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  • As vacinas Astrazeneca e Coronavac nos protegem contra a variante Alfa? [Spoiler: sim]

    Alfa Texto escrito por Mariene Amorim, Maurílio Bonora Junior e José Luiz Proença-Modena

    Cá estamos nós de novo para falar de variantes (especificamente a Alfa) e de mais um estudo que saiu em pré-print recentemente, realizado por pesquisadores aqui da Unicamp. [vamos lançar um spoiler aqui para já ler o post inteiro sem alarmismos, ok?]. Esse estudo analisou a capacidade da variante Alfa (conhecida também por B.1.1.7, do Reino Unido) em se transmitir em ambientes fechados. Todavia, a análise levou em conta, também, o fato de a população estudada ter sido vacinada com a primeira dose de Astrazeneca ou as duas doses de Coronavac. 

    A partir dos resultados, apareceram também algumas evidências que a variante Alfa do SARS-CoV-2 é capaz de infectar e ser transmitida por pessoas imunizadas com a primeira dose da vacina da Astrazeneca e ambas as doses da CoronaVac.

    “Quer dizer que não valeu de nada eu ter tomado a vacina?”

    CALMA! Como diria Chapolin Colorado “Não priemos cânico”! Isso não quer dizer que se você tomou alguma dessas duas você está desprotegido. Vem conosco entender um pouco melhor essa pesquisa.

    Primeiro de tudo, precisamos entender que a infecção e a transmissão por indivíduos vacinados é algo comum já mostrado para muitas das vacinas corriqueiramente usadas em humanos. Além disso, isso não quer dizer que a vacina tenha baixa eficácia ou que não proteja contra o desenvolvimento da doença. De fato, o estudo mostra que a taxa de internação e de manifestações clínicas graves foi bem abaixo do esperado para pessoas dessa faixa de idade infectados com a variante alfa do SARS-CoV-2.

    Ademais, nesse estudo os autores mostraram que a detecção de SARS-CoV-2 e a presença de sintomas não foi correlacionada com os níveis de anticorpos neutralizantes, aqueles capazes de inativar o vírus e fazer com que ele não seja mais capaz de infectar uma nova célula.

    Isto é  muito relevante em tempos em que vemos muitas pessoas fazendo testes posteriormente às vacinas para averiguar se estão com anticorpos neutralizantes ou não! Esta pesquisa reforça cientificamente que este teste não faz sentido!

    Isso provavelmente se dá em consequência da complexidade da resposta imune protetora induzida pelas vacinas. Além disso,  precisamos entender que o nosso sistema imune é um conjunto de ferramentas muito diferentes, específicas e redundantes. Isto é, nós temos vários mecanismos e modos de se combater um patógeno, seja este um vírus, uma bactéria ou um fungo. Um desses mecanismos são os anticorpos, que tanto falamos no último ano. E mesmo os anticorpos não possuem somente a função de neutralização. Ou seja, eles podem agir de várias outras formas. Além disso, como disse, o sistema imune possui vários outros modos de combater ameaças, assim como células especializadas em combater vírus como o SARS-CoV-2 (vocês podem conferir isso aqui e aqui).

    Um segundo ponto que é necessário dizer aqui é: esses baixos níveis de anticorpos neutralizantes para algumas variantes de SARS-CoV-2 em pessoas que receberam algumas vacinas contra COVID-19 não é uma notícia nova. Cada vez mais temos visto publicações que apontam para dados como estes. Aqui no próprio Especial Covid-19 já escrevemos alguns textos falando sobre pesquisas daqui da Unicamp que apontavam para dados assim (aqui e aqui). E notem que usamos a palavra redução e não ausência de eficácia. Dessa forma, isso quer dizer que nós ainda geramos anticorpos e estes ainda são capazes de nos proteger. A diferença é que no caso dessas novas variantes, a quantidade que vemos não é tão alta quanto nos testes. Por quê? Justamente por não haver essas variantes durante a época dos testes, ou elas estarem começando a aparecer na população.

    Tá, mas e o artigo? O que descobriram então?

    Falando da pesquisa em si, os autores estudaram a dinâmica de transmissão de SARS-CoV-2 em duas populações de indivíduos vacinados e avaliaram se os níveis de anticorpos neutralizantes poderiam se correlacionar com a ausência de infecção ou da presença de sintomas clínicos. E eles observaram que não. Na verdade as maiores quantidades de anticorpos neutralizantes foram observadas em indivíduos sintomáticos. Tá, mas então estamos perdidos? NÃO. Calma lá….

