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  • Comunicação de ciência – público e comunicadores

    Unir diferentes agentes no processo de comunicação, como pesquisadores, comunicadores de ciência, figuras públicas e público, é uma boa estratégia para a divulgação científica e democratização do conhecimento.

    Planejando a estratégia de divulgação científica

    O público seleciona a informação que vai consumir de acordo com o que lhe parecer mais útil para a sua vida profissional e pessoal de forma a selecionar o que lhe parece mais conveniente para cada situação de sua vida (Torquato, 2015). 

    Pensar o público é um dos primeiros passos para uma boa estratégia de divulgação científica. Preparar uma comunicação baseada apenas no que queremos comunicar em um processo unidirecional pode fadar sua divulgação ao fracasso e mesmo criar ruído. 

    Uma boa estratégia para desenvolver o seu conteúdo de divulgação científica é a criação de uma Persona, uma personagem ideal, alvo da sua comunicação. Para saber mais sobre a criação da Persona acesse o post Comunicação sobre ciência – Pensando o público

    Com a publicação dos primeiros conteúdos é possível acompanhar como o material está sendo recebido/consumido (ou não) pelo público. Isso pode ser feito de maneiras diferentes, como por exemplo, através da quantidade de acessos, compartilhamentos, curtidas e comentários. Alguns programas e empresas de marketing também incluem a pesquisa de opinião ao longo do processo. 

    Por que avaliar o processo de divulgação científica é importante? 

    A comunicação é um processo que só existe dentro de um contexto. Ela faz parte de um tempo, espaço (virtual ou não) e pessoas. Ela é um processo social de produção e compartilhamento de sentido por meio da materialização de formas simbólicas (França, 2001). Isso quer dizer que uma estratégia de comunicação que hoje funcionou bem para um determinado público pode não funcionar um tempo depois.  

    Dessa maneira, é importante para qualquer projeto de divulgação científica, que o(a) comunicador(a) consiga entender os processos e discursos da ciência, da comunicação e do seu público/grupo social que se quer alcançar. 

    Recentemente, duas formas audiovisuais distintas sobre uma mesma instituição, o Instituto Butantan, deixou isso evidente. Ambas falaram sobre a instituição, a primeira, um vídeo institucional e a segunda, uma adaptação da música do MC Fioti que remetia à vacina e ao Instituto Butantan. 

    Vídeo Institucional:

    Vídeo MC Fioti:

    Enquanto o vídeo institucional foi visualizado um pouco mais de 7,4 mil vezes em 5 meses, o clipe do MC Fioti obteve mais de 13,6 milhões de visualizações em 6 meses. Mas vale lembrar, que além de analisar o alcance, é importante lembrar que os públicos foram distintos. 

    Então, começamos a ter alguns elementos para se pensar a divulgação científica: Além da pesquisa desenvolvida, ou conteúdo que se quer divulgar, há o seu público. Além disso, há outro elemento importante, que em muitos casos é esquecido: Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação? 

    A intencionalidade da divulgação científica: Comunicação como um Direito Humano

    Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano fundamental, mas esse conceito ainda está em construção (GOMES, 2007).O debate sobre o direito de comunicar foi inaugurado pela UNESCO em 1970. No Brasil, só foi reconhecido pelo Estado mais tarde por meio do decreto nº 7.037 de 2009, que instituiu a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (Vanucchi, 2018). 

    Entender e participar dos processos relacionados à ciência e tecnologia, como as decisões associadas às políticas públicas, assim como os processos comunicativos constituem também elementos importantes para a cidadania. Nesse sentido, a divulgação científica tem relação direta com o direito à comunicação, e por conseguinte, com os direitos humanos. 

    Pesquisadores e Comunicadores de Ciências

    As tensões entre os comunicadores de ciência e pesquisadores não são recentes. Por exemplo, a relação entre cientistas e jornalistas é marcada, em algumas ocasiões, pela falta de acesso do jornalista ao cientista para as entrevistas em tempo hábil para veiculação da notícia, como fonte de reportagem. Em outras ocasiões, a relação é marcada pela desconfiança de cientistas sobre jornalistas na divulgação das suas pesquisas. Alguns cientistas temem que suas pesquisas sejam veiculadas sem exatidão ou mesmo deturpadas.

    Outro campo de tensão entre pesquisadores e comunicadores de ciência é o da divulgação científica.  As críticas e discussões sobre “quem pode falar” de ciência não são recentes. De um lado, alguns pesquisadores afirmam que esse papel deve ser destinado aos próprios cientistas, especialistas em um determinado assunto. Do outro lado, comunicadores de ciência que vem conseguindo conquistar cada vez mais espaço entre os diferentes públicos, “furando as bolhas”.. 

    Em busca de um processo conjunto

    O processo de divulgação científica precisa do conhecimento não apenas da área específica sobre a qual está comunicando, mas também do conhecimento da área de comunicação. Há a necessidade de se começar a pensar o processo de divulgação científica a partir do trabalho conjunto que envolve pesquisadores, comunicadores de ciência e o(s) público(s) alvo. 

    Aqui voltamos para a pergunta feita anteriormente “Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação?”, mas agora de uma outra forma  “Qual a intenção do seu fazer divulgação científica?”

    Há uma relação intrínseca entre ciência e poder  (Caldas).  O conhecimento científico é essencial para a resolução de problemas e tomada de decisões e tem relação direta com processos democráticos e cidadania. O agente no processo de divulgação científica, seja ele pesquisador ou não, precisa passar de relação vertical, como a do educador-salvador, que leva o conhecimento aos menos esclarecidos, para o de comunicadores envolvidos com processos mais democráticos e participativos, aberto ao diálogo  – estabelecendo processos de interação e comunicação. 

    Formiguinhas, uni-vos!

    Diante da desinformação e da infodemia que se tornou mais evidente frente à pandemia, uma outra preocupação ganha destaque entre os divulgadores de ciência e jornalistas: Como furar a bolha, cada vez mais delimitada pelos algoritmos, e alcançar o seu público? Nesse sentido, há um aumento das discussões sobre como fazer divulgação científica e atuar em conjunto para alcançar um número maior de pessoas em diferentes grupos sociais. 

    No período de pandemia, aconteceram vários cursos online voltados tanto para o jornalismo científico, quanto para a divulgação científica, incluindo alguns realizados pelo Blogs Unicamp. 

    Tensões, embates, preocupação conjunta com soluções para o processo de divulgação científica, promoção de cursos e profissionalização do divulgador científico e comunicador de ciência, todos esses fenômenos podem indicar o fortalecimento de um campo de pesquisa/atuação ainda em desenvolvimento.

    É comum o uso do termo “trabalho de formiguinha” para exprimir o trabalho do divulgador científico em conquistar o seu público. No entanto, a divulgação científica vem agregando mais pessoas e transformando em um trabalho de um coletivo de formigas, um  trabalho de correição. 

    Pensando juntos desde o início

    Algumas iniciativas de divulgação científica vem pensando em conjunto para desenvolver processos de divulgação científica:

    O blogs de Ciência da Unicamp é uma iniciativa de divulgação científica que inclui pesquisadores de diversas áreas e comunicadores de ciência. No processo, os pesquisadores participam de um treinamento voltado para a divulgação científica por meio de blogs, a Integração. Além disso, o Blogs Unicamp fomenta o diálogo com o seu público. A Erica Mariosa fala um pouco sobre o processo de divulgação científica no Blogs Unicamp em seu post Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?

    Outro exemplo de atuação conjunta entre pesquisadores, comunicadores de ciência, artistas e personalidades públicas foi a iniciativa do Todos Pelas Vacinas.  

    Para conhecer a iniciativa e os conteúdos preparados para os diversos públicos acesse o site do Todos Pelas Vacinas

    Saiba mais

    Caldas, Graças, DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA, RELAÇÕES DE PODER E CIDADANIA, Labjor- Unicamp

    França, Vera Veiga (2015) O objeto da comunicação/A comunicação como objeto, In Hohfeldt, Antonio, Martino, Luiz C, França, Vera Veiga (Org) Teorias da Comunicação: Conceitos, escolas e tendências, Petrópolis, RJ: Vozes.

    Gomes, Raimunda Aline Lucena (2007) A COMUNICAÇÃO COMO DIREITO HUMANO:

    Um Conceito em Construção Universidade Federal de Pernambuco, Dissertação

    Vannuchi, Camilo (2018) O direito à comunicação e os desafios da regulação dos meios no Brasil, Galáxia

    Torquato, Gaudêncio (s/d) Comunicação nas organizações. 

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog CdF

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    É tempo de esperança. A esperança da chegada de um dia melhor, sem a Covid-19 em nosso mundo, está quase na porta. Grande parte desta crescente esperança deposita-se na vacinação da população mundial.

    Cada vez mais estamos vendo manchetes em São Paulo, no Brasil e em vários outros lugares do mundo sobre a reabertura de locais, visto o número cada vez maior de pessoas se vacinando contra a Covid-19. As pessoas anseiam em se vacinar para estarem protegidas, poderem sair de casa, rever parentes, amigos, colegas, viajar, ir a bares, cinemas e museus. 

    Mas toda essa ansiedade para a volta ao “normal” também gera problemas. O principal deles é a ideia da rápida retomada das atividades presenciais, colocando de lado as medidas de distanciamento social, uso de máscara e quarentena.  

    Não é de hoje que os cientistas, autoridades sanitárias e divulgadores científicos vêm falando que a vacinação, única e exclusivamente, não irá resolver a pandemia. No melhor dos cenários, com pelo menos 75% da população vacinada e aliada a outras medidas de contenção, as vacinas podem diminuir muitos os casos de Covid-19 e permitir uma retomada lenta à “normalidade”. No pior dos cenários, uma vacinação com rápida abertura pode funcionar como um impulso para o surgimento de novas variantes, colocando em risco as pesquisas dos últimos 17 meses para o desenvolvimento de uma vacina eficaz.

    “MAS ENTÃO, SE MESMO VACINADO DEVO FICAR EM CASA, QUANDO VOU PODