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  • Sobre o que o Brasileiro pensa sobre mudanças do clima 2

    Texto por Claudia Chow

    Me empolguei com esses dados e resolvi explorar um pouco mais.

    Conversando com o master jedi em computação Felipe Campelo, descobri que essa minha “análise” pode ser chamada de análise exploratória de dados…

    Pois bem, dessa vez resolvi juntar as 2 perguntas que analisei no post anterior. E resolvi ver qual a coerência das pessoas quando escolheram Proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos e depois dizer se concordavam ou não com a frase: As queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia.

    Para essa análise eu desconsiderei quem respondeu que não sabe para as 2 questões, não responderam uma das questões ou as 2. Esse grupo desconsiderado equivalem a 4,42% das respostas.

    Não me surpreendeu descobrir que 62,39% das pessoas foram muito coerentes e além de priorizarem a proteção do meio ambiente também discordavam que as queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia. Apenas 3,9% das pessoas que priorizam o crescimento da economia concordam que as queimadas são necessárias para esse crescimento. Gostei de ver que 12,98% mesmo priorizando o crescimento econômico não concordam que as queimadas são necessárias. Porém as pessoas que não sabem ou estão em cima do muro (na minha opinião) em qualquer uma das questões, somam 11%.

    https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha6?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    Dessa vez eu resolvi levar em consideração o posicionamento político declarado dos entrevistados. Como comentei no outro post achei bem alto o dado que 25% dos entrevistados não responderam ou não souberam escolher entre direita, esquerda e centro.

    https://public.tableau.com/profile/claudia.chow7385#!/vizhome/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha7

    Ai, com esses dados eu resolvi cruzar com a pergunta: Você já votou em algum político em razão de suas propostas para defesa do meio ambiente?

    Ok, ok, vamos desconsiderar que “propostas para defesa do meio ambiente” é algo muito amplo.

    Algumas coisas que achei curioso: todas as pessoas que se declararam de esquerda responderam essa pergunta. E o grupo político com maior número de pessoas que responderam sim à questão foram os declarados de esquerda.

    https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha8?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    O curioso caso de quem não sabe se votou em alguém por conta de suas propostas de defesa de meio ambiente somam 0,51%.

    Porém é triste perceber que quase 60% das pessoas não consideram a pauta ambiental na hora de votar. E essa mesma pesquisa mostrou que 86% das pessoas se declararam preocupadas ou muito preocupadas com o meio ambiente.

    Mais algumas conclusões que me permiti tirar dessa pesquisa: Parece que as pessoas não conseguem relacionar voto e política com ação pelo meio ambiente. Parece que as pessoas pensam: Meio ambiente é uma questão para mim, mas na hora de votar esse não é um fator a ser levado em consideração.

    É muito curioso pois mais da metade das pessoas disseram nessa pesquisa que acham que os Governos são os principais atores na resolução do problema das queimadas na Amazônia!

    E pra quem pensa que as pessoas podem responder o que acham que é certo na pesquisa e não o que de fato pensam. Eu respondo que se as pessoas acham que se preocupar com meio ambiente, entender que para o crescimento econômico queimadas na Amazônia não é a melhor opção e que o tema aquecimento global é algo importante ou muito importante, eu acho que já é o suficiente para mostrar que estamos num bom caminho. Talvez seja demais afirmar com precisão que 90% dos brasileiros consideram a questão do aquecimento global importante ou muito importante. Mas vamos pensar que parte desses 90% só acham que é certo considerar esse tema importante ou muito importante, já não é um bom começo? Alguma coisa certa está sendo feita!

  • P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Texto escrito por Ana Arnt, Marcelo Mori, Alessandro Farias e José Luiz Modena

    Vocês devem ter escutado falar da nova linhagem P.1 de SARS-CoV-2 e como ela é fracamente neutralizada por anticorpos gerados durante infecções prévias ou vacinações. Talvez tenha recebido notícias junto de mensagens como “sinto muito para quem se vacinou” ou “não adianta mais se vacinar”. Será mesmo?

    Bom, hoje nós viemos falar sobre este estudo que está sendo muito veiculado na mídia e, mais do que isto, vamos apontar os cuidados necessários com estas mensagens que estão chegando para vocês (lá ao final do texto!).

    Mas antes, um spoiler:

    Então chegou o dia da minha vacina,
    eu devo desencanar e nem ir?
    Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Mas calma! Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente, em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!
    E quem somos nós na fila do pão para falar deste artigo?

    Bom, a divulgadora científica oficial do Grupo de Pesquisa EMRC e (tcharãm) os pesquisadores do EMRC que participaram do artigo (hehehe). Acho que a gente consegue falar um tantinho sobre isto sim (seja para acalmar os ânimos, seja para explicar o estudo melhor)! Vem com a gente!

    A covid, o Brasil e a ciência

    O Brasil é o segundo país mais afetado pela epidemia de COVID-19, logo atrás dos EUA. Isto em quantidade de casos e números de óbitos. Isto considerando que não fazemos a quantidade de testes e rastreio suficiente para termos dados precisos! Estamos chegando, no dia de hoje, a 260 mil mortos. Esperamos, ainda e ansiosamente, por medidas duras para contenção do vírus, tanto quanto pela vacinação em massa. Medidas que só podem ser feitas e implementadas pelas instâncias governamentais – sejam municipais, estaduais ou federal.

    Enquanto isso, a ciência não para e segue buscando compreender melhor o vírus, sua evolução, desenvolvimento e as relações entre as novas variantes e as vacinas disponíveis à população no mundo.

    A CoronaVac e a P.1

    Em estudo recente, conduzido por 10 instituições brasileiras, UNICAMP, USP e CNPEM entre elas, e em colaboração internacional com instituições como Universidade de Oxford, foram obtidos resultados ainda preliminares, mas importantes sobre a capacidade de anticorpos gerados por indivíduos recuperados da COVID-19 ou indivíduos vacinados com a CoronaVac (Sinovac) de neutralizar, ou seja inativar, a nova variante P.1 de SARS-CoV-2.

    A P.1 é a variante que emergiu no Brasil no final de 2020 em Manaus e tem sido debatida em jornais e veículos de notícias nacionais e internacionais que já apontam sua presença em todas as regiões brasileiras e vários outros países.

    O estudo ainda está em fase de preprint. No entanto, ressalta-se sua relevância em função da vacina CoronaVac ser uma das vacinas mais presentes em solo brasileiro. O estudo investiga anticorpos presentes no plasma na fase de covalescência em pessoas infectadas previamente. Os resultados indicam que estes anticorpos possuem capacidade neutralizante reduzida para a nova linhagem P.1. Isto comparando-se com resultados obtidos com uma linhagem circulante nos primeiros meses de epidemia do Brasil. O resultado foi obtido em plasma coletado cerca de 2 a 3 meses após a COVID-19.

    Sobre Plasma Covalescente já falamos anteriormente, e não vamos detalhar aqui o significado. Vocês podem conferir o texto aqui.

    O que vem chamando a atenção a este estudo, no entanto, é o resultado que os plasmas coletados 5 meses após vacinação com duas doses da CoronaVac. No caso, os resultados ainda preliminares também demonstraram uma pequena quantidade de anticorpos neutralizantes frente aos vírus isolados de SARS-CoV-2 da linhagem P.1, assim como da linhagem B, circulante no Brasil no início da pandemia. Este resultado sugere que pessoas previamente infectadas ou vacinadas podem ser infectadas com o vírus da linhagem P.1 circulante no Brasil.

    Primeiro, vale destacar que a queda de anticorpos neutralizantes alguns meses após a vacinação é um fenômeno conhecido e relatado desde os estudos clínicos da fase II da CoronaVac. Além disso, é fundamental destacar que pesquisas indicam queda de anticorpos neutralizantes meses após a infecção por coronavírus. . As reinfecções, entretanto, embora preocupem, não são em uma quantidade “gigantesca”. Isto é, não são compatíveis com a queda do anticorpo em nosso corpo. O que indica que há mais elementos de nosso sistema imune que estão funcionando. Tudo isto são indicadores de apenas UM fator relacionado à resposta imune.

    (reprise do spoiler) Então chegou o dia da minha vacina, eu devo desencanar e nem ir?

    (pelamor não é isso) Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Mas calma!

    Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!

    Como assim?

    Ora, outros elementos como o sistema imune celular pode proteger as pessoas inclusive contra as formas mais graves da doença! E estes elementos não foram avaliados neste estudo!

    É importante destacar que o sistema imune celular é fundamental para a eliminação de infecções virais – muito embora sempre ressaltemos o papel dos anticorpos e estes sejam popularmente mais conhecidos (embora definitivamente não os únicos envolvidos na defesa de nosso corpo nas infecções).

    O sistema imune é “um mundo a parte” nas ciências biológicas e de saúde. E tem, sim, um grau de complexidade para conseguirmos esmiuçar estes resultados e informações todas as vezes que precisamos falar disso!!!

    Claro que em momentos como este, entendemos a apreensão de todos. Mas ressaltamos: não podemos nos deixar levar por tudo o que chega nos famigerados grupos de whatsapp e grupos de outras redes sociais. Muita calma SEMPRE ao compartilhar estes conteúdos.

    Assim, ressaltamos ENFATICAMENTE, que esta vacina analisada neste estudo apresentou uma eficácia elevada na proteção contra formas clínicas graves da COVID-19 e estes resultados seguem válidos e, portanto, VACINAR-SE SEGUE SENDO A RECOMENDAÇÃO!

    Por fim, destacamos que, dentre outras características relacionadas a este estudo, o nosso “N amostral”, ou seja, o número de indivíduos analisados, é PEQUENO. Além disso, outras vacinas precisam ser avaliadas contra a P.1 – bem como outras variantes já em circulação e que provavelmente surgirão.

    Há necessidade de desenvolver estudos mais amplos e abrangentes, com um N amostral maior, que visem avaliar outros aspectos da resposta imunológica. Bem como realizar estudos similares com pessoas que receberam outras vacinas, frente às novas variantes de SARS-CoV-2 no Brasil.

    Tá, mas se o estudo é incipiente, qual o motivo de publicarem?

    Se estivéssemos em um bar, descontraídos numa sexta, essa seria a hora que daríamos um tapa na mesa e diríamos: “mas aí é que tá…”

    Bom, mas estamos cumprindo as normas de distanciamento social e estamos falando sério sobre o artigo sobre a P.1 e a CoronaVac com uma mensagem fundamental.

    Aqui está o paradoxo de trabalhar com ciência… Em primeiro lugar, não estamos aqui para publicar só o que nos agrada e guardar a sete chaves os resultados que não gostamos.

    Este resultado é relevante e pode ser considerado assim para outros cientistas que também trabalham com pesquisas similares. Inclusive, outros estudo pelo mundo, com outras formulações vacinais, têm demonstrado resultados muitos semelhantes ao nosso estudo. Isto é, temos testado todas as vacinas para as variantes, para exatamente ver o que estamos cobrindo, como estamos cobrindo a doença e os cuidados que ainda precisamos ter.

    Relevante não para nos gerar pânico – mas por nos fazer entender alguns aspectos da doença, da vacina e seus efeitos. Relevante, também, pois nos indica os cuidados que devemos seguir tendo – e de maneira URGENTE – para conter o vírus!

    A vacina é fundamental e ainda é nossa maior aposta!

    Mas precisamos seguir medidas que estão sendo regulamentadas e indicadas como seguras e eficazes desde o início da pandemia: usar máscaras (preferencialmente PFF2 ou N95), manter as medidas de higiene do ambiente e, primordialmente, distanciamento social, mesmo em indivíduos vacinados!

    Estas medidas são simples, eficazes e precisam seguir sendo defendidas com empenho de todos – e cobrança para serem efetivas, pelo poder público!

    Assim, lembramos também que novas variantes surgem exatamente pelo vírus seguir circulando descontroladamente e estas medidas ajudam na contenção do vírus. Além disso, aliado às vacinas (especialmente se conseguirmos aumentar a quantidade de vacinas aplicadas mais rapidamente),teremos cada vez menos vírus circulando e consequentemente menos pessoas infectadas: e esta é nossa prioridade!

    Uma nota sobre preprints

    A outra questão sobre publicar este artigo em preprint é que ele tem um “endereço” certo – que são cientistas, como já falamos. Ah! Quer dizer que não cientistas não podem ler agora? Não é isso. Nossa ênfase segue: lembrar que os resultados precisam ser lidos com cautela, sem aligeiramentos e ansiedades, especialmente em momentos como este. Por isso nos artigos existem ressalvas, existe também palavras como “resultados SUGEREM”. E isto indica que não são 100% conclusivos, mas apontam caminhos a serem pensados, analisados e, eventualmente, replicados em N amostrais maiores!

    Ainda é fundamental apontar, neste sentido, que as principais revistas tem recomendado fortemente (ou até obrigam) a inserção de dados relacionados à COVID-19 em preprint. A ideia atual é disseminar o conhecimento rapidamente justamente para que ele seja submetido à escrutínio científico público o mais rápido possível. Isso permite algumas questões:

    – primeiro maior transparência do processo científico;
    – ajuda a guiar os cientistas na busca do conhecimento, pois nenhuma pesquisa é pautada por apenas um estudo, mas conjuntos de observações independentes
    – proporciona que outros grupos que estejam pesquisando dados similares, possam reforçar, revisar ou repetir partes dos experimentos para já apontar inconsistências ou coerências dos estudos.

    Em tempos de pandemia, os preprints servem para cientistas acessarem estudos o mais rápido possível, para gerar mais respostas viáveis de compreensão da doença e solucionar problemáticas possíveis. O preprint é uma ferramenta da ciência para cientistas. E isto não quer dizer que não cientistas não podem ter acesso, mas quer dizer que é um tipo de leitura diferente que precisa ser feita, antes de decisões e publicações apressadas!

    Ah, então os resultados não devem ser levados em consideração?

    Hehehe não! Calma. O que estamos dizendo: que não existe 8 ou 80. Estes resultados são preliminares – indicam que precisamos analisar mais, “repetir a dose de análises”, compreender melhor o que está acontecendo. Assim, NADA DISSO invalida resultados anteriores.

    É falaciosa, portanto, qualquer notícia que diga que “não adianta nada ter tomado vacina”. Seguimos indicando a vacina como fundamental para este momento.

    Dessa forma, ressaltamos que existem mais de um sistema de proteção que são estimulados pelas vacinas. Entretanto, mais do que tudo isso, seguimos afirmando que MESMO ANTES DESTES RESULTADOS já existia o indicativo CONSTANTE de “precisamos seguir isolados e com distanciamento social, uso de máscaras e sem aglomeração até atingirmos a vacinação em massa!”

    Estes resultados não mudaram esta perspectiva e indicação de medidas! Seguimos fortemente recomendando a mesma coisa desde os primórdios da pandemia!

    Portanto, se cuidem, cuidem dos seus, não aglomerem, usem máscara, saiam de casa APENAS PARA O ESSENCIAL E INEVITÁVEL. Seguimos, com este estudo, endossando a vacina e dizendo a todos: vacinem-se assim que a data de vocês chegar!

    Artigo na íntegra:

    Souza, W, Amorim, M, Sesti-Costa, R, Coimbra, L … Proença-Modena, JL (2021) Levels of SARS-CoV-2 Lineage P.1 Neutralization by Antibodies Elicited after Natural Infection and Vaccination

    Outros artigos deste grupo de pesquisa no Blogs

    Amorim, Mariene. Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Bonora Junior, Maurílio E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    ___. Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    ___. Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    ___. Plasma Convalescente: tratamentos a partir de anticorpos

    ___. O que são Anticorpos?

    Esta pesquisa recebeu apoio de diversas agências de fomento e órgãos nacionais e internacionais, como a FAPESP, o Medical Research Council, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, FINEP, CNPq, FAEPEX, CAPES e NIH. Membros ativos de redes de pesquisa nacionais, em especial a Rede Corona-ômica.BR/MCTI, filiada à RedeVírus MCTI, assinam o estudo e demonstra-se a importância dos esforços de investigação científica de Univesidades e Centros de Pesquisa nacionais para o enfrentamento da pandemia.

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre o que o Brasileiro pensa sobre mudanças do clima

    Texto por Claudia Chow

    Faz um pouco mais de 1 mês (início de fevereiro de 2021) o ITS junto com a Universidade de Yale e o Ibope divulgaram o resultado de uma pesquisa sobre a percepção do brasileiro com relação às mudanças climáticas. Confesso que só fiquei sabendo essa semana, pois o mesmo ITS lançou uma chamada pública para Programa de bolsas da pesquisa “Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros”.

    Pedi os dados da pesquisa pra eles e resolvi usar meus rudimentares conhecimentos de Tableau (um software de visualização de dados) pra entender melhor os dados dessa pesquisa.

    Se você quer saber mais detalhes de como a pesquisa foi feita acesse: https://www.percepcaoclimatica.com.br/

    AVISO: Eu só estudei estatística 1 semestre durante a graduação, meus conhecimentos de Tableau, como já mencionei, são rudimentares, mas eu tenho bom senso, é suficiente? Talvez. Veja aí onde eu cheguei com os dados e me corrija se você ver erros.

    MINHA “ANÁLISE” – (É muita pretensão minha chamar isso de análise.)

    Eu selecionei algumas perguntas que achei mais interessante da pesquisa e resolvi destrinchar melhor como as respostas apareciam regionalmente. Até tentei fazer uns gráficos com a posição política declarada pelos entrevistados, mas achei que a quantidade de gente que não sabia ou não respondeu esta questão era muito grande (quase 25%).

    Eis o meu achado.

    Quando os entrevistados foram perguntados se concordavam ou não com a afirmação: As queimadas na Amazônia são necessárias para o crescimento da economia, em todo o Brasil a resposta foi que 74% deles discordavam essa afirmação. Achei sensacional esse resultado e ai resolvi fazer um recorte por região. Como a discordância ou não dessa afirmação se distribui pelas regiões do país? Eis que a região com maior número de “concordos” sobre a questão acima veio da região Norte, onde a Amazônia está localizada em sua maior parte. Enquanto no Sudeste nem 15% dos entrevistados concordavam com a afirmação, no Norte quase 30% concorda.

    Você pode ver o gráfico melhor aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil/Planilha1?:language=pt&:retry=yes&:display_count=y&:origin=viz_share_link

    Essa tendência meio que se confirma quando a pesquisa pergunta o que é considerado mais importante para o entrevistado: A) Proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos ou B) Promover o crescimento econômico e a geração de empregos, mesmo que isso prejudique o meio ambiente. No geral o brasileiro respondeu que a alternativa A é mais importante (77%). Mas quando abrimos as respostas por região, é o Norte mais uma vez que detém a maior quantidade de pessoas respondendo a opção B. Na região Norte 24,51% dos brasileiros consideram a alternativa B como mais importante para eles, enquanto que nas outras regiões esse número não chega a 17%.

    O gráfico fica melhor de ver aqui: https://public.tableau.com/views/PesquisaPercepoclimaBrasil2/Planilha23?:language=pt&:display_count=y&publish=yes&:origin=viz_share_link

    A minha opinião sobre esses dados pode estar muito errada, mas vou manifestá-la mesmo assim. Eu achava que era uma minoria de pessoas na região Norte que é a favor do desmatamento e pensa que pelo crescimento econômico vale tudo. Esses dados me mostram que não é bem assim, ainda tem muita gente por lá com esse tipo de pensamento desenvolvimentista a qualquer custo. E ai temos 2 possibilidades para mim: 1) eu era ingênua de acreditar que os maus eram a minoria, talvez eles até sejam, mas tem uns pseudos bons que os apoiam; 2) eu não sei mexer no Tableau, muito menos analisar dados e isso ai tá tudo errado… Aceito ajuda dos universitários!

    UPDATE: Fiz mais uma análise dessa pesquisa aqui.

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Ecodesenvolvimento.

     

     

  • Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos?

    Talvez vocês se perguntem sobre o processo de fazer divulgação científica em canais virtuais. Bem como lidamos com a desinformação, os artigos publicados, preprints… Talvez ainda como avaliamos se nós deveríamos postar tudo o que nos chega assim naquele último minuto?

    A primeira questão é que não: nós não saímos publicando tudo o que vemos pela frente!

    Em geral, o trabalho de divulgação envolve várias etapas que são importantes. Ao ler um capítulo do livro “Pedagogia Profana” para nosso encontro do Grupo de Pesquisa, achei que era importante falarmos sobre isso…

    “A verdade é a verdade”.

    Esse é o trecho de abertura, analisado no capítulo “Agamenon e seu porqueiro”, por Jorge Larrosa. Em um primeiro momento, o porqueiro pode parecer um típico negacionista. Todavia, conforme vamos percorrendo a leitura deste capítulo, vemos que Larrosa aponta sobre a impossibilidade de sabermos quem é que afirma o que é “a verdade”. Além disso, o porqueiro impõe exatamente esta questão – eu não preciso aceitar a verdade, caso não saiba de onde ela vem.

    Como assim?

    O porqueiro de Agamenon é alguém que não toma a verdade como algo desconectado de quem está falando. Ele também não se desconecta da racionalidade vinculada à “verdade” – para tanto, quer saber de onde ela vem e onde se ampara…

    A partir daí, inicia-se um debate sobre o que é ou não real. Isso em função das narrativas criadas em diversas instâncias (educacionais, mídia de massa, governamentais, etc.). É interessante que este texto é escrito em 1998 e provoca desconforto ao trazer a problemática da “existência” da realidade.

    E o que isto tem a ver com o ritmo de postagens da Divulgação Científica? Ou com como postamos e que tipo de conteúdo em tempos de pandemia?

    Bom, dentro do trabalho da divulgação científica, temos várias análises acontecendo simultaneamente. E temos algumas etapas possíveis para realizarmos nosso trabalho no dia a dia. Hoje eu resolvi trazer um pouco sobre 4 etapas. Vamos a elas?

    1º nossa área de formação propriamente dita!

    Esta nos dá condições de não apenas fazer um fio sobre um artigo qualquer. Assim como cards explicativos no instagram, ou textões no facebook, vídeos no youtube, etc.

    Ela nos dá, antes disso, condições para termos CONHECIMENTO TÉCNICO E CIENTÍFICO para entendermos um artigo, pois temos uma bagagem de conhecimento prévio. Isto é: conhecemos os jargões, os símbolos a linguagem específica, etc.

    Isto quer dizer que quem não tem formação científica – ou não é cientista não pode trabalhar com Divulgação Científica? Não! Não é este o ponto. Portanto, a questão é: precisa, sim adentrar no mundo da linguagem científica. É fundamental aprender os jargões das áreas, compreender as etapas de método científico. Assim como, reconhecer os modos de fazer ciência – e compreender que existem diferenças significativas entre áreas bem próximas. E uma área de formação técnica científica te ajuda nisso (e muito).

    2º estudar comunicação e o veículo utilizado

    Isto é algo que vemos cada vez mais cientistas se dando conta. Como assim? Não basta ter o conhecimento técnico, eu tenho que APRENDER a falar com as pessoas, usando ferramentas e linguagens específicas. Aqui no Blogs, por exemplo, além das postagens de texto, nós temos uma equipe inteira que estuda as redes sociais. Esta equipe busca organizar os conteúdos das postagens para as redes sociais. E cada rede têm uma atenção especial e materiais em formatos específicos! A Erica Mariosa vem produzindo conteúdo específico sobre isto e, recentemente, falou da nossa equipe das redes sociais e as etapas de trabalho desenvolvidas!

    3º ler, ler muito, mas ler até ficar zonzo – e aprender a organizar as ideias 

    Parece meio besta falar isto. Mas é verdade: parte da divulgação científica não é apenas ter formação técnica, nem só compreender os veículos de comunicação. Nosso cotidiano passa longe de ficar só nisso.

    Dessa forma, aprender a se organizar nas leituras é estabelecer diálogos entre vários fatores. Por exemplo:

    – os jargões prévios da nossa área;
    – novos conhecimentos de artigos recém publicados e
    – pensar em modos de esquadrinhar isto em ideias para uma população específica.

    Tudo isto sem perder o foco de que em “tempos de covid” que saem muitas publicações todos os dias.

    Então temos os artigos técnicos e científicos – e eventualmente trabalhos de colegas da Divulgação Científica que são publicados cotidianamente. Mas nós também estamos sempre atentos à jornais, revistas, informações em geral. Isto para ver se existe algum ponto que está nos escapando, ou se existem questões sociais urgentes para trabalharmos!

    Assim, aqui chegamos onde eu queria chegar! É fundamental neste esquadrinhamento nós selecionarmos conteúdos. Com isto realizamos recortes para divulgarmos o conteúdo da maneira mais acessível possível a quem acompanha nosso material – seja no veículo que for.

    E que tipo de ação é esta?

    Comecemos pelo o que nosso conteúdo não é!

    – Isto não é uma “tradução” de conteúdo. Ou seja: nós não traduzimos de um suposto idioma científico para um idioma das ruas

    – Também não é “transposição” didática. Isto é, transformações adaptativas para o conteúdo

    – Muito menos “simplificação” ou (a pior de todas na minha percepção) um “conteúdo pouco aprofundado”. Ou seja, pessoas não especialistas não são rasas para precisarem de um conteúdo “pouco aprofundado”. Tampouco são incapazes de compreender ciência a ponto de precisarmos de uma simplificação.

    Assim, a Divulgação Científica trabalha com a produção de conteúdos e conhecimentos técnicos e científicos acessíveis. Quando eu falo “produção de conteúdos”, estou me referindo, como diz Larrosa, a esta construção de sentidos, significados, simbologias através da linguagem. É, portanto, uma escrita completamente nova e diferente de um artigo científico – seja ele avaliado por pares ou preprint.

    Os conteúdos de Divulgação Científica articulam conhecimento técnico científico a outros elementos da cultura. Bem como, vinculam-se a diferentes valores sociais e como todo processo comunicativo – são interessados e endereçados (no nosso caso: interessantes também!). 

    E escrevemos por quê?

    Muitas vezes, estes conteúdos que produzimos é instigado por artigos incríveis que chegam em nossas mãos. Outras vezes, por perguntas de quem nos acompanha! (Sim!!! Isso é absolutamente comum e o diálogo é motor de pesquisa e estudo!).

    Também acontece de lermos conteúdos que estão espalhando desinformação. Neste caso, eles podem causar risco potencial para a população – o que em tempos de Covid-19 e negacionismo, sempre gera um alerta imenso! E nós já falamos sobre isto no Blogs e consideramos cada ponto deste toda a vez!

    O que me faz chegar no 4º e último ponto:

    4º A responsabilidade sobre o que produzimos.

    É claro que cientistas erram e divulgadores erram. E é claro que reavaliamos constantemente nossas ações. Estamos em grupos e mais grupos (e mais grupos e outros grupos ainda mais) com outros comunicadores, debatendo o quê, quando e onde publicarmos.

    Discutimos artigos, debatemos se determinado preprint é bem organizado, escrito e robusto. Também pensamos conjuntamente e – de maneira geral – podemos dizer que existe bastante apoio entre comunicadores.

    Bueno, mas e aí?

    Temos debatido também outras estratégias para analisarmos a desinformação e quando devemos intervir e falar sobre algum dado recente. Tudo isto mexe com algo muito delicado acerca da responsabilidade com a informação, que diz respeito à ética!

    Isto é: como decidir falar sobre dados, quando eles podem não ser satisfatórios?

    Veja, trabalhar com comunicação responsável é se dar conta que estamos sempre selecionando conhecimentos, fazendo recortes e produzindo novos textos, novas informações, novos conhecimentos.

    É isso a que Larrosa se refere quando fala da “produção, dissolução e uso da realidade”. Isto é, significa mais do que manipular informação (e evitamos usar esta palavra pela conotação negativa). Estamos:

    – Esmiuçando a informação inteira, destrinchando-a (dissolução)
    – Escrevendo outro tipo de informação (produção) quando
    – Divulgamos conhecimento técnico científico (uso).

    Ter noção destas etapas é fundamental para estabelecermos uma relação ética com o conhecimento e com quem têm acesso a este conhecimento pela divulgação. E é por isso que, muitas vezes, decidimos apresentar dados que ainda são incipientes. Nós analisamos e assumimos o conhecimento técnico da leitura que fazemos, sim. Ressalto aqui que isto passa a milhas e milhas de distância da arrogância. É análise mesmo do material, passando por estas etapas que eu fui mencionando no texto!

    Mas é mais do que isso

    Por termos analisado de que maneira ele está sendo divulgado, em que tipo de “bolhas”, quem nos faz perguntas, como chegam as perguntas, tomamos decisão. Por exemplo, elaboramos o risco de, ao ver tudo isto, não falar nada sobre…

    São decisões importantes que não se restringem ao saber técnico, mas são uma junção destes 4 pontos que tocam nosso trabalho na divulgação.

    Além disso, é fundamental apresentarmos a ciência também a partir de suas contradições, seus erros e percalços. A ciência não é linear, não se faz só por acúmulo de ideias e conhecimentos. Ela é um campo de debates – é e deve ser sempre.

    O porqueiro de Agamenon…

    Assim o porqueiro de Agamenon, que contesta a frase “a verdade é a verdade”, o faz não por ser negacionista ou birrento. Talvez ele esteja à espera de um debate mais aprofundado acerca do que fundamenta esta verdade e onde ela se ancora – dados, debates, ideias.

    Também não é apenas reiterar uma postura crítica “só porque sim” e contestar tudo. Pois é uma busca pelos tempos de pensar, analisar e buscar mais conhecimento para tomar decisões.

    Assim, se partimos do pressuposto (e defendemos) que o acesso ao conhecimento faz parte de um processo fundamental da democratização da ciência. E se assumimos que isto tem que ser a base de nosso trabalho – não estamos aqui para apenas divulgar notícias maravilhosas. 

    Nem resolvemos trabalhar com divulgação científica para dizer que tudo vai dar certo. Quando nos chegam materiais (artigos, vídeos, perguntas) que apresentam riscos de aumentar a desinformação, nós vamos SIM elaborar um conteúdo. Vamos apontar suas limitações, vamos destrinchar suas potencialidades. E, tal como o porqueiro de Agamenon, diremos “não me convence”, se assim acharmos pertinente!

    O estabelecimento das enunciações científicas é, ou deveria ser, a partir do diálogo por possíveis “não convencimentos”. E isto mais do que por aceitação em silêncio, sem contrapontos a serem analisados.

    A verdade é a verdade” – dita por uma voz que não sabemos de quem é, mas temos que aceitar, só indica crença metafísica e inquestionável. Não é assim que a divulgação científica deveria trabalhar. Nem é assim que nos dirigimos a quaisquer pessoas que nos acompanham e/ou que buscam dialogar para compreender mais, tirar dúvidas, apontar falhas.

    Não é assim que a ciência deveria se fundamentar.

    E não é assim que um trabalho que se supõe construção coletiva de conhecimento deve atuar. Especialmente, tendo em vista que ninguém sabe tudo e que aprendemos uns com os outros.

    A Divulgação Científica é (e tem que ser) maior que a soberba do suposto saber. Ela tem que ser ponte, ciente, responsável e ética – entre pares e extra pares. E calcada no diálogo que constrói mais do que nas assertivas que seguem, tal como a oculta personagem de Agamenon, apontando a verdade como a verdade. Ou seja, sem possibilidade de questionamento.

    A todos nossos colegas que, mesmo exaustos, seguem se abrindo para o diálogo. Àqueles que seguem apontando para as trajetórias da ciência com ética e responsabilidade. Aos que assumem isto como rumo e lembrando sempre que a ciência, sem questionamento e diálogo, é só outra religião dogmática. A todas as divulgadoras científicas e divulgadores científicos incansáveis: dedico este texto de hoje. Por construções mais saudáveis e caminhos mais suaves.

    Para saber mais:

    Gouvêa, G. (2015) A divulgação da ciência, da técnica e cidadania e a sala de aula. In: Giordan, M., Cunha, M.B. (org) Divulgação Científica na sala de aula. Ijuí: Editora Unijuí. pp.13-42.

    Larrosa, Jorge (2003) Pedagogia Profana

    Mariosa, Erica (2021) Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?

    Machado, Dayane (2021) Corrigindo boatos de forma estratégica

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como a percepção do risco afeta nosso comportamento na pandemia?

    Texto escrito por Marco Antonio Coelho Bortoleto*

    Viver com a iminência do risco 

    O risco representa um elemento da vida, uma ameaça, um impulsionador, uma razão para pensá-la. Da filosofia clássica à ciência moderna o risco vem sendo objeto de inúmeras reflexões. E, algumas situações acabam ampliando nossa atenção sobre o risco, como vem sendo o caso do atual período da pandemia Covid-19.

    Como vemos cotidianamente, podemos analisar o risco nas suas mais variadas dimensões (econômica, reconhecimento social, saúde, êxito profissional, etc)1. Nos interessa aqui, tratar do risco à integridade/manutenção do estado de bem estar e da própria vida. Uma conversa que perpassa, portanto, a noção de segurança, de prevenção, controle e mitigação do risco, que em conjunto compõem um sub-campo denominado gestão do risco.

    Sociologia do risco

    Nesse ainda efervescente contexto pandêmico, a sociologia do risco emerge como uma possibilidade2. Mais ainda, a noção de PERCEPÇÃO DO RISCO tão relevante para essa área do conhecimento, pode ajudar a melhor entender o modo individual (cada um de nós) e coletivo (grupos sociais) com que as pessoas vivem a ameaça viral e como constroem e reconstroem seu enfrentamento.

    De entrada vemos polarizações semelhantes àquelas já encontradas nas posições políticas, mostrando algumas pessoas/grupos despreocupadas (ao menos discursivamente), outras atentas e buscando atender às medidas de contenção/prevenção e, por fim, outras oscilando entre um lado ou outro. Assim, discursos e comportamentos refletem desde a percepção de uma gripezinha até mesmo a hipertrofia do medo com crises de pânico e depressão. Um problema de saúde pública, como poucos que já vivemos. Eis a razão que explicaria que tantos profissionais e veículos de comunicação têm abordado o fato!

    Um olhar atento à complexidade do risco, pode revelar o que está nas entrelinhas do reconhecimento e o trato do risco. A análise dos múltiplos indicadores (objetivos e subjetivos) faz-se necessária e, como temos visto, pode variar muito entre profissionais (especialistas) e também entre a população em geral. Aliás, opinar é importante, ao revelar o grau de liberdade e de existência numa sociedade democrática, contudo, eleva o grau de risco uma vez que proliferam todos os tipos de análises, criando, com frequência, um estado de confusão ainda maior.

    Logo, quer seja utilizando ferramentas estatísticas, métodos de prospecção probabilísticos, ou mesmo, opiniões fundadas em preceitos religiosos e de sentido comum, o que observamos é um sem fim de comportamentos reforçando ou criticando/negando o risco da pandemia. Enganam-se aqueles que acham que somente os “leigos” erram, ou que os especialistas sempre acertam. Há muito risco – explicado pela epidemiologia dos acidentes – no ambiente doméstico, na condução de veículos por vias próximas e conhecidas, na conduta  do trabalhador experiente. E, certamente há muito ainda que aperfeiçoar nos modelos e algoritmos que utilizamos para predizer a dinâmica de um fenômeno tão complexo quanto essa pandemia, como todos vimos acontecer ao longo de décadas com os dispositivos utilizados para previsão meteorológica, por exemplo.

    Percebendo o risco – estamos diante de um dilema

    É precisamente, a Percepção do Risco, que nos ajuda a refletir em como, entre outras coisas, alguns pesquisadores e profissionais da saúde – que se enquadram na categoria de especialistas – seguem negando a pandemia, sua amplitude bem como alguns ou todos os mecanismos preventivos adotados pelas autoridades. Ou, também, como amigos, pessoas próximas e familiares divergem tanto um dos outros nesse tema. Esse dilema, nos apresentou mais uma CRISE, que já tinha sido notada no campo da política-eleitoral recentemente.

    Assim, a negação ou a minimização do risco pode converter-se num comportamento de risco: ou seja, em condutas que podem ampliar o risco já elevado e, suas consequências. Pior, ainda que eu queira ser esperançoso, muitas vezes, a tentativa de esconder ou infra valorizar o risco representa uma estratégia que visa redirecionar a atenção para outras dimensões da vida individual ou social (econômica, política, ética, laboral, afetiva, …). o referido comportamento de ignorar e/ou minimizar o risco já foi amplamente observado – no campo da sociologia – quando um conjunto de pessoas experienciaram o estado de guerra por um tempo prolongado, ou quando enfrentam uma pandemia, como a do vírus HIV. Temos, então, mais um indicador que contribui para entender o que temos visto Brasil afora, após um ano de pandemia. 

    Cabe relembrar que não é uma novidade a proliferação de frases de efeito, para combater o risco, como, por exemplo: “precisamos viver”, “abram tudo”, “apenas alguns vão morrer”, “é melhor enfrentar o vírus de peito aberto do que fugir dele”, “essa doença é para os fracos”, …  um discurso forte, repetido e maquiado por agumentos supostamente válidos, pode assumir o controle do comportamento de algumas pessoas e, algumas vezes, das massas.

    Em poucas palavras, notamos que a percepção do risco – como construção subjetiva – pode variar significativamente, considerando o quão distante estamos do problema (o imaginamos estar), quais informações temos sobre os riscos, quanto temos a perder, entre outros aspectos. Com efeito, a opinião de uma pessoa, pode, quando reverberada nos meios e com a força adequada, tornar-se uma percepção coletiva. Por isso, o poder conferido às autoridades e, de certa forma tod@s @s internautas das redes e dos apps, representam, na atualidade, um poderoso mediador dessas percepções. Por conseguinte, relevantes indicadores para a sociologia do risco.

    Controlar o risco – mais que uma opção, uma necessidade

    A mesma sociologia do risco indica que, a observação dos fatos (acidentes, epidemias, lesões, …) e dos comportamentos, constituem uma boa metodologia para o controle do risco. Aprendemos, pois, que a busca por mecanismos redundantes de verificação (medir a temperatura, testagem em massa, …). Possuir uma “cópia de segurança”, solicitar uma segunda opinião no diagnóstico, verificar a informação em outra fonte, exigir um segundo laudo pericial, utilizar outra ferramenta/algoritmo para os cálculos, são alguns dos mecanismos de redundância empregados em distintas áreas. Deixar de realizar essas operações, como usar outro amigo do mesmo grupo do whatsapp pode, pelo contrário, promover a confirmação de um diagnóstico equivocado.

    Por isso, a instauração de um olhar complexo incluindo variáveis biológicas/genéticas, psicológicas, afetivas, econômica e sociais, são fundantes para a constituição de uma “cultura de segurança” que, mesmo incapaz de extinguir o risco pode ajudar na instauração de um controle amplo e tolerável, oferecendo condições para a normalização da vida.

    Desse modo, os protocolos sanitários (uso de EPI, verificação constante dos avanços farmacológicos e procedimentais, emprego amplo da vacinação, …) são empregados como modelos a serem seguidos. Isto é, são necessários para enfrentar o caos que temos observado nos discursos e nas práticas de governantes, gestores, especialistas e da comunidade em geral. 

