Tag: anticorpos

  • As vacinas Astrazeneca e Coronavac nos protegem contra a variante Alfa? [Spoiler: sim]

    Alfa Texto escrito por Mariene Amorim, Maurílio Bonora Junior e José Luiz Proença-Modena

    Cá estamos nós de novo para falar de variantes (especificamente a Alfa) e de mais um estudo que saiu em pré-print recentemente, realizado por pesquisadores aqui da Unicamp. [vamos lançar um spoiler aqui para já ler o post inteiro sem alarmismos, ok?]. Esse estudo analisou a capacidade da variante Alfa (conhecida também por B.1.1.7, do Reino Unido) em se transmitir em ambientes fechados. Todavia, a análise levou em conta, também, o fato de a população estudada ter sido vacinada com a primeira dose de Astrazeneca ou as duas doses de Coronavac. 

    A partir dos resultados, apareceram também algumas evidências que a variante Alfa do SARS-CoV-2 é capaz de infectar e ser transmitida por pessoas imunizadas com a primeira dose da vacina da Astrazeneca e ambas as doses da CoronaVac.

    “Quer dizer que não valeu de nada eu ter tomado a vacina?”

    CALMA! Como diria Chapolin Colorado “Não priemos cânico”! Isso não quer dizer que se você tomou alguma dessas duas você está desprotegido. Vem conosco entender um pouco melhor essa pesquisa.

    Primeiro de tudo, precisamos entender que a infecção e a transmissão por indivíduos vacinados é algo comum já mostrado para muitas das vacinas corriqueiramente usadas em humanos. Além disso, isso não quer dizer que a vacina tenha baixa eficácia ou que não proteja contra o desenvolvimento da doença. De fato, o estudo mostra que a taxa de internação e de manifestações clínicas graves foi bem abaixo do esperado para pessoas dessa faixa de idade infectados com a variante alfa do SARS-CoV-2.

    Ademais, nesse estudo os autores mostraram que a detecção de SARS-CoV-2 e a presença de sintomas não foi correlacionada com os níveis de anticorpos neutralizantes, aqueles capazes de inativar o vírus e fazer com que ele não seja mais capaz de infectar uma nova célula.

    Isto é  muito relevante em tempos em que vemos muitas pessoas fazendo testes posteriormente às vacinas para averiguar se estão com anticorpos neutralizantes ou não! Esta pesquisa reforça cientificamente que este teste não faz sentido!

    Isso provavelmente se dá em consequência da complexidade da resposta imune protetora induzida pelas vacinas. Além disso,  precisamos entender que o nosso sistema imune é um conjunto de ferramentas muito diferentes, específicas e redundantes. Isto é, nós temos vários mecanismos e modos de se combater um patógeno, seja este um vírus, uma bactéria ou um fungo. Um desses mecanismos são os anticorpos, que tanto falamos no último ano. E mesmo os anticorpos não possuem somente a função de neutralização. Ou seja, eles podem agir de várias outras formas. Além disso, como disse, o sistema imune possui vários outros modos de combater ameaças, assim como células especializadas em combater vírus como o SARS-CoV-2 (vocês podem conferir isso aqui e aqui).

    Um segundo ponto que é necessário dizer aqui é: esses baixos níveis de anticorpos neutralizantes para algumas variantes de SARS-CoV-2 em pessoas que receberam algumas vacinas contra COVID-19 não é uma notícia nova. Cada vez mais temos visto publicações que apontam para dados como estes. Aqui no próprio Especial Covid-19 já escrevemos alguns textos falando sobre pesquisas daqui da Unicamp que apontavam para dados assim (aqui e aqui). E notem que usamos a palavra redução e não ausência de eficácia. Dessa forma, isso quer dizer que nós ainda geramos anticorpos e estes ainda são capazes de nos proteger. A diferença é que no caso dessas novas variantes, a quantidade que vemos não é tão alta quanto nos testes. Por quê? Justamente por não haver essas variantes durante a época dos testes, ou elas estarem começando a aparecer na população.

    Tá, mas e o artigo? O que descobriram então?

    Falando da pesquisa em si, os autores estudaram a dinâmica de transmissão de SARS-CoV-2 em duas populações de indivíduos vacinados e avaliaram se os níveis de anticorpos neutralizantes poderiam se correlacionar com a ausência de infecção ou da presença de sintomas clínicos. E eles observaram que não. Na verdade as maiores quantidades de anticorpos neutralizantes foram observadas em indivíduos sintomáticos. Tá, mas então estamos perdidos? NÃO. Calma lá….

    Os autores descobriram que apesar da variante alfa infectar e ser transmitida por indivíduos vacinados, a proteção contra a forma severa da Covid-19 e a chance de morte permanece semelhante com o que foi visto nos testes para a CoronaVac e Astrazeneca.

    Como assim?

    O fato dos indivíduos vacinados sintomáticos terem maiores níveis de anticorpos neutralizantes contra a variante alfa de SARS-CoV-2 do que os indivíduos vacinados assintomáticos ou não infectados, indicam que alguma “outra coisa” na resposta imune que nos mantém protegidos. O quê poderia ser? Possivelmente a resposta imune celular, como já comentada e explicada em outros textos.

    Um ponto interessante que os pesquisadores observaram, foi que a quantidade de anticorpos que a pessoa possui não está diretamente relacionada com a possibilidade de desenvolver sintomas. Pessoas com muitos anticorpos podem ou não ter sintomas, assim como pessoas com menos anticorpos também podem ou não desenvolver sintomas. Ou seja, existem outros fatores envolvidos na resposta imune que cada corpo vai gerar. 

