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  • Por dentro da variante Ômicron

    O mundo todo aguarda ansioso enquanto pesquisadores trabalham arduamente em seus laboratórios. Tudo isso na tentativa de descobrir mais informações sobre a nova variante do SARS-CoV-2 que vem criando dúvidas e pânico nas populações: a variante Ômicron. Por causa disso, nós, do Blogs Unicamp, decidimos fazer um apanhado geral do que se sabe até o momento sobre essa variante. Nosso objetivo hoje é mostrar que, apesar de toda a preocupação, talvez não seja o fim do mundo. Muito menos a volta à estaca zero que muitos alegam. Ou seja, estamos aqui defendendo o “menos alarmismo, mais compreensão do problema”

    Onde surgiu essa variante?

    As coisas aqui podem parecer um pouco confusas. Mas é importante deixar uma coisa bem clara! Vamos lá: o lugar onde uma variante é detectada pela PRIMEIRA vez, não necessariamente é o lugar onde essa variante surgiu. Por exemplo, em uma situação imaginária:

    “Vamos pegar a variante Gama, que apareceu em Manaus. Ela poderia ter sido detectada pela primeira vez em outro país, digamos, em Portugal, a partir de uma pessoa que viajou de Manaus para lá. Apesar dela ter sido detectada em Portugal, ela não teria SURGIDO lá. Ela somente foi vista primeiro em Portugal. Pois um viajante de Manaus teria demonstrado sintomas de COVID-19, testado positivo no teste de diagnóstico por RT-qPCR. Posteriormente, teria o genoma do vírus que estava no seu corpo sequenciado. Em suma, a variante teria sido DETECTADA em Portugal, mas a primeira pessoa com ela (o chamado primeiro paciente ou paciente zero) seria do Brasil.”

    Perceba que para uma variante ser detectada são necessárias duas etapas. Aliás, etapas que temos defendido desde o início da pandemia, aqui no Blogs: Testagem Diagnóstica e Sequenciamento Genômico. Estes dois passos são fundamentais para sabermos não apenas a quantidade de casos, mas as mutações do vírus e, também, possíveis variantes importantes.

    Agora vamos separar esses momentos para a variante Omicron:

    • 11 de novembro de 2021. O genoma do primeiro caso da variante Omicron é sequenciado, a partir de um paciente em Botsuana, um país do sul da África. 
      • Nos dias que se seguem, são sequenciados outros genomas. São eles: um caso em Hong Kong, a partir de um paciente que tinha vindo da África do Sul.
      • Ao mesmo tempo, alguns casos começam a aparecer na África do Sul, na região de Gauteng. Esta é a região com maior fluxo de viajantes nacionais e internacionais do país (correspondente a São Paulo, aqui no Brasil).
      • Até esse momento, pouca ou nenhuma atenção era dada a essa variante do SARS-CoV-2.
    • 24 de novembro de 2021. Pesquisadores da África do Sul notam que essa variante tinha um nível de mutação altíssimo na proteína Spike e no resto do vírus todo. Assim, neste momento, começam a se mobilizar para entender melhor ela.
    • 26 de novembro de 2021. Após ter sido notificada pelos pesquisadores da África do Sul, a OMS anuncia uma nova variante, chamada Ômicron, como uma VOC (ou Variante de Preocupação).
    • 29 de novembro de 2021. variante Ômicron já é detectada em vários países da Europa, além de Israel e Canadá.

    Por que todo o alarde quanto à essa nova variante?

    Muito do espanto, medo e perguntas sobre a variante Ômicron gira ao redor do grande número de mutações que ela possui. Para fins de comparação, podemos entender essas mutações como pequenas diferenças que essa variante possui quando comparada com o vírus original, lá do começo da pandemia, no surto de Wuhan na China. 

    Essas diferenças podem ser tanto benéficas quanto maléficas para o vírus. Isto é, podem apresentar uma vantagem (como uma maior transmissibilidade, letalidade ou capacidade de fugir do nosso sistema imune – a chamada Evasão Imune), ou uma desvantagem (nas mesmas características que mencionamos anteriormente). Ao todo, a variante Ômicron possui um pouco mais de 50 mutações. Ou seja, esse vírus possui 50 diferenças do SARS-CoV-2 original. De todas essas mutações, 32 delas são na proteína Spike e acredite, caro leitor(a), quando dizemos que isso é muito. Para uma nova comparação, a variante Delta (que atualmente é a variante dominante no mundo) possui 16 mutações na sua Spike

    A princípio, imaginou-se que pelo grande número de mutações, os testes de diagnóstico por RT-qPCR não conseguiriam detectar essa variante. Mas já sabemos que isso não é mais um problema: pesquisadores já viram que os testes de RT-qPCR conseguem detectar essa nova variante normalmente.

    Dessas 32 mutações na sua proteína Spike, algumas são bem raras. Enquanto outras já são conhecidas por estarem presentes também em outras variantes, como a Alfa, Beta, Gama e Delta. A preocupação aqui é porque algumas dessas mutações já conhecidas estão relacionadas a uma maior transmissibilidade e um possível escape imunológico. Entretanto, aqui deixamos bem claro: ainda NÃO HÁ INFORMAÇÕES e dados confiáveis mostrando que a variante Ômicron seja realmente mais transmissível. Tampouco que escape da proteção gerada pelas vacinas. 

    Enquanto cientistas correm nos laboratórios para tentar responder essas perguntas, outros pesquisadores olham para análises computacionais e suspeitam que caso haja um escape imunológico por parte dessa variante, ele seja similar ao que vimos para a variante Beta e Delta (uma redução na proteção, mas não completamente!). Dessa forma, as vacinas ainda continuariam protegendo as pessoas. Ao mesmo tempo, outros pesquisadores desconfiam que, pelo alto número de mutações, talvez essa variante não consiga se transmitir tão bem quanto outras (a chamada baixa estabilidade).

    Como se tudo isso não bastasse…

    Recentemente também descobriram que há uma segunda forma (uma variante) da própria variante Ômicron (assim como também aconteceu com a variante de Manaus) que, entre outras coisas, não possui alguns genes que são utilizados pelos testes de RT-qPCR para identificar o vírus e as variantes. Mas o que isso significa?

    Bem, a princípio isso quer dizer que os testes de RT-qPCR continuam detectando o vírus SARS-CoV-2 em uma pessoa, então não precisa entrar em pânico. Se, por um acaso, você ou algum(a) conhecido(a) venha pegar essa variante, ele ou ela ainda poderá ser diagnosticado(a). O problema é que, com as outras variantes, esse mesmo teste era capaz de dar uma ideia preliminar de qual “tipo” esse vírus poderia ser. Em outras palavras, o teste diria se a pessoa está com o vírus ou não, e qual variante ele seria. Agora para a variante Ômicron, o que se viu até o momento foi que os testes de RT-qPCR conseguem sim identificar se a pessoa tem esse vírus ou não no corpo, mas não conseguem dizer se ele é da variante Ômicron.

    Novamente, para ficar bem claro: até o momento não há quaisquer informações concretas que mostrem uma maior transmissibilidade, infecciosidade e escape imunológico das variantes Ômicron.

    Ok, já sabemos onde essa variante surgiu e porquê todos estão espantados como ela. E com isso, aparece outra dúvida: como ela surgiu?

    Essa é uma das principais perguntas que os cientistas têm feito. Atualmente, a comunidade científica tem proposto três ideias para responder essa questão. Algumas dessas hipóteses foram pensadas a partir de análises feitas para se ver a “árvore genealógica” desse vírus. Essa árvore genealógica mostrou que, aparentemente, a variante Ômicron não “nasceu” a partir de outras variantes, mas sim que ela teria sua origem lá atrás, no começo da pandemia. Mas para entender isso melhor, vamos olhar as ideias que os cientistas têm proposto para responder a pergunta de como ela teria surgido:

    A Variante apareceu “naturalmente.

    A variante teria nascido “naturalmente” dentro de uma população com baixa vigilância epidemiológica, em outras palavras, uma população que estava fazendo poucos testes de diagnóstico e poucos sequenciamentos de genomas virais. Dessa forma, a Ômicron teria ficado meses “escondida” nessa população, que muito provavelmente seria de um lugar afastado de grandes centros, o que poderia explicar o grande acúmulo de mutações e ser oriunda de um vírus mais “antigo”. Entretanto, muitos pesquisadores argumentam que seria impossível uma variante desse nível ter ficado escondida por tanto tempo, visto que atualmente tem se sequenciado muitos genomas de SARS-CoV-2.

    Spillover

    A segunda ideia de surgimento seria a partir do chamado Spillover (pode ver esse texto aqui para entender melhor esse processo). Isto é, um vírus SARS-CoV-2 ter passado de um humano para um animal, nesse animal o vírus teria acumulado mutações e então, depois de um tempo, teria voltado para o ser humano como a variante Ômicron. 

    Um dos motivos que levam os cientistas a considerar essa hipótese é a presença de algumas mutações na proteína Spike da Ômicron que já foram vistas em outras variantes. Sabe-se que essas mutações que aumentam o número e tipos de hospedeiros do vírus, tornam a variante capaz de infectar outras espécies de animais, como por exemplo roedores.

    Infecções Crônicas

    A hipótese mais aceita até o momento é que a variante teria aparecido a partir de infecções muito longas (as chamadas infecções crônicas) de COVID-19, provavelmente em um paciente imunocomprometido, isso é, um paciente em que o sistema imune está debilitado, por exemplo, pacientes com AIDS ou sob tratamento de câncer. A ideia por trás dessa hipótese é o vírus ter ficado se replicando várias vezes nessa pessoa, por muito tempo, acumulando mutações, sem que o sistema imune dela conseguisse combatê-lo eficientemente.

    Entretanto, a boa notícia por trás disso seria que todo esse acúmulo de mutações para conseguir sobreviver em uma pessoa por tanto tempo, também viria com um custo para o vírus: uma menor capacidade de se transmitir de pessoa para pessoa. Mas, ainda não temos informações claras sobre essa possibilidade.

    É pensando nessa possibilidade para o surgimento de variantes, que mais uma vez vemos porque a vacinação é tão importante no combate à pandemia. Além de reduzir o risco de infecção grave e severa, já foi visto que pessoas vacinadas conseguem combater o vírus mais rápido, impedindo que ela fique se multiplicando no corpo por um maior período de tempo, o que diminui as possibilidades dele acumular mutações como as que foram visto nas variantes Alfa, Beta, Gama, Delta e Ômicron. 

    Finalmente, qual é a situação atual do mundo e do Brasil com essa variante?

    Atualmente, detectaram a variante Ômicron em mais de 50 países ao redor de todo o mundo. Entretanto, até onde se sabe, as pessoas infectadas na maioria desses países eram viajantes que tinham vindo de outro lugar. Até o momento são poucos os países que tiveram a chamada Transmissão Comunitária, isso é, uma pessoa que tem um caso de COVID-19 causado pela variante Ômicron, mas que não se sabe quem pode ter passado o vírus para essa pessoa (em outras palavras, não é possível fazer o rastreio do vírus). 

    No Brasil, até o momento em que escrevo esse texto (às 13:20 do dia 7 de Dezembro de 2021), confirmaram-se 6 casos. Um número baixo, mas que foram suficientes para cancelarem muitas feitas do Réveillon por todo o território nacional (algo que já falávamos que não deveria acontecer com grandes multidões e aglomerações). Entretanto, alguns cientistas estão propondo que há mais casos do que parecem no Brasil, simplesmente por termos uma alta taxa de subnotificações e um baixo número de testes de diagnóstico e sequenciamento (a vigilância epidemiológica que comentei no início). 

