Blog

  • Corrigindo boatos de forma estratégica

    Postagem por Dayane Machado (@DayftMachado) e Minéya Fantim (@mifantim)

    Você não aguenta mais receber “fake news” no grupo da família? Já cansou de corrigir os mesmos boatos toda semana?

    Rã Zinza AntiFakenews de 1 De Novembro De 2018 Por Rafael Marçal https://vacilandia.com/ra-zinza-antifakenews/

    Pois você não está sozinho. Desde que os primeiros casos de Covid-19 começaram a ser registrados, os potenciais riscos das desinformações deixaram de ser assunto para pequenos grupos de cientistas e invadiram o dia-a-dia de boa parte da sociedade.

    Nesses últimos meses, muita gente teve que aprender a checar informações. Além disso, tem ajudado colegas e familiares a filtrar o conteúdo que anda circulando por aí.

    Mas, apesar disso, o resultado desse tipo de interação nem sempre é o esperado e, como consequência, muita gente tem ficado frustrada e sem entender por que parece que certas correções não funcionam.

    Numa tentativa de popularizar o que a gente já sabe a partir das pesquisas sobre desinformação, um grupo de mais de 20 especialistas no tema se reuniu para publicar:

    O Manual da Desmistificação 2020. (BAIXE AQUI)

    O documento resume os resultados dos principais trabalhos da área e transforma tudo isso em um conjunto de recomendações simples e diretas para você aplicar na sua rotina.

    Assim, a proposta é que cada vez mais pessoas entendam o problema e que a partir daí, possam ajudar no enfrentamento da desinformação de forma estratégica.

    Por exemplo, você sabia que nem sempre vale a pena corrigir um boato?

    Se ele tiver pouca visibilidade, a correção pode até sair pela culatra, tornando o boato mais popular em vez de realmente combatê-lo (veja mais detalhes na figura abaixo).

    O pessoal mal-intencionado, especialmente quem já faz parte de movimentos negacionistas, sabe disso e tenta surfar na popularidade de jornalistas e celebridades para alcançar um público maior.

    Infelizmente, muita gente vem mordendo a isca. Dessa forma, vemos veículos jornalísticos validando desde teorias da conspiração sobre o resultado das eleições norte-americanas a questionamentos sobre a segurança das vacinas contra a Covid-19.

    O panorama estratégico da desmistificação

    Entretanto, através do manual, você também vai entender por que certos boatos continuam “grudando” na cabeça das pessoas, independente de quantas vezes eles sejam corrigidos, vai aprender a evitar que isso aconteça e, quando não for possível prevenir, vai saber como corrigir os boatos de forma efetiva, aumentando as chances de que a correção realmente funcione.

    O Manual da Desmistificação 2020 chega poucos meses depois da publicação do Manual das Teorias da Conspiração e é produzido pelos pesquisadores Stephan Lewandowsky e John Cook e também disponível em português.

    Em suma, você encontra os dois documentos, além de outros recursos para combater o negacionismo e a desinformação na página do Centro para a Comunicação das Mudanças Climáticas da Universidade George Mason e na página do Skeptical Science.

    Sobre o Manual da Desmistificação 2020

    Outras informações: https://skepticalscience.com/translationblog.php?n=4886&l=10

    Para baixar: https://skepticalscience.com/docs/DebunkingHandbook2020-Portuguese.pdf

    Para saber mais:

    Este texto foi escrito originalmente no blog Mindflow

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O Paradoxo COVID: aumento de cirurgias ortopédicas na quarentena.

    Texto escrito por Alessandro Zorzi

    Estudo realizado no Hospital de Clínicas da UNICAMP para avaliar o impacto da quarentena sobre a formação do médico residente em Ortopedia e Traumatologia, detectou aumento do número de cirurgias ortopédicas de urgência entre Março e Julho de 2020 (período mais rígido da quarentena), em comparação com o mesmo período de 2019.

    Em Janeiro de 2020 o mundo tomou ciência de uma epidemia na China por uma nova cepa do coronavírus, chamada COVID-19. No mês seguinte, o vírus se espalhou rapidamente pela Europa e assistimos aterrorizados o impacto devastador da doença na Itália. No Brasil, o temor do colapso do sistema de saúde diante de um pico previsto para Março, levou as autoridades a decretarem quarentena. Com a demora da chegada do pico, a quarentena foi se estendendo até meados de Julho, quando finalmente as autoridades divulgaram um plano gradual de reabertura.

    Neste período de quarentena mais rígida, houve uma diminuição da circulação de veículos no transito das grandes cidades. Sabemos que o número de acidentes de transito tem relação com a quantidade de veículos na rua. Logo, era lógico imaginar uma diminuição no número de cirurgias para tratamento de lesões causadas por acidentes motociclísticos e automobilísticos. Certo? Errado.

    Muitos hospitais interromperam o atendimento da maioria das doenças para reservar leitos e se preparar para o pico. Hospitais de campanha e tendas foram montados em várias cidades. Internações eletivas foram proibidas e ambulatórios fechados. Diante deste cenário, somente os casos urgentes, aqueles traumas graves, trazidos de helicóptero ou por ambulâncias do SAMU, poderiam ser recebidos pela equipe da Ortopedia no HC da UNICAMP.

    Imediatamente surgiram ações para adaptar o ensino teórico dos médicos residentes. Aulas presenciais foram substituídas por aulas online a distância. Mas como ensinar uma cirurgia? Chegou-se a cogitar a proposta de considerar 2020 um ano perdido e fazer os residentes repetirem um ano em sua formação. Mas o que observamos na prática foi exatamente o contrário.

    Um estudo conduzido pelo residente Renato Schneider Laurito, com auxílio e orientação de médicos e professores do Departamento de Ortopedia, Reumatologia e Traumatologia da UNICAMP, constatou um aumento da atividade dos residentes da Ortopedia no centro cirúrgico. Os resultados deste estudo foram apresentados no Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia em Novembro de 2020 (CBOT 2020) e estão sendo preparados para publicação.

    De acordo com o estudo, não houve prejuízo grave na formação dos médicos residentes neste período, porque apesar da proibição das internações eletivas e da realização de cirurgias não emergenciais, ocorreu um aumento do número de fraturas expostas e outros traumatismos com necessidade de tratamento cirúrgico urgente. Além disso, os médicos residentes foram afastados de outras atividades hospitalares, tais como o atendimento ambulatorial, passando a frequentar um maior número de horas no centro cirúrgico, em virtude do aumento da demanda.

    A figura abaixo mostra a comparação do número de cirurgias de urgência nos dois períodos. Urgência significa todo tratamento que precisa ser instituído o mais rápido possível, não excedendo oito horas de espera, para evitar prejuízos graves e sequelas ao paciente. As cirurgias que podem esperar mais de oito horas ou que podem ser realizadas no dia seguinte são classificadas como eletivas.

    Foram registradas 169 cirurgias ortopédicas urgentes entre Março e Julho de 2019, enquanto no mesmo período de 2020, em plena quarentena, esse número saltou para 188. Um aumento de 11,2%.

    Enquanto isso, o número de cirurgias eletivas, aquelas realizadas em pacientes com problemas ortopédicas crônicos ou que permitem espera, despencou de 300 de Março a Julho de 2019 para apenas 196 no mesmo período de 2020.

