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  • Como divulgar informações de prevenção do Covid-19 se a língua de seu país não é a sua?

    Partindo do ideal de que a divulgação científica, principalmente neste momento da pandemia do Covid-19, deve chegar a TODOS, responda com sinceridade, divulgador científico:

    Seu material foi pensado para TODOS os brasileiros?

    Pensando nessa questão, a Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, em Benjamin Constant no Norte do país, se propôs a desenvolver junto de seus alunos, materiais de divulgação científica sobre a Covid-19 para as comunidades indígenas da região.

    “Todos os meus alunos de iniciação científica são indígenas… A universidade possui mais de 50% de alunos indígenas de 8 etnias presentes” comenta Taciana.

    De acordo com o censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no território nacional existem 274 línguas indígenas, e dos 130 mil indígenas apenas 6 mil falam o português, além da língua mãe, desses 46 mil indivíduos falam a língua Ticuna, do Amazonas. 

    A região de fronteira do Alto Solimões encontra-se em posição estratégica no país, na tríplice fronteira Brasil – Colômbia – Peru, e é a porta de entrada circulação de pessoas e produtos provindos do pacífico, de países da América do Sul, Central e do Norte. São três as principais cidades da fronteira no Amazonas, banhadas pelos rios Solimões e Javari: Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga, sendo esta última cidade gêmea de Letícia na Colômbia, em uma fronteira física quase inexistente. Quase, pois hoje encontra-se fechada por conta do Covid-19. Tabatinga também faz fronteira com Santa Rosa, no Peru e Benjamin Constant com Islândia, também Peru. A população das três cidades juntas ultrapassa os 100 mil habitantes e, contando com as cidades em conexão, esse número pode chegar à 300 mil habitantes.

    Hoje, Taciana cedeu um pouco do seu tempo de quarentena para nos contar mais sobre esse trabalho, confira abaixo a entrevista:

    A Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho é doutora em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande e leciona há 11 anos no Instituto de Natureza e Cultura da UFAM de Benjamin Constant

    Érica Mariosa: Profa. como surgiu a ideia de preparar esse material de divulgação científica na língua mãe dos seus alunos?

    Taciana de Carvalho Coutinho: A ideia surgiu a partir da carta que fizemos como agradecimento pelos produtos de agricultura, caça e pesca que nos disponibilizam e da conscientização da importância deles ficarem nas comunidades nesse momento. 

    Nós temos em sala de aula muitos alunos indígenas, de 8 etnias diferentes, e era importante pensar em como fazer um trabalho de alerta  para que esses alunos e outros indígenas não saiam de suas comunidades, uma vez que eles vem até a cidade para vender a sua produção de alimentos. 

    Optamos por disponibilizar materiais na língua Ticuna, traduzido pelos próprios alunos e distribuído pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, além de uma campanha muito forte para que os – não indígenas – não entrem nas comunidades, devido a vulnerabilidade de saúde e dificuldade de acesso atendimento hospitalar.

    Para se ter uma ideia, ao lado de Tabatinga (cidade próxima a Benjamin Constant) existem mais de 7 mil indígenas, imagina se o vírus chega até eles! Seria catastrófico, a região não tem condições hospitalares, não existe, inclusive uma articulação política para esses atendimentos.

    Muitos deles vivem da caça, da pesca e da agricultura que são vendidos na cidade, assim ficam vulneráveis. A ideia era conscientizá-los que fiquem em suas comunidades. 

    EM: Quais os desafios e a realidade de estar em uma sala de aula com alunos que não possuem o português como língua mãe?

    TCC: Trabalhar com essa diversidade sociocultural é bem complexo, somos preparados na vida acadêmica a lidar com ciência pura e aplicada, uma vez que sou bióloga, com mestrado em genética e doutorado em recursos naturais, e a princípio, ao chegar em sala de aula, há insistência em algo mecânico. É preciso abrir a cabeça e perceber que nessa região às coisas são diferentes.

    Não é possível cobrar do meu aluno um português exemplar, uma vez que ele foi alfabetizado na língua de origem. Tenho alunos Ticunas que falam sua língua de origem muito bem mas pouco escrevem, tenho alunos que leem e escrevem muito bem o português mas não escrevem em ticuna ou já até perderam a fala de origem, além das outras etnias indígenas presentes na região. 

    Vem daí a dificuldade de produzir esse mesmo material em outras línguas.

    Tendo todos os alunos indígenas me fez pensar em como, eu como profissional, poderia ajudar a buscarem e perceberem que eles são protagonistas da sua realidade. 

    Normalmente, eles são muito pesquisados, mas eles também são pesquisadores, vão a suas comunidades e estudam sobre sua cultura, sua diversidade, seu artesanato, suas lideranças, sua identidade. É importante mostrar que eles podem dentro da universidade pesquisarem sobre sua própria comunidade. E isso foi importante para essa aproximação das necessidades dessa região.

    EM: Como foi preparado o material?

    TCC: Se você observar, as frases foram pensadas para serem simples mas possuem sua simbologia. As crianças e os idosos representam a nova geração e a geração que detém o conhecimento tradicional. Isso é muito importante.

    Na imagem está o Sr. Pedro Inácio que foi um grande líder do povo Ticuna, foi o homem que lutou pela organização social da comunidade, então ele possui uma forte representatividade para o povo.

    Não só as frases, mas as imagens também não foram escolhidas ao acaso, essas imagens fazem parte do cotidiano deles, a ideia é também trabalhar com essa sensibilização.

     

    A imagem do casal de idosos abraçados foi escolhido por ser o casal mais velho a se casar na região, apesar de já viverem como casal a muitos anos, eles optaram por oficializar a união em um casamento coletivo, se destacando por serem o casal mais velho a se casar. Então, seu simbolismo está no respeito aos nossos idosos.

    Fiquem nas comunidades.

     O material foi produzido pelos alunos:

    • Sandrinha Inácio Clemente – Comunidade Indígena Novo Porto Lima
    • Monique Inácio Clemente – Comunidade Indígena Novo Porto Lima
    • Nilson Fernandes Agostinho – Comunidade Filadélfia üütchigüne.
    • Isanildo Moçambite de Souza – Comunidade Bom Caminho
    • Edney Firmino Santos – Comunidade Vila Independente de SPO

    Com a orientação da Profa Dra Taciana de Carvalho Coutinho e ajuda na tradução Edivania Luciano Fidélis – Comunidade de Filadélfia BC/AM

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como nos infectamos e transmitimos os coronavírus?

    Primeiro é preciso colocar que as informações que serão colocadas aqui estão baseadas nos sites da Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde.

    A COVID -19, doença causada pelo novo coronavírus, é uma doença nova. Dia-a-dia estamos aprendendo mais sobre ela em função das observações feitas por profissionais das áreas da Saúde e pelos pesquisadores de diferentes áreas, em todo o mundo. Assim, novas informações podem surgir a cada dia.  

    Simples assim? Sim.

    Nos infectamos com os coronavírus quando levamos as mãos ao rosto e tocamos as mucosas da boca, do nariz e dos olhos. Ou quando permitimos que nossos rostos toquem em rostos de pessoas infectadas. Ou quando levamos celulares contaminados ao rosto.  Se estamos em isolamento social e não beijamos ninguém, apenas as mãos e os celulares são responsáveis pelo transporte dos coronavírus para nos infectar. 

