Unir diferentes agentes no processo de comunicação, como pesquisadores, comunicadores de ciência, figuras públicas e público, é uma boa estratégia para a divulgação científica e democratização do conhecimento.
Planejando a estratégia de divulgação científica
O público seleciona a informação que vai consumir de acordo com o que lhe parecer mais útil para a sua vida profissional e pessoal de forma a selecionar o que lhe parece mais conveniente para cada situação de sua vida (Torquato, 2015).
Pensar o público é um dos primeiros passos para uma boa estratégia de divulgação científica. Preparar uma comunicação baseada apenas no que queremos comunicar em um processo unidirecional pode fadar sua divulgação ao fracasso e mesmo criar ruído.
Uma boa estratégia para desenvolver o seu conteúdo de divulgação científica é a criação de uma Persona, uma personagem ideal, alvo da sua comunicação. Para saber mais sobre a criação da Persona acesse o post Comunicação sobre ciência – Pensando o público
Com a publicação dos primeiros conteúdos é possível acompanhar como o material está sendo recebido/consumido (ou não) pelo público. Isso pode ser feito de maneiras diferentes, como por exemplo, através da quantidade de acessos, compartilhamentos, curtidas e comentários. Alguns programas e empresas de marketing também incluem a pesquisa de opinião ao longo do processo.
Por que avaliar o processo de divulgação científica é importante?
A comunicação é um processo que só existe dentro de um contexto. Ela faz parte de um tempo, espaço (virtual ou não) e pessoas. Ela é um processo social de produção e compartilhamento de sentido por meio da materialização de formas simbólicas (França, 2001). Isso quer dizer que uma estratégia de comunicação que hoje funcionou bem para um determinado público pode não funcionar um tempo depois.
Dessa maneira, é importante para qualquer projeto de divulgação científica, que o(a) comunicador(a) consiga entender os processos e discursos da ciência, da comunicação e do seu público/grupo social que se quer alcançar.
Recentemente, duas formas audiovisuais distintas sobre uma mesma instituição, o Instituto Butantan, deixou isso evidente. Ambas falaram sobre a instituição, a primeira, um vídeo institucional e a segunda, uma adaptação da música do MC Fioti que remetia à vacina e ao Instituto Butantan.
Vídeo Institucional:
Vídeo MC Fioti:
Enquanto o vídeo institucional foi visualizado um pouco mais de 7,4 mil vezes em 5 meses, o clipe do MC Fioti obteve mais de 13,6 milhões de visualizações em 6 meses. Mas vale lembrar, que além de analisar o alcance, é importante lembrar que os públicos foram distintos.
Então, começamos a ter alguns elementos para se pensar a divulgação científica: Além da pesquisa desenvolvida, ou conteúdo que se quer divulgar, há o seu público. Além disso, há outro elemento importante, que em muitos casos é esquecido: Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação?
A intencionalidade da divulgação científica: Comunicação como um Direito Humano
Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano fundamental, mas esse conceito ainda está em construção (GOMES, 2007).O debate sobre o direito de comunicar foi inaugurado pela UNESCO em 1970. No Brasil, só foi reconhecido pelo Estado mais tarde por meio do decreto nº 7.037 de 2009, que instituiu a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (Vanucchi, 2018).
Entender e participar dos processos relacionados à ciência e tecnologia, como as decisões associadas às políticas públicas, assim como os processos comunicativos constituem também elementos importantes para a cidadania. Nesse sentido, a divulgação científica tem relação direta com o direito à comunicação, e por conseguinte, com os direitos humanos.
Pesquisadores e Comunicadores de Ciências
As tensões entre os comunicadores de ciência e pesquisadores não são recentes. Por exemplo, a relação entre cientistas e jornalistas é marcada, em algumas ocasiões, pela falta de acesso do jornalista ao cientista para as entrevistas em tempo hábil para veiculação da notícia, como fonte de reportagem. Em outras ocasiões, a relação é marcada pela desconfiança de cientistas sobre jornalistas na divulgação das suas pesquisas. Alguns cientistas temem que suas pesquisas sejam veiculadas sem exatidão ou mesmo deturpadas.
