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  • E aqueles resultados das vacinas? (Parte 3)

    Hoje vamos continuar a nossa série de textos sobre os resultados que estão saindo das vacinas candidatas para COVID-19. Nós já falamos sobre como funcionam as fases de testes delas, o que é a sua eficácia e a relação disso com a memória imunológica. Nesse post, nós vamos falar (finalmente!) sobre os resultados em si. Isto é, o que eles significam para nós, os prós e contras e os possíveis problemas relacionados com cada uma delas.

    E então, o que são realmente esses resultados que estão saindo?

    Vamos detalhar um pouco sobre 3 vacinas: a Pfizer/Biontech, Moderna e Astrazeneca/Oxford e seus resultados. Depois compará-las para, por fim, dos acordos brasileiros com cada uma delas. Lembrando que esta última parte muda diariamente, em função dos resultados que vêm saindo e prioridades do Governo Federal.

    Pfizer/Biontech

    Para começar, vamos falar da vacina da Pfizer/Biontech 1. Tanto aqui quanto nas outras, vamos ter de falar de números, mas prometo que será rápido. Ela foi testada em cerca de 43 mil pessoas. Sua eficácia ficou em 95%. Isto é, de todos os 43 mil participantes do teste que tiveram Covid-19 (170 pessoas), somente 5% estavam no grupo que tinha recebido a vacina (8 pessoas). Além disso, 10 pessoas desenvolveram a forma grave da doença, mas somente 1 havia recebido a vacina (9 eram do grupo placebo). Isto demonstra uma eficácia de 90% em reduzir a gravidade da forma de Covid-19 desenvolvida.

    Se você não lembra da explicação da eficácia, confere o nosso primeiro texto aqui.

    Em relação às reações, a vacina foi bem tolerada. Em uma análise prévia feita pelos pesquisadores, os únicos efeitos adversos graves que as pessoas disseram ter sentido foram cansaço e dor de cabeça. E isto em uma pequena porcentagem dos casos. Alguns idosos reportaram febre e efeitos colaterais leves. Mas isso já era um resultado esperado e não compromete a segurança da vacina.

    Moderna

    A candidata da vacina da Moderna 2,3 foi testada em 30 mil pessoas nos Estados Unidos. Ela possui uma eficácia muito parecido com a da Pfizer/Biontech, de aproximadamente 94,1%. Ou seja, de todos as pessoas testadas 196 tiveram Covid-19, dessas somente 11 estavam no grupo que tinha recebido a vacina (5,9%).

    Houve também 30 pessoas que desenvolveram a forma severa da Covid-19, mas todos estavam no grupo placebo. Este dado demonstra uma eficácia de 100% em proteger os pacientes imunizados de desenvolver a forma severa da doença.

    Essa vacina também foi bem tolerada e teve poucas reações. Sendo que a grande maioria dos efeitos colaterais que foram reportados terem sido leves e moderados. Durante a aplicação da primeira dose, o único efeito adverso grave que foi dito pelos pacientes foi a dor local da aplicação. Já após a segunda dose, uma pequena quantidade de pacientes disseram ter tido cansaço, dor muscular, dor nas juntas, dor de cabeça, e vermelhidão no local da injeção.

    Astrazeneca/Oxford

    Por fim, a vacina da Astrazeneca/Oxford 4,5 veio com resultados um pouco diferentes. A princípio eles testaram duas dosagens diferentes para aplicação e cada uma delas teve uma eficácia.

    Os pacientes que receberam uma meia-dose na primeira aplicação e uma dose inteira na segunda tiveram uma eficácia de 90%. Enquanto os pacientes que receberam doses inteiras nas duas aplicações tiveram uma eficácia de 62%. No total, a média da eficácia foi de 70%. Isto é, de todos os pacientes que foram testados 131 tiveram Covid-19. Mas destes somente 39 haviam recebido a vacina. Confuso? Sim! Todavia vamos explicar melhor isso daqui a pouco. Esses testes já foram feitos em 23 mil pessoas no Reino Unido, Brasil e África do Sul. No entanto, os pesquisadores esperam testar 60 mil pessoas até o fim do ano. Isso com testes que já estão sendo conduzidos em outros países da América Latina, Europa, Ásia e África.

    Também de acordo com os pesquisadores, a vacina foi bem tolerada por todos os grupos, mas eles não entraram em detalhes sobre os efeitos colaterais.

    OK, muito bonito! Mas traduz pra mim: o tudo isso significa? Tem algum problema ou diferencial com alguma delas?

    As diferenças entre as vacinas

    Bem, a princípio a primeira grande diferença entre as vacinas é o tipo delas. Principalmente entre a da Pfizer/Biontech e Moderna com a da Astrazeneca/Oxford 6.

    No caso das duas primeiras, o que é injetado é uma “receita” de como produzir a proteína Spike. Esta proteína está envolta por uma bolha de gordura. Já no segundo caso, na vacina Astrazeneca/Oxford, o que é injetado é um vírus que causa resfriado (adenovírus) em chimpanzés. Mas é importante ressaltar que o material genético dele foi modificado. Com isso, este vírus modificado não consegue se multiplicar ou causar o resfriado. Além disso, ainda carrega as ordens de como produzir essa mesma proteína Spike. Em termos mais simples, esse vírus funciona como um “cavalo de tróia” para a receita da Spike. É necessário dizer que nesse caso, não há necessidade de se preocupar com esse vírus, visto que não consegue se replicar dentro das nossas células.

    Além dessa óbvio diferença, um grande ponto que vem sendo discutido é em que temperatura essas vacinas precisam ser armazenadas. A candidata da Pfizer/Biontech necessita de temperaturas próximas do -70oC. Enquanto que a candidata da Moderna necessita de -20oC. Já a Astrazeneca/Oxford pode ficar armazenada em temperaturas entre 2-8oC. O grande motivo disso é o tipo de tecnologia usada nas vacinas.

    A receita para produzir a proteína Spike

    A “receita”, que comentamos mais cedo para produzir a Spike, é o chamado RNA mensageiro (RNAm). Esta é uma molécula facilmente degradada no ambiente. Um exemplo disso é que na nossa lágrima, suor, saliva e outras secreções temos enzimas capazes de destruí-las. Como se não bastasse, ainda há a camada de gordura que recobre e protege esse RNA mensageiro que também não é muito estável. Por causa disso são necessárias temperaturas tão baixas. Pois assim essas enzimas são inativadas, e toda a estrutura do RNAm – além da capa de gordura – é preservada 7

    Já na vacina da Astrazeneca/Oxford, o que recobre o material genético entregue para a célula é a cobertura de um vírus comum (basicamente proteínas). E isto é muito mais tolerante à temperaturas mais altas. No fim, o impacto real disso será na logística de distribuição das vacinas (que será comentado mais à frente).

    Sobre os números de pacientes

    Um outro ponto problemático vem sendo comentado entre cientistas 8. A falta de clareza em relação aos números de pacientes nos resultados comentados pela Astrazeneca/Oxford foi ponto de debate. Em especial comparado a Pfizer/Biontech e Moderna. Principalmente referente aos pacientes que desenvolveram a forma severa da Covid-19 e a porcentagem de pacientes que tiveram sintomas colaterais.

    Por fim, a principal questão que se discutiu há alguns dias foi referente ao problema de produção das doses. Em relação à duração da fase 3 de testes da Astrazeneca/Oxford 9,10, fez com que uma porcentagem dos participantes recebesse uma primeira dose com meia dosagem. Isso ao invés de inteira, o que no fim das contas, se mostrou bem mais efetivo do que uma primeira dose completa. O motivo da resposta imune ter sido melhor é desconhecido para a comunidade científica. Todavia, algumas hipóteses já estão sendo pensadas. Por exemplo: um número menor de vírus poderia estimular melhor um subgrupo de linfócitos T que auxiliam na geração de anticorpos. Uma outra hipótese em potencial debate sobre o desenvolvimento de uma resposta imune também contra o vírus “Cavalo de Tróia”. Assim, essa resposta a ele pode ter camuflado a resposta contra a Spike em si 11

    Tá, e quanto elas vão custar pra mim? O Brasil tem acordo com alguma dessas empresas? 

    A princípio tem se falado que a vacina mais barata será a da Astrazeneca/Oxford. Inclusive, o Brasil tem acordos – ficando em torno de 3-4 dólares por dose. Já para a vacina da Moderna e da Pfizer/Biontech tem se falado em aproximadamente 20 dólares por dose. No entanto, pode chegar até a 32 ou 35 dólares 12,13. Para essas duas últimas, nós não temos qualquer acordo, até o momento. 

    A da Pfizer/Biontech precisará equipamentos muito mais caros para conseguirem ser armazenadas dos que as suas duas concorrentes. O que pode ser um problema para países subdesenvolvidos, visto que isso encarece o preço da dose (que comentaremos mais à frente também)

    O grande motivo das candidatas da Moderna e Pfizer/Biontech serem mais caras é toda a logística necessária para o transporte. No caso da PfizerBiontech, também há a questão da necessidade de baixíssimas temperaturas. Dessa forma, há um encarecimento do processo visto que é preciso equipamentos bem mais caros para conseguir se armazenar as doses da vacina. Além disso, há todo um esforço da Universidade de Oxford para que a sua candidata seja vendida a custo de produção. Especialmente durante essa fase mais difícil da pandemia. Assim, países que não possuem condições financeiras tão favoráveis para a compra de vacinas mais caras, teriam acesso14.

