O Coronavírus traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral.
Texto por Cesar Augusto Gomes
A epidemia de um novo tipo de coronavírus, que atingiu primeiramente a China, já infectou mais de 8 mil pessoas em ao menos 18 países e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declará-la na quinta-feira (30/01/2020) como uma emergência global de saúde pública de preocupação internacional. O fato traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral.
Circularam, nas redes sociais digitais durante a semana passada, diversas informações a respeito do tema, sendo algumas fruto da desinformação de pessoas leigas e outras, da esperteza de quem pretende se aproveitar do surto para embolsar alguns trocados com vendas de produtos e visualizações em suas redes.
Algumas das falsas notícias disseminadas foram: “O coronavírus foi espalhado propositalmente pela indústria farmacêutica para controle populacional” e “Objetos comprados na China pela internet podem estar contaminados com o novo vírus”. Um youtuber especializado em teorias da conspiração espalhou que o americano Bill Gates, dono da Microsoft, teria patenteado o vírus e trazido para o Brasil. Em outro vídeo, uma pessoa que se diz médico relaciona o aparecimento do coronavírus à falta de vitamina D no organismo.
Informações não factuais ou manipuladas existem há tempos, muito antes do advento internet. O jornalista Heródoto Barbeiro escreve no texto A Revolução Francesa e o perigo do texto falso (2017), publicado no portal Comunique-se, que durante aquele período (1789-1799), o jornalista Jean Paul Marat, com seu jornal L’Ami du peuple (O Amigo do Povo) acelerou a derrubada da Bastilha com textos nem sempre verdadeiros.
jsot @jsot Animador / Illustrator vive em Dallas, TX e é de Juarez, Chih, Mx Fonte: jayrsotelo.tumblr.com/
No livro-reportagem de Fernando de Morais (2000), Corações Sujos, vencedor do Prêmio Jabuti em 2001, encontramos a verídica história de uma seita, a Shindo Renmei – a Liga do Caminho dos Súditos – composta por imigrantes japoneses e descendentes que espalhavam a notícia da vitória do Japão na Segunda Guerra Mundial e assassinavam a quem ousasse dizer o contrário.
Com o advento da Internet o cidadão comum passa a ser produtor e distribuidor ativo de conteúdo e a competir com o jornalismo tradicional na tarefa de agendar o debate na sociedade e de fabricar o consenso. Esse protagonismo, apesar da regulação existente, tem seus lados positivo e negativo, pois, aliado a outros fatores, potencializou exponencialmente a proliferação das, popularmente chamadas, fake news, que têm sido usadas para disseminar e legitimar crenças, em detrimento de fatos científicos.
Na Saúde, no entanto, a desinformação é um problema ainda mais grave, pois, provoca sobre demanda nos Sistemas de Saúde com exames desnecessários, motivados por alarmismo. Pode também levar pessoas a comportamentos extremos, a deixar de realizar tratamentos necessários, a deixar de usar remédios essenciais para sua vida, enfim, no limite, a desinformação pode matar.
Uma possível consequência do fenômeno pode ser sentida mais claramente no âmbito da vacinação, uma vez que, apesar das intensas campanhas de divulgação, as autoridades de Saúde não estão conseguindo cumprir as metas de vacinação, conforme tem sido amplamente divulgado pela imprensa. Como efeito, o Brasil perdeu em 2019 o certificado de erradicação do Sarampo, concedido ao país pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS/OMS), em 2016.
Em trabalho que apresentei no “II Seminário Internacional e VI Seminário Nacional as Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake news e saúde”, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília, em 2019, analisei cinco textos que circularam entre 2016 e 2019 nas diferentes redes sociais digitais – e alguns sites apócrifos – e que traziam informações sobre vacinas. A partir dos critérios Wardle e Derakhshan (2017), foi possível classificar esses conteúdos em: Enganosos (partem de dados existentes, porém, manipulam-nos), Fabricados (conteúdo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar) e Falso Contexto.
Selo do Serviço do Ministério da Saúde que visa a combater notícias falsas Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/checagens/servico-do-ministerio-da-saude-visa-a-combater-noticias-falsas/
Uma rápida leitura nas notícias a respeito do coronavírus indicam que elas têm contornos parecidos. Para ficar num exemplo, o mesmo tipo de informação falsa divulgada pelo youtuber dando conta de que Bill Gates teria patenteado o coronavírus com o objetivo da redução populacional aparece também nas notícias sobre Vacina que analisei. Em um dos textos, uma “enfermeira” – de quem não se sabia o nome nem o hospital em que trabalhava – afirmava ser a febre amarela uma farsa inventada pelo governo para dizimar a população e que ninguém deveria tomar a vacina.
Em sua maioria as fake News sobre saúde seguem o seguinte padrão: (1) sempre partem de uma fonte de confiança (o guru, o doutor, o especialista); (2) são vagos, sem datas e fontes confiáveis, pois o “Dr.” ou a “enfermeira” não têm nome, nem apresentam o hospital em que trabalham nem quaisquer registros de fonte oficial sobre o assunto; (3) são alarmistas; (4) têm pedido de compartilhamento.
O jornalista norte-americano Farhad Manjoo (2008) no livro True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society discute a necessidade de se aprender a viver numa sociedade que escolhe a realidade em que quer acreditar, uma sociedade pós-factual. Vemos essas consequências na política, na negação da Ciência e até de fatos históricos. No entanto, quando se trata da saúde do ser humano, escolher entre ministrar um medicamento ou não, pode significar a morte.
Referências
BARBEIRO, Heródoto. A Revolução Francesa e o perigo do texto falso. Portal Comunique-se. São Pulo. 05 set. 2017.
MANJOO, F. True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society. Nova Jersey: John Wiley & Sons. 2008.
WARDLE C, DERAKHSHAN H. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017.
Texto por Cesar Augusto Gomes – Mestrando em Divulgação Científica e Cultural, Labjor/IEL/Unicamp
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
À luz do atual surto de um novo coronavírus (COVID-19), o Blog Quimikinha gostaria de compartilhar um breve histórico sobre a família coronavírus e sua estrutura macroscópica (parte I), destacando uma importante proteína que está envolvida no processo de infecção viral (parte II). Por último, vamos falar sobre pesquisa e desenvolvimento de agentes terapêuticos e vacinas para COVID-19 e doenças relacionadas ao coronavírus humano (parte III). Esta postagem tem como objetivo fornecer uma breve visão geral das importantes contribuições da química no desenvolvimento de fármacos para o tratamento do COVID-2019. Como sabemos, a química tem um papel fundamental a desempenhar na compreensão de tudo, desde a estrutura viral à patogênese, isolamento de vacinas e terapias, bem como no desenvolvimento de materiais e técnicas utilizadas por pesquisadores, virologistas e médicos. (1)
Família coronavírus
O coronavírus (CoV) é uma grande família de vírus que causam doenças que variam do resfriado comum a doenças mais graves. Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde nomeou a doença viral que se espalhou pelo mundo de novo coronavírus 2019 (COVID-19). (2) Isso porque já existiram outras espécies da mesma família viral que infectaram humanos. Por exemplo, Em 2003, estava em circulação a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV). Atualmente, ainda temos em circulação a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). No entanto, esse último vírus não se espalhou pelo mundo tal como o que causa a doença COVID-19 (SARS-CoV-2). Para saber um pouco mais sobre temas relacionados à biologia molecular e curiosidade do coronavírus recomendo o conteúdo divulgado pela bióloga Rafaela da Rosa Ribeiro que trabalha com o COVID-2019 na Itália.
Estrutura básica do coronavírus
Na sua superfície, o vírus contém importantes proteínas tal como é mostrado no Video produzido pelo grupo Biosolution. Estas macromoléculas se encontram incorporadas na bicapa lipídica da superfície do vírus. Dentre as macromoléculas, se destaca a proteína spike pelo sua forma de coroa que dá o nome ao vírus e, sobretudo, pelo seu papel fundamental na infecção viral. O material genético do vírus encontra-se no interior do nucleocapsídeo, um invólucro de natureza proteica.
No vídeo, encontra-se uma visão tridimensional do coronavírus destacando sua constituição. Além disso, ele contém uma imagem do microscópio eletrônico de transmissão que mostra o SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19, isolado de um paciente infectado.
Na próxima postagem, vamos falar um pouco mais sobre como a estrutura da proteína spike do coronavírus tem papel fundamental no processo de contaminação celular.
2. Liu W, Zhu H-L, Duan Y. Effective Chemicals against Novel Coronavirus (COVID-19) in China. Curr Top Med Chem. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32133962
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Vírus são partículas infecciosas, invisíveis a olho nu. Eles são formados por um material genético protegido por estrutura formada basicamente por proteínas, o capsídeo. Alguns vírus também apresentam uma membrana (ou envelope) formado por proteínas e lípidos, uma biomolécula com nome de origem grega, lipos, gordura.
Existem vários tipos de vírus. Eles variam em tamanho, morfologia (formato e composição), mecanismos de replicação e conteúdo de material genético. Isso faz com que um vírus que atinge humanos possa não atingir outras espécies animais, como o cachorro. O contrário também é válido.
A organização Mundial de Saúde (em inglês, World Health Organization, WHO), declarou que, até o momento, não há evidências de que cachorros e gatos de estimação possam transmitir o COVID-19.
Comparado ao genoma humano, o material genético do vírus é pequeno. Por exemplo, enquanto o genoma humano tem cerca de 3 bilhões de pares de bases e cerca de 100 000 genes (National Human Genome Research Institute), os menores genomas virais variam de menos de 2 000 bases, contendo dois genes, a 2,5 milhões de pares de bases, contendo mais de 2 500 genes (Simmonds e Aiewsakun, 2018).
Apesar de terem no material genético as informaçõe necessárias para a produção de novos vírus, eles não são capazes de fazer isso sozinhos e por esse motivo são parasitas intracelulares obrigatórios.
Nos seres vivos, como nós seres humanos, acontece incessantemente inúmeras reações bio(quimicas), o metabolismo. Uma vez dentro da célula, o vírus usam o metabolismo do hospedeiro para se replicar. Dessa forma, as células infectadas produzem mais vírus que poderão infectar novas células e hospedeiros.
O COVID-19 faz parte dos Coronavírus, uma família de vírus que causam infecções respiratórias.
Valentões dentro da célula, fora eles são bem sensíveis. Os vírus duram pouco tempo sozinhos fora da célula/hospedeiro. Aí está a nossa vantagem em relação aos vírus: podemos quebrar a transmissão de hospedeiro a hospedeiro e dessa forma quebrar a propagação da contaminação. A quarentena é uma forma de ajudar nesse processo. Sobre isolamento sociala e quarentena, fica a sugestão de leitura do post Os isolamentos são importantes sim senhor! E não é de hoje essa prática…
A membrana ou envelope do vírus não é como uma armadura medieval, superresistente. Aí entra o nosso contra-ataque: o hábito de higiene que aprendemos desde pequenos: lavar as mãos com sabão.
Quando lavamos as mãos, o sabão interage com os lipídeos presentes na membrana (ou envelope) do vírus, desestabilizando e quebrando as interações físico-químicas que ocorrem no envelope, destruindo o vírus O sabão “dissolve” a gordura do vírus.
Para que o sabão possa agir de forma efetiva sobre o vírus é necessário lavar as mão de forma adequada, como mostra o Dr. Drauzio Varella no vídeo.