    Parece razoável pensar que o número de acidentes deveria diminuir durante a quarentena, com a menor circulação de pessoas no transito. Entretanto, uma possível explicação para este resultado foi o aumento exponencial da demanda por entregas e serviços de “delivery”. A maioria realizada por motocicletas. Além do aumento da demanda, houve um grande aumento do número de pessoas que buscaram no ramo de entregas uma forma de sobrevivência diante de demissões e fechamentos de empresas. Muitos com pouca ou nenhuma experiencia na condução de motocicletas.

    Estes dados ajudam a entender a dinâmica da sociedade e o impacto na demanda por serviços hospitalares diante de situações que exijam quarentenas no futuro, para que haja um melhor planejamento na distribuição dos recursos. É necessário fazer estudos mais extensos, com dados de outros hospitais, para confirmar estes achados.

    O Autor

    Alessandro Zorzi

    Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Fêmur Distal

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Volta as aulas presenciais! – Vídeo

    Vídeo por Beatriz Durlin (@beatriz.durlin )e Caio Silvano Serafim ( @caio170321)

    Ref. do Vídeo:

    Por Helena Vetorazo blogs.unicamp.br/prometeus/2019 

    e Todos Pelas Vacinas @tdspelasvacinas  #todospelasvacinas todospelasvacinas.info

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Anticorpos Monoclonais! Quê?

    Anticorpos monoclonais? Clones de anticorpos? Que isso, voltamos para 2001 junto com o Dr. Albieri? (vocês eram nascidos já para esta referência?)

    Vamos com calma! Não é bem assim.

    Já falamos bastante de resposta imune humoral, anticorpos e até o uso de plasma convalescente aqui no Blogs, e hoje vamos explicar mais uma ferramenta que temos para combater cânceres, doenças autoimunes e doenças infecciosas, entre elas a própria Covid-19.

    Respira fundo e vêm comigo entender o que são esse tipo de anticorpos.

    História

    A descoberta dos anticorpos data do final do século XIX, por volta de 1890. Nesses anos, dois cientistas – Kitasato e von Behring – observaram que animais que tinham contraído difteria ou tétano possuíam no soro do seu sangue uma “anti-toxina” capaz de neutralizar a toxina causadora de ambas as doenças. Em 1891, um ano depois, outro cientista – Paul Ehrlich – propôs o nome de Anticorpo (Antikörper em alemão) para essa “antitoxina” (1, 2). Nos anos que se seguiram foram feitos grandes avanços no desenvolvimento do conhecimento sobre o que são os anticorpos, suas estruturas e funções (algo que você pode conferir em outros textos já publicados aqui no blog). 

    Anticorpos Policlonais vs Monoclonais.

    Com todo o conhecimento acumulado atualmente sobre anticorpos, hoje sabemos que o que torna a resposta imune humoral tão potente é (dentre outros fatores) a capacidade de produzir milhares de cópias de anticorpos diferentes contra uma única molécula (ou antígeno, como se diz no meio científico), que são os chamados de Anticorpos Policlonais. Achou confuso?

    Vamos exemplificar: quando um linfócito B reconhece um antígeno estranho, ele começa a produzir milhares e milhares de cópias de um único anticorpo. Essa célula B específica produz esse anticorpo específico. Ao mesmo tempo, essa mesma célula B começa a se multiplicar, gerando várias células filhas dela mesma (ou clones). Cada um desses clones vai produzir anticorpos ligeiramente diferentes daquele produzido pela célula mãe. Vamos considerar que a partir dessa célula B mãe foram produzidos três clones (ou células filhas). Cada uma delas reconhece três porções diferentes daquele mesmo antígeno estranho que a célula B mãe reconheceu, produzindo milhares de cópias de três outros anticorpos. Novamente, não podemos esquecer que cada um desses linfócitos B filhos produzem um anticorpo específico, que é único de cada célula, mas que pode ser produzido aos milhares. 

    Agora, o exemplo que nós demos foi de uma célula mãe reconhecendo um antígeno e gerando três células filhas, mas o que acontece na realidade são centenas de linfócitos B reconhecendo centenas de diferentes pedaços de diferentes antígenos de um mesmo patógeno (como um vírus ou bactéria), e dando origem a dezenas de células filhas, que originam outras dezenas de células filhas. No final, o que nós temos são centenas de milhares de clones (ou células filhas), cada um produzindo um anticorpo em específico, cada um ligeiramente diferente de todos os outros, e reconhecendo diferentes partes do antígeno estranho. Daí que surge o nome Policlonal, ou seja, muitos clones, muitas cópias). Nosso sistema imunológico sempre vai produzir uma resposta policlonal de anticorpos para contra atacar a uma ameaça.

    Por outro lado, também existem os chamados Anticorpos Monoclonais. Isso é, anticorpos produzidos em laboratório com o uso de engenharia genética para que várias células (ou clones de células) produzam o mesmo anticorpo e assim tenha-se acesso em larga escala a esse tipo em específico (e daí o nome monoclonal, ou único clone). Essa nova biotecnologia surgiu em 1975 quando Georges Köhler e César Milstein desenvolveram uma forma de isolar anticorpos a partir de células híbridas (chamadas de Hibridomas) originadas da fusão de uma célula de mieloma (cancerígena) com uma célula produtora de anticorpos. Essa linhagem celular híbrida era capaz de se multiplicar indefinidamente em placas de cultura ao mesmo tempo que mantinha a capacidade de produzir milhares de anticorpos idênticos (monoclonais), consequentemente, com a mesma especificidade e afinidade (3, 4, 5). 

    Imagem original Nature, traduzida pelo autor

    E quais são suas aplicações na medicina?

    Hoje, quase 50 anos após essa descoberta, o uso de anticorpos monoclonais já é amplo e muito utilizado no combate a diversos tipos de cânceres e doenças autoimunes, por se ligarem especificamente a uma única molécula de interesse terapêutico. Nas terapias contra doenças autoimunes, já se utilizam anticorpos monoclonais para impedir que células como linfócitos T e monócitos entrem em órgãos e ataquem células deste; que citocinas sejam reconhecidas por essas células imunes ou até mesmo para “desligá-las” (2). 

    Já no combate a cânceres, os anticorpos monoclonais são usados de maneiras ainda mais variadas. Alguns servem como “caminhões”, levando drogas ligadas em si que são entregues somente para as células cancerígenas ou ativando moléculas na superfície das células tumorais, que fazem com que estas células entrem em processo de morte programada. Outros anticorpos monoclonais funcionam “mostrando” aos linfócitos T Citotóxicos e macrófagos (se não lembra quem eles são, aconselho dar uma olhadinha nesse texto aqui) onde estão e quem são as células cancerígenas que devem ser mortas, visto que muitas vezes tumores conseguem se esconder do sistema imunológico, além de gerarem ambientes imunossupressores, isso é, capazes de fazer com que linfócitos T e outras células imunes não se ativem próximo dali (2, 3).

    Além disso, assim como Kitasato e von Behring começaram fazendo há mais de 100 anos atrás, atualmente cientistas também estão desenvolvendo anticorpos monoclonais capazes de combater doenças infecciosas como malária, influenza e AIDS, testando eles individualmente ou na forma de coquetéis (2, 4, 6). Oficialmente, já existem três anticorpos monoclonais aprovados pelo FDA (agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) para uso no combate a doenças infecciosas, sendo essas o vírus sincicial respiratório, anthrax, e Clostridioides difficile (uma bactéria gastrointestinal) (7).

    Mais uma arma contra a Covid-19.

    No que diz respeito à Covid-19, muitas estratégias foram e estão sendo pensadas para o combate à pandemia, como a vacinação em massa da população, o uso de plasma convalescente em pacientes internados, e claro, o uso de anticorpos monoclonais, apesar deste último ter tido menos atenção nos noticiários dos últimos meses. O principal alvo desses anticorpos é a proteína viral (Spike), na tentativa de impedir a ligação dela com o receptor nas nossas células – a molécula ACE2 – (8, 9), uma estratégia similar a que foi usada no desenvolvimento dos anticorpos monoclonais contra os vírus SARS-CoV-1 e MERS-CoV (7, 10). Contudo, outros alvos também estão sendo estudados, como as tentativas de se controlar a tempestade de citocinas liberada no corpo, levando aos casos graves (9, 11, 12).

    Entretanto, um problema quanto ao uso de anticorpos monoclonais para o tratamento da Covid-19 é a falta de informação sobre a quantidade de anticorpos que vão chegar nos principais órgãos afetados, como os pulmões (uma medida chamada de biodisponibilidade). Além desse fator, também é necessário monitorar a diversidade viral do SARS-CoV-2 na população, visto que eventuais mutações nas proteínas alvos dos anticorpos podem diminuir drasticamente sua eficácia (7). Por causa disso, já está se considerando o uso de dois anticorpos em conjunto, mirando em diferentes porções da Spike.

    Finalizando, apesar dos anticorpos monoclonais poderem ser utilizados de forma preventiva como em casos de pré-exposição (quando a pessoa sabe que vai ser exposta ao patógeno) ou pós-exposição (quando a pessoa sabe que se expôs mas não sabe se infectou-se), é muito mais comum seu uso de forma terapêutica, isto é, após ter certeza que se contraiu a doença e estar apresentando sintomas delas. Nessa forma, apesar de termos mais essa arma para combater a Covid-19, é necessário ressaltar que somente vacinando toda a população que venceremos a pandemia de uma vez por todas.

    Referências:

    1. Llewelyn, MB, Hawkins, RE, & Russell, SJ (1992) Discovery of antibodies, British Medical Journal, 305(6864), 1269-1272.
    2. Yamada, T (2011) Therapeutic monoclonal antibodies The Keio journal of medicine, 60(2), 37-46.
    3. Bayer, V (2019, October) An overview of monoclonal antibodies In Seminars in oncology nursing (Vol 35, No 5, p150927) WB Saunders.
    4. Rajewsky, K. (2019). The advent and rise of monoclonal antibodies.
    5. Posner, J., Barrington, P., Brier, T., & Datta-Mannan, A. (2019). Monoclonal antibodies: Past, present and future. Concepts and principles of pharmacology, 81-141. 
    6. Walker, LM, Phogat, SK, Chan-Hui, PY, Wagner, D, Phung, P, Goss, JL, & Protocol G Principal Investigators (2009) Broad and potent neutralizing antibodies from an African donor reveal a new HIV-1 vaccine target Science, 326(5950), 285-289.
    7. Marovich, M, Mascola, JR, & Cohen, MS (2020) Monoclonal antibodies for prevention and treatment of COVID-19, Jama, 324(2), 131-132.
    8. Jahanshahlu, L, & Rezaei, N (2020) Monoclonal antibody as a potential anti-COVID-19 Biomedicine & Pharmacotherapy, 110337.
    9. Saghazadeh, A, & Rezaei, N (2020) Towards treatment planning of COVID-19: rationale and hypothesis for the use of multiple immunosuppressive agents: anti-antibodies, immunoglobulins, and corticosteroids International immunopharmacology, 106560.
    10. Shanmugaraj, B, Siriwattananon, K, Wangkanont, K, & Phoolcharoen, W (2020) Perspectives on monoclonal antibody therapy as potential therapeutic intervention for Coronavirus disease-19 (COVID-19). Asian Pac J Allergy Immunol, 38(1), 10-18.
    11. Luo, P, Liu, Y, Qiu, L, Liu, X, Liu, D, & Li, J (2020) Tocilizumab treatment in COVID‐19: a single center experience Journal of medical virology, 92(7), 814-818.
    12. Toniati, P, Piva, S, Cattalini, M, Garrafa, E, Regola, F, Castelli, F, & Training, HUB (2020) Tocilizumab for the treatment of severe COVID-19 pneumonia with hyperinflammatory syndrome and acute respiratory failure: a single center study of 100 patients in Brescia, Italy, Autoimmunity reviews, 102568.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E as escolas, devem voltar?

    Texto escrito por Ana Arnt e Isaac Schrarstzhaupt

    Vivemos um momento em que há uma tensão no ar, com impasses difíceis de resolver. Por um lado, temos crianças e adolescentes que estão afastados da escola e de tudo o que isto implica – vivência social, aprendizados do espaço coletivo, contato com amigos, etc. Por outro lado, temos uma doença que assola o mundo – e nosso país de maneira intensa – e cujo os contatos interpessoais é a grande propulsora dos contágios e adoecimento.

    Sim, as escolas são fundamentais para a estrutura social que nós vivemos no mundo contemporâneo. Mas será que temos condições de abrirmos com segurança sanitária para todos?

    Assim, temos noção que precisaríamos urgentemente de um planejamento para retomar inúmeras atividades presenciais, tendo em vista a continuidade da pandemia, por mais tempo do que outrora imaginado.

    Recomendações para aberturas

    É imprescindível olharmos para algumas recomendações para o planejamento de abertura do espaço escolar, embasando-nos em princípios científicos e pressupostos da Organização Mundial da Saúde (OMS), além das regulamentações, leis e normativas do estado, para que a retomada seja repensada para um planejamento mais seguro a todos os trabalhadores da educação.

    Vamos olhar, por estarmos situados no estado de São Paulo, para as resoluções daqui, tendo em vista a abertura desde o dia 08 de Fevereiro. Segundo a Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, publicada no diário oficial (SÃO PAULO, 2021a), é considerado que, para o retorno existe

    “a necessidade de se assegurar as condições que favoreçam a realização de atividades escolares presenciais de forma segura para estudantes e profissionais da educação”.

    Dentre as condições, nós gostaríamos de destacar a distribuição de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), prevista pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que aponta o uso de máscaras de tecido como obrigatória para servidores.

    É sabido que máscaras de tecido de algodão, com duas camadas, são eficientes como barreira mecânica. Entretanto, não são um equipamento de proteção individual. Ou seja, elas funcionam como barreiras de proteção a terceiros, caso o indivíduo em questão esteja contaminado, para minimizar riscos de outros indivíduos próximos. Isto é, por ser uma barreira mecânica, ela impede a dispersão de aerossóis. Mas para o indivíduo que utiliza a máscara, tem um efeito menor de proteção. Além disso, as máscaras de tecido frequentemente tem escapes de aerossóis, por não terem um isolamento adequado.

    Tendo em vista a necessidade de proteção dos servidores, como manutenção do serviço prestado à comunidade, os EPIs adequados deveriam atentar-se não apenas à proteção de quem convive no mesmo espaço, mas dos indivíduos trabalhadores em si.

    Dessa maneira, alguns especialistas têm indicado as máscaras N95 ou PFF2, que no início da pandemia eram desencorajadas, por estarem em falta para o corpo médico que atuava na linha de frente. A indicação destas máscaras não se restringem ao ambiente de trabalho, mas a espaços como transporte público e escolar.

    Todavia, na ausência destas máscaras, a OMS têm preconizado o uso de máscaras de tecido, com 3 camadas: uma camada hidrofílica interna, duas camadas (uma intermediária e uma externa) com características hidrofóbicas.

    Assim, a OMS ainda aponta fortemente a necessidade de testes e rastreamento de contatos, não limitando-se ao aparecimento de sintomas e casos suspeitos.

    Parece exagerado falar isso? Tal como já temos debatido em outros textos, reforçamos o fato de que o Brasil é o 3º país do mundo em casos confirmados de Covid-19. Não bastando este número, somos também o 2º do mundo em quantidade de óbitos. Todavia, em números totais de testes, somos o 11º país do mundo. Mas, pior que isto, em testes por milhão de habitantes, estamos em 116º lugar no mundo (WORLDOMETERS, 2021).

    Afinal, o que estes números indicam?

    Isto indica que, à revelia da intencionalidade de rastreio e testagem das escolas, nós temos falhado (E MUITO) nas testagens de qualquer brasileiro.

    Outras informações relevantes

    Ao olharmos o documento Volta às aulas Seguras, 2021 (SÃO PAULO, 2021b), consta que o retorno deveria ser feito após a testagem negativa, em casos suspeitos. No entanto, nossa pergunta, neste caso, é: onde este teste será feito? Como serão os encaminhamentos de testes? Haverá garantia para testes a todos os estudantes e servidores da rede? Isto deveria ser respondido, tendo em vista a baixa testagem em nosso país, ainda.

    Todas estas questões somam-se ao fato de que o Estado de São Paulo tem registrado diariamente mais do que 10 mil casos, com óbitos que ultrapassam 300 por dia. Por outro lado, analisando-se a Média móvel de internações, nas últimas semanas vemos um aumento da taxa de internações, mesmo com a mobilidade urbana estável, ou diminuindo.

    Figura 1. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São João da Boa Vista e Taubaté. Fonte: SEADE, São Paulo

    Figura 2. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Marília, Presidente Prudente, Piracicaba, Registro. Fonte: SEADE, São Paulo
    Figura 3. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Bauru, Campinas, Barretos e Granca. Fonte: SEADE, São Paulo

    O que as Médias Móveis de Internação representam?

    Mais do que apenas a taxa diária de ocupação dos leitos, é fundamental em uma crise sanitária como esta, observar a tendência de internações – se estamos aumentando ou diminuindo em um tempo determinado e analisar quais os motivos estão nos levando a esta tendência (de aumento ou diminuição das internações).

    Segundo os dados do SEADE, pode-se ver que à revelia de termos UTIs não ocupadas (temos ocupação de 66,7% segundo os dados de hoje, 10/02), conforme indicado pela Secretaria de Saúde do Estado, vivemos atualmente um aumento de casos de internação, considerando a manutenção do isolamento – e fechamento e controle de horários de estabelecimentos de comércio, bares e restaurantes durante o final de semana.

    E o que o aumento de casos de internação nos diz? Que estamos com aumento de pessoas contaminadas! Ainda assim, lembramos sempre que as internações se referem à infecções ocorridas há pelo menos 10 dias. Isto levando-se em conta o período de incubação da doença e mais o atraso na notificação da internação. Como podemos propor um aumento de mobilidade em uma situação de aumento de internações?

    Sobre as escolas e o isolamento

    O retorno das escolas representa exatamente o avesso da “manutenção de isolamento”. Isto é, um aumento significativo de pessoas circulando, especialmente em transporte público e escolar. Além disso, o óbvio aumento do contato direto diariamente – mesmo seguindo-se todas as recomendações apontadas em documentos oficiais e restringindo-se a 35% de crianças dentro do ambiente escolar.

    Estamos vivendo um momento de apreensão, com as novas variantes aparecendo – e se espalhando. Ao que tudo indica, com uma transmissibilidade maior do que o vírus original. Também temos vivido um relaxamento das regras de isolamento social em vários setores da sociedade.

    Percebemos, sim, as falas de: cansaço de pessoas, falta de convívio social das crianças com outras crianças, trabalho das mães que não podem fazer home office e cuidados necessários por avós que ficam das crianças.

    Entendemos que a escola também não é apenas conteúdo técnico e científico. Pois as perdas são muito maiores do que aprender regras de subtração, divisão celular, ou capitais de estados e países. A vivência escolar é incomensuravelmente maior que tudo isto. E jamais diríamos o contrário.

    E a APEOESP?

    Por fim, alertamos que a APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo – tem lançado os comunicados com escolas em que casos de contaminação estão acontecendo e, até o momento, há 100 escolas com contaminação registradas, inclusive com servidores em estado grave e registro de óbitos.

    Em suma, o retorno se apresenta com poucas condições para a manutenção segura e saudável dos nossos alunos e servidores – ainda considerando-se a quantidade de contatos que cada indivíduo tem (familiares próximos) que potencializa o risco iminente de surtos com complicações em pouquíssimo tempo.

    Entretanto…

    A centralidade de nosso ponto é que estamos falando em um aumento da média móvel de internações, estamos batendo recordes de mortes diárias, novamente. Temos uma campanha de vacinação que avança muito lentamente – e está longe de chegar ao alcance de servidores das escolas (que não foram priorizados nesta primeira fase) e familiares próximos.

    Vivemos um momento em que absolutamente todas as decisões têm sido tomadas em âmbitos individuais, pressionadas por posicionamentos do Estado que parecem não olhar para estes números de mortes, médias móveis de internações e para as condições precárias que milhões de famílias estão passando.

    A título de ilustração, abordamos um estudo (ainda em preprint) analisando cenários de retorno das atividades escolares na Europa. Neste estudo, levou-se em conta a diferença de transmissibilidade da Covid-19 em crianças e adolescentes. Assim, seria importante analisar a necessidade de abertura das escolas em cada uma das etapas de ensino. Nesta pesquisa, evitar a retomada do ensino fundamental e médio, em situações de aumento de casos – ou mesmo estabilidade – foi a recomendação.

    Além disso, em qualquer cenário analisado, os testes e rastreamentos seriam uma das ferramentas imprescindíveis para controle da Covid-19 (Domenico, 2021).

    Outra pesquisa, brasileira, também em preprint aponta que os critérios para abertura das escolas têm seguido parâmetros de:
    – Redução na propagação do vírus.
    – Sistema de Saúde com condições de abarcar casos graves;
    – Monitoramento (testes em larga escala e rastreamento de contatos)

    A partir destas questões

    O nosso ponto é: como podemos olhar para a escola como PRIORIDADE quando há denúncias de falta de condições, professores com medo e estabelecimentos comerciais não essenciais abertos? Assim, como priorizar escolas sem um plano em que servidores estejam vacinados e, com isso, protegidos entre si, e também em relação às crianças (que não poderão se vacinar ainda)?

    A pressão pelo retorno não poderia esperar por mais um mês? Em tempos em que estamos em uma corrida contra o tempo para os processos de vacinação, talvez fosse importante investir em diminuição dos casos. Isso enfatizando que, até que uma nova fase da vacinação se desenrolasse e tivéssemos, de fato, uma possibilidade de estes profissionais terem sua saúde garantida.

    Por fim, o retorno das escolas como política pública – mesmo que em âmbito de escolas privadas – deve ter recomendações específicas, com estratégias que visem proteção e segurança sanitária de servidores, crianças e familiares. Isto é, incluir EPIs adequados, testes em massa, rastreamento de contatos. Assim como, também seria fundamental repensar a retomada a partir de critérios específicos. Por exemplo, tomando estudos de lugares que fizeram a abertura das escolas e, também, análise de cenários destas aberturas.

    Nossos Materiais:

    Como Funciona a N95?

    Vamos abrir as escolas?

    Materiais de Parceiros

    Kokubun, F, Schrarstzhaupt, I, Fontes-Dutra, M, Santana, L (2020) Reabertura das escolas, Rede Análise Covid-19

    Mori, Vitor (2021) Qual máscara usar

    Material de referência

    Di Domenico, L, Pullano, G, Sabbatini, CE, Boëlle, PY, Colizza, V (2021) Modelling safe protocols for reopening schools during the COVID-19 pandemic in France

    SÃO PAULO (2021a) Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, Diário Oficial de São Paulo,Volume 131, Número 16, São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2021.

    SÃO PAULO (2021b) Volta às aulas segura 2021.

    Letícia Soares, Teresa Helena Schoen (2021) Medidas de prevenção à Covid-19 no retorno às aulas:Protocolos de 13 países

    SEADE (2021) Leitos e Internações (Data até 06/01/2021).

    WHO (2020). Mask use in the context of COVID-19

    WORLDOMETER (2021) Coronavírus (6 de Fevereiro de 2021)

    Os Autores

    Isaac Schrarstzhaupt é Cientista de dados e Coordenador na Rede Análise Covid-19 (@analise_covid19) e gentilmente nos ajudou a levantar os dados, analisá-los para debatê-los com vocês.

    Ana de Medeiros Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, pesquisadora do Grupo Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) e coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie, teve sua primeira versão publicada dia 10 de fevereiro, e revisado (especialmente o final do post) dia 12 de Fevereiro

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como funcionam as máscaras N95 / PFF2

    Figura 1 – Máscara N95. Fonte: Wikimedia Commons – banej (CC BY-SA 3.0)

        As máscaras N95 se provaram grandes aliadas no combate a pandemia de covid-19, sendo um equipamento de proteção essencial para os profissionais da saúde. Mas você sabe como elas funcionam? O mecanismo por trás dos processos de filtração é uma excelente aplicação da Física no nosso cotidiano!

        Uma primeira intuição nos diz que o tecido atua como uma espécie de “peneira”, assim as partículas não conseguiriam passar pelas frestas das fibras do tecido, porém a N95 não funciona assim! Ela é pensada para barrar tanto partículas grandes quanto pequenas.

    Figura 2 – Imagem de microscopia eletrônica de um filtro da máscara N95. Fonte: Okinawa Institute of Science and Technology

        Talvez você já tenha visto insetos ou lagartos andando sobre a água. Isto acontece devido às chamadas “Forças de Van der waals”, uma fraca força de escala molecular bastante importante na Química. Essa mesma força faz com que o material particulado que tente passar pelo filtro da máscara grude em suas fibras não permitindo sua passagem. Logo a máscara é mais parecida com uma teia de aranha do que uma peneira.

    Figura 3 – partículas de diferentes tamanhos tentando atravessar a máscara. Fonte: Minute Physics

        Para aumentar a chance de filtragem, as N95 possuem várias camadas de fibras, o que aumenta bastante a probabilidade de uma partícula encontrar uma fibra em seu caminho. Partículas grandes (cerca de 1 micrômetro) não tem sua trajetória muito afetada pelo fluxo de ar e costumam se locomover em linha reta, com altas probabilidades de grudar no filtro.

        Partículas pequenas (cerca de 0,1 micrômetro) se chocam a todo momento com as moléculas do ar, realizando um movimento aleatório conhecido como movimento browniano. Esse movimento, que pode ser imaginado como o caminhar de um bêbado, aumenta a probabilidade dessas partículas encontrarem uma fibra e serem filtradas.

        O maior problema são as partículas de tamanho intermediário (aproximadamente 0,4 micrômetros), pois essas costumam seguir o fluxo de ar e podem acabar escapando da filtragem. Lembre-se que o fluxo de ar sempre existe, pois o usuário da máscara está respirando.

        Porém, temos um truque a mais à nossa disposição! Podemos induzir uma carga eletrostática nos fios do filtro. Isto transforma-os em eletretos, que são parecidos com imãs, mas que geram campo elétrico ao invés de magnético. Esse campo elétrico atrai partículas de todos os tamanhos em direção aos fios. Mesmo as partículas neutras são atraídas pois as cargas dentro da partícula se rearranjam, criando regiões positivas e negativas na partícula.

    Figura 4 – Partícula sendo atraída pelo fio da máscara visto em corte. Fonte: Minute Physics

        Estes processos em conjunto dão uma eficiência enorme para as máscaras N95, proporcionando uma filtragem de material particulado de pelo menos 95% (segundo a norma estadunidense)! Uma incrível aplicação da Física, não acham? Mas infelizmente, devido a carga eletrostática não podemos lavar a máscara, o que a torna descartável.

    OBS: existem nomenclaturas quase equivalentes para máscaras de proteção dependendo do órgão regulador, como: KN95, PFF-2 e FFP2.

    Fontes e referências:

    [1] N95 Respirators and Surgical Masks – Centers for disease control and prevention 

    [2] N95-electrocharged filtration principle based face mask design using common materials – Okinawa Institute of Science and technology 

    [3] The astounding physics of n95 masks – Minute Physics

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacina Oxford-AstraZeneca. Já sabe tudo sobre ela?

    Por Laís Granato

    Este texto foi produzido originalmente no blog Descascando a Ciência

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Acredite na vacina e também no aquecimento global

    Se sairmos logo desta pandemia, o clima deve ser o tema de preocupação global mais urgente

    Se havia esperança de que o ano de 2021 seria diferente, pelo menos este primeiro semestre vai lembrar muito 2020. Mas 2020 não foi só o ano da pandemia. Foi também o segundo mais quente da história. A agência europeia Copernicus (2021), a partir de dados analisados, informou que 2020 se igualou a 2016 como o ano mais quente da história, com 1.25°C acima dos níveis pré-industriais. No ano passado, houve ondas de calor devastadoras na Europa, incêndios florestais sem precedentes no Brasil e na Austrália, milhares de mortes devido ao ciclone Idai na África, e uma série de outros eventos climáticos extremos.  

    E o que o coronavírus tem a ver com o clima? Os impactos do clima aumentam a probabilidade do surgimento de pandemias por consequência de mudanças nos habitats de vetores de doenças ou aumento do contato entre espécies resultante do desmatamento.

    No caso da COVID-19, os efeitos na saúde não param na infecção em si, pois são amplificados com consequências socioeconômicas que podem impactar gerações. O Banco Mundial já previu uma retração econômica em todo o mundo de 4,3% em 2020. Entre 40 e 60 milhões de pessoas serão levadas à pobreza extrema, uma perda equivalente a três anos no esforço de redução da pobreza. No Brasil, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou queda de 5% do Produto Interno Bruno (PIB).

    Da mesma forma, as mudanças climáticas geram eventos em escala que afetam da produção agrícola à migração forçada de populações. Portanto, apesar desta crise de saúde sem precedentes, as mudanças climáticas ameaçam produzir choques de maior magnitude em períodos de tempo mais longos.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Sem medidas suficientes, os impactos da crise climática na saúde e na economia tendem a ser crescentes e contínuos. A OMS já alertou que a poluição do ar custou quase US$ 3 trilhões, o equivalente a mais de 3% do PIB global, apenas em 2018, sendo responsável por 7 milhões de mortes todos os anos.  

    No Brasil, o transporte de passageiros é a fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que mais cresce. Dados do Observatório do Clima (2018) mostram que entre 1990 e 2012, houve um aumento de 84 para 204 mi/ton., sendo a principal fonte de emissões municipais e o segundo em nível nacional, perdendo apenas para a agropecuária. E em São Paulo, a poluição será responsável por mais de 50 mil mortes até 2030, segundo pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade e Escola Paulista de Medicina (2014).

    E agora, humanos?

    Podemos ter um vislumbre de esperança? Sim! Embora o caminho para controlar o coronavírus seja marcado por polêmicas e escolhas difíceis, há sinais de esperança. Os países estão provando que é possível achatar a curva e aproximar-se de uma imunização global a partir de esforços coletivos.

    Uma lição aprendida foi que a coordenação entre os países na corrida por uma vacina em tempo recorde resultou em parcerias bem-sucedidas a partir da ciência e da tecnologia. No entanto, a falta deste mesmo tipo de coordenação global para políticas climáticas decepciona. Uma governança ambiental global é mais do que necessária.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Mas alguns países como a Japão, Canadá e Reino Unido já têm assumido compromissos “net zero” tanto na arena empresarial quanto governamental. A China tem feito esforços massivos para descarbonizar sua economia, investindo em energias limpas e cidades inteligentes, com a meta de neutralizar a emissão de carbono até 2060. E essa pauta deve se fortalecer com o retorno dos Estados Unidos à Agenda de Paris.

    E neste ano, a Conferência do Clima da ONU (COP 26), que acontece em novembro, em Glasgow, na Escócia, será decisiva ao reavaliar os objetivos e metas de redução de emissões do Acordo de Paris, que acaba de completar cinco anos.

    Mais do que nunca, temos a responsabilidade de fazer as coisas de maneira diferente para que o velho normal do insustentável “business as usual” não volte a ser o status quo e que a saúde das pessoas e do planeta seja prioridade.

    Fontes:

    COPERNICUS. Copernicus: 2020 warmest year on record for Europe; globally, 2020 ties with 2016 for warmest year recorded. Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-2020-warmest-year-record-europe-globally-2020-ties-2016-warmest-year-recorded. Acesso em 08/01/2021.

    OMS. 7 million premature deaths annually linked to air pollution. Disponível em: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2014/air-pollution/en/. Acesso em 20/01/2021.

    OBSERVATÓRIO DO CLIMA. SEEG 8 – Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas de clima do Brasil (1970-2019). Disponível em: http://www.observatoriodoclima.eco.br/seeg-8-analise-das-emissoes-brasileiras-de-gases-de-efeito-estufa-e-suas-implicacoes-para-metas-de-clima-brasil-1970-2019/. Acesso em 20/01/2021.

    VORMITTAG, E. M. P. A. A.; COSTA, R. R.; BRAGA, A. A.; MIRANDA, M. J.; NASCIMENTO, N. C.; SALDIVA, P. H. Monitoramento da qualidade do ar no Brasil. Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2014. Disponível em: http://www.saudeesustentabilidade.org.br/site/wp-content/uploads/2014/07/Monitoramento-da-Qualidade-do-Ar-no-Brasil-2014.pdf. Acesso em 01/02/2021.

    Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza de Fato

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2


    O que isso tem a ver com as “escapadinhas” da quarentena

    Texto escrito por Mariene Amorim

    Vírus. Nunca houve tanto interesse sobre o significado dessa palavra antes. O conceito de vírus é simples, em comparação com a complexidade do seu significado na natureza. Os vírus são partículas muito pequenas, formadas apenas por proteínas e ácido nucleico (material genético que pode ser DNA ou RNA), e alguns possuem ainda um envelope lipoproteico recobrindo a partícula.

    Todos os organismos vivos são compostos por células, às vezes por uma única célula, como as bactérias, e às vezes por milhares de células, como nos animais e nas plantas. Os vírus, por sua vez, não possuem células e dependem totalmente de componentes das nossas células para se replicarem.

    Sendo assim, enquanto as células possuem uma maquinaria específica responsável por corrigir eventuais mutações à medida que replicam seu DNA, esse processo não acontece nos vírus. Portanto, quanto mais os vírus se replicam e se espalham pela população, mais eles vão sofrendo alterações em seu material genético as quais não são corrigidas.

    As mutações

    Essas alterações são mudanças na sequência de nucleotídeos, que são as moléculas que compõem o DNA e o RNA, e são conhecidas como mutações. No entanto, o acúmulo de mutações, com o tempo, permite o surgimento de partículas virais um pouco diferentes umas das outras, que seriam as variantes virais. E vale ressaltar que essas mutações acontecem por acaso, e não propositalmente.

    Dessa forma, esse é um processo natural na história evolutiva dos vírus, e é esperado que aconteça. Todavia, alguns vírus sofrem mutações com mais frequência do que outros, devido a uma diversidade de fatores.  

    Os vírus de RNA costumam sofrer muitas alterações em seu material genético à medida que se replicam e se espalham. O SARS-CoV-2 é um vírus que possui como material genético uma fita simples de RNA, e acumula cerca de 1 a 2 mutações a cada mês. A pandemia do novo coronavírus começou em dezembro de 2019, e diversas variantes já foram reportadas por todo o globo. Entretanto, várias destas mutações não alteram significativamente a ação do vírus.

    As mutações e as infecções

    Já sabemos também da existência de algumas mutações específicas que acabam favorecendo a infecção de alguma forma. Por exemplo, uma alteração que proporciona uma melhor ligação do vírus com o receptor celular para a entrada do vírus na célula que ele precisa infectar, que chamamos de célula hospedeira.

    Mas, o que isto quer dizer? Apenas para relembrar o que já vimos em textos anteriores. O vírus entra na célula a partir de um receptor – uma proteína que se localiza na membrana de nossas células. No caso do SARS-CoV-2, esta molécula presente nas nossas células chama-se ACE2. Já a proteína do vírus que se encaixa na ACE2 é a “famosa” Spike. A Spike funciona como uma chave, que consegue acessar a fechadura (a proteína ACE2) para entrar nas células.

    Recentemente, duas variantes do SARS-CoV-2 têm chamado muito a atenção das autoridades e da população mundial, devido ao acúmulo de várias mutações em seu RNA, que aparentemente favorece sua dispersão, ou seja, essas variantes se espalham mais rapidamente do que as outras variantes locais. São elas a B 1.1.7 reportada pela primeira vez no Reino Unido, e a 501.V2, ou B 1.351, reportada pela primeira vez na África do Sul, que já são encontradas em outros países. 

    A análise filogenética da variante B 1.1.7 mostra uma alta taxa de evolução molecular.

    O que isto quer dizer?

    Bom, “análise filogenética” é como se fosse uma análise dos “antepassados”, na biologia. Só que neste caso, analisamos a evolução dos seres e populações a partir de sua genética. Neste tipo de análise, conseguimos estabelecer o acúmulo de mutações e como elas vão dando origem a seres ligeiramente diferentes – até tornarem-se (por exemplo) outro ser completamente diferente. 

    Claro que vírus não são considerados seres vivos! Todavia, eles têm RNA ou DNA e, assim, é possível traçar também uma linha que explica e nos ajuda a analisar as mutações e as variações.

    Dito isto, vamos à variante B 1.1.7.

    Essa variante possui um acúmulo significativo de mutações (no total de 17 mutações!). Aparentemente, a grande questão desta variante é que as mutações podem estar proporcionando maior transmissibilidade. Dito de maneira mais simples: esta variante se espalha mais e de maneira mais eficiente do que a “versão anterior” do coronavírus. 

    É importante ressaltar que até o momento, esse conjunto de mutações apresentadas pela B 1.1.7 não está diretamente relacionado ao desenvolvimento de casos mais graves da doença. Todavia, é necessário que seja feita uma vigilância genômico- epidemiológica para acompanhar os casos, além de investigações laboratoriais para verificar antigenicidade e mecanismos de patogênese.