    Dessa forma, os cientistas viram que a quantidade de anticorpos no sangue não importava caso quisessem prever se uma pessoa, que pegar a variante Alfa da Covid-19, teria uma doença mais leve ou mais branda. A lógica por trás disso é que usualmente pode-se pensar que as pessoas com maiores níveis de anticorpos deveriam ter uma doença mais leve. No entanto, não é bem assim que acontece sempre e, neste caso, foi justamente o oposto do observado.

    Mas pode isso, em nosso corpo (e na ciência?)

    Sim! A ciência é dinâmica e estamos sempre aprendendo mais e, quando necessário, revendo conhecimentos que produzimos ao longo do tempo. Dessa forma, embora seja comum pensar que pessoas com maiores níveis de anticorpos tenham a doença mais leve ou assintomática, foi observado que o oposto também pode acontecer. Ou seja, indivíduos com níveis mais baixos de anticorpos foram assintomáticos, enquanto alguns com altos níveis de anticorpos, desenvolveram sintomas.

    Isso nos mostra que, mesmo compreendendo muito sobre nosso corpo e seu funcionamento, sempre há mais para entender e pesquisar. A COVID-19 têm nos mostrado isso bastante e, mais do que questionar a ciência, ela nos demonstra exatamente como a ciência funciona: sempre buscando encontrar respostas para os fenômenos naturais e sociais de nossos tempos…

    Entretanto, é necessário lembrar – novamente – que mesmo com um menor nível de anticorpos contra a variante Alfa, a chance de desenvolver Covid-19 severa não foi modificada e as vacinas continuam protegendo as pessoas contra essa forma da doença, e a morte na grande maioria dos casos, tal como indicavam os testes clínicos (fase 3 dos testes).

    Os dois surtos ocorreram em locais parcialmente restritos, onde a maioria das pessoas tinham idade avançada!

    Em março de 2021, a Vigilância Epidemiológica de Campinas começou a investigação de dois surtos, um em um convento e outro em um lar de idosos, em parceria com o LEVE, do Instituto de Biologia da Unicamp. Foram coletadas amostras de todos, incluindo moradores e funcionários, sendo um total de 26 pessoas do convento e 52 pessoas do lar de idosos. No convento, 14 pessoas testaram positivo para SARS-CoV-2, e já haviam recebido a primeira dose da vacina AstraZeneca. Enquanto no lar de idosos, 22 pessoas que já haviam recebido duas doses da vacina CoronaVac testaram positivo.

    A média de idade dessas pessoas variou de 73 (convento) a 77 (lar de idosos) anos. Foi possível, por meio de sequenciamento do genoma do vírus na amostra de swab de algumas dessas pessoas, detectar a variante Alfa. Nesses dois surtos, 12 pessoas tiveram sintomas leves, enquanto 26 pessoas foram assintomáticas. Felizmente, o nível de gravidade foi semelhante ao que já havia sido descrito nos estudos das vacinas. São informações importantes para todos nós, que estamos preocupados com a disseminação de variantes pelo mundo e pelo Brasil. 

    Este caso do surto, analisado via sequenciamento genômico, é importante exatamente por dois motivos. Em primeiro lugar, por conseguirmos rastrear as variantes que estão circulando em nosso país. Em segundo lugar, pelo modo como as vacinas respondem às variantes – um estudo que o mundo inteiro está fazendo!

    Tá, mas porque tão falando tanto dessa variante Alfa?

    Muitos dos estudos recentes avaliando a efetividade das vacinas vêm focando no impacto das variantes na imunidade justamente pelo fato delas poderem escapar da nossa imunidade. A variante Alfa foi uma das primeiras a aparecer e rapidamente tomar conta de vários países. É nesse contexto que se divide as variantes em duas categorias: as VOI ou Variantes de Interesse (Variants of Interest) e as VOCs ou Variantes de Preocupação (Variants of Concern). 

    Finalmente,

    A mensagem deste trabalho é mostrar que apesar das novas variantes (especialmente a variante Alfa, observada no trabalho) serem capazes de escapar do efeito neutralizante de parte dos anticorpos induzidos pelas vacinas, podendo nos infectar e serem transmitidas para outras pessoas, esta resposta imune ainda é capaz de nos proteger contra a forma grave da Covid-19.

    Entretanto, não é só a vacina que vai nos salvar. Assim como surgiram variantes que escapam da proteção conferida pelos anticorpos, em um cenário em que as campanhas de vacinação são lentas, as pessoas não fazem distanciamento social e não usam máscaras, a chance para o aparecimento de uma variante que pode escapar TOTALMENTE da proteção das vacinas é significativa. Atualmente as variantes Gamma (P.1), predominante no Brasil, e a Delta, têm gerado preocupação pelo tanto de mutações acumuladas, e capacidade maior de transmissão!

    Por isso, seguimos insistindo no investimento científico, para detectar as variantes, controlá-las e perceber a efetividade das vacinas nestes casos! A ciência brasileira segue buscando meios de se manter produzindo conhecimento técnico e científico de ponta, para combater a pandemia da COVID-19.

    Por fim, a mensagem que fica é que precisamos continuar nos protegendo, seguindo as medidas recomendadas pelos órgãos competentes, mesmo que nós e pessoas do nosso círculo já estejam vacinadas, até que toda a população esteja vacinada e quebrarmos a transmissão do SARS-CoV-2.