    Por fim, termino esse texto lembrando que a vacinação de toda a população de um país pode sim ajudar a combater a pandemia de COVID-19. Mas somente isso não vai resolver o problema. Enquanto 80% de todas as doses de vacinas estiverem concentradas em 20 países do mundo, sendo que muitos desses países estagnaram em 60% ou 70% da cobertura vacinal de sua população (o que não é suficiente para resolver o problema), ainda veremos muitas variantes surgindo através do globo, principalmente em países com coberturas vacinais baixas (como muitos da África). 

    PARA SABER MAIS:

    Mellanie Fontes-Dutra Vamos falar da B.1.1.529

    Mellanie Fontes-Dutra O que sabemos da #Ômicron até o momento?

    Andrews, L (2021) New Botswana variant with 32 ‘horrific’ mutations is the most evolved Covid strain EVER and could be ‘worse than Delta’ — as expert says it may have emerged in an HIV patient MailOnline 

    Agencia Brasil (2021) Descoberta nova variante do coronavírus com grande número de mutações 

    Corum, J; Zimmer, C (2021) Tracking Omicron and Other Coronavirus Variants, New York Times.

    Cardim, ME (2021) Terceiro caso da variante ômicron é identificado no Brasil, Correio Braziliense

    Kupferschmidt, K (2021) Where did ‘weird’ Omicron come from? Science

    Couzin-Frankel, J (2021) A cancer survivor had the longest documented COVID-19 infection. Here’s what scientists learned, Science.

    Chotiner, I (2021) How South African Researchers Identified the Omicron Variant of COVID, The New Yorker.

    Petersen, E, Ntoumi, F, Hui, DS, Abubakar, A, Kramer, LD, Obiero, C, … & Zumla, A (2021) Emergence of new SARS-CoV-2 Variant of Concern Omicron (B. 1.1. 529)-highlights Africa’s research capabilities, but exposes major knowledge gaps, inequities of vaccine distribution, inadequacies in global COVID-19 response and control efforts, International Journal of Infectious Diseases.

    Karim, SSA, & Karim, QA (2021) Omicron SARS-CoV-2 variant: a new chapter in the COVID-19 pandemic, The Lancet

    Viggiano, G (2021) Por que há desigualdade de vacinas no mundo e o que isso tem a ver com a Ômicron, CNN

    G1 (2021) OMS diz que variante ômicron representa risco alto para o mundo, G1

    Costa, AG (2021) Ômicron: o que dizem autoridades de países onde a nova variante já chegou, CNN

    Ansede, M (2021) Ômicron: assim é o coronavírus ‘Frankenstein’ que assusta o planeta, El País Brasil.

    The Guardian (2021) Scientists find ‘stealth’ version of Omicron that may be harder to track, The Guardian

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial COVID-19
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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Prática de endurance na pandemia

    Em tempos de pandemia, mais do que nunca, é fundamental manter-se ativo fisicamente para aumentar o bem-estar, reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida.

    Sabe-se que a prática regular de exercício físico associada à alimentação adequada traz vários benefícios para a saúde física e mental. Além de auxiliar no controle de peso, prevenção de doenças como obesidades, diabetes e dislipidemia, aumentar a imunidade e contribuir para uma composição corporal adequada.

    Com a pandemia, a prática de exercícios ao ar livre como os esportes de endurance vem aumentando significativamente. É uma forma segura de praticar exercício físico em locais abertos e com distanciamento social.

    Os principais esportes de endurance incluem: ciclismo, corrida, travessias, duatlo (ciclismo e corrida), triatlo (natação, ciclismo e corrida), mountain bike, montanhismo, cross country, maratonas, entre outros.

    O termo endurance é usado para modalidades de exercício de resistência com duração média maior ou igual a 90 minutos (1hora e 30 minutos) de forma contínua.

    SUPLEMENTAÇÃO NO ENDURANCE

    A demanda nutricional e o gasto energético no endurance costumam ser bem altos. Uma vez que trata-se de uma modalidade esportiva de resistência de longa duração cuja intensidade pode variar entre média e elevada.

    Porém, a demanda calórica e nutricional deve ser calculada de forma individual. Considerando que o gasto energético variam de acordo com: idade, sexo, composição corporal, além do tipo, duração e intensidade do exercício.

    E muitas vezes não é possível atingir as recomendações calóricas e nutricionais apenas com a alimentação.

    Por isso, suplementos a base de carboidratos e proteínas, e repositores de eletrólitos são boas estratégias para manutenção e/ou melhora do desempenho. E também para a recuperação pós-exercício.

    FORMAS DE SUPLEMENTAÇÃO

    Existem três tipos de suplementação: antes, durante e depois do exercício, treino ou competição. Cada tipo tem sua funcionalidade.

    • Pré-treino: Melhora a resposta e as adaptações fisiológicas ao exercício. E pode promover o aumento do desempenho esportivo.
    • Intra-treino: Usado para a reposição de eletrólitos e fornecimento de energia de forma rápida durante o exercício.
    • Pós-treino: Utilizado para reposição de nutrientes de forma eficiente visando a recuperação e também o preparo físico para os próximos treinos.

    SUPLEMENTOS NO ENDURANCE

    Existem vários suplementos utilizados por praticantes de endurance como: creatina, cafeína, bicarbonato de sódio, beta-alanina, nitrato, glutamina, zinco, ômega-3, probióticos, além de polivitamínicos, suplementos a base carboidratos e proteínas.

    Dentre eles, vale destacar aqueles que possuem altos níveis de evidência científica na melhora do desempenho no endurance como por exemplo: carboidrato, cafeína e nitrato.

    • Carboidrato: Auxilia na manutenção da glicemia e reposição de energia durante o exercício prolongado. A recomendação pode variar, em média, de 6 a 10g de carboidrato/kg de peso/dia. E podem ser distribuídos antes, durante e depois do treino. Pode ser usado na forma de gel, cápsula, pó ou bebida com carboidrato. E alimentos como: rapadura, mel, frutas, aveia, macarrão, batata doce, entre outros.
    • Cafeína: Tem efeito positivo na função neuromuscular, redução da fadiga e diminuição na percepção do esforço por seu efeito estimulante. A recomendação é de 3-6 mg/kg de 30 a 90 minutos antes do exercício.
    • Nitrato: É convertido em nitrito e óxido nítrico que provoca o aumento da vasodilatação, da eficiência mitocondrial e do fluxo sanguíneo e regulação de O2 no músculo, reduzindo a fadiga e melhorando o desempenho cardiorrespiratório. Além dos suplementos a base de nitrato, o suco de beterraba é uma ótima opção. A recomendação é de 500mL de suco ou 3 a 6 unidades ou 150-200g de beterraba (300-600mg de nitrato) 90 minutos antes do exercício.

    Lembrando que o planejamento alimentar, a suplementação, a hidratação e a periodização alimentar e nutricional devem ser individualizadas e de acordo com o tipo, frequência, duração e intensidade da modalidade de endurance praticada.

    Vitale K, Getzin A. Nutrition and Supplement Update for the Endurance Athlete: Review and Recommendations. Nutrients. 2019;11(6):1289.

    Este post foi escrito originalmente no blog Nutrição e Ciência

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

     

  • Como o vírus SARS-CoV-2 chega no cérebro?

    Texto escrito por Gabriela Vieira

    Depois de quase dois anos do início da pandemia causada pelo novo coronavírus, muitas dúvidas ainda restam sobre como este vírus age nas células do corpo humano. A comunidade científica tem avançado nas pesquisas sobre esta nova doença com uma rapidez nunca vista antes. Atualmente, diversas vacinas estão disponíveis, a sociedade está sendo imunizada e começamos a ver uma diminuição significativa de óbitos – embora ainda existam casos de infecção aumentando no mundo.

    Embora o SARS-CoV-2 seja um vírus que ataca predominantemente o sistema respiratório, hoje em dia nós já sabemos, por exemplo, que o vírus afeta outros órgãos e sistemas também. Já foi relatada a infecção de outros sistemas, como o sistema gastrointestinal e fortes evidências apontam que o vírus também infecta o sistema nervoso central (SNC). Porém, ainda há muito o que descobrir sobre a COVID-19 como, por exemplo, os danos que o vírus causa em outros órgãos e quais são as consequências e sequelas a longo prazo.

    Como nossa compreensão da doença muda conforme as evidências se fazem rotina

    No início na pandemia, os esforços dos médicos e cientistas estavam voltados para os sintomas respiratórios dos pacientes. Atualmente, muitas evidências mostram que pacientes com COVID-19 também apresentam efeitos neurológicos preocupantes como acidente vascular cerebral, hemorragia cerebral, perda de memória, dores de cabeça, perda de olfato e paladar, confusão mental e convulsão.

    Apesar de alguns estudos indicarem que o vírus pode infectar células do sistema nervoso, ainda não sabemos precisamente como o vírus chega nestas células. Já falamos aqui sobre como um vírus que ataca principalmente o sistema respiratório pode causar danos no cérebro. Atualmente, os pesquisadores avançaram um pouco neste entendimento e vamos explicar o que eles descobriram.

    Vamos entender melhor…

    Alguns estudos sugerem que o vírus pode entrar pelo nervo olfatório, o que já era uma das suspeitas iniciais quando descobriram que o vírus infecta o SNC. Isto porque um dos sintomas da COVID-19 é a perda de olfato e paladar (também conhecidas em seus termos técnicos como anosmia e ageusia, respectivamente). No entanto, estas evidências ainda seguem bem controversas. A possibilidade de o vírus SARS-CoV-2 atravessar a barreira hematoencefálica tem ganhado força com alguns trabalhos que mostraram algumas evidências de que isso ocorre. Estas pesquisas vem utilizando, principalmente, modelos in vitro (linhagens celulares) e in vivo (camundongos e hamsters) de infecção com o SARS-CoV-2. 

    Mas o que é a barreira hematoencefálica?

    A barreira hematoencefálica é uma estrutura que serve como um filtro muito eficiente do SNC. Ou seja, ela impede ou dificulta a passagem de substâncias nocivas do sangue para o tecido nervoso. Por outro lado, permite a entrada de substâncias importantes como nutrientes, hormônios e gases. Esta membrana seletivamente permeável, restringe a entrada de substâncias tóxicas e patógenos, incluindo bactérias e vírus. Entretanto, muitas vezes medicamentos que teriam de agir no sistema nervoso também são impedidos de atravessar a barreira hematoencefálica. 

    Esta estrutura reveste os vasos sanguíneos do sistema nervoso central e é formada por 3 tipos de células: células endoteliais, pericitos e astrócitos. As células endoteliais revestem os capilares cerebrais e ficam muito próximas umas das outras, formando as “junções compactas” que atuam na seletividade das substâncias. Os astrócitos, que são células da glia em formato de estrela e os pericitos, que são células de origem mesenquimal que envolvem o endotélio dos capilares cerebrais, se comunicam com as células endoteliais e auxiliam na seletividade da barreira, atuando na regulação do tônus vascular e do fluxo sanguíneo capilar.