    Referências:

    1. Pfizer and Biontech conclude phase 3 study of covid-19 vaccine candidate, meeting all primary efficacy endpoints.
    2. Moderna’s COVID-19 Vaccine Candidate Meets its Primary Efficacy Endpoint in the First Interim Analysis of the Phase 3 COVE Study.
    3. Moderna Announces Primary Efficacy Analysis in Phase 3 COVE Study for Its COVID-19 Vaccine Candidate and Filing Today with U.S. FDA for Emergency Use Authorization
    4. AZD1222 vaccine met primary efficacy endpoint in preventing COVID-19
    5. Oxford University breakthrough on global COVID-19 vaccine
    6. Lowe, D (2020) Coronavirus Vaccine Update, July 7.
    7. Kaiser, J (2020) Temperature concerns could slow the rollout of new coronavirus vaccines.
    8. Booth, W, Johnson, CY (2020) AstraZeneca coronavirus vaccine up to 90% effective and easily transportable, company says.
    9. Cohen, J (2020) After dosing mix-up, latest COVID-19 vaccine success comes with big question mark.
    10. The Guardian (2020) Oxford Covid vaccine hit 90% success rate thanks to dosing error.
    11. Callaway, E (2020) Why Oxford’s positive COVID vaccine results are puzzling scientists, Nature.
    12. New York Times (2020) Early Data Show Moderna’s Coronavirus Vaccine Is 94.5% Effective
    13. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca Covid vaccine: everything we know so far.
    14. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca vaccine to be sold to developing countries at cost price.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Nosso pedido para 2020

    Este texto foi elaborado conjuntamente pelas Equipes
    Blogs de Ciência da Unicamp e Rede Análise Covid-19

    Nem nas festas de fim de ano o vírus da Covid-19 dá trégua!

    Todos sabemos que as festas de final de ano são importantes eventos familiares e sociais em nosso país. Talvez em um ano tão difícil como foi 2020, as pessoas estejam se perguntando se terão que abrir mão também destes momentos e se não podem fazer uma exceção só desta vez.

    Nós, aqui da Divulgação Científica, temos um compromisso assumido desde o início com vocês, que é de não mentir ou omitir informações e buscar sempre o melhor modo de apresentar o conhecimento científico, debater as informações de modo mais respaldado na literatura científica possível.

    Não será diferente neste momento. Então, vamos lá…

    Não é uma questão de ignorarmos nossa cultura e tradições. Todavia, também precisamos ressaltar alguns pontos que podem, sim, ser a diferença entre a vida e a morte:

    • O vírus não vai entrar em recesso só porque este é um costume praticado por parte da população;
    • Parentes e amigos infectados também contagiam pessoas. Inclusive exatamente pela proximidade de contatos que temos com as pessoas é que nos infectamos;
    • Festividades são momentos em que podemos nos descuidar mais e, por este motivo, precisam sim de atenção redobrada.
    • Uso de máscaras, distanciamento físico e higienização adequada de utensílios e de nossas mãos não deixam de fazer sentido nesse momento, muito pelo contrário. É necessário atentar-se para isso, especialmente se o momento da festividade for inegociável.

    Pensando nisso, o Blogs de Ciência da Unicamp e a Rede Análise Covid-19 têm se preocupado em como agir, para além de divulgar conhecimento. Gostaríamos de apresentar parte dos dados que indicam que os casos no Brasil estão aumentando, as internações voltaram a subir e precisamos não só de ações individuais, mas de um empenho público e coletivo. Ao final desta postagem, vocês vão encontrar uma série de links em que temos apresentado os dados mais atuais, dicas de cuidados com materiais para enviar aos amigos e familiares nas redes sociais e informações que temos produzido nestas últimas semanas!

    No entanto, queríamos fazer mais e temos sentido essa necessidade de compartilhar com vocês, que acompanham nosso trabalho, nossa intenção de nos engajarmos por cobranças mais efetivas de quem pode nos ajudar de modo prático pelo bem de todos. Neste sentido, montamos uma carta e a disponibilizamos aqui em anexo para quem quiser copiar e enviar aos seus representantes políticos, pedindo um empenho maior do poder público em políticas baseadas em evidências científicas e dados técnicos para proteger mais e melhor a população e cada um de nós.

    Algumas dicas para esta carta!

    Update:
    Fizemos uma assinatura no Avaaz e vamos enviá-la às assessorias de Governadores, Senadores e Deputados Federais. A carta consta neste link.

    Além de assinar, vocês podem contribuir compartilhando ao máximo com os contatos de vocês!

    Use e compartilhe esta ideia!

    Envie o link para teus amigos, familiares, compartilhe nas redes sociais, nos ajude a espalhar esta iniciativa!

    Blogs de Ciência da Unicamp
    Rede Análise Covid-19

    Para saber mais:

    Sobre as festividades de fim de ano – cuidados e desafios (live no Youtube)

    Sobre a ocupação dos leitos: início da pandemia e neste momento

    Uma análise das internações hospitalares em Porto Alegre

    E aqueles resultados das vacinas?

    Estamos vivendo uma segunda onda? (live no instagram)

    Materiais para Download e compartilhamento:

    Hábitos para combater a Covid-19

    Como nos infectamos e transmitimos os coronavírus?

    Como evitar que o corona entre na minha casa?

    Quando sair, use máscara

    Vamos falar sobre a noite de véspera do Natal?

  • E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    No texto anterior, nós explicamos rapidamente como eram e o que se verificava em cada uma das fases de testes do desenvolvimento de uma vacina. Além disso, falamos sobre o que era a “eficácia” delas que tanto se fala na mídia nesses dias. Mais recentemente, entretanto, também se tem falado muito que as vacinas precisam ter “eventos” nos testes de eficácia…

    Tá, mas o que são esses tais eventos?

    Esse termo “eventos”, quanto aos resultados prévios das vacinas, é utilizado para se referir àquelas pessoas que se infectaram com o SARS-CoV-2 (e possivelmente desenvolveram alguma forma da Covid-19) após receber a candidata à vacina ou o placebo.

    Como assim? A pessoa é vacinada e se contagia?

    Calma… Na verdade, são esses eventos que servem para – entre outras coisas – descobrir a eficácia que comentamos na postagem anterior. Confuso? Vamos lembrar o exemplo que usamos anteriormente para entender o que era a eficácia:

    “Suponha que 50.000 pessoas serão testadas, 25.000 com a vacina e 25.000 com o placebo. Desses 50.000, 100 se contaminaram com o patógeno em um período de 3 anos. Analisando essas 100 pessoas que se infectaram, descobriu-se que 97 delas estava no grupo que recebeu o placebo e somente 3 no grupo vacinado. Fazendo uma divisão simples, descobre-se então que a vacina tem uma eficácia de 97%.”

    Nesse exemplo em específico, essas 100 pessoas que se infectaram são os chamados “Eventos”. Isto é, simplesmente uma forma mais impessoal e técnica de se referir aos pacientes nesses tipos de estudo, algo muito comum dentro da linguagem científica. Mas um pouco difícil de entender para não especialistas.

    Com as notícias dos testes sendo veiculados mais rapidamente, alguns termos técnicos acabam entrando nos noticiários, sem que a gente detalhe muito o significado!

    Ok, entendi isso, mas e a pergunta de ouro: quanto tempo a imunidade gerada por essas vacinas dura?

    Bom, já essa pergunta, junto com “A pessoa vacinada é capaz de não transmitir o vírus?” são perguntas bem mais complicadas de se responder, uma vez que demandam muito mais tempo e testes. 

    A princípio não sabemos quanto tempo a imunidade dessas vacinas dura. Assim, mesmo dentro da comunidade científica ainda há muitas dúvidas e todo dia vemos notícias de pesquisadores falando que a imunidade pode durar desde poucos meses até alguns anos 1-5. Toda essa confusão acontece pois a pandemia começou há poucos meses (apesar de não parecer visto o tempo que muitos de nós estamos em casa). Isto é, só agora estão começando a aparecer estudos que avaliam como o sistema imune humano tem respondido ao SARS-CoV-2 em um segundo contato 6-8

    Além disso, muitos dos primeiros estudos que saíram avaliando a duração da imunidade focaram nos anticorpos, mostrando que após poucos meses os níveis deles estavam bem baixo, o que é algo que pode assustar quando falamos. No entanto, é comum dentro da resposta imune, que estudamos usualmente 9-12. Contudo, é necessário lembrar que os anticorpos são somente “um braço” da resposta imune adaptativa. De poucos meses para cá já começaram a sair estudos que trazem mais informações sobre como os linfócitos T e B, o “braço celular” da resposta imune adaptativa, se comportam durante e após a infecção de Covid-19 13-17

    Memória Imunológica

    Vamos relembrar que os linfócitos são os responsáveis por gerar a Memória Imunológica (já comentada nestes textos aqui, aqui e aqui). Isto é o fenômeno que permite que nosso corpo responda mais forte, mais rápido e de forma mais eficiente em um segundo contato com um patógeno (no nosso caso, o vírus SARS-CoV-2). Toda a ideia por trás das vacinas é simular exatamente o primeiro contato com esse patógeno. Assim, quando nós entrarmos em contato de verdade com o vírus, já teremos células de memória e responderemos melhor contra ele. Mais do que isso, entramos em contato com o vírus sem sentir todos os sintomas da doença causada por ele. 

    Sobre a duração da imunidade

    Para responder a pergunta sobre a duração da imunidade, os pesquisadores que estão trabalhando com as novas candidatas a vacinas precisarão olhar para essas células: os linfócitos B e T. Entretanto, que os níveis de anticorpos caem após algum tempo nós já sabemos. Mas como disse anteriormente, isso é normal.

    Veja, após resolver a infecção, o corpo não vai querer continuar gastando energia e recursos preciosos para produzir milhões de cópias de anticorpos. O nosso corpo vai diminuir então a quantidade de anticorpos produzidos pelos linfócitos B de memória – agora chamados de Plasmócitos – para níveis bem baixos. Assim, os Plasmócitos ficam guardados na Medula Óssea. No entanto, eles não ficam completamente ausentes do corpo não!

    Esses plasmócitos ficam “dormindo” na medula óssea, enquanto liberam pequenas quantidades de anticorpos durante todo o tempo. Uma vez que o corpo entre em contato novamente com o patógeno, esses plasmócitos são reativados e começam a liberar grandes quantidades de anticorpos no sangue, para combater o patógeno mais uma vez.

    Linfócitos T

    Quanto aos Linfócitos T, primeiro é preciso lembrar que há dois deles: o Auxiliar e o Citotóxico. O primeiro deles é responsável por coordenar toda a resposta imune inata e adaptativa, ajudando as outras células a realizarem suas funções a partir da liberação de moléculas chamadas Citocinas. Já o segundo tem uma função muito mais direta: matar células modificadas (cancerígenas ou infectadas por um patógeno, como um vírus).