No dia 19/03/2020 começaram a surgir notícias em diversos veículos de comunicação sugerindo a descoberta de um remédio para a cura da COVID-19. A droga hidroxicloroquina – usada para tratar malária – seria eficiente, também, para o tratamento de pessoas infectadas com o novo coronavírus. Essa informação foi anunciada pelo presidente Trump (EUA) em coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (19/03), e se baseia num artigo de pesquisadores chineses publicado ontem (18/03) na Revista Cell Discovery. Apesar destas fontes serem confiáveis – ou seja, de não se tratar de uma “fake news” – e da notícia ser animadora diante do caos que estamos vivendo, vou explicar o porquê da gente precisar ter bastante cautela na hora de consumir esse tipo de informação.
Primeiro, precisamos pensar em que contexto se produzem essas notícias. Num momento de urgência de pandemia, o jornalismo – já acelerado – acaba entrando na onda de publicar o maior número de notícias o mais rápido possível, muitas vezes sem pesar o que elas podem gerar. É verdade, também, que alguns veículos de comunicação estão mais preocupados com o clickbait, ou seja, com a quantidade de pessoas que clica naquela manchete do que com as consequências que ela pode ter em termos de saúde pública. Mesmo que as informações sejam minuciosamente checadas e que o repórter tenha o cuidado de relativizar a descoberta científica (com expressões como “droga pode ser eficaz”, “pesquisa sugere”), as chances de uma informação ser mal interpretada pelos leitores é grande em tempos pandêmicos.
Manchetes como “EUA dizem que encontraram remédio que pode tratar coronavírus” podem fazer com que as pessoas se sintam mais “relaxadas” e descuidem dos cuidados básicos de prevenção – que são extremamente importantes no atual estágio da pandemia para evitarmos a proliferação do vírus no Brasil. Afinal, se a cura da doença está logo ali na esquina, por que adotar todas essas medidas restritivas de não sair de casa, não é mesmo? Só que não. O remédio ainda não está batendo nas nossas portas, acreditem.
Segundo podemos ver no artigo dos pesquisadores chineses publicado na Nature, a droga hidroxicloroquina foi eficiente em inibir a SARS-Cov-2 in vitro. Como assim? Este termo “in vitro” é fundamental no contexto que estamos. Assim, isto quer dizer, : o experimento foi realizado de forma controlada em laboratório, sem nenhum teste em organismos vivos.
E agora?
Esse é apenas o primeiro passo desta pesquisa, ou seja, muitas outras etapas precisam ser realizadas. Para afirmar que essa droga pode combater o coronavírus, é preciso realizar testes clínicos. Só assim os pesquisadores vão saber como a hidroxicloroquina se comporta no corpo humano no combate ao vírus. No artigo, os pesquisadores são prudentes em dizer a droga “tem potencial para combater a doença”, mas ainda se precisa uma “confirmação de testes clínicos”. Acontece que essa etapa ainda está em fase inicial. Segundo os pesquisadores do artigo, a China registrou sete testes clínicos para a hidroxicloroquina desde fevereiro de 2020, mas ainda não há evidências experimentais que provem que a droga realmente funciona.
Podemos aplicar essa lógica de divulgação antecipada sem provas a qualquer estudo sobre coronavírus que esteja sendo divulgado pela imprensa nos últimos dias. Ainda que os pesquisadores de várias partes do mundo estejam trabalhando de forma veloz para descobrir uma vacina ou testar medicamentos para curar pessoas infectadas pelo vírus – e que estejamos torcendo por eles -, a ciência precisa de tempo para provar experimentalmente que essas soluções funcionam. Depois, são mais alguns meses para que as vacinas e medicamentos estejam de fato disponíveis para a população. Compartilhar esse tipo de informação – sem os devidos “poréms”, à essa altura do campeonato, pode gerar falsas expectativas.
Por fim, ainda há um estudo que testou em pacientes doentes e em um grupo controle um tratamento similar, Hidroxicloroquina eazithromicina. Houve, sim, resultados significativos. Mas ainda assim é cedo para afirmar que o resultado é positivo, pois envolveram menos de 40 pessoas, sendo que apenas 16 fizeram o tratamento até o final com a combinação dos medicamentos. Se você não compreendeu isso ainda, volte ao início deste post e leia tudo até entender que: os testes têm sido feitos com MUITO POUCAS PESSOAS. Isto quer dizer que não se sabe efeitos a longo prazo, não se têm perspectiva se pode ser usado em qualquer condição (interação com outras patologias, medicações de uso comum para outros tratamentos), ou a quantidade ministrada, intervalo e outros detalhes específicos.
Com tudo isso, queremos dizer que: NÃO COMPRE MEDICAMENTOS NA FARMÁCIA COM BASE EM UMA REPORTAGEM DE JORNAL. Não faça estoques de produtos sem saber se isso será realmente importante. Mantenham a calma.
Algumas dicas que podemos compartilhar:
* Cuidado com notícias que afetam a sua forma de agir/ se prevenir em relação ao COVID-19. * Ser equilibrado na hora da interpretação das matérias jornalísticas. Isto é, cuide com os dizeres: “Pode ser eficiente” ou “sugere que é eficiente” é diferente de “é eficiente” e “foi testado”. * Ter responsabilidade na hora de compartilhar informação. Elas podem trazer esperança, mas também gerar falsas promessas. * Hidratem-se, lavem as mãos, sejam gentis, cuidem uns dos outros, sem esgotar produtos a cada reportagem. Não se apavorem. * Confiram a lista de links confiáveis que o Blogs de Ciência da Unicamp preparou para vocês;
Manchetes que vem circulando por aí e merecem cautela:
“Pessoas com sangue tipo A podem ser mais vulneráveis ao coronavírus, diz estudo preliminar na China”. (Época Negócios)
Estudo europeu aponta possível eficácia de remédio contra malária no tratamento do COVID-19 (Bahia Notícias)
EUA dizem que encontraram remédio que pode tratar coronavírus (Exame)
Coronavírus: remédio contra asma pode ser eficaz contra o novo contágio (Agência Brasil)
Para saber mais:
Liu, J, Cao, R., Xu, M et al. Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro Cell Discov 6, 16 (2020) https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0
Gautret et al. (2020) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID‐19: results of an open‐label non‐randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents – In Press 17 March 2020 – DOI:10.1016/j.ijantimicag.2020.105949
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Este é um tema que está em alta devido a pandemia de COVID-19, que apresenta um risco alto de contaminar uma quantidade muito grande de pessoas em pouco tempo devido a esta característica chamada “crescimento exponencial”, que é o que discutiremos aqui!
