão da segurança das vacinas. Eles distorcem estudos, peças publicitárias e até falas do Diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, parte dos conteúdos trazem vídeos de médicos e especialistas (nem sempre reconhecidos pela comunidade científica) que desaconselham vacinar as crianças, contribuindo para confundir a população.

    Contexto

    Após pouco mais de 22 meses desde que a OMS caracterizou a Covid-19 como pandemia, as vacinas ainda são a única medida eficaz, de que se tem notícia, para combater a doença, porém, no Brasil a imunização tem sido questionada não só por movimentos historicamente contrários às vacinas, mas também, surpreendentemente, por lideranças políticas que, paradoxalmente, deveriam zelar pela saúde da população. 

    O último embate, em que mais uma vez as autoridades nacionais se prestaram ao papel de questionar a necessidade das vacinas, começou no dia 26 de outubro de 2021 quando o comitê de especialistas do Food and Drug Administration (FDA), agência federal reguladora de saúde dos Estados Unidos, recomendou a aplicação da vacina em crianças de 5 a 11 anos. Assim, no dia 27, a imprensa noticiou que a farmacêutica Pfizer anunciou que solicitaria à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para vacinar crianças a partir de 05 anos de idade, o que se deu no dia 12 de novembro.

    Já em16 de dezembro, a agência aprovou o uso e divulgou os resultados técnicos de sua análise. Aliás, no mesmo dia, em live para seguidores, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ameaçou divulgar os nomes dos técnicos da Anvisa que participaram da aprovação do imunizante para crianças. Além disso, no dia 18, o quarto ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, Marcelo Queiroga, anunciou que o governo federal realizaria uma consulta pública sobre a vacinação de crianças antes de decidir se aprovaria o início da imunização para elas, medida criticada tanto por médicos quanto por técnicos da Anvisa.

    Por que é importante verificar quais fake news circularam em dezembro?

    Em Saúde Pública (mas não apenas), a desinformação é um gravíssimo problema, pois, pode, por um lado provocar sobre demanda nos Sistemas de Saúde com exames desnecessários, motivados por alarmismo, por outro, levar pessoas a comportamentos extremos como deixar de realizar tratamentos necessários e de usar remédios essenciais para sua vida, enfim, no limite, a desinformação pode matar. Dessa forma, dado o momento em que o Ministério da Saúde solicitou uma consulta pública sobre o tema, a desinformação pode ter sido usada para distorcer a percepção das pessoas sobre as vacinas contra a Covid-19 para crianças.

    Metodologia

    Foram colhidas manualmente informações verificadas pelos sites, editorias e agências de checagem brasileiros Boatos.org, Aos Fatos, Projeto Comprova, Fato ou Fake, Uol Confere e Lupa, entre 01 dezembro de 2021 e 03 de janeiro de 2022. Assim, no total, os jornalistas realizaram no período cerca de 226 checagens, das quais 79 estavam relacionadas à Pandemia da Covid-19. Dentre estas, há 11 peças desinformando sobre a vacina infantil contra a Covid-19. Dessa forma, optamos por classificar essas verificações utilizando os rótulos de Misinformation and Disinformation (M&D) em Vacinas, compostos por 5 categorias e 17 subcategorias, elaborados por integrantes do Grupo de Estudo da Desinformação em Redes Sociais (EDReS), da Unicamp :

    1. Segurança: vacinas causam doenças (A); pessoas vacinadas transmitem a doença (B); vacinas causam autismo (C); as vacinas causam efeitos colaterais graves (D); as vacinas contêm ingredientes perigosos (E); é mais seguro contrair a doença do que vacinar (F); as vacinas podem prejudicar o sistema imunológico (G); sobrecarga de vacinas e suas consequências (H); esquemas alternativos de vacinação são mais seguros (I)

    2. Efetividade: as vacinas não funcionam (J); as vacinas não são responsáveis ​​pela diminuição das doenças (K)

    3. Saúde alternativa: promoção de alternativas à vacinação, principalmente serviços naturopáticos e de bem-estar (L)

    4. Moralidade: associação entre vacina contra HPV e promiscuidade, e / ou questões religiosas (M)

    5. Teorias da conspiração: narrativas sobre instituições poderosas ou atores com intenções nefastas e planos secretos (N)

    6. Outro: autodireção – liberdade de escolha, pesquisa independente (O); alegam que quem conhece a “verdade” não vacina (P); apelo emocional (Q) 

    (TOKOJIMA MACHADO, DE SIQUEIRA e GITAHY, 2020: p. 03)

    Análise

    Discussão

    Das 5 categorias possíveis de M&D em Vacinas, figuram na amostra Segurança (81%) e Teorias da Conspiração (19%). Assim, de todas as 17 subcategorias categorias possíveis, figuram quatro: as vacinas causam efeitos colaterais graves (D), as vacinas contêm ingredientes perigosos (E) as vacinas podem prejudicar o sistema imunológico (G), e narrativas sobre instituições poderosas ou atores com intenções nefastas e planos secretos (N). 