    Após um primeiro contato, assim como acontece para os linfócitos B, também são formados linfócitos T auxiliares e citotóxicos de memórias. Estes ficam guardados – em sua grande maioria – no baço e linfonodos (pequenos órgãos anexos à circulação linfática e distribuídos por todo o nosso corpo).

    Contudo, algumas dessas células ficam viajando entre os linfonodos e tecidos corporais de forma que dizemos que eles estão patrulhando o corpo. Por exemplo, em tecidos de órgãos como os pulmões, cérebro, intestino, fígado, rins, bexiga, etc. A partir do momento que as células patrulheiras encontram o mesmo patógeno de novo, elas liberam uma série de moléculas no sangue. Estas moléculas viajam até onde as células de memória estão guardadas. Assim, as células de memória são ativadas (“acordadas”) por essas moléculas e se juntam ao novo combate ao patógeno. 

    Análise por grupos de pessoas

    Dito tudo isso, é somente analisando as respostas por parte dessas células que os cientistas vão conseguir determinar qual a duração da imunidade contra o SARS-CoV-2. Para isso eles terão que analisar e comparar a atividade dessas células periodicamente durante os próximos meses em pessoas dos grupos:

    • Vacinado que não se infectou,
    • Vacinado que se infectou,
    • Controle que não se infectou,
    • Controle que se infectou.

    Para complicar ainda mais toda a situação e colocar mais uma variável, precisamos ficar de olho ainda para possíveis mutações que o vírus sofra nesse tempo, pois caso o nível de mutações dele seja muito alto (por exemplo como o vírus Influenza, causador da gripe comum), a vacina pode parar de ser efetiva em sua prevenção.

    Mas, e essas ressalvas?

    Essas ressalvas sobre as pesquisas seguem sendo feitas, mas não fazem com que as vacinas não sejam seguras!

    As vacinas que estão na fase 3 de testes já têm sua segurança testada (nosso texto anterior fala isso com mais detalhes!). Dessa forma, estas análises que serão continuadas após liberarmos a vacina é para conseguirmos averiguar por quanto tempo elas manterão sua eficácia. Ou seja, se uma dose será suficiente para toda a vida, se precisaremos nos vacinar anualmente ou a cada 10 anos, por exemplo! 

    Nós sabemos que já falamos aqui, mas não custa ressaltar: as vacinas que estão nestas fases de teste são seguras sim!

    Por fim, agora que entendemos tudo isso, fica ligado que no próximo texto. Vamos começar a discutir os resultados preliminares das vacinas que saíram recentemente, suas diferenças e algumas questões levantadas por pensadores ao redor do mundo.

    Para Saber mais

    1. BBC (2020) Coronavírus: o que a Ciência já sabe sobre imunidade pós-covid
    2. SCIENCE NEWS (2020) We still don’t know what COVID-19 immunity means or how long it lasts.
    3. Immunity to SARS-CoV-2 Lasts at Least Six Months, Data Show
    4. Immunity to the Coronavirus May Last Years, New Data Hint.
    5. Coronavirus immunity can last more than six months, study suggests
    6. To, KKW, Hung, IFN, Ip, JD, Chu, AWH, Chan, WM, Tam, AR, … & Lee, LLY (2020) COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing. Clinical infectious diseases. Disponível:
    7. Tillett, R. L., Sevinsky, J. R., Hartley, P. D., Kerwin, H., Crawford, N., Gorzalski, A., … & Farrell, M. J. (2020). Genomic evidence for reinfection with SARS-CoV-2: a case study, The Lancet Infectious Diseases.
    8. Mulder, M., van der Vegt, D. S., Munnink, B. B. O., GeurtsvanKessel, C. H., van de Bovenkamp, J., Sikkema, R. S., … & Wegdam-Blans, M. C. (2020). Reinfection of Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 in an Immunocompromised Patient: A Case Report. Clinical Infectious Diseases: An Official Publication of the Infectious Diseases Society of America
    9. Why You Shouldn’t Worry About Studies Showing Waning Coronavirus Antibodies. Acessado em: 30/11/2020. Disponível em:
    10. Iyer, AS, Jones, FK, Nodoushani, A, Kelly, M, Becker, M, Slater, D, … & Astudillo, M (2020) Persistence and decay of human antibody responses to the receptor binding domain of SARS-CoV-2 spike protein in COVID-19 patients, Science immunology, 5(52).
    1. Wajnberg, A, Amanat, F, Firpo, A, Altman, DR, Bailey, MJ, Mansour, M, … & Stadlbauer, D (2020) Robust neutralizing antibodies to SARS-CoV-2 infection persist for months, Science.
    2. Wu, J, Liang, B, Chen, C, Wang, H, Fang, Y, Shen, S, … & Wu, Y (2020). SARS-CoV-2 infection induces sustained humoral immune responses in convalescent patients following symptomatic COVID-19, MedRxiv.
    3. Rodda, LB, Netland, J, Shehata, L, Pruner, KB, Morawski, PA, Thouvenel, CD, … & Fahning, ML (2020) Functional SARS-CoV-2-specific immune memory persists after mild COVID-19, Cell.
    4. Sekine, T, Perez-Potti, A, Rivera-Ballesteros, O, Strålin, K, Gorin, JB, Olsson, A, … & Wullimann, DJ (2020) Robust T cell immunity in convalescent individuals with asymptomatic or mild COVID-19, Cell, 183(1), 158-168.
    5. Dan, JM, Mateus, J, Kato, Y, Hastie, KM, Faliti, C, Ramirez, SI, … & Peters, B (2020) Immunological memory to SARS-CoV-2 assessed for greater than six months after infection, bioRxiv.
    6. Schulien, I, Kemming, J, Oberhardt, V, Wild, K, Seidel, LM, Killmer, S, … & Binder, B (2020) Characterization of pre-existing and induced SARS-CoV-2-specific CD8+ T cells, Nature medicine, 1-8.
    7. Le Bert, N, Tan, AT, Kunasegaran, K, Tham, CY, Hafezi, M, Chia, A, … & Chia, WN(2020) SARS-CoV-2-specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls, Nature, 584(7821), 457-462.

    Para mais informações sobre a resposta imune humoral contra COVID-19:

    Ripperger, TJ, Uhrlaub, JL, Watanabe, M, Wong, R, Castaneda, Y, Pizzato, H A, … & Erickson, HL (2020) Orthogonal SARS-CoV-2 serological assays enable surveillance of low-prevalence communities and reveal durable humoral immunity, Immunity.

    Gudbjartsson, DF, Norddahl, GL, Melsted, P, Gunnarsdottir, K, Holm, H, Eythorsson, E, … & Thorsteinsdottir, B (2020) Humoral immune response to SARS-CoV-2 in Iceland, New England Journal of Medicine, 383(18), 1724-1734.

    Seow, J, Graham, C, Merrick, B, Acors, S, Pickering, S, Steel, KJ, … & Betancor, G (2020) Longitudinal observation and decline of neutralizing antibody responses in the three months following SARS-CoV-2 infection in humans, Nature Microbiology, 1-10.

    Gaebler, C, Wang, Z, Lorenzi, JC, Muecksch, F, Finkin, S, Tokuyama, M, … & Oliveira, TY (2020) Evolution of Antibody Immunity to SARS-CoV-2, Biorxiv.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • De graça, até injeção na testa? (parte 2)

    Texto de Gian Guadagnin, Gildo Girotto Júnior e Ana Arnt

    O que é uma vacina e quais os tipos de vacina

    As vacinas são produtos biológicos que promovem o desenvolvimento do que chamamos de memória imunológica ativa. Isto ocorre por meio da interação do organismo (nosso corpo) com os agentes causadores de doenças (vírus e bactérias) mortos, enfraquecidos ou fragmentados ativando a produção de anticorpos e células de memória (os nossos agentes de proteção). Assim, esses “agentes” atuarão futuramente contra o invasor biológico ativo (o vírus) caso o indivíduo seja infectado pela doença no futuro. E o melhor, os materiais biológicos da vacina são intensamente testados para não causarem reações adversas.

    A imunização ativa promovida pela vacina é semelhante a de quando o indivíduo contrai a doença naturalmente, com a diferença de que a vacina não vai causar problemas uma vez que o causador da doença (patógeno) está morto, desativado ou o que injeta é apenas um fragmento. Isto é, ele apenas servirá de alerta, ou de demonstração de suas características para o organismo estar preparado para atuar no caso de uma infecção real. 

    “Ah, mas eu ouvi dizer que uma pessoa tomou vacina e passou mal”.

    Existem casos em que no desenvolvimento da imunidade o corpo possa ter sintomas leves da doença, mas isso não gera riscos à saúde de quem tomou. 

    Espera aí que nós vamos repetir mais uma vez:

    VACINAS SÃO TESTADAS PARA NÃO CAUSAREM RISCOS.

    Por exemplo, o artigo publicado no dia 17/11/2020, na revista The Lancet, traz os resultados da vacina CoronaVac (desenvolvida pela chinesa Sinovac) mostrando eficiência de 97% enquanto a Pfizer divulgou, no mesmo dia, estudo com eficiência de 95% para seu produto com efeitos colaterais em apenas 2 a 3,8% dos pacientes. Ainda assim, não há efeitos graves noticiados.

    As ressalvas são para quem apresenta alguma reação alérgica à substância da vacina ou a uma doença específica. Dessa forma, nesse caso, é importante lembrarmos da responsabilidade social na chamada imunidade de rebanho. Ou seja, aqueles que não apresentam reações (a imensa maioria) precisam tomar a vacina para diminuir a probabilidade de disseminação dos vírus ou bactérias, protegendo a si mesmo e à quem não pode tomar a substância.

