Tag: coronavírus

  • Somos Todos um: A pandemia e a questão Indígena

    Lá no início dessa pandemia, em março de 2020, na postagem ‘Como divulgar informações de prevenção do Covid-19 se a língua de seu país não é a sua?’ conversamos um pouco sobre o trabalho da Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) sobre os desafios de adaptar as informações de prevenção do Covid-19 para as comunidades indígenas próximas a UFAM em Benjamin Constant.

    Agora, em junho de 2020, conhecemos outra iniciativa, agora mais perto de casa, que também se propõe a contribuir com as comunidades indígenas na prevenção da Covid-19, a Organização Não-Governamental (ONG) Kamuri – Indígenismo, Ação Ambiental, Cultura e Educação

    Criada por indigenistas, em Campinas – SP, Kamuri realiza, desde 2006, diversas ações que promovem a divulgação da questão indígena e realiza trabalhos  em  comunidades indígenas, na formação de professores, inclusão digital das comunidades indígenas, registro das línguas e cultura indígena em mídias digitais,  e produção de material didático para a educação escolar indígena, além do apoio à produção de alimentos saudáveis e divulgação de técnicas de permacultura.

    No Estado de São Paulo a Kamuri desenvolve, desde 2013, um Programa de Revitalização das Línguas Indígenas no Estado – abrangendo as línguas Kaingang, Nhandewa/Tupi-Guarani, Krenak e Terena – em parceria com o Grupo de Pesquisa Indiomas (IEL/Unicamp) e com apoio da FUNAI, programa que já rendeu 7 publicações de materiais didáticos para as comunidades de São Paulo (beneficiando também comunidades do Norte do Paraná e de Minas Gerais).

    E durante essa quarentena tivemos a feliz oportunidade de conversar com a Prof. Dra. Juracilda Veiga – Co-Fundadora e atual Coordenadora da Kamuri sobre esse trabalhom sobre o trabalho que eles vem realizando, confira:

    Com quais comunidades indígenas vocês têm trabalhado?

    R:  A Kamuri é integrada por indigenistas, pesquisadores acadêmicos (especialmente da linguística, educação e antropologia), profissionais liberais e estudantes.

    Temos uma longa atuação em programas de educação escolar indígena (sobretudo no assessoramento direto a avaliações e planejamento de escolas indígenas e na formação de professores) e realizamos periodicamente os Encontros sobre Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas – ELESI (um dos poucos – e um dos mais importantes – eventos de âmbito nacional, aberto, sobre educação indígena no Brasil).

    Desenvolvemos ações importantes de formação de professores e junto a escolas indígenas do Rio Grande do Sul (especialmente entre 2008 e 2014); participamos do projeto Web Indígena, conduzido pelo grupo InDIOMAS, e atuamos diretamente em educação junto aos professores de uma dúzia de escolas e áreas indígenas do Estado de São Paulo, especialmente com o programa de Revitalização Linguística, iniciado em 2013.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    No caso das comunidades do Alto Solimões, nossa atuação tem sido na forma de contribuição para combater a disseminação do Coronavírus nas comunidades indígenas, especialmente os Tikuna e Kokama. O Alto Solimões compreende 13 etnias (7 em território Brasileiro) e  concentra uma população indígena de cerca de 123 mil pessoas , (68 mil indígenas em território Brasileiro, desses 46 mil são Tikunas  ou 68 % do total da população indígena na região).

    As principais comunidades Tikuna são: Feijoal, com 577 famílias e cerca de 5000 mil pessoas.  Aldeia Belém do Solimões: 1.014 famílias,  5.800 pessoas.  Aldeia Umariaçu 1.  são 504 familias, 2.191 pessoas. Aldeia Umuriaçu 2.  São 1302 familias, e 5002 pessoas. Aldeia Filadelfia, 269 famílias. 1400 pessoas. E a campanha, à medida em que segue recebendo contribuições, buscará levar apoio a todas elas, além das famílias Kokama que já ajudamos, e famílias Tikuna da divisa, oficialmente moradores da Colômbia.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    Como tem sido o trabalho de divulgação científica sobre a prevenção da Covid-19 nessas comunidades assistidas por esse grupo de apoio voluntário?

    R: E diante dessa pandemia a Kamuri se propôs a colocar em prática uma Ação Solidária com as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões (Tikuna e Kokama e outras etnias da tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru).

    O pedido de socorro chegou ao IEL Unicamp  por Ozias Guedes Alberto, um mestrando indígena da etnia Tikuna, da Aldeia Feijoal (AM), que solicitava álcool em gel e mil máscaras para seu povo. Professores do IEL decidiram lançar uma Campanha para a arrecadação de recursos, solicitando apoio da Kamuri para organizar a arrecadação e a destinação final dos recursos, visto que estamos muito longe do local de realização das ações.

    Além de disponibilizar a conta da Kamuri para receber as contribuições em dinheiro, as coordenadoras da Kamuri articularam uma rede de apoio local, apoiando-se em grupos já organizados no Amazonas (em Manaus, Tabatinga e Benjamim Constant).

    As dificuldades de transportar álcool em gel de São Paulo para Tabatinga, fez optar por soluções locais mais ágeis e, nesse contexto, mais eficientes: montar nas cidades maiores próximas das aldeias, kits de higiene com água sanitária, sabão em pó, sabão em barra e sabonete.  E, também para contornar dificuldades logísticas e garantir rapidez no atendimento das urgências, em lugar de enviar máscaras de proteção prontas, decidiu-se por produzir localmente, gerando também, com isso, oportunidade de trabalho e renda para famílias locais.

    Informações atualizadas em 27/05/2020 sobre a situação da covid-19 nas comunidades indígenas, outras informações atualizadas podem ser conferidas aqui

    Local de Cobertura
    Casos Confirmados
    Casos que vieram a óbito

    Nos fale mais sobre o SOS TIKUNAS.

    R: A Campanha SOS TIKUNAS com o objetivo de apoiar as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões contra a pandemia do o COVID 19 começou dia 7 de Maio de 2020 por iniciativa dos professores do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp).

    A propósito, imediatamente iniciada aqui, um docente do IEL atuando como Professor Visitante na Universidade de Pequim, divulgou a campanha também lá, entre docentes e estudantes, e enviaram um importante aporte em dinheiro para ajuda aos Tikuna.

    Junto desse trabalho, já realizado pela Kamuri, procuramos minimizar os efeitos da pandemia entre os indígenas daquela região, disponibilizando informações, materiais de divulgação cientifica em língua tikuna e português, apoio e tradução das comunidades interessadas.

    Também há ações de ajuda comunitária de promoção de kits de higiene, cestas básicas e a confecção de máscaras de pano para essas comunidade, que seguem junto com materiais de divulgação científica.

    A Kamuri também promove divulgação científica sobre a Covid-19 em libras, confira aqui

    Outros materiais de divulgação científica sobre a Covid-19 em Língua Tikuna podem ser encontrados aqui

    Quais os retornos que a Kamuri tem recebido sobre esse trabalho?

    R: Temos recebido mensagens carinhosas das comunidades que ajudamos, tanto Tikunas como Kokamas.

    Da China, além do apoio financeiro, vieram mensagens muito significativas de jovens estudantes da Universidade de Pequim, dirigidas aos próprios Tikuna.

    Mas o retorno mais importante são as fotografias e as informações que nos repassam, por mensagem, das aldeias, mostrando os equipamentos, kits e alimentos sendo entregues a cada família, contribuindo, seguramente, e muito, para diminuir os impactos da pandemia e conter sua propagação nas aldeias, em uma região onde os equipamentos de saúde são limitados e precários.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Máscaras e testes são necessários para evitar a transmissão assintomática do SARS-CoV-2 liberado em aerossóis e gotículas.

    Esse é o resumo do artigo publicado na respeitada revista Science, do dia 27 de maio de 2020. Trata-se de um artigo que coloca em perspectiva as medidas para a redução da transmissão do SARS-Cov-2 por meio de testagem e do uso máscaras pela população. Uma análise necessária… principalmente aqui no Brasil, onde os dirigentes estão tirando a população da quarentena em pleno momento ascendente da curva de casos! (veja nossa série “O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1 e parte 2).

    Ao respirarmos, falarmos, tossirmos ou espirrarmos acabamos liberando gotículas e aerossóis. Se estamos com alguma infecção respiratória viral, vírus vão estar contidos ali. Aerossóis são partículas muito, muito pequenas, são menores que cinco micrômetros (≤ 5 μm) enquanto as gotículas possuem mais de cinco-dez micrômetros (> 5-10 μm).  

    Um conjunto combinado de fatores (tamanho da partícula, velocidade que a partícula é liberada, gravidade, evaporação) vai determinar a distância percorrida e o tempo que a partícula permanecerá no ar. De forma simplificada, gotículas caem no solo mais rápido do que evaporam, permitindo assim uma maior taxa de contaminação de superfícies. Os aerossóis, por sua vez, permanecem mais tempo no ar e podem ser transportados por longas distância, permitindo uma maior taxa de contaminação por inalação. Além disso, a inalação de partículas menores pode estar relacionada à gravidade da doença (aerossóis muito pequenos, poderiam chegar diretamente às regiões mais profundas dos pulmões, onde o sistema de defesa atua mais vagarosamente, causando uma doença mais grave).

    Para efeito de comparação, uma gotícula grande de 100 μm (em rosa na escala da figura), atingiria o chão em 4,6 segundos e uma distância de quase 2,5 metros, enquanto uma partícula de aerossol de 1μm poderia permanecer no ar por cerca de 12 horas. Além disso, tosses e espirros intensos podem lançar as gotículas por mais de 6 metros (os aerossóis podem ir ainda mais longe). Estima-se que uma pessoa com COVID-19 falando alto por 1 minuto pode gerar de mais 1.000 partículas de aerossóis, o que poderia levar a liberação de mais de 100.000 partículas virais de SARS-COV-2!

    Há, ainda, diferenças na densidade de partículas virais no ar em ambientes abertos e fechados. Apesar de ainda termos poucos estudos sobre taxa de transmissão de SARS-CoV-2 ao ar livre, as concentrações ali são mais rapidamente diluídas, além de que o SARS-CoV-2 pode ser inativado por radiação UV da luz do sol, provavelmente seja sensível à altas temperaturas ambiente, bem como à presença de aerossóis atmosféricos que ocorrem em áreas muito. Porém, ao mesmo tempo, os vírus podem se prender a outras partículas presentes no ar, como poeira e poluição e, assim, aumentar sua dispersão (distância e tempo no ar). Observou-se, por exemplo, que pessoas que vivem em áreas muito poluídas apresentam maior COVID-19 com sintomatologia mais grave.