    O controle do risco, por meio de mecanismos preventivos e sua consequente ampliação do estado de segurança, é apontado pela sociologia e com forte apoio das pesquisas em Saúde Pública e Economia, como uma ação mais efetiva. O tratamento, uma vez instaurado o problema (o contágio pelo vírus nesse caso), é mais oneroso, lento e exigente, ampliando os sacrifícios pessoais e institucionais. 

    Isso posto, mesmo não existindo uma solução simples, pragmática e rápida, apesar da urgência e gravidade da situação, fomentar os procedimentos de controle do risco representa uma missão de todos, principalmente das autoridades.

    Comportamento de risco – ponderando sobre nossas decisões

    Devemos entender que nossas decisões e, por consequência, nosso comportamento na esfera íntima e, especialmente, na pública, não deveria balizar-se numa conduta de risco deliberado como numa APOSTA3. Perder, quando a integridade da vida é o que se está apostando, pode representar o fim, uma tragédia para nós e/ou para muitos que convivem conosco. Sendo assim, “apostar” no não uso da máscara em meio a tantas evidências de sua eficácia no controle (diminuição) do contágio, representa um bom exemplo de comportamento de risco. Uma clara sinalização de estarmos subestimando o risco real por razões que carecem de comprovação factual, como já mencionamos.

    Esse e outros comportamentos que negam a magnitude da atual pandemia mundial, vêm construindo uma percepção turva dos riscos4, um cenário confuso que entorpece as decisões (individuais e coletivas), ao ponto de ignorar muitas das estratégias preventivas, como o isolamento social, a higienização recorrente das mãos, entre outras5. Constitui-se, dessa forma, um cenário favorável para a emergência de diferentes condutas de risco 2, muitas vezes inadvertidas e que ignoram o risco e suas consequências para a vida. 

    O controle do risco é, com frequência, mais eficiente quando realizado com múltiplos agentes, estando ainda baseado em distintas perspectivas teórico-metodológicas. A prevenção, como estratégia, costuma ser mais barata e eficiente, do que a remediação, como já dissemos. Consequentemente, a implementação de procedimentos avaliativos e preventivos que contribuam para minimizar os riscos e aumentar o controle de segurança, torna-se um empreendimento de co-responsabilidade (individual-coletivo). Em suma, um dever de tod@s!

    Em oposição, condutas temerárias, como a de publicar ou reverberar informações dúbias, fake news ou mesmo narrativas representam um ato de construção de uma percepção negacionista do risco, ampliam nossa dificuldade de afrontar a pandemia. O mesmo se aplicaria à condutas como dirigir embriagado, não utilizar EPI em trabalhos que os exijam, indicar medicação sem o devido diploma para tal, dentre tantas outras.

    Vale lembrar que o risco não deve ser encarado como um aspecto negativo, como algo RUIM, mas como uma dimensão da vida que pode ajudar na sua manutenção. Reconhecendo sua natureza ambivalente6. Por isso, numa sociedade superprotetora parece-me ainda mais urgente, rever o processo de educação do RISCO, nem subestimando-o, nem promovendo a hipertrofia do medo. 

    Fica patente que a gestão do risco deve integrar todos, mostrando que somos CO-RESPONSÁVEIS, individual e coletivamente. A busca e a difusão dos protocolos e dos comportamentos devem compor a agenda universal. Evidentemente, a gestão do risco pode e deve ser debatida considerando diferentes perspectivas (das teorias psicológicas à matemática da Teoria dos Jogos). Mas esse será tema para uma outra conversa.

    Para saber mais

    1. COLLARD, L., « Le risque calculé dans le défisportif », L’Année sociologique, n° 2, vol. 52,2002.

    2a. LE BRETON, David. La sociologie du risque. Paris: PUF , 2016.

    2b. Le Breton D (2017) Conduites à risque. Des jeux de mort au jeu de vivre. Paris: PUF.

    3. COHEN, J (1956) Risk and gambling, New York: Longmans, Green and Co Inc.

    4. BRETON, David Le (2019) Ambivalences du risque. Sociologias,  Porto Alegre ,  v21, n52, p34-48.

    5. Percepção do risco e prevenção na pandemia (2020)

    Saber mais 

    Aplicabilidade no campo da segurança do trabalho (Risco e Segurança no Circo) – Reportagem Revista CIPA

    Lupton Deborah (ed.). Risk and Sociocultural Theory: New Directions and Perspectives. Cambridge: Cambridge University Press,  1999.

    O que é risco 

    O autor

    Marco Antonio Coelho Bortoleto Professor Associado do Departamento de Educação Física e Humanidades (DEFH) da FEF/UNICAMP Suas pesquisas no campo da Sociologia e particularmente da Sociologia do Risco tiveram início devido ao interesse na noção de risco (e algumas derivadas: segurança, prevenção, …) no campo das práticas acrobáticas – principalmente da Ginástica Artística e do Circo.  Há mais de 15 anos estabeleceu a “cultura de segurança” como uma linha de pesquisa, com diversas publicações, com destaque para a co-organização de um livro “Segurança no Circo: questão de prioridade”; e um recente capítulo publicado na França sobre a percepção do risco entre artistas circenses brasileiros.

    BORTOLETO, MAC. Perception du risque et causes d’accidents, un challenge permanent dans l’éducation des artistes brésiliens. IN: GOUDARD, Philippe; BARRAULT, Denys. (ed.). 

    Médicine et Cirque, Sauramps Medical, Montpelier, 2020.

    FERREIRA, D.; BORTOLETO, MAC.; SILVA, E. Segurança no Circo: questão de prioridade. Várzea Paulista, Ed. Fontoura, 2015. 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Qual a relação entre Naruto, anticorpos e tratamento de COVID-19?

    Provavelmente você já deve ter ouvido falar sobre o mangá e anime “Naruto”, de 2007. Na história, o ninja adolescente enfrenta diversos vilões com o sonho de se tornar o líder da aldeia em que vive. Se você conhece um pouco da história, com certeza já viu o “Jutsu Clone das Sombras”, em que o Naruto cria diversas cópias de si mesmo para combater um inimigo. Mas o que isso tem a ver com COVID-19?

    Fig.1. Naruto e os Clones (2007). Imagem de Masashi Kishimoto

        Nosso sistema imune possui diferentes tipos de células e, dentre elas, os linfócitos B. Essas células são capazes de produzir um tipo de molécula, chamada de anticorpo, que se liga a corpos estranhos que invadem nosso organismo. Por exemplo, podemos produzir anticorpos contra o pólen das flores, vírus e bactérias. Porém, a nossa produção de anticorpos naturais acontece através de vários linfócitos B diferentes, sendo chamada de resposta policlonal. Com o objetivo de simular a resposta natural do nosso organismo, mas de maneira mais direcionada e eficiente, a ciência desenvolveu uma maneira de criar clones específicos, assim como o Naruto, para combater agentes agressores no nosso corpo: anticorpos monoclonais. 

    Os anticorpos monoclonais são feitos em laboratório e conseguem se ligar a lugares específicos do agente causador da doença. Isto é, com o objetivo de “imitar” uma resposta que nosso corpo teria contra ela, por exemplo a COVID-19. Os anticorpos monoclonais têm surgido como uma classe nova de remédios e já são utilizados para tratar alguns tumores e doenças autoimunes, como a esclerose.

        Esses anticorpos são produzidos através de um linfócito B diferenciado, chamado de plasmócito. Cada plasmócito é um clone, e esse clone irá produzir um único tipo de anticorpo, que é chamado de anticorpo monoclonal. Em um laboratório, é possível identificar qual é a especificidade desse anticorpo, e se ele será útil para um tratamento ou não. 

        Mas como é possível criar um clone para o que eu quero?

    Essa técnica foi descrita pela primeira vez por Georges Kohler e Cesar Milstein em 1975. Primeiro, é necessário infectar um animal com o patógeno (vírus ou bactéria da doença que estamos estudando), normalmente um camundongo. Este processo é chamado de imunização. Depois disso, pegamos as células B (plasmócitos) desse camundongo e provocamos a junção dessas células com células tumorais, através de um processo chamado de fusão, igualzinho a fusão que acontece em Dragon Ball.

    Essa fusão é importante pois células tumorais têm uma capacidade de se dividir muito rápido. Dessa forma, ajudará o plasmócito a criar mais clones. Se a fusão funciona, essas células passam a ser chamadas de hibridomas. Cada hibridoma produzirá apenas um tipo de anticorpo.

    Esses anticorpos são testados para saber se são específicos ou não, e, se a resposta for positiva, nós expandimos esse clone. Assim como o Naruto, essas células são capazes de criar muitas cópias de si mesmas, e a produção de anticorpos passa a ser tão grande que é possível tratar os pacientes. 

    Ficou confuso ainda assim? Então olha o esquema abaixo que montamos para ti!

    Figura 02. Produção de anticorpos monoclonais

        Os anticorpos monoclonais e a Covid-19

    Recentemente, a FDA (Food and Drug Administration) autorizou o uso de dois anticorpos monoclonais como forma de tratamento emergencial, o bamlanivimab e o etesevimab em casos de COVID-19 leve e moderada de adultos e crianças, incluindo pacientes com comorbidades. As duas moléculas agem especificamente na proteína spike, ou espinho, do SARS-CoV-2, impedindo que o vírus infecte as células humanas. Em um estudo clínico, esses anticorpos foram capazes de reduzir tanto a hospitalização, quanto a taxa de mortalidade de pacientes quando comparado com o grupo placebo (que não recebeu o tratamento). 

    Diferentemente dos anticorpos monoclonais, as vacinas fornecem uma proteção mais longa, mas demoram mais para gerar essa proteção, já que o corpo precisa gerar a resposta imune. Neste momento, onde precisamos de respostas rápidas, o uso desse tipo de tratamento é muito importante, já que ele oferece uma proteção “instantânea” e que pode durar de semanas até meses.  

    O distanciamento social, uso correto de máscaras e tratamentos cientificamente comprovados, associados com uma campanha de vacinação efetiva são as principais chaves para o fim dessa pandemia!

    https://www.ccjm.org/content/early/2021/02/17/ccjm.88a.ccc074

    Para saber mais: 

    Pallotta, AM, Kim, CY, Gordon, SM and Kim, Alice(2021) Monoclonal antibodies for treating COVID-19, Cleveland Clinic Journal of Medicine

    Wang, C., Li, W., Drabek, D. et al. A human monoclonal antibody blocking SARS-CoV-2 infection. Nat Commun 11, 2251 (2020). h

    FDA (2021) Coronavirus (COVID-19) Update: FDA Authorizes Monoclonal Antibodies for Treatment of COVID-19

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Bolsonaro, a Petrobras e a luta de classes

    Texto por Vítor Lopes de Souza Alves.

    Na última sexta-feira, 19, o presidente Jair Bolsonaro manifestou a sua intenção de realizar uma troca no comando da Petrobras, substituindo o atual presidente da estatal Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna. Em decorrência disso, as ações da empresa negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (a Bovespa, atualmente denominada B3) despencaram, fechando os pregões de sexta (19) e segunda (22) com quedas de cerca de 8% e 20%, respectivamente, o que totalizou uma perda de valor de mercado da empresa de pouco mais de 100 bilhões de reais.[1]

    A explicação para o ocorrido reside na disputa social em torno da definição da política de preços dos combustíveis praticada pela empresa. Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff e a subida ao poder de Michel Temer, a Petrobras deixou de cobrar pelos combustíveis um preço compatível com os seus custos de produção domésticos e passou a tomar como referência de precificação o preço internacional do barril de petróleo. Como o custo para produzir petróleo no Brasil é bastante inferior ao custo médio do mundo, essa mudança impôs aos consumidores brasileiros um aumento dos preços pagos pela gasolina e pelo diesel. Além disso, passou-se a verificar uma maior volatilidade desses preços, uma vez que os reajustes passaram a ser mais frequentes a fim de acompanhar as variações dos preços internacionais. Por um lado, os preços maiores e mais voláteis representaram um prejuízo à sociedade brasileira como um todo, tanto aos motoristas em geral, que precisam abastecer os seus veículos, como aos caminhoneiros em particular, para quem o diesel representa a maior parte do custo dos fretes. Por outro lado, eles significaram uma vantagem para o mercado financeiro, pois elevaram a lucratividade da empresa, permitindo que ela distribuísse mais dividendos aos seus acionistas – a esse respeito, deve-se ter em conta que a Petrobras também possui ações listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE, na sigla em inglês) e que uma parcela relevante dos seus acionistas é formada por estrangeiros.

    Dando continuidade ao viés liberal, entreguista e pró-mercado de Temer, o governo Bolsonaro tem mantido, desde o seu início, essa mesma política de preços. No entanto, tal como a greve dos caminhoneiros de 2018, ainda no governo Temer, que culminou com a demissão do então presidente da Petrobras Pedro Parente, novas ameaças de paralisação por parte da categoria pressionam hoje Bolsonaro a intervir na empresa, alterando o seu comando. Ainda que não seja certo que tal intervenção resultará em redução e controle dos preços dos combustíveis, pois o governo analisa outras alternativas para atender às reivindicações dos caminhoneiros[2], o mercado financeiro já avaliou a possibilidade da adoção dessa política e já precificou os seus efeitos. Imaginando que os preços da gasolina e do diesel voltarão a ficar abaixo do nível determinado pelo livre-mercado – isto é, o mercado internacional de petróleo –, os acionistas da Petrobras já previram receber menos dividendos no futuro, venderam as suas participações na empresa e provocaram o colapso do seu valor de mercado. Esse fato constitui um claro sinal de que a mobilização da classe trabalhadora ainda é capaz de produzir resultados efetivos. A simples ameaça de uma greve, que sequer chegou a se concretizar, forçou o atual governo a sinalizar que atuará – o que ainda não é certo – de forma intervencionista, nacionalista e pró-sociedade e provocou um enorme alvoroço na Bovespa. Bolsonaro, temendo que uma nova paralisação nacional possa trazer dificuldades ao seu governo e inviabilizar a sua reeleição, está sendo coagido a atuar à maneira como Dilma atuava, a abandonar um tópico importante da sua agenda liberal e a fazer com que a Petrobras volte a atender aos interesses do povo brasileiro e não mais aos de uma minoria detentora de títulos financeiros.

    A grande mídia brasileira, que mantém uma relação íntima com a burguesia financeira do país, fez críticas severas à atitude do presidente. Os exemplos a seguir ajudam a ilustrar o tom da reação midiática. Uma matéria da BBC News Brasil argumentou que a intervenção de Bolsonaro na Petrobras gerará aumento da inflação.[3] Isso é falso. O petróleo constitui um insumo para quase todas as mercadorias, que precisam ser transportadas para chegarem aos seus consumidores finais. Assim, uma queda dos preços do diesel e da gasolina deve contribuir para reduzir, e não para elevar, os preços de todos os bens e serviços. A revista Isto É deu destaque à declaração do senador Otto Alencar, do PSD da Bahia, de que a desvalorização da Petrobras equivale a duas vezes o valor do auxílio emergencial a ser pago pelo governo no ano de 2021, dando a entender que ela prejudicaria as camadas mais pobres da população.[4] Trata-se, novamente, de um raciocínio equivocado e enganoso. Assim como nenhum cidadão espera o preço da sua geladeira subir para vendê-la e com isso pagar o seu almoço, o Tesouro Nacional não financia os seus gastos a partir da valorização patrimonial do governo. Por fim, na Globonews, Marcelo Mesquita, integrante do Conselho de Administração da Petrobras (um dos 3 conselheiros, num total de 11, que são indicados por e representam os acionistas), defendeu a privatização completa da empresa e disse que Bolsonaro é tão comunista quanto o PT.[5] Na mesma linha da fala de Mesquita, Demétrio Magnoli, um dos comentaristas do canal, chamou Bolsonaro de ditador e o comparou a Hugo Chávez, lembrando que este, quando governou a Venezuela, também interveio na estatal petroleira de seu país. Deve-se reconhecer que Mesquita e Magnoli têm razão quanto ao caráter da intervenção de Bolsonaro, que tem, tal como no caso venezuelano, um viés popular. Muito estranha, no entanto, que o presidente brasileiro seja assim tachado por essa atitude, ao passo que, quando participa de manifestações por um novo AI-5 e pelo fechamento do Congresso e do STF, é tratado de forma muito menos hostil pelos veículos de imprensa.

    O que os episódios recentes evidenciam é uma vitória da classe trabalhadora brasileira, a qual só foi possível porque as relações de poder ainda se dão, no Brasil, sob um regime democrático. Numa ditadura, haveria um espaço muito menor para a luta de classes entre trabalhadores e burgueses, e qualquer ameaça de greve de caminhoneiros poderia ser facilmente reprimida com porretes, gás lacrimogênio, prisões ilegais e tortura. Como Bolsonaro, embora o deseje, não dispõe desses meios autoritários para o exercício do poder, só lhe restou, nesse caso específico, a alternativa de recuar ante as pressões dos trabalhadores e de contrariar os interesses da burguesia. Sob esse ponto de vista, sua intervenção na Petrobras é muito bem-vinda e deve ser comemorada. Em virtude dela, a estatal não perdeu capacidade técnica de produzir 1 mililitro de combustível, os ricos ficaram 100 bilhões de reais mais pobres, e os pobres – espera-se – poderão comprar combustíveis e mercadorias em geral por preços menores. Em outras palavras, o anúncio da alteração na chefia da Petrobras, ao provocar uma expectativa de redistribuição dos rendimentos gerados pela empresa, resultou numa enorme queima do seu capital fictício, sem destruição alguma do seu capital real. Em suma, a contradição trabalho x capital explicitou-se sob a forma do conflito entre caminhoneiros e acionistas pela política de preços da Petrobras, implicando um forte abalo para o governo.

    [1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/petrobras-perde-r-1025-bi-em-valor-de-mercado-apos-intervencao-de-bolsonaro.shtml.

    [2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/governo-estuda-bolsa-caminhoneiro-contra-alta-do-diesel-sem-interferir-na-petrobras.shtml.

    [3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56161636.

    [4] https://istoe.com.br/intervencao-na-petrobras-em-dois-dias-o-governo-perdeu-duas-vezes-o-valor-do-auxilio-emergencial-diz-senador/.

    [5] https://g1.globo.com/globonews/globonews-em-pauta/video/marcelo-mesquita-conselheiro-da-petrobras-fala-sobre-a-troca-de-comando-na-estatal-9291870.ghtml.

     

     

     

     

    Este texto foi publicado originalmente no blog Sobre Economia.

     

     

  • Não há ensino híbrido em período de pandemia

    Destaco nesse texto a ideia de que o blended learning ou o ensino híbrido perpassa uma construção histórica que surge a partir das discussões a respeito de como associar abordagens de ensino de modo a promover métodos, metodologias e estratégias adequadas a um objetivo educacional específico. Dessas discussões e com a chegada dos primeiros computadores (e posteriormente outras tecnologias), o ensino híbrido se vincula de forma indissociável ao conceito tecnológico e a ideia de ensino realizado em espaços diferentes e por meios diferentes. Esta ideia, que à época e até os dias de hoje parece promissora. Mas ganha distorções e, por razões mercadológicas, o ensino híbrido passa a ser confundido com uma proposta de simples ensino a distância com o auxílio de recursos tecnológicos.

    Em artigo de 1996, denominado “Constructivism: implications for the design and delivery of instruction”, Thomas Duffy e Donald Cunningham trazem diferentes críticas ao construtivismo discutido na época. Algumas destas críticas podem ser consideradas bastante infundadas e outras nem tanto. Os autores apresentam uma proposta própria de interpretação do construtivismo e justificar a abordagem denominada “Problem-based learning”1. Apesar de bastante duros em suas críticas, que por vezes generalizaram estudiosos do construtivismo colocando-os como padronizados, o texto ilustra uma característica emergente da época. A discussão de abordagens para o ensino diferentes daquelas pautadas na reprodução.

    Realize uma busca nas bases de dados de periódicos com o termo Science learning ou mathematics learning. Se você filtrar para a década de 1990, um conjunto de trabalhos será encontrado fazendo referência John Dewey, Vigotsky, Piaget. Vocês estarão vendo referências que propõem estudos sobre as formas de aprender. Também encontramos termos como: student-centered learning; alternatives approachs; pratical instruction; os quais associam as bases das teorias da aprendizagem a estratégias didáticas utilizadas. 

    É nessa época que a ideia de metodologia ativa emerge. Por exemplo, Eric Mazur (o dito criador da “peer intruction”) tem seu livro proposto em 1997 (Peer Instruction: User’s Manual). É nesse período que surgem as primeiras associações a aprendizagem híbrida. E esta é compreendida como uma proposta que visava que o estudante buscasse as informações por meio de diferentes caminhos e fontes. Além disso, mediado pelo professor, construísse sua aprendizagem. 

    Nesse sentido, incorporando as bases pedagógicas, a intenção é o surgimento de propostas de ensino em que conteúdos não sejam organizados da mesma forma para todos os aprendizes; a rota de aprendizagem é construída considerando as individualidades e as necessidades, valorizam-se atitudes e não conhecimentos; o processo de avaliação pode ser acompanhado podendo ser individualizado. Com a chegada das primeiras tecnologias, os vídeos e seguido dos computadores surge o termo delivery-learning. A partir daí a blended learning passa a ser conhecida como blended e-learning. 

    No entanto, toda a proposta não é inicialmente pensada para a escola. Toda a “beleza” começa a ser aplicada a cursos de treinamento empresarial. Pois com o ensino “delivery” é possível  ensinar administradores e (trabalhadores de modo geral) em larga escala. Dessa forma, avalia-se cada profissional de forma individual. Isto é, observa-se o rendimento, a capacidade de aprender sozinho e a forma de linkar o aprendizado com as questões da “firma / empresa”. Como consequência, reconhecer quem deve ou não ser mantido. Quem é ou não melhor.

    Na escola, uma mescla dos dois sentidos começa a emergir. Com isso, a apropriação da tecnologia, o blended e-learning não pode mais existir (ou seria mais raro sua existência) dissociado de qualquer forma de tecnologia. Nesse cenário, a ideia de uma educação híbrida inicia-se com uma proposta de mudança dos objetivos educacionais. Isto com bases nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e incorpora recursos diversos. Dentre eles a tecnologia, sendo este último, por conta do caráter de nossa sociedade, indissociável da ideia de educação híbrida atualmente.

    Apesar de antiga, usarei termos de um dos autores mais referenciados sobre educação híbrida. No livro The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs, Graham cita que há três definições comuns para o BL: “Combining Instrucional modalities”; Combining instructional methods” e “Combining online and face-to-face instructional”. Não apenas como Graham. Mas diversos outros autores e divulgadores da BL se apropriaram da última definição a qual ficou, deste modo, sendo a mais difundida e utilizada ao redor do mundo. 

    Portanto, nos dias atuais é possível definir a educação híbrida como sendo a junção entre a educação presencial e a educação não presencial mediada por tecnologias. O erro que, ao meu ver se comete, é esquecer das bases de desenvolvimento do conceito. Com isto, diminui-se a proposta ao uso de recursos tecnológicos sem que se pense no objetivo deste uso. 

    Este erro acarreta, como consequência, pelo menos dois aspectos preocupantes. Primeiramente, não se pensam nos objetivos de ensino para uma proposta híbrida, fazendo com que a transposição de um ensino presencial para o ensino mediado por tecnologias seja visto como proposta híbrida. Aulas online são o exemplo clássico. Há uma exposição do conceito, com uma avaliação no formato de prova ao final de um conjunto de aulas mas, o fato de ser no computador ou no celular faz com que seja híbrido? Obviamente que não. 

    O segundo aspecto preocupante faz com que, uma vez considerando essa possibilidade fajuta de ensino híbrido, a mesma se propague como proposta a ser oferecida em diferentes cenários educacionais. Isto faz com que empresas e fundações privadas produzam materiais do chamado “ensino híbrido” para redes de ensino públicas e privadas. Como algum dos pontos mais marcantes da venda desses materiais aparece o jargão da educação personalizada. Este é outro termo bastante frutífero do ponto de vista dos estudos educacionais. Principalmente na alfabetização! Mas que é distorcido para uma ideia de que não é mais necessário gastos com a presença física ou profissionais específicos como professores.

    De fato, num período em que buscamos suprir necessidades básicas de estudantes por meio de recursos bastante limitados, dizer que aprimoramos os objetivos educacionais para uma proposta híbrida é simplesmente absurdo. Não estamos fazendo ensino híbrido, estamos adaptando propostas para em ensino emergencial. 

    Divulgar este ensino emergencial como proposta híbrida gera uma distorção, prejudica pesquisas a respeito e potencialidades. Num futuro, quando não estivermos em pandemia, falar em ensino híbrido poderá ser algo extremamente ruim pelo simples fato de estarmos usando a terminologia de forma inadequada. Os mais de 20 anos de pesquisas a respeito do ensino híbrido estão sendo negligenciados.

    Para saber mais

    1. Foundations for Research in Educational Communications and Technology Chapter 7. Constructivism: implications for the design and delivery of instruction . Thomas M. Duffy Donald J. Cunningham 

    2. Blended learning design: five key ingredients. Jared M. Carman.

    3. A White Paper: Achieving Success with Blended Learning Harvi Singh and Chris Reed, Centra Software

    4. Mudando a Educação com metodologias ativas. José Moran

    5. Aprender e ensinar com foco na educação híbrida Lilian Bacich; José Moran 

    6. The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs Por Curtis J. Bonk, Charles R. Graham

    7. Blended Learning:

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Natália De Nadai

    Entre as inúmeras mudanças ocasionadas pela pandemia da COVID-19, a situação do ensino talvez seja um dos assuntos mais urgentes a serem debatidos. O Ciência Pelos Olhos Delas adentrou tal problemática por meio de interessantes conversas com profissionais do ensino fundamental/médio e superior.

    Hoje trazemos mais um diálogo, agora com a educadora Natália De Nadai, que atua na criação de conteúdo de uma ferramenta de aprendizagem remota, a Khan Academy Brasil. A Khan Academy é uma organização estadunidense sem fins lucrativos, mas hoje possui representações em diversos países – dentre eles o Brasil. O objetivo da organização é criar um conjunto de ferramentas online (incluindo exercícios práticos e aulas curtas em vídeo) para ajudar na educação de estudantes de forma gratuita.

    A Natália foi uma das colaboradoras do Ciência pelos Olhos Delas no período de 2019/2020 e é uma honra para nós trazermos suas experiências e visões sobre o ensino remoto e o uso de novas tecnologias nesse momento. A seguir apresentamos o conteúdo na íntegra das respostas fornecidas por ela.

    Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência com educação/ensino?

    Sou formada em Física, Matemática, Pedagogia e tenho especialização em Design Instrucional. Durante uns 10 anos dei aula de matemática em instituições de ensino privado, na maior parte desse tempo para alunos do Ensino Fundamental II. Atualmente trabalho com produção de conteúdos de matemática para a Khan Academy Brasil.

    Essa faixa etária é muito ativa e muitas vezes perdem o foco com facilidade, ainda mais com 6 aulas de matemática em uma semana, então sempre achei interessante usar diferentes estratégias para trabalhar conteúdos.

    Como você conheceu a Khan Academy?

    Foi nesse período, em que dava aulas, que um colega professor me apresentou a Khan e logo me encantei, pois era possível, na verdade ainda é, criar turmas e fazer recomendações específicas para cada um de seus alunos.

    A Khan me ajudou muito nessa época, pois eu tinha turma de reforço, e normalmente todos os alunos ficavam juntos (de 6º ao 9º anos) e isso impossibilitava que eu fizesse uma aula tradicional na lousa, mas com a Khan cada um dos meus alunos recebia a atividade que eles precisavam e eu podia fazer um acompanhamento mais individual.

    Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Com a pandemia, o nosso número de usuários aumentou e, além disso, criamos cursos preparatórios de matemática (Prepare-se) para os alunos de 3º ao EM. A ideia desses cursos é trabalhar as habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que são consideradas habilidades essenciais, permitindo que o aluno estude o conteúdo do ano letivo de 2020 em que ele estava, juntamente com o conteúdo que ele aprenderá em 2021.

    Como a Khan Academy pode ajudar no ensino remoto?

    Atualmente temos conteúdos do Ensino Fundamental I e II alinhados à BNCC de matemática, ciências e português; essas atividades podem ajudar alunos e professores de diversas formas, desde a revisar conteúdos de anos anteriores até o uso completo de lições para o ensino a distância.

    O fato do professor criar suas turmas e poder fazer recomendações individuais ou para a turma e acompanhar os relatórios de progresso dos alunos (por exemplo, ver quais itens de um exercício o aluno errou) é o que faz com que a Khan Academy seja tão completa.

    Um fato super importante é que todo o conteúdo disponível na Khan é gratuito, a única coisa necessária é que o professor e os alunos tenham uma conta de e-mail e criem uma conta na plataforma.

    Como os professores podem utilizar as ferramentas da Khan Academy para avaliar seus alunos?

    Pelo relatório de progresso, o professor tem acesso a todas as tentativas e todos os erros e acertos dos seus alunos para cada exercício que ele recomendou, logo ele pode utilizar isso como forma de avaliação.

    Como você acha que essa experiência coletiva de ensino remoto/híbrido vivida durante a pandemia vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Atualmente minha maior preocupação é que nem todos têm acesso a internet; muitas crianças e adolescentes não estudaram em 2020 e isso é muito complexo, pois gera uma evasão nas escolas, então um exercício que deverá ser feito é o de manter esses alunos nas escolas. Lógico que o modelo de 2020 provavelmente trará outras dificuldades para alunos e professores, e acredito que esse déficit todo será sentido nos próximos anos.

    Agradecemos novamente a Natália por disponibilizar seu tempo para compartilhar um pouco mais sobre seu trabalho na Khan Academy e suas percepções sobre o ensino remoto na atual conjuntura.

    Este foi escrito originalmente no blog Ciência Pelos Olhos Delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Conheça a Dra. Katalin Karikó, a cientista que desenvolveu a técnica da vacina de RNAm para a COVID-19

    Katalin Karikó durante o doutorado em 1980 no Laboratório de RNA do Centro de Pesquisa Biológica na Academia de Ciências Húngara. Imagem retirada de https://www.telegraph.co.uk/global-health/science-and-disease/redemption-one-scientists-unwavering-belief-mrna-gave-world/

    Texto escrito em colaboração por Carolina Francelin e Gabriela Mendes, com contribuições de Juliana Lobo.

    No final do ano passado, em meio às notícias de que as primeiras vacinas para a COVID-19 haviam sido aprovadas ao redor do mundo, começamos a pesquisar sobre a Dra. Katalin Karikó, pioneira no uso da tecnologia de RNAm, que prontamente foi escolhida para ser o tema do primeiro texto da categoria “Colírios Científicos” no Ciência Pelos Olhos Delas em 2021.

    Diante da pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), a ciência provou sua magnitude no século XXI e vários laboratórios pelo planeta lançaram, em tempo recorde, diferentes tipos de vacina com eficácia comprovada. Em meio a uma verdadeira corrida contra o relógio para frear o avanço pandêmico, não há como não destacar o trabalho inovador da Dra. Katalin Karikó na criação da vacina de RNA mensageiro (RNAm), a molécula responsável por produzir as proteínas codificadas pelo DNA dentro das células.

    A tecnologia desenvolvida pela Dra. Karikó está nas vacinas aplicadas pelas empresas de biotecnologia Moderna (EUA) e BioNTech (Alemanha), sendo que essa última atua em acordo de produção e distribuição da vacina com a farmacêutica Pfizer. Por causa da extensa pesquisa feita por Katalin e por seus colegas nas últimas décadas, e também devido à tecnologia disponível atualmente, a produção da vacina de RNAm específica para o novo coronavírus foi feita num curtíssimo espaço de tempo (de dezembro de 2020 a janeiro de 2021) e doses dela já foram distribuídas e aplicadas em vários países, como Estados Unidos e Inglaterra. 

    Com esse texto sobre a Dra. Katalin Karikó, queremos ressaltar o quão importante foram a perseverança e a resiliência dessa cientista que, durante décadas, trabalhou incansavelmente em um tema de pesquisa que ela acreditava ter um grande potencial terapêutico. Além disso, compartilhamos também um pouco da sua vida pessoal e trajetória como imigrante nos Estados Unidos.

    A vida e o início da carreira da Dra. Katalin Karikó

    Katalin Karikó nasceu na Hungria em 1955, logo após a reinstalação do regime comunista no país. Assim que concluiu seu doutorado pela University of Szeged, ela se viu limitada a continuar a pesquisa em seu país por dois motivos: a Hungria passava por uma recessão financeira que restringia o incentivo à pesquisa, e seu tema de estudo, já então sobre o RNA¹, era menosprezado e até mal visto frente às novidades acerca do DNA². Dessa forma, em 1985 ela migrou com seu esposo e sua filha de dois anos para os Estados Unidos para assumir um cargo de pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. 

    Mesmo enquanto cientista nos EUA, a insistência e o interesse de Katalin na pesquisa envolvendo terapias com base no RNAm fizeram com que ela fosse desprezada muitas vezes durante a sua carreira. Na vida científica – e principalmente no meio acadêmico – isso significa ter pedidos de financiamento para desenvolver a pesquisa negados diversas vezes, tanto por agências federais quanto privadas. 

    Essas negativas prejudicaram a produção de artigos da Dra. Karikó, e também resultaram em  descrédito pelos colegas da área. Durante o seu trajeto para alcançar uma posição como professora da Universidade da Pensilvânia, a pilha de pedidos de financiamento negados aumentava e a instituição recusou a promoção de Katalin. Mas ela foi persistente e o sonho de salvar vidas por meio da terapia com RNAm sintético a fez insistir e seguir adiante a cada crítica negativa recebida.

    Katalin trabalhando em um laboratório. Image retirada de https://nypost.com/2020/12/05/this-scientists-decades-of-mrna-research-led-to-covid-vaccines/

    Os 40 anos de pesquisa sobre RNAm 

    Em uma época em que o DNA tinha acabado de ser sequenciado, por volta de 1962, a descoberta do RNAm abriu novas oportunidades para terapias pontuais. Naquele tempo, Katalin já acreditava que para tratar algumas doenças não era necessário mudar os genes, no DNA,  e sim somente produzir, ou deixar de produzir, a proteína de interesse por um determinado momento, durante um tratamento terapêutico, por exemplo. 

    Para isso, ela desenvolveu a terapia de RNAm, que consiste em injetar uma sequência de RNAm no paciente através de uma injeção intramuscular. O RNAm consegue entrar nas células e, uma vez dentro delas, induzirá a produção da proteína de interesse. Contudo, os experimentos de Katalin não traziam resultados satisfatórios, principalmente porque após o RNAm ser injetado, as células do sistema imune do paciente reconheciam a molécula como estranha, e tentavam combatê-la e eliminá-la antes mesmo dela conseguir desempenhar sua função de produzir a proteína específica dentro de uma célula. 

    A mudança de trajetória e o sucesso da vacina de RNAm para a COVID-19

    Durante esses anos difíceis, sem resultados concretos e sem financiamento, a Dra. Karikó foi rebaixada de cargo na Universidade da Pensilvânia e somente ao se encontrar com o Dr. Drew Weissman, em 1997, que ela ganhou novos ânimos. O trabalho de 7 anos da dupla culminou na descoberta do método para prevenir a resposta do sistema imune do organismo ao RNAm sintético. Eles descobriram que ao mudar apenas uma letra do código genético do RNA, as células do sistema imune do paciente não reconheciam mais a molécula como estranha, permitindo sua ação dentro da célula. 

    Essa descoberta ocorreu em 2004 e gerou para a Universidade da Pensilvânia a venda de patentes da metodologia para criar o RNAm modificado e, com isso, a reputação da Dra. Katalin se transformou. Com a venda das patentes, um grupo de cientistas estadunidenses fundou a Moderna, em 2010, e comprou os direitos sobre as patentes de Karikó e Weissman. O rumo da carreira de Katalin mudou de direção e além do cargo de professora e pesquisadora da Universidade da Pensilvânia, em 2013 ela começou a trabalhar na empresa BioNTech, que também adquiriu as patentes da biotecnologia de RNAm sintético, e onde atualmente é vice-presidente

     A inovação da vacina de RNAm é que não há partícula viral ativando o sistema imunológico para produzir anticorpos e células de memória para combater uma possível infecção. Essa partícula de RNAm sintética é o código para a produção de proteína viral, que sozinha não é capaz de causar doença, mas que ativa células do sistema imune a ficarem de prontidão para a eventual contaminação com agente infeccioso. Ou seja, o RNAm induz nosso sistema imune a produzir anticorpos contra o patógeno em questão – nesse caso, o novo coronavírus. 

    O primeiro RNAm sintético foi criado em 1961 e o objetivo dos cientistas era utilizar as células tratadas com ele para produzirem substâncias de interesse terapêutico. Somente em 2020, quase sessenta anos depois, essa tecnologia foi efetivamente aplicada como a vacina para combater a COVID-19.

    Foto recente de Katalin trabalhando em home office durante a atual pandemia. Imagem retirada de https://www.statnews.com/2020/11/10/the-story-of-mrna-how-a-once-dismissed-idea-became-a-leading-technology-in-the-covid-vaccine-race/

    Sem dúvidas, a história da Dra. Karikó é um verdadeiro exemplo de resiliência de uma cientista que, em meio a tantas dificuldades, persistiu com a pesquisa do RNA mensageiro, cuja importância ela sempre acreditou. Em entrevista recente para o The New York Post, ela afirmou que “ninguém deveria ter medo de tomar a vacina”, frase que pode soar simples, mas que é extremamente simbólica ao considerarmos não só o trajeto de Katalin, como também a necessidade de ressaltar o valor da ciência e de combater desinformações a respeito da vacinação. Tanto ela quanto o Dr. Weissman foram as primeiras pessoas a receber a vacina produzida pela BioNTech. 

    Começamos 2021 com mais esperança de que a pandemia chegará ao fim com a imunização das pessoas ao redor do mundo, conquista possibilitada pela pesquisa fundamental da Dra. Katalin Karikó. Depois de uma trajetória com altos e baixos, hoje vários cientistas, incluindo os fundadores da Moderna, opinam que a Katalin deve receber o Prêmio Nobel de Química por sua contribuição à ciência. 

    Notas:

    ¹ RNA: Molécula complementar ao DNA que, ao ser decodificada, produz as proteínas necessárias para o funcionamento do nosso organismo.

    ² DNA: Conhecido também como código genético, a molécula de ácido desoxirribonucléico fica dentro do núcleo da célula e é responsável por codificar todas as informações sobre as células do nosso corpo. 

    Referências:

    https://nypost.com/2020/12/05/this-scientists-decades-of-mrna-research-led-to-covid-vaccines/

    https://www.telegraph.co.uk/global-health/science-and-disease/redemption-one-scientists-unwavering-belief-mrna-gave-world/

    https://edition.cnn.com/2020/12/16/us/katalin-kariko-covid-19-vaccine-scientist-trnd/index.html

    https://www.theguardian.com/science/2020/nov/21/covid-vaccine-technology-pioneer-i-never-doubted-it-would-work

    https://www.timesofisrael.com/the-hungarian-immigrant-behind-messenger-rna-key-to-covid-19-vaccines/

    Este texto foi escrito originalmente no blog Ciência Pelos Olhos Delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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