No dia-a-dia estamos mais acostumados com eventos que possuem um crescimento “linear”, isto é, algo que cresce a uma taxa constante. Vamos pensar em um exemplo: Suponha que você ganhe R$ 8,00 por hora de trabalho, no final de uma semana, considerando 40 horas trabalhadas, você terá ganho R$320,00.
Exemplo de crescimento linear, como a taxa é constante basta multiplicá-la pelo número de horas. Recebe este nome pois o gráfico que representa este comportamento é uma reta, como visto na figura.
Como este tipo de evento é mais comum, nossa intuição mesmo sem perceber faz com que projetemos tudo de maneira linear. Isto faz parecer que os 540 casos de COVID-19 no Brasil em seu 22º dia desde o primeiro caso não pareça tão alarmante (Dado do dia 18/03/2020, das Secretarias Estaduais de Saúde). Mas não se engane, a situação é MUITO PREOCUPANTE.
Isto se deve ao fato do número de novos doentes depender do número de doentes existentes. Esta é a principal característica de um crescimento exponencial: No começo o crescimento é lento, até menor que um crescimento linear, pois há poucos doentes para transmitir a doença; Porém, com o aumento de transmissores, este crescimento aumenta muito, como podemos ver em outros países como a Itália e a Espanha.
Este é o mesmo princípio que faz com que juros compostos possam ser perigosos quando se assume um empréstimo, você não percebe o aumento, que ocorre como uma bola de neve.
Para os amantes de desenho animado como eu, talvez lembrem da animação Futurama. Neste show, o protagonista Fry é congelado por mil anos e passa a viver em uma sociedade futurística. Em um dos episódios é revelado que o banco onde Fry possuía uma conta ainda existe e que antes de ser congelado ele possuía 93 centavos de dólar em sua conta.
A poupança do banco de Fry rendia um total de 2,25% ao ano (um rendimento bem ruim, diga-se de passagem). Quanto dinheiro você imagina que Fry descobre ter no futuro, mil anos depois? Fazendo as contas, descobrimos que sua fortuna passou de US$0,93 para aproximadamente US$4.280.000.000,00, isto é, mais de quatro BILHÕES de dólares.
Exemplo de crescimento exponencial, no começo o crescimento é bastante modesto pois depende do valor inicial, porém rapidamente torna a cresce de maneira bastante expressiva.
Voltando para o Coronavírus: vamos considerar um modelo bastante simples, suponha que o número de doentes no Brasil cresça 33% por dia e chamaremos de dia “0” (zero) o dia em que tínhamos apenas um doente. No dia 22, teríamos 530 pessoas com o vírus, algo muito próximo da situação de agora. E mais pra frente?
Uma semana depois, no dia 29, teríamos 3.905 pessoas infectadas no país. Passando mais uma semana, no dia 36, 28,751 pessoas doentes. A Itália neste momento possui cerca de 41 mil casos de COVID-19 em seu país, estando no seu 57º dia desde o primeiro caso confirmado. Ultrapassaríamos estes números no dia 38.
Dados reais de casos de COVID-19 no Brasil. Os pontos azuis representam dados do Ministério da Saúde e os pontos laranjas representam dados das Secretarias Estaduais de Saúde. Agradecimentos a Roberto Takata (Gene Reporter) por disponibilizar os dados e a figura.
E é por isto que autoridades de saúde estão fazendo apelos tão fortes e tomando medidas drásticas para combater a pandemia. Obviamente o modelo que mostro agora é demasiado simplificado para mostrar a real situação do espalhamento do SARS-CoV-2 no Brasil, por exemplo, haverá um momento onde algumas das pessoas serão curadas, ou onde não haverá mais pessoas a se contaminar, fazendo com que a curva passe a diminuir de ritmo. Mas serve para deixar claro um ponto: a situação pode sair de controle muito rápido, precisamos tomar as devidas precauções o quanto antes!
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Enquanto eu estava viajando para um canto aqui na América do Sul, nas minhas férias, eu acompanhava a situação do Corona, à distância. Tentava entender a gravidade da situação pelos jornais, entre alarmismos e uma calma latente. (mas a letalidade não é baixa? Pensava eu…). Entre um café e outro, uma trilha aqui, uma parada em um lugar com internet ali, eu buscava acompanhar as notícias sem um empenho dantesco…
Por outro lado, eu conversava com a Rafaela quase todos os dias! Mensagens bobas sabe? De saudades, felicidade pela projeção da amiga na pesquisa, pelas fotos bonitas em redes sociais… Estas coisas que parecem, para muitos, fúteis e mundanas (e são mesmo, em muitos níveis!). Entre relatos de pesquisa e novidades de laboratórios, conversas comuns de amigas que mesmo distante, seguem em contato. Desde que pensamos em montar esta série de textos, olhando para trás, fizemos uma retrospectiva, que apresentamos hoje, a partir da narrativa e perspectiva dela, na Itália…
Diário de uma pesquisadora na Itália, em etapas…
1 – Quando o vírus começou a aparecer na China, estávamos de olho. O grupo de pesquisa que eu participo estudou a primeira epidemia de SARs, em 2003 , é normal acompanhar casos semelhantes e estar sempre atentos.
2 – O vírus chega na Itália! Um casal chinês que estava em Wuhan vem para cá, nós monitoramos a situação… Mas até este momento, nem imaginávamos o que estava por vir.