    Os autores descobriram que apesar da variante alfa infectar e ser transmitida por indivíduos vacinados, a proteção contra a forma severa da Covid-19 e a chance de morte permanece semelhante com o que foi visto nos testes para a CoronaVac e Astrazeneca.

    Como assim?

    O fato dos indivíduos vacinados sintomáticos terem maiores níveis de anticorpos neutralizantes contra a variante alfa de SARS-CoV-2 do que os indivíduos vacinados assintomáticos ou não infectados, indicam que alguma “outra coisa” na resposta imune que nos mantém protegidos. O quê poderia ser? Possivelmente a resposta imune celular, como já comentada e explicada em outros textos.

    Um ponto interessante que os pesquisadores observaram, foi que a quantidade de anticorpos que a pessoa possui não está diretamente relacionada com a possibilidade de desenvolver sintomas. Pessoas com muitos anticorpos podem ou não ter sintomas, assim como pessoas com menos anticorpos também podem ou não desenvolver sintomas. Ou seja, existem outros fatores envolvidos na resposta imune que cada corpo vai gerar. 

    Dessa forma, os cientistas viram que a quantidade de anticorpos no sangue não importava caso quisessem prever se uma pessoa, que pegar a variante Alfa da Covid-19, teria uma doença mais leve ou mais branda. A lógica por trás disso é que usualmente pode-se pensar que as pessoas com maiores níveis de anticorpos deveriam ter uma doença mais leve. No entanto, não é bem assim que acontece sempre e, neste caso, foi justamente o oposto do observado.

    Mas pode isso, em nosso corpo (e na ciência?)

    Sim! A ciência é dinâmica e estamos sempre aprendendo mais e, quando necessário, revendo conhecimentos que produzimos ao longo do tempo. Dessa forma, embora seja comum pensar que pessoas com maiores níveis de anticorpos tenham a doença mais leve ou assintomática, foi observado que o oposto também pode acontecer. Ou seja, indivíduos com níveis mais baixos de anticorpos foram assintomáticos, enquanto alguns com altos níveis de anticorpos, desenvolveram sintomas.

    Isso nos mostra que, mesmo compreendendo muito sobre nosso corpo e seu funcionamento, sempre há mais para entender e pesquisar. A COVID-19 têm nos mostrado isso bastante e, mais do que questionar a ciência, ela nos demonstra exatamente como a ciência funciona: sempre buscando encontrar respostas para os fenômenos naturais e sociais de nossos tempos…

    Entretanto, é necessário lembrar – novamente – que mesmo com um menor nível de anticorpos contra a variante Alfa, a chance de desenvolver Covid-19 severa não foi modificada e as vacinas continuam protegendo as pessoas contra essa forma da doença, e a morte na grande maioria dos casos, tal como indicavam os testes clínicos (fase 3 dos testes).

    Os dois surtos ocorreram em locais parcialmente restritos, onde a maioria das pessoas tinham idade avançada!

    Em março de 2021, a Vigilância Epidemiológica de Campinas começou a investigação de dois surtos, um em um convento e outro em um lar de idosos, em parceria com o LEVE, do Instituto de Biologia da Unicamp. Foram coletadas amostras de todos, incluindo moradores e funcionários, sendo um total de 26 pessoas do convento e 52 pessoas do lar de idosos. No convento, 14 pessoas testaram positivo para SARS-CoV-2, e já haviam recebido a primeira dose da vacina AstraZeneca. Enquanto no lar de idosos, 22 pessoas que já haviam recebido duas doses da vacina CoronaVac testaram positivo.

    A média de idade dessas pessoas variou de 73 (convento) a 77 (lar de idosos) anos. Foi possível, por meio de sequenciamento do genoma do vírus na amostra de swab de algumas dessas pessoas, detectar a variante Alfa. Nesses dois surtos, 12 pessoas tiveram sintomas leves, enquanto 26 pessoas foram assintomáticas. Felizmente, o nível de gravidade foi semelhante ao que já havia sido descrito nos estudos das vacinas. São informações importantes para todos nós, que estamos preocupados com a disseminação de variantes pelo mundo e pelo Brasil. 

    Este caso do surto, analisado via sequenciamento genômico, é importante exatamente por dois motivos. Em primeiro lugar, por conseguirmos rastrear as variantes que estão circulando em nosso país. Em segundo lugar, pelo modo como as vacinas respondem às variantes – um estudo que o mundo inteiro está fazendo!

    Tá, mas porque tão falando tanto dessa variante Alfa?