    “Mas eu li que têm mais de um tipo de vacina, e uma delas pode fazer mal”

    Bom, é importante saber que são três os principais tipos de vacina: as de agentes atenuados (ou seja, vivos mas incapazes de causar a doença), as de agentes inativados e as de subunidades (proteínas, partes ou fragmentos, quando é impossível utilizar o patógeno todo). Além disso, há diferentes técnicas ou formas de entrada destes agentes no nosso corpo (sobre os tipos de vacina você pode consultar esse texto aqui).

    Destaca-se aqui que a vacina produzida pela Pfizer utiliza uma tecnologia inédita mas não nova. É uma tecnologia que vem sendo estudada desde meados dos anos 1990. Como assim? A tecnologia está sendo usada pela primeira vez em humanos, sim.

    Todavia, vem sendo desenvolvida e testada há anos, seguindo protocolos de segurança rígidos tanto para vírus, como para bactérias e até doenças autoimunes. Isto é, as etapas de segurança – que envolvem testes com animais – já estão consolidadas e não apresentam risco algum. Tal como as outras técnicas de desenvolvimento de vacinas. Sim! Todas as técnicas possuem etapas de desenvolvimento com cobaias, antes de testarem em seres humanos.

    Assim, parte da “rapidez” que temos desenvolvido neste momento é por estarmos testando vacinas cujas etapas de segurança se relacionam às etapas testadas em animais previamente – antes dos testes de segurança em seres humanos. E estas etapas são absolutamente necessárias, testadas e seguras.

    A terapia de vacinação gênica é fruto do desenvolvimento de pesquisas no campo da biotecnologia e com desenvolvimento da técnica em si, aprimorada ao longo deste tempo. Ela consiste basicamente em fazer nosso corpo produzir uma proteína do vírus.

    Mas é seguro?

    Em suma, a vacina gênica induz nosso corpo a produzir uma proteína e, em seguida, estimula uma resposta imune muito precisa. Dessa forma, estas pesquisas têm demonstrado que as vacinas gênicas são mais seguras, mais rápidas de serem produzidas e mais eficazes. No caso específico da vacina que vem sendo produzida pela Pfizer, a grande questão reside, ainda, no armazenamento. Vocês já devem ter visto noticiado que esta vacina precisa ser armazenada em freezers que se mantêm a temperaturas de -70ºC e há muito pouca estrutura para isto – no Brasil e, talvez, no mundo.

    Todavia, isto também tem sido fonte de debate e pesquisa, para contornarmos este problema!

    Quer saber mais desta vacina? Recomendamos estes dois fios da @mellziland  e da @dogarret no Twitter

    Bom, mas sempre bom lembrar:

    Independentemente do tipo, as vacinas têm se mostrado bastante eficientes na proteção a várias doenças. Por exemplo, um caso especial, queridíssimo da ciência (e não à toa) é o da poliomielite, ou paralisia infantil, erradicada no Brasil em 1989 exatamente por causa da ampla vacinação no território nacional. Mas ainda lembrando (como falamos no texto anterior) que esta doença gravíssima corre o risco de voltar com o crescimento do movimento anti-vacina. 

    Ah mas será que dá pra confiar na vacina chinesa?”

    Quem produz as vacinas? Como ter certeza que seguem um método rigoroso de testes e de preparo? Estas questões juntamente com informações desconexas que circulam por aí podem causar certo receio. No entanto, as vacinas são desenvolvidas segundo um código de práticas internacionais rígido, que regula a produção de insumos para a saúde em todos os países, da Estônia ao Brasil, da Alemanha à Índia.

    No próximo texto

    Nós vamos responder: Mas que protocolos são esses? Calma que logo logo a gente já volta a falar sobre isso! Aguarde!

    Para saber mais

    BBC (2020) Vacina da Pfizer: como funciona a nova tecnologia que pode revolucionar a imunização

    Brasil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Resolução RDC nº 4, de 10 de fevereiro de 2009, Brasília: Anvisa; 2009

    Costa, C e Tombesi, C (2020) Covid-19: os três passos do método revolucionário para criar vacinas de RNA, BBC.

    Domingues, CMAS, & Teixeira, AMS (2013) Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações, Epidemiologia e Serviços de Saúde, 22(1), 9-27.

    Ferrera F, La Cava A, Rizzi M, Hahn BH, Indiveri F, Filaci G (2007) Gene vaccination for the induction of immune tolerance, Ann N Y Acad Sci, 2007 Sep,1110:99-111.

    Fiocruz: Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso.

    Homma, A, Martins, RM; Leal, MLF, Freire, MS, Couto, AR (2011) Atualização em vacinas, imunizações e inovação tecnológica, Ciênc saúde coletiva vol16 no2.

    Pinto, EF, Matta, NE e Cruz, AM (2011) Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis, Acta Biol Colômbia.

    Reinhardt, G, Walflor, HSM, Trigo, JHB, Ribas, JLC (2017) Desenvolvimento e aplicações de vacinas gênicas no tratamento e prevenção de doenças, Saúde e Desenvolvimento, v11, n7.

    Yanjun Zhang, Gang Zeng, Hongxing Pan, Prof Changgui Li, Yaling Hu, Kai Chu, Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine in healthy adults aged 18–59 years: a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 1/2 clinical trial, The Lancet Infectuous Diseases.

    Textos do Blogs sobre Vacinas:

    E aqueles resultados das Vacinas? (Parte 1)

    Obrigatoriedade da Vacina: discurso contrário vem do século XIX

    Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate – Parte 1

    De graça, até injeção na testa? (parte 1)

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM).

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, Com Dr. Marcelo Mori

    O que é e como funciona a pesquisa por dentro da Força Tarefa da Unicamp tem a participação do Dr. Marcelo Mori, coordenador da Força Tarefa.

    Nosso convidado vai falar para nós sobre como é o trabalho coletivo, em várias áreas de conhecimento, contra a Covid-19!

    Entrevistado de hoje:

    Dr.Marcelo Mori, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Força Tarefa da Unicamp

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, com Dr. Alessandro Farias

    O que é e como funciona a pesquisa? O por dentro da Força Tarefa da Unicamp estreia com o Dr. Alessandro Farias, coordenador da Frente de Diagnósticos e cientista responsável pela pesquisa sobre as semelhanças entre o coronavírus e o HIV na infecção do corpo humano!


    Entrevistado de hoje: Dr.Alessandro Farias, chefe do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Frente de Diagnósticos da Força Tarefa

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

    PARA SABER MAIS

    Davanzo, G; Codo, A; Brunetti, N; (…) Mori, M; Farias, A (2020) SARS-CoV-2 Uses CD4 to Infect T Helper Lymphocytes. doi: https://doi.org/10.1101/2020.09.25.20…

    O vírus SARs-CoV-2 pode ter uma ação parecida com o vírus do HIV, ao infectar linfócitos https://bit.ly/sars-hiv1

    Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV https://bit.ly/sars-hiv2

  • De graça, até injeção na testa? (parte 1)

    Texto de Gian Guadagnin, Gildo Girotto Júnior e Ana Arnt

    As vacinas e você

    Não é porque é grátis que devemos aceitar qualquer coisa, certo? Nós do Blogs de Ciência da Unicamp, como sempre nos posicionamos pelas evidências científicas afirmamos isso. Então, é necessário nos certificarmos que estamos diante de um produto de qualidade – nesse caso, as vacinas!

    Pois bem, com os anúncios recentes de empresas produtoras de uma possível vacina contra o novo coronavírus, algumas informações e desinformações têm surgindo. Temos ouvido falar bastante da Pfizer e da SINOVAC (produtora da vacina chinesa).

    Nós entendemos que há muita gente preocupada! Mas ao invés de criticar, talvez seja melhor entender com calma como de fato funciona essa forma de prevenção. Além disso, quais são os protocolos para a produção de vacinas e por que precisamos sair do campo de estigmas e estereótipos sobre seu desenvolvimento.

    No post de hoje nós continuamos com a série sobre vacinas, vamos trazer dados e discussões que nos auxiliem a entender um pouco mais sobre o assunto e evitando assim doses de desinformação. Vamos falar agora sobre a história, mas também de saúde coletiva e dos benefícios sociais da vacinação?

    De onde e quando

    Nossa ciência, ou nosso histórico de ciência é, por dominação europeia, muito ocidentalizado. Daí decorre, por exemplo, o desconhecimento sobre a medicina oriental e a sua desvalorização. Os primeiros indícios de uma utilização corporal de vírus atenuados, base de boa parte das vacinas, datam do combate à varíola. Mais precisamente na região da atual China, no século 10, ou seja, há mil anos! 

    A aplicação não era como fazemos hoje. Na época, as cascas de feridas da infecção eram trituradas e o pó produzido (contendo o vírus morto) era aspirado pelas pessoas. Este processo espalhava partes do vírus morto pelo corpo ativando o sistema imunológico. A forma de aplicação “moderna” só surgiria em 1798 com o cientista inglês Edward Jenner. Ele averiguou os rumores de que trabalhadores do campo não pegavam a varíola humana. Isto aconteceria por já terem pego a varíola bovina (que é menos agressiva ao corpo humano). A partir disto, injetou ambos os vírus em um garoto de oito anos e constatou que a informação apresentava alguma consistência. 

    A segunda geração de vacinas começou em 1881 com o cientista francês Louis Pasteur. Neste caso, o desenvolvimento de medicação voltou-se para o combate à cólera aviária e ao carbúnculo. Conhecendo os estudos de Jenner, Pasteur cunhou o termo “vacina” em homenagem ao inglês. Isto é, derivando o nome da varíola bovina, que em latim é chamada de Variolae Vaccinae.

    Vacinação em massa

    Com o amplo desenvolvimento da medicina, da biologia e da química nos séculos 19 e 20, as vacinas passaram a ser produzidas em massa. E desde então são fundamentais para combater inúmeras doenças no mundo todo. A varíola, por exemplo, matou mais de 300 milhões de pessoas e foi declarada erradicada no mundo em 1980. 

    Mas calma, dizer que a doença foi erradicada não significa que ela não existe mais. Na verdade, a doença está controlada pela vacinação e pelo comprometimento global. Assim como, a adoção de protocolos e medidas que garantem um dia a dia saudável e seguro agora e futuramente. No entanto, se deixarmos de lado essa imunização novos surtos podem retornar, afinal o vírus não desapareceu do mundo, ele apenas não é capaz de infectar as pessoas que estão protegidas.