    Difícil, né? Vários nomes…

    O que importa é compreender que esta estrutura funciona como uma barreira que seleciona o que entra e o que sai de nosso cérebro! Veja a figura abaixo:

    A imagem mostra uma representaçaõ do cérebro, com destaque ressaltando um pedaço entre os vasos sanguíneos (com partículas do próprio sangue, oxigênio e outros gases, bactérias, anticorpos e outros compostos químicos) e a barreira hematoencefálica, que funciona como "Filtro Supereficiente: a barreira hematoencefálica é uma estrutura especial que reveste os vasos asnguíneos no sistema nervoso central. Formada por três tipos de células (células endoteliais, pericitos e astrócitos), ela permite que apenas alguns compostos cheguem ao cérebro. Trocas de informações entre os astrócitos da barreira e os neurônios a tornam mais restritiva ou mais permeável"
    Imagem retirada da Revista FAPESP: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2017/06/054-055_barreira_256.jpg

    O que acontece se a barreira hematoencefálica for danificada?

    Várias doenças e infecções com bactérias e vírus são capazes de causar danos na barreira hematoencefálica. Estes danos podem aumentar a permeabilidade desta membrana. Isto é, provoca uma maior entrada de patógenos, toxinas e outras substâncias indesejadas. Esta maior permeabilidade induz uma resposta inflamatória cerebral, que pode resultar em danos neurológicos e agravamento de doenças do sistema nervoso central.

    E como o SARS-CoV-2 atravessa essa barreira?

    Neste artigo publicado em maio deste ano, os cientistas investigaram se o SARS-CoV-2 é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica de modelos animais para infecção com SARS-CoV-2 e como este processo ocorre. Para isso, utilizaram camundongos e hamsters infectados com o vírus SARS-CoV-2, além de um modelo in vitro que mimetizou a barreira hematoencefálica com células provenientes dos animais.

    Os cientistas mostraram que o SARS-CoV-2 foi capaz de invadir o cérebro dos animais, infectando e se replicando nas células endoteliais da barreira hematoencefálica. Dessa forma, esta infecção das células endoteliais fez com que aumentasse a permeabilidade vascular cerebral. Ou seja, o “filtro” entre os vasos sanguíneos e o cérebro se tornou menos seletivo e deixou passar mais substâncias para o sistema nervoso central. Todavia, como exatamente o vírus SARS-CoV-2 consegue fazer esta invasão ainda é controverso entre os cientistas.

    O estudo mostrado aqui, evidenciou que a invasão pode ocorrer devido ao aumento de uma proteína chamada MMP9. Esta proteína é responsável pela degradação da matriz extracelular (o espaço entre as células). No caso da MMP9, ocorreu a degradação de colágeno, um dos principais componentes da matriz extracelular. E isto permite que o vírus cruzasse a barreira hematoencefálica.

    A infecção do SNC levou a vários danos cerebrais nos animais, causando morte celular (apoptose) de algumas células e outros danos em células vasculares do SNC. Além disso, os pesquisadores mostraram que a invasão do vírus no SNC dos animais também desencadeou uma resposta inflamatória cerebral, ativando células específicas do sistema nervoso responsáveis pela sua resposta imunológica.

    Com isso, os autores deste artigo concluíram que o SARS-CoV-2 pode atravessar a barreira hematoencefálica infectando células que fazem parte desta estrutura, o que pode levar a danos neuronais e a indução da resposta inflamatória.

    Figura do artigo demonstrando um possível mecanismo pelo qual o vírus SARS-CoV-2 atravessa a barreira hematoencefálica. Durante a infecção, o SARS-CoV-2 pode infectar as células endoteliais e cruzar a barreira hematoencefálica por meio da degradação de colágeno causado pela proteína MMP9. Os neurônios ficam então, relativamente vulneráveis à infecção por SARS-CoV-2, levando á danos neuronais e uma resposta inflamatória cerebral, aumentando o dano na barreira hematoencefálica e a lesão neuronal.

    E agora? Quais são os próximos passos?

    O entendimento de como o vírus SARS-CoV-2 infecta o SNC pode ajudar os pesquisadores a entenderem as manifestações neurológicas não respiratórias da COVID-19. No entanto, muitas incógnitas ainda permeiam o entendimento sobre o trajeto que o vírus faz no sistema nervoso central. Por exemplo: como ele atua nestas células, com que frequência isso ocorre e, principalmente, quais as consequências disso. Assim, estes estudos também são muito importantes na busca do tratamento desses pacientes a curto e longo prazo. Visto que muitas das consequências a longo prazo parecem ter relação não só com o sistema respiratório, mas também com o sistema nervoso central.

    A COVID-19 está conosco há 2 anos. Mas ainda há muito o que compreender sobre a doença, o vírus e o que acontece em nosso corpo nas infecções! E é pela ciência – e no investimento na ciência – que conseguiremos isso! Apoie a ciência brasileira, para fazermos parte deste combate à pandemia!

    Para saber mais

    Butowt, R, Meunier, N, Bryche, B & von Bartheld, CS (2021) The olfactory nerve is not a likely route to brain infection in COVID-19: a critical review of data from humans and animal models, Acta Neuropathol 141, 809–822.

    Meinhardt, J et al (2021) Olfactory transmucosal SARS-CoV-2 invasion as a port of central nervous system entry in individuals with COVID-19, Nat Neurosci 24, 168–175. 

    Goyal, P, Choi, JJ, Pinheiro, LC, Schenck, EJ, Chen, R, Jabri, A, Satlin, MJ, Campion, TR, Jr, Nahid, M, Ringel, JB, et al (2020) Clinical Characteristics of Covid-19 in New York City N Engl J Med 382, 2372–2374 (2020).

    Buzhdygan, TP et al (2020) The SARS-CoV-2 spike protein alters barrier function in 2D static and 3D microfluidic in-vitro models of the human blood-brain barrier, Neurobiol Dis 146, 105131.

    Pellegrini, L et al (2020) SARS-CoV-2 infects the brain choroid plexus and disrupts the blood-CSF barrier in human brain organoids Cell Stem Cell 27, 951–961 e955.

    Reynolds, JL & Mahajan, SD (2021) SARS-COV2 alters blood brain barrier integrity contributing to neuro-inflammation. J NeuroImmune Pharmacol 16, 4–6.

    Rhea, E M et al (2021) The S1 protein of SARS-CoV-2 crosses the blood-brain barrier in mice, Nat Neurosci, 24, 368–378.

    Song, E et al (2021) Neuroinvasion of SARS-CoV-2 in human and mouse brain, J Exp Med 218, 3.

    Zhang, L. et al (2021) SARS-CoV-2 crosses the blood-brain barrier accompanied with basement membrane disruption without tight junctions alteration, Signal Transduct Target Ther 6(1):337.

    A Autora

    Gabriela Maciel Vieira possui graduação em Biologia (2013), mestrado (2014-2016) e doutorado (2016-2021) em Ciências (com ênfase em Genética) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com período sanduíche na Kansas University Medical Center, EUA (2019). Atuou na pesquisa em oncologia, biologia celular e molecular e atualmente é pós-doutoranda do Laboratório de Neuroproteômica (Unicamp) estudando as bases moleculares do SARS-CoV-2 no sistema nervoso central.

    Este texto foi escrito originalmente para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Balanço da COP26: o que é possível comemorar

    Texto por Jaquelini Nichi

     

    Nesta 26ª edição da COP, que acaba de ser encerrada em Glasgow, no Reino Unido, o mercado global de carbono, que trata da regulamentação do artigo 6, deve possibilitar a transferência de renda de países ricos – que emitem maior quantidade de carbono – para países mais vulneráveis, que geram créditos de carbono. Previsto pelo Protocolo de Kyoto e ratificado no Acordo de Paris, em 2015, ele seguia travado por falta de entendimento entre os países.

    A presidência da COP26, divulgou uma primeira versão de um acordo para que o mercado de carbono seja regulamentado com a resolução de questões dúbias como a dupla contagem dos créditos a metodologia para valorar e quantificar o carbono como ativo. No entanto, para ser aprovado, o documento requer mais reuniões a serem realizadas em 2022.

    A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) é um tratado internacional para reduzir as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. A Conferência das Partes (COP) tem o papel de revisar as comunicações nacionais e os inventários de emissões dos países-membros para monitorar seu progresso.

    No panorama geral das negociações e discussões em torno desta COP ficou evidente o protagonismo do setor privado e financeiro na busca por soluções para os impactos das mudanças climáticas. Outra novidade foi a forte atuação de movimentos jovens negros e indígenas, pouco visto nas edições anteriores, uma sinalização de que diversidade e inclusão são importantes para aplacar a injustiça climática.

    E desta vez, o carvão entrou na mira de mais de 40 países que se comprometeram a abandonar a geração de energia baseada nessa fonte de origem fóssil até 2030. E outros, como o Brasil, assumiram o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028.

    O carvão é o combustível fóssil mais poluente e o mais caro entre as fontes de energia. Foto: Pexels

    Mas, se por um lado houve avanços, por outro, pontos importantes como o financiamento para alcançar as metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global abaixo de 2ºC ou mais próximo a 1,5ºC continua a enfrentar impasses. A premissa é que os países desenvolvidos devem financiar iniciativas de adaptação e mitigação dos países mais vulneráveis, já que são as maiores emissoras de GEE. Vale ressaltar que a meta de US$ 100 bilhões de repasse anuais até 2020, estabelecida em 2009, não foi cumprida, mas o Climate Home News aponta que o montante correto para atender a essa demanda após 2025 seria de US$ 1,3 trilhão por ano, muito acima da meta atual.

    O que ficou estabelecido no documento final?

    O novo documento do acordo final da Cúpula do Clima, assinado por 200 países e divulgado no final do encontro, em 12 de novembro, tenta equilibrar as demandas dos diferentes países com um reforço para que os países desenvolvidos dobrem o financiamento para medidas de adaptação contra o aquecimento global com prazo estabelecido até 2025. Assim, falta saber como os objetivos de descarbonização serão atingidos na prática, já que regras mais objetivas de contribuição de cada setor ainda não são claros.

    De acordo com dados do Carbon Action Tracker, se os setores se comprometerem realmente para: reduzir emissões de metano, eliminar o uso do carvão, ampliar o uso de energia limpa e acabar com o desmatamento, será possível alcançar a meta. Agora, é a nossa vez de cobrar os países para que cumpram com esses compromissos com metas mais ambiciosas e com ações efetivas.

    Mais de cem países, incluindo o Brasil, assinaram acordo para zerar desmatamento até 2030. Foto: Matt Palmer, Unsplash

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

     

     

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Natureza Crítica.

  • 600 dias e um desabafo: as pessoas são sempre maiores que as estatísticas

    Texto escrito por Rafael Lopes Paixão da Silva e Ana Arnt

    5 de novembro completamos 600 dias de pandemia de COVID-19. Nestes dias, foram 250 milhões de infecções no mundo (um Brasil inteiro de pessoas), 5 milhões de óbitos. No Brasil, 21 milhões de casos confirmados e 609 mil óbitos registrados.

    Uma pandemia joga por terra qualquer noção de estatística e parâmetros sobre o quê, verdadeiramente, estes conhecimentos significam. Isso é uma constatação minha, acredite. Eu (Rafael) trabalho há 3 anos com dados de saúde pública no Brasil, em meu projeto de doutorado. Ao longo deste tempo, fui percebendo estas relações ao longo da pesquisa. Além disso, sem muito esforço dos dados, isso transparece comparativamente, também.

    Vamos ver um exemplo?

    Um dos piores anos de epidemia de dengue, em todo o Brasil, tínhamos menos de 800 mortes, por essa doença, em um ano, no país.