    Referências:

    de Souza, William M. (…) Proenca-Modena, Jose Luiz, Clusters of SARS-CoV-2 Lineage B.1.1.7 Infection After Vaccination With Adenovirus-Vectored and Inactivated Vaccines: A Cohort Study. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3883263 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3883263            

    WHO (2021) Tracking SARS-CoV-2 variants

    Outros Materiais do Especial COVID-19:

    O que são Anticorpos?

    Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    Anticorpos Monoclonais! Quê?

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma

    Este texto foi escrito originalmente para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Nossos sites institucionais:

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    Unicamp – Coronavírus

  • Qual a relação entre Naruto, anticorpos e tratamento de COVID-19?

    Provavelmente você já deve ter ouvido falar sobre o mangá e anime “Naruto”, de 2007. Na história, o ninja adolescente enfrenta diversos vilões com o sonho de se tornar o líder da aldeia em que vive. Se você conhece um pouco da história, com certeza já viu o “Jutsu Clone das Sombras”, em que o Naruto cria diversas cópias de si mesmo para combater um inimigo. Mas o que isso tem a ver com COVID-19?

    Fig.1. Naruto e os Clones (2007). Imagem de Masashi Kishimoto

        Nosso sistema imune possui diferentes tipos de células e, dentre elas, os linfócitos B. Essas células são capazes de produzir um tipo de molécula, chamada de anticorpo, que se liga a corpos estranhos que invadem nosso organismo. Por exemplo, podemos produzir anticorpos contra o pólen das flores, vírus e bactérias. Porém, a nossa produção de anticorpos naturais acontece através de vários linfócitos B diferentes, sendo chamada de resposta policlonal. Com o objetivo de simular a resposta natural do nosso organismo, mas de maneira mais direcionada e eficiente, a ciência desenvolveu uma maneira de criar clones específicos, assim como o Naruto, para combater agentes agressores no nosso corpo: anticorpos monoclonais. 

    Os anticorpos monoclonais são feitos em laboratório e conseguem se ligar a lugares específicos do agente causador da doença. Isto é, com o objetivo de “imitar” uma resposta que nosso corpo teria contra ela, por exemplo a COVID-19. Os anticorpos monoclonais têm surgido como uma classe nova de remédios e já são utilizados para tratar alguns tumores e doenças autoimunes, como a esclerose.

        Esses anticorpos são produzidos através de um linfócito B diferenciado, chamado de plasmócito. Cada plasmócito é um clone, e esse clone irá produzir um único tipo de anticorpo, que é chamado de anticorpo monoclonal. Em um laboratório, é possível identificar qual é a especificidade desse anticorpo, e se ele será útil para um tratamento ou não. 

        Mas como é possível criar um clone para o que eu quero?

    Essa técnica foi descrita pela primeira vez por Georges Kohler e Cesar Milstein em 1975. Primeiro, é necessário infectar um animal com o patógeno (vírus ou bactéria da doença que estamos estudando), normalmente um camundongo. Este processo é chamado de imunização. Depois disso, pegamos as células B (plasmócitos) desse camundongo e provocamos a junção dessas células com células tumorais, através de um processo chamado de fusão, igualzinho a fusão que acontece em Dragon Ball.

    Essa fusão é importante pois células tumorais têm uma capacidade de se dividir muito rápido. Dessa forma, ajudará o plasmócito a criar mais clones. Se a fusão funciona, essas células passam a ser chamadas de hibridomas. Cada hibridoma produzirá apenas um tipo de anticorpo.

    Esses anticorpos são testados para saber se são específicos ou não, e, se a resposta for positiva, nós expandimos esse clone. Assim como o Naruto, essas células são capazes de criar muitas cópias de si mesmas, e a produção de anticorpos passa a ser tão grande que é possível tratar os pacientes. 

    Ficou confuso ainda assim? Então olha o esquema abaixo que montamos para ti!

    Figura 02. Produção de anticorpos monoclonais

        Os anticorpos monoclonais e a Covid-19

    Recentemente, a FDA (Food and Drug Administration) autorizou o uso de dois anticorpos monoclonais como forma de tratamento emergencial, o bamlanivimab e o etesevimab em casos de COVID-19 leve e moderada de adultos e crianças, incluindo pacientes com comorbidades. As duas moléculas agem especificamente na proteína spike, ou espinho, do SARS-CoV-2, impedindo que o vírus infecte as células humanas. Em um estudo clínico, esses anticorpos foram capazes de reduzir tanto a hospitalização, quanto a taxa de mortalidade de pacientes quando comparado com o grupo placebo (que não recebeu o tratamento). 

    Diferentemente dos anticorpos monoclonais, as vacinas fornecem uma proteção mais longa, mas demoram mais para gerar essa proteção, já que o corpo precisa gerar a resposta imune. Neste momento, onde precisamos de respostas rápidas, o uso desse tipo de tratamento é muito importante, já que ele oferece uma proteção “instantânea” e que pode durar de semanas até meses.  

    O distanciamento social, uso correto de máscaras e tratamentos cientificamente comprovados, associados com uma campanha de vacinação efetiva são as principais chaves para o fim dessa pandemia!

    https://www.ccjm.org/content/early/2021/02/17/ccjm.88a.ccc074

    Para saber mais: 

    Pallotta, AM, Kim, CY, Gordon, SM and Kim, Alice(2021) Monoclonal antibodies for treating COVID-19, Cleveland Clinic Journal of Medicine

    Wang, C., Li, W., Drabek, D. et al. A human monoclonal antibody blocking SARS-CoV-2 infection. Nat Commun 11, 2251 (2020). h

    FDA (2021) Coronavirus (COVID-19) Update: FDA Authorizes Monoclonal Antibodies for Treatment of COVID-19

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    Em textos anteriores, nós já vimos como minúsculos sinalizadores – os anticorpos – do nosso sistema imune trabalham para auxiliar nosso corpo a combater os patógenos que tentam nos fazer mal, na chamada Resposta Imune Humoral. Agora, vamos entender melhor como um exército de soldados pessoais combatem diariamente toda uma magnitude de inimigos que tentam invadir nosso organismo, na Resposta Imune Celular.