    Muitos dos estudos recentes avaliando a efetividade das vacinas vêm focando no impacto das variantes na imunidade justamente pelo fato delas poderem escapar da nossa imunidade. A variante Alfa foi uma das primeiras a aparecer e rapidamente tomar conta de vários países. É nesse contexto que se divide as variantes em duas categorias: as VOI ou Variantes de Interesse (Variants of Interest) e as VOCs ou Variantes de Preocupação (Variants of Concern). 

    Finalmente,

    A mensagem deste trabalho é mostrar que apesar das novas variantes (especialmente a variante Alfa, observada no trabalho) serem capazes de escapar do efeito neutralizante de parte dos anticorpos induzidos pelas vacinas, podendo nos infectar e serem transmitidas para outras pessoas, esta resposta imune ainda é capaz de nos proteger contra a forma grave da Covid-19.

    Entretanto, não é só a vacina que vai nos salvar. Assim como surgiram variantes que escapam da proteção conferida pelos anticorpos, em um cenário em que as campanhas de vacinação são lentas, as pessoas não fazem distanciamento social e não usam máscaras, a chance para o aparecimento de uma variante que pode escapar TOTALMENTE da proteção das vacinas é significativa. Atualmente as variantes Gamma (P.1), predominante no Brasil, e a Delta, têm gerado preocupação pelo tanto de mutações acumuladas, e capacidade maior de transmissão!

    Por isso, seguimos insistindo no investimento científico, para detectar as variantes, controlá-las e perceber a efetividade das vacinas nestes casos! A ciência brasileira segue buscando meios de se manter produzindo conhecimento técnico e científico de ponta, para combater a pandemia da COVID-19.

    Por fim, a mensagem que fica é que precisamos continuar nos protegendo, seguindo as medidas recomendadas pelos órgãos competentes, mesmo que nós e pessoas do nosso círculo já estejam vacinadas, até que toda a população esteja vacinada e quebrarmos a transmissão do SARS-CoV-2.

    Referências:

    de Souza, William M. (…) Proenca-Modena, Jose Luiz, Clusters of SARS-CoV-2 Lineage B.1.1.7 Infection After Vaccination With Adenovirus-Vectored and Inactivated Vaccines: A Cohort Study. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3883263 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3883263            

    WHO (2021) Tracking SARS-CoV-2 variants

    Outros Materiais do Especial COVID-19:

    O que são Anticorpos?

    Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    Anticorpos Monoclonais! Quê?

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma

    Este texto foi escrito originalmente para o blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

  • Vacina Oxford-AstraZeneca. Já sabe tudo sobre ela?

    Por Laís Granato

    Este texto foi produzido originalmente no blog Descascando a Ciência

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E aqueles resultados das vacinas? (Parte 3)

    Hoje vamos continuar a nossa série de textos sobre os resultados que estão saindo das vacinas candidatas para COVID-19. Nós já falamos sobre como funcionam as fases de testes delas, o que é a sua eficácia e a relação disso com a memória imunológica. Nesse post, nós vamos falar (finalmente!) sobre os resultados em si. Isto é, o que eles significam para nós, os prós e contras e os possíveis problemas relacionados com cada uma delas.

    E então, o que são realmente esses resultados que estão saindo?

    Vamos detalhar um pouco sobre 3 vacinas: a Pfizer/Biontech, Moderna e Astrazeneca/Oxford e seus resultados. Depois compará-las para, por fim, dos acordos brasileiros com cada uma delas. Lembrando que esta última parte muda diariamente, em função dos resultados que vêm saindo e prioridades do Governo Federal.

    Pfizer/Biontech

    Para começar, vamos falar da vacina da Pfizer/Biontech 1. Tanto aqui quanto nas outras, vamos ter de falar de números, mas prometo que será rápido. Ela foi testada em cerca de 43 mil pessoas. Sua eficácia ficou em 95%. Isto é, de todos os 43 mil participantes do teste que tiveram Covid-19 (170 pessoas), somente 5% estavam no grupo que tinha recebido a vacina (8 pessoas). Além disso, 10 pessoas desenvolveram a forma grave da doença, mas somente 1 havia recebido a vacina (9 eram do grupo placebo). Isto demonstra uma eficácia de 90% em reduzir a gravidade da forma de Covid-19 desenvolvida.

    Se você não lembra da explicação da eficácia, confere o nosso primeiro texto aqui.

    Em relação às reações, a vacina foi bem tolerada. Em uma análise prévia feita pelos pesquisadores, os únicos efeitos adversos graves que as pessoas disseram ter sentido foram cansaço e dor de cabeça. E isto em uma pequena porcentagem dos casos. Alguns idosos reportaram febre e efeitos colaterais leves. Mas isso já era um resultado esperado e não compromete a segurança da vacina.