Outro campo de tensão entre pesquisadores e comunicadores de ciência é o da divulgação científica. As críticas e discussões sobre “quem pode falar” de ciência não são recentes. De um lado, alguns pesquisadores afirmam que esse papel deve ser destinado aos próprios cientistas, especialistas em um determinado assunto. Do outro lado, comunicadores de ciência que vem conseguindo conquistar cada vez mais espaço entre os diferentes públicos, “furando as bolhas”..
Em busca de um processo conjunto
O processo de divulgação científica precisa do conhecimento não apenas da área específica sobre a qual está comunicando, mas também do conhecimento da área de comunicação. Há a necessidade de se começar a pensar o processo de divulgação científica a partir do trabalho conjunto que envolve pesquisadores, comunicadores de ciência e o(s) público(s) alvo.
Aqui voltamos para a pergunta feita anteriormente “Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação?”, mas agora de uma outra forma “Qual a intenção do seu fazer divulgação científica?”
Há uma relação intrínseca entre ciência e poder (Caldas). O conhecimento científico é essencial para a resolução de problemas e tomada de decisões e tem relação direta com processos democráticos e cidadania. O agente no processo de divulgação científica, seja ele pesquisador ou não, precisa passar de relação vertical, como a do educador-salvador, que leva o conhecimento aos menos esclarecidos, para o de comunicadores envolvidos com processos mais democráticos e participativos, aberto ao diálogo – estabelecendo processos de interação e comunicação.
Formiguinhas, uni-vos!
Diante da desinformação e da infodemia que se tornou mais evidente frente à pandemia, uma outra preocupação ganha destaque entre os divulgadores de ciência e jornalistas: Como furar a bolha, cada vez mais delimitada pelos algoritmos, e alcançar o seu público? Nesse sentido, há um aumento das discussões sobre como fazer divulgação científica e atuar em conjunto para alcançar um número maior de pessoas em diferentes grupos sociais.
No período de pandemia, aconteceram vários cursos online voltados tanto para o jornalismo científico, quanto para a divulgação científica, incluindo alguns realizados pelo Blogs Unicamp.
Tensões, embates, preocupação conjunta com soluções para o processo de divulgação científica, promoção de cursos e profissionalização do divulgador científico e comunicador de ciência, todos esses fenômenos podem indicar o fortalecimento de um campo de pesquisa/atuação ainda em desenvolvimento.
É comum o uso do termo “trabalho de formiguinha” para exprimir o trabalho do divulgador científico em conquistar o seu público. No entanto, a divulgação científica vem agregando mais pessoas e transformando em um trabalho de um coletivo de formigas, um trabalho de correição.
Pensando juntos desde o início
Algumas iniciativas de divulgação científica vem pensando em conjunto para desenvolver processos de divulgação científica:
O blogs de Ciência da Unicamp é uma iniciativa de divulgação científica que inclui pesquisadores de diversas áreas e comunicadores de ciência. No processo, os pesquisadores participam de um treinamento voltado para a divulgação científica por meio de blogs, a Integração. Além disso, o Blogs Unicamp fomenta o diálogo com o seu público. A Erica Mariosa fala um pouco sobre o processo de divulgação científica no Blogs Unicamp em seu post Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?
Outro exemplo de atuação conjunta entre pesquisadores, comunicadores de ciência, artistas e personalidades públicas foi a iniciativa do Todos Pelas Vacinas.
Para conhecer a iniciativa e os conteúdos preparados para os diversos públicos acesse o site do Todos Pelas Vacinas.
França, Vera Veiga (2015) O objeto da comunicação/A comunicação como objeto, In Hohfeldt, Antonio, Martino, Luiz C, França, Vera Veiga (Org) Teorias da Comunicação: Conceitos, escolas e tendências, Petrópolis, RJ: Vozes.
Torquato, Gaudêncio (s/d) Comunicação nas organizações.
Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog CdF
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Desde março de 2020, quando a OMS decretou a Covid-19 como uma pandemia, mudamos completamente nossa forma de viver. Ficamos perdidos com o a grande quantidade de informações conflituosas que nos chegam pela TV, redes sociais e grupos de whatsapp. Nesse contexto, diversas iniciativas, surgiram para contribuir para a conscientização da população. Eu tive uma pequena participação nisso também, mas não chega nem perto do trabalho que grandes divulgadores/comunicadores estão fazendo. Esse texto é uma forma de agradecer e reforçar a importância de cada uma dessas iniciativas (que foram muitas). Obrigado! Vocês estão salvando vidas!
*Esse post é a versão completa do miniensaio que apresentei para processo seletivo do Amerek – Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência, da UFMG, que teve como tema: “Como a pandemia afetou a relação entre ciência e sociedade e qual o papel da comunicação da ciência nisso?”
A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E SOCIEDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19
A pandemia da Covid-19 promoveu uma grande mudança social: nunca se falou tanto sobre ciência, nunca se observou tão de perto os processos científicos e nunca houve tanta gente opinando sobre os resultados de artigos. Isso é importante, mas, também, é um grande desafio para a comunicação pública da ciência, uma vez que estamos sendo expostos de forma muito rápida a uma quantidade excessiva de informações (independentemente de sua acurácia) – chamamos essa situação de infodemia (uma epidemia de informações).
Neste momento torna-se, portanto, importante e necessário fornecer meios para que o público consiga analisar e encontrar informações acuradas, atualizadas e confiáveis, em meio a abundância de outras incorretas e negacionistas. Esperamos que, assim, possamos permitir que a população tenha participação e protagonismo na cultura científica e nas decisões públicas de forma efetiva. Esse grande desafio da comunicação pública da ciência no Brasil é, também, um desafio em todo o mundo.
Costuma-se falar que os brasileiros e a ciência não têm uma relação das mais amistosas, mas pesquisas sobre a percepção pública da ciência nos mostram que os brasileiros confiam nos cientistas e nos profissionais da saúde e, também, que há interesse desse mesmo público em temas científicos. Observamos que 79% da população acredita nos benefícios da ciência – somo um dos povos mais otimistas em relação à ciência no mundo!
Mas, então, como poderíamos explicar o negacionismo científico que estamos presenciando atualmente no nosso país?
Talvez a explicação que nos ajude a entender esse momento esteja no distanciamento entre a população e o modus operandi da ciência (que é lento e produzido “às escondidas” nas universidades) e, também, no fato de estarmos vivendo na era da pós-verdade.
COMO O DISTANCIAMENTO DA CIÊNCIA E A ERA DA PÓS-VERDADE PODEM EXPLICAR O QUE OBSERVAMOS NO BRASIL
O distanciamento entre a população e a produção do conhecimento científico é observado quando vemos que a grande maioria dos brasileiros não sabe nomear um cientista (90%) ou uma instituição de pesquisa (88%) — veja que 90% da ciência nacional é feita em universidades públicas. Nesse ponto, ressaltamos que, a pandemia, de uma hora para outra, trouxe o processo científico para o cotidiano, sem que a população a entendesse adequadamente. Produzir ciência é um processo que demanda tempo, envolve diversas etapas e é dinâmico, atualizando-se a medida em que novos estudos são realizados e novas evidências são acumuladas. Mostrar isso à população não é descrédito ou demérito e é necessário.
A pós-verdadeé um termo que busca resumir esse momento no qual as experiências individuais/pessoais e o apelo às emoções e às crenças influenciam mais do que os fatos objetivos e as evidências. Há, assim, uma desvalorização do conhecimento bem estabelecido e baseado na razão e na ciência.
Feitas essas considerações, precisamos entender o consumo de conteúdo pelos brasileiros. Das pessoas com mais de 10 anos de idade, 74% utilizam a internet de alguma forma e, talvez por causa disso, observa-se que o consumo de conteúdo pela TV (66%) equivale ao das mídias sociais (67%). Dentre as mídias mais utilizadas, estão o Facebook (54%), WhatsApp (48%) e Instagram (45%) – o Twitter tem um alcance de apenas 17%. As pessoas usam as mídias sociais para consumir, mas, também, para compartilhar conteúdo, coletar notícias, informações e opiniões e, também, para participarem de discussões sociais.