    Contudo, há textos que podem ser enquadrados em mais de uma categoria, como por exemplo a desinformação sobre 13 crianças que teriam morrido na África em função da vacina (categoria D) que também é associada ao nome do empresário estadunidense Bill Gates (categoria N). Dessa forma, por essa perspectiva, o número de textos que abordam a segurança dos imunizantes sobe para 90%.

    Observando especificamente para as 09 peças que versam sobre efeitos colaterais graves causados por vacinas, constata-se que 04 delas associam vacinas diretamente a mortes de crianças, em 02 os “especialistas” desaconselham a vacinação de crianças, em outras 02 a vacina é associada a riscos de AVC, miocardite e pericardite em crianças e 01 repisa a teoria da “vacina teste”.

    Hoje, já existe um consenso de que esses conteúdos não são tão espontâneos quanto fazem parecer e que existe uma linha de produção de desinformação com interesses financeiros e/ou políticos, um Ecossistema da Desinformação. Assim, partindo dessa premissa, a absoluta predominância de peças com foco nos efeitos colaterais das vacinas apontam para o interesse em criar na população uma atmosfera de risco, levando-as a hesitar em vacinar seus filhos. Apesar disso, conforme apontam recentes levantamentos de opinião, a imensa maioria dos brasileiros (79% segundo o Datafolha e  72%, Genial / Quaest), pretende vacinar seus filhos.

    Por fim…

    Neste estudo não dispomos de dados para afirmar que esses 18% (em média) de pais que ainda hesitam em vacinar seus filhos estão sendo influenciados pela desinformação que circula desenfreadamente via mídias sociais e, por vezes, na mídia tradicional, uma vez que insiste em dar espaço para negacionistas da vacina. Todavia, outros estudos utilizando a Análise de Redes podem confirmar ou negar essa hipótese, mapeando o alcance dessas publicações, os seus produtores e toda a rede de disseminadores que trabalha diuturnamente contra a saúde pública e contra a ciência.

    Referências: 

    PROJETO COMPROVA (2021) É enganoso que vacina contra covid-19 tenha provocado aumento de morte de crianças

    PROJETO COMPROVA (2022) Médica distorce estudo para atacar vacinas e é desmentida pelo autor.

    TOKOJIMA MACHADO, DF, DE SIQUEIRA, AF, GITAHY, L (2020) Natural stings: selling distrust about vaccines on Brazilian YouTube Frontiers in Communication, Volume 5, p 91.

    G1, Fato ou Fake

    DOMINGOS, R “É #Fake que”:

    Cartaz de campanha de prevenção ao AVC em crianças na França tenha relação com a vacina contra Covid-19

    Cartaz de campanha de prevenção ao AVC em crianças na França tenha relação com a vacina contra Covid-19

    Imagens de autópsia mostrem lesões causadas por vacina contra Covid e que imunizante cause vasculite

    Vídeo de homem que se diz inventor das vacinas de mRNA e afirma que vacinas são tóxicas para crianças

    Vídeo que diz que Austrália vai colocar 24 mil crianças em ‘campo de quarentena’ para serem vacinadas

    Boatos.org

    BECKER, K (2021) Pfizer admite que vai levar 5 anos para descobrir riscos de vacinas para crianças #boato

    MATSUKI, E

    13 crianças morreram após serem vacinadas contra Covid-19 na África #boato,

    Austrália cria campo de concentração para não-vacinados e vai vacinar crianças à força #boato

    Diretor da OMS diz que vacinas contra Covid-19 matam crianças #boato

    Diretor da OMS diz que vacinas contra Covid-19 matam crianças #boato

    Robert Malone é o inventor da vacina mRNA e está certo sobre vacinação de crianças #boato

    Agência aos fatos

    FAUSTINO, M (2021) Em vídeo, médica mente sobre substâncias e efeitos adversos de vacinas contra a Covid-19. Agência Aos Fatos

    MENEZES, LF (2021) É falso que Anvisa aprovou sem contraindicação vacina da Pfizer para crianças Agência Aos Fatos.