    Moderna

    A candidata da vacina da Moderna 2,3 foi testada em 30 mil pessoas nos Estados Unidos. Ela possui uma eficácia muito parecido com a da Pfizer/Biontech, de aproximadamente 94,1%. Ou seja, de todos as pessoas testadas 196 tiveram Covid-19, dessas somente 11 estavam no grupo que tinha recebido a vacina (5,9%).

    Houve também 30 pessoas que desenvolveram a forma severa da Covid-19, mas todos estavam no grupo placebo. Este dado demonstra uma eficácia de 100% em proteger os pacientes imunizados de desenvolver a forma severa da doença.

    Essa vacina também foi bem tolerada e teve poucas reações. Sendo que a grande maioria dos efeitos colaterais que foram reportados terem sido leves e moderados. Durante a aplicação da primeira dose, o único efeito adverso grave que foi dito pelos pacientes foi a dor local da aplicação. Já após a segunda dose, uma pequena quantidade de pacientes disseram ter tido cansaço, dor muscular, dor nas juntas, dor de cabeça, e vermelhidão no local da injeção.

    Astrazeneca/Oxford

    Por fim, a vacina da Astrazeneca/Oxford 4,5 veio com resultados um pouco diferentes. A princípio eles testaram duas dosagens diferentes para aplicação e cada uma delas teve uma eficácia.

    Os pacientes que receberam uma meia-dose na primeira aplicação e uma dose inteira na segunda tiveram uma eficácia de 90%. Enquanto os pacientes que receberam doses inteiras nas duas aplicações tiveram uma eficácia de 62%. No total, a média da eficácia foi de 70%. Isto é, de todos os pacientes que foram testados 131 tiveram Covid-19. Mas destes somente 39 haviam recebido a vacina. Confuso? Sim! Todavia vamos explicar melhor isso daqui a pouco. Esses testes já foram feitos em 23 mil pessoas no Reino Unido, Brasil e África do Sul. No entanto, os pesquisadores esperam testar 60 mil pessoas até o fim do ano. Isso com testes que já estão sendo conduzidos em outros países da América Latina, Europa, Ásia e África.

    Também de acordo com os pesquisadores, a vacina foi bem tolerada por todos os grupos, mas eles não entraram em detalhes sobre os efeitos colaterais.

    OK, muito bonito! Mas traduz pra mim: o tudo isso significa? Tem algum problema ou diferencial com alguma delas?

    As diferenças entre as vacinas

    Bem, a princípio a primeira grande diferença entre as vacinas é o tipo delas. Principalmente entre a da Pfizer/Biontech e Moderna com a da Astrazeneca/Oxford 6.

    No caso das duas primeiras, o que é injetado é uma “receita” de como produzir a proteína Spike. Esta proteína está envolta por uma bolha de gordura. Já no segundo caso, na vacina Astrazeneca/Oxford, o que é injetado é um vírus que causa resfriado (adenovírus) em chimpanzés. Mas é importante ressaltar que o material genético dele foi modificado. Com isso, este vírus modificado não consegue se multiplicar ou causar o resfriado. Além disso, ainda carrega as ordens de como produzir essa mesma proteína Spike. Em termos mais simples, esse vírus funciona como um “cavalo de tróia” para a receita da Spike. É necessário dizer que nesse caso, não há necessidade de se preocupar com esse vírus, visto que não consegue se replicar dentro das nossas células.

    Além dessa óbvio diferença, um grande ponto que vem sendo discutido é em que temperatura essas vacinas precisam ser armazenadas. A candidata da Pfizer/Biontech necessita de temperaturas próximas do -70oC. Enquanto que a candidata da Moderna necessita de -20oC. Já a Astrazeneca/Oxford pode ficar armazenada em temperaturas entre 2-8oC. O grande motivo disso é o tipo de tecnologia usada nas vacinas.

    A receita para produzir a proteína Spike

    A “receita”, que comentamos mais cedo para produzir a Spike, é o chamado RNA mensageiro (RNAm). Esta é uma molécula facilmente degradada no ambiente. Um exemplo disso é que na nossa lágrima, suor, saliva e outras secreções temos enzimas capazes de destruí-las. Como se não bastasse, ainda há a camada de gordura que recobre e protege esse RNA mensageiro que também não é muito estável. Por causa disso são necessárias temperaturas tão baixas. Pois assim essas enzimas são inativadas, e toda a estrutura do RNAm – além da capa de gordura – é preservada 7

    Já na vacina da Astrazeneca/Oxford, o que recobre o material genético entregue para a célula é a cobertura de um vírus comum (basicamente proteínas). E isto é muito mais tolerante à temperaturas mais altas. No fim, o impacto real disso será na logística de distribuição das vacinas (que será comentado mais à frente).