    O que é Imunidade Celular

    A resposta imune celular, ou imunidade celular, é aquela que reside (como o nome diz) nas nossas células do sistema imunológico. Ela pode ser passada de uma pessoa imunizada para um indivíduo que não teve contato com o patógeno através da transferência dessas células a partir da pessoa que já foi infectada. Este  fenômeno nós chamamos de Transferência Adotiva, pois a pessoa que recebe as células as “adota”. 

    Mas de que células estamos falando?

        Bem, aqui é uma pergunta complicada, pois o sistema imune é formado por uma infinidade de células com diversas, diferentes e muitas vezes redundantes funções, contudo aqui vamos abordar somente algumas delas. Primeiro precisamos lembrar de algo que já falamos sobre Anticorpos: a divisão e as principais características da imunidade inata e adaptativa. Começando pela Imunidade Inata, vamos citar as principais células responsáveis no combate dos três tipos de ameaças mais comuns: patógenos unicelulares (que vivem fora de nossas células), patógenos unicelulares (que vivem dentro de nossas células) e os vermes (representando a classe de patógenos multicelulares).

    Macrófagos

    Essas são as principais células responsáveis pelo combate aos patógenos extracelulares como bactérias, protozoários e fungos. Além disso, essas células tem um papel muito grande na limpeza dos tecidos durante e após uma infecção, eliminando restos de células mortas e auxiliando no processo de cicatrização. Dentre muitas habilidades, a principal arma dos macrófagos no combate a patógenos é a Fagocitose: o simples fenômeno de envolver uma partícula externa e/ou patógeno, trazê-la para dentro da célula (simbolizado no ato de comer) e digerir essa partícula ou patógeno. O interessante desse mecanismo é que alguns pesquisadores da evolução do sistema imune consideram ele o primeiro mecanismo imune a surgir 1. Isto porque mesmo os animais mais ancestrais (as esponjas) já possuem células com essa função de “comer”. Todavia, nesses animais tais células têm a função ligada à alimentação e não à defesa como em nós, mamíferos.

    Células Natural Killers

    Podemos dizer que essas células são a Polícia ou os Agentes Especiais do sistema imune inato. São as responsáveis por matar células modificadas. Isto é, aquelas células que sofreram alguma modificação dentro de si, seja pela infecção por um vírus ou outro patógeno intracelular, a transformação em uma célula cancerígena ou mesmo o envelhecimento celular. Essas células também estão envolvidas na rejeição de transplantes, por reconhecerem as células do doador como não pertencentes a nós.

    Diferentemente dos Macrófagos, essas células atuam não engolindo outras células. Mas liberando substâncias antivirais (os famosos Interferons) e citotóxicas. Com essas últimas sendo substâncias capazes de fazer com que as células cometam suicídio, (processo chamado Morte Celular Programada, ou Apoptose). Vocês podem pensar então “Ahh mas Maurílio, como elas sabem que as células estão saudáveis e são nossas?”. Eu respondo vocês: as Natural Killers matam somente a células que não apresentam uma molécula chamada MHC ou Complexo Principal de Histocompatibilidade. Um termo que é, sim, muito complicado até para nós que somos da área! Mas que quer dizer algo muito simples: essa molécula é o nosso crachá.

    Cada um de nós, humanos, temos um MHC diferente. Temos uma probabilidade próxima de zero de encontrarmos uma pessoa com um MHC igual ao nosso. Para se ter ideia, o grupo de genes responsáveis por essa molécula é aquele tem o maior número de variantes dentro da espécie humana. Assim, cada ser humano tem um MHC diferente, e todas as nossas células expressam ele. Como as Natural Killers fazem um “cara-crachá”, verificando se cada célula tem o nosso MHC, quando encontram alguma célula expressando um MHC diferente ou não expressam MHC qualquer, elas sabem que devem matar essa célula, ou por ela estar modificada (como no caso de câncer) ou por ela ser externa a nós.

    Eosinófilos

    Essas são as principais células responsáveis no combate a helmintos, ou comumente conhecidos: os vermes. Por esse tipo de patógeno ser muito grande, nossas células não conseguem “comer” ele, como os macrófagos fazem com bactérias e protozoários. Por causa disso, os eosinófilos carregam enzimas que liberam para destruir a parede das células do patógeno, ajudando no combate destes parasitas, mas também machucando os tecidos do hospedeiro – nós, no caso! Além disso, essas células são uma das principais responsáveis pelas alergias.

    Agora, falando sobre a resposta imune celular adaptativa, nós nos focaremos nos Linfócitos T, visto que os linfócitos B já foram comentados anteriormente em outro texto. Aqui é preciso lembrar que diferentes das células da imunidade inata que reconhecem somente alguns padrões moleculares que são comuns em vários patógenos, os linfócitos conseguem reconhecer muito mais especificamente os patógenos, ao ponto de que muitas vezes eles acabam “confundindo” fragmentos de proteínas nossas com o de algum patógeno, e é assim que começa uma doença autoimune. Mas isso é assunto para um outro texto.