    Calma! Como assim?

    É fundamental, neste momento, acompanharmos como esta nova variante está se espalhando, fazendo sequenciamento genético destes vírus, para avaliar a situação epidemiológica da doença – que diz respeito à velocidade que se espalha, em que situações, como se diferencia da “variante de coronavírus original”. Isto é: precisamos monitorar esta variante e analisar seu impacto na população.

    As investigações laboratoriais dizem respeito ao sequenciamento, mas também a como esta variante reage no nosso organismo e como nosso organismo responde a esta nova variante (se o agravamento da doença passa a existir, se conseguimos nos defender desta variante como da anterior etc.).

    Reino Unido… África do Sul… São países distantes, de outros continentes… Isso nunca vai acontecer no Brasil, certo? Errado!

    Dois casos da variante B 1.1.7 já foram reportados no Brasil, em dezembro do ano passado, aproximadamente na mesma época em que essa linhagem foi reportada no Reino Unido. Encontrar essas variantes não é uma tarefa fácil, e demanda árduas horas de trabalho dos pesquisadores, investimento, e parcerias com unidades de saúde. Porém, apenas assim é possível identificá-las.

    Foi no intuito de investigar as variantes circulantes em Manaus, atualmente uma das cidades que mais tem sofrido com o avanço da pandemia em nosso país, que pesquisadores identificaram uma nova variante, ou linhagem, que recebeu o nome de P1, descendente da B 1.1.28.

    Foi visto que a P1, encontrada em Manaus, tem mutações em comum com a B 1.1.7 e com a B.1.351, em regiões do material genético que codifica a proteína Spike que comentamos anteriormente. Ou seja, essa variante também pode ter maior transmissibilidade. Estaria ela associada ao recente aumento de casos em Manaus e às reinfecções?

    Mas, vamos guardar essa pergunta para os próximos capítulos!

    Os vírus são partículas muito pequenas, de constituição simples, mas que podem ser complexos na sua maneira de existir no mundo, e gerar problemas globais. O número de casos de COVID-19, e a pandemia na qual nos encontramos é, de fato, algo que ficará marcado na história.

    A maneira como esse vírus se espalha tão facilmente, e o crescente número de casos, resulta no aumento da diversidade do vírus, e podemos a qualquer momento nos deparar com um vírus mais facilmente transmissível, mais perigoso, mais mortal. Portanto, sim, variantes virais importantes também podem surgir no Brasil, bem debaixo (ou dentro) do nosso nariz. Bem como, a transmissão está diretamente relacionada a maneira como nos comportamos diante dessa grande tragédia, e da nossa responsabilidade social.

    Por fim

    É sempre importante retomar a necessidade dos cuidados básicos de higiene e distanciamento social. Neste momento, claro que as novas variantes nos assustam. Mas não é “culpa” delas tudo o que estamos vivendo agora. Assim, é fundamental seguirmos cobrando políticas públicas que possibilitem que o máximo de pessoas fiquem em casa com segurança.

    As novas variantes também são decorrentes da enorme circulação dos vírus que temos. Em suma, é necessário que a gente diminua a circulação dos vírus – e todas as suas variantes – da maneira mais urgente e imediata possível.

    #maisresponsabilidadesocial #menoscoronavirus

    Mais textos sobre coronavírus neste blog:

    Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório, causa danos no cérebro?

    Para saber mais

    1. Rambaut, Andrew et al (2020) Preliminary genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in the UK defined by a novel set of spike mutations. Virological org Dezembro de 2020

    2. Faria, Nuno R (2021) Genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in Manaus: preliminary findings. Virological org Janeiro de 2021.

    3. Candido, Darlan S et al (2020) Evolution and epidemic spread of SARS-CoV-2 in Brazil Science, Vol369 (6508), p. 1255-1260, 2020

    4. Voloch, CM et al (2020) Genomic characterization of a novel SARS-CoV-2 lineage from Rio de Janeiro, Brazil medRxiv.

    5. Tegally, H et al (2020) Emergence and rapid spread of a new severe acute respiratory syndrome-related coronavirus 2 (SARS-CoV-2) lineage with multiple spike mutations in South Africa, medRxiv.

    6. Duchene, Sebastian, Leo Featherstone, Melina Haritopoulou-Sinanidou, Andrew Rambaut, Philippe Lemey, and Guy Baele (2020) “Temporal Signal and the Phylodynamic Threshold of SARS-CoV-2” Virus Evolution 6 (2): veaa061.

    A autora

    Mariene Amorim Natural de Salvador, Bahia, e biomédica formada pela Universidade Tiradentes – Aracaju, Sergipe. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, na área de Virologia. Trabalha com vírus emergentes desde 2015. Atualmente é doutoranda em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, e participa de um estudo genômico-epidemiológico e de multi ômicas do novo coronavírus (SARS-CoV-2), a fim de acompanhar a evolução molecular do vírus, entender o desenvolvimento da COVID-19 e acompanhar o avanço da pandemia na cidade de Campinas e região metropolitana. Mariene também é membro da Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O código genético

    Atualmente, temos ouvido/lido muito sobre os termos código genético do vírus, DNA e RNA mensageiro. Mas o que esses termos significam?

    Nós não estamos sozinhos na Terra. Ela é a casa de mais de 8.7 milhões de espécies, isso contando apenas os eucariontes – daqui a pouco conto o que eles/nós temos de especial – e não inclui as bactérias e vírus. Já parou para pensar em como essas espécies garantem que a sua prole tenha as mesmas características da espécie?  

    A ideia de como as informações sobre como os organismos fazem cópias de si mesmos, assim como a instrução para a construção de estruturas e funcionamento de um novo organismo, foi um mistério por um longo tempo. As primeiras peças do quebra-cabeça para enterdemos como as informações estão organizadas nos organismos começou a ser encontrada há muitos anos atrás. 

    Para se ter uma ideia, a célula, a estrutura mínima que compõe os seres vivos, foi descoberta por volta de 1660 graças a invenção do microscópio. Quando Robert Hooke olhou para as fatias finas de cortiça através do microscópio, viu que elas eram compostas por pequenas estruturas, que lembravam buraquinhos de um favo de mel a que ele deu o nome de célula (pequena cela). 

    Esse foi só o início. Com o desenvolvimento da ciência e o aparecimento de novos  instrumentos e técnicas continuamos a descobrir cada vez mais sobre essa pequena unidade que nos compõe.

    O núcleo de tudo isso

    A unidade morfológica em que se baseia a vida, a célula, pode ser classificada em dois grupos principais, as eucarióticas, que possuem núcleo envolto por uma membrana e que contém o material genético – dos quais fazemos parte –  e os procariotos que não possuem núcleo e o material genético fica disperso no citoplasma, como é o caso das bactérias. 

    Apesar da diferença quanto a presença de núcleo, tanto as células eucarióticas quanto as procarióticas possuem membrana plasmática que separa o interior da célula do seu ambiente. Ela tem um papel extremamente importante e acaba selecionando o que entra no interior da célula por meio de diferentes processos. 

    Representação simplificada de uma célula eucariótica.  A imagem foi criada com  BioRender.com.

    Além disso, as células são compostas pelo citosol, ou seja, o interior da célula. Ele é repleto de espécies químicas e organelas, o citoplamas. As organelas são estruturas celulares com funções específicas e separadas do citoplasma por meio de uma membrana. 