    Mas, e no Brasil?

    No Brasil, as estratégias de vacinação e controle de doenças infecto contagiosas são feitas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) criado em 1973. No ano de 1977 foi criado o primeiro calendário de vacinações, a partir do PNI. 

    A vacinação de massa, no entanto, já tem mais do que 100 anos no Brasil! Foi feita pelo Oswaldo Cruz com o objetivo de controlar, exatamente, a varíola que comentamos anteriormente. No Brasil, o último registro de varíola foi em 1971.

    Isto não quer dizer, no entanto, que não precisamos mais nos atentar a estas doenças consideradas erradicadas. Dessa forma, a vacinação continua sendo fundamental e, mesmo não tendo casos ativos, o vírus pode estar circulando em níveis muito basais. Ou seja, sem uma cobertura vacinal da população, as doenças podem sim voltar!

    A vacinação não é um ato individual!

    Ela é uma medida de saúde pública e coletiva. Isto é, uma estratégia que diminui quantidade de mortes, controla doenças altamente contagiosas ANTES que elas aumentem a quantidade de casos na população. Isto se dá, também e especialmente em populações vulneráveis e diminuem o custo da doença para a saúde pública também. Uma vez que as pessoas não adoecem, não existe o custo hospitalar e médicos. Além de perdas em tempo de trabalho e/ou escola em decorrência do adoecimento das pessoas. Pode parecer “sem noção” esta ideia, mas diminuir índices de doenças também diminui custos financeiros. Por exemplo, as pessoas faltam menos no trabalho e nas escolas.

    Assim, a vacina pode ser vista, sim, como uma escolha individual. Todavia, ela é uma medida fundamental para controlarmos populacionalmente doenças que não tem cura e que deixam sequelas muito graves em nossa população! A vacina é um ato individual e, ao mesmo tempo, coletivo. Visto que, historicamente, diminuiu incidências de doenças gravíssimas no mundo inteiro (ressaltamos novamente varíola, sarampo, poliomelite dentre elas!).

    Por fim

    Uma política pública de vacinação, quanto mais abrangente e efetiva for, mais ela diminui a desigualdade social também! Parece estranho, não? Mas a situação é: coletivamente é mais barato para todos. Mais do que isto, para aquelas populações sem condições financeiras, existe a segurança de não adoecerem em função de estarem vacinadas. E isto sem custos adicionais para estas pessoas – e para o país… 

    No próximo texto, vamos discutir o que é vacina e quais os tipos desenvolvidos. Já temos um outros textos aqui no Blogs: que falam sobre as fases da vacina em testes; sobre a história da vacina no Brasil e no mundo; incluindo a famosa Revolta da Vacina!

    Não deixe de conferir!

    Para saber mais

    Homma, A, Martins, RM; Leal, MLF, Freire, MS, Couto, AR (2011) Atualização em vacinas, imunizações e inovação tecnológica, Ciênc saúde coletiva vol16 no2.

    Brasil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Resolução RDC nº 4, de 10 de fevereiro de 2009, Brasília: Anvisa; 2009

    Domingues, CMAS, & Teixeira, AMS (2013) Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações, Epidemiologia e Serviços de Saúde, 22(1), 9-27.

    Pinto, EF, Matta, NE e Cruz, AM (2011) Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis, Acta Biol Colômbia.

    Fiocruz: Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso.

    Yanjun Zhang, Gang Zeng, Hongxing Pan, Prof Changgui Li, Yaling Hu, Kai Chu, Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine in healthy adults aged 18–59 years: a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 1/2 clinical trial. The Lancet Infectuous Diseases.

    Textos do Blogs sobre Vacinas:

    E aqueles resultados das Vacinas? (Parte 1)

    Obrigatoriedade da Vacina: discurso contrário vem do século XIX

    Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate – Parte 1

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire”

    Sabe aquela vez que você topou, nas redes sociais ou fora delas, com uma pessoa muito convicta defendendo algo que você tinha certeza de que estava errado?

    Pode ter sido um antivacina, um terraplanista, um negacionista da pandemia ou um apoiador ferrenho de algum político, daqueles dispostos a defender qualquer bobagem ou mentira que seu ídolo tenha dito.

    Identificou o diálogo aí nas lembranças, né?

    Então, você têm os fatos e a ciência a seu favor. Você argumentou contra o que essa pessoa convictamente defendia e ela obviamente mudou de opinião diante das evidências que você apontou, não foi? Pois é, comigo também nunca aconteceu. A verdade é que, diante de pessoas inflexíveis sobre algo, muitas vezes não as convencemos nem mesmo de fatos elementares.

    Efeito backfire: quando a tentativa de argumentar sai pela culatra.
    (fonte: https://web.northeastern.edu/nulab/backfire-effects-misinformation)

    Seria essa tentativa de argumentar com os muito convictos, então, puro desperdício de tempo e energia? A realidade dura nos mostra que pode ser ainda pior do que isso. Sua tentativa de convencer o fanático pode ter um efeito totalmente negativo e torná-lo ainda mais convicto de sua crença. Esse é o chamado “efeito backfire” e é bem provável que você já o tenha produzido em alguém ou nele incorrido em discussões por aí.

    Entendendo o conceito

    “Nenhuma opinião deve ser defendida com fervor (…) O fervor apenas se faz necessário quando se trata de manter uma opinião que é duvidosa ou demonstravelmente falsa.” — Bertrand Russell

    O efeito backfire foi verificado pela primeira vez em um estudo publicado em 2010 [1], conduzido pelos cientistas políticos Brendan Nyhan e Jason Reifler das universidades de Michigan e da Georgia, EUA. Nesse estudo, eles criaram artigos fictícios de jornal que reproduziam informações falsas amplamente difundidas nos EUA à época. Por exemplo, como a ideia de que as forças armadas estadunidenses teriam encontrado armas de destruição em massa no Iraque do ditador Sadam Husseim. Os voluntários da pesquisa liam esses artigos e, na sequência, recebiam outro texto com a informação correta. Isto é as supostas armas de destruição em massa jamais foram encontradas.

    Um curioso resultado encontrado pela pesquisa foi o de que os voluntários mais conservadores e favoráveis à guerra contra o Iraque relataram, após a leitura do artigo com a informação verdadeira, que tinham ainda mais certeza de que as tais armas de destruição em massa realmente existiam. Em outras palavras, a tentativa de correção da crença incorreta desses voluntários “saiu pela culatra” (o efeito backfire) e eles ficaram ainda mais convictos sobre algo que nunca aconteceu de fato. Por acaso isso te soa familiar e te faz lembrar de alguma discussão que já teve com alguém?

    Mas, podemos chamar de ignorância?

    Não! Esse efeito não é fruto de ignorância ou burrice, como se poderia imaginar a princípio. Ele ocorre, na verdade, como um desdobramento do raciocínio motivado. Ou seja, é uma forma de pensar na qual selecionamos somente as evidências que nos agradam para embasar uma conclusão à qual já tínhamos chegado de antemão. Assim, ao receber uma informação que se choca com sua crença, a pessoa tende a revisar mentalmente as “evidências” (não importa muito que possam ser falsas) que a induziram a ter essa concepção equivocada e, nesse processo de revisão de suas memórias, pode acabar reforçando sua crença inicial.

    Efeito backfire e política em contexto de pandemia

    Até o uso das máscaras tem sido objeto de disputa na polarização política (fonte: Pixabay)

    No âmbito da política, que tem como motor as ideologias e paixões humanas, não faltam exemplos de racionalização de “evidências” que levam ao efeito backfire de forma coletiva. Em um cenário de intensa polarização política, quase tudo é politizado e não seria diferente com os aspectos que envolvem a pandemia de coronavírus. Nesse contexto, um exemplo do efeito backfire coletivo pôde ser observado nos que passaram a minimizar a pandemia, buscando equivaler a Covid-19 a uma gripe comum.

    As políticas negacionistas

    Nos EUA e no Brasil, foram os presidentes os principais líderes políticos a sistematicamente minimizar a gravidade do coronavírus [2, 3]. Tanto lá como cá, os seguidores de ambos, ao receberem o sinal de seus ídolos, passaram a reproduzir sua concepção. Diante do crescente número de casos comprovados e das complicações, sequelas e mortes causadas pelo vírus, parte expressiva dos defensores da ideia de que se tratava de uma “gripezinha”, ao invés de mudarem de posição perante evidências contrárias, passaram a intensificar seu negacionismo por meio de teorias conspiratórias, ou seja, acionaram o raciocínio motivado resultando no efeito backfire.

    Da afirmação — jamais comprovada — de que governadores estariam inflando os números de óbitos [4], passando pelo questionamento sobre a lotação de hospitais (com sugestão do presidente para que populares os invadissem e filmassem os leitos) [5], até o enfoque no número de casos recuperados [6], foram muitos os esforços dos negacionistas convictos para minimizar o terrível impacto da pandemia no segundo país em número de óbitos causados pela Covid-19 no mundo.

    Minimizando a pandemia

    Quanto àquele esforço de se minimizar a pandemia por meio do enfoque nos milhões de recuperados, é quase cômico observar que, na verdade, isso pesa contra o negacionismo dos fanáticos: a constatação de que há milhões de recuperados pressupõe a existência de um número ainda maior de infectados, o que por si só já expõe a extensão e a gravidade da pandemia.

    Animados pelo mesmo impulso negacionista, surgiram também inúmeros apoiadores do presidente cujos parentes ou conhecidos supostamente tiveram diagnóstico positivo para Covid-19, mas que morreram, juram eles, de câncer ou outra doença grave. Por suposto, trata-se aqui do que chamamos, em ciência, de evidência anedótica; é razoável a probabilidade, porém, de que a leitora tenha visto alguma história do tipo em suas redes sociais durante a pandemia.