    Em pouco mais de um ano e meio de pandemia de Covid-19 no Brasil, esse número foi ultrapassado em 329 dias. Ou seja, nos 600 dias de pandemia (529 dias para ser exato), em 329 dias  tivemos mais mortes que em anos inteiros de dengue, só para começar a colocar em perspectiva o que é a pandemia de Covid-19. Aqui somente nos referenciamos aos casos de Covid-19 confirmados. Há ainda o fato que como nossa testagem sempre foi pífia. Isto é, muito do que hoje chamamos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), é Covid-19 não diagnosticado. Se colocarmos nessa conta a SRAG, esse número de dias desde o anúncio da transmissão comunitária da Covid-19 no Brasil, dia 12 de março de 2020, subimos ao patamar de 396 dias com mais de 800 mortes. Isto significa 13 meses inteiros morrendo mais do que 800 pessoas por dia de uma só causa.

    Vale ressaltar que não importa se estamos falando, num primeiro momento, quando não havia vacinas. Sempre foram mortes evitáveis, se medidas de prevenção fossem amplamente adotadas. Em um segundo momento, essas mortes, que já eram evitáveis, se tornaram duplamente evitáveis. Primeiro, pelos motivos acima: medidas de prevenção de contágio fossem adotadas rigorosamente e amplamente. Depois porque, após as vacinações iniciadas no mundo, nós vacinamos lentamente e sem um planejamento rigoroso. Por fim, o caos no sistema hospitalar veio depois de iniciada a vacinação por total negligência de instâncias federais, estaduais e municipais de governo.

    Mas isso é só a frieza dos números e das estatísticas, as pessoas são sempre maiores que qualquer número e qualquer estatística. Somos seres sociais e também racionais.

    Então sabemos que necessitamos de interação, contato, e sabemos que precisamos disso de modo racional, temos a óbvia consciência dessa necessidade. Quando um igual nosso morre, isso nos fere duplamente, pelo menos.

    Primeiro, porque sabemos conscientemente que nossa interação social com esse igual se finda ali. Assim, sabemos que temos uma interação a menos para usufruir, um a menos na comunidade. Racionalmente, sabemos também que qualquer pessoa é única em si. Dessa forma, sabemos que quando a morte dessa pessoa ocorre, se fecham diversas possibilidades de vida, experiências e interações sociais. O luto é um processo importante, porque através dele podemos compreender e superar, ainda que de forma simbólica, esse encerramento de interações sociais.

    A pandemia é algo tão fora do imaginário cotidiano anterior à 2020 que, precisamos reformular a escrita do primeiro parágrafo. Durante 600 dias de pandemia no Brasil, em média, mais de 800 famílias passaram por esse processo de sofrimento e luto por dia. Isto a partir da constatação racional e social. Ou seja, de que naquele dia se findava uma interação humana relevante em suas rotinas, uma possibilidade de contato social, uma relação social, um membro da comunidade.

    Tanto individualmente, como socialmente isso é um fardo e uma tragédia sem igual.

    Especialmente em face de que isso continua a ocorrer todos os dias, até a atualidade, sem uma perspectiva exata de quando cessará.

    Em tempos de quase 400 mortes diárias, ainda estamos discutindo retirada de máscaras em ambientes abertos. Estes eventos, mais do que baseados em ciência, é uma evidente normalização  das infecções pela doença, como se nada fossem. Como se fosse gripe, mas que a cada dois dias, neste momento, mata mais do que dengue ao longo de anos anteriores. A COVID-19 ainda mata em um patamar muito alto. Ainda são mortes evitáveis,  como narrado no primeiro parágrafo.

    Não tenho mais nenhum amigo, colega ou familiar, que não tenha um caso de morte por COVID-19 para contar sobre os 600 dias de pandemia. Tanto tempo de provação e tanta exigência de luto tem um preço que sequer somos capazes de mensurar agora. Vamos precisar de anos para começar a entender a pandemia a partir da perspectiva das perdas que nos atravessam hoje. E talvez levemos décadas para formalmente contabilizar seu impacto, se pudermos fazer isso algum dia.

    Foram 600 dias de pandemia, e ainda não acabou por aqui…

    Uma das visões que se tem consolidado durante esse ano de 2021 é a de que a pandemia do COVID-19, não se findará neste ano. Junto disso, vem também a afirmação de que teremos que aprender a conviver com o vírus. Pois eu concordo somente com a primeira afirmação.

    Ao longo destes dias, a segunda afirmação tem nos causado muita indignação. Por quê? Basicamente porque ela se faz para uma doença que temos meios de prevenção altamente eficazes. Ou seja, o conjunto de medidas não farmacológicas e farmacológicas, como máscaras e vacinas. Ainda que as pessoas teimem em não seguir essas medidas, é trabalho nosso como sociedade fazer com que essas medidas sejam aplicadas. Aliás, sequer sabemos qual o preço que estamos pagando ao aceitar a “convivência” com o vírus. A COVID-longa é pouco documentada e estudada até o momento.

    Aceitar a COVID-19 como um custo desse novo mundo é, para mim, inaceitável. Tanto quanto a vacinação estagnar em parte do mundo por movimentos antivacina e existir estoques guardados. Isto tudo enquanto nações inteiras sucumbem por falta de acesso ao que a ciência alcançou em meses de intensa pesquisa, é inconcebível.

    A conformidade do status quo mundial é uma afronta, perante as mortes que sucedem diariamente.

    Quando repetimos que a pandemia é o resultado direto das ações humanas. Ou ainda, quando afirmamos que a vacina só funciona se for universal, estamos realizando uma constatação estritamente factual. Não haverá lugar para nós e o vírus nesse novo mundo. Ou escolhemos uma morte lenta e sofrida, e impomos isso à sociedade, como temos feito até agora. Ou escolhemos construir um mundo em que não seja mais tolerável mortes por uma doença evitável e que tenhamos vacinas universalmente disponíveis.

    Ao escolher uma morte lenta e impormos isso socialmente, emergirá uma sociedade com sequelas dessa pandemia. Sequelas essas que começamos a entender somente agora. Por exemplo, há estimativas de que até 80% da totalidade de casos, sintomáticos ou não, acabam com algum tipo de sequela de longo prazo.  Ou seja, escolhendo um mundo que luta junto para combater mortes evitáveis, optamos por um mundo em que a saúde é vista de modo holístico. Isto é, integrado a outros saberes. Por exemplo, com urbanismo, climatologia, ecologia, agricultura, e também de modo transdisciplinar, em que essas todas ciências possam transpor conhecimento entre si.

    Não gostaria que vissem esse último parágrafo como um sonho utópico, contraposto a um aviso. Pelo contrário, o escrevemos mais como uma realidade desejável (possível?). Fazendo isto, nos contrapomos a uma realidade cada vez mais próxima e que congrega adeptos sem respeito a si mesmos e aos outros.

    Desumanizações…

    Quando pedem que aceitemos as sequelas da doença, as normalizam. Com isto, estão pedindo a todos nós um custo que somente a falta de caráter é capaz de arcar. Querem nos desumanizar, retirando-nos a empatia com a dor e o sofrimento do outro. Nos negamos, pois é exatamente neste ponto que nos tornamos humanos.

    Justificar-se, na atual incapacidade de coordenação da nossa sociedade e nas estatísticas do cálculo frio do custo, tanto em vidas, como em moedas dos dois cenários, é o fim de nós como humanidade. No fundo,  nós sabemos que um mundo em que não tenhamos que conviver com o Covid-19 só é mais custoso se ignorarmos que pessoas são incomensuravelmente mais valiosas que qualquer estatística. 

    Somos humanos porque somos capazes de calcular, mensurar, pensar, amar. Somos humanos, também, por olharmos os números e sabermos que não basta. É preciso nos colocarmos no lugar uns dos outros e vislumbramos, sentirmos o que sofrem nossos iguais. Pessoas não são números em estatísticas, são vidas, em suspiros de dor, alegria, leveza, presença, ausência.

    Os autores

    Rafael Lopes Paixão da Silva é doutorando em física. Ele estuda dados de saúde pública e sua dinâmica e relações com o clima é Físico. Além disso, é pesquisador do Observatório Covid-19 Brasil e foi convidado pelo editorial para escrever no Especial COVID-19.

    Ana Arnt é professora do Instituto de Biologia, Unicamp, coordena o Blogs Unicamp e o Especial COVID-19.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Porque liberdade de expressão não é desculpa para falar o que quiser na internet?

    Arte de Capa: Arte por @galvaobertazzi – https://www.instagram.com/galvaobertazzi/

    Texto por Erica Mariosa Carneiro

     

    Hoje vamos conversar um pouco sobre a evolução da comunicação e a responsabilidade que devemos ter ao colocar informação na internet: 

    Quem um dia iria dizer que colocar na mão de qualquer pessoa a possibilidade de produzir conteúdo informativo daria “errado”?

    Esperançosos pela promessa de conectar as vozes em torno do planeta, promoção do diálogo e do acesso a informações negligenciadas pela mídia tradicional. O comunicador de hoje enfrenta algo muito diferente do idealizado nos anos 90 com o advento da internet. 

    Na era da informação todos podem ser produtores de conteúdo. Basta ter o acesso a internet que qualquer pessoa, sem restrições geográficas ou de horários, possa publicar informações que o mundo todo tem acesso. O resultado disso? Um mundo exausto da informação, fadigado por não saber em qual ou em quem confiar e imerso em uma avalanche de desinformação.

    A primeira vista, o início dessa postagem parece um pouco exagerada, mas insisto que observe e faça o exercício de conferir suas redes sociais, canais de chat e canais de informação (todas elas) para perceber, ao final dessa tarefa, o esgotamento, entraves e dificuldades em encontrar informações confiáveis.

    Falei um pouquinho mais sobre as diferenças entre Fake News, Desinformação e Infodemia e como identificá-las e combatê-las nos textos: O que é “Fake News” e por que devo me preocupar com isso? e Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença?. Também recomendo os textos: Coronavírus e Fake News na Saúde e Corrigindo boatos de forma estratégica

    Ser produtor de conteúdo

    A rotina diária do produtor de conteúdo, (principalmente o de conteúdo informativo e que se dedica ao trabalho de forma profissional) passou a ser dividida entre as horas de discussões e planejamento sobre como promover uma comunicação mais ética, empática e de credibilidade. E outras tantas horas sobre como dispor esse conteúdo em veículos saturados, na qual a relevância e sua distribuição é medida de acordo com as decisões de algoritmos, que se baseiam, entre outras coisas, em bolhas e pela quantidade de dinheiro investida nessa distribuição.

    Falei um pouco sobre os algoritmos e a sua influência nos problemas contemporâneos no texto: O Dilema das Redes e porque esse problema também é seu! e recomendo esta seleção de textos do Blogs de Ciência da Unicamp sobre os desafios da divulgação científica em tempos de pandemia

    Já a rotina diária do consumidor de conteúdo, está longe de ser menos complicada que do produtor de conteúdo, esta rotina é permeada pela confusão e dificuldade em identificar qual das postagens que passa por sua tela é confiável. Já para a tarefa de checagem da informação é preciso uma dose extra de paciência, acesso a internet e até um sexto sentido para se perceber envolvido em bolhas que devem ser furadas e alteradas consultando novos canais de informação.

    O que são Bolhas? É a lógica ditada pelos algoritmos da internet/redes sociais que criam filtros e classificações de postagens de acordo com os seus interesses, (apresentados como curtidas, comentários ou tempo de visualização, por exemplo) ou o sobre conteúdos que são mais acessados que outros. Esses filtros limitam o seu acesso as informações dispostas na internet afetando assim a sua possibilidade de conhecimento, discernimento, tomada de decisão, e por consequência, o modo como agimos, pensamos e/ou aprendemos.