    Além disso, é importante lembrar aqui também que são os linfócitos os responsáveis por gerar a memória imunológica, aquele fenômeno já comentado anteriormente em que após um primeiro contato com um patógeno, o sistema imune consegue responder de forma mais rápida, forte e eficiente contra esse mesmo patógeno em um segundo contato. Agora, falando dos linfócitos T, eles são divididos em duas classes de acordo com a sua função:

    Linfócito T Auxiliar

    Também conhecido como T Helper. Essa célula é responsável por liberar citocinas – proteínas que regulam a resposta celular – que vão dar todo o auxílio necessário para a resposta imune que já esteja atuando, seja ela antiviral, antibacteriana ou antiparasitária, por exemplo. Isso é feito de vários modos. Pode ser aumentando a eficiência de macrófagos em fagocitar e digerir e aumentando a produção de enzimas pelos eosinófilos. Também atuam ajudando os linfócitos B a se ativarem mais eficientemente e produzirem anticorpos mais específicos. Bem como aumentando a expressão de citocinas antivirais e substâncias citotóxicas pelas Natural Killers.

    Linfócito T Citotóxico

    Chamadas comumente de CTL. Assim como as Natural Killers, essas células são responsáveis por matar células modificadas (infectadas por vírus e cancerígenas). No final do processo, elas vão atuar da mesma forma que as Natural Killers. Para tanto, se utilizando de substâncias citotóxicas que levam as células afetadas a cometerem suicídio (apoptose), ao invés de fagocitarem como os macrófagos fazem. Contudo, a diferença é que essas células conseguem reconhecer especificamente quais células estão infectadas com qual patógeno, dessa forma, sua eliminação é muito mais eficiente.

    Visto tudo isso…

    Falou, falou… e a Covid-19?

    Vocês viram que ficou longo né? Estamos recém começando! Fica ligado aí, porque no próximo texto vamos abordar um pouco das pesquisas referente ao estudo da Imunidade Celular contra o Covid-19. Intrigantemente, essa é uma área em que poucas pesquisas estão sendo feitas no atual momento. Apesar de alguns grupos (inclusive daqui da UNICAMP) estarem trabalhando fervorosamente para descobrir como os linfócitos T funcionam no combate o SARS-CoV-2.

    Referências

    1. Buchmann, K (2014) Evolution of innate immunity: clues from invertebrates via fish to mammals; Frontiers in immunology, 5, 459.

    Para mais informações:

    Kaech, SM, Wherry, EJ, & Ahmed, R (2002) Effector and memory T-cell differentiation: implications for vaccine development; Nature Reviews Immunology, 2(4), 251-262. 

    Koch, U, & Radtke, F (2011) Mechanisms of T cell development and transformation, Annual review of cell and developmental biology, 27, 539-562. 

    Este texto foi publicado com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Plasma Convalescente: tratamentos a partir de anticorpos

    Já vimos o que são os anticorpos em um texto anterior, como eles são formados, quais as suas funções, mas resta uma dúvida: será que podemos usá-los como alguma forma de tratamento? E a resposta é sim!

    Toda a ideia por trás de usar anticorpos no combate a doenças infecciosas gira em torno do conceito de Imunidade Passiva e Plasma Convalescente. Assim, por causa disso, precisamos entender tais conceitos.

    A imunidade passiva (já comentada no texto sobre vacinas) é aquela que ocorre quando há somente a transferência de anticorpos de uma pessoa para outra. Dessa forma, o segundo indivíduo consegue melhorar da infecção, mas acaba não gerando uma memória imunológica contra o patógeno. Usa-se como indivíduo doador alguém que já foi infectado pelo patógeno em questão, pois ele já teve tempo de montar toda uma resposta imune adaptativa, o que inclui os anticorpos. Assim, esse conceito já é antigo, ele usado desde o final do século XIX, no combate a toxinas bacterianas, em uma era pré-antibióticos(1). 

    Mas aí podemos perguntar: por que então não damos o patógeno ou a toxina para todo mundo e todos montam essa resposta imune? Nesse caso, estamos falando de uma vacina, que leva a um processo de imunidade ativa, aquela que gera uma memória imunológica (já falamos de vacina, e você pode conferir aqui). Contudo, nesse momento aparecem alguns problemas para essa ideia, como as dificuldades em criar uma vacina: todo o processo é muito caro, difícil e demorado.

    Sobre o Plasma Convalescente

    Em momentos como o que estamos passando agora, cada minuto e hora que se passa é essencial para salvar uma vida. Apesar de ser necessário desenvolver vacinas para gerar uma memória imunológica na população, é também preciso usar de métodos para ajudar aqueles que já foram infectados e podem desenvolver a forma grave da doença. Pois, em muitos casos, a severidade da doença pode ser grande, com um alto grau de letalidade, ou ela pode ser muito contagiosa e tem a chance de causar uma forma agravada que pode levar a complicações (como a Covid-19).

    É nesse momento que entramos no uso do Plasma Convalescente. Em palavras mais simples, esse termo se refere a parte líquida do sangue, que não inclui hemácias e células de defesa, de pessoas que já ficaram doentes e se recuperaram. Dessa forma, é justamente nessa parte do sangue que estão os anticorpos neutralizantes contra o patógeno que queremos combater – no caso da Covid-19, o vírus SARS-CoV-2.