    A “vacina chinesa” e o efeito backfire

    Nem mesmo a vacina contra o coronavírus escapou à lógica da polarização política. Bastou o Ministério da Saúde anunciar a intenção de adquirir a CoronaVac [7]– vacina que está sendo produzida em associação entre o Butantã e a Sinovac, uma empresa chinesa — que o presidente, pressionado por apoiadores contrários à vacina [8], cancelou o acordo de compra [9]. Após esse imbróglio, várias fake news sobre a CoronaVac inundaram as redes sociais [10], como a de que a vacina usaria células de bebês abortados [11]. Isso tudo nos faz levantar a questão: existe a possibilidade de ocorrer o efeito backfire ao argumentarmos com um antivacina? Considerando-se a ciência sobre o tema, a resposta infelizmente é “sim”.

    [Fonte: Renato Machado — cartunista]

    Os mesmos pesquisadores citados, Reifler e Nyhan, conduziram, em 2015, um estudo sobre mitos relativos a vacinas [12]. À época, 43% dos estadunidenses acreditavam que a vacina da gripe poderia fazê-los ter gripe. Assim, nesse estudo, eles buscaram verificar a eficácia de se oferecer as informações corretivas dessa crença infundada. Como resultado, o estudo apontou que informações corretas — que a vacina não causava a gripe — foram suficientes para reduzir bastante essa crença específica.

    Efeito colateral

    No entanto, os voluntários da pesquisa que demonstraram níveis mais altos de preocupação com supostos efeitos colaterais de vacinas (como acreditar que elas causam autismo) passaram a manifestar menor disposição a vacinarem seus filhos. Nesse estudo, o efeito backfire ocorreu não na crença específica, alvo da informação corretiva, mas na postura dos voluntários que já tinham uma perspectiva antivacina, os quais ficaram ainda mais convictos sobre isso.

    A esta altura, a leitora pode estar se perguntando se, por causa da possibilidade do efeito backfire, não devemos jamais argumentar com as pessoas muito convictas que estejam defendendo algum absurdo. Todavia, na realidade, há uma situação bastante frequente na qual convém, sim, debater com dogmáticos.

    Argumentar ou não argumentar, eis a questão

    Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” — Carl Sagan

    Em uma conversa privada, no tête-à-tête mesmo, com alguém defendendo radicalmente alguma inverdade, talvez seja melhor não insistir. O risco de você contribuir para que a pessoa fique ainda mais convicta é real. Por isso, vale muito mais a pena argumentar com as pessoas que podem ter caído em alguma desinformação, mas que têm maior abertura ao debate. E elas são muitas. Dessa forma, como sustenta o cientista político David Redlawsk, isolam-se os fanáticos de todo tipo, reduzindo sua influência.

    Estudos mais recentes, como o dos cientistas políticos Thomas Wood e Ethan Porter, da George Washington University, não encontraram o efeito backfire em relação a fatos específicos [13]. Os pesquisadores argumentam que é possível, sim, mudar a opinião equivocada das pessoas com a exposição de fatos.

    Mas…

    É preciso lembrar, no entanto, que existe sempre a possibilidade de que elas reforcem sua postura — como ocorreu no estudo mencionado sobre a vacina — apesar de se dobrarem a um fato específico. Como um exemplo, imagine que você vai argumentar com uma pessoa que defende um remédio comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 porque o político que ela apoia insiste se tratar de um medicamento salvador. A depender de sua abordagem e do nível de convicção dessa pessoa, talvez até a convença do fato de que o remédio é ineficaz. Não espere, porém, que diminua o apoio dela ao político, pois o mais provável é que o contrário aconteça.

    No entanto, como parte significativa de nossas vidas atualmente acontece em rede, quando o debate for em público, como no Facebook ou em grupos de Whatsapp, convém demonstrar que os radicais estão equivocados. Nas redes, terceiros quase sempre estão observando as conversas alheias. Eis aí a situação na qual vale a pena travar o bom combate contra a desinformação, a mentira e as concepções falsas. Se seu interlocutor direto ficar ainda mais convicto na defesa de alguma desinformação qualquer, paciência. Quase sempre há vários outros que podem se beneficiar do seu esforço de argumentação em prol do restabelecimento da verdade.

    Por fim

    Vivemos em tempos nos quais vicejam posturas anticientíficas e esforços de relativização da verdade, quando não de sua negação completa. Como é bastante conhecido, isso é impulsionado por líderes políticos cujo comportamento é replicado por milhões de seguidores. Por isso, é importante que continuemos disputando, se não os corações, ao menos as mentes das pessoas e ter consciência da possibilidade de que o efeito backfire ocorra é um passo fundamental nessa jornada.

    Referências:

    [1] Nyhan, B, Reifler, J (2010) When Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions; Political Behavior, Vol 32, No 2, pp 303-330.

    [2] (2020) Timeline: How Trump Has Downplayed The Coronavirus Pandemic. National Public Radio (NPR), 02 de outubro de 2020.

    [3] “Gripezinha” e “histeria”: cinco vezes em que Bolsonaro minimizou o coronavírus (2020)

    [4] Bolsonaro endossa notícia falsa para dizer que Estados inflam mortes por coronavírus, Valor Econômico, 31 de outubro de 2020.

    [5] Bolsonaro recomenda invadir hospitais, Correio Braziliense, 11 de junho de 2020.

    [6] Na data em que Brasil ultrapassa 100 mil mortos, Bolsonaro destaca pacientes recuperados, Agência Brasil (EBC), 20 de outubro de 2020.

    [7] Brasil anuncia que vai comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, Agência Brasil, 20 de outubro de 2020.

    [8] Bolsonaro sabia da intenção de compra da CoronaVac, mas recuou, Estado de Minas, Edição de 21 de outubro de 2020.

    [9] Bolsonaro diz que Governo Federal não comprará vacina CoronaVac Agência Brasil (EBC), 21 de outubro de 2020.

    [10] Aos Fatos (agência de fact-checking) – resultados de busca do verbete “coronavac”

    [11] (2020) É falso que CoronaVac usa células de bebês abortados, Aos Fatos, 28 de julho de 2020.

    [12] Nyhan, B, Reifler, J (2015) Does correcting myths about the flu vaccine work? An experimental evaluation of the effects of corrective information. Vaccine 33 (3): 459–464.

    [13] Wood, T., Porter, E. (2018). The elusive backfire effect: Mass attitudes’ steadfast factual adherence. Political Behavior, Vol41, pp135-163.

    OBS:

    Esse texto contou com a revisão primorosa de Caroline Frere Martiniuc e Eduardo Jesus Veríssimo, aos quais agradeço enormemente.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Política na Cabeça

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Todavia, não necessariamente representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Rogéria Veronezi

    Profa. Rogéria Veronezi (à esq.) e a colaboradora Giovana Veronezi (à dir.), mãe e filha. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Muitos têm sido os desafios que a pandemia da COVID-19 e as políticas de isolamento e distanciamento social vêm provocando no setor educacional. Devido a esse contexto, nós do Ciência Pelos Olhos Delas preparamos uma série especial com relatos e reflexões de profissionais da área sobre suas experiências. 

    O primeiro post da série contou com a participação da Profa. Dra. Michelle Rocha Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Em entrevista à colaboradora Carolina Francelin, a Dra. Michele compartilhou sua visão de como esta nova realidade tem afetado o ensino superior.

    Hoje a colaboradora Giovana Veronezi traz a segunda e última parte deste especial com o relato da Profa. Rogéria Veronezi sobre sua atuação no ensino fundamental e médio. O resultado você pode conferir na íntegra abaixo.


    Todas as experiências escrevendo para o Ciência Pelos Olhos Delas são especiais à sua maneira, mas não há como comparar a oportunidade de realizar uma entrevista com a nossa própria mãe. Após compartilharmos nossos relatos pessoais em relação à pandemia aqui no blog, surgiu a ideia de trazermos também uma abordagem do ponto de vista educacional, e eu imediatamente já sabia quem gostaria de entrevistar.

    Ao longo dos anos eu pude acompanhar a trajetória da Profa. Rogéria não só no papel de filha mas também como sua aluna ao longo de todo o meu ensino fundamental. Quando a pandemia da COVID-19 resultou na interrupção das aulas presenciais e no estabelecimento do ensino remoto, acompanhei de perto também como as incertezas e adaptações afetaram sua rotina profissional.

     Atualmente Professora de Língua Portuguesa e Literatura no SESI e Coordenadora Pedagógica na EMEB Prof. José Barreto Coelho, em Mococa (SP), a Profa. Rogéria conta em detalhes quais foram tais adaptações e como estas afetaram as relações aluno-professor, professor-professor e o planejamento escolar como um todo.

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Minha formação inicial é em Letras. Minha primeira Pós Graduação foi na área de Psicopedagogia Institucional. Depois senti necessidade de cursar Pedagogia e, atualmente, estou cursando uma Pós em Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 

    Minha experiência com a docência permeia desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Na Educação Infantil, fui professora de Língua Inglesa para crianças a partir de 4 anos de idade, experiência também compartilhada no Ensino Fundamental I. Nos segmentos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio minha experiência maior é na área de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. 

    Além de trabalhar como docente, atuo na área de formação de professores como Coordenadora Pedagógica, função que acumulo à de professora há, aproximadamente, dezoito anos.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Atualmente trabalho em duas instituições de ensino: uma da rede particular e outra da rede municipal. Na primeira, sou professora; na segunda, Coordenadora Pedagógica, o que me oportunizou experienciar a situação sob as duas vertentes. 

    A pandemia afetou fortemente o modelo de educação que conhecemos, o que exigiu que as pessoas envolvidas – gestores, professores, estudantes – ressignificassem suas concepções sobre função social da escola. O problema é que tudo aconteceu de uma forma muito inesperada, e a mudança precisou ser feita num ritmo muito acelerado e num contexto de muitas incertezas. 

    O fato de estar na sala de aula muito colaborou com o meu trabalho de Coordenação Pedagógica, pois conseguia enxergar na prática as dificuldades apresentadas pelos professores que coordeno. As incertezas e as muitas novidades ocorridas no início do trabalho com o Ensino Remoto foram, aos poucos, dando lugar ao sentimento de ser necessário encarar os desafios um a um, o que significava controlar a ansiedade e reestruturar a forma como o trabalho vinha sendo desenvolvido até então.  

