Tag: aquecimento global

  • Acredite na vacina e também no aquecimento global

    Se sairmos logo desta pandemia, o clima deve ser o tema de preocupação global mais urgente

    Se havia esperança de que o ano de 2021 seria diferente, pelo menos este primeiro semestre vai lembrar muito 2020. Mas 2020 não foi só o ano da pandemia. Foi também o segundo mais quente da história. A agência europeia Copernicus (2021), a partir de dados analisados, informou que 2020 se igualou a 2016 como o ano mais quente da história, com 1.25°C acima dos níveis pré-industriais. No ano passado, houve ondas de calor devastadoras na Europa, incêndios florestais sem precedentes no Brasil e na Austrália, milhares de mortes devido ao ciclone Idai na África, e uma série de outros eventos climáticos extremos.  

    E o que o coronavírus tem a ver com o clima? Os impactos do clima aumentam a probabilidade do surgimento de pandemias por consequência de mudanças nos habitats de vetores de doenças ou aumento do contato entre espécies resultante do desmatamento.

    No caso da COVID-19, os efeitos na saúde não param na infecção em si, pois são amplificados com consequências socioeconômicas que podem impactar gerações. O Banco Mundial já previu uma retração econômica em todo o mundo de 4,3% em 2020. Entre 40 e 60 milhões de pessoas serão levadas à pobreza extrema, uma perda equivalente a três anos no esforço de redução da pobreza. No Brasil, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou queda de 5% do Produto Interno Bruno (PIB).

    Da mesma forma, as mudanças climáticas geram eventos em escala que afetam da produção agrícola à migração forçada de populações. Portanto, apesar desta crise de saúde sem precedentes, as mudanças climáticas ameaçam produzir choques de maior magnitude em períodos de tempo mais longos.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Sem medidas suficientes, os impactos da crise climática na saúde e na economia tendem a ser crescentes e contínuos. A OMS já alertou que a poluição do ar custou quase US$ 3 trilhões, o equivalente a mais de 3% do PIB global, apenas em 2018, sendo responsável por 7 milhões de mortes todos os anos.  

    No Brasil, o transporte de passageiros é a fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que mais cresce. Dados do Observatório do Clima (2018) mostram que entre 1990 e 2012, houve um aumento de 84 para 204 mi/ton., sendo a principal fonte de emissões municipais e o segundo em nível nacional, perdendo apenas para a agropecuária. E em São Paulo, a poluição será responsável por mais de 50 mil mortes até 2030, segundo pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade e Escola Paulista de Medicina (2014).

    E agora, humanos?

    Podemos ter um vislumbre de esperança? Sim! Embora o caminho para controlar o coronavírus seja marcado por polêmicas e escolhas difíceis, há sinais de esperança. Os países estão provando que é possível achatar a curva e aproximar-se de uma imunização global a partir de esforços coletivos.

    Uma lição aprendida foi que a coordenação entre os países na corrida por uma vacina em tempo recorde resultou em parcerias bem-sucedidas a partir da ciência e da tecnologia. No entanto, a falta deste mesmo tipo de coordenação global para políticas climáticas decepciona. Uma governança ambiental global é mais do que necessária.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Mas alguns países como a Japão, Canadá e Reino Unido já têm assumido compromissos “net zero” tanto na arena empresarial quanto governamental. A China tem feito esforços massivos para descarbonizar sua economia, investindo em energias limpas e cidades inteligentes, com a meta de neutralizar a emissão de carbono até 2060. E essa pauta deve se fortalecer com o retorno dos Estados Unidos à Agenda de Paris.

    E neste ano, a Conferência do Clima da ONU (COP 26), que acontece em novembro, em Glasgow, na Escócia, será decisiva ao reavaliar os objetivos e metas de redução de emissões do Acordo de Paris, que acaba de completar cinco anos.

    Mais do que nunca, temos a responsabilidade de fazer as coisas de maneira diferente para que o velho normal do insustentável “business as usual” não volte a ser o status quo e que a saúde das pessoas e do planeta seja prioridade.

    Fontes:

    COPERNICUS. Copernicus: 2020 warmest year on record for Europe; globally, 2020 ties with 2016 for warmest year recorded. Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-2020-warmest-year-record-europe-globally-2020-ties-2016-warmest-year-recorded. Acesso em 08/01/2021.

    OMS. 7 million premature deaths annually linked to air pollution. Disponível em: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2014/air-pollution/en/. Acesso em 20/01/2021.

    OBSERVATÓRIO DO CLIMA. SEEG 8 – Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas de clima do Brasil (1970-2019). Disponível em: http://www.observatoriodoclima.eco.br/seeg-8-analise-das-emissoes-brasileiras-de-gases-de-efeito-estufa-e-suas-implicacoes-para-metas-de-clima-brasil-1970-2019/. Acesso em 20/01/2021.

    VORMITTAG, E. M. P. A. A.; COSTA, R. R.; BRAGA, A. A.; MIRANDA, M. J.; NASCIMENTO, N. C.; SALDIVA, P. H. Monitoramento da qualidade do ar no Brasil. Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2014. Disponível em: http://www.saudeesustentabilidade.org.br/site/wp-content/uploads/2014/07/Monitoramento-da-Qualidade-do-Ar-no-Brasil-2014.pdf. Acesso em 01/02/2021.

    Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza de Fato

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Surfando as crises globais: segunda onda da COVID-19 e ondas de calor

    A pandemia do coronavírus causou 1,3 milhões de mortes no mundo até o momento. A poluição atmosférica mata 7 milhões de pessoas todos os anos. Por que a crise climática não é vista como crise?

    A Covid-19 escancarou a vulnerabilidade da globalização e tem sido um experimento não programado sobre os impactos das mudanças do clima. Se por um lado, o confinamento afetou a economia e a sanidade mental, por outro, se revelou benéfica para o meio ambiente. Como resultado involuntário, as medidas de contenção da pandemia ajudaram a melhorar a qualidade do ar, com a redução das emissões de CO2, principal gás de efeito estufa (GEE), e dos poluentes tóxicos, especialmente nos centros urbanos.

    Segundo a Organização Mundial de Meteorologia (WMO, 2020), o confinamento resultou numa redução de 17% nas emissões de GEE em abril, em comparação com 2019. Entretanto, um estudo da Nature Climage Change reportou que a redução nas emissões globais de GEE e de poluentes por causa da pandemia será “insignificante” para alterar o rumo das mudanças climáticas na Terra, levando a uma redução de apenas 0,005ºC a 0,01ºC na temperatura do planeta.

    Esta não é a primeira vez que vivemos um período de redução das emissões de gases poluentes em decorrência de uma diminuição das atividades humanas. Durante a crise financeira de 2008, por exemplo, percebeu-se reduções destes gases. Mas, após esse período, as emissões foram retomadas em níveis ainda maiores em decorrência do esforço econômico de recuperação. Isso só reafirma que as melhorias são efêmeras e pontuais, uma vez que não estão acontecendo transformações sistêmicas, nos processos decisórios, nas estruturas de produção de bens, no modelo de consumo, no uso da terra e na matriz de transportes atuais.

    Por que a crise climática não tem o mesmo apelo da sanitária?

    A questão sanitária é vista como crise porque pressupõe a retomada ao estado “normal” após ser superada. Já a questão climática, não alcança esse status porque cresce de forma gradual. Mesmo assim, esta é uma oportunidade de testemunhar um período propício para reavermos a implementação de políticas públicas e o esforço coletivo a fim de descarbonizar a sociedade e a economia.

    Essas mudanças vão depender das políticas de recuperação das atividades no pós-pandemia, mas também de um esforço coletivo para garantir sua implementação para que essa redução não seja apenas temporária.

    Além disso, apenas mudanças estruturais na economia e nas matrizes de transporte e energia não serão capazes de sustentar reduções em longo prazo porque são oriundas de respostas individuais. Em vez de atitudes tomadas por imposição, como a suspensão de voos e a limitação do uso de carros, é preciso maior conscientização para atingirmos as metas de emissões de GEE.

    Doenças infecciosas são assustadoras porque são imediatas e pessoais, com impacto direto no dia a dia. A mudança climática pode parecer impessoal e distante, com causas difusas.

    5 medidas viáveis para reduzir os impactos do clima e evitar novas pandemias

    1. Reduzir o desmatamento ajuda a conter a perda de biodiversidade, motivo de propagação de doenças infecciosas transmitidas por animais forçados a migrarem para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas.

    2. Repensar nossas práticas agrícolas, incluindo aquelas que dependem da criação de animais em ambientes fechados, mais suscetíveis a transmissões entre animais e humanos.

    3. Combater a poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis, minimizando os impactos de infecções respiratórias como o coronavírus.

    4. Gerar energia a partir de fontes de baixo carbono, como a solar e eólica, reduzindo a emissão de poluentes atmosféricos responsáveis por problemas de saúde e mortes prematuras que pressionam os sistemas de saúde.

    5. Fomentar a governança participativa, com forte atuação dos cientistas para aconselhar os formuladores e gestores de políticas públicas em respostas baseadas em fatos e na avaliação de riscos.

    Para Saber Mais

    FORSTER, Piers M et al, Current and future global climate impacts resulting from COVID-19, Nature Climate Change, v10, n10, p913-919, 2020.

    A autora

    Por Jaqueline Nichi graduou-se em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa centra-se nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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