    A maior organela da célula  eucariótica é o núcleo. Ele abriga o DNA (ácido desoxirribonucleico), que contém a informação genética para todas as funções  da célula/organismo. 

    Mas essa informação não está escrita de maneira como lemos esse texto, seria muito texto para tantos comandos que nosso organismo executa. Ao invés disso, a informação está codificada, ou escrita por meio de códigos moleculares. Como uma sequência de blocos menores, as bases nitrogenadas constituem a molécula de DNA. 

    O DNA 

    O DNA é composto de quatro tipos diferentes de bases nitrogenadas, representadas pelas letras A,T, C, G (de adenina, timina, citosina e guanina). 

    As bases nitrogenadas estão em sequência na molécula de DNA, cuja estrutura é em dupla hélice, em que as duas fitas compõem o DNA que interagem e dão forma à molécula. A interação entre as fitas do DNA ocorre graças a complementaridade entre as bases nitrogenadas, em que A (adenina) se liga com T (timina) e a C (citosina) com a G (guanina).

    A complementaridade entre as bases nitrogenadas no DNA. A imagem foi criada com  BioRender.com.

    Essa complementaridade entre as fitas é importante, pois torna possível a replicação (duplicação) da molécula de DNA. Quando ocorre a duplicação do DNA, as duas fitas se separam e a partir do molde são formadas as fitas-filhas complementares.

    Em células eucarióticas, como as dos seres humanos, tanto a replicação quanto a transcrição do DNA acontecem no núcleo. A imagem foi criada com  BioRender.com.

    A descoberta da estrutura em hélice do DNA

    A informação chave para a estrutura do DNA foi obtida por Rosalind Franklin que conseguiu uma fotografia do DNA por uma técnica chamada de difração de raio X. A partir desse achado de Rosalind, dois pesquisadores, Watson e Crick, determinaram a estrutura do DNA – nunca mencionaram a pesquisadora – e anos mais tarde foram laureados com o prêmio Nobel.

    Para saber mais sobre Rosalind Franklin leia o texto Celebrando Rosalind Franklin – a mulher que ajudou a desvendar a estrutura do DNA no Ciência pelos Olhos dela do Blogs Unicamp. 

    O sistema de tradução da informação do DNA em proteínas é regulado por uma série de interações e reações químicas. Além disso, a informação necessária não é entregue de forma direta para a preparação de proteínas pelos ribossomos, uma organela presente no citoplasma das células. 

    DNA como molde para o ácido ribonucleico, RNA

    Além de se replicar no procesos de duplicação, o DNA também serve de molde para a preparação de uma outra molécula importante na síntese de proteínas, o RNA mensageiro, mRNA, em um processo chamado de transcrição. A partir dessa última molécula é que ocorre a tradução com a síntese de proteínas. 

    Então, o DNA tem a informação transmitida ao mRNA. A partir do mRNA é que há a tradução – daquela informação codificada – em proteínas. Essa tradução ocorre fora do núcleo em uma outra organela da célula, no ribossomo. 

    Não é sopa de letrinha

    A sequência desses bloquinhos de base nitrogenada no DNA não é aleatória. A combinação de cada três bloquinhos é traduzida pela célula em um aminoácido – a menor parte da estrutura de uma proteína. O conjunto de aminoácidos ligados é que dá origem a uma proteínas. Quantidade e sequências diferentes de aminoácidos estão associados a proteínas diferentes. E é nelas que está a beleza da vida. Entre outras coisas, as proteínas fazem parte de estruturas das células, transportam o oxigênio necessário para a nossa respiração, conseguem deixar as reações químicas mais rápidas nos organismos. Enfim são fundamentais para a manutenção e funcionamento dos organismos.

    Combinando as sequências

    O interessante sobre o código genético é que a sequência das bases nitrogenadas presentes em um códon (sequência de três bases nitrogenadas) específica corresponde a um aminoácido específico e isso é praticamente universal entre todas as formas de vida na Terra. 

    Um pouco de matemática

    Podemos inferir a quantidade de combinações possíveis de bases nitrogenadas para a formação de códons por meio de uma fórmula matemática chamada de Arranjo com Repetição:

    A(n, r)  = nr, em que

    n é o número de elementos do conjunto, no caso são quatro (A, T, C, G)

    r é a quantidade de elementos por agrupamento, no códon são 3. 

    Dessa forma, 

    A  = 43

    A = 64

    Existem 4 pares de base nitrogenadas diferentes (A, T, C e G). A combinação entre elas em uma das três posições em um códon nos dá a possibilidade de 64 códons diferentes. Desses 64 códons, 61 são traduzidos em aminoácidos e 3 estão associados a uma espécie de sinalização para a parada de tradução da sequência do DNA, os códons de Parada (Stop codons). 

    Mas alguns códons diferentes sinalizam para a produção de um mesmo aminoácido. Os 61 códons produzem apenas 20 aminoácidos diferentes. Por esse motivo, o código genético é considerado redundante ou degenerado,

    A sequência de aminoácidos que compõem uma determinada proteína é codificada por um gene específico. Dessa forma, o DNA contém o genoma da célula que é a totalidade da informação genética que além de dar origem a milhares de proteínas, também regula quando e onde elas serão feitas.

    A replicação refere-se ao processo de duplicação do DNA e em células eucarióticas acontece no núcleo. A transcrição, o processo de produção de RNA a partir do DNA também acontece no núcleo. A tradução é um processo de produção de proteínas a partir do mRNA (RNA mensageiro). Ela acontece nos ribossomos, organelas presentes no citosol da célula. As células não conseguem produzir DNA a partir do RNA, mas alguns vírus possuem em sua maquinária uma enzima, um tipo de proteína, capaz de fazer esse processo, a transcriptase reversa.

    Material genético materno

    Na reprodução sexuada, a composição do DNA presente no núcleo das células eucarióticas é uma contribuição de 50% de cada um dos sexos. 

    Além disso, a célula eucariótica abriga outra organela com material genético próprio, a mitocôndria. Como regra, o material genético presente na mitocôndria é de origem apenas materna. Se compararmos com o DNA do núcleo, a quantidade de informação genética presente na mitocondria é bem menor, mas ambas informações são muito importantes. 

    Mas e os vírus?

    Os vírus não têm a maquinaria para fazer cópias de si mesmos, nem mesmo para a transcrição e tradução em proteínas, mas contém a informação genética para a sua produção, o mesmo acontece com o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. 

    Para saber um pouco mais sobre a necessidade dos vírus por um hospedeiro leia Valentões dentro da célula, sensíveis fora dela: os vírus

    Dica

    Em comemoração aos 20 anos de existência, o Instituto Suiço de Bioinformática (Swiss Institute of Bioinformatics) lançou o jogo Gene Jumper. O jogo é gratuito e está disponível em 3 idiomas, inglês, francês e alemão. Apesar de não ter disponível a versão em português, é bem divertido jogar e se tem uma idéia do processo de tradução do DNA. 

    Para saber mais

    Alberts, B.; Johnson, A. Lewis, J.; Morgan, D.; Raff, M.; Roberts, K. Walter, P.; Molecular Biology of the Cell. Sixth Edition. 2015

    Mora C, Tittensor DP, Adl S, Simpson AGB, Worm B (2011) How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biol 9(8): e1001127. doi:10.1371/journal.pbio.1001127 

    Voet, D. e Voet, JG. Bioquímica. 4 Edição. Editora Artmed. 2011. 

    Este texto foi escrito originalmente no blog Ciência de Fato

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

plugins premium WordPress