    A meu ver, o que mais impactou nas atividades, em ambas escolas, foi a necessidade de o professor distanciar-se de seus estudantes, uma vez que o nosso trabalho se apoia no vínculo criado diariamente na sala de aula. Além disso, a maioria dos professores e dos estudantes não estavam preparados para lidar com esse novo formato, em que a tecnologia passou a ser uma das protagonistas do sistema educacional. Interessante foi ter notado que os adolescentes, tidos como “digitais”, também tiveram dificuldades para se adaptar à tecnologia como ferramenta no seu processo de ensino-aprendizagem.

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Embora tenha 26 anos de experiência docente, ainda não tinha tido a oportunidade de trabalhar integralmente em um sistema de Ensino Remoto. De alguma forma, a tecnologia já fazia parte da minha rotina de trabalho, mas num sistema híbrido.

    Aprender a lidar com as aulas síncronas talvez tenha sido o meu maior desafio, pois é como se você fosse abduzido da sua zona de conforto – a sala de aula – e teletransportado para a frente de uma tela de computador, com quem passa a conversar. O diálogo passa a ser, então, um monólogo, pois geralmente os adolescentes têm resistência em abrir as câmeras e interagir com o professor.

    É diferente de um curso on-line em que você se matricula por vontade própria, como estudante, e sabe que seu contato presencial com o professor será limitado ou, dependendo do curso, inexistente. No Ensino Remoto, ninguém teve a chance de optar.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As incertezas trazidas pela pandemia da COVID-19 fizeram com que as adaptações fossem acontecendo de forma gradual, pois no início não havia como mensurar o tempo em que ficaríamos afastados do ensino presencial. Nas escolas em que trabalho, por exemplo, uma das primeiras adaptações foi com relação ao Calendário, com a antecipação das férias de julho para abril. 

    Depois vieram as adaptações referentes à organização dos estudantes para trabalharem em um novo modelo, distantes dos seus colegas e professores;

    à disponibilização de plataformas educacionais para acesso a aulas síncronas, se possível;

    à postagem e ao acesso das atividades;

    ao investimento na formação de professores quanto a novas tecnologias;

    à reorganização do planejamento;

    à garantia de feedbacks, tanto do professor para o aluno quanto o contrário;

    ao como garantir o cumprimento das atividades pelos alunos;

    ao como auxiliar o estudante que sentisse dificuldades com as atividades propostas.

    Digo que as adaptações foram, e estão sendo feitas, de forma gradual porque muitas questões novas aparecem cotidianamente. O que fazer, por exemplo, com um estudante que, de repente, deixa de cumprir as atividades propostas mesmo tendo condições favoráveis ao acesso? Nesse momento é necessário um processo de adaptação, no sentido de se pensar em uma estratégia que possa ser transformada em uma ação eficiente, principalmente para o aluno.  

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    É preciso ser realista com a situação que estamos vivendo: os estudantes não têm experiência com esse sistema de ensino e, mesmo após seis meses de trabalho, podemos dizer que muitos ainda estão em fase de adaptação. Analisar a reciprocidade dos alunos implica analisar outros fatores que interferem nesse processo, como o fato de o Ensino Remoto não ser adequado para todos os tipos de estudantes, principalmente para aqueles que apresentam algum tipo de dificuldade. 

    Penso que a idade também interfere nesse processo: quanto mais novo o estudante, mais difícil lidar com o ensino remoto. Como já disse anteriormente, Ensino Remoto não é sinônimo de Ensino à Distância, embora em ambos o contato entre professor e aluno não aconteça como no ensino presencial. No Ensino à Distância o estudante, geralmente já na fase adulta, está consciente de sua escolha quando opta por um pós-graduação, por exemplo. 

    Em ambos os modelos, estudar exige uma disciplina muito maior que estudar em uma sala de aula, principalmente porque o aluno tem que aprender a gerir o seu próprio tempo. Imagine quão complicado isso pode ser para adolescentes cujos pais precisam sair para trabalhar de manhã e deixá-los sozinhos em casa…  No ensino presencial, os estudantes encontram um espaço pensado e organizado para o propósito da aprendizagem. No Ensino Remoto, o estudante perdeu essa referência e precisou se reorganizar. Obviamente, a reciprocidade e participação não têm sido 100%, e muitos são os fatores que podem justificar esse resultado, desde a dificuldade de acesso à falta de autonomia dos estudantes.  

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos?

    Nesse modelo, tudo mudou, inclusive a forma de avaliar o desenvolvimento e aquisição de conhecimentos. Sou consciente de que muitos alunos, durante a prova, resolvem as questões a partir de consultas na internet, conversas com colegas pelo WhatsApp… Não há como evitar isso. Então é preciso mudar o olhar sobre como avaliar, assim como o paradigma de que o aluno deve fazer essa ou aquela atividade para “ganhar nota”. Quando meus alunos me fazem a fatídica pergunta “Vale nota, professora?”, eu respondo “Vale conhecimento!”. 

    Acredito ser importante eles se convencerem de que a prova que fazem na escola é equivalente a qualquer outro processo avaliativo: a habilitação para dirigir, por exemplo. No momento da prova, o “candidato a motorista” não deve mostrar ao avaliador o resultado de tudo aquilo que aprendeu durante as aulas com o instrutor da autoescola? Tento convencer meus alunos de que na escola o processo deve ser o mesmo. 

    Outra problemática presente é o fato de o distanciamento entre professor e aluno impossibilitar a mediação do professor, tão necessária ao processo de ensino-aprendizagem. Quando estamos em sala de aula, há como percebermos a evolução do estudante através da observação durante a realização dos exercícios, a participação nas aulas, o envolvimento com as atividades propostas… No presencial, é possível fazer, como nós costumamos dizer, um trabalho “corpo a corpo”: se o aluno tem dificuldade, o professor senta com ele e o ajuda a resolver o exercício, por exemplo. No formato remoto isso inexiste, por mais que se tenha contato com o aluno nas aulas síncronas, em que, vale lembrar, há ainda um grande dificultador: o fato do aluno não interagir com o professor.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    São muitos os desafios neste momento, mas um dos maiores, na minha visão, é garantir que todos os estudantes tenham acesso às atividades propostas, consigam organizar-se, tornar-se autônomos e, consequentemente, desenvolver as competências e habilidades necessárias à sua aprendizagem. Outro grande desafio é o professor conseguir lidar com as mudanças inerentes ao contexto atual e reconhecer a urgência de a necessidade de rever o seu papel como profissional do conhecimento.

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Não há como nos desvencilhar das novas estratégias que passaram a fazer parte do nosso planejamento. O ensino híbrido, que já não era novidade em educação, ganhou seu espaço e, efetivamente, permanecerá nos planejamentos pós-pandemia, como a “aula invertida”, que dá aos alunos a oportunidade vir à aula presencial repertoriados sobre o assunto que será discutido. 

    Não se trata de descartar todas as estratégias utilizadas antes da pandemia, mas, sim, de renová-las. Acredito que nós, professores, descobrimos novas formas de ensinar, de tornar nossas propostas muito mais significativas para os estudantes e não podemos abrir mão disso. Coordeno professores que foram meus professores e que, apesar da vasta experiência como docentes, estão se redescobrindo, aprendendo a ensinar através de meios tecnológicos. Não foi fácil no começo, mas já comemoram suas conquistas.

    9. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Espero que essa experiência coletiva mude a nossa forma de pensar a educação. Que os alunos entendam que a escola é um lugar onde vão para compartilhar experiências, aprender, se divertir, criar vínculos, descobrir suas competências e habilidades. Que os professores se assumam como professores, como profissionais do conhecimento, que se preocupem em estar sempre se preparando para formar esses jovens que, diariamente, estão sob nossa responsabilidade. Talvez alguns, ao ler essa resposta, pensem que eu esteja sendo utópica, mas se não idealizarmos uma mudança ela nunca será realidade.


    Obrigada, mãe, por aceitar o convite e pelas valiosas reflexões. Acredito que muitas instituições de ensino compartilham desta realidade de ainda vivenciarem uma fase de adaptação em adequar este novo modelo de ensino às necessidades dos alunos e preparação dos professores, mesmo após meses de ensino remoto. Adicione diferenças socioeconômicas que limitam o acesso de muitos à esse formato digital e o desafio se torna ainda maior. Neste caminho, que cada vez mais as vozes de professores e profissionais da educação sejam reconhecidas e amplificadas.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise

    Michelle Rocha-Parise. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Das alterações provocadas pela pandemia da COVID-19, o setor educacional foi um dos mais afetados e o retorno às aulas está sendo bastante complexo de se resolver. Pensando nisso, nós do Ciência Pelos Olhos Delas desejamos trazer um olhar por dentro da problemática do ensino remoto por meio de conversas com profissionais do ensino fundamental/médio e superior.

    Mundialmente, o primeiro decreto de quarentena levantou discussões sobre o bem e/ou mal que o isolamento de crianças e jovens adultos poderia causar no desenvolvimento intelectual e social daqueles que ficaram em casa.

    Conforme o isolamento social foi se estendendo, o ensino foi reinventado para ser apresentado por meio de uma plataforma digital – aquela que pode ser feita à distância. Acreditamos que ela foi criada com o intuito de reduzir os impactos na progressão acadêmica dos alunos e também auxiliar economicamente as instituições. Contudo, essa alteração requer estudo e ações que viabilizem o andamento das aulas de forma igualitária a todos. 

    Aqui trazemos dois relatos de experiência, um hoje e um na semana que vem, para compartilhar um pouco a realidade do ensino remoto, a fim de enriquecer discussões acerca desse assunto.  

    ****

    Hoje, eu trago a primeira parte desse material: o relato da experiência da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). A Michelle é uma amiga que fiz na Unicamp, quando realizamos pós-doutorado em Neuroimunologia no Instituto de Biologia. Na UFJ, suas linhas de pesquisa apresentam projetos nos quais ela busca alternativas terapêuticas para doenças, especialmente aquelas de caráter autoimune, assim como o entendimento das alterações imunológicas causadas pelos agentes ambientais, ou seja, exposições ocupacionais de indivíduos que trabalham com substâncias deletérias (agrotóxicos). 