    Ser produtor de conteúdo no Blogs de Ciência da Unicamp

    Como comunicadora reconheço que, neste mundo conectado e sempre com pressa, é normal que fique cansativo pensar constantemente em formas de melhorar o trabalho de produção de conteúdo, mas é necessário. Por isso insistimos na importância de pararmos para refletir e conversar sobre as dificuldades e ideias que surgem na rotina de produção de conteúdo e sua divulgação.

    A equipe aqui do Blogs de Ciência da Unicamp aprendeu a importância desse tempo de estudo e de reflexão. E achamos tão importante quanto reproduzir o que aprendemos nos textos desse blog. Pensar nessas questões nos ajudou a entender que a comunicação é muito mais do que as “trends” do Twitter, pautas quentes que pipocam no jornalismo ou se devemos ou não nos render as dancinhas no TikTok ou Reels. Optar por trabalhar com qualquer uma dessas opções acima, é uma questão de conhecimento, planejamento e estratégia, apesar de parecer simples aos olhos dos desavisados, na prática não é bem assim.

    Antes…

    By THE DENVER POST | newsroom@denverpost.com
    PUBLISHED: March 26, 2009 at 2:55 p.m. | UPDATED: May 7, 2016 at 1:00 a.m. https://www.denverpost.com/2009/03/26/evolution-of-communication/

    Dos primórdios da comunicação até os dias de hoje, a história da civilização, as discussões e a evolução tecnológica da comunicação determinou como consumimos, produzimos e guardamos a informação.

    Vários marcos históricos foram importantes para mudanças nos modelos de comunicabilidade, e apesar da internet e as redes sociais serem o marco histórico mais comentado dos últimos tempos, é preciso lembrar que a comunicação não surgiu em 1995 com o surgimento da primeira rede social, o ClassMates.com 

    Na comunicação oral, por exemplo, as informações eram passadas de pessoa por pessoa ou por oradores que tinham como função de se posicionarem em locais de grande circulação para apresentar as informações que lhe fossem confiadas e como, por muito tempo, as massas não eram alfabetizadas, restava a população acreditar no dito.

    Já com a escrita manual o registro da informação e posterior consulta se tornou possível, contudo apenas com o avanço da alfabetização e, no século XV, com a prensa Gutenberg que a informação escrita passou a ganhar amplitude e chegar a número muito maior de pessoas. Mesmo assim foi só com a invenção do rádio em 1906 e da TV em 1927 que a comunicação realmente se tornou de massa, ou seja, a informação era disponibilizada a uma massa de pessoas geograficamente enorme, e cada vez maior conforme as tecnologias de áudio e imagem fossem sendo melhoradas.

    O que é Comunicação de Massa?

    Comunicação de Massa é o processo pelo qual se cria uma mensagem (de forma individual, em grupo ou de forma institucional) e a transmite por algum meio de comunicação para um grande grupo anônimo e heterogêneo. Na comunicação de massa o emissor da mensagem é sempre um comunicador profissional ou uma empresa de comunicação e a mensagem precisa ser rápida e pública. Os meios de comunicação de massa são televisão, rádio, revista, Internet, livros e cinema, pelo menos os mais comuns, e tem como principal função informar, mas ao longo do tempo também assumiram outras funções, como entreter, educar e comercial, por exemplo.

    * Nesta altura é importante deixar claro que a definição da comunicação de massa tem variações e semelhanças conforme os autores estudados.

    A Comunicação de Massa tem como base o envio da informação por um emissor que tem a responsabilidade de transmitir a informação da forma mais clara, completa, ética e acessível possível. Mas é claro que esse emissor/comunicador precisa adequar a informação ao meio de comunicação na qual está trabalhando.

    A título de exemplo e de forma simplificada: uma informação pensada para a televisão é diferente da pensada para jornais e revistas. Na televisão o comunicador precisa ser adequar a informação as características de tempo e áudio visuais que o veículo precisa. Já no jornal ou em uma revista a mensagem pode ser explicada por um longo período, se utilizando de desenhos, gráficos, tabelas e equações para que o receptor entenda a mensagem.

    Na comunicação de massa a informação, principalmente jornalística, antes de ser disponibilizada ao receptor precisa passar por um editor responsável que tem o poder de modificá-la ou até vetá-la, conforme entenda que o resultado final não cumpriu a chamada ética jornalística. Falo mais sobre esse assunto pelo olhar institucional/empresarial no texto: O que é Comunicação Institucional?

    Ética jornalística é um conjunto de normas e procedimentos éticos que regem a atividade do jornalismo e que podem ser adotadas por outros canais de comunicação.

    • Relevância e utilidade pública – a informação que a população tem o direito de ter conhecimento.
    • Objetividade – a informação deve ser produzida de forma objetiva, evitando subjetividades ou comentários (nesse caso se exclui artigos de opinião)
    • Imparcialidade – a informação precisa ter o compromisso com a diversidade e o equilíbrio dos pontos de vista, contudo essas duas “fases da moeda” devem ser equivalentes na credibilidade e na especialização do assunto.
    • Verdade e precisão – a informação precisa ser checada e conferida, buscando assim a veracidade e a precisão das informações.
    • Confidencialidade – as fontes jornalísticas devem ter sua identidade preservada e só revelado se a fonte permitir.
    • É função do jornalismo (nos regimes democráticos) fiscalizar e denunciar poderes públicos e privados, assegurando a transparência das relações políticas, econômicas e sociais. Por esse motivo, a imprensa tornou-se conhecida como Quarto Poder.

    * É importante ressaltar que cada um desses itens foi longamente discutido ao longo dos anos por cientistas e profissionais da comunicação, e ao com o tempo códigos de ética jornalísticas e manuais de comunicação foram sendo definidas e atualizadas.

    Aqui faço uma relação desses Manuais de Comunicação que podem ser baixados. E outras informações sobre o assunto podem ser conferidas também na Federação Nacional dos Jornalistas

    Acho importante também acrescentar a Liberdade de Imprensa e a Liberdade de Expressão. De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT

    A liberdade de imprensa decorre do direito de informação. É a possibilidade do cidadão criar ou ter acesso a diversas fontes de dados, tais como notícias, livros, jornais, sem interferência do Estado. O artigo 1o da Lei 2.083/1953 a descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares, dentro do território nacional.

    A liberdade de expressão está ligada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade do indivíduo emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do governo. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como a liberdade de emitir opiniões, ter acesso e transmitir informações e ideias, por qualquer meio de comunicação.

    Importa ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado. Todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal. 

    E por fim, devido as configurações dos meios de comunicação de massa dificilmente o emissor tinha condições de ter retorno do receptor sobre como a informação estava sendo entendida.

    Claramente algumas soluções foram pensadas, como as carta do leitor ou as ligações ao vivo durante os programas televisivos, por exemplo. Mas ainda hoje, essas soluções não são suficientes para que o emissor tenha real noção sobre como e de que forma a informação está sendo compreendida pela população.

    Agora…

    Em 1992, o cientista Tim Berners-Lee criou a World Wide Web e abriu um mundo de possiblidades, dentre elas, a comunicação. E conforme novas inovações eram oferecidas, como sites próprios e as redes sociais, por exemplo, fomos entusiasmados, como comunicadores, a ideia de solucionar muitos dos entraves da comunicação de massa, como: rapidez, espaço, facilidade na verificação, promoção do diálogo com o receptor e a possibilidade de ter acesso a vozes negligenciadas.

    Sendo assim, o modelo comunicacional sofreu uma nova mudança, conforme comenta Jesús Martín-Barbero em Diversidade em convergência

    A convergência digital introduz nas políticas culturais uma profunda renovação do modelo de comunicabilidade, pois do unidirecional, linear e autoritário paradigma da transmissão de informação, passamos ao modelo da rede, isto é, ao da conectividade e da interação que transforma o modo mecânico da comunicação a distância pelo modo electrônico de interface de proximidade.

    Por Erica Mariosa Moreira Carneiro em 05/11/2021

    Na imagem acima é possível ver a diferença entre a comunicação de massa e a digital no que se refere a esse novo modelo comunicabilidade em rede que comenta Barbero.

    Enquanto a comunicação de massa envia a informação a partir de um emissor (que é um comunicador ou empresa de comunicação) para o receptor que o recebe de forma “unidirecional, linear e autoritário” e tem poucas oportunidades de informar ao emissor suas opiniões, compreensões e dúvidas sobre a mensagem. Na comunicação digital a informação passa a ser enviada pelo emissor ao receptor que a recebe, interage e, muitas vezes, reformula o conteúdos, transformando-o em uma nova informação.

    Então Comunicação Digital é?

    A Comunicação Digital é o conjunto de normas, métodos e ferramentas de comunicação que se aplicam à web, redes sociais e dispositivos móveis. A comunicação digital conecta as pessoas ao redor do mundo possibilitando relações sociais e acesso a informação de forma ativa como produtor de informação e opinião e não mais passivamente como na comunicação de massa. A comunicação digital define a estratégia e as ações de comunicação dentro do ambiente digital de acordo com as caraterísticas: relacionamento, engajamento, produção de conteúdo e presença digital.

    Conforme novas tecnologias, plataformas, sites e aplicativos são criados, novas características e “regras” são inclusas no rotina do produtor de conteúdo, e esse é apenas um dos problemas. Às redes sociais possuem funcionamentos com regras próprias e de forma diferente dependendo da empresa que as administram. Esses algoritmos limitam o acesso ao público, ao contrário da sua premissa original e podem ser alterados sem aviso prévio.

    Para além disso, a falta de produtores de conteúdo com formação ou conhecimento mínimo em comunicação provoca enganos que dificilmente o emissor consegue mensurar ou lidar, como o recebimento constante de comentários com teor ofensivo, cancelamentos, conteúdo delicado sendo transmitido sem o devido cuidado. Não estou afirmando aqui que comunicadores treinados e especializados não cometam erros, mas a frequência desses erros são menores e a aplicação de estratégias para evitar danos sérios é mais ágil e consciente. Recomendo os seguintes textos sobre esse assunto: Então… O que é engajamento para você?, O que fica de aprendizado com a estratégia de divulgação “Enquete Terra Plana”?, Errei. E agora?, E o engajamento? e Refutando mitos: como evitar o ‘tiro pela culatra’ 

    Por isso, é fundamental estar de olhos na discussão sobre regras e leis que regularizem a atuação na internet e nas redes sociais que ganharam força no Brasil e no mundo após o escândalo de dados do Facebook – Cambridge Analytica. Como o Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados, Artigos 138,139, 140 e 154-A do Código Penal que dizem respeito aos crimes de calúnia, difamação, injúria e invasão de dispositivos informáticos, respectivamente, e a Lei nº 13.718/2018 – crime de importunação.

    O texto Fake news – regulamentação por meio de leis fala um pouco mais sobre o assunto.

    Update necessário – 19/03/2022

    A questão da liberdade de expressão voltou nesses últimos dias após a repercussão de falas, como: a do Monark sobre nazismo, do ministro Alexandre de Moraes, do STF após ter determinado o bloqueio do aplicativo Telegram no Brasil e da determinação da retirada do filme ‘Como ser o pior aluno da escola’ do comediante Danilo Gentilli dos serviços de streaming.