Quando falamos de compartilhamento de informação/conteúdo, observamos um ponto muito problemático: com frequência ocorre a recirculação das informações recebidas sem que tenha havido seu efetivo consumo – ou seja: o compartilhamento de notícias sem que o remetente tenha lido o seu conteúdo – contribuindo assim, com a infodemia. Isso acontece porque as pessoas confiam que seu círculo de contatos compartilha informações corretas e, assim, ocorre a disseminação de informações falsas, ainda que de forma não intencional – situação agravada por situações pandêmicas que, sabidamente, são acompanhadas por um aumento de informações sensacionalistas, rumores, distorções e boatos.
No Brasil essa situação se agrava ainda mais pelas tensões político-ideológicas/partidárias que são observadas. Essas abordagens polarizadas desviam o foco original e afastam grupos inteiros de discussões relevantes, reduzindo a possibilidade de diálogo a disputas intensas por valores e identidades.
O presidente Jair Bolsonaro incentiva essa tensão ao usar em suas lives semanais uma retórica baseada em argumentos de autoridade, experiências individuais (evidências anedóticas), emoção e desconhecimento da metodologia científica. Assim, objetiva: 1) defender convicções desprovidas de embasamento técnico, formal e objetivo (p.ex., tratamentos e medicamentos comprovadamente ineficazes); 2) expressar o ceticismo na ciência; 3) criticar a velocidade e flexibilidade do processo científico; e 4) enfatizar a liberdade individual de escolha (do paciente e do médico) para o tratamento, ainda que possa ter consequências prejudiciais. O presidente adotou uma estratégia na qual ele culpa todos à sua volta pela situação do país, exceto a ele mesmo, que sempre tem a solução apropriada – mas é ignorado por todos. É assustador ver que o discurso iniciado em março de 2020 continua, mesmo depois de mais de um ano de pandemia, e traz consigo mais de 300 mil mortes.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), adota uma posição semelhante, ao se isentar de omitir um posicionamento formal conta o uso dos medicamentos do chamado “kit-covid” (ivermectina, cloroquina, zitromicina, nitazoxanida) – mesmo com todas as evidências de sua ineficácia e o posicionamento contrário de associações, sociedades e órgãos médicos importantes nacionais e internacionais (AMB, SBI, OMS, NIH, FDA, dentre outros).
Desinformação, negacionismo e ideologias político-partidárias estão colocando pessoas em risco. (Sim, pessoas estão morrendo por isso!). Este cenário está aí para desafiar ainda mais Comunicação Pública da Ciência no Brasil. E os comunicadores decidiram aceitar o desafio!
COMO A COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA ENFRENTA ESSES DESAFIOS
A comunicação pública da ciência é um processo plural que acontece em várias mídias e possui diferentes objetivos; mas entendo que o comunicador deve ter em mente a responsabilidade em divulgar informações precisas e acessíveis a seu público-alvo, permitindo que este participe do debate público e social com informações baseadas em evidências. Para conseguirmos fazer isso de forma eficaz, temos que considerar que a divulgação é uma via de múltiplas mãos e que envolve o diálogo e a participação entre academia, cientistas, jornalistas, instituições científicas, ONGs, indústria e a própria população.
Isso está sendo feito! Observamos, neste último ano, o surgimento ou o incremento de diversas iniciativas individuais ou coletivas que se mobilizam para estimular e estabelecer o diálogo sobre ciência, saúde, mídia, cultura e sociedade e atuam na produção de conteúdo, formação e atualização de profissionais e checagem de fatos. É uma mobilização gigantesca na área da comunicação pública da ciência, com aumento de produção de conteúdo e ocupação das diferentes mídias.
Entender a dispersão do conteúdo produzido por essas ações é necessário para o direcionamento eficaz dos nossos esforços. Temos que entender quem e como atingimos nosso público quando divulgamos em redes sociais (Twitter, Facebook, TikTok), plataformas de streaming (Spotify, YouTube) ou em aplicativos de mensagens (Whatsapp). Mas, também, é precisamos saber como é a concorrência pela atenção do público entre conteúdos incorretos e os divulgados pelos agentes da divulgação científica.