    Sobre os números de pacientes

    Um outro ponto problemático vem sendo comentado entre cientistas 8. A falta de clareza em relação aos números de pacientes nos resultados comentados pela Astrazeneca/Oxford foi ponto de debate. Em especial comparado a Pfizer/Biontech e Moderna. Principalmente referente aos pacientes que desenvolveram a forma severa da Covid-19 e a porcentagem de pacientes que tiveram sintomas colaterais.

    Por fim, a principal questão que se discutiu há alguns dias foi referente ao problema de produção das doses. Em relação à duração da fase 3 de testes da Astrazeneca/Oxford 9,10, fez com que uma porcentagem dos participantes recebesse uma primeira dose com meia dosagem. Isso ao invés de inteira, o que no fim das contas, se mostrou bem mais efetivo do que uma primeira dose completa. O motivo da resposta imune ter sido melhor é desconhecido para a comunidade científica. Todavia, algumas hipóteses já estão sendo pensadas. Por exemplo: um número menor de vírus poderia estimular melhor um subgrupo de linfócitos T que auxiliam na geração de anticorpos. Uma outra hipótese em potencial debate sobre o desenvolvimento de uma resposta imune também contra o vírus “Cavalo de Tróia”. Assim, essa resposta a ele pode ter camuflado a resposta contra a Spike em si 11

    Tá, e quanto elas vão custar pra mim? O Brasil tem acordo com alguma dessas empresas? 

    A princípio tem se falado que a vacina mais barata será a da Astrazeneca/Oxford. Inclusive, o Brasil tem acordos – ficando em torno de 3-4 dólares por dose. Já para a vacina da Moderna e da Pfizer/Biontech tem se falado em aproximadamente 20 dólares por dose. No entanto, pode chegar até a 32 ou 35 dólares 12,13. Para essas duas últimas, nós não temos qualquer acordo, até o momento. 

    A da Pfizer/Biontech precisará equipamentos muito mais caros para conseguirem ser armazenadas dos que as suas duas concorrentes. O que pode ser um problema para países subdesenvolvidos, visto que isso encarece o preço da dose (que comentaremos mais à frente também)

    O grande motivo das candidatas da Moderna e Pfizer/Biontech serem mais caras é toda a logística necessária para o transporte. No caso da PfizerBiontech, também há a questão da necessidade de baixíssimas temperaturas. Dessa forma, há um encarecimento do processo visto que é preciso equipamentos bem mais caros para conseguir se armazenar as doses da vacina. Além disso, há todo um esforço da Universidade de Oxford para que a sua candidata seja vendida a custo de produção. Especialmente durante essa fase mais difícil da pandemia. Assim, países que não possuem condições financeiras tão favoráveis para a compra de vacinas mais caras, teriam acesso14.

    Referências:

    1. Pfizer and Biontech conclude phase 3 study of covid-19 vaccine candidate, meeting all primary efficacy endpoints.
    2. Moderna’s COVID-19 Vaccine Candidate Meets its Primary Efficacy Endpoint in the First Interim Analysis of the Phase 3 COVE Study.
    3. Moderna Announces Primary Efficacy Analysis in Phase 3 COVE Study for Its COVID-19 Vaccine Candidate and Filing Today with U.S. FDA for Emergency Use Authorization
    4. AZD1222 vaccine met primary efficacy endpoint in preventing COVID-19
    5. Oxford University breakthrough on global COVID-19 vaccine
    6. Lowe, D (2020) Coronavirus Vaccine Update, July 7.
    7. Kaiser, J (2020) Temperature concerns could slow the rollout of new coronavirus vaccines.
    8. Booth, W, Johnson, CY (2020) AstraZeneca coronavirus vaccine up to 90% effective and easily transportable, company says.
    9. Cohen, J (2020) After dosing mix-up, latest COVID-19 vaccine success comes with big question mark.
    10. The Guardian (2020) Oxford Covid vaccine hit 90% success rate thanks to dosing error.
    11. Callaway, E (2020) Why Oxford’s positive COVID vaccine results are puzzling scientists, Nature.
    12. New York Times (2020) Early Data Show Moderna’s Coronavirus Vaccine Is 94.5% Effective
    13. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca Covid vaccine: everything we know so far.
    14. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca vaccine to be sold to developing countries at cost price.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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