    Assim usei minha conta no Twitter para comentar não só esses casos mas, principalmente, sobre como acredito que não só o autor da fala deve ser penalizado de acordo com a lei (conforme descrito no texto acima), mas o canal que permitiu a publicação da fala também deve sofrer as mesmas consequências.

    E como volta e meio esse assunto volta em reunião de colegas e palestras, achei importante também deixar aqui no texto essa continuidade da discussão feita no Twitter.

    Será mesmo que em nome da liberdade de expressão todo canal (grande ou pequeno) pode dizer qualquer coisa na internet?

    Vamos começar esse update deixando claro que mesmo um canal não jornalístico, ou seja, que se pretende ser informal e não adotar pauta ou conversa prévia precisa ser responsável com a informação que é disponibilizada.

    Utilizar-se da ética jornalística para compor os seus editoriais e normas de trabalho pode ser uma boa maneira de garantir essa responsabilidade da informação.

    E se mesmo assim, o canal prefere ter como direcionamento a Liberdade de Expressão, devo lembrar que essa liberdade também tem definições e parâmetros, como comentamos acima neste texto. Assim como leis e regras que regulariza a atuação na internet.

    Mas para continuarmos quero deixar destacado esse trechinho:

    “Devemos ressaltar que todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal.” 

    Portanto essa ideia de que a internet é “terra de ninguém” é totalmente furada, mesmo que tenhamos a sensação de “tudo pode”.

    E temos essa sensação devido aos constantes incentivos/cobranças das empresas de internet para que se consiga mais e mais visibilidade. Afinal fale bem ou mal mas falem de mim. E é claro que a lentidão do sistema jurídico também contribue para que se aumente essa sensação de que as leis não se aplicam a internet.

    Depois da entrega desse texto eu debati um pouquinho mais sobre esse assunto em outras postagens: O ódio como engajamento, O Influencer como Corpo Dócil e O Spoiler como discurso.

    O ponto é que o canal, mesmo não sendo formal ou de comunicação de massa como os programas exibidos na televisão, no rádio ou no jornal impresso, também tem a responsabilidade pela informação e possui o poder e o dever de, mesmo que ao vivo, monitorar as falas, orientar seus convidados e revisar o conteúdo antes da publicação.

    É de responsabilidade do canal a disponibilização de informação a sociedade.

    Falas criminosas, fake news e informações que prejudicam a população devem ser revistas e se necessário excluídas da edição final. E isso também tem haver com a liberdade de expressão, já que com grandes poderes vem grandes responsabilidades, certo?

    Quero ressaltar que essa crítica não se trata apenas de canais com grandes audiências, mas também de canais pequenos ou até os infinitos compartilhamentos em redes sociais, se você está informando alguém tem que se responsabilizar pela informação e ponto final.

    Também é importante dizer que toda vez que você se engaja com esse tipo de informação, e não importa se concorda ou não com ela, mais incentivo esses canais recebem para produzir mais conteúdos parecidos.

    E não só isso, com esse “fechar os olhos” para as falas criminosas dos canais e das instâncias que aplicam as leis outros canais se sentem incentivados a “copiar”. Afinal aquele determinado canal ganhou milhões de seguidores com a polêmica fala que incentiva o ódio a uma população inteira.

    Na prática, quando você se deparar com conteúdos de ódio, falas que incitam a violência e informações criminosas não denunciem apenas a pessoa que disse mas também o canal que divulgou o conteúdo.

    Referências e outras sugestões de leitura:

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Mindflow.

     

  • Força Tarefa da Unicamp: a universidade como potência

    Texto escrito por Ana Arnt, Marcelo Mori e Maurílio Bonora Junior para a Força Tarefa da Unicamp

    O que pode uma universidade, frente à maior crise sanitária das últimas décadas?

    Há quem diga que as universidades são encerradas em si mesmas. Bem como, não conseguem atuar em um mundo fora dos seus muros – muros estes nem sempre visíveis. Há quem diga que a primeira menção à palavra universidade teria sido usada pelos sumérios, por volta de 3.500 a.C.. Sendo definida como um espaço para desenvolvimento da escrita e da matemática.

    Ao longo da história foram vários os momentos em que a universidade foi conceituada e repensada. Há inúmeros registros de “a primeira universidade” em diferentes sociedades e civilizações. Entretanto, as universidades sempre estão atreladas a ideais de conhecimentos, técnicas, tecnologias, sendo espaço de proliferação de perspectivas para a sociedade e seu desenvolvimento.

    As universidades são, assim, espaços de produção de conhecimentos, a partir de pessoas que se formam, estudam, dialogam e aprendem sobre o mundo e seus fenômenos. E muitas vezes, também, parecem ausentes de debates mais amplos na sociedade. Podemos dizer que muitas vezes ficamos alheios às problemáticas cotidianas – tanto quanto muitas vezes não temos condições reais de resolver problemas práticos como gostaríamos.

    Os espaços de pesquisa em tempos de crise

    O estudo não atravessa
    o alvorecer,
    não reduz o alvorecer
    para passar ali
    da noite para o dia

    O estudo se
    recolhe no alvorecer,
    se mantém em suspenso
    no centro mesmo do alvorecer
    (Jorge Larrosa, 2003)

    A pesquisa, ou o estudo, se faz no limiar entre as observações do mundo e dos seus fenômenos, a busca por respostas às nossas perguntas e as relações sociais possíveis a partir destes conhecimentos. A pesquisa se faz “no centro mesmo do alvorecer”. Entre a iminência de cores de cada dia, que vislumbram formas e compreensões potenciais e a incerteza pelos excessos de penumbras.

    Este espaço do alvorecer pode parecer poético e desconectado da realidade. No entanto, ele se configura mais como um espaço de silêncio e distanciamento necessário, para compreender os detalhes de acontecimentos iminentes. O alvorecer é o espaço do estudo, da criação de possibilidades da pesquisa tornar-se ação: o alvorecer é espaço de potência. 

    São em tempos de crise que se buscam soluções ágeis. Através de ações coletivas, a partir da diversidade de saberes, característicos do que é uma universidade. Conhecimento e tecnologia se tornam imprescindíveis para que possamos seguir vivendo nosso cotidiano. Se é verdade que a universidade é um espaço que constrói ambos, no centro do alvorecer e suas nuances, e se é verdade que não estamos apartados do mundo, na vivência rotineira de dias e noites, a COVID-19 foi o momento de imersão, em que o alvorecer pareceu borrar-se com os dias e as noites. Seja para compreender a crise, seja para atenuá-la, a universidade precisava se fazer presente.

    Foi nessa trajetória, dentro destes ideais, que a Força Tarefa da Unicamp contra a COVID-19 se idealizou:

    UNICAMP como espaço de potência

    Isto é, a universidade que foi, que é e que idealiza ser: instância de ciência e conhecimento, com e para a sociedade em que estamos inseridos. É por nós idealizarmos a universidade como este espaço de potência que desde a chegada da pandemia mergulhamos nos meandros de diferentes campos de atuação, reunindo forças, articulando estratégias, buscando, enfim, ações coletivas em tempos de isolamento.

    Assim, a Força Tarefa se constitui como um movimento de pessoas. Isto é, a partir de seus saberes, rotinas e laboratórios, mostrou que a idealização de uma potência não se faz com rankings publicados em páginas de notícias que se amarelam com o tempo. As potências são atemporais. Pois mostram que mesmo em silêncio, arquitetam atividades capazes de mudar tantas vidas quantas forem possíveis.

    O alvorecer

    Enquanto aparentemente fechávamos nossas portas, dia 13 de março de 2020, o interior da universidade já fervia em ideias que viraram ações: o que nosso arredor necessitava com urgência? Como o mundo vinha enfrentando este vírus e quais eram as dificuldades emergenciais? As pessoas estavam compreendendo a severidade daquele momento, que persiste até hoje? De onde estavam retirando as informações para enfrentar a COVID-19 com segurança e saúde?

    Estas eram algumas das perguntas que nortearam a nossa universidade. A organização da Força Tarefa partiu de grupos de pesquisadores, professores, estudantes e funcionários inquietos frente à crise que crescia sem impedimentos… muitas vezes dos próprios governos. Foram 11 frentes de trabalho elaboradas. Parece muito. Mas a ideia era exatamente criar condições para que nossas ideias – em diferentes campos e perspectivas – se transformassem em ações que fossem ao mesmo tempo abrangentes e específicas. Todavia, era também fazer muito mais do que isto, nosso trabalho foi sobre salvar vidas, todos os dias.

    A Universidade Pública, no seu cotidiano, cumprindo seu papel

    Pesquisador, fardado com o equipamento de proteção completo, segura uma ampola contendo uma substância, com a etiqueta "COVID-19". A mão dele está em primeiro plano, o corpo desfocado atrás e o laboratório em plano de fundo bem desfocado. Na frente, direita, abaixo na imagem, escrito "Força Tarefa da Unicamp: a universidade como potência"
    Foto: Liana Coll

    Sem nossa abertura a novas parcerias e novas ideias, empresas e laboratórios continuariam restritos em sua capacidade de atuar no enfrentamento à COVID-19, em seu cubículo, sala ou laboratório. Sem nosso cooperativismo, a produção científica da UNICAMP não seria páreo para a competição internacional e não poderia oferecer alternativas ágeis, seja no aspecto tecnológico ou farmacêutico, num contexto nacional ou global. Além disso, sem nossa empatia, demandas de diagnósticos e de soluções tecnológicas, com mão de obra nacional, partidas de comunidades vulneráveis – muitas vezes esquecidas ou deixadas de lado em momentos de crise – não seriam cumpridas, ou estariam estacionadas até o momento. Sem a formação de pesquisadores, a sociedade estaria sem conhecimento necessário para enfrentar a maior crise que vivemos neste século, e nos últimos 80 anos.

    Em suma, tudo foi força motriz e condição de possibilidade para a Força Tarefa da UNICAMP existir: a universidade como potência é feita de pessoas que fazem do pensamento, ação. Assim, potência é fazer do alvorecer nossa rotina ao longo dos dias. Somos uma organização que começou de baixo para cima e tornou-se parte essencial da instituição. Ao longo de todo este período, tivemos o propósito de servir à sociedade como a universidade pública deve servir. Isto é, com empatia, coletividade e cooperação, conhecimento técnico e disponibilidade para tempos de crise, representando um dos pilares mais sólidos de uma sociedade desenvolvida.

    O futuro

    Assim, como o alvorecer, a universidade, potência que foi e que é, continuará sendo: pesquisas continuarão sendo feitas para entendermos o funcionamento do vírus, testes serão realizados para se diagnosticar pessoas, vacinas serão estudadas e testadas para salvar vidas, tecnologias serão desenvolvidas e ações sociais, efetivadas. E o trabalho da Força-Tarefa permanecerá. Bem como, seu legado vai persistir. Mesmo que essa não exista mais como instância oficial, mesmo que as pessoas parem de chamá-la assim, os reflexos de todos esses 19 meses de trabalho, de pensamento, dúvidas, relações e realizações, tudo isso persiste. Assim, todo este momento, potente por si, abre portas para mais perguntas a serem feitas e respondidas. E como o alvorecer, com uma miríade de novas cores e formas, surge uma nova geração: de pessoas, de conhecimentos, de tecnologias, para seguir e manter a potência.

    Quer saber mais sobre a Força Tarefa da Unicamp?

    Dia 15/10 promoveremos o evento “O que falta para a pandemia acabar? A Força Tarefa da Unicamp responde”. O evento é gratuito e on line! Se inscreva e participe!