    E quando nossas mãos fazem esse transporte, inclusive para os celulares?

    Quando tocamos em superfícies onde estão pequenas gotículas de água contendo vírus.  Essas gotículas são liberadas quando pessoas infectadas falam, tossem, espirram e pelas suas secreções nasais. Quando liberadas as gotículas tendem a cair, por incrível que pareça, em função dos seus tamanhos. E vão se depositar nas superfícies dos mais diferentes tipos de tecidos que estão na sua frente.

    Então, dependendo do tipo de material, vão ficar ali por horas ou dias e a viabilidade dos coronavírus pode ser mantida. Por isso, tocou em qualquer superfície não leve sua mão ao rosto!! Use o álcool em gel se estiver em ambiente aberto.  Se estiver em casa ou no seu trabalho vá até a pia e lave suas mãos com água e sabão por 20-40 segundos. Esses dois processos, se realizados de forma correta, eliminam os coronavírus das suas mãos. E ainda, se você usa óculos, lave-os todas as vezes que lavar as mãos. Desinfete seu celular com álcool 70 o GL, sempre que o colocar sobre superfícies que também não estavam desinfectadas.

    Uma pessoa infectada pode também tossir na própria mão, manter contato com as mãos com as secreções da boca e nariz. Logo, sua mão também poderá transmitir os coronavírus. Portanto, não aceite cumprimentos de ninguém por meio de mãos.  

    Quando as pessoas podem transmitir os coronavírus?

    Obviamente, a primeira condição para que uma pessoa transmita coronavírus é estar infectada por eles. Nas primeiras 24 horas após a infecção já podemos transmitir esses vírus. Ao entrar nas nossas células das mucosas da boca, nariz e olhos, os vírus encontram células nas quais conseguem se aderir e serão ali introduzidos. No interior dessas células serão multiplicados, ou seja, formarão milhares de novos vírus que serão eliminados delas para infectarem outras células, até atingirem as células do pulmão. A extensão da infecção definirá a gravidade da doença. 

    O intervalo entre a infecção e o aparecimento dos sinais e sintomas pode variar de 1 a 14 dias, sendo mais comum ao redor de 5 dias após a contaminação. Os principais sintomas são: nariz escorrendo, dor de garganta, tosse, febre e dificuldade de respirar, terminando com uma pneumonia. Esses sintomas aparecem de forma gradual. O principal alerta é a febre. Ela é o alerta para uma atenção redobrada, que seria o isolamento da pessoa de outros contatos em casa, além do uso de máscaras ao ter contato com essa pessoa. No caso de febre persistente e o aparecimento de tosse e dificuldade respiratória é a hora de procurar o sistema de saúde de sua cidade. 

    Importante colocar que entre 60 a 80% das pessoas que se infectam com os coronavírus podem não apresentar nenhum dos sintomas acima indicados. Mas elas transmitem os coronavírus!!! Outros infectados, apresentam sintomas leves e não necessitarão recorrer ao sistema de saúde. 

    Assim, observe essas informações e cuidado se você pode transmitir os coronavírus: fique em isolamento, tenha separado para seu uso exclusivo itens do dia-a-dia como talheres, roupas de uso pessoal, toalhas de banho e rosto etc.  Descarte em sacos plásticos tudo com que você tenha mantido contato para poder ser lavado ou desinfetado. Essa é uma forma de mostrar seu amor pelos seus e pela humanidade.

    Para saber mais:

    Organização Mundial da Saúde

    Ministério da Saúde

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Química do coronavírus – Parte III

    Pesquisa e desenvolvimento de agentes químicos para o coronavírus

    Indo direto ao ponto, não existem fármacos para o tratamento de pacientes com COVID-19. O fato é que nesse momento não tem no mercado nenhum fármaco ou vacina direcionado para conter a ação do coronavírus (SARS-CoV-2)Uma variedade de medicamentos aprovados para outras indicações, bem como vários medicamentos em investigação, estão sendo estudados em várias centenas de ensaios clínicos em andamento em todo o mundo.

    Reposicionamento de fármacos

    Dado o longo processo de desenvolvimento de novos medicamentos, a estratégia de reaproveitamento de medicamentos tornou-se uma das soluções escolhidas para o tratamento imediato de indivíduos infectados com SARS-CoV-2.

    O reposicionamento ou reaproveitamento de medicamentos é uma abordagem para acelerar o processo de descoberta de medicamentos através da identificação de um novo uso clínico de um medicamento existente aprovado para uma indicação diferente. Nesse contexto, dentre algumas fármacos já conhecido que são candidatos a tratar o COVID-2019  tem-se o arbidol, cloroquinona, lopinavir, remdesivir, etc .[1]  

    Pesquisadores na França publicaram um estudo em que trataram 20 pacientes com COVID-19 com hidroxicloroquina. [2] Eles concluíram que o medicamento mostrava ação antiviral positiva, no entanto, não foi um estudo controlado randomizado e não relatou resultados clínicos, como óbitos. Em orientação publicada na sexta-feira, a Sociedade Americana de Medicina Intensiva disse que “não há evidências suficientes para emitir uma recomendação sobre o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina em adultos gravemente enfermos com COVID-19”. [3] Diante das evidências controversas, ainda há muito caminho pela frente quanto ao uso satisfatório de cloroquina no tratamento de pacientes com COVID-2019. Mais informações sobre os ensaios podem ser encontradas em: https://clinicaltrials.gov/  

    A ribavirina é um medicamento antiviral aprovado pelo FDA, que é  usado em combinação com outros medicamentos para o tratamento da infecção crônica pelo vírus da hepatite C e febres hemorrágicas virais. Produzindo uma atividade de amplo espectro contra vários vírus de RNA e DNA, a ribavirina é um nucleosídeo sintético de guanosina que interfere na síntese de mRNA viral. Atualmente, estudos recentes sugerem que a ribavirina em combinação com interferon ou lopinavi/ritonavir  poderia ser eficaz para tratar a infecção por COVID-19. [1]

    Atualmente, pelo menos nove ensaios clínicos sobre lopinavir/ritonavir estão em andamento na China. O resultado inicial sugeriu que o lopinavir e o ritonavir mostram atividade estimulante antiCOVID-19 in vivo, mas com efeitos colaterais intestinais.[4] No entanto, estudo em pacientes adultos hospitalizados com Covid-19 em seu estágio grave não demonstrou nenhum benefício significativo. [5] Adicionalmente, Uma dose fixa da combinação anti-HIV, lopinavir-ritonavir, está atualmente em ensaios clínicos com Arbidol ou ribavirina. [1]

    O medicamento antiviral de amplo espectro Arbidol, que funciona como um inibidor da fusão de células hospedeiras de vírus, entrou em um ensaio clínico para tratamento de SARS-CoV-2. O arbidol é capaz de impedir a entrada viral nas células hospedeiras contra o vírus influenza. [1] Será que o arbidol vai funcionar para o tratamento da COVID-2019?