3 – Passam-se algumas semanas. Chega a notícia do paciente 1, que não teve contato com ninguém da China, nem ninguém infectado. Como assim? De que maneira isso pode ter escapado ao nosso radar?
4 – Não há como não elaborar, no susto, teorias da conspiração diversas. Porém, hoje, sabemos que em razoável silêncio, o vírus já estava em circulação comunitária.
5 – Segundo a OMS, os pacientes que se encaixavam como suspeitos do Corona teriam que ter contato com pessoas que vieram de países com a doença, além dos sintomas. O paciente 1 não esteve em contato com ninguém que estivera nos países de risco… A Itália, assim, descartou o paciente 1.
6 – Enquanto isso, no nosso laboratório, muita conversa, um pouco de piada, análises de textos e informações. Uma leveza extrema, as conversas fluíam entre análises.
7 – De repente, opa! Em um piscar de olhos: o número de casos aumentam! De um dia pro outro, dobram! Como assim?
8 – Carnaval chegou. Sim a doença estava aparecendo, mas estava tudo bem, estávamos monitorando e aprendendo sobre tudo o que ocorria. Eu, particularmente, fui à Veneza com a minha máscara (lindíssima, inclusive!). Está tudo tranquilo, posto fotos em redes sociais, converso com amigos do Brasil, que também estão no carnaval… E…
9 – 11 cidades fecham! Carnaval cancelado! Isso: CANCELADO. Lockdown! Acabou o carnaval no meio da praça. Simples assim: em um segundo eu estou de máscara, plena, rindo. No outro é anunciada a medida de conter o coronavírus pelo microfone no meio da festa na rua.
10 – Medo. Sim, não há outro modo de dizer. Eu estou em pânico de ficar presa em Veneza! Corro. Suspendo o resto da reserva do hotel, pego o trem e volto pra casa. Enquanto isso, uma amiga brasileira que está comigo, acha melhor ir pro Sul, porque lá a situação tá mais tranquila.
11 – Volto para Milão, a vida parece normal no norte, menos pânico que em Veneza (Ufa!!! que bom!!). Lá tinha um caso confirmado (Deus me dibre de ficar lá presa, sozinha). Em Milão, ainda não há casos confirmados.
12- Dias depois, o medo vai dominando a mídia. Mil indicações de álcool em gel a todo instante. Eu acalmo meus amigos do Brasil que perguntam, falo que devem se preocupar com a Dengue e outras doenças tropicais. “Calma, tá tudo certo, tem um certo exagero no ar”, eu dizia. Mas enquanto isso…
13 – Eu começo a mastigar artigos e relatórios da OMS, tanto para debater no grupo de pesquisa, quanto para discutir com as minhas amigas na Itália como poderíamos viver aquele momento. Quase numa tentativa de não assumir que a gente tinha que ficar em casa mesmo! Eu ainda comento com algumas amigas brasileiras que tenho dúvidas se devo voltar ou não. É tudo muito incerto, sabe?
14 – Minha amiga, que tinha ido para o sul? Fui visitar ela e logo após ela consegue pegar o último vôo da latam Itália-Brasil.
15 – Ah pronto! Bloquearam o norte! Eu fiquei…
16 – Mas também… Ainda dava para ir trabalhar, ir em restaurante… Eu usava álcool em gel e mantinha um metro de distância, como recomendado. Uma pena não conseguir mais ir visitar o lago Como! Sigo lendo os artigos, seguimos tentando entender tudo e debatendo a situação no laboratório.
17 – Dois dias depois, é anunciado o fechamento completo da Itália. Um dia depois é anunciado o fechamento de todo o comércio só ficando aberto farmácias e mercados.
18 – O número de mortos aumentam, os médicos são infectados, faltam médicos para tratar as pessoas. O caos chegou enfim. A gente parou! De novo: A GENTE PAROU!
19 – Estamos em casa, todos!!!!! Vamos às ruas quando precisa, mas não sem medo.
Enquanto isso, na ponte Brasil-Itália das redes sociais…
A Rafa estava sã e salva em casa, mas sem ver pessoas, isolada no seu apartamento, lendo artigos sem parar e nos atualizando da situação, da gravidade dos números, das escalas de trabalho no laboratório e de como, aqui no Brasil, devíamos proceder. E nessa altura, Rafa era sim, bem enfática nas recomendações de que não era um exagero e tudo aqui ia fechar também!
Já a Ana Arnt estava voltando às aulas depois das férias, questionando internamente se a amiga não tava exagerando, tentando ler relatórios internacionais e acompanhar os desdobramentos dos casos brasileiros, que já começavam a pipocar nos noticiários, redes sociais, canais de divulgação científica.
Pois bem, mal começou as aulas na Unicamp e: paramos! Segunda semana letiva, 15 minutos antes da reunião do Grupo de Pesquisa do PEmCie acontecer, veio a mensagem oficial. Logo após tinha aula na Pós Graduação. Enquanto isso a Rafaela já dizia no grupo que era isso mesmo, sem exagero, a gente tinha que parar!
Por que isso está nesta série de postagens sobre o Corona?
Uma das grandes dificuldades de tudo o que está acontecendo é que estamos aprendendo enquanto a doença se desenvolve. E por ser uma doença que avança muito rápido na sociedade, em números, o quão severo era o problema e as razões de considerarmos severo, foram mudando (o que é bem normal no trabalho científico). A grande questão era: nós mudávamos nossa postura frente a tudo o que ocorria, literalmente, da noite para o dia!
Grande parte do aprendizado, além disso, vinha (e ainda vem) de artigos recém publicados e de relatórios da OMS, sem tempo para debater com nossos colegas. Estamos aprendendo, estudando e divulgando o que sabemos, com um tempo muito curto – e isso não é exatamente o mais comum do dia a dia na Divulgação Científica e na produção científica… Mas vamos ao cerne da questão: Parar ou não parar?
#fiqueemcasa
Parece lógico dizer a todos para ficar em casa. Temos que provocar, sim, o isolamento máximo de contatos sociais. Não basta só limpar-se com álcool gel, nem lavar as mãos constantemente. É preciso distância entre pessoas! É fundamental respeitarmos um espaço entre todos na rua, repensarmos nossos hábitos higiênicos e tudo o mais que já foi dito. Mas ficar em casa é sim uma estratégia funcional e fundamental. É a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde, de pesquisadores da área. O cenário ideal é esse: todos em casa.
Mas não é essa a possibilidade o tempo inteiro, não é mesmo? Vivemos em condição de pobreza e miséria em nosso país. Temos um enorme número de pessoas trabalhando na informalidade e/ou como autônomos, o que significa que parar de trabalhar (e, portanto, circular) é parar de receber. Temos pessoas que trabalham na área da saúde, transportes e logística de distribuição de alimentos e medicamentos. E é por estas pessoas, todas elas, que, também, temos que parar.
Hoje, mais do que informações específicas, recomendações. Parar tudo seria um dos caminhos, dentre utopias reais e implementáveis!
Vídeo em que Italianos falam para “o eles mesmos do passado” – 10 dias atrás.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
No post anterior, falamos um pouco sobre a história das quarentenas e isolamentos para controlar os contágios. No entanto, o Coronavírus nos impõe um novo ritmo de cuidados e precauções. Como assim? Seja pela rapidez com que a informação se dissemina, seja pelo contágio rápido e silencioso pela população, seja por vivermos em constante deslocamento: estamos vivendo um novo momento de alastramento de doenças.
Os tempos são outros…Não vivemos mais em épocas em que conseguíamos estancar embarcações por dias, atracados em alto mar, tampouco conseguimos manter presos entre muros fora das cidades as pessoas, sem que elas interajam com outras pessoas no caminho. As fronteiras entre os países não só são linhas inexistentes, mas nosso modo de vida é de um grande fluxo de pessoas entre lugares distantes no globo. Assim, quando acontece o surgimento de uma doença que infecta tão rapidamente as pessoas, a partir do contato mais cotidiano e rotineiro, todas as estratégias e modelos criados para estancar o alastramento da doença e inibir o contágio são postos à prova.
Coronavírus e sua rápida disseminação
No caso do Coronavírus, após a percepção de que estávamos, sim, enfrentando uma nova doença e da rapidez com que mais e mais pessoas adoeciam, ainda em Wuhan, mesmo sem a compreensão de todos os mecanismos de contágio, houve os primeiros anúncios de quarentena.Após o contato inicial com alguém infectado com o Coronavírus, os primeiros sintomas podem aparecer entre 2 a 14 dias, sendo mais comum em 05 dias. Dessa forma, as pessoas que, inicialmente, chegavam de países ou regiões com incidência do vírus, recebiam orientação de permanecerem o período de 14 dias sob observação e isoladas socialmente, para livrar de qualquer dúvida estarem infectados com o coronavírus.
E agora?
Hoje vivemos um outro momento da doença. Não mais a tentativa de barrar ou atrasar ao máximo sua entrada em nosso país, mas de impedir que o vírus atinja a todos ao mesmo tempo. Percebam: que muitas pessoas serão atingidas, é imaginável! O vírus se espalha por contato, cada pessoa com sintomas chega a infectar de 2-3 pessoas em média. E é muito difícil mudar este número. Porém precisamos que essas infecções vão atingindo as pessoas aos poucos. isto é, diluindo a expansão da doença ao longo do tempo, para que quando atinja o grupo de risco não sobrecarregue o sistema hospitalar público e privado com o uso de leitos e UTIs e a maioria consiga receber atendimento com tempo e adequadamente. Lembrando sempre que o grupo de risco são: idosos e pessoas com doenças cardiorespiratórias, hipertensas, diabéticas, imunossupremidas e que tenham ou já tiveram câncer.
Em suma: o momento agora é de diminuir todo e qualquer contato possível. Esta é, por enquanto, a única forma real e tangível de diminuirmos a quantidade de infectados: diminuindo o contato humano! Pareceu cruel? E é mesmo. No próximo post vamos falar um pouco mais sobre a crueldade do isolamento e a noção de saúde e solideriedade…
Para saber mais
CYNAMON, Szachna Eliasz (1990) Saúde Pública, qualidade de vida. Cadernos de Saúde Pública, 6(3), 243-246 https://doi.org/10.1590/S0102-311X1990000300001.
FOUCAULT, Michel (2002) Em defesa da Sociedade São Paulo: Martins Fontes.
___ (2008) Segurança, Território e População São Paulo: Martins Fontes.
GENSINI, Gian Franco; YACOUB, Magdi H; CONTI, Andrea A (2004) The concept of quarantine in history: from plague to SARS Journal of Infection, 49(4), 257-261. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2004.03.002
SOUZA, Luis Eugenio Portela Fernandes (2014) Saúde Pública ou Saúde Coletiva? Revista Espaço para a Saúde, 15(4), 07-21.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
No segundo post da série sobre pandemia, coronavírus e doenças, vamos falar um pouco sobre a história dos isolamentos e da quarentena. Bora lá?
Isolamentos e quarentenas como estratégias de controle de doenças
Uma das práticas que têm sido usadas historicamente para combater ou impedir o alastramento de doenças, é o isolamento. Temos debatido isso e buscado colocar em prática a partir do surgimento do Coronavírus (COVID-19). Esta, no entanto, é uma prática de saúde anterior à compreensão de saúde pública contemporânea, mas que foi incorporada como prática em tempos de alastramento de doenças.O isolamento de doentes não é, portanto, atual. Por exemplo, desde textos bíblicos, são comuns os relatos dos leprosários, em que as pessoas eram afastadas por tempos indefinidos das cidades e/ou da região em que moravam.Já a quarentena, como compreendemos até os dias de hoje, remonta a uma prática do Século XIV, inicialmente no porto de Ragusa (hoje Croácia) determinou oficialmente que haveria um tempo de trentina – 30 dias entre o tempo em que as embarcações chegavam ao porto, e poderiam desembarcar. Posteriormente, este tempo depois passou para 40 dias, sendo nomeado de quaranta para viajantes terrestres, que estivessem vindo de regiões em que a peste era endêmica. Dessa forma, em 1377 temos como marco a primeira quarentena oficial, visando proteger juridicamente tanto o comércio, quanto a saúde da região. Veneza, no ano de 1423, estabelece uma estação de quarentena em uma ilha próxima à sua costa, tornando-se um modelo.Portanto, a quarentena é compreendida como um isolamento físico temporário de pessoas (ou outros seres vivos) que possam estar infectadas com alguma doença contagiosa. Temporário exatamente por conhecermos o tempo em que a doença pode se manifestar.
Para saber mais
CYNAMON, Szachna Eliasz (1990) Saúde Pública, qualidade de vida. Cadernos de Saúde Pública, 6(3), 243-246 https://doi.org/10.1590/S0102-311X1990000300001.FOUCAULT, Michel (2002) Em defesa da Sociedade São Paulo: Martins Fontes.___ (2008) Segurança, Território e População São Paulo: Martins Fontes.GENSINI, Gian Franco; YACOUB, Magdi H; CONTI, Andrea A (2004) The concept of quarantine in history: from plague to SARS Journal of Infection, 49(4), 257-261. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2004.03.002SOUZA, Luis Eugenio Portela Fernandes (2014) Saúde Pública ou Saúde Coletiva? Revista Espaço para a Saúde, 15(4), 07-21.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
A partir de hoje, vamos publicar um conjunto de textos abordando as ocorrências atuais sobre a quarentena e a pandemia. Serão textos explicando da doença em si. Também abordaremos contextos gerais para entendermos as estratégias para combater o avanço do Coronavírus. Além disso, claro, buscar obter informações, agregá-las aqui no blogs e melhorar (no que for possível) as condições cotidianas nas próximas semanas.
Sobre doenças e populações e estratégias de governo…
Se formos olhar para a história moderna, as preocupações com a saúde pública começam a se configurar com a consolidação dos Estados Nação, ou Estados Nacionais Modernos e do Mercantilismo. Como assim?É a partir da ideia de que existe um estado centralizado, cuja população precisa não somente ser governada, mas ser vista como produtora de riquezas que precisa ser mantida viva, é que os Estados vão buscar gerenciar as pessoas de seu país – ou a população – de modo a compreender como vivem e morrem as pessoas.Dessa forma, em vários países, instrumentos e ferramentas vão sendo criados para o estudo dessa população. Isto é, uma busca para intervir cada vez mais no sentido de diminuir a incidência de doenças e males que afetam essa população.Assim, como exemplos podemos citar a estruturação da Estatística e da Polícia Médica, na Alemanha nos séculos XVII e XVIII. Também podemos citar a institucionalização da Higiene, no século XIX, na França, com suas práticas de manutenção da saúde a partir de normas e prescrições para a população.Atualmente, chamamos a área que compreende este conjunto de estudos, estratégias e modelos de ação em cada país, para controlar doenças e compreender suas dinâmicas, de Saúde Pública. Dessa forma, isso inclui diferentes estratégias de governamental de qualquer país do mundo*. Por quê? Para analisar uma série de dados em um determinado tempo. Por exemplo: quantas pessoas nascem e morrem; de que forma nascem e do quê morrem; quais principais doenças atingem essas pessoas; que regiões adoecem mais e do quê; etc.Este tipo de estudo é essencial para organizar um país. Uma vez que de posse deste conjunto de dados, conseguimos organizar de modo eficiente – tanto em cada local (bairro ou município, por exemplo), quanto em regiões ou país – não somente como controlar as doenças, mas melhorar efetivamente a vida da população.
Em suma…
Por fim, em termos de população mundial temos, também, o levantamento de dados constante para rastreamento de novas doenças e/ou problemas de saúde. Isto ocorre a fim de combater doenças que possam se alastrar pelo mundo. A Organização Mundial de Saúde é uma das principais instâncias que, em casos como o do Novo Coronavírus, atua intensamente para coletar e agrupar dados, para que as políticas públicas de cada país possam agir de forma rápida e eficiente.
* Poderíamos nos estender mais, aqui, e abordar o termo de biopolítica, de Michel Foucault. Em breve, faremos isso… Neste momento, apenas apresentaremos brevemente ideias para chegar no cerne da questão atual. 😉
Para saber mais
CYNAMON, Szachna Eliasz (1990) Saúde Pública, qualidade de vida. Cadernos de Saúde Pública, 6(3), 243-246 https://doi.org/10.1590/S0102-311X1990000300001.FOUCAULT, Michel (2002) Em defesa da Sociedade São Paulo: Martins Fontes.___ (2008) Segurança, Território e População São Paulo: Martins Fontes.GENSINI, Gian Franco; YACOUB, Magdi H; CONTI, Andrea A (2004) The concept of quarantine in history: from plague to SARS Journal of Infection, 49(4), 257-261. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2004.03.002SOUZA, Luis Eugenio Portela Fernandes (2014) Saúde Pública ou Saúde Coletiva? Revista Espaço para a Saúde, 15(4), 07-21.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Em meio à pandemia vivenciada e às inúmeras ações que foram estabelecidas para a proteção contra o corona vírus, um item relativamente comum, e outrora pouco utilizado em nosso dia-a-dia, ganhou grande atenção de todos: o álcool em gel.
Do dia para a noite, a procura e o preço deste produto tiveram seus índices absurdamente elevados. O preço em alguns estabelecimentos chegou a custar mais do que o grama do ouro!