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Quais máscaras deveríamos usar em ambientes fechados?

    A princípio a resposta é: use a máscara que tiveres condição de usar, desde que bem ajustada. Mas há, sim, uma enorme diferença entre diferentes máscaras em termos de proteção individual e coletiva.

    Pode parecer paradoxal, mas nem todas as máscaras protegem, exatamente, o indivíduo que está usando a máscara. Vamos separar aqui as máscaras em três tipos: máscaras de pano, máscaras cirúrgicas e máscaras do tipo PFF2.

    Máscaras de Pano

    Estas máscaras foram imensamente incentivadas no início da pandemia de COVID-19. Inicialmente a maior indicação eram máscaras de tecido de algodão, preferencialmente tricoline, em duas camadas. O elástico prendendo atrás das orelhas, ajustadas no rosto, sem folgas. Isto é: que fique confortável, mas que tenha o menor escape de ar possível. Atualmente a indicação é, se possível, este tipo de máscara apresentar 3 camadas, sendo a intermediária de TNT.

    As máscaras de pano foram imprescindíveis para uma proteção inicial, quando ainda estávamos com demandas altas em hospitais de máscaras melhores e sem condições de suprir estas demandas, com produções de fábrica. Neste sentido, as máscaras de pano, por serem de fabricação mais simples – inclusive caseiras – serviram como um paliativo fundamental.

    Todavia, elas têm um problema: não existe como testarmos em definitivo sua qualidade. Exatamente por serem de fabricação caseira ou não testada via órgãos reguladores como o Inmetro, embora elas sejam melhor do que nada, não temos como atestar com precisão o quanto elas filtram partículas.

    Mas então porque usá-las?

    Bom, as máscaras de pano funcionam fundamentalmente como barreiras físicas, quando espirramos ou tossimos. Deste modo, a maior proteção que as máscaras de pano oferecem não é exatamente para quem usa a máscara, mas para as pessoas que estão ao seu redor.

    No entanto, como elas também não oferecem uma grande vedação, mesmo sendo uma barreira física imediata (ao espirro, tosse, fala e respiração) ela ainda assim pode espalhar partículas, mesmo que diminuindo a quantidade. Por fim, a recomendação de trocar a cada 4 horas segue valendo.

    Máscaras Cirúrgicas

    As máscaras cirúrgicas são feitas de “tecido não-tecido” ou mais popularmente conhecido “TNT”. Elas possuem fabricação industrial e têm uma filtragem de partículas melhor do que as máscaras de pano. Além disso (e mais importante), as máscaras cirúrgicas devem ser produzidas segundo normas técnicas, o que assegura um mínimo de padronização. Este fator as torna mais seguras do que as máscaras de pano, uma vez que além de filtrar partículas, podemos aferir sua qualidade, com registro.

    No entanto, é importante ressaltar que as máscaras cirúrgicas não são consideradas Equipamento de Proteção Individual (EPI). Elas não constam na Norma Regulamentadora No. 6 (NR-6), que define quais são os Equipamentos de Proteção Individual no Brasil.

    As máscaras cirúrgicas podem ser consideradas como máscaras de proteção coletiva. Ou seja, quando bem ajustadas, elas também são barreiras físicas contra gotículas, fômites e aerossóis expelidos no ato de fala, respiração, tosse e espirro. Assim como as máscaras de pano, elas são fundamentais para diminuir a exposição das pessoas que estão próximas de quem está contaminado com COVID-19. Mesmo com o rigor da produção e uma maior capacidade de filtragem do que as máscaras de pano, todavia, ainda assim não se configuram como um equipamento que protege quem está usando o equipamento.

    Vale a pena usar as máscaras cirúrgicas?

    Sim! Um estudo realizado em Bangladesh com cerca de 350 mil pessoas demonstrou que usar máscaras cirúrgicas é efetivo, em relação ao uso de máscaras de pano. Segundo este estudo as máscaras cirúrgicas apontaram com uma queda de 11% no risco de contaminação, em comparação com uma queda de 5% para máscaras de tecido. Em contraste com máscaras de pano, que filtravam cerca de 37% de partículas, as máscaras cirúrgicas, no estudo, filtraram 76% das pequenas partículas capazes de transmissão aérea de SARS-CoV-2. O estudo é um pre-print, mas têm sido muito bem comentado em revistas de prestígio, como a Nature.

    Ainda assim, este artigo não avalia a diferença entre as máscaras cirúrgicas e os respiradores tipo PFF2.

    Outro estudo analisando a eficiência geral das máscaras cirúrgicas apontou que há redução da emissão de partículas com seu uso, mas dependendo da nossa ação (fala, tosse e espirro) essa eficiência têm redução significativa. Para falar, o escape de ar reduz a eficiência de cerca de 90% (em relação ao ar que passa pela máscara) para cerca de 70%. Se observada a tosse, a redução na eficiência do escape de ar é menor, diminuindo apenas de 94 a 90%. Os autores destacam que mesmo com esta perda, ao usar esta máscara temos um resultado muito melhor da redução de partículas no ar do que não usarmos máscara alguma.

    Mascaras do tipo PFF2

    As queridinhas dos últimos meses, que têm sido indicada constantemente como a máscara que nos protege, têm lá seus motivos para ter ganhado o status que ganhou na pandemia. PFF quer dizer Peça Facial Filtrante. Nós explicamos como funciona esta máscara nesta postagem aqui

    Qual a diferença entre estas máscaras e as citadas anteriormente? Bom, para começar, a PFF2 é a única considerada EPIs, dentre as três citadas neste texto. Isto quer dizer que ela consta na Norma Regulamentadora de Equipamento de Proteção Individual brasileira. Todavia, mais do que apenas constar nas normas, isto quer dizer que esta máscara tem como função proteger o indivíduo que está usando o equipamento. Ou seja, enquanto máscaras de pano e máscaras cirúrgicas protegem principalmente pessoas do entorno de quem está usando-as, a PFF2 protege as pessoas do entorno e a pessoa que usa a máscara.

    Por ser uma peça filtrante ela, literalmente, filtra partículas do ambiente. Como este equipamento tem uma regulamentação específica, ela também têm registro e análise certificada pelo Inmetro, o que nos dá a garantia de que ela efetivamente nos protege contra partículas muito pequenas – incluindo o vírus SARS-CoV-2.

    Ainda estás em dúvida e se perguntando:

    Que tipos de máscaras eu deveria usar no meu cotidiano?

    Vou lançar um spoiler: na dúvida, use PFF2 bem ajustada no rosto! 🙂

    Mas vamos com calma. Primeiramente, é importante compreender como o vírus se transmite e como ele permanece no ar. No texto “Como doenças de transmissão aérea como a COVID se espalham?” há explicações detalhadas sobre a transmissão aérea, que é a mais importante neste momento, se quisermos entender a importância das máscaras em nossa rotina.

    Além disso, também precisamos analisar como é nosso ambiente de trabalho. Se estamos em ambiente fechado, com mais pessoas, com longa permanência (horas), mesmo que tenhamos ventilação neste ambiente, o mais indicado seria máscaras PFF2. Exatamente por este equipamento ser filtrante e, em um espaço que o vírus pode permanecer mais tempo no ar, devido a aerossóis, por exemplo. Dessa forma, a PFF2 seria uma recomendação que traria mais segurança a todos. Há uma lei tramitando no legislativo federal que estipula que as PFF2 seriam obrigatórias para empresas fornecerem aos seus funcionários. Aguardamos ansiosamente por novidades neste sentido!

    Aliás, em ambientes abertos então tá liberado não usar máscara? Não! Se o teu serviço é em ambientes abertos, o uso de máscara ainda vai te acompanhar por um bom tempo. Neste caso, a PFF2 é também indicada, mas há quem diga que máscaras cirúrgicas já funcionam muito bem, uma vez que servem para nós não espalharmos o vírus diretamente nas pessoas. Como o ambiente é aberto, há dispersão dos aerossóis.

    Por fim…

    Nós temos produzido materiais sobre máscaras, EPIs, transmissão do vírus, em um anseio de que as pessoas não apenas tomem decisões mais conscientes, mas também percebam que seria fundamental termos tais equipamentos como parte da saúde pública. Ou seja, parte das políticas públicas brasileiras. Em especial, em tempos de retomada de todos os serviços, mesmo os que vêm funcionando em sistema remoto, que sejam feitos com segurança e priorizando a vida das pessoas.

    Quer saber mais sobre nossos materiais?

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Políticas Públicas em saúde: tecendo comentários

    A COVID-19 e a Sociedade: uso e cobrança de Equipamentos de Proteção Individuais

    Como funcionam as máscaras N95 / PFF2

    Como doenças de transmissão aérea como a COVID se espalham?

    Que medidas preventivas são necessárias neste momento contra a COVID-19 em nosso país?

    Testes para Covid-19: o Bom, o Mau e o Rápido

    Para Saber Mais

    Documentos oficiais

    BRASIL

    NR 6 – Norma Regulatória de Equipamento de Proteção Individual

    Norma Regulamentadora No. 6 (NR-6)

    RESOLUÇÃO – RDC Nº 448, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2020

    Projeto de Lei 1054/21

    Ficha de Tramitação do Projeto de Lei 1054/21

    MINAS GERAIS

    Máscara de tecido, máscara cirúrgica e máscara N95: quando usá-las?

    Outras Referências

    ABALUCK, J (…) ZAMAN, R (2021) The Impact of Community Masking on COVID-19: A Cluster-Randomized Trial in Bangladesh

    ABHO (2020) O uso de máscaras cirúrgicas e máscaras descartáveis (PFF2) para impedir a propagação do Coronavírus

    ASADI, S, Cappa, CD, Barreda, S et al (2020) Efficacy of masks and face coverings in controlling outward aerosol particle emission from expiratory activities. Sci Rep 10, 15665 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-72798-7

    CAPPA, CD, ASADI, S, BARREDA, S et al (2021) Expiratory aerosol particle escape from surgical masks due to imperfect sealing. Sci Rep 11, 12110. 

    CHOW, Denise (2021) Largest study of masks yet details their importance in fighting Covid-19

    KOKUBUN, Fernando (2021) Muito além dos dois metros Rede Análise COVID-19

    PEEPLES, Lynnes (2021) Face masks for COVID pass their largest test yet

    PROMETAL (2020) Máscara cirúrgica é considerada EPI? Entenda!

    TORLONI, Maurício (2016) Programa de proteção respiratória: recomendações, seleção e uso de respiradores/coordenador técnico, Maurício Torloni; equipe técnica, Antonio Vladimir Vieira, José Damásio de Aquino, Sílvia Helena de Araujo Nicolai e Eduardo Algranti. – 4. ed. – São Paulo: Fundacentro, 2016.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como doenças de transmissão aérea como a COVID se espalham?

    Você sabe o que são aerossóis, fômites, gotículas e o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Homem branco ruivo de óculos e barba, virado de perfil na área esquerda da imagem. Ele está espirrando e as gotículas do espirro aparecem em contraste com o fundo preto da imagem
    Uma pessoa espirrando com gotículas produzidas em evidência. Fonte: Public Health Image Library – Center for Disease Control and Prevention

     A pandemia ainda não acabou. Estamos cada vez mais perto do fim, visto que agora temos vacinas que estão sendo aplicadas na população. Mas isto não significa que possamos baixar nossa guarda! Dessa forma, continuar os cuidados de prevenção é fundamental para conter a doença. Como aprendemos melhor o comportamento do vírus e os mecanismos de transmissão, estamos preparados para combatê-la de forma eficiente! Veja o que sabemos sobre o espalhamento do coronavírus e o que podemos fazer para diminuir as chances de contágio!