    As máscaras surgem como uma importante barreira uma vez que o seu uso reduz a probabilidade e a gravidade da COVID-19 e reduz significativamente as concentrações de SARS-CoV-2 liberadas no ar. As máscaras também podem proteger os indivíduos não infectados das partículas liberadas e contaminadas com SARS-CoV-2 presentes no ar. Na figura abaixo vemos as 4 situações diferentes na qual pessoas saudáveis podem entrar em contato com o vírus liberado por uma pessoa infectada assintomática:

    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS SEM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra mais exposta ao vírus
    • Pessoa infectada assintomática sem máscara e pessoa saudável com máscara
    • Pessoa infectada assintomática com máscara e pessoa saudável sem máscara
    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS COM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra menos exposta ao vírus

    Alguns estudos identificaram a eficiência de filtragem de aerossóis por máscaras caseiras feitas com materiais adequados e bem ajustadas ao rosto foi encontrada como semelhante a de máscaras médicas (mas ainda precisamos de mais estudos para essa confirmação). Acontece, porém, que a universalização da proteção que o uso correto das máscaras caseiras deveria trazer não acontece como deveria. É só olhar pela janela de casa e ver que nas ruas as pessoas estão andando com máscara frouxa, ou sem máscara, ou com a máscara no queixo ou pescoço, ou com o nariz exposto… Ou seja: a proteção não está funcionando!

    Outro ponto importante a ser levantado é que nas infecções respiratórias mais comuns, as transmissões dos vírus ocorrem por meio das partículas liberadas em tosses ou espirros de indivíduos sintomáticos. Porém, para a COVID-19 o que está sendo observado é um pouquinho diferente: a transmissão parece ocorrer principalmente pela liberação de aerossóis durante a fala ou a respiração de indivíduos contaminados, mas que não apresentam sintomas (indivíduos assintomáticos) – ainda que estes venham a desenvolver os sintomas depois.

    O que expusemos neste post é muito importante pois é o que deve guiar a maneira que devemos agir para reduzir a transmissão do vírus. O que deveria ser muito simples, uma vez que são dois os principais pontos que devem ser observados, tudo é muito difícil pois depende da cooperação da população e bom senso e boa gestão dos nossos governantes:

    Precisamos: [1] de medidas que reduzam a liberação de aerossóis (uso CORRETO de máscaras com boa taxa de filtração); e [2] realizar testes para saber quem são os indivíduos contaminados assintomáticos e, assim, teremos dados reais para que os governos possam elaborar políticas públicas/estratégias pensadas com cuidado para essas pessoas e que visem evitar a disseminação da COVID .

    Em Wuhan, cidade que foi o epicentro inicial da COVID-19, por exemplo, ao iniciar o processo de saída da quarentena foram detectados novos casos da doença. O medo de que uma nova onda da doença surgisse levou as autoridades locais a realizarem um grande movimento para testarem toda a população. Foram mais de 9,9 milhões de testes realizados, com a identificação de 300 casos de portadores assintomáticos do vírus. O curto dessa ação foi de aproximadamente 126 milhões de dólares.

    Pelo jeito algo parecido aqui no Brasil vai ser muito difícil…

    ATUALIZAÇÃO: A Organização Mundial da Saúde (OMS) liberou novas orientações para a fabricação de máscaras caseiras! Veja abaixo o infográfico produzido pela equipe do COVID-19 DivulgAÇÃO Científica.


    Para saber mais, consulte:

    Prather KA, Wang CC, Schooley RT. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science (2020). doi: 10.1126/science.abc6197.  

    Reuters. Testes em massa em Wuhan registram 300 portadores assintomáticos de coronavírus, mas nenhum novo caso. Publicado on-line em 02/06/2020.
    COVID-19 DC. Nova orientação para máscaras caseiras. Publicado on-line em 06/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Coronacrise: emissão de moeda e inflação

    Por: Ulisses Rubio e Victor Young

    Os jovens que hoje cursam o ensino superior nasceram, em sua maioria, num período em que a ideia de inflação – ou seja, o aumento generalizado de preços – aparece como se tivesse uma só origem e uma só solução. A chamada vertente ortodoxa da economia, que está por trás dessa concepção, sempre considera que a inflação é causada por gastos demasiados do governo e que este deve, portanto, contê-la, realizando cortes nas suas despesas[1]. A “Coronacrise” tem colocado alguns limites a este “samba de uma nota só”[2]. Diante das medidas de gasto adotadas pelo governo, ouvimos interrogações sobre de onde virá o dinheiro (quem vai pagar?). Diante da resposta de que isto possa ser financiado simplesmente pela emissão de moeda, vem em seguida a pergunta que expõe bem o alcance da ortodoxia:

    – Mas isto não vai gerar inflação?

    Respondemos:

    – Não. De acordo com o pensamento dos economistas ortodoxos, não.

    Vejamos. Conforme a ortodoxia econômica, um aumento na oferta de moeda à sociedade por meio de impressão de dinheiro que seja maior do que quantidade total de bens e serviços produzidos em um ano – que é o PIB (Produto Interno Bruto)[3] – produzirá inflação. O raciocínio pode ser explicado de maneira bastante simplificada da forma como segue. Suponhamos que toda a economia produzisse e consumisse apenas dez sacos de batata por ano. Dado o montante de dinheiro existente na mão das pessoas, o preço de cada saco poderia ser, por exemplo, dois reais. Suponhamos ainda que, no ano seguinte, a produção não tenha aumentado e o governo, por alguma razão, viesse a emitir mais dinheiro e o disponibilizasse na mão do povo. Como as pessoas não teriam mais nada para comprar (porque a produção não aumentou), cada pessoa buscaria comprar mais sacos de batata. O aumento na procura pelos mesmos dez sacos de batata faria com que o preço do saco se elevasse a mais de dois reais. Conclusão: a emissão de moeda pelo governo teria, portanto, gerado inflação.

    Os alunos mais inquietos poderão perguntar:

    – E por que não aumentou a produção de sacos de batata?

    Neste caso, o raciocínio ortodoxo pressupõe que todos os fatores de produção estão sendo utilizados, isto é, todas as fábricas estão com suas máquinas e equipamentos em plena operação, todas as terras para plantio e criação estão produzindo na sua capacidade máxima, e todos os trabalhadores estão empregados (os que não estão, é porque decidiram que o salário não compensa). Ora, neste caso, não há como aumentar a produção. Para aumentar a produção, a sociedade precisaria diminuir seu consumo e direcionar parte dos recursos que produzem bens de consumo e serviços para a produção de bens de capital[4]. Isso permitiria aumentar a capacidade produtiva, isto é, a sociedade precisaria diminuir o consumo para aumentar o investimento.

    Convenhamos. Na situação atual, o estudante já não precisa ser inquieto para constatar que os setores produtivos não estão operando com sua capacidade máxima[5]. Temos uma situação em que a indústria e o setor de serviços querem aumentar sua produção ao mesmo tempo em que muitos trabalhadores desejam escapar de uma situação de desemprego forçada que se traduz numa taxa de desocupação para lá de alarmante.

    E qual a implicação disto para o assunto aqui tratado?

    Ao verificarmos os dados de nossa produção recente, o PIB brasileiro já está abaixo de sua capacidade há um bom tempo. No ano de 2014, este praticamente não cresceu. Se utilizarmos o exemplo das batatas, considerando que produzíamos 10 sacos de batata naquele ano, em 2015, com a recessão e a queda da demanda promovida pelas medidas de redução de gastos dadas pelo governo, diminuímos nossa produção para 9,5 sacos de batata. Em 2016, no pior momento econômico dos últimos anos, produzimos 9 sacos de batatas. A lenta e dificultosa recuperação dada por um Estado ainda bastante rigoroso na contenção das despesas fez com que a produção chegasse em 2019 a apenas 9,2 sacos de batata[6]. Para o ano de 2020, em função das restrições ocasionadas pela crise sanitária do corona vírus, a projeção é a de que venhamos a produzir 8,7 sacos de batatas em uma economia que pode ultrapassar, com folga, aqueles 10 sacos de 2014 [7]. Não há, dessa maneira, por que temer a inflação numa situação tão extrema em que o potencial produtivo não realizado se encontra em níveis tão elevados. A solução mais adequada para um problema tão adverso é o Estado emitir, transferir e manter um sólido fluxo de dinheiro para a mão das pessoas para que o máximo de potencial produtivo possível se realize.

    Se é para seguir apenas um pensamento econômico, como vem fazendo grande parte da mídia nos últimos anos, devemos considerar que, existindo considerável capacidade ociosa na economia, um aumento da procura por bens e serviços ocasionado pela transferência de dinheiro para a população e pequenas empresas por parte do Estado será acompanhado por um aumento da produção e, portanto, não pressionará a economia para um aumento de preços expressivo, como prevê a própria ortodoxia econômica.

    [1] O economista norte-americano, Milton Friedman (1902-2006), é geralmente a referência mais utilizada pela corrente do pensamento econômico ortodoxo no período contemporâneo. Esta vertente econômica se contrapõe, na maioria das vezes, às ideias econômicas heterodoxas que, em grande medida, se referência no economista inglês, John Maynard Keynes (1883-1946).

    [2] O termo foi utilizado pelo economista, André Lara Resende. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/04/24/andre-lara-resende-quem-vai-pagar-essa-conta.ghtml. Acessado em 03 de maio de 2020.

    [3] O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pela economia de um dado território em um determinado período.

    [4] Bens de Capital são bens que servem para a produção de outros bens, como, por exemplo, máquinas, equipamentos e infraestrutura produtiva.

    [5] Conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em abril de 2020, a indústria de transformação operou com 57,5% da capacidade instalada, sem considerar o setor de serviços e de produção rural. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/impactos-pandemia-covid-19-sobre-nivel-utilizacao-capacidade-instalada-industria. Acessado em 30 de maio de 2020. Conforme dados do IBGE, a taxa de desocupação dos trabalhadores é de 12,6%. Taxa de desocupação é a porcentagem de pessoas na força de trabalho que estão desempregadas. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=desemprego&searchphrase=all. Acessado em 30 de maio de 2020.

    [6] Estamos considerando aqui o crescimento do PIB conforme dados do IBGE. Disponível em: ibge.gov. br. Acessado em 3 de maio de 2020.

    [7] LAMUCCI, Sérgio. FMI projeta retração de 5,3% para economia brasileira em 2020. Valor, São Paulo, 14 de abril de 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/14/fmi-projeta-retracao-de-53percent-para-economia-brasileira-em-2020.ghtml. Acessado em: 03 de maio de 2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp compara experiências econômicas internacionais no combate à crise atual

    Por: Alex Palludeto, Newton Silva, Renan Araujo, Roberto Borghi e Vítor Alves

    Em estudo intitulado Política econômica em tempos de pandemia: experiências internacionais selecionadas, pesquisadores do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI), do Instituto de Economia da Unicamp, abordam as medidas econômicas já tomadas por alguns países no intuito de mitigar os efeitos econômicos negativos provocados pela pandemia da covid-19.
    Os autores buscam ponderar a importância das medidas diante da mais grave crise sanitária do século XXI, e de uma crise econômica que indica não ter precedentes na história mundial recente. O enfrentamento destas crises, como se observa, requer, fundamentalmente a ação imediata dos Estados Nacionais, dada sua capacidade de promover e orientar políticas com a amplitude necessária para garantir a prevenção e combate a Covid-19 assim como a preservação do tecido social e produtivo.
    No que se refere em particular à atual crise econômica, argumenta-se que esta pode ser dividida em dois períodos: um primeiro momento, com duração estimada entre 3 e 6 meses, correspondendo à fase mais aguda de transmissão do novo coronavírus, o que requer a tomada de medidas de distanciamento social e, consequentemente, a paralisação de uma série de atividades econômicas; e um segundo momento, de 6 meses a 2 anos, no qual, uma vez tendo-se conseguido conter a disseminação do vírus, o distanciamento social poderá ser gradativamente suspenso, e as atividades econômicas poderão ser gradualmente retomadas.
    O estudo também aponta que em cada um desses prazos temporais um tipo específico de atuação econômica dos Estados faz-se necessário: no primeiro deles, os governos precisam adotar medidas emergenciais, visando, entre outras coisas, a garantir o poder aquisitivo das pessoas, a impedir a falência das empresas e a promover a estabilidade dos sistemas financeiros; já no segundo, os países precisarão contar com medidas para a recuperação econômica, a fim de que seus níveis de produção (PIB) e emprego retornem aos patamares desejáveis.
    Atualmente, embora os países do mundo estejam em fases distintas da pandemia, ainda se encontram predominantemente no primeiro desses momentos. Assim sendo, são as políticas já adotadas nesse contexto que o estudo aborda, apresentando os casos de nove diferentes países: China, Estados Unidos, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Alemanha, Argentina e Brasil.
    Como conclusão possível, os autores indicam ser falsa a dicotomia “salvar a saúde ou salvar a economia”, a qual é bastante difundida no debate corrente. Ao contrário disso, ponderam que tanto a saúde como a economia podem e devem ser salvas e que os enfrentamentos à crise de saúde pública e à crise econômica não são objetivos excludentes, mas complementares. O distanciamento social adotado no início do processo de contágio e de maneira rigorosa, aliado a medidas econômicas de suporte a trabalhadores e empresas, pode assegurar que um menor número de pessoas venha a se infectar e morrer, ao passo que permite que as atividades econômicas sejam retomadas mais rapidamente.
    Por fim, os autores enfatizam a necessidade de reflexões sobre as políticas futuras, já que a ação dos Estados Nacionais continuará sendo necessária no processo posterior de retomada econômica e de fortalecimento dos sistemas de proteção social. Nesse sentido, condenam a defesa que alguns economistas têm feito da adoção futura de medidas de austeridade fiscal, entendendo que estas poderão ter o poder de agravar e aprofundar a crise econômica.
    O estudo completo encontra-se disponível para download no link: http://www.eco.unicamp.br/covid19/politica-economica-em-tempos-de-pandemia-experiencias-internacionais.

    Autores do Estudo:

    Alex Palludeto – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Roberto Borghi – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Newton Silva – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Renan Araujo – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Vítor Alves – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

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  • Celebrando a Dra. June Almeida – a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    Estamos passando por um período bem delicado, em que a pandemia do coronavírus mudou a rotina de muitos de nós, e com isso procuramos aprender e nos adaptar aos novos modelos de trabalho e relações.

    Vocês estão acompanhando nosso Especial Epidemias, e quero apresentá-los à Dra. June Almeida, a mulher que descobriu o primeiro coronavírus. Há cerca de um mês, June vem sendo destaque em alguns meios de comunicação e páginas de divulgação científica –  quando seu trabalho foi retirado do esquecimento. 

    Hoje, vamos explicar por que sua técnica de microscopia eletrônica foi revolucionária para a época e merece destaque nos dias atuais. Também convidamos vocês a refletirem sobre a razão pela qual uma pandemia foi necessária para que a Dra. June Almeida fosse, enfim, celebrada.   

    O começo

    A Dra. June Almeida nasceu em Glasgow em 1930 e foi uma virologista escocesa, doutora em ciências e pioneira no método de imagens para vírus. 
    Filha de Jane Dalziel e Harry Leonard Hart, sempre foi considerada uma aluna brilhante, mas aos 16 anos ela precisou deixar a escola pois não conseguiu uma bolsa de estudos . Por não ter recursos para ir à universidade, pois seu pai trabalhava como motorista de ônibus, June começou a trabalhar como técnica de laboratório em histopatologia na Royal Glasgow Infirmary. Posteriormente, mudou-se para o Hospital St. Bartholomew, em Londres, para continuar sua carreira em função similar.

    O reconhecimento

    Ao mudar-se para Londres, June conheceu  o artista venezuelano Enrique Almeida,com quem casou-se em 1954 e teve uma filha.  Um tempo depois, o casal mudou-se para o Canadá, onde June passou a trabalhar como técnica em microscopia eletrônica no Ontario Cancer Institute. Mesmo sem qualificações universitárias ela teve um grande destaque e escreveu diversos artigos científicos, sendo a maioria relacionada a estruturas de vírus.

    A metodologia desenvolvida por June, que possibilitava  uma melhor visualização de vírus por meio do uso de anticorpos, permitiu utilizar microscópios eletrônicos no diagnóstico de infecções virais, sendo uma delas a rubéola. 

    Seu trabalho começou a ser aceito e, alguns anos depois, em 1964, ela foi convencida pelo professor de microbiologia na St. Thomas Hospital Medical School a voltar à Inglaterra para trabalhar no hospital.

    June Almeida. Foto: Getty Images

    A técnica revolucionária

    Os vírus são partículas microscópicas e a visualização de suas estruturas só é possível através de um microscópio eletrônico, que evidencia partículas menores que 1mm. Quando um microscópio eletrônico emite um feixe de elétron sob uma amostra, essa emite elétrons secundários que são capturados por detectores. As interações das partículas com a superfície da amostra são então registradas, criando uma imagem 3D na tela do computador. Como os elétrons têm comprimentos de onda muito mais curtos que a luz, a imagem revelada apresenta detalhes pequenos e finos.

    Na época em que June trabalhou, as imagens de microscopia eletrônica eram muito duvidáveis devido à falta de nitidez do contraste, sugerindo resultados falsos-positivos. Contudo, June era conhecida por ter desenvolvido uma metodologia de sucesso, através da mistura de reagentes em determinado pH, que melhorava o contraste do material gerando imagens mais definidas. Essa metodologia é conhecida como marcação negativa

    June ainda realizou importantes avanços na técnica conhecida como microscopia eletrônica imune que utiliza anticorpos para marcar a molécula de interesse. Com essa técnica, June conseguiu demonstrar a morfologia do Rinovírus, o que era muito difícil na época. No geral, seus trabalhos em microscopia eletrônica promoveram importantes avanços em virologia nas décadas de 1960 e 1970.

    A validação

    Quando a Dra. June Almeida voltou para o Reino Unido suas publicações já eram reconhecidas, e com o seu retorno sua carreira efetivamente decolou e ela obteve o grau de doutora honorária. 

    A cientista começou, então, a colaborar com Dr. David Tyrrell, que analisava pacientes da unidade de gripe comum do hospital. Algumas amostras de lavagens nasais de voluntários foram enviadas a June, que pôde identificar em seu microscópio os vírus do resfriado comum e um outro vírus, que era uma nova causa de infecção respiratória: o coronavírus. A princípio, esse novo patógeno foi chamado de vírus “tipo influenza”, mas esse nome não soava tão especial. June batizou então o novo vírus com o seu nome, agora tão famoso, por observar nas imagens uma espécie de halo em volta do vírus,  que remete a uma coroa

    Embora a identificação de um novo vírus que causa uma patologia respiratória em humanos pareça algo muito relevante, seus achados foram imediatamente rechaçados pela primeira revista científica em que June tentou a publicação dos dados. Eles duvidaram se tratar de um novo vírus, argumentando que seria apenas imagens mal feitas do vírus influenza. 

    Somente em 1967, June publicou as imagens captadas pela brilhante técnica de microscopia eletrônica no Journal of General Virology. Esse artigo pode ser lido na íntegra aqui.

    June também produziu a primeira imagem do vírus da rubéola e descobriu a existência de dois componentes distintos do vírus da hepatite B.

    Primeiro tipo de coronavírus identificado por June Almeida em 1964. Foto: Reprodução/BBC.

    Ela encerrou sua carreira no Wellcome Research Laboratory, onde trabalhou desenvolvendo vacinas. Em 1985, ela se aposentou e tornou-se professora de ioga, mas manteve-se como consultora no Hospital St. Thomas desde 1980, onde ajudou a registrar a imagem do vírus HIV

    Ela morreu em 1 de dezembro de 2007, aos 77 anos, em sua casa em Bexhill, após um ataque cardíaco, deixando a filha Joyce e as netas.

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    Se pararmos para refletir, a história de June Almeida infelizmente não se difere muito da história de outras tantas mulheres cientistas que já abordamos aqui. Assim como ela, Rosalind Franklin e sua fotografia que ajudou a desvendar a estrutura do DNA ou Nettie Stevens e seu trabalho com cromossomos sexuais não tiveram a merecida valorização na época em que foram realizados. 

    O que sua história também tem em comum com a de outras cientistas é que anos mais tarde, de uma forma ou de outra, esses achados são resgatados e trazidos à luz e seus feitos são enfim merecidamente destacados. Nos orgulhamos em cumprir esse papel de resgatar e celebrar essas mulheres cientistas e seus feitos fundamentais para a construção do conhecimento. 

    Convidamos a todos vocês a celebrar a Dra. June Almeida e a descobrir aqui outras tantas mulheres incríveis. 


    Esse texto teve a colaboração de Marina Barreto Felisbino e Carolina Francelin.

    Referências

    https://oglobo.globo.com/celina/june-almeida-mulher-que-descobriu-primeiro-coronavirus-humano-24376400

    https://www.publico.pt/2020/04/17/ciencia/noticia/historia-primeira-pessoa-coronavirus-humanos-1912722

    https://pt.wikipedia.org/wiki/June_Almeida

    https://brasil.elpais.com/smoda/2020-05-08/a-verdadeira-historia-da-cientista-sem-estudos-que-descobriu-os-coronavirus.html

    https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/jgv/10.1099/0022-1317-1-2-175;jsessionid=bDf_z0c7jWH2XFbtjM92rvp-.mbslive-10-240-10-103

    http://coronavirus.butantan.gov.br/ultimas-noticias/june-almeida-a-doutora-que-nao-terminou-o-ensino-medio-e-identificou-o-primeiro-coronavirus

    https://www.bbc.com/news/uk-scotland-52278716

    https://jvi.asm.org/content/jvi/10/1/142.full.pdf

    https://www.oxforddnb.com/view/10.1093/ref:odnb/9780198614128.001.0001/odnb-9780198614128-e-99332;jsessionid=C76D00BE1623ACAFA790C8992369D53D

    https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/jgv/10.1099/0022-1317-1-2-175;jsessionid=BzeMOhElGboAUSiTKaCfW0HP.mbslive-10-240-10-183


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia

    Texto escrito por Leonardo Oliveira*

    O crescente número de infectados e mortos pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2) ao redor do mundo tem gerado preocupação e exigido a tomada de atitudes inéditas entre governos e cidadãos para frear a pandemia. As medidas de distanciamento social e isolamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, até então o meio mais eficaz de diminuir o ritmo de disseminação da doença e amenizar o iminente colapso dos sistemas de saúde, têm causado mudanças drásticas nos hábitos e comportamentos da população. O esforço dos agentes públicos e da mídia para efetivar o isolamento não tem surtido o efeito desejado (SÃO PAULO, 2020). Cultivando o desejo de retorno a uma normalidade cotidiana potencialmente mortal, ainda é possível verificar aglomerações e ruas com intensa circulação de pessoas, mesmo com a suspensão de todos os eventos e reuniões públicas e interrupção dos serviços não essenciais. Uma realidade alarmante diante da célere escalada da curva de infecções no Brasil.

    A campanha “#FicaEmCasa” tem buscado conscientizar a população sobre a importância de sair às ruas apenas para as atividades estritamente necessárias e o respeito ao isolamento como uma atitude cidadã. Entretanto, como irão aderir à campanha aqueles que não possuem uma casa?

    Somente em São Paulo, epicentro da epidemia no Brasil, são mais de 24 mil pessoas vivendo nas ruas em situação insalubre e vulnerável, segundo dados da própria prefeitura (SÃO PAULO, 2020). Como poderão evitar aglomerações pessoas que vivem em uma favela como Paraisópolis, que ostenta a maior densidade populacional do país? (EBC, 2016). Isso, claro, sem contar a carência de tratamento do esgoto e fornecimento de água, numa situação onde o vírus pode ser transmissível pelas fezes (TORMENTE, 2020) e a lavagem das mãos em água corrente é a forma mais eficaz de evitar o contágio. E o que dizer dos mais de 770 mil presos que compõem população prisional nas penitenciárias brasileiras superlotadas? (BRASIL, 2020). Um prato cheio para o vírus e uma bomba relógio para a sociedade. A situação de rua, a favelização e o encarceramento constituem ‘mundos de morte’ (MBEMBE, 2018), espaços de concentração de um determinadas parcelas populacionais sujeitas à uma situação de sobrevida, ao estatuto de mortos-vivos. Lugares submetidos ao império da necropolítica (MOREIRA, 2019). 

    Enquanto o vírus se alastra pelo território nacional, o atual mandatário da Presidência da República tem cultivado crises institucionais entre os poderes e dentro do próprio governo. Em entrevistas, ao comentar sobre a mortandade causada pela pandemia, Bolsonaro declarou: “Alguns vão morrer? Vão morrer. Lamento, é a vida”; “Brasileiro precisa ser estudado, pula no esgoto e nada acontece” e “E daí? Lamento. Quer que eu faça o que? Sou Messias mas não faço milagre”. Estas e tantas outras falas de flagrante descaso com a saúde e com a vida da da população se alinham sob a ordem necropolítica.

    O termo necropolítica, cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), visa elucidar como a regimentalização do poder de matar nas sociedades modernas funciona como uma política de controle social. A distribuição desigual das oportunidade de vida e de morte que são base do modelo capitalista de produção impõe uma hierarquia em que uns valem mais que outros e aqueles que não têm valor são simplesmente descartados. Trata-se de uma radicalização e reinterpretação da biopolítica de Foucault, em que a administração da vida divide espaço com a dministração da morte (ESTÉVEZ, 2018).

    Segundo Valencia (2010) quando a morte, mais do que a vida, se encontra no centro da biopolítica ela se converte em necropolítica. Através de estratégias de exploração e destruição de corpos como a execução, o feminicídio, a escravidão, o sequestro, o tráfico de pessoas, o encarceramento; práticas legitimadas por dispositivos jurídico-administrativos, são ordenados e sistematizados os efeitos, as causas e as justificativas das políticas de morte. O poder atua para a manutenção do sujeito vivo, mas em estado de marginalização aguda, injúria e intensa crueldade, implementando uma forma de morte em vida até que se alcance a morte de fato.

    Mbembe parte do pressuposto de que a expressão máxima do poder soberano consiste em deixar viver, matar ou expor à morte. A partir do momento em que a soberania escolhe quem vive e quem morre, o próprio viver se torna uma manifestação do poder soberano (MBEMBE, 2003).

    E no Brasil?

    No Brasil a necropolítica não é algo inusitado, nem recém inaugurado. Na verdade não existe história do Brasil apartada das políticas de morte. Estamos falando do país com a polícia que mais mata e mais morre no mundo (CÂMARA, 2019). Estamos falando do país que lidera o ranking mundial de homicídios em números absolutos (UNODC, 2019). Estamos falando do país que registra o maior número de linchamentos no mundo (MARTINS, 2015). Estamos falando do país que mais mata LGBTs no mundo (GGB, 2018). Estamos falando de um país em que a legislação contra a violência doméstica, uma conquista histórica, faz diminuir os casos de morte entre mulheres brancas e disparar os casos de feminicídios das mulheres negras (IPEA, 2018). Este cenário não surgiu de forma mágica ou repentina.

    Estamos falando de uma nação inaugurada pelo genocídio dos povos originários, sustentada por séculos à base da mão de obra escravizada. Um território colonizado e arquitetado por um patriarcado conservador latifundiário e aristocrata (SADER, 2011). Não houve, nem haverá no curto prazo, um dia em que, neste país, não esteja em curso um plano de genocídio, extermínio, marginalização, encarceramento, subjugação de algum ou de vários segmentos da sociedade. Sejam índios, negros, mulheres, travestis ou comunistas. O discurso do inimigo interno é parte estruturante da necropolítica de “segurança” nacional (MENDONÇA, 2015). 

    Quando, em um país com estas características, chegam ao poder políticos que em meio a manifestações, negam a ciência e a importância dos setores públicos na promoção da equidade social, a partir de dados técnicos, científicos e sociais, torna-se notória a iminência da catástrofe. Um exemplo do caráter funesto que revestiu a política nacional, coadunando com vários setores e grupos sociais, pode ser observado na popularidade do fetiche punitivista: bandido bom é bandido morto (PRADO, 2020).

    Ao traçar como objetivo político a aniquilação daqueles classificados como inimigos, a imposição da soberania se dá pelo exercício do poder de matar, como ocorre em um contexto de guerra.  Está em andamento uma investida deliberada de necroempoderamento visando a institucionalização da necropolítica como estratégia de poder consolidada no senso comum. Trata-se de um esforço de deformação da moralidade para a difusão, naturalização, aperfeiçoamento e perpetuação da necrofilia como pressuposto de um projeto nacional.

    No escopo deste projeto, o Estado não monopoliza a soberania, mas disputa o poder com entidades privadas necroempoderadas, como as milícias e as facções que funcionam como um estado paralelo, controlando a população, o território, a segurança e a política; se apropriando criminalmente dos elementos fundamentais da governamentalidade, administrando a vida e a morte para exploração de recursos e obtenção de lucro nas lacunas e nos limites do poder Estatal (VALENCIA, 2010; ESTÉVEZ, 2018).

    A Necropolítica e a COVID-19: algumas considerações

    Embora os aspectos sanitários e econômicos tenham tomado a centralidade na pauta da pandemia, outras questões de cunho político, social e cultural estão imbricadas nesta crise sem precedentes. Certamente sequelas e traumas próprios da nossa realidade nacional irão impor singularidades sobre a manifestação da Covid-19. Considerando a capacidade de atendimento hospitalar do país, o pico agudo de infectados e o colapso dos sistemas de saúde, questionamos: quem morrerá com falta de ar e quem continuará respirando? Quantos milhares de pessoas irão morrer? Quem serão estes mortos, suas classes, cores, idades e identidades? Como estes corpos adoecidos estão sendo inscritos na ordem do poder?

    Quando governantes explicitam que não é preocupação política central garantir que cada cidadão tenha condições de continuar respirando, estão assumindo a responsabilidade de escolher quem vai ter a chance de lutar pela vida entubado num leito de UTI e quem vai ser lançado à própria sorte até o último suspiro. Esta gestão da morte deixa cristalino o funcionamento da necropolítica, pois nem todos são afetados da mesma forma.

    Se o último grau de expressão do poder político soberano consiste em determinar quem pode viver e quem deve morrer, porquê e como, no Brasil desde sua fundação, à luz de sua história, fica nítido quem são os corpos selecionados para viver e quem são os corpos selecionados para sobreviver antes de morrer. Esta noção continua válida e certamente será acentuada nesta situação de crise, convertendo o que seria tão somente uma fatalidade epidemiológica em uma ferramenta de extermínio. 

    Se até então a escolha sobre quem vive ou quem morre era exclusividade do poder soberano, a pandemia transformou este cenário. Segundo Mbembe, a Covid-19 democratizou o poder de matar (BERCITO, 2020). Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus, potencialmente mortal, tem condições de transmiti-lo inconsciente ou deliberadamente. Todos temos, neste contexto, o poder de matar. O isolamento e distanciamento social seriam, portanto, uma forma de regular este poder. Analisando através deste prisma, as manifestações Brasil afora que reivindicam o fim do isolamento pretendem justamente a revogação da regulação deste poder de matar.

    Enquanto é amplamente reconhecia a possibilidade de diminuição da letalidade da doença através do isolamento e do distanciamento, estes grupos reacionários querem justamente o oposto: usufruir do direito de usar o próprio corpo como arma biológica, fazem questão de assumir o papel de vetores genocidas. Agentes voluntários da perversa administração necropolítica da pandemia.

    Ainda não é possível estimar a dimensão dos impactos que esta pandemia irá causar no mundo moderno capitalista globalizado e financeirizado. Mas é certo que este lúgubre evento abre uma janela de possibilidades para a introdução de pautas que contribuam para a redução da desigualdade, proteção e seguridade social. A emergência de uma doença que afeta mais severamente os pobres e os idosos evidencia que o envelhecimento e a pauperização da população não se resolvem com reforma da previdência, mas com fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, assistência e seguridade.

    Mais do que nunca o SUS demonstra sua importância e reivindica a urgência de financiamento massivo. O subfinanciamento e sucateamento para o desmonte da saúde pública que estava a todo vapor encontra um enorme obstáculo e o fortalecimento do SUS deve assumir a centralidade na pauta progressista e no senso comum.

    Além disso, ideias como a renda básica universal, a taxação de grandes fortunas, auditoria cidadã ou moratória da dívida pública, reforma tributária progressiva, que anteriormente eram tidas como pautas da esquerda, passam a ser consideradas medidas necessárias até por setores liberais. Dinheiro não é problema para a oitava economia mundial, mas as prioridades precisam ser revistas. Nunca foi razoável e agora é ainda mais absurdo escoar uma fatia gigantesca do orçamento da união na amortização de uma dívida nada transparente enquanto o povo perece.

    Certamente iremos resistir e superar este doloroso teste de resiliência. Até lá nos resta cultivar a biofilia (FROMM, 1996): nos cuidar, cuidar de quem a gente ama e nos fortalecermos enquanto sociedade, para que a normalidade inaugurada pós pandemia seja melhor que normalidade por ela encerrada.

    Para saber mais

    BRASIL. Governo do. Dados sobre população carcerária do Brasil são atualizados. Segurança, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/02/dados-sobre-populacao-carceraria-do-brasil-sao-atualizados>

    BERCITO, Diogo. Pandemia democratizou o poder de matar, diz autor da teoria da ‘necropolítica’. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml>

    CÂMARA, Olga. Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre. Jus, 2019.

    EBC, Agência Brasil. IBGE divulga Grade Estatística e Atlas Digital do Brasil. Economia, 2016. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-03/ibge-divulga-grade-estatistica-e-atlas-digital-do-brasil>

    ESTÉVEZ, Ariadna. Biopolítica y necropolítica:¿ constitutivos u opuestos?. Espiral (Guadalajara), v. 25, n. 73, p. 9-43, 2018.

    FROMM, Erich. Ética e psicanálise. Minotauro, 1996.

    GGB. Grupo Gay da Bahia. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: Relatório 2018. Bahia, 2018. Disponível em: <https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relatório-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf>

    IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2018. Disponível em: <www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf>

    MARTINS, José de Souza. Linchamentos: a justiça popular no Brasil. Editora Contexto, 2015.

    MBEMBE, Achille. Necropolítica.. 3. ed., São Paulo, 2018.

    MBEMBE, Achille; MEINTJES, Libby. Necropolitics. Public culture, v. 15, n. 1, p. 11-40, 2003.

    MENDONÇA, Thaiane. Política de segurança nacional e a construção do conceito de “inimigo interno” no Brasil. UFRGS, Porto Alegre, 2015. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/sicp/wp-content/uploads/2015/09/Thailane-Mendonça_Política-de-segurança-e-a-construção-do-conceito-de-inimigo-interno-no-Brasil-Thaiane-Mendonça.pdf>

    MOREIRA, Rômulo Andrade. A Necropolítica e o Brasil de ontem e de hoje. Justificando, 2019. Disponível em: <https://www.justificando.com/2019/01/08/a-necropolitica-e-o-brasil-de-ontem-e-de-hoje/>

    PRADO, Monique Rodrigues do. O fetiche punitivista: bandido bom é bandido morto? Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/noticias/o-fetiche-punitivista-bandido-bom-e-bandido-morto/>

    SADER, Emir. O Maior massacre da história da humanidade. Disponível em: <https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/emir-sader-o-maior-massacre-da-historia-da-humanidade.html>

    SÃO PAULO, Governo do Estado de. Isolamento social em SP é de 49%, aponta Sistema de Monitoramento Inteligente. Portal do Governo, 2020. Disponível em <https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/isolamento-social-em-sp-e-de-49-aponta-sistema-de-monitoramento-inteligente/>

    SÃO PAULO, Prefeitura de. Prefeitura de São Paulo divulga Censo da População em Situação de Rua 2019. Secretaria Especial de Comunicação, 2020. Disponível em: <http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-de-sao-paulo-divulga-censo-da-populacao-em-situacao-de-rua-2019>

    TORMENTE, Fabiana Vieira. O vírus da Covid-19 pode ser transmitido através das fezes? Microbiologando. UFRGS, 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/microbiologando/o-virus-da-covid-19-pode-ser-transmitido-atraves-das-fezes/>

    UNODC. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Estudo Global sobre Homicídios, 2019. disponível em: <https://dataunodc.un.org/GSH_app>VALENCIA, Sayak. Capitalismo Gore. 2010.

    Sobre o autor

    Leonardo Oliveira é Biólogo, professor de Biologia e mestrando em Ensino de Ciências e Matemática (UNICAMP).


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A ciência pelos olhos da Profª Drª Tania Ueda-Nakamura

    É com satisfação que hoje, em parceria com minha colega de blog Marina Felisbino, publicamos a entrevista realizada com a Professora universitária, farmacêutica e microbiologista Dra. Tania Ueda-Nakamura, dando seguimento ao nosso Especial Epidemias, em virtude da atual pandemia causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença COVID-19.

    A Drª Tania graduou-se em Farmácia pela Universidade Estadual de Maringá em 1980, obteve seu título de Mestrado em Ciências Biológicas – Microbiologia (1990) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o título de Doutorado em Ciências Biológicas – Biofísica (2001) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    Realizou, entre 2010 e 2011, um pós-doutorado no Centro Nacional para a Pesquisa Científica (em francês, Centre National de la Recherche Scientifique), considerado pela revista britânica Nature como a primeira instituição mundial de pesquisa especializada em ciências e pesquisa, e  a maior instituição pública de pesquisa científica na França.

    De volta ao Brasil, Tania atualmente é professora associada ao Departamento de Ciências Básicas da Saúde na Universidade Estadual de Maringá, onde orienta projetos de pesquisa de alunos de Mestrado e Doutorado no laboratório de Atividade Antiviral junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.

    Sua pesquisa tem focado na área de Microbiologia e Virologia, como a avaliação da atividade antiviral de produtos naturais e sintéticos. Possui uma produção científica de destaque, com quase 200 artigos publicados ao longo de sua carreira em revistas científicas, além de capítulos de livros e inúmeros resumos em anais de congressos internacionais. 
    Na entrevista a seguir, a Professora Tania compartilha conosco suas experiências e seus posicionamentos sobre a pandemia causada pela COVID-19 e sobre mulheres na ciência, além de abordar também dificuldades e carreira acadêmica. Confira abaixo:

    1. Cientista – Era isso que você queria ser quando crescesse?

    Na infância, não me lembro de ter esse tipo de pensamento: o que queria ser quando crescesse. Apenas brincava. De casinha, com bonecas, pega-pega, e como quase todas as crianças brincava de escolinha, e fazia de conta que eu era a professora. Sempre gostei de observar as coisas e depois, tentar buscar soluções para os problemas. 

    Possivelmente isso já sinalizasse a vocação para a academia, mas acredito que na época, ser “cientista” parecia ser algo muito distante e inatingível para alguém crescendo no interior do Brasil, e talvez isso ainda seja uma realidade.

    2. Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

    Nem um cientista, nem uma descoberta científica em particular, mas vários fatores podem ter contribuído para seguir essa carreira. Quem viveu a infância e a adolescência nas décadas de 60 ou 70 foi muito influenciado pelos filmes e seriados de ficção científica, e que a mim particularmente chamavam muito a atenção. 

    Meus pais, apesar de não terem o curso superior, sempre nos estimularam a dedicar aos estudos de uma forma leve, respeitando as nossas limitações, e fornecendo meios e ferramentas para buscar conhecimentos. Tínhamos acesso a muitos livros e revistas em casa. 

    No início da década de 70, uma coleção chamada “Os cientistas” podia ser adquirida nas bancas de revistas. Cada fascículo era dedicado a um cientista acompanhado por um kit contendo peças que permitiam reproduzir experimentos relacionado ao cientista: Lavoisier, Dalton, Pasteur, Newton, e assim por diante. 

    Assim, a cada quinze dias minha mãe chegava em casa com um kit novo, e o que mais me chamou a atenção foi o kit que trazia um microscópio juntamente com uma coleção de lâminas. A única peça desta coleção, que guardei por muito tempo foi o microscópio. Coincidência ou não, hoje sou Microbiologista.

    3. Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à especialidade de virologia?

    O fascínio pelos vírus surgiu quando, logo após a graduação, no início da década de 80, eu precisei estudar para a obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas. O conteúdo contemplava vários assuntos, e entre eles a Virologia. E ao aprofundar o estudo nesta matéria, fiquei fascinada por este agente infeccioso tão pequeno, mas ao mesmo tempo tão intrigante. 

    Quando me vi inclinada a seguir a carreira acadêmica, a primeira oportunidade foi a Bioquímica, mas tinha maior afinidade mesmo com a Microbiologia, a área que finalmente escolhi. Porém, cultivar vírus é um desafio, pois além da partícula viral ativa precisamos também de uma célula hospedeira, portanto, a pesquisa em Virologia era restrita aos grandes centros de ensino e pesquisa. 

    Apesar de ouvir opiniões de que eu não teria chance de progredir nesta área em uma universidade jovem no interior do Paraná, eu decidi enfrentar esse desafio e fiz o meu mestrado na área de Virologia, na Universidade Federal de Minas Gerais. Ao ingressar definitivamente na carreira acadêmica, de fato, trabalhar com vírus resumia-se em realizar testes imunológicos e de biologia molecular, que eram onerosos e faltavam recursos financeiros para desenvolver pesquisa. 

    No doutorado, sob orientação do Dr. Wanderley de Souza do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), estudando a biologia das leishmânias, tive a oportunidade de me atualizar em biologia celular, aprender a cultivar células e trabalhar com modelos animais. 

    Era início do século 21, a economia no país melhorara, e como consequência os recursos destinados à pesquisa aos poucos foram chegando às instituições do interior do país, juntamente com os cursos de pós-graduação. 

    A busca por agentes antimicrobianos a partir de produtos naturais, a linha de pesquisa iniciada na década de 90 pelo nosso grupo de forma tímida com bactérias e fungos, foi então ampliada para Leishmania sp e Trypanosoma cruzi. E por que não buscar agentes antivirais? 

    Incentivado pelo nosso colega Dr. Benedito Prado Dias Filho, contando com o apoio de meu companheiro de vida e trabalho, Dr. Celso Nakamura, e com a ajuda de um grande amigo que conhecemos durante o doutorado, Dr. José Andrés Morgado Diaz, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) no Rio de Janeiro, começamos a cultivar as células de mamíferos em nosso laboratório. 

    O próximo passo foi cultivar os vírus, e eis que agora contamos com um Laboratório de Atividade Antiviral e também um biotério experimental, onde realizamos os ensaios pré-clínicos. Foram muitos os pesquisadores, colegas, pessoal técnico e alunos que contribuíram, e ainda contribuem para esta realidade. Não é possível nominar a todos, mas é o resultado do trabalho de uma grande equipe.

    4. Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

    Para realizar pesquisa com bactérias e fungos precisamos de um laboratório equipado e condições mínimas para garantir qualidade e segurança, e se contarmos com pessoal treinado é possível realizar um bom trabalho. 

    O grande desafio quando se trata de pesquisas em virologia reside na necessidade de cultivar o vírus. Além dos quesitos segurança e estrutura adequada, o fato do vírus ser um parasita intracelular obrigatório, aumenta a complexidade do estudo, pois precisamos sempre lidar com dois modelos biológicos: a célula e o vírus. 

    Claro que quando estudamos outros parasitas, precisamos também levar em consideração a relação parasita-hospedeiro, mas quase sempre é possível cultivá-los em meio artificial, sem o seu hospedeiro, o que simplifica muito o trabalho. 

    A evolução das metodologias de biologia molecular e imunológicas propiciou um salto muito grande na evolução da Virologia, agilizando a descoberta e o estudo dos vírus emergentes, tal qual o mundo vem testemunhando nos últimos tempos, particularmente nos últimos meses, com a pandemia do COVID-19. 

    No entanto, para compreender a biologia do vírus, buscar agentes antivirais e vacinas eficazes precisamos realizar os testes in vitro e os ensaios pré-clínicos, que invariavelmente leva à necessidade de cultivar o vírus. No caso do SARS-CoV-2, um vírus novo altamente contagioso e potencialmente fatal, assim como outros vírus (Hepatites virais, Dengue, etc) requerem laboratórios com alto nível de biossegurança, porém é uma estrutura onerosa que em nosso país é rara, estando disponível e concentrada em determinadas regiões. 

    Considerando as dimensões geográficas e a densidade demográfica de nosso país, constatamos na prática que esta situação é muito desfavorável num cenário de pandemia como a que estamos vivendo, ou seja, não há estrutura disponível para a realização das pesquisas, e inclusive dos testes para o diagnóstico da doença por falta de infraestrutura adequada longe dos grandes centros. E durante a pandemia da COVID-19 pudemos perceber também que mesmo em grandes centros, a estrutura existente – assim como pessoal qualificado e treinado – ainda não é suficiente.

    5. Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

    Sim, se considerarmos os avanços tecnológicos e os conhecimentos acumulados, que ainda estão em franca evolução, é possível que tanto um fármaco antiviral assim como uma vacina, eficazes e seguros, sejam disponibilizados em curto de espaço de tempo. Mas isso tudo dependerá das características do novo Coronavírus e da doença, cuja fisiopatologia ainda não é totalmente conhecida. 

    Sabemos que a chave do problema será o desenvolvimento de uma vacina, pois assim protegemos a população de risco. Vários candidatos à vacina em breve serão disponibilizados, e se tudo der certo, ou seja, se o nosso organismo for capaz de responder prontamente à vacina e conseguir manter os níveis de anticorpos capazes de neutralizar o vírus, ainda precisaremos aguardar pelo menos um ano para que se possa comprovar se a imunização foi eficiente, e seguir monitorando se não surgem cepas mutantes do vírus. 

    Para os indivíduos infectados, que apresentam sintomas e podem desenvolver quadros mais graves, não há outra possibilidade senão lançar mão de procedimentos terapêuticos e de suporte, sendo que o tratamento farmacológico parece envolver uma estratégia complexa na COVID-19. 

    Considerando que a disponibilização de um novo agente antiviral eficaz e seguro no mercado pode levar pelo menos dez anos, a tendência atual é optar pelo reposicionamento de fármaco, que acelera o processo, pois estes já são utilizados no tratamento de outras doenças, e se tem informações sobre a toxicidade e a farmacocinética. 

    Mesmo assim, estamos percebendo que não é tão simples. Desta forma, ainda precisamos compreender a fisiopatologia da COVID-19, de modo a buscar uma estratégia terapêutica adequada e eficaz para cada fase da doença.

    6. Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

    Embora a humanidade já tenha enfrentado diversas pandemias no passado e outras tragédias, a pandemia em curso vem causando um impacto devastador não apenas no sistema de saúde, mas na vida das pessoas em nível mundial nunca presenciado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

    Os tempos são outros, temos uma tecnologia avançada, conhecimento e informação, e por isso, tudo acontece numa velocidade muito grande, e a globalização vem influenciando o rumo da epidemia em vários países. Entre erros e acertos, só o tempo para nos mostrar quais foram as medidas mais efetivas. 

    Assim, a vida pós-COVID-19 no mundo dependerá da forma como os governantes, as autoridades e a população conseguirão equilibrar as medidas necessárias para controlar a pandemia e as medidas políticas de sustentação econômica, minimizando ao máximo os problemas sociais. Mas uma coisa é certa: dias muito difíceis ainda estão por vir em praticamente todo o planeta. 

    Independente das consequências, as mudanças que aconteceram certamente vão influenciar diretamente no modo de vida das pessoas no mundo todo. Da mesma forma que pessoas e nações sempre se solidarizam diante de uma grande tragédia, agora não é diferente, mas percebemos que de um modo geral muitos passaram a ter outros valores. 

    A valorização da Ciência é notória em vários países, mas no Brasil ainda precisamos avançar muito. A situação que estamos vivendo é uma oportunidade para que todos percebam a importância do investimento em prol da Ciência. E quando pensamos em Ciência não se trata somente da busca de um remédio para a cura de uma doença, mas o conhecimento em todas áreas que contribuirão para a solução dos problemas.

    7. Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do novo coronavírus em breve?

    O conhecimento das características do vírus e da doença, o entendimento de como o vírus pode ter surgido, e como ele evoluiu serão essenciais para tomar as medidas de vigilância e de prevenção adequadas. Assim, acredito que outro vírus semelhante não apareça tão cedo, mas não podemos descartar a possibilidade de surgimento de outro vírus, talvez com outras características.

    8. Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

    A minha formação e a carreira acadêmica se desenvolveram em paralelo aos meus projetos pessoais graças ao incentivo e apoio de meu marido, de minha família, e de todos que estiveram ao meu redor. E na carreira acadêmica normalmente a mulher não enfrenta grande dificuldade e nosso trabalho tem sido reconhecido. 

    As dificuldades que encontramos, na verdade são desafios inerentes a qualquer profissão, pois na maioria das vezes, a mulher divide o tempo entre o trabalho fora de casa, a tarefa de administrar uma casa e os cuidados com a família, mesmo que ela tenha a ajuda de outras pessoas. 

    9. Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Dra. Tania Ueda-Nakamura.

    Desde sempre a Ciência tem definido os rumos da humanidade contribuindo para a sua evolução. Cabe ao homem a difícil tarefa de tomar as decisões certas.

    Equipe de trabalho da profª Tania no laboratório de Microbiologia aplicada a produtos naturais e sintéticos (Universidade Estadual de Maringá) em diferentes anos. Arquivo pessoal.

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    É um prazer enorme divulgar um pouco do trabalho e dar visibilidade para mulheres cientistas que contribuem imensamente para a pesquisa brasileira. Agradecemos profundamenteà Profa. Tania pela oportunidade de entrevistá-la nesse momento em que a valorização da ciência se faz tão necessária.

    Nota

    Confira aqui o nosso primeiro “Colírio Científico” do Ciclo temático “Epidemias”.


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 2

    No último post falamos sobre como analisar e obter muitas informações de um gráfico. Agora vamos dar mais um passo para entender de vez o que é essa curva que a gente tem que achatar e o que resulta disso.

    Para começar, vamos observar o que podemos entender de um gráfico que mostra o curso de uma doença levando em conta o número de casos e o tempo.

    Observe que o gráfico abaixo começa em uma curva que sobe até um nível máximo (que é o pico) e depois começa a diminuir. O pico está representado pelo ponto amarelo no topo do gráfico, achou!? Mas, se observamos mais atentamente, observamos que a inclinação dessa curva varia ao longo do tempo. Vemos isso analisando as retas que traçamos ao longo da curva! Quanto mais inclinada (mais vertical) mais rápido o curso da doença. Quando menos inclinada (mais horizontal), mais lento o curso da doença.

    Sabendo disso, fica mais fácil entender a variável R. Ela indica quantas pessoas são contaminadas a partir de cada indivíduo contaminado.

    Temos estimado para o Brasil (em 01/05/20) um R entre 2 e 3. Isso significa que, para cada caso confirmado, espera-se que ocorram mais 2-3 novos casos. Podemos falar que quanto menor o R, mais suave (menos inclinada) é a curva de crescimento de casos. Quando o R=1, a curva fica plana, uma linha horizontal, porque não há aumento ou diminuição de casos (é a linha amarela). E, para que a curva comece a diminuir, o valor de R deve ser negativo.

    É a partir dessa ideia do valor que R que vem a expressão “VAMOS ACHATAR A CURVA!”. Vamos falar disso aqui embaixo, usando como base o gráfico que ilustra a nossa série– e que parece o morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro!

    Em ROSA temos uma curva qualitativa de número de casos por tempo. Como você deve ter visto, a COVID tem muitos sintomas graves que podem levar os infectados a dependerem de hospitalização. Em alguns casos, inclusive, os pacientes precisam ser internados em UTIs. A quantidade de leitos é limitada e mal distribuída pelo país. Mesmo dentro dos estados, esses leitos podem estar concentrados em uma determinada cidade ou região. Esse limite imposto pelo número de leitos é o que estou chamando aqui de “capacidade máxima do sistema de saúde”. A partir do momento em que essa capacidade é atingida, pessoas deixam de ser atendidas e a chance de morte aumenta muito (lembra o que aconteceu na Itália?). Olhe no gráfico acima como uma parte dos casos fica acima dessa capacidade limite… esses casos representam as pessoas que não terão nem mesmo a chance de tentarem um leito, já que não haverá nenhum disponível.

    Agora podemos falar da curva AZUL. Nela vemos uma situação em que medidas de contenção da contaminação foram tomadas, reduzindo o valor de R. Observe como o aumento de casos foi menor e espalhado por um período de tempo maior. Com isso, observamos que o número de novos casos foi suportado pelo sistema de saúde até iniciar seu declínio. Veja que o ponto máximo do gráfico (o pico) ficou bem mais embaixo.

    Você provavelmente deve ter ouvido que o pico seria em março, depois no início de abril, aí falaram que seria no final de abril, em maio, em junho… Por que isso acontece? Vamos entender, agora, por que o pico da COVID está sendo estimado cada vez mais para frente

    Como falamos ali em cima, R é uma variável e ela é impactada diretamente pelas medidas de prevenção que estão sendo tomadas (quarentena, lock down, uso de máscaras….). Quanto mais efetivas as medidas de proteção e maior a adesão pela população, menor o R. Quanto menor o R, mais a curva é achatada. Quanto mais achatada a curva, mais o pico é postergado (deslocado para frente no tempo). Ficou complicado? Olha essa figura aqui embaixo que vai ficar mais claro! 

    Isso mostra que, quanto mais afastada a nova data do pico, mais as medidas de distanciamento social estão funcionando e menos sobrecarregado fica o sistema de saúde.

    Então, só para falar mais uma vez: O objetivo dessa estratégia (achatar a curva) é permitir que as pessoas sintomáticas de COVID que necessitem ser internadas tenham leitos hospitalares disponíveis. 

    No site especial sobre a COVID no Our World in Data temos acesso a vários gráficos interativos, nos quais podemos selecionar os países que queremos comparar.

    Separei dois gráficos que relacionam mortalidade por COVID e tempo, ambos atualizados até o dia 01/05/2020. A seleção dos países foi feita com o objetivo de obter diferentes padrões de curva para que possamos aplicar os conceitos que trabalhamos nesses dois posts. Vamos trabalhar agora com uma análise quantitativa – e com dados reais!

    O primeiro gráfico nos mostra dados que permitem avaliar se estamos atingindo o pico da curva com base no número de mortes por dia em cada país. Selecionei o Brasil e o Equador porque eles apresentam comportamentos bem interessantes. Comentários de interpretação estão nas bordas dos gráficos.

    Este segundo gráfico nos mostra o número total de mortes por país. Ou seja, diariamente são acrescentadas, ao montante anterior, as novas mortes ocorridas naquele dia. Para esse gráfico selecionei os Estados Unidos, a Espanha, o Brasil e a China – todos com comportamentos bem distintos. Como no outro gráfico, os comentários estão nas laterais. Mas quero chamar atenção para as letrinhas de A a E que coloquei nos gráficos. Se observarem com atenção, bem clarinho no fundo, conseguimos observar o desenho das curvas de acordo com a velocidade de aumento no número de mortes (as letrinhas indicam essas curvas) – é bem interessante!

    Espero que você tenha gostado dessa postagem e que eu tenha conseguido mostrar como analisar esses gráficos pode não ser tão difícil como pode parecer, além de ser bem interessante e nos fornecer muita informação!

    Se você ainda ficou com alguma dúvida ou tem algum gráfico que quer que a gente dê uma olhadinha, entre em contato em alguma rede social!

    Até a próxima! =)

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook!

    Para mais informações, além das dicas passadas, dê uma olhadinha nesses sites também!

    *Doença Causada Pelo Novo Coronavírus (COVID-19): mais perguntas do que respostas, no site da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

    *Site especial sobre a COVID-19, no Our World in Data


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1

    Oi! Nas últimas semanas o que mais estamos vendo nas notícias, reportagens e posts são gráficos… E quase sempre acompanhados da frase: “Vamos achatar a curva!

    Mas… Como a gente analisa um gráfico? Quanta informação a gente consegue tirar dele? O que é essa tal curva que temos que achatar? E mais… O que significa achatar a curva? E esse pico da infecção que vive mudando de dia?

    Então… vamos falar um pouquinho isso?

    Mas como o assunto é grande, vamos dividir em dois posts… Neste aqui, o primeiro, vamos falar sobre como analisar um gráfico e das informações que conseguimos retirar dele. No próximo (em breve coloco o link aqui) vamos tentar entender os gráficos da COVID; a tal da curva exponencial; como e porque a gente achata a curva; o que é e porque o pico da infecção muda de data. Vamos lá!?

    Para isso vou usar como exemplo esse gráfico que tem circulado e feito muito sucesso nas redes sociais!

    O gráfico dessa figura é um GRÁFICO DE LINHA, que é usado para demonstrar como, ao longo do tempo, um fenômeno que está sendo observado evoluiu. Pode ser a variação da velocidade de um carro, o preço do dólar, ou o número de casos de ativos de COVID.

    1. OS EIXOS X e Y: Vamos primeiro observar as linhas em preto. Temos o eixo HORIZONTAL (ou X) que aqui mostra a passagem do TEMPO (a setinha indica que quanto mais à direita, maior o tempo decorrido). O eixo VERTICAL (ou Y), neste gráfico indica o número de casos ativos de COVID-19 (da mesma forma, a setinha indica que quanto mais acima, maior o número de casos).

    2. CADÊ OS NÚMEROS?: Reparou que ele não dá os valores dos eixos X e Y? Ou seja, não sabemos exatamente de quantos dias ou casos estamos falando. Isso acontece porque tratamos aqui apenas de uma análise QUALITATIVA da informação. Quando estamos colocamos valores reais ou estimados (obtidos por análise estatística, por exemplo), falamos que estamos fazendo uma análise QUANTITATIVA dos dados!

    3. LINHAS DE CORES DIFERENTES: Nós temos duas linhas coloridas, mas o que elas significam? Para isso a gente consulta a LEGENDA. Ali a gente tem as informações que nos indicam que: em VERMELHO vamos observar a evolução de casos ativos numa situação “sem medida alguma” de prevenção; já em VERDE, vamos observar a evolução de casos em uma situação “com medidas de prevenção”.

    4. VAMOS OLHAR AS LINHAS: Vamos agora analisar o gráfico com as informações que temos disponíveis (os eixos X e Y e as cores das linhas). Escolheremos uma linha e vamos seguindo-a horizontalmente para ver a evolução ao longo do tempo e verticalmente para acompanharmos a variação do número de casos. Tudo isso ao mesmo tempo! Vamos começar pela linha vermelha.

    5. A CURVA VERMELHA: A gente começa no cantinho esquerdo, onde a linha vermelha está no tempo zero e com o número de casos igual zero, também! Isso representa uma situação em que não temos pessoas contaminadas. Até que isso muda… observe que a medida em que o tempo vai passando (para a direita), a curva vai subindo! Isso mostra que o número de casos ativos está aumentando com o passar do tempo.

    6. A FORMA DA CURVA VERMELHA: Você reparou que a linha vermelha não é uma linha reta? Ela é curva. Isso também traz uma informação para a gente. E tem a ver com a quantidade de novos casos por dia… Se o aumento fosse linear (por exemplo, 1 caso novo por dia), teríamos no dia 0 = 0 caso; dia 1 = 1 caso; dia 2 = 2 casos; dia 3 = 3 casos, […] dia 20 = 20 casos – e a linha seria uma reta. Na COVID sabemos que cada pessoa pode contaminar várias outras, e assim, o aumento de casos NÃO É linear. Vamos considerar que aqui, apenas para exemplo, que o número de casos dobre a cada dia. Assim, teríamos no dia 0 = 0 caso; dia 1 = 1 caso; dia 2 = 2 casos; dia 3 = 4 casos, no dia 4 = 16 casos, no dia 5 = 32 casos, […] dia 20 = 1.048.576 casos. Viu como o aumento é muito maior nesse segundo caso? Quando colocamos esses dados num gráfico, o resultado é essa linha curva, que vai aumentando muito em pouco tempo. A desenho final dessa curva depende de como o número de casos aumenta, mas ela terá um formato semelhante à curva vermelha!

    7. A CURVA VERDE: Vamos olhar a curva verde da mesma forma como olhamos a vermelha: número de casos e passagem do tempo ao mesmo tempo. Vamos lá?

    8. A CURVA VERDE SOBREPOSTA À CURVA VERMELHA: observe que o início da curva verde é igual ao da curva vermelha (eles se sobrepõem). Isso significa que a doença está se comportando igual nas duas curvas. Mas porque isso acontece? O início dos resultados da implementação das medidas de proteção só é visível algum tempo depois do início de casos, então, o início das duas curvas mostra uma situação semelhante nos dois casos!

    9. SOBRE O MORRINHO QUE A CURVA VERDE FAZ: Veja agora que após o início das medidas de proteção a curva verde muda de comportamento… Acompanhe! Primeiro era diminui o ritmo de crescimento do número de casos ativos até atingir um ápice. Em seguida, começa a diminuir aos poucos, indicando que menos pessoas estão desenvolvendo casos ativos de COVID.

    Vamos voltar no gráfico original?

    10. A CURVA VERDE QUE VIRA VERMELHA: O grande problema de as ações de prevenção funcionarem é por passarem a impressão de que “as coisas não são tão ruins quanto falaram que seria E isso pode levar ao afrouxamento dessas mesmas medidas que estavam funcionando. Esse relaxamento, por sua vez, leva às condições iniciais (sem medidas de proteção) fazendo a curva crescer novamente!

    Por isso, vamos cuidar de nós mesmos e vamos cuidar dos outros (os que estão perto ou longe – em todos os sentidos).  Saúde pública tem que ser discutida com seriedade e acontece com fatos e estudos científicos opiniões.

    Se você pode, fica em casa… 

    Mas se, como eu, você também tem que sair para trabalhar: toma cuidado

    Para ler a continuação, clique AQUI!

    E tem muita gente bacana divulgando informações acuradas sobre a COVID. Olha só:

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Conheça algumas divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus

    Camila Laranjeira, Virgínia Mota, Laura de Freitas, Ana Bonassa e Tabata Bohlen. Arquivos pessoais.

    Para dar início ao nosso ciclo temático sobre Epidemias, decidi escrever sobre a importância da divulgação científica especificamente durante a pandemia do novo  coronavírus (SARS-CoV-2, do inglês Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2).

    A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019), doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, em 11 de março deste ano e, desde então, a colaboração entre a comunidade científica mundial para a compreensão, diagnóstico e tratamento do novo coronavírus tem sido essencial.

    Além disso, tem-se visto também uma maior colaboração entre os comunicadores de ciência no Brasil, visando  mostrar como a ciência é feita e os seus  benefícios à sociedade. A análise de dados e artigos científicos em época de pandemia da COVID-19 por divulgadores de ciência e pesquisadores de diferentes áreas popularizaram terminologias como “achatar a curva” e “distanciamento social”. Isso só foi possível a partir do uso de metodologia científica sólida e a tradução desses conceitos de forma clara e precisa para a população.

    Entretanto, algumas páginas de divulgação científica chegaram a sofrer ataques nas redes sociais por seguirem as recomendações da OMS ao falarem sobre o novo coronavírus (como mostra a  reportagem da Folha de São Paulo publicada em 7 de abril).

    Por sermos uma página de divulgação científica que celebra e difunde a contribuição das mulheres nas diversas áreas da ciência, eu trago neste texto o trabalho de algumas mulheres que, além de pesquisadoras, são divulgadoras científicas e estão desempenhando um papel importante, especialmente durante a atual pandemia, esclarecendo dúvidas e nos ajudando a interpretar dados e informações disponíveis sobre o novo coronavírus e a COVID-19.

    Canal Peixe Babel

    Camila Laranjeira e Virgínia Mota, criadoras do Canal Peixe Babel. Arquivo pessoal.

    O Canal Peixe Babel foi criado em 2014 no YouTube por Camila Laranjeira, como uma forma de divulgar e falar mais sobre seu próprio projeto de pesquisa e seu interesse em robótica e inteligência artificial, além de ser uma maneira de conhecer mais pessoas interessadas pelo tema. Graduada em Sistemas de Informação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atualmente Mila Laranjeira é professora no Departamento de Ciências da Computação da UFMG.

    Na época da criação do Peixe Babel, Mila ainda não conhecia o significado de “divulgação científica”. O Canal cresceu e, em 2016, se tornou membro do Science Vlogs Brasil, o selo de qualidade que reúne os canais de divulgação científica no YouTube. Segundo Mila, o potencial do Peixe Babel ficou muito mais claro e ela então passou a investir mais em “formatos e assuntos que enriqueciam a divulgação científica”. No ano seguinte, em 2017, o canal trouxe uma convidada para falar sobre seu trabalho como professora no Colégio Técnico da UFMG sobre o tema de Saúde Mental entre adolescentes e jovens adultos.

    A convidada era Virgínia Mota que, um ano depois, passaria a integrar o Peixe Babel junto com a Mila. Vivi Mota é formada em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tem mestrado pela França (2010) e pelo Brasil (2011), e doutorado (2018) também em Ciências da Computação (UFMG). Atualmente, Vivi é professora no Departamento de Informática da UFMG e atua como pesquisadora nos grupos Núcleo de Processamento Digital de Imagens (NPDI) e Pattern Recognition and Earth Observation (PATREO).

    Como as duas divulgadoras científicas têm interesse na área de tecnologia e são duas mulheres LGBTQ+, Mila e Vivi usam o espaço do canal “para lembrar que tecnologia deve ser feita por todos e para todos”. O alcance do Canal Peixe Babel também rendeu um importante reconhecimento para o trabalho das duas, que passaram a receber financiamento do Serrapilheira, instituto privado que apoia a pesquisa e a divulgação científica no Brasil.

    No contexto da atual pandemia de COVID-19, Mila Laranjeira e Vivi Mota utilizaram sua curiosidade científica sobre os dados que eram liberados a respeito da doença no Brasil e no mundo para implementar algoritmos e gerar gráficos. Ao divulgarem o conteúdo que produziam e interpretarem os dados para os seguidores, outros divulgadores e cientistas também passaram a se interessar pela forma como as duas estavam divulgando as suas análises.

    Dentre eles, vale citar o biólogo e doutor em Microbiologia Átila Iamarino, que utilizou alguns dos gráficos gerados por elas em duas de suas lives no YouTube, de grande repercussão  na internet, para facilitar a explicação e visualização dos dados. De forma mais específica, os dados analisados por Vivi e Mila se referem principalmente ao Brasil e incluem número de casos, óbitos, leitos de UTI, e letalidade.

    Ainda, de acordo com as pesquisadoras e divulgadoras, “o principal objetivo nesse momento é conscientizar o brasileiro de que é um momento delicado, precisamos pensar com muita calma e muito carinho sobre cada uma de nossas atitudes. O acompanhamento dos dados acaba ajudando no diálogo.”

    O Canal Peixe Babel está em várias plataformas incluindo YouTube, Instagram, Facebook, Twitter, Medium, GitHub, e, ainda, o Podcast “Bit de Prosa”, com um alcance de 23 mil seguidores no Instagram e mais de 74 mil inscritos no YouTube. No momento, Mila e Vivi têm utilizado principalmente suas contas no Twitter e no Instagram para atualizações diárias dos dados liberados oficialmente pelo Brasil. Para conhecer mais e acompanhar o trabalho da Mila Laranjeira e Vivi Mota siga o Canal Peixe Babel no Instagram, no Twitter e no YouTube.

    Nunca vi 1 cientista

    Laura de Freitas e Ana Bonassi, idealizadoras do Nunca vi 1 cientista. Arquivo pessoal.

    “A gente está aqui para te aproximar da ciência e dos cientistas! Mostrar como a ciência funciona e como você pode aplicar no seu dia-a-dia!” – é assim que o Nunca vi 1 cientista se apresenta no seu canal do YouTube. O projeto surgiu em 2018 durante o FameLab Brasil, uma das maiores competições de divulgação científica do mundo, quando a Laura de Freitas decidiu recrutar alguns dos colegas participantes e a Ana Bonassa topou se juntar à equipe, dando a ideia do nome.

    A Ana é bióloga, mestre e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), e a Laura é farmacêutica-bioquímica, mestre e doutora em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Atualmente, as duas são pós-doutorandas na USP.

    Ana e Laura já utilizavam as redes sociais para desmentir informações falsas espalhadas pela internet e dar explicações baseadas em evidências científicas sobre temas variados. Entretanto, desde o começo da pandemia de COVID-19 no Brasil, elas têm focado em desmistificar notícias falsas como a “prevenção” da doença por erva doce, receitas caseiras de álcool gel, cloroquina na água tônica como “tratamento”, entre outras.

    Além disso, no canal do YouTube elas têm trazido conteúdo sobre estudos envolvendo tratamentos e vacinas para a COVID-19 com embasamento científico, além de esclarecer reportagens que citam cloroquina e hidroxicloroquina como um tratamento definitivo para a doença, ou que falam de vacina contra o coronavírus para cachorros. Por isso, elas afirmam que “é fundamental sempre preferir os jornais que consultam especialistas ou até mesmo os canais de cientistas especialistas”.

    Quando começaram o projeto, Laura e Ana tinham a intenção de levar informação científica de qualidade de forma divertida e acessível para quem não é cientista, utilizando as redes sociais. Hoje em dia, a equipe conta com 13 colaboradores na produção de conteúdo e 1 editor de vídeo voluntário.

    Nas redes sociais, o Nunca vi 1 cientista tem mais de 70 mil seguidores no Instagram e mais de 42 mil inscritos no canal no YouTube que, assim como o Canal Peixe Babel, também entrou para o selo do Science Vlogs Brasil depois de passar por um processo de seleção em 2019. O Nunca vi 1 cientista também tem contas no Facebook e no Twitter. Para conhecer mais sobre o projeto idealizado por Laura de Freitas e Ana Bonessa, siga o Nunca vi 1 cientista no YouTube, no Twitter ou no Instagram.

    Dragões de garagem

    Luiz Bento, Tabata Bohlen e Lucas Camargos fazem parte do Dragões de Garagem. Arquivo pessoal.

    O Dragões de Garagem surgiu em 2012 como um podcast de divulgação científica, com o objetivo de falar sobre ciência de forma mais acessível e descontraída. Atualmente a equipe conta com 14 integrantes produzindo conteúdo para o podcast e também para o canal deles no YouTube. O Dragões é formado majoritariamente por mulheres – a equipe conta com 8 colaboradoras no momento – e eu decidi falar mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen, que entrou para o Dragões há aproximadamente 3 anos, depois de várias conversas sobre o projeto com o Luciano Queiroz, um dos criadores do Dragões de Garagem.

    A Tabata é bióloga formada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestre e doutora em Ciências pela USP, e há 2 anos é coordenadora e responsável pelo canal do Dragões no YouTube. Além disso, ela participa do programa semanal “Notícias da Garagem”, que fala sobre descobertas científicas no canal. Entre os temas abordados no programa, está a questão do financiamento de Ciência e Pesquisa no país, para que as pessoas entendam a sua importância.

    Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, a programação do podcast e do conteúdo do canal no YouTube teve de ser alterada. Por ser um grupo formado por pessoas de várias áreas, o Dragões tem tentado abordar aspectos diferentes sobre a COVID-19 e as consequências do isolamento. Por isso, eles criaram as “Pílulas da Garagem” para o podcast, em que falam sobre assuntos relacionados à COVID-19 em programas de até 30 minutos. Já para o canal no YouTube, a Tabata tem feito as “Pílulas de Corona” com pequenos trechos sobre as lives semanais que ela faz com convidados, a fim de que mais pessoas assistam e recebam informação de qualidade.

    Um aspecto muito importante sobre a atuação dos cientistas durante a pandemia, que mencionei no início do texto, é a colaboração entre eles para que as informações corretas sobre o  momento atual cheguem até mais pessoas. E um ótimo exemplo disso é a colaboração que a Tabata do Dragões tem feito em lives no YouTube com a Laura do Nunca vi 1 cientista para responder algumas perguntas frequentes em relação ao novo coronavírus e à COVID-19, e com a Mila e a Vivi do Canal Peixe Babel sobre gráficos, estatísticas e o novo coronavírus.

    Tabata destaca os benefícios da colaboração entre mulheres na divulgação científica: “A Mila, a Vivi, a Laura e tantas outras, além de serem inspirações, nós nos tornamos suportes umas para as outras nesse mundo difícil de mulher fazendo ciência e divulgação.”

    Se quiser conhecer mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen e do Dragões de Garagem, no website deles você encontra diversos conteúdos sobre ciência, além de ter acesso ao podcast. Eles também estão no Instagram, no Twitter, e no YouTube, com o selo Science Vlogs Brasil, onde a Tabata participa do corpo diretor.

    Ao acompanhar o trabalho que essas cientistas e divulgadoras têm feito na internet, percebemos que o objetivo em comum entre todas elas é a vontade de falar sobre ciência de forma acessível, didática e descontraída, a fim de levar a ciência onde as pessoas estão – nas diversas redes sociais – e de aproximar a população do que fazemos nos laboratórios das universidades públicas e de outras instituições de pesquisa.

    Assim, aproveito a chance de novamente parabenizar a Mila Laranjeira, a Vivi Mota, a Laura de Freitas, a Ana Bonassa, e a Tabata Bohlen pelo excelente trabalho de divulgar e comunicar ciência de forma tão didática e trazer informação de qualidade de maneira acessível à população. Agradeço imensamente a atenção e contribuição de vocês para a construção deste texto!

    Referências:

    Para escrever este texto eu utilizei informações fornecidas pelas próprias divulgadoras científicas, além das fontes abaixo:

    https://medium.com/@canalpeixebabel

    https://noticias.r7.com/educacao/nunca-vi-um-cientista-esta-com-inscricoes-abertas-15102019

    http://dragoesdegaragem.com/video/coronavirus-noticias-da-garagem/

    Lives do Atila Iamarino utilizando dados do Canal Peixe Babel: https://www.youtube.com/watch?v=9GT9zqme9Mo e https://www.youtube.com/watch?v=vEwDdXim8bQ

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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