    MENEZES, LF (2021) Em vídeo, virologista falseia ao dizer que vacinas de mRNA são tóxicas para crianças Agência Aos Fatos

    RUDNITZKI, E (2022) Austrália não vai separar 24 mil crianças de seus pais para vaciná-las em ‘campo de quarentena’ Agência Aos Fatos

    PACHECO, P (2021) Vacinas contra Covid-19 não provocam liberação de fibrina na corrente sanguínea Agência Aos Fatos

    Agência Lupa

    NOMURA, B (2021) #Verificamos: É falso que Austrália colocou 24 mil crianças em ‘campos de quarentena’ para vaciná-las, Agência Lupa.

    NOMURA, B (2021) #Verificamos: É falso que vacinas de RNA mensageiro levam à produção de proteínas tóxicas em crianças Agência Lupa

    SKROCH, JB,  MACÁRIO, C (2021) #Verificamos: Médica distorce informações ao relacionar vasculite a vacinação contra a Covid-19, Agência Lupa

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Maurílio é autor no Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Join the campaign #Igetvaccinated

    This post was kindly translated by Marina Fontolan (@Mafonts01)

    You are: Science communicator Artist Or Scientist: Join us to create content to encourage Covid-19 children (5-11 yo.) vaccination efforts and counter disinformation!
    a campaign by the movement All for the Vaccines www.todospelasvacinas.info Contact info: Ana Arnt blogs@unicamp.br Flávia Ferrari obscovid19br@gmail.com

    All for the Vaccines movement invite all science communicators, artists, and scientists to act upon encouraging Covid-19 Vaccination to Children


    The new campaign #Igetvaccinated aims at counter disinformation on Covid-19 children vaccination and encourage the vaccination for 5 to 11 year olds

    While we wait for the children vaccines to arrive, the  All for the Vaccines movement is organizing a campaign #Igetvaccinated. Our movement unites science communicators, artists, scientists, science institutions, and famous people to foster pro-vaccination campaigns.

    As children vaccination efforts draw near, we noticed that the amount of disinformation on vaccines and specialists countering them has grown. Differently from our previous campaigns, #Igetvaccinated will not have a specific launch date and it is already receiving support and organizing its actions.

    The movement All for the Vaccines is organized by ABRASCO, Unicamp’s Science Blogs, COSEMS/SP, Halo team/United Nations (UN), UPS Vaccine Research Center (NPV-USP), Observatório COVID-19 BR, Rede Análise COVID-19, ScienceVlogs Brazil, and the Pro-Vaccine Union (União Pró-Vacina).

    Our campaings aim at dialoguing with the population through digital content created by specialists and science communicators with information on Covid-19 vaccines. Our website (www.todospelasvacinas.info) presents all the content generated during our campaigns in formats ready to be shared in all social media, including texas, audios, images and videos. 

    In our current campaign, we have created a new space for our campaign: children (5 to 11 yo.) – who has their parent’s consent – can send drawings or other types of arts (without exposing themselves) explaining “why #Igetvaccinated”. All art can be sent to blogs@unicamp.br and odospelasvacinas@gmail.com. They will be published in the website and the social media.

    On the campaign, Flávia Ferrari (Observatório COVID-19 BR) states that “vaccines save lives, but the virus will not go magically extinct; we need a great vaccination coverage and we need to vaccinate children as soon as possible, so we can continue to fight the disease”.

    Unicamp’s Science Blogs’ coordinator, Ana Arnt remind us that “the National Immunization Program is one of the most important milestones of our country’s Health Public history. It allowed us to eradicate polio and smallpox. Now it is time to face yet another chapter, to protect children against Covid-19, lowering the number of cases in Brazil”.

    Rede Análise COVID-19’s member Mellanie Fontes-Dutra affirms: “To all parents who are unsure, who thinks that there are not enough studies for children (5-11 yo.) vaccination, it is important to point out that ANVISA’s document approving children vaccination explains all the details and reassures vaccination safety”. The researcher also states that it is crucial to vaccinate the children, fostering the country’s fight against Covid-19.

    Contact info: Ana Arnt blogs@unicamp.br and Flávia Ferrari obscovid19br@gmail.com

    Original content:

  • Vacina contra COVID-19 para Crianças: entre o dever e o poder, o que prevalece?

    Era uma época sombria. Os mortos se acumulavam. O vírus caminhava pelas ruas sem controle, como uma besta desvairada, batendo de porta em porta e entrando naquelas que se abriam à ele. Infestava tudo e todos que encontrava em seu caminho: desde combatentes da pandemia a desavisados, perdidos e negacionistas.

    E então ela chegou, aquela que realmente poderia afastar as escuras nuvens que tomavam nosso mundo, permitindo que o sol brilhasse novamente nesse pálido ponto azul que chamamos de Terra: a Vacina.