É importante saber que conteúdos incorretos são publicados em menor quantidade, mas geram mais engajamento do que conteúdos acurados – o que mostra que aquele tipo de conteúdo tem uma dispersão mais rápida nas mídias sociais. E, tendo isso em mente, temos que considerar que não basta divulgar conteúdo correto em grande quantidade, mas estratégias devem ser pensadas para engajamento e, para isso, os conteúdos precisam ser envolventes e direcionados à audiência em seus canais favoritos.
O surgimento de novas informações é muito rápido, contudo, corrigir informações falsas parece não funcionar muito bem. Assim, os comunicadores também devem atuar rapidamente, de forma a prever e agir contra a desinformação. Combater o negacionismo e valorizar a ciência devem ser estratégias realizadas com narrativas efetivas, precisas e que forneçam ao público (população e governantes) condições de tomarem decisões e participarem de debates.
DIVULGAR CIÊNCIA É SIM UM ATO POLÍTICO!
O conteúdo midiático afeta a opinião pública. É por isso que divulgar ciência é um ato político – o que não implica ser partidário ou ideológico –, e a decisão dos conteúdos e da forma de abordagem escolhidos pelo divulgador também o é.
Por fim, nesse momento crítico de saúde pública, temos que ter em mente que divulgar ciências envolve responsabilidade, clareza, precisão e credibilidade. E que ela contribui para salvar vidas, pois tem participação na percepção de risco pela população estimulando, assim, o engajamento público. Divulgar ciência é defender a saúde pública e a ciência…Divulgar ciência é defender a democracia.
Agora, se essas mudanças serão permanentes? Teremos que esperar mais um pouco para saber. Tem gente achando que não, mas a gente espera que sim!
Massarani L, Waltz I, Leal T. (2020). A COVID-19 no Brasil: uma análise sobre o consumo de informação em redes sociais. Journal of Science Communication, 19(07).
Monari AC, Santos A, Sacramento I. (2020). COVID-19 and (hydroxy)chloroquine: a dispute over scientific truth during Bolsonaro’s Weekly Facebook live streams. Journal of Science Communication, 19(07).
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
O processo de produção de conteúdo de divulgação científica deve passar por um processo de reflexão crítica.Isto envolve não apenas o conteúdo a ser publicado. Mas acima de tudo um compromisso ético, de empatia e responsabilidade com a sociedade.
Uma das maiores dificuldades de se trabalhar com a Divulgação Científica é ponderar sobre o quê e como se vai falar/abordar algo. Quando estamos em tempos [digamos] regulares, produzimos conteúdo a partir de um planejamento, com organização de pautas, postagens semanais e/ou quinzenais, também temos um cronograma para estudar cada temática que vamos abordar. Isso nos traz uma certa segurança no que escrevemos, temos tempo de depurar tudo o que fazemos, incluindo revisar, repensar as palavras.
Algumas vezes, óbvio, há acontecimentos sociais que se tornam urgentes e produzimos textos mais apressados. Normalmente solicitamos tais textos a blogueiros das áreas específicas, por exemplo.
No entanto, desde março nossa periodicidade de publicação foi alterada. São dois ou três textos semanais, além da reorganização dos textos nas redes sociais. Resolvemos, há algumas semanas, reestruturar o trabalho da Covid-19. Isto aconteceu não só pelo excesso de trabalho em si. Mas por sentirmos que vínhamos fazendo sem este tempo de ponderação. Também sentimos a necessidade de organizar melhor o conteúdo que temos abordado, frente às necessidades de nossos leitores.
Comunicação e Divulgação Científicas em tempos de pandemia
Como assim? Trabalhar com comunicação científica em tempos de crise sanitária. Também há obscurantismo científico e negacionismo em altos cargos executivos do país. Além disso, vemos disputas político-partidárias em torno da vacina. Há demandas diárias de conhecimentos de alta complexidade. Tudo isso é um desafio para todos da divulgação científica. Há também a reafirmação de um compromisso assumido perante aqueles que, de alguma maneira, confiam no que temos feito e buscam aqui informações, diálogos, trocas acerca da pandemia e relações científicas e sociais que nos atingem diariamente.
Ouvimos falar sobre a importância da divulgação científica para a construção de uma cultura científica (Vogt & Morales, 2018). Mas para isso é essencial que ela seja construída a partir de uma relação mais próxima com o humano, mais empática.
E a vacina? A morte? O Butantã? A Anvisa?
Desde segunda as reviravoltas com o tema da vacina estão mais assoberbados que o usual. Primeiro, os pronunciamentos da Pfizer, depois, vimos a suspensão da CoronaVac, que hoje foi retomada.
Divulgadores científicos e cientistas que acompanhamos e com os quais trocamos informações – parceiros de trabalhos – têm produzido conteúdo incessantemente. Pessoas que se apresentam cansados, virando (literalmente) noites e noites para trabalhar e compreender a complexidade de toda a situação deste momento.
Hoje o dia foi distante de redes sociais em nosso expediente. Víamos a movimentação e os debates de maneira fragmentada, em meio às aulas, palestras e reuniões. Buscávamos informações, tristes pelo embate político. Tentando compreender ataques de duas instituições de respeito disputando por legitimidade frente ao que era narrado como “evento grave” (na hora do almoço).
Nesta hora, já nos parecia nefasto um presidente da república vibrar pela suspensão dos procedimentos de desenvolvimento da vacina. Isto acontecia como se fosse uma partida de um lance em um jogo de sorte ou revés. Acrescente a desconsideração sobre o momento tão importante e que requer atenção para cada etapa que vivenciamos.
Que momento?
Nós temos, hoje, no Brasil 161 mil mortes, 364 mil casos em acompanhamento e 5,5 milhões de pessoas já foram infectadas. No mundo, são 51 milhões de infectados e mais de 1 milhão e 200 mil mortos. Lamentamos a perda de cada uma dessas vidas.
A pandemia, ao que tudo indica, está longe de acabar. A morte é vivência cotidiana. As contaminações são expectativas de muitos que trabalham diariamente, expondo-se por falta de políticas que direcionem nosso país e nossa população de modo mais seguro.
Não há o que vibrar por uma pesquisa com vacina sendo suspensa.
Ao fim do dia…
Soubemos a causa da morte ao final da tarde. A morte por evento grave não é vinculada à vacina. Foi um suicídio. Todo e qualquer debate deve sempre cercar-se de extremo cuidado e muito (MUITO!) respeito. Tanto que se buscou omitir a causa pelas instituições envolvidas com a pesquisa, ressaltando-se somente o fato de não ser relacionada à vacina. Inclusive há formas e procedimentos para notícias que envolvem suicídio. A Organização Mundial da Saúde tem um documento e debate específico para isso.
Neste momento, retomamos o início deste texto. Isto é: para abordarmos qualquer tema na Divulgação Científica, com ética, empatia e responsabilidade, é fundamental não nos apressarmos, nem buscarmos ineditismo para falas proferidas aqui. Todo o tema científico, por princípio, precisa de cuidado, revisão e rigor.
O suicídio, prezados leitores, é tema para falas cuidadas e atentas. Poderíamos, sim, escrever sobre isso, no tempo que uma publicação precisa para ser desenvolvida, com os profissionais que se ocupam com esta discussão no âmbito científico – como sempre fizemos aqui. Ver pulular publicações que deveriam centrar-se na produção e desenvolvimento da vacina – falando tão vulgarmente deste tema nos deixou pensativos sobre se este deveria ser o foco, usando a dor como mote.
Nosso compromisso
Temos profundo respeito e compromisso com cada texto que produzimos e, desta vez, não será diferente. É preciso mais do que uma análise mais estruturada para conversar com todos. Precisamos, antes de tudo, apontar que debates inócuos e vazios, não fazem parte do que consideramos cientificamente válidos e eticamente pertinentes.
A isto, estarrecidamente, observamos o acréscimo de posicionamentos governamentais necropolíticos. Também observamos disputas territoriais e ganhos individuais. Tudo isso sobrepondo-se aos debates científicos e causando desinformação, e em cima de conhecimento científico produzido em benefício da população, debates apressados para cliques exagerados. Somos (e precisamos ser) mais do que isso.
Àqueles que, neste momento, perderam alguém em um ano tão difícil, nossos mais sinceros sentimentos.
Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.