    O Sars-CoV-2, vírus responsável pela Covid é transmitido por via aérea e em geral existem três tipos de fontes de contaminação: fômites, gotículas e aerossóis

    Fômites

    São superfícies contaminadas que podem levar a doença ao nosso corpo através de contato com olhos, boca e nariz. No caso do coronavírus, são fontes secundárias de contaminação, sendo menos relevantes. Uma forma eficaz de combater vírus nos fômites é usar sabão e água pois inativa o vírus ao dissolver sua camada protéica.

    Gotículas

    São pequenas porções de líquido, geralmente esféricas e com tamanhos maiores que 20 µm. Podem carregar os vírus a curtas distâncias, visto que a gravidade as leva ao chão rapidamente. Assim, a forma mais eficaz de evitar gotículas é o distanciamento social superior a 2 metros.

    Aerossóis

    São porções de sólidos ou líquidos suspensos no ar, em geral têm tamanho inferior a 10 µm. Permanecem longos tempos em suspensão no ar, pois seu pequeno tamanho permite espalhamento por difusão. Consequentemente, pode levar o vírus de uma pessoa infectada por longas distâncias. Podemos diminuir os riscos ao aumentar a ventilação dos ambientes, pois isto faz com que os aerossóis se dispersem mais rapidamente.

    Mas não é tão simples assim…

    Estas são classificações da comunidade médica, porém para a Física, aerossóis englobam as gotículas, pois estas também estão em suspensão no ar. A formação de aerossóis acontece quando fornecemos energia para um corpo, o quebrando em pequenos pedaços e os arremessando no ar. Assim, no caso de aerossóis respiratórios, quando respiramos, falamos ou espirramos.

    Aerossóis respiratórios são polidispersos, isto é, têm uma grande variedade de tamanhos em suas partículas. Normalmente a variação é entre 1 µm e alguns décimos de milímetros.

    Assim suas partículas não apresentam comportamento único.

    Veja esta simulação de um espirro usando dinâmica de fluídos computacional:
    Simulação computacional de um espirro e como ele se espalha em distância, com o tempo. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. "Sneezing and asymptomatic virus transmission." Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.
    Simulação computacional de um espirro. Fonte:  Busco, Giacomo, et al. “Sneezing and asymptomatic virus transmission.” Physics of Fluids 32.7 (2020): 073309.

    Estes comportamentos são ditados pelo tamanho da partícula. Partículas com tamanho superior a 100 µm sofrem baixa interação com outras partículas no ar. Assim, a principal influência é a gravidade e o movimento é próximo ao de um lançamento oblíquo. Isto é, aquele que vemos na escola quando descrevemos a trajetória de uma bala de canhão. Em média, caem no chão em segundos e não se afastam mais de 2 metros da fonte.

    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.
    Gráfico mostrando a trajetória de diferentes lançamentos oblíquos para diferentes ângulos iniciais.

    Para partículas com tamanho próximo a 10 µm, a gravidade ainda é um efeito importante, mas estas também colidem com moléculas no ar de forma considerável aumentando seu tempo de voo. Assim, estas partículas ficam suspensas cerca de 10 minutos e podem percorrer distâncias maiores.

    Já as partículas pequenas, menores que 1 µm, têm uma influência muito maior da colisão com as moléculas no ar de forma a realizar um movimento praticamente aleatório. Dessa forma, elas podem viajar devido a este movimento de difusão por longas distâncias, sendo altamente influenciados pelo fluxo de ar no ambiente. Com isto podem ficar longuíssimos períodos em suspensão, até mesmo por cerca de 12 horas!

    Tamanho (µm)Tempo de voo
    > 100~1 segundo
    10~10 minutos
    < 1até 12 horas
    Fonte: How COVID-19 Spreads – METPHAST Program
    Assim percebemos que o maior risco é estar próximo a uma pessoa infectada durante o espirro.
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
        Partículas em um aerossol respiratório logo após um espirro. A pessoa B recebe diretamente um jato do aerossol tendo grande possibilidade de contágio. A pessoa C não recebe o aerossol. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    E os aerossóis?

    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Após um tempo, o aerossol começa a se dispersar. Partículas maiores caem e menores se afastam da fonte. A pessoa B ainda tem chances de contágio, mas a pessoa C está relativamente segura. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Aerossóis, distância e ambientes fechados…

    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Em um terceiro período, a maioria das partículas já está no chão, porém as menores continuam em suspensão e agora contaminam distâncias maiores. Tanto a pessoa B, quanto a C tem perigo de contágio, Por isto, em ambientes fechados, mesmo com distanciamento, o uso de respiradores PFF2 são essenciais. Ventilação dos ambientes ajuda a mitigar este efeito sendo uma boa prática sanitária. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro aspecto importante em relação ao tamanho das partículas é que estas ditam em que parte do sistema respiratório estas gotículas chegaram, podendo ter influência na gravidade da infecção.

    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD
    Porcentagem das partículas depositadas por região. As três áreas destacadas são: região da cabeça, região traqueobrônquica e região alveolar. Fonte: COMMENTARY: Ebola virus transmission via contact and aerosol — a new paradigm. Rachael M Jones, PhD, and Lisa M Brosseau, ScD 

    Outro detalhe importante, apesar de as fômites serem fonte de contágio secundárias, devemos ter cuidado ao manusear material contaminado. Por quê?

    Para não gerar novos aerossóis!!!

    Por exemplo, um artigo (Aerodynamic analysis of SARS-CoV-2 in two Wuhan hospitals) identificou que em hospitais, além das áreas de internação e banheiro dos pacientes, um lugar com maior concentração do vírus no ar eram as salas para troca de roupas dos profissionais de saúde, que pode ter sido gerados devido ao manuseamento dos equipamentos de proteção que acumularam vírus durante o expediente dos médicos e enfermeiros.

    Vamos continuar mantendo esses cuidados básicos para garantir a segurança de todos e controlar a pandemia, somente assim poderemos começar o retorno de atividades presenciais sem novos picos da pandemia, que podem levar até mesmo a novas variantes do vírus que sejam mais resistentes às vacinas atuais.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Covid, cloroquina e experimentos em humanos

    Falar que o Brasileiro não tem um minuto de sossego e que isso só tem piorado durante a pandemia já é um clichê. Essa semana não poderia ser diferente – e, realmente, não foi.

    O código de Nuremberg.

    Durante esses meses que estamos convivendo com a pandemia da COVID-19, parte da comunidade científica e dos divulgadores de ciência vêm fazendo um esforço hercúleo para compartilhar informações corretas e atualizadas, além de combater a enxurrada de fake news e desinformação que estão sendo disseminadas por tudo quanto é lugar. 

    Poderíamos falar que a falta de conhecimento do modus operandi da ciência pela população explicaria, mas parece que o buraco é bem mais embaixo. Principalmente quando vemos pessoas com formação em ciências atuando de forma anti-científica, fraudulenta ou pseudo-científica. Mais assustador do que isso foram os experimentos da Prevent Senior que vieram à público. Experimentos com cloroquina em pacientes com COVID-19. É assustador! Uma instituição de saúde, conduzindo experimentos científicos de forma anti-ética, mais de 70 anos após o famoso Código de Nuremberg.

    Voltando no tempo…. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, 23 pessoas do regime nazista (20 das quais eram médicos) foram consideradas criminosas de guerra pelos experimentos realizados com seres humanos. Desse julgamento foi derivado um documento conhecido como “Código de Nuremberg”, divulgado em 1947, que representa um marco na condução ética de experimentos com seres humanos. As diretrizes listadas ali servem, até hoje, para o estabelecimento da legislação sobre o assunto – e no Brasil não é diferente.

    E quais diretrizes são essas?

    A participação do voluntário em um estudo deve consentida e ser precedida por um esclarecimento (feito pelo cientista responsável). Ao voluntario deve ser apresentado todo o processo experimental, além dos possíveis riscos e benefícios envolvidos.

    Não apenas isso. Ao voluntário devem, ainda, ser garantidos o direito à desistência da participação a qualquer momento e à proteção (tratamento adequado; evitar danos e sofrimentos desnecessários; minimizar possibilidade de invalidez e morte). Em caso de grandes chances de morte ou invalidez decorrente do estudo, este não deve ser conduzido – ou deve ser interrompido caso o risco seja detectado ao longo do estudo. Isso faz com que o estudo possa ser interrompido a qualquer momento (a proteção ao voluntário vem em primeiro lugar).

    Mas não acaba por aí. Estudos pré-clínicos (aqueles realizados em laboratório com células e animais*, por exemplo) passam a ser considerados essenciais para estabelecerem esses limites de riscos.

    Por fim, os estudos, para serem realizados em humanos, devem objetivar uma vantagem para a sociedade e serem conduzidos por uma equipe capacitada para isso.

    Hoje, no Brasil, temos uma centralização da análise ética dessas pesquisas que envolvem seres humanos. A base legal é estabelecida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), um órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Os pesquisadores devem cadastrar os projetos numa plataforma única (a Plataforma Brasil) para serem avaliados a nível local pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP).**

    Pois bem, o que a Prevent Senior fez?

    Jogou tudo isso no lixo e conduziu seus experimentos com cloroquina (afinal chamar de estudo é meio complicado né?) de uma forma no mínimo questionável. É isso que podemos ver nesse fio da Chloé Pinheiro no Twitter. Vale a pena clicar e ler o fio todinho:

    É assustador! É cruel! É anti-ético!

    E não acabou por aí…

    Não bastasse esse escândalo, fomos brindados com um pronunciamento alarmante de Marcelo Queiroga. A orientação do Ministro da Saúde era interromper a vacinação de jovens de 12 a 18 anos com a vacina da Pfizer contra a COVID-19. A manifestação do ministério veio, ainda, acompanhada de informações inverídicas e levantamento de incertezas acerca da segurança da vacina. Apesar de o movimento anti-vacinas no Brasil não ter a força que tem no exterior, jogar dúvida sobre uma vacina comprovadamente segura gera insegurança na população. E, num momento em que buscamos um percentual elevado de pessoas vacinadas na população, isso pode ter implicações importantes. 

    Hoje mais cedo, quando já estava com a ideia de escrever esse texto, vi esse tweet do Daniel Gontijo que acho que cai bem para fechar esse texto.

    Notas complementares:

    *No Brasil, a experimentação animal é regulamentada pela Lei Arouca (Lei 11.794/2008). A legislação brasileira é bem rigorosa e segue princípios semelhantes aos do código de Nuremberg. Apesar de a experimentação animal ainda ser necessária, há um esforço para que haja: 1) a redução do número de animais utilizados em pesquisas; 2) o refinamento das técnicas para que sejam garantidos o direito ao bem estar e à utilização de técnicas adequadas de manejo e experimentação; e 3) a substituição do uso de animais por métodos alternativos sempre que possível. O canal “Nunca vi 1 cientista”, fez um vídeo muito bom sobre o assunto.

    **Aproveito para indicar dois podcasts recém lançados. O primeiro é o “Pelo Avesso”, que nesta temporada está falando sobre Eugenia. E o segundo é o “Ciência Suja”, que fala do impacto de fraudes científicas para a sociedade. Os dois trazem de forma explícita questões éticas que perpassam a ciência e não podem ser esquecidas.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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