    Desenvolvimento de vacina

    É crucial o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes para controlar a pandemia de COVID-19, eliminar sua propagação e, finalmente, impedir sua recorrência futura. Como o vírus SARS-CoV-2 compartilha homologia de sequência significativa com outros dois coronavírus letais, SARS e MERS (Para entender um pouco mais sobre SARS e MERS, visite nosso primeiro post dessa série: Química do coronavírus – parte I), as vacinas identificadas nessas patentes relacionadas aos vírus SARS e MERS poderiam facilitar o projeto de vacinas anti-SARS-CoV-2. [1]

    A primeira dose da vacina contra o coronavírus denominada mRNA-1273, [1] desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) e pela equipe de pesquisa de doenças infecciosas da Moderna, foi administrada ao primeiro participante do estudo de Fase 1 em 16 de março. A vacina de mRNA se baseia em moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico. A ideia é que a defesa do organismo reconheça essas proteínas artificiais como um corpo estranho, levando o corpo a combatê-lo. Se der certo,  na presença do coronavírus, a célula terá desenvolvido a habilidade de identificar e combater o vírus real.

    Á luz do exposto, nota-se um esforço conjunto para desenvolver medicamentos e vacinas eficazes contra infecções de coronavírus existentes e potenciais e outros surtos de vírus altamente patogênicos é necessário para reduzir os impactos na vida humana e nos sistemas de saúde em todo o mundo. Dado o processo oneroso e árduo envolvido no desenvolvimento clínico de medicamentos, o surto de COVID-19 destaca o valor do desenvolvimento de medicamentos antivirais de amplo espectro e a importância de aplicar abordagens inovadoras, como inteligência artificial, para facilitar a descoberta de medicamentos.  

    Nesse momento, somos todos responsáveis pelo avanço da infecção do coronavírus.

    Fiquem em casa e evitem a transmissão do vírus!

    Mapa de coronavírus

    A pandemia de coronavírus afetou mais de 329.000 pessoas, segundo dados oficiais. Na manhã de segunda-feira, pelo menos 14.522 pessoas morreram e o vírus foi detectado em pelo menos 161 países, como mostram esses mapas. Para rastreamento do surto global em tempo real, click AQUI.

    Referência bibliográfica

    1. Liu, Cynthia, Qiongqiong Zhou, Yingzhu Li, Linda V. Garner, Steve P. Watkins, Linda J. Carter, Jeffrey Smoot, et al. “Research and Development on Therapeutic Agents and Vaccines for COVID-19 and Related Human Coronavirus Diseases.” ACS Central Science, March 12, 2020, acscentsci.0c00272. https://doi.org/10.1021/acscentsci.0c00272.

    2. Gautret P, Lagier J, Parola P, Hoang V, Meddeb L, Mailhe M, et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. In Press. http://www.mediterranee-infection.com/wp-content/uploads/2020/03/Hydroxychloroquine_final_DOI_IJAA.pdf

    3. Kupferschmidt, Kai. “WHO Launches Global Megatrial of the Four Most Promising Coronavirus Treatments.” Science, March 22, 2020. https://doi.org/10.1126/science.abb8497

    4. Liu, Wei, Hai-Liang Zhu, and Yongtao Duan. “Effective Chemicals against Novel Coronavirus (COVID-19) in China.” Current Topics in Medicinal Chemistry, March 5, 2020. https://doi.org/10.2174/1568026620999200305145032.

    5. Cao, Bin, Yeming Wang, Danning Wen, Wen Liu, Jingli Wang, Guohui Fan, Lianguo Ruan, et al. “A Trial of Lopinavir–Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe Covid-19.” New England Journal of Medicine, March 18, 2020, NEJMoa2001282. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001282.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Química do Coronavírus – Parte II

    A proteína spike da SARS-CoV-2 é a responsável pela nome característico do vírus tal como vimos na postagem “Química do Coronavírus – parte I”, por causa do sua forma similar a de uma coroa. De forma bem resumida, a proteína spike do coronavírus é uma máquina molecular multifuncional que medeia a entrada de coronavírus nas células hospedeiras. Dessa forma, os mecanismo de entrada na células são orquestrados por essa proteína que tem a capacidade de ligar-se aos receptores celulares e, também mediam as fusões da membrana célula-vírus.

    Entre todas as proteínas estruturais do SARS-CoV, a proteína spike é o principal componente antigênico responsável por induzir respostas imunes do hospedeiro, neutralizar anticorpos e/ou imunidade protetora contra a infecção pelo vírus. Portanto, a proteína spike da SARS-CoV tem papéis fundamentais na infecção viral e patogênese. Na sequência, um vídeo  ilustrativo mostra como o vírus invade a célula ao ligar-se ao receptor que se encontra na superfície da sua camada lipídica.

    Uma vez ligado ao receptor celular, o vírus entra na celula na forma reconhecido e, portanto, protegido pelo sistema imunológico no interior da célula humana. É como se fosse um presente de grego. O receptor não entendeu que abriu a porta e colocou para dentro da célula um invasor.

    Agora, dentro da celular, o vírus é livre para se replicar e liberar novas células COV-2 totalmente funcionais que repetem exponencialmente o ciclo. A estratégia mais comum adotada pelos pesquisadores é um ativo químico que possa interromper essa entrada celular e, dessa forma neutralizar o vírus, deixando-o acessível e vulnerável ao sistema imunológico humano. Portanto, a ideia geral no desenvolvimento de fármaco direcionado ao COVID-2019 é impedir a ação dessa importante proteína viral.[1]

    Para que a estratégia de impedir a entrada do vírus dentro da célula tenha sucesso faz-se necessário conhecer as estruturas da proteína Spike e dos receptores. É a magnitude das interações químicas que ocorrem entre as partes envolvidas do receptor celular e do coronavírus que ditarão o sucesso dessa jornada na busca de novos medicamentos.Nesse contexto, a estrutura da glicoproteína spike (S) de SARS-CoV-2 revela a arquitetura do principal agente de entrada viral nas células hospedeiras, ao mesmo tem que fornece o desenho do futuro fármaco.

    Referência bibliográfica


    [1] Walls, Alexandra C, Young-Jun Park, M Alejandra Tortorici, Abigail Wall, Andrew T. McGuire, and David Veesler. “Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein.” Cell, 2020. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0092867420302622

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Se acharmos um tratamento, o que acontece?

    Se acharmos um tratamento, o que acontece?

    Seguindo uma linha otimista, vamos supor que a hidroxi-cloroquina funciona mesmo. Ai meu amigo leitor, temos a sorte grande! Pois, como ela é tratamento da malária, alguns laboratórios já dominam como obtê-la com sucesso. E como anunciado, os laboratórios do exército já estão atuando em obter uma grande quantidade da droga, apenas não temos informações se eles dominam o processo ou precisam desenvolvê-lo. Então vamos analisar os problemas que encontramos nesta solução, que não pode ser definida como a solução de todos os males.