    Começou com os idosos. Pais, avós, tios, conhecidos. Reclusos, com medo e trancados desde o início da pandemia. 

    Com o tempo, aqueles de meia idade, muitas vezes chamados efetivamente de “adultos”, foram sendo vacinados. 50, 40, 30 anos… a cada semana, pessoas mais novas eram chamadas.

    Então, chegou nosso momento, os “jovens”. Após ver avós e pais vacinados, finalmente seria a nossa hora. A tão sonhada proteção estava chegando, e logo poderíamos – quem sabe – rever os amigos, dessa vez sem o intermédio de uma tela.

    E agora?

    Com a situação um pouco mais calma, mas não completamente resolvida (e podendo facilmente voltar ao caos passado), a vacinação da próxima geração, as nossas crianças, se aproxima a passos módicos. Entretanto, assim como um vulto que persiste em ficar na extremidade de nossa visão, as sombras do movimento antivacina se lançam sobre os indivíduos, espalhando o medo e mentiras sobre a vacinação dos menores.

    Pensando nisso, viemos aqui para explicar as novas notícias sobre a vacinação das crianças e responder suas dúvidas, cara leitora e leitor, para que possa entender melhor sobre isso e proteja suas filhas e filhos.

    O que se sabe sobre a COVID-19 em crianças?

    O vírus causador da COVID-19, o SARS-CoV-2, tem muitas similaridades com o vírus causador da SARS em 2003, o SARS-CoV-1. Entretanto, os casos infantis entre as duas doenças têm algumas diferenças. Na SARS, os casos entre crianças eram bem raros e tinham um histórico de exposição muito claro. Isto é, sabia-se como, onde e quando a criança havia pego o vírus. Já com a COVID-19, esse rastreio de casos foi e é bem mais complicado [1]. 

    A princípio, como muitas crianças desenvolviam a forma leve ou assintomática, os casos entre elas eram ignorados. Assim, dizia-se que não haveria qualquer problema em elas pegarem o SARS-CoV-2. Com o passar das semanas e o aumento gigantesco do número de infecções, começou-se a ver que esses casos assintomáticos (tantos infantis quanto adultos) eram fonte de uma parte significativa do espalhamento do vírus. 

    Mas há muito mais informações hoje…

    Atualmente, até onde se sabe, a COVID-19 afeta todas as idades de crianças e adolescentes, desde recém-nascidos até maiores de 18 anos. Os principais sintomas que elas apresentam são febre e tosse. No entanto, outros sintomas inespecíficos podem aparecer, como dor de cabeça e de garganta, cansaço, nariz tampado e escorrendo, vômito e diarréia [2, 3]. Em geral as crianças desenvolvem a forma assintomática, leve ou moderada da COVID-19. Todavia, alguns estudos sugerem que recém-nascidos (e crianças com menos de 1 ano de idade) possuem 3x mais chances de ter sintomas gastrointestinais e desenvolver a forma severa da COVID-19 [3]. Assim, pensando nisso, é de suma importância levar em consideração ainda a proteção dos pequenos, seja mantendo-os em isolamento social ou levando-os para se vacinar, quando as campanhas de vacinação para essas faixas de idade começarem.

    ainda sobre controvérsias

    Infelizmente, nos dias atuais, o mesmo discurso do começo da pandemia (sobre não haver risco para as crianças) ainda é utilizado para advogar a volta às aulas, mesmo já sabendo de tudo isso. Mas, é claro que, por um lado, compreendemos ser muito difícil todo o processo de ensino a distância, as dificuldades e problemáticas criadas com ele, fora a questão que muitas crianças de famílias necessitadas dependiam de serviços escolares para necessidades de saúde mental, física e nutricional. 

    Entretanto, é necessário lembrar que apesar da maior parte das crianças desenvolverem casos leves de COVID-19, elas ainda podem desenvolver casos severos e vir a falecer, principalmente aquelas que possuem alguma comorbidade, são imunocomprometidas ou fazem uso de imunossupressores. Além disso, alguns estudos vêm sugerindo que, assim como em adultos, após uma infecção de COVID-19 em crianças, pode haver a persistência de sintomas como cansaço, dor muscular, insônia, problemas respiratórios e de concentração, durante vários meses pós-infecção [4, 5].

    Mas algum país já está vacinando menores de 12 anos?

    Sim! Alguns países já começaram a vacinar as suas crianças 

    • Cuba: a partir de 2 anos com a Soberana 2 e Soberana Plus [6],
    • Chile: 6 anos ou mais com CoronaVac [7],
    • China: a partir de 3 anos com CoronaVac [8],
    • Estados Unidos: a partir dos 6 anos com a Pfizer [9].

    A grande questão aqui é que os Estados Unidos foi o primeiro país a ter uma vacina (Pfizer) aprovada para uso emergencial em crianças por uma agência reguladora e a publicar os dados das fases de teste em revistas científicas, para avaliação do resto da comunidade científica [10]. Enquanto isso, tanto os dados da Soberana 2 (em Cuba) e da Coronavac (no Chile e na China) permanecem em sigilo. Ou seja, sem comunicação oficial para a OMS e revistas científicas para revisão por pares. 

    Assim, por esses e outros motivos que vamos apresentar agora as principais informações referentes às vacinas contra COVID-19 que estão sendo testadas e aprovadas para uso em crianças:

    Vacina Pfizer [10-13]:

    • Pode ser aplicada em crianças de 5 a 11. A Pfizer e Biontech anunciaram que até o final de 2021 iriam publicar os dados referente ao uso da vacina em crianças entre 6 meses e 5 anos.
    • A dose utilizada em crianças de 5 a 11 é ⅓ da dose original utilizada em adultos e jovens maiores de 12 anos. 
      • Serão aplicadas duas doses, com um intervalo de 3 semanas entre elas.
    • A quantidade de anticorpos neutralizantes (falamos sobre este conceito nesse e nesse texto) observadas nas crianças após um mês da segunda dose, foi bem parecida com a quantidade vista em jovens e adultos.
      • Isso quer dizer que mesmo com a dose sendo menor, as crianças acabam tendo uma proteção boa.
    • Não foram vistos grandes efeitos colaterais. Os poucos efeitos observados assemelham-se com os efeitos que aparecem em jovens adultos.
    • A eficácia da vacina ficou por volta dos 90%, bem parecido com a eficácia em adultos.
    • A Pfizer já obteve, em nosso país, a aprovação da ANVISA para uso da sua vacina para crianças entre 5 e 11 anos.

    Vacina Moderna [14-17]:

    • Ainda não há aprovação pelo FDA, mas a Moderna já divulgou alguns dados de fase ⅔ da sua vacina infantil, anunciando que logo deve enviar para análise da agência reguladora.
    • Vacina testada em crianças entre 6 e 12 anos (assim como da Pfizer). Demonstrou uma boa capacidade na geração de anticorpos neutralizantes.
    • Diferente da Pfizer, nesse caso serão duas doses com um intervalo de 4 semanas.
    • Os poucos efeitos colaterais relatados foram bem leves, como dor local, dor de cabeça e cansaço.
    • Em algumas análises preliminares, alguns pesquisadores notaram uma diferença na taxa de desenvolvimento de inflamação no coração (miocardite) em adolescentes (12-17) que receberam a vacina. Isso levou a um atraso na análise da vacina para crianças, pois quiserem verificar se também haveria essa diferença para os pequenos.
      • Ainda não se estabeleceram relações entre a miocardite como uma reação adversa e as vacinas. Para mais informações, você pode conferir aqui, aqui e aqui.

    Vacina CoronaVac [18-21]:

    • A China, Chile e Emirados Árabes já estão vacinando suas crianças e jovens entre 3 e 17 com a CoronaVac.
    • Em junho, a China aprovou o uso da CoronaVac em crianças e adolescentes, contudo, a vacinação em si só começou em meados de outubro. 
    • Apesar de já estar sendo aplicada em alguns países, até o momento só temos os dados de fase 1 e 2 (caso não lembre o que são as fases de desenvolvimento das vacinas, confira esse texto aqui) da CoronaVac nessa faixa de idade (3-17 anos). 
    • Em agosto, o Instituto Butantan fez o pedido para a ANVISA para aprovação do uso emergencial da CoronaVac em crianças, contudo, a ANVISA negou tal pedido, requisitando mais informações.
    • Até o momento, o uso emergencial para essas faixas etárias ainda não foi concedido para a CoronaVac.

    Deveríamos vacinar as crianças e só então voltar às aulas presenciais?

    Na última semana do mês de junho, 250 mil crianças tinham sido diagnosticadas – a constar, somente naquela semana – com a COVID-19 na Inglaterra. Inclusive, este foi o pior momento da pandemia no quesito escolar desde a reabertura do país em março de 2021. Em Israel, país modelo da vacinação na população adulta, o número de crianças em período escolar que testaram positivo para COVID-19, triplicou na mesma semana. Devido a somente 4% da população menor de 15 anos estar vacinada. Em suma, na época, ambos os países estavam com a vacinação bem avançada, mas ainda não o suficiente para voltar às aulas [22].

    Assim, isso nos mostra que, se não tomarmos cuidado, aqui no Brasil a mesma coisa pode acontecer. Inclusive, um aviso, já está acontecendo: cada vez mais vamos ver menores de 18 anos e crianças testando positivo para COVID-19. Aliás, vemos quando são feitos os testes, enchendo os hospitais e, inclusive, falecendo.

    Ainda é cedo para bater o martelo, mas…

    Sabemos que este é um terreno difícil de discussão e que as crianças perderam muito com os distanciamentos e pouca socialização nestes dois anos. Portanto, o debate é realmente delicado. A princípio, a nossa indicação e o que consideraríamos ideal era esperarmos um pouco mais, tanto para a volta às aulas quanto para a retomada da sociedade ao “antigo normal”. Assim, a chegada da Pfizer no Brasil é um sinal de que a etapa de vacinação infantil está mais próxima, tornando a vida social um pouco mais segura.

    Todavia, também sabemos que com a variante Ômicron tomando lugar rapidamente do cenário atual, somado ao apagão de dados e falta de testes, fica muito difícil não apenas analisar os melhores caminhos como também indicar um lugar seguro para tomada de decisões tão importantes, como as que precisamos no momento.

    Para saber mais:

    1. Zhou, MY, Xie, XL, Peng, YG, Wu, MJ, Deng, X. Z, Wu, Y, … & Shang, LH (2020) From SARS to COVID-19: What we have learned about children infected with COVID-19, International Journal of Infectious Diseases, 96, 710-714 
    2. She, J, Liu, L, & Liu, W (2020) COVID‐19 epidemic: disease characteristics in children, Journal of medical virology, 92(7), 747-754. 
    3. Cui, X, Zhao, Z, Zhang, T, Guo, W, Guo, W, Zheng, J, … & Cai, C (2021) A systematic review and meta‐analysis of children with coronavirus disease 2019 (COVID‐19), Journal of Medical Virology, 93(2), 1057-1069.
    4. Ludvigsson, JF (2021) Case report and systematic review suggest that children may experience similar long‐term effects to adults after clinical COVID‐19, Acta Paediatrica, 110(3), 914-921.
    5. Buonsenso, D, Munblit, D, De Rose, C, Sinatti, D, Ricchiuto, A, Carfi, A, & Valentini, P (2021) Preliminary evidence on long COVID in children, MedRxiv. 
    6. Oppmann, P (2021) Cuba vaccinates children as young as 2 in strategy to reopen schools, economy, CNN
    7. Mohor W, D (2021) Chile overcame the Delta variant. Now it’s racing to vaccinate kids, CNN,
    8. Wu, H (2021) China to start vaccinating children to age 3 as cases spread ABC News
    9. G1 (2021) CDC passa a recomendar vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos nos EUA
    10. FDA (2021) FDA Authorizes Pfizer-BioNTech COVID-19 Vaccine for Emergency Use in Children 5 through 11 Years of Age
    .
    1. Pfizer (2021) Pfizer and Biontech announce positive topline results from pivotal trial of COVID-19 vaccine in children 5 to 11 years.
    2. Walter, EB, Talaat, KR, Sabharwal, C, Gurtman, A, Lockhart, S, Paulsen, GC, … & Gruber, WC (2021) Evaluation of the BNT162b2 covid-19 vaccine in children 5 to 11 years of age, New England Journal of Medicine
    3. Martins, A (2021) Pfizer pede autorização à Anvisa para vacinar crianças de 5 a 11 anos, Exame
    4. Moderna (2021) Moderna Announces Positive Top Line Data from Phase 2/3 Study of COVID-19 Vaccine in Children 6 to 11 Years of Age.
    5. Moderna (2021) Moderna Provides Update on Timing of U.S. Emergency Use Authorization of its COVID-19 Vaccine for Adolescents.
    6. Hernandez, J (2021) The FDA is probing whether the Moderna vaccine can cause a rare side effect in teens, NPR.
    7. Witberg, G, Barda, N, Hoss, S, Richter, I, Wiessman, M, Aviv, Y, … & Kornowski, R (2021) Myocarditis after Covid-19 vaccination in a large health care organization, New England Journal of Medicine
    8. G1 (2021) China aprova uso da CoronaVac para crianças a partir de 3 anos, diz Sinovac.
    9. Han, B, Song, Y, Li, C, Yang, W, Ma, Q, Jiang, Z, … & Gao, Q (2021) Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine (CoronaVac) in healthy children and adolescents: a double-blind, randomised, controlled, phase 1/2 clinical trial, The Lancet Infectious Diseases
    10. Mattos, L. (2021). Butantan entra com novo pedido para aprovar uso da Coronavac a partir dos 3 anos, Folha de São Paulo 
    11. Giving Compass. (2021). The Impact Of The Delta COVID Variant On Unvaccinated Youth.

    Outros materiais:

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Maurílio é autor no Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacina de Pólio e a segurança dos protocolos de vacinação atuais

    Texto escrito por Flávia Ferrari

    O primeiro texto sobre vacinas, da equipe do Todos Pelas Vacinas, falou sobre Reações Adversas, com a Mellanie Fontes-Dutra! Hoje nós vamos falar sobre uma vacina especial, que é o coração do Programa Nacional de Imunização e a grande vedete dos fãs de vacina: a vacina de pólio (poliomielite ou a gotinha!).

    O que é pólio?

    Temos relatos de poliomielite (popularmente conhecida como paralisia infantil) desde a antiguidade. Não é, portanto, uma doença recente em nossa história, como humanidade. Porém, o vírus só foi descoberto no começo do século XX. A trajetória foi, portanto, longa até entendermos o que causa esta doença!

    A principal forma de transmissão é por contato com as fezes. Isto é, fecal-oral. Mas também pode ser transmitida de forma oral-oral. A paralisia infantil é assintomática em 95% dos casos. Todavia, em 1% dos casos podem se desenvolver sintomas graves, menos de 0,05% morrem.

    Se olharmos estes números, de alguma forma (curiosa até) eles colocam em xeque as discussões que temos hoje sobre a COVID. Isto porque muitos afirmam sobre os supostos “baixo riscos” que crianças têm ao contraírem a doença a COVID-19. Entretanto, nós sabemos que devemos tentar preservar o máximo de vidas possível, especialmente quando se trata de doenças e mortes evitáveis! Aliás, isso ainda intensifica-se ao refletirmos nas sequelas para toda uma vida e no impacto disso para a saúde pública. 

    Jonas Salk e a poliomielite

    Mas o assunto hoje é a pólio e a vacina! Então, quero contar um pouco sobre a história da pesquisa de Jonas Salk. Salk trabalhava desde 1941 com o vírus Influenza (gripe) e em 1947 começou seus estudos sobre a poliomielite. Em 1949, outros pesquisadores desenvolveram um método in vitro de propagação do poliovírus. Salk usou a técnica para produzir grandes quantidades de vírus e iniciar testes de inativação do vírus. Salk acreditava que a vacina poderia ser feita de vírus morto, produzindo assim anticorpos através da presença no sangue. 

    Os primeiros testes de segurança foram feitos em cerca de 5000 indivíduos. Salk chegou até mesmo a inocular a vacina experimental nele mesmo, na esposa e nos seus três filhos. 

    Após esses testes de segurança em pequena escala, realizou-se o maior estudo clínico já feito, recrutando 1,8 milhões de crianças só nos Estados Unidos, para realizar os testes de fase 3. 

    No caso da COVID, por se tratar de um vírus com transmissão muito mais comum, precisamos de grupos menores para tanto. Os testes de fase 3 não passaram de dezenas de milhares. 

    A aplicação da vacina de pólio

    Voltando ao teste de Salk, já em 1955, a vacina começou a ser aplicada em massa. Com um controle muito menos rígido que os atuais houve uma grande falha em um laboratório que não utilizou o procedimento correto para inativar o vírus. Com isso, de 380 mil doses lançadas pelo laboratório, 164 crianças ficaram paralisadas (0,043%) e 10 morreram (0,003%), uma porcentagem muito baixa, em relação ao total de vacinas aplicadas. No entanto, mesmo com uma porcentagem baixa assim, este foi considerado o maior desastre biológico da história dos Estados Unidos da América. 

    Aliás, tão desastroso que culminou na mudança de todo o padrão de checagem de segurança das vacinas, até os dias atuais no mundo inteiro. A cepa utilizada era a mais virulenta também, algo inimaginável nos dias atuais.

    Cabe ressaltar que após esse incidente, nenhum evento desse tipo ocorreu mais.  Devido às novas técnicas de segurança e ao controle de qualidade para as vacinas, que inclusive ajudaram a melhorar os procedimentos atuais.

    Hoje no Brasil, usamos a CoronaVac como vacina contra COVID-19 tendo a tecnologia de vírus inativado que possui mais de um método de inativação. Isto é, o utilizado pela vacina Salk e também métodos de radiação de alta frequência. Além disso, usamos atualmente métodos de controle muito mais efetivos.

    Como assim? Quer dizer que usam o mesmo método catastrófico do Salk? Não. Quer dizer que aprimoramos a tecnologia de inativação do vírus, construímos conhecimento sobre nossos erros

    Hoje, o método de vacinas de vírus inativado é considerado muito seguro.

    Em 1961, com a continuidade da vacinação e revisão dos protocolos, os casos reduziram 90% só nos Estados Unidos. No Brasil, a vacina começou a ser utilizada a partir de 1960.  Porém não temos dados seguros da redução, pois não havia notificação compulsória até 1968. 

    Na década de 80 surgiram os Dias Nacionais de Vacinação (e o Zé Gotinha – A gente tem um vídeo fofo disso). Em 1991 houve o último caso de pólio nas Américas! Um marco histórico de vitória de uma política pública de saúde tão importante!

    Em 1994 fomos certificados como área livre de circulação de pólio selvagem. Segundo projeções, se a queda continuar no mundo todo (hoje apenas Nigéria, Afeganistão e Paquistão e outros casos relatados em outros países), em 2024 poderemos ter erradicado o vírus no mundo, 70 anos após o desenvolvimento da vacina.

    Segundo a Organização Mundial da Saúde, erradicar a poliomielite significaria uma economia mundial de cerca de 40 bilhões de dólares, pelo menos. Este número torna-se ainda mais significativo quando levamos em conta que são países de baixa renda os afetados por esta doença. Mas mais importante do que isto, a OMS aponta que:

    Quando a pólio for erradicada, o mundo poderá celebrar a entrega de um grande bem público global que beneficiará todas as pessoas da mesma forma, não importando onde elas vivam (…) o sucesso significará que nenhuma criança voltará a sofrer os terríveis efeitos da paralisia provocados pela poliomielite ao longo da vida

    E o que isto tem a ver com a vacinação de COVID-19, o Todos Pelas Vacinas e nossa campanha de vacinação infantil?

    É importante termos noção de que a ciência não funciona em saltos com soluções inéditas. Sabemos que vivemos atualmente um momento difícil, que parece se arrastar por nossas vidas e esperamos diariamente notícias de que a pandemia acabou. Mas compreender estes processos científicos também torna-se parte da possibilidade de confiar mais ainda nos processos científicos. Isto é, compreender que a ciência funciona a partir de análises anteriores, técnicas já desenvolvidas, aprimoradas, para problemas contemporâneos e novos. A vacina para Covid, como não poderia deixar de ser, utilizou-se de plataformas, técnicas e conhecimentos prévios para ser desenvolvida com segurança para nós e para as crianças.

    Assim, reforçamos alguns pontos: Vacinas salvam vidas, mas não extinguem o vírus em um passe de mágica. A pesquisa em vacinas pode ser rápida, ainda mais se houver interesse público, financiamento e uso de plataformas já desenvolvidas. As vacinas não foram desenvolvidas rapidamente como passe de mágica, nós utilizamos saberes prévios, como são as outras usadas atualmente. Por exemplo, a vacina de RNA que já vinha sido desenvolvida para outros vírus.

    Além disso, a aplicação de vacinas em massa ocorrem após testes em grupos para verificar a segurança. Erros que aconteceram no passado balizaram métodos que asseguram formas muito mais confiáveis de produção. Ou seja: Aprendemos e evoluímos muito em segurança e qualidade para que erros do passado não aconteçam mais

    Em suma, as vacinas…

    As vacinas usadas para a COVID-19, tanto em adultos, quanto as vacinas pediátricas são seguras, seguiram protocolos rígidos, aprimorados em dezenas de anos. Assim, não precisamos ter receio em relação à vacinação atual e teremos um mundo mais sadio e com menos adoecimentos, quanto mais pessoas estiverem vacinadas!

    Para Saber Mais:

    Neto Tavares Fernando. O início do fim da poliomielite: 60 anos do desenvolvimento da vacina. Rev Pan-Amaz Saude [Internet]. 2015.

    Organização Panamericana de Saúde. Poliomielite

    Paul JR. A history of poliomyelitis. New Haven: Yale University Press; 1971.

    Polio Global Erradication Iniciative

    Fiocruz. Salk versus Sabin: dois personagens e suas estratégias contra a pólio

    BBC News. ‘Incidente Cutter’: a tragédia nos EUA dos anos 1950 que resultou em vacinas mais seguras

    A autora

    Flávia Ferrari continua a série maravilhosamente bem iniciada pela Mellanie Fontes-Dutra, que falou sobre reações adversas das vacinas, contando um pouco de histórias de pesquisas em vacina, em especial de uma que todos tomaram: A pólio (ou a gotinha). Flávia é bióloga e atua como professora de ciências e autora de materiais didáticos, integra os grupos Observatório da COVID-19 Brasil e Todos Pelas Vacinas.

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Flávia é autora convidada do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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