De modo súbito, vimos também emergir inúmeras alternativas, receitas milagrosas e adaptações, que tiveram sua divulgação potencializada por nossa incrível rede de disseminação de notícias por meio dos aplicativos de comunicação, redes sociais, programas televisivos, entre outros. Desde o uso de produtos não adequados à aplicação na pele (como álcool de churrasqueira, de limpeza ou o combustível) passando por receitas de produção caseira e por estratégias adotadas por indústrias, como a cervejaria que decidiu usar o álcool retirado de suas bebidas para a fabricação do formato em gel, pudemos presenciar, nesses últimos dias, iniciativas adequadas, oportunismos e práticas pouco recomendadas as quais podem não apenas deixar de proteger o usuário como também gerar lesões na pele. Entre mortos e feridos, boas e más condutas, oportunismos e ingenuidades, o que disso tudo se mostra coerente? O que de fato pode ser recomendado?
Vamos às questões!
Dois pontos parecem ser importantes de serem esclarecidos e englobam de modo geral esse sem número de informações disseminadas a respeito do álcool gel.
O primeiro, que aparece como uma questão frequente se refere ao porque do álcool 99% (99 partes de álcool e 1 parte de água – alguns álcoois de limpeza e álcool combustível) ser MENOS eficiente na assepsia do que o álcool 70% (70 partes de álcool e 30 parte de água – o álcool em gel).
Afinal, se o primeiro tem mais álcool, deveria funcionar melhor, certo? A resposta é NÃO! Para explicar podemos começar com um exemplo bastante simples e que você mesmo pode testar em casa (sem precisar ser químico autodidata).
Experimente tentar lavar uma louça suja com gordura apenas com o detergente. Isso, não utilize água. APENAS DETERGENTE (99% DE DETERGENTE). Faz ideia do que acontece? Pois bem, sua louça irá ficar mais suja do que antes uma vez que para a limpeza é necessário uma ação do componente do detergente e da água. Mas e o que isso tem a ver com o álcool?
A ação do produto é resultado da interação não apenas do álcool mas da mistura álcool e água numa proporção que foi testada por diversas pesquisas. Desta forma, para que o produto consiga de fato agir sobre as moléculas que compõem o vírus é necessário uma ação conjunta do álcool e da água. O álcool atua na membrana celular bacteriana, tornando-a permeável. Neste processo a eficácia é aumentada na presença de água. A ausência de água gera menor penetração da substância no organismo e portanto, menor eficiência. Outro efeito, talvez menos importante mas que vale ressaltar é que há estudos que apontam um tempo mínimo de contato necessário. O álcool 99% pode evaporar num tempo menor do que o adequado para a atuação. Assim, ao utilizarmos álcool praticamente puro, minimizamos esta ação o que gera menor desinfecção1,2.
O segundo ponto que abrange grande parte das principais divulgações feitas está relacionado à produção caseira de álcool gel a partir de outros produtos como álcool de limpeza ou mesmo álcool combustível. Além do fato de que talvez ninguém comumente tenha em casa produtos e materiais de medição precisa, nem ao menos tenha formação técnica para a produção de um produto em casa, podemos perguntar inicialmente se o álcool de limpeza ou o combustível são feitos para passar na pele? Será que a qualidade e/ou pureza dos produtos utilizados na fabricação destes componentes são as mesmas daquela usada na fabricação do álcool em gel para uso na pele?
Pensemos então em outro exemplo simples e novamente utilizando o detergente. Você usaria detergente de pia para lavar seu cabelo (em substituição ao xampu?) Acredito que sua resposta tenha sido não. Mas porque, uma vez que o componente ativo é o mesmo na maior parte dos detergentes e xampus? Dê uma olhadinha nos rótulos e procure por lauriléter sulfato de sódio (ou sodium laureth sulfate – em inglês). Há ainda alguns derivados de mesma função como o linear alquil benzeno sulfato de sódio. Aproveite e veja também a quantidade de outras substâncias existentes
Pois bem, usar qualquer outro tipo de produto para fabricar álcool em gel seria o mesmo que usar detergente como xampu. No entanto, os cuidados no preparo de um e outro produto são bastante distintos, bem como a pureza dos reagentes utilizados e as substâncias adicionadas com o intuito minimizar quaisquer efeitos sobre a pele. Portanto, o seu produto caseiro pode não apenas ser ineficiente (por medidas inadequadas nas quantidades) como causar problemas na pele. Por essa e outras razões não é recomendado que se faça álcool em gel a partir de nenhum outro produto que contenha álcool e que não tenha a finalidade de uso para a pele.
Mas o que fazer?
E então? Ficaremos reféns da indústria do álcool gel? Seremos contaminados pelo não uso do produto? A resposta também é não. Embora não tenha como substituir este produto, o hábito de lavar as mãos com água e sabão ou com água e o bom e velho detergente se mostra bastante eficiente no combate ao vírus. Portanto, quem não tem cão, caça com gato, e quem não tem álcool usa sabão. Uma atitude mais simples do que virar um alquimista autodidata com base nos “conselhos” de pessoas que nem ao menos se conhece.
Algumas ressalvas
O álcool em gel deve ser utilizado em situações em que não temos a possibilidade de lavar as mãos com água e sabão! Lavar com água e sabão é o melhor método. Mais ainda: é fundamental utilizar o álcool em gel em toda a superfície das mãos, em quantidade suficiente para senti-las molhadas inicialmente, até que esse efeito seja diminuído. Nunca se deve utilizar o álcool em gel em mãos sujas. Pois, se as mãos estão sujas, o álcool atua sobre a sujeira e pode não eliminar totalmente os vírus. (Ressalvas feitas pela professora Silvia Gatti, do Instituto de Biologia da Unicamp)
Para Saber Mais
1. Kawagoe, JY, Graziano, KU, Valle Martino, MD, Siqueira, I, & Correa, L (2011) Bacterial reduction of alcohol-based liquid and gel products on hands soiled with blood. American Journal of Infection Control, 39(9), 785–787.doi:10.1016/j.ajic.2010.12.018
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.