    Ainda não sabemos qual a dose que está sendo administrada, mas vamos supor que tenhamos que dar uma dose de 1000 mg do comprimido por dia, 1 g. Este número foi escolhido apenas para facilitar nosso cálculo e também por que no tratamento de lúpus, a dose é de 800 mg no início do tratamento. Voltemos a esta 1g, administrada por 7 dias, são 7 gramas de hidroxi-cloroquina por paciente. O número divulgado na mídia às 17:47 do dia 21 de março é de  1128 casos confirmados. Para tratar estas pessoas, apenas estas, por uma semana, precisamos de mais de 7 kg da droga. Precisamos de muitos laboratórios para termos a quantidade necessária para tratar todos os doentes previstos para o meio de abril nos hospitais, mesmo que apenas os casos mais graves. 

    Falando em síntese, encontramos outros problemas:

    1. Agora vamos falar um pouco da produção. Pense numa reação simples:

    A+B → C.

    Quando misturamos reagentes químicos, não conseguimos garantir que A reaja unicamente com B, para formar C. A reage com A e forma AA, assim como B forma BB. Ou ainda, B perde um pedaço e vira P. Tudo que forma e não deveria, ou que sobra (nem tudo reage), chamamos impurezas. Assim as impurezas vão se somando ao longo da rota de obtenção, pois estamos falando de mais de uma etapa. O que precisamos é saber que na obtenção de C, pode ter um pouco de P. Então, temos que saber a quantidade de P e saber que P não faz mal. Afinal, não adianta dar C como remédio e ele ter o P lá no meio que causa infarto, ou dá câncer. (Se você precisou ler isso mais de uma vez para acompanhar, tudo bem, pois é mesmo complicado).

    Agora extrapola para uma rota de 4 etapas (A+B → C→ D → E), em que no final temos as sobras dos reagentes e também outras impurezas que se formaram pelo caminho. Os produtos obtidos a cada etapa devem ser separados desta bagunça, passo a passo e também no final. Isso chamamos de garantir a pureza. Por isso obter uma molécula como a hidroxi-cloroquina pode não ser simples.

    1. Outro ponto importante é: quem começa a rota de síntese? O primeiro composto da rota chamamos de material de partida. Ele também precisa ser feito de moléculas simples ou então ser comprado. Se a hidroxi-cloroquina funciona mesmo, o mundo todo está de olho nos materiais de partida (e reagentes) para usarem na rota. Como o exército está obtendo? Normalmente no Brasil, a maioria dos reagentes ação importados, pois não temos uma indústria química muito forte no país, que produz materiais de partida e reagentes para nossas rotas.

    Vamos dizer então que o processo está validado (sem impurezas) e que conseguimos os reagentes e materiais de partida. Vamos supor um lote do insumo chegue a 25 kg, e que a droga demore 5 dias para ser obtida, ainda assim a progressão da doença é maior do que o que podemos produzir. Ou seja, o laboratório que vai produzir, precisa estar funcionando 7 dias por semana,  24 horas por dia e ainda assim não conseguirá dar vazão. 

    No Brasil, grande parte dos princípios ativos é comprada de laboratórios ao redor do mundo e embalados pelas indústrias farmacêuticas, que fazem o comprimido (ou xarope, ou suspensão, etc) com o princípio ativo. Quem faz o princípio ativo é a indústria farmoquímicas. Quando eu falo ao redor do mundo, falo em India, China, Taiwan, Itália, Espanha, e por aí vai. Creio que aqui, você já entendeu que cada um destes laboratórios está destinado a produzir para o consumo interno do país, não é mesmo?

    Em resumo, ainda que a hidroxi-cloroquina ou outra droga funcione para o tratamento do Covid-19 ainda temos diversos outros desafios, mesmo correndo contra o tempo, com foco na segurança e eficácia em todas as etapas!

    E o melhor caminho é: fique em casa!!!!

     

    Para saber mais:

    http://www.gradadm.ifsc.usp.br/dados/20171/7600011-3/Introducao-Farmacos-2017-compressed.pdf

    https://www.ictq.com.br/industria-farmaceutica/384-desenvolvimento-de-farmacos-avancos-e-perspectivas (Acesso em 21 mar 2020)

    Sangi, D. P. Estratégias de síntese na descoberta de fármacos: e emprego da síntese orientada pela diversidade estrutural. Quim. Nova, Vol. 39, No. 8, 995-1006, 2016.

    Arrepia, D. B.; da Costa, J. C. S.; tabak, D. Registro de insumos farmacêuticos ativos: impactos e reflexos sobre as indústrias farmoquímica e farmacêutica instaladas no Brasil. Vigil. sanit. debate Vol 2, No 2, 9-19, 2015.

    https://www.ictq.com.br/industria-farmaceutica/990-controle-da-qualidade-de-insumos-farmaceuticos-e-fundamental-para-eficacia-do-medicamento (acesso em 21 mar. 2020)

    Jia Liu et al hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquin, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell discovery. Vol 6, No 16, 2020. 

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Hidroxi-cloroquina, já ouvi este nome!

    Nos últimos dias temos ouvido falar muito na droga hidroxi-cloroquina (cloroquina com um substituinte hidroxi – OH). Antes você também já pode ter escutado algo sobre ela, seja no tratamento da Malária ou ainda nos bons resultados apresentado para o Zika (outro vírus que nos assusta). E, sim, é muito bom que você já tenha ouvida falar nela antes, pois isso acelera e muito as coisas.

    Quando estamos trabalhando no desenvolvimento de uma nova droga, temos diversas etapas para garantir que ela será eficiente e também segura. Eficiente é fácil de entender, ela deve combater a doença que queremos tratar. Segura quer dizer que ela não irá causar nenhum efeito danoso, como câncer ou intoxicar algum outro órgão (toxicidade hepática), por exemplo. E como os profissionais que trabalham no desenvolvimento de drogas garantem isso?

    Tudo começa no desenho da molécula que irá atuar como princípio ativo. Nela, não pode haver porções que são conhecidas por alguma toxicidade (não dá para colocar uma  talidomida pendurada na molécula, por que sabemos que ela é teratogênica, por exemplo). Então com a droga desenhada e estuda por ferramentas in silico (em programas de computador), a síntese em bancada (ou o isolamento da natureza) é realizado.

    Depois disso, a molécula é testada in vitro e depois in vivo. In vitro  significa ser testada em células isoladas no laboratório, já in vivo  é o teste em animais. Nesta etapa é que entram os testes em ratos e depois em outros animais, claro, presumindo que tudo dá certo desde de o desenho da molécula até o teste em ratos. Testar em animais é muito importante pois começa a avaliar o metabolismo. Tudo isso é a chamada fase pré-clínica, e ela dura de meses a anos.

    Passando em todos os testes, e com louvor, a molécula de interesse vai para os ensaios clínicos. Aí entram mais 3 fases, que estão resumidas abaixo.

    • Fase I: avalia a segurança da droga, são 20-100 indivíduos e dura alguns meses. Se os indivíduos começam a apresentar efeitos colaterais, a droga pode ser suspensa;
    • Fase II: Indivíduos sadios e doentes, aqui se avalia a segurança da droga e também a eficácia. É comum, nesta fase, indivíduos receberem a famosa pílula placebo (apenas açúcar) e se avalia relação dose-resposta. Esta fase dura de vários meses até 2 anos.
    • Fase III: O número de indivíduos testados é maior. Segue-se acompanhando a segurança, mas a eficácia é o objetivo. Também ocorre o uso de placebo. Aqui se define que a droga realmente funciona
    • Depois de tudo, a indústria que começou a mais ou menos 10 anos atrás o desenho e síntese de mais de 10000 moléculas, consegue registrar uma que passou em todas as etapas. Quando temos algumas doenças graves, em estado terminal, algumas etapas podem ser puladas. Isso acontece bastante em tratamento de câncer e uso de drogas experimentais. Mas claro, sempre com ética e inúmeras aprovações em inúmeros comitês especializados. 

    Se hoje descobríssemos uma droga para a doença causada pelo covid-19, ela teria que passar por várias etapas, sendo algumas delas ignoradas devido à urgência da pandêmina. 

    E a hidroxi-cloroquina?

    Acontece que como a hidroxi-cloroquina já foi testada para malária e já se sabe (e muito bem) seus efeitos colaterais, não precisamos começar lá no início. Com os resultados bem  preliminares publicado pelos franceses, agora o Brasil está testando protocolos de administração da hidroxi-cloroquina. E isso não está errado, afinal, a segurança da droga já é conhecida. Assim, logo saberemos se a hidroxi-cloroquina é mesmo eficaz no tratamento do covid-19. Fique atento, pois até agora, 21 de março de 2020, as 20:00, enquanto escrevo este texto, não se tem certeza sobre isso. E neste mesmo instante, inúmeros cientistas estão estudando a hidroxi-cloroquina, e diversas outras outras drogas, para assim podermos obter um tratamento eficaz. 

    Agora vamos ser otimistas e dizer que a droga funciona, o que vai acontecer? Acompanha nosso próximo texto sobre isso!

    Para saber mais:

    http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/Desenvolvimento%20de%20novos%20medicamentos.pdf

    (acesso em 21 mar. 2020)

    http://www.gradadm.ifsc.usp.br/dados/20171/7600011-3/Introducao-Farmacos-2017-compressed.pdf

    Arrepia, D. B.; da Costa, J. C. S.; tabak, D. Registro de insumos farmacêuticos ativos: impactos e reflexos sobre as indústrias farmoquímica e farmacêutica instaladas no Brasil. Vigil. sanit. debate Vol 2, No 2, 9-19, 2015. 

    Kumar, A. et al   Hydroxychloroquine Inhibits Zika Virus NS2B-NS3 Protease. ACS Omega Vol3, No 12, 18132-18141, 2018.

    Jia Liu et al hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquin, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell discovery. Vol 6, No 16, 2020.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Coronavírus e Fake News na Saúde

    O Coronavírus traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral.

    Texto por Cesar Augusto Gomes

    A epidemia de um novo tipo de coronavírus, que atingiu primeiramente a China, já infectou mais de 8 mil pessoas em ao menos 18 países e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declará-la na quinta-feira (30/01/2020) como uma emergência global de saúde pública de preocupação internacional. O fato traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral. Circularam, nas redes sociais digitais durante a semana passada, diversas informações a respeito do tema, sendo algumas fruto da desinformação de pessoas leigas e outras, da esperteza de quem pretende se aproveitar do surto para embolsar alguns trocados com  vendas de produtos e visualizações em suas redes. Algumas das falsas notícias disseminadas foram: “O coronavírus foi espalhado propositalmente pela indústria farmacêutica para controle populacional” e “Objetos comprados na China pela internet podem estar contaminados com o novo vírus”. Um youtuber especializado em teorias da conspiração espalhou que o americano Bill Gates, dono da Microsoft, teria patenteado o vírus e trazido para o Brasil. Em outro vídeo, uma pessoa que se diz médico relaciona o aparecimento do coronavírus à falta de vitamina D no organismo. Informações não factuais ou manipuladas existem há tempos, muito antes do advento internet. O jornalista Heródoto Barbeiro escreve no texto A Revolução Francesa e o perigo do texto falso (2017), publicado no portal Comunique-se, que durante aquele período (1789-1799), o jornalista Jean Paul Marat, com seu jornal L’Ami du peuple (O Amigo do Povo) acelerou a derrubada da Bastilha com textos nem sempre verdadeiros.
    jsot @jsot Animador / Illustrator vive em Dallas, TX e é de Juarez, Chih, Mx Fonte: jayrsotelo.tumblr.com/
    No livro-reportagem de Fernando de Morais (2000), Corações Sujos, vencedor do Prêmio Jabuti em 2001, encontramos a verídica história de uma seita, a Shindo Renmei – a Liga do Caminho dos Súditos – composta por imigrantes japoneses e descendentes que espalhavam a notícia da vitória do Japão na Segunda Guerra Mundial e assassinavam a quem ousasse dizer o contrário. Com o advento da Internet o cidadão comum passa a ser produtor e distribuidor ativo de conteúdo e a competir com o jornalismo tradicional na tarefa de agendar o debate na sociedade e de fabricar o consenso. Esse protagonismo, apesar da regulação existente, tem seus lados positivo e negativo, pois, aliado a outros fatores, potencializou exponencialmente a proliferação das, popularmente chamadas, fake news, que têm sido usadas para disseminar e legitimar crenças, em detrimento de fatos científicos. Na Saúde, no entanto, a desinformação é um problema ainda mais grave, pois, provoca sobre demanda nos Sistemas de Saúde com exames desnecessários, motivados por alarmismo. Pode também levar pessoas a comportamentos extremos, a deixar de realizar tratamentos necessários, a deixar de usar remédios essenciais para sua vida, enfim, no limite, a desinformação pode matar. Uma possível consequência do fenômeno pode ser sentida mais claramente no âmbito da vacinação, uma vez que, apesar das intensas campanhas de divulgação, as autoridades de Saúde não estão conseguindo cumprir as metas de vacinação, conforme tem sido amplamente divulgado pela imprensa. Como efeito, o Brasil perdeu em 2019 o certificado de erradicação do Sarampo, concedido ao país pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS/OMS), em 2016. Em trabalho que apresentei no “II Seminário Internacional e VI Seminário Nacional as Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake news e saúde”, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília, em 2019, analisei cinco textos que circularam entre 2016 e 2019 nas diferentes redes sociais digitais – e alguns sites apócrifos – e que traziam informações sobre vacinas. A partir dos critérios Wardle e Derakhshan (2017), foi possível classificar esses conteúdos em: Enganosos (partem de dados existentes, porém, manipulam-nos), Fabricados (conteúdo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar) e Falso Contexto.
    Selo do Serviço do Ministério da Saúde que visa a combater notícias falsas Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/checagens/servico-do-ministerio-da-saude-visa-a-combater-noticias-falsas/
    Uma rápida leitura nas notícias a respeito do coronavírus indicam que elas têm contornos parecidos. Para ficar num exemplo, o mesmo tipo de informação falsa divulgada pelo youtuber dando conta de que Bill Gates teria patenteado o coronavírus com o objetivo da redução populacional aparece também nas notícias sobre Vacina que analisei. Em um dos textos, uma “enfermeira” – de quem não se sabia o nome nem o hospital em que trabalhava – afirmava ser a febre amarela uma farsa inventada pelo governo para dizimar a população e que ninguém deveria tomar a vacina. Em sua maioria as fake News sobre saúde seguem o seguinte padrão: (1) sempre partem de uma fonte de confiança (o guru, o doutor, o especialista); (2) são vagos, sem datas e fontes confiáveis, pois o “Dr.” ou a “enfermeira” não têm nome, nem apresentam o hospital em que trabalham nem quaisquer registros de fonte oficial sobre o assunto; (3) são alarmistas; (4) têm pedido de compartilhamento. O jornalista norte-americano Farhad Manjoo (2008) no livro True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society discute a necessidade de se aprender a viver numa sociedade que escolhe a realidade em que quer acreditar, uma sociedade pós-factual. Vemos essas consequências na política, na negação da Ciência e até de fatos históricos. No entanto, quando se trata da saúde do ser humano, escolher entre ministrar um medicamento ou não, pode significar a morte. Referências BARBEIRO, Heródoto. A Revolução Francesa e o perigo do texto falso. Portal Comunique-se. São Pulo. 05 set. 2017. MANJOO, F. True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society. Nova Jersey: John Wiley & Sons. 2008. WARDLE C, DERAKHSHAN H. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017.   Texto por Cesar Augusto Gomes – Mestrando em Divulgação Científica e Cultural, Labjor/IEL/Unicamp

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Porque acreditar num remédio para a COVID-19 pode não ser uma boa saída

    No dia 19/03/2020 começaram a surgir notícias em diversos veículos de comunicação sugerindo a descoberta de um remédio para a cura da COVID-19. A droga hidroxicloroquina – usada para tratar malária – seria eficiente, também, para o tratamento de pessoas infectadas com o novo coronavírus. Essa informação foi anunciada pelo presidente Trump (EUA) em coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (19/03), e se baseia num artigo de pesquisadores chineses publicado ontem (18/03) na Revista Cell Discovery. Apesar destas fontes serem confiáveis – ou seja, de não se tratar de uma “fake news” – e da notícia ser animadora diante do caos que estamos vivendo, vou explicar o porquê da gente precisar ter bastante cautela na hora de consumir esse tipo de informação. 

    Primeiro, precisamos pensar em que contexto se produzem essas notícias. Num momento de urgência de pandemia, o jornalismo – já acelerado – acaba entrando na onda de publicar o maior número de notícias o mais rápido possível, muitas vezes sem pesar o que elas podem gerar. É verdade, também, que alguns veículos de comunicação estão mais preocupados com o clickbait, ou seja, com a quantidade de pessoas que clica naquela manchete do que com as consequências que ela pode ter em termos de saúde pública. Mesmo que as informações sejam minuciosamente checadas e que o repórter tenha o cuidado de relativizar a descoberta científica (com expressões como “droga pode ser eficaz”, “pesquisa sugere”), as chances de uma informação ser mal interpretada pelos leitores é grande em tempos pandêmicos.

     Manchetes como “EUA dizem que encontraram remédio que pode tratar coronavírus” podem fazer com que as pessoas se sintam mais “relaxadas” e descuidem dos cuidados básicos de prevenção – que são extremamente importantes no atual estágio da pandemia para evitarmos a proliferação do vírus no Brasil. Afinal, se a cura da doença está logo ali na esquina, por que adotar todas essas medidas restritivas de não sair de casa, não é mesmo? Só que não. O remédio ainda não está batendo nas nossas portas, acreditem.

    Segundo podemos ver no artigo dos pesquisadores chineses publicado na Nature, a droga hidroxicloroquina foi eficiente em inibir a SARS-Cov-2 in vitro. Como assim? Este termo “in vitro” é fundamental no contexto que estamos. Assim, isto quer dizer, : o experimento foi realizado de forma controlada em laboratório, sem nenhum teste em organismos vivos.

    E agora?

    Esse é apenas o primeiro passo desta pesquisa, ou seja, muitas outras etapas precisam ser realizadas. Para afirmar que essa droga pode combater o coronavírus, é preciso realizar testes clínicos. Só assim os pesquisadores vão saber como a hidroxicloroquina se comporta no corpo humano no combate ao vírus. No artigo, os pesquisadores são prudentes em dizer a droga “tem potencial para combater a doença”, mas ainda se precisa uma “confirmação de testes clínicos”. Acontece que essa etapa ainda está em fase inicial. Segundo os pesquisadores do artigo, a China registrou sete testes clínicos para a hidroxicloroquina desde fevereiro de 2020, mas ainda não há evidências experimentais que provem que a droga realmente funciona. 

    Podemos aplicar essa lógica de divulgação antecipada sem provas a qualquer estudo sobre coronavírus que esteja sendo divulgado pela imprensa nos últimos dias. Ainda que os pesquisadores de várias partes do mundo estejam trabalhando de forma veloz para descobrir uma vacina ou testar medicamentos para curar pessoas infectadas pelo vírus – e que estejamos torcendo por eles -, a ciência precisa de tempo para provar experimentalmente que essas soluções funcionam. Depois, são mais alguns meses para que as vacinas e medicamentos estejam de fato disponíveis para a população. Compartilhar esse tipo de informação – sem os devidos “poréms”, à essa altura do campeonato, pode gerar falsas expectativas. 

    Por fim, ainda há um estudo que testou em pacientes doentes e em um grupo controle um tratamento similar, Hidroxicloroquina e azithromicina. Houve, sim, resultados significativos. Mas ainda assim é cedo para afirmar que o resultado é positivo, pois envolveram menos de 40 pessoas, sendo que apenas 16 fizeram o tratamento até o final com a combinação dos medicamentos. Se você não compreendeu isso ainda, volte ao início deste post e leia tudo até entender que: os testes têm sido feitos com MUITO POUCAS PESSOAS. Isto quer dizer que não se sabe efeitos a longo prazo, não se têm perspectiva se pode ser usado em qualquer condição (interação com outras patologias, medicações de uso comum para outros tratamentos), ou a quantidade ministrada, intervalo e outros detalhes específicos.

    Com tudo isso, queremos dizer que: NÃO COMPRE MEDICAMENTOS NA FARMÁCIA COM BASE EM UMA REPORTAGEM DE JORNAL. Não faça estoques de produtos sem saber se isso será realmente importante. Mantenham a calma.

    Algumas dicas que podemos compartilhar:

    * Cuidado com notícias que afetam a sua forma de agir/ se prevenir em relação ao COVID-19.
    * Ser equilibrado na hora da interpretação das matérias jornalísticas. Isto é, cuide com os dizeres: “Pode ser eficiente” ou “sugere que é eficiente” é diferente de “é eficiente” e “foi testado”.
    * Ter responsabilidade na hora de compartilhar informação. Elas podem trazer esperança, mas também gerar falsas promessas.
    * Hidratem-se, lavem as mãos, sejam gentis, cuidem uns dos outros, sem esgotar produtos a cada reportagem. Não se apavorem. 
    * Confiram a lista de links confiáveis que o Blogs de Ciência da Unicamp preparou para vocês;

    Manchetes que vem circulando por aí e merecem cautela:

    • Pessoas com sangue tipo A podem ser mais vulneráveis ao coronavírus, diz estudo preliminar na China”. (Época Negócios)
    • Estudo europeu aponta possível eficácia de remédio contra malária no tratamento do COVID-19 (Bahia Notícias)
    • EUA dizem que encontraram remédio que pode tratar coronavírus (Exame)
    • Coronavírus: remédio contra asma pode ser eficaz contra o novo contágio (Agência Brasil)

    Para saber mais:

    Liu, J, Cao, R., Xu, M et al. Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro Cell Discov 6, 16 (2020) https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0

    Gautret et al. (2020) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID‐19: results of an open‐label non‐randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents – In Press 17 March 2020 – DOI:10.1016/j.ijantimicag.2020.105949

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Crescimento exponencial: Como ficar rico ou contaminar multidões rapidamente

    Este é um tema que está em alta devido a pandemia de COVID-19, que apresenta um risco alto de contaminar uma quantidade muito grande de pessoas em pouco tempo devido a esta característica chamada “crescimento exponencial”, que é o que discutiremos aqui!

    No dia-a-dia estamos mais acostumados com eventos que possuem um crescimento “linear”, isto é, algo que cresce a uma taxa constante. Vamos pensar em um exemplo: Suponha que você ganhe R$ 8,00 por hora de trabalho, no final de uma semana, considerando 40 horas trabalhadas, você terá ganho R$320,00.

    Exemplo de crescimento linear, como a taxa é constante basta multiplicá-la pelo número de horas. Recebe este nome pois o gráfico que representa este comportamento é uma reta, como visto na figura.

    Como este tipo de evento é mais comum, nossa intuição mesmo sem perceber faz com que projetemos tudo de maneira linear. Isto faz parecer que os 540 casos de COVID-19 no Brasil em seu 22º dia desde o primeiro caso não pareça tão alarmante (Dado do dia 18/03/2020, das Secretarias Estaduais de Saúde). Mas não se engane, a situação é MUITO PREOCUPANTE.

    Isto se deve ao fato do número de novos doentes depender do número de doentes existentes. Esta é a principal característica de um crescimento exponencial: No começo o crescimento é lento, até menor que um crescimento linear, pois há poucos doentes para transmitir a doença; Porém, com o aumento de transmissores, este crescimento aumenta muito, como podemos ver em outros países como a Itália e a Espanha.

    Este é o mesmo princípio que faz com que juros compostos possam ser perigosos quando se assume um empréstimo, você não percebe o aumento, que ocorre como uma bola de neve.

    Para os amantes de desenho animado como eu, talvez lembrem da animação Futurama. Neste show, o protagonista Fry é congelado por mil anos e passa a viver em uma sociedade futurística. Em um dos episódios é revelado que o banco onde Fry possuía uma conta ainda existe e que antes de ser congelado ele possuía 93 centavos de dólar em sua conta.

    A poupança do banco de Fry rendia um total de 2,25% ao ano (um rendimento bem ruim, diga-se de passagem). Quanto dinheiro você imagina que Fry descobre ter no futuro, mil anos depois? Fazendo as contas, descobrimos que sua fortuna passou de US$0,93 para aproximadamente US$4.280.000.000,00, isto é, mais de quatro BILHÕES de dólares.

    Exemplo de crescimento exponencial, no começo o crescimento é bastante modesto pois depende do valor inicial, porém rapidamente torna a cresce de maneira bastante expressiva.

    Voltando para o Coronavírus: vamos considerar um modelo bastante simples, suponha que o número de doentes no Brasil cresça 33% por dia e chamaremos de dia “0” (zero) o dia em que tínhamos apenas um doente. No dia 22, teríamos 530 pessoas com o vírus, algo muito próximo da situação de agora. E mais pra frente?

    Uma semana depois, no dia 29, teríamos 3.905 pessoas infectadas no país. Passando mais uma semana, no dia 36, 28,751 pessoas doentes. A Itália neste momento possui cerca de 41 mil casos de COVID-19 em seu país, estando no seu 57º dia desde o primeiro caso confirmado. Ultrapassaríamos estes números no dia 38.

    Dados reais de casos de COVID-19 no Brasil. Os pontos azuis representam dados do Ministério da Saúde e os pontos laranjas representam dados das Secretarias Estaduais de Saúde. Agradecimentos a Roberto Takata (Gene Reporter) por disponibilizar os dados e a figura.

    E é por isto que autoridades de saúde estão fazendo apelos tão fortes e tomando medidas drásticas para combater a pandemia. Obviamente o modelo que mostro agora é demasiado simplificado para mostrar a real situação do espalhamento do SARS-CoV-2 no Brasil, por exemplo, haverá um momento onde algumas das pessoas serão curadas, ou onde não haverá mais pessoas a se contaminar, fazendo com que a curva passe a diminuir de ritmo. Mas serve para deixar claro um ponto: a situação pode sair de controle muito rápido, precisamos tomar as devidas precauções o quanto antes!

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Ficar em casa para quê?

    Versão Ana Arnt do fim de Fevereiro…

    Enquanto eu estava viajando para um canto aqui na América do Sul, nas minhas férias, eu acompanhava a situação do Corona, à distância. Tentava entender a gravidade da situação pelos jornais, entre alarmismos e uma calma latente. (mas a letalidade não é baixa? Pensava eu…). Entre um café e outro, uma trilha aqui, uma parada em um lugar com internet ali, eu buscava acompanhar as notícias sem um empenho dantesco…

    Por outro lado, eu conversava com a Rafaela quase todos os dias! Mensagens bobas sabe? De saudades, felicidade pela projeção da amiga na pesquisa, pelas fotos bonitas em redes sociais… Estas coisas que parecem, para muitos, fúteis e mundanas (e são mesmo, em muitos níveis!). Entre relatos de pesquisa e novidades de laboratórios, conversas comuns de amigas que mesmo distante, seguem em contato. Desde que pensamos em montar esta série de textos, olhando para trás, fizemos uma retrospectiva, que apresentamos hoje, a partir da narrativa e perspectiva dela, na Itália…

    Diário de uma pesquisadora na Itália, em  etapas…

    1 – Quando o vírus começou a aparecer na China, estávamos de olho. O grupo de pesquisa que eu participo estudou a primeira epidemia de SARs, em 2003 , é normal acompanhar casos semelhantes e estar sempre atentos.

    2 – O vírus chega na Itália! Um casal chinês que estava em Wuhan vem para cá, nós monitoramos a situação… Mas até este momento, nem imaginávamos o que estava por vir.

    3 – Passam-se algumas semanas. Chega a notícia do paciente 1, que não teve contato com ninguém da China, nem ninguém infectado. Como assim? De que maneira isso pode ter escapado ao nosso radar?

    4 – Não há como não elaborar, no susto, teorias da conspiração diversas. Porém, hoje, sabemos que em razoável silêncio, o vírus já estava em circulação comunitária.

    5 – Segundo a OMS, os pacientes que se encaixavam como suspeitos do Corona teriam que ter contato com pessoas que vieram de países com a doença, além dos sintomas. O paciente 1 não esteve em contato com ninguém que estivera nos países de risco… A Itália, assim, descartou o paciente 1. 

    6 – Enquanto isso, no nosso laboratório, muita conversa, um pouco de piada, análises de textos e informações. Uma leveza extrema, as conversas fluíam entre análises.

    7 – De repente, opa! Em um piscar de olhos: o número de casos aumentam! De um dia pro outro, dobram! Como assim?

    8 – Carnaval chegou. Sim a doença estava aparecendo, mas estava tudo bem, estávamos monitorando e aprendendo sobre tudo o que ocorria. Eu, particularmente, fui à Veneza com a minha máscara (lindíssima, inclusive!). Está tudo tranquilo, posto fotos em redes sociais, converso com amigos do Brasil, que também estão no carnaval… E…

    9 – 11 cidades fecham! Carnaval cancelado! Isso: CANCELADO. Lockdown! Acabou o carnaval no meio da praça. Simples assim: em um segundo eu estou de máscara, plena, rindo. No outro é anunciada a medida de conter o coronavírus pelo microfone no meio da festa na rua.

    10 – Medo. Sim, não há outro modo de dizer. Eu estou em pânico de ficar presa em Veneza! Corro. Suspendo o resto da reserva do hotel, pego o trem e volto pra casa. Enquanto isso, uma amiga brasileira que está comigo, acha melhor ir pro Sul, porque lá a situação tá mais tranquila. 

    11 – Volto para Milão, a vida parece normal no norte, menos pânico que em Veneza (Ufa!!! que bom!!). Lá tinha um caso confirmado (Deus me dibre de ficar lá presa, sozinha). Em Milão, ainda não há casos confirmados. 

    12- Dias depois, o medo vai dominando a mídia. Mil indicações de álcool em gel a todo instante. Eu acalmo meus amigos do Brasil que perguntam, falo que devem se preocupar com a Dengue e outras doenças tropicais. “Calma, tá tudo certo, tem um certo exagero no ar”, eu dizia. Mas enquanto isso…

    13 – Eu começo a mastigar artigos e relatórios da OMS, tanto para debater no grupo de pesquisa, quanto para discutir com as minhas amigas na Itália como poderíamos viver aquele momento. Quase numa tentativa de não assumir que a gente tinha que ficar em casa mesmo! Eu ainda comento com algumas amigas brasileiras que tenho dúvidas se devo voltar ou não. É tudo muito incerto, sabe?

    14 – Minha amiga, que tinha ido para o sul? Fui visitar ela e logo após ela consegue pegar o último vôo da latam Itália-Brasil.

    15 – Ah pronto! Bloquearam o norte! Eu fiquei…

    16 – Mas também… Ainda dava para ir trabalhar, ir em restaurante… Eu usava álcool em gel e mantinha um metro de distância, como recomendado. Uma pena não conseguir mais ir visitar o lago Como! Sigo lendo os artigos, seguimos tentando entender tudo e debatendo a situação no laboratório.

    17 – Dois dias depois, é anunciado o fechamento completo da Itália. Um dia depois é anunciado o fechamento de todo o comércio só ficando aberto farmácias e mercados. 

    18 – O número de mortos aumentam, os médicos são infectados, faltam médicos para tratar as pessoas. O caos chegou enfim. A gente parou! De novo: A GENTE PAROU!

    19 – Estamos em casa, todos!!!!! Vamos às ruas quando precisa, mas não sem medo.

    Enquanto isso, na ponte Brasil-Itália das redes sociais…

    A Rafa estava sã e salva em casa, mas sem ver pessoas, isolada no seu apartamento, lendo artigos sem parar e nos atualizando da situação, da gravidade dos números, das escalas de trabalho no laboratório e de como, aqui no Brasil, devíamos proceder. E nessa altura, Rafa era sim, bem enfática nas recomendações de que não era um exagero e tudo aqui ia fechar também!

    Já a Ana Arnt estava voltando às aulas depois das férias, questionando internamente se a amiga não tava exagerando, tentando ler relatórios internacionais e acompanhar os desdobramentos dos casos brasileiros, que já começavam a pipocar nos noticiários, redes sociais, canais de divulgação científica.

    Pois bem, mal começou as aulas na Unicamp e: paramos! Segunda semana letiva, 15 minutos antes da reunião do Grupo de Pesquisa do PEmCie acontecer, veio a mensagem oficial. Logo após tinha aula na Pós Graduação. Enquanto isso a Rafaela já dizia no grupo que era isso mesmo, sem exagero, a gente tinha que parar!

    Por que isso está nesta série de postagens sobre o Corona?

    Uma das grandes dificuldades de tudo o que está acontecendo é que estamos aprendendo enquanto a doença se desenvolve. E por ser uma doença que avança muito rápido na sociedade, em números, o quão severo era o problema e as razões de considerarmos severo, foram mudando (o que é bem normal no trabalho científico). A grande questão era: nós mudávamos nossa postura frente a tudo o que ocorria, literalmente, da noite para o dia!

    Grande parte do aprendizado, além disso, vinha (e ainda vem) de artigos recém publicados e de relatórios da OMS, sem tempo para debater com nossos colegas. Estamos aprendendo, estudando e divulgando o que sabemos, com um tempo muito curto – e isso não é exatamente o mais comum do dia a dia na Divulgação Científica e na produção científica… Mas vamos ao cerne da questão: Parar ou não parar?

    #fiqueemcasa

    Parece lógico dizer a todos para ficar em casa. Temos que provocar, sim, o isolamento máximo de contatos sociais. Não basta só limpar-se com álcool gel, nem lavar as mãos constantemente. É preciso distância entre pessoas! É fundamental respeitarmos um espaço entre todos na rua, repensarmos nossos hábitos higiênicos e tudo o mais que já foi dito. Mas ficar em casa é sim uma estratégia funcional e fundamental. É a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde, de pesquisadores da área. O cenário ideal é esse: todos em casa.

    Mas não é essa a possibilidade o tempo inteiro, não é mesmo? Vivemos em condição de pobreza e miséria em nosso país. Temos um enorme número de pessoas trabalhando na informalidade e/ou como autônomos, o que significa que parar de trabalhar (e, portanto, circular) é parar de receber. Temos pessoas que trabalham na área da saúde, transportes e logística de distribuição de alimentos e medicamentos. E é por estas pessoas, todas elas, que, também, temos que parar.

    Hoje, mais do que informações específicas, recomendações.
    Parar tudo seria um dos caminhos, dentre utopias reais e implementáveis!

    Vídeo em que Italianos falam para “o eles mesmos do passado” – 10 dias atrás.

    Série PEmCie: Coronavírus

    Entrevista de Rafaela Rosa-Ribeiro no jornal Estado de São Paulo

    Links para conferir, sempre, em caso de dúvidas:

    CANAIS OFICIAIS BRASIL e MUNDO

    Organização Mundial da Saúde
    Associação Brasileira de Saúde Coletiva
    Ministério da Saúde
    Central of Disease Control and Prevention

    Jornais

    Folha de São Paulo
    G1
    Estado de São Paulo

    Divulgação Científica:

    Rafaela Rosa-Ribeiro

    Blogs de Ciência da Unicamp:
    www.blogs.unicamp.br
    www.blogs.unicamp.br/pemcie
    www.instagram.com/blogsunicamp

    Átila Iamarino:
    www.twitter.com/oatila
    www.instagram.com/oatila

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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