    Como aconteceu com grande parte dos cientistas no mundo todo, a quarentena provocou atrasos em sua pesquisa científica e alterou sua forma de lecionar. No caso dela, o isolamento social afetou não só o ir e vir dos alunos como também afetou a coleta de amostras humanas. 

    Diante da nova realidade, Michelle manteve as reuniões administrativas, orientações e aulas em diferentes plataformas digitais. Para ela, o deslocamento das aulas presenciais para o sistema de ensino remoto foi novidade, apresentou desafios e trouxe diferentes propostas de ensino. Leia a nossa conversa a seguir: 

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Eu sou farmacêutica com habilitação em análises clínicas e pós graduação lato sensu em análises clínicas na subárea Imunologia. Sou Mestre em Imunologia, Doutora em Farmacologia, e Pós Doutora em Neuroimunologia.

    Minha experiência como docente começou quando eu defendi o Mestrado e comecei a dar aula de Cosmetologia no Senac em um período que fiquei sem bolsa (financiamento para pesquisa). Já quando terminei o Doutorado, eu lecionei Farmacologia e Imunologia para uma Universidade privada. Quando eu estava no primeiro ano do Pós Doutorado eu ingressei na UFJ, onde eu leciono Farmacologia.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    A pandemia afetou de uma forma bastante expressiva as atividades da Universidade onde eu atuo, principalmente no que tange à parte da graduação. 

    Na parte administrativa houve uma comoção geral para nos adaptarmos com as tecnologias disponíveis para reunião remota e assim tudo foi sendo realizado de uma forma bastante satisfatória. Isso também porque a Universidade conta com um sistema eletrônico de informações, onde todas as assinaturas são eletrônicas, então essa parte não foi um problema. 

    Em relação às aulas houve muita discussão principalmente referente ao acesso dos discentes à tecnologias: acesso à internet e condições de ter um computador e/ou celular. Isso para que os alunos pudessem acompanhar as atividades de maneira satisfatória. Então, baseado nessa problemática, a Universidade suspendeu as atividades.

    O único curso que voltou às atividades de forma remota foi o que eu sou responsável, que é o curso de Medicina. Isso também porque fizemos um estudo e menos de 3% dos alunos não teriam como acompanhar as aulas remotas, o que foi suprido pelo curso/instituição. Esse retorno foi, muito provavelmente, possível devido à condição socioeconômica dos alunos desse curso, que têm uma posição mais privilegiada. Já os demais cursos ainda não retornaram e estão analisando os questionários para avaliar a possibilidade da volta às aulas remotamente.  

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Eu não tinha nenhuma experiência com ensino remoto, nunca havia feito nada nesse sentido. Inclusive, senti bastante dificuldade no início, o que foi sanado com a capacitação oferecida pela Universidade e a rotina do uso dos sistemas disponíveis para as reuniões. 

    Já por parte dos alunos, eles mesmos se organizaram e ofereceram uma semana de capacitação para manusear as diferentes plataformas e ferramentas. 

    Aqui não estamos fazendo o ensino à distância e sim o ensino remoto, onde oferecemos aulas síncronas e assíncronas, essa última é quando gravamos a aula e enviamos para o aluno previamente para que durante a aula possamos trabalhar melhor a discussão do assunto. Isso visando tentar manter a característica ativa da metodologia de ensino, utilizada pela Universidade.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As adaptações ocorreram na readequação do plano de ensino, sendo que as aulas práticas não passíveis de adaptação para vídeo serão ministradas no retorno das aulas presenciais. 

    A bibliografia também foi revista e somente textos e livros disponíveis online foram mantidos, também incluímos alguns artigos e livros de domínio público. Tudo foi adaptado de uma forma que o aluno consiga, através do acesso à biblioteca virtual da universidade ou pela rede em geral, ter acesso ao material didático proposto. 

    Já da minha parte, eu acho que tudo isso fez com que eu tornasse minhas aulas menos conteudistas e percebi agora que dá para otimizar a aula para o aluno absorver o conteúdo base. E aquilo que é adicional eu posso trabalhar com o aluno fora do horário de aula, com exercício por exemplo, tornando a hora aula mais produtiva. 

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    Em relação à adesão dos alunos como um todo foi muito bom, e vem sendo. Nosso retorno é muito recente, aconteceu dia 5 de outubro, e foi de maneira satisfatória. Eu tive alta adesão dos alunos com muitas perguntas durante a aula, mesmo ela sendo gravada. 

    Bom lembrar que a instituição deu um respaldo muito bom através de uma normativa para os docentes sobre como agir em relação ao registro e disponibilização da gravação das aulas. De toda forma tem sido bem proveitoso, os alunos têm participado.

    Eu controlo a frequência no início e no fim da aula, peço para que liguem câmera/microfone e tenho tido 100% de adesão. A única diferença é que tenho adaptado algumas das minhas aulas para um conteúdo mais otimizado e depois disponibilizo material complementar. Isso porque na aula virtual extensa é mais difícil manter o foco do aluno por muito tempo, tenho restringido minha aula entre 1h30 e no máximo 2 horas sem intervalo. 

    Ainda devo mencionar que o WhatsApp se tornou uma boa ferramenta durante o ensino remoto, pois virou nosso melhor meio rápido de comunicação, substituindo o email, que não olhamos durante o andamento das aulas remotas. 

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos? 

    Considerando que agora os alunos conseguem ter acesso à consulta, eu deixei as atividades complementares (que complementam a nota do semestre) com um grau de dificuldade maior, fazendo com que o aluno tenha que raciocinar e não somente copiar a resposta do texto de referência. 

    Também exigi que as respostas sejam manuscritas e escaneadas para carregamento na plataforma online, para que mesmo que o aluno tenha copiado as respostas ele pelo menos tenha o trabalho da cópia em próprio punho.

    Em relação às avaliações oficiais (provas finais) essas serão ministradas por meio da plataforma com tempo para resposta e uma prova com questões também mais de raciocínio, que dificulta a cópia entre colegas.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    Acho que o maior desafio desse sistema remoto é contar com a maturidade do discente, para que ele entenda que ele é o principal responsável pelo seu conhecimento. E que aquilo que se esconde hoje, por exemplo copiando o exercício ou logando na aula sem participar, será evidenciado mais adiante com o retorno das aulas presenciais e práticas. 

    Assim, o aluno de alguma forma vai demonstrar se ele foi fiel ao conhecimento ou não durante esse período de aula remota.Dessa forma, eu acho que na realidade o desafio do ensino remoto é realmente conscientizar os alunos que os responsáveis pelo conhecimento são eles mesmos, e que os docentes estão ali para instruir e direcionar. 

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Sim, eu pensei em continuar com algumas atividades online talvez em um canal no YouTube ou algo similar para os conteúdos que eu não consiga contemplar em sala de aula de forma satisfatória ou assuntos adicionais que não estão presentes no plano de ensino, mas que eu ache pertinente para a formação do aluno. 

    Eu acho que tem muita coisa útil no ensino remoto, as turmas virtuais por exemplo, mesmo quando as aulas voltarem eu farei mais uso visando a sistematização da informação. 

    9. O que você achou dos congressos/encontros realizados online através das plataformas?

    Em relação à participação em eventos, eu tenho sentido falta da proximidade que nos permite criar parcerias, que são estabelecidas primordialmente pelo contato social direto.

    A apresentação de trabalho de forma remota teve redução de tempo, de uma forma que não é possível exprimir a essência do trabalho de uma maneira adequada. 

    No geral, eu acredito que os eventos que aconteceram de forma remota não tiveram bons aproveitamentos. Isso porque fez com que os alunos prezassem pela quantidade de participação e não qualidade, já que é possível entrar em várias salas ao mesmo tempo. 

    O que eu acho é que algumas apresentações, principalmente os posters, podem continuar de forma virtual (nos livrando dos posters impressos), mas os encontros devem voltar sim para a forma presencial assim que possível. 

    10. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Eu acho que irá impactar de forma positiva desde que a gente tenha medidas de inclusão digital para a grande maioria dos alunos que têm uma vulnerabilidade socioeconômica muito grande. Mas eu acho que isso agora será uma tendência mundial: ter muitas coisas acontecendo de forma remota. Até mesmo as reuniões são mais produtivas, boa parte das questões administrativas podem continuar de forma remota. 

    Mas para o ensino dar certo, as ferramentas de ensino remoto precisam ser bem empregadas: treinamento, preparo e condições mínimas para uso. Desde a educação básica até o ensino superior, tudo teria que ser muito bem analisado para verificar quais seriam as principais adequações.

    Ainda, questões estruturais precisam ser revistas. Aqui mesmo na Universidade, por ser uma cidade pequena, a rede de internet Wi-Fi é ruim e dificulta o acesso dos alunos todos ao mesmo tempo. Quando voltarem às aulas presenciais, os alunos ainda utilizarão o sistema remoto e congestionarão a rede. Problemas assim precisam ser sanados.

    Outra coisa que também deve ser considerada é que o docente não recebe nenhum tipo de incentivo para o trabalho remoto. Os docentes arcam com as despesas da internet, da energia elétrica, e o computador utilizado para o trabalho é o de uso particular. Então esse é um ponto a ser considerado principalmente para os professores da educação básica que têm um salário menor e precisam de mais respaldo nessa parte. Também, os docentes mais antigos e com dificuldades para lidar com a tecnologia precisam ter algum tipo de atenção e preparo diferenciados por não terem familiaridade com os recursos tecnológicos. 

    ****

    O relato da Michelle é singular na sua atuação como docente do curso de Medicina da UFJ. Como ela cita, o ensino remoto nesse curso foi possível devido a uma posição socioeconômica favorável da maioria dos alunos; já os demais cursos de graduação ainda estão no processo de iniciar o ensino remoto. Assim, acredito que a realidade de outros Centros Universitários, públicos ou particulares, seja bastante diversa. Ainda, espero que este relato traga outras discussões entre seus pares sobre a instalação de um ensino remoto eficiente e igualitário

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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