    Essa técnica já é usada há um século e os primeiros estudos do uso de plasma convalescente em uma infecção viral datam da gripe espanhola em 1919 e 1920(2). Um outro momento que o uso de plasma convalescente foi tido como uma possibilidade foi durante os recentes surtos de Ebola na África, uma doença altamente infecciosa e letal, que infelizmente até hoje não possui vacina ou medidas terapêuticas muito eficientes(3). E, é claro, atualmente tem se falado muito sobre esse procedimento no tratamento dos casos graves da Covid-19, enquanto não há uma vacina ou medicamento totalmente seguro e 100% eficiente para ela.

    Outras técnicas

    Um ponto que também precisamos citar aqui é o uso de anticorpos monoclonais no combate ao SARS-CoV-2 até uma vacina ficar pronta. Anticorpos monoclonais são um conjunto de anticorpos produzidos em laboratório que são exatamente iguais uns aos outros e que se ligam a uma única parte do patógeno, escolhida a dedo pelos cientistas, e dessa forma, sendo essencial para o patógeno. Mas além de combater vírus, bactérias e outros patógenos, essa ferramenta é tão poderosa que tem sido usada até mesmo no tratamento de diferentes tipos de cânceres e doenças autoimunes. Contudo, diferente do uso de plasma convalescente (que usa uma mistura de anticorpos – chamados policlonais – e moléculas contra diferentes partes do vírus), essa abordagem é muito mais cara e complexa de se manejar, levantando a questão (4): países e pessoas mais pobres vão ter condições de pagar por esse tipo de tratamento enquanto uma vacina não sair?

    Mas voltemos ao Plasma Convalescente

    Recentemente, a Food and Drug Administration (FDA) – uma agência dos Estados Unidos responsável pela proteção e promoção da saúde pública – aprovou o uso de plasma convalescente para o tratamento de pacientes com a forma grave da Covid-19(5). Assim, foi permitido o início de testes clínicos para analisar a eficiência do procedimento em diferentes aspectos da doença. Até agora cinco testes clínicos já foram começados na tentativa de verificar a eficácia de plasma convalescente nos seguintes aspectos(6): 

    • prevenção dos sintomas após contaminação; 
    • tratamento de casos sintomáticos leves para evitar complicações e a hospitalização; 
    • casos moderados de pacientes hospitalizados para prevenir a entrada na UTI e uso de equipamentos de ventilação;
    • última alternativa (chamada de “terapia de resgate”) em pacientes graves que estão sendo ventilados;
    • casos pediátricos.

    Por fim…

    O uso do plasma convalescente vem se provando uma poderosa ferramenta que poderemos adicionar em nosso arsenal para combater a Covid-19. Mas é claro que ela tem seus prós e contra. A favor dela temos a provável eficiência clínica, a disponibilidade quase que imediata de doadores (visto os mais de 2 milhões e meio de brasileiros recuperados e 15 milhões de pessoas ao redor do mundo). Ademais, temos o custo relativamente mais baixo do que o desenvolvimento de novos antivirais, ou mesmo o reposicionamento de fármacos (que já mencionamos nestes textos aqui e aqui).

    Além disso, o uso de plasma convalescente pode se provar uma ótima medida preventiva, principalmente para os agentes de saúde que ficam na linha de frente, combatendo a infecção e se expondo a contaminação. Já os contras se concentram principalmente na parte administrativa e logística, focando na identificação, consentimento, coleta e teste dos possíveis doadores (7). Assim, os prós e contras devem ser pesados, analisando principalmente o que a literatura irá falar nos próximos meses, caso novas pesquisas corroborem o uso de tal medida ou descubram problemas.

    Ciência Brasileira

    Rabelo-da-Ponte, FD; Silvello, D, Scherer, JN, Ayala, AR, Klamt, F (2020) Convalescent Plasma Therapy on Patients with Severe or Life-Threatening COVID-19: A Metadata Analysis, The Journal of Infectious Diseases

    Artigos Citados:

    1. Casadevall A, Dadachova E, Pirofski LA (2004) Passive antibody therapy for infectious diseases. Nat Rev Microbiol; 2(9):695-703

    2. Brown, BL, & McCullough, J (2020) Treatment for emerging viruses: convalescent plasma and COVID-19, Transfusion and Apheresis Science, 102790.

    3. World Health Organization (2014) Use of convalescent whole blood or plasma collected from patients recovered from Ebola virus disease for transfusion, as an empirical treatment during outbreaks. Interim guidance for national health authorities and blood transfusion services; Geneva: World Health Organization

    4. Leford, H (2020) Antibody therapies could be a bridge to a coronavirus vaccine — but will the world benefit? Nature, 

    5. Tanne JH (2020) Covid-19: FDA approves use of convalescent plasma to treat critically ill patients. BMJ 2020;368:m1256. 

    6. Bloch EM, Shoham S, Casadevall A, et al (2020) Deployment of convalescent plasma for the prevention and treatment of COVID-19 J Clin Invest; 130(6):2757-2765. 

    7. Sullivan, HC, & Roback, JD (2020) Convalescent plasma: therapeutic hope or hopeless strategy in the SARS-CoV-2 pandemic Transfusion Medicine Reviews.

    Para saber mais

    Marano, G, Vaglio, S, Pupella, S, Facco, G, Catalano, L, Liumbruno, G. M, & Grazzini, G (2016) Convalescent plasma: new evidence for an old therapeutic tool? Blood Transfusion, 14(2), 152.

    Center for Biologics Evaluation and Research, USF and DA (2020) Recommendations for investigational COVID-19 convalescent plasma

    Duan, K, Liu, B, Li, C, Zhang, H, Yu, T, Qu, J, … & Peng, C (2020) Effectiveness of convalescent plasma therapy in severe COVID-19 patients. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(17), 9490-9496.

    Rojas, M, Rodríguez, Y, Monsalve, DM, Acosta-Ampudia, Y, Camacho, B, Gallo, JE, … & Mantilla, R D (2020) Convalescent plasma in Covid-19: Possible mechanisms of action; Autoimmunity Reviews, 102554.

    Expanding access to monoclonal antibody-based products: a global call to action. Wellcome; 2020 August. Avaliable at: https://wellcome.ac.uk/sites/default/files/expanding-access-to-monoclonal-antibody-based-products.pdf

    Outros textos do Blogs

    Vacinas: de onde vêm e para onde vão

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    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Recentemente temos ouvido falar muito sobre todas as pesquisas que têm sido realizadas para se descobrir uma vacina contra a Covid-19: Inglaterra, China, Rússia, todos estão correndo para ser o primeiro país a ter uma vacina aprovada para uso humano e que seja realmente eficiente em gerar uma imunidade em nós. Mas como que realmente funciona uma vacina e porque – em geral – demora-se tanto para desenvolver uma?

    Imunidade ativa e passiva

    Antes de falarmos sobre vacina, precisamos ter dois conceitos muito bem claros em nossa cabeça: Imunidade Ativa e Passiva. A Imunidade Ativa é aquela em que o nosso próprio corpo desenvolve a resposta imune contra o patógeno, um processo demorado, mas que nos garante uma proteção que pode durar décadas, a chamada memória imunológica (explicada no texto sobre anticorpos). Já a Imunidade Passiva, ocorre quando adquirimos anticorpos já prontos a partir de um outro organismo que os produziu. Esse processo garante uma imunidade rápida e eficiente, porém ela é temporária. A Imunização Passiva acontece, por exemplo, quando a mãe está amamentando o filho ou quando utilizamos de soros antiofídicos e antiaracnídicos, após picadas de cobras e aranhas.

    O processo de imunidade ativa pode ser desencadeado tanto de forma natural quanto de forma artificial. O primeiro acontece quando entramos em contato com o patógeno no próprio ambiente, como quando pegamos uma gripe. Já o segundo processo acontece quando somos expostos de forma intencional ao patógeno – que muitas vezes está enfraquecido ou destruído – ou a partes dele, como ocorre no processo de vacinação. 

    Histórico da vacina e o que é vacina

    O conceito de vacina foi descoberto no século XVIII por Edward Jenner, considerado o pai da imunologia, que observou que fazendeiros que contraiam a varíola da vaca, ficavam protegidos contra a varíola humana. A partir dessas observações, Jenner infectou pessoas com a varíola da vaca e após algum tempo, infectou essas mesmas pessoas com a varíola humana, observando que estas não ficavam doentes como as pessoas que não eram infectadas pela varíola da vaca anteriormente. Com isso, ele comprovou sua hipótese e criou a primeira vacina. Décadas mais tarde, no ano de 1980, a OMS declarou oficialmente a erradicação da varíola no mundo 1.

    Mas afinal, o que é a vacina?

    Vacinas nada mais são do que os patógenos – causadores de doenças que conhecemos – enfraquecidos, mortos ou fragmentos deles, que são injetados nos organismos para simular uma infecção natural (no processo dito acima de Imunização Ativa Artificial). Foi a partir desse processo que muitas doenças desapareceram de vários países, como a varíola, poliomielite, tuberculose e outras. Mas também é por causa da negligência e do crescente movimento Anti-vax que muitas doenças estão voltando a circular em países que anteriormente não a tinham mais, como é o caso do sarampo aqui nas Américas. 

    Leva-se anos para desenvolver uma vacina (a média de tempo é de 10 anos 2), e durante todos esses anos ela é testadas de inúmeras formas para ser segura para podermos tomarmos. Muito se fala sobre febre e a dor local após tomar uma vacina, mas isso nada mais é do que uma reação do corpo comum para qualquer infecção. A febre é até uma forma do nosso sistema imune combater alguns patógenos e, desde que não seja alta, está tudo bem.

    A única contra-indicação de vacinas são para pessoas alérgicas à algum componente dela. Contudo, essas pessoas são minorias na população e para elas estarem seguras contra o patógeno todos a sua volta precisam estar vacinados. Neste ponto é importante lembrar que a vacina é um pacto social. Isto é, quando a maioria da população toma a vacina, protege também quem não pode tomar, pois diminui a circulação dos vírus patógenos. Assim, todos nós precisamos nos vacinar para gerar a chamada Imunidade de Rebanho.

    Tipos de Vacina

    Mas voltando às vacinas propriamente ditas, não existe somente um tipo delas, mas sim vários. Aqui vamos explicar somente os principais 3, 4:

    – Vacinas de Patógenos Vivos:

    calma, não entremos em pânico por causa do nome! Apesar desse tipo de vacina ter sim o patógeno causador da doença vivo ele está sempre atenuado, ou em outras palavras, enfraquecido. Nesse tipo de vacina, o patógeno (seja um vírus, bactéria ou outro microorganismo), passa por um processo que compromete sua habilidade de causar a doença em nós, apesar dele ainda conseguir infectar nossas células. Em casos de vírus, muitas vezes o vírus que infecta humanos é cultivado em células de macacos ou outros animais por várias gerações, até que ele adquira mutações que fazem com que ele infecte muito bem células de macaco, ao mesmo tempo que perde a capacidade de infectar muito bem as nossas células, e então ele está atenuado.

    Normalmente, esse tipo de vacina é o melhor, pois em geral é necessário somente uma dose, a resposta e memória imunológica é de longa duração, gerando uma resposta imune celular e humoral (também comentada no texto de anticorpos). Contudo, há uma pequena chance de reversão do vírus, em que ele readquire a capacidade de infectar nossas células com força total e causar a doença que estamos tentando prevenir. É por esse fato que tal vacina é tão difícil de produzir, pois os pesquisadores muitas vezes não conseguem diminuir esse risco e o projeto da vacina não segue em frente.

    – Vacinas de Patógenos Inativado (morto)

    como o próprio nome diz, esse tipo de vacina nos dá o patógeno inteiro também, mas ele está morto. E com isso já temos uma vantagem logo de cara: não há o risco de reversão, como nos casos de patógenos atenuados. Contudo, também há alguns problemas. Pelo patógeno estar morto, ele não consegue se replicar dentro de nossas células, o que prejudica a formação de uma resposta imune celular. Assim, o tipo de resposta imune que vamos desenvolver é principalmente do tipo Humoral (focando nos anticorpos). Além disso, esse tipo de vacina, em geral, requer diversas doses de reforço e muitas vezes o uso de Adjuvantes: substâncias capazes de aumentar a eficiência da resposta imune contra o patógeno que estamos injetando junto.

    – Vacinas de Subunidades:

    Graças a biotecnologia que temos hoje em dia, caso um patógeno seja muito perigoso e não possamos usar ele inteiro, podemos trabalhar com partes dele, como com alguma proteína dele ou outro fragmento. Dessa forma nós tiramos todo o risco de patogenicidade da vacina, além de ser facilmente produzido em larga escala. Contudo, novamente temos problemas: o uso de adjuvantes, o maior número de doses de reforço e somente a resposta imune humoral participando. Além disso, ainda há um segundo fator problemático: algumas pessoas podem não responder a esse fragmento que está sendo utilizado na vacina. 

    O caso mais emblemático é o da vacina de Hepatite B. É relativamente comum encontrarmos pessoas que tomaram diversas doses da vacina para Hepatite B e constaram como “não-reagentes”, isto é, não desenvolveram anticorpos contra o vírus. Por questões genéticas da própria pessoa, mesmo que ela tome 1000 doses dessa vacina, ela jamais vai responder a esse fragmento. Isso quer dizer que ela é mais suscetível ao vírus da Hepatite B do que eu (que hipoteticamente sou reagente) e vai morrer caso contraia a doença? Não, de forma alguma! Isso só quer dizer que para esse pedaço específico do vírus, usado para fazer a vacina, ela não é capaz de responder, contudo, caso ela entre em contato com o vírus inteiro, ela responderá normalmente à ele, como qualquer outra pessoa.

    Vacinas contra Covid-19

    Atualmente as duas principais concorrentes para ser a primeira vacina contra Covid-19 são as vacinas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e a vacina da Sinovac Biotech, uma empresa chinesa com base em Pequim. Enquanto a vacina da Sinovac Biotech se baseia no modelo de vacina com o vírus morto 4, 5, a vacina da universidade de Oxford, se baseia em um novo modelo nunca utilizado antes em vacinas, em que se usa um vetor viral 4, 6, 7. Mas o que é isso? Um vetor viral nada é do que um vírus, criado geneticamente para carregar e produzir o material genético de outro organismo. No caso da vacina, esse vírus “caminhão” é responsável por causar um resfriado em macacos, mas foi inativado e engenhado geneticamente para ter as informações e ser capaz de produzir a proteína Spike, a principal proteína do SARS-CoV-2. 

    Atualmente, ambas as vacinas já estão na fase 3 de testes onde milhares de seres humanos estão sendo testados com elas para se descobrir se a resposta imune que elas causam em nós é realmente protetora. Até agora, as informações que temos é que ambas as vacinas não são perigosas para nós e conseguem desenvolver anticorpos, mas a dúvida que fica é: será que essa proteção é realmente eficiente em nos proteger? E principalmente: quanto tempo essa proteção durará?

    Para saber mais

    1. Organização Panamericana de Saúde (2020) Erradicação da varíola: um legado de esperança para COVID-19 e outras doenças 
    2. Pronker, ES, Weenen, T. C, Commandeur, H, Claassen, EH, & Osterhaus, AD (2013) Risk in vaccine research and development quantified. PloS one, 8(3), e57755. 
    3. Rauch, S, Jasny, E, Schmidt, KE, & Petsch, B (2018) New vaccine technologies to combat outbreak situations. Frontiers in immunology, 9, 1963.
    4. Callaway, E (2020a) The race for coronavirus vaccines: a graphical guide; Nature, 28 April.
    5. Gao, Q, Bao, L, Mao, H, Wang, L, Xu, K, Yang, M,& Gao, H (2020) Development of an inactivated vaccine candidate for SARS-CoV-2; Science.
    6. van Doremalen, N, Lambe, T, Spencer, A, Belij-Rammerstorfer, S, Purushotham, J N, Port, J. R, & Feldmann, F (2020) ChAdOx1 nCoV-19 vaccination prevents SARS-CoV-2 pneumonia in rhesus macaques. bioRxiv. 
    7. Mullard, Asher (2020) COVID-19 vaccines start moving into advanced trials. Nature

    Outras Leituras:

    Outros textos sobre Vacinas no Especial

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    MODERNizAndo a vacina contra a COVID-19

    Vacina COVID-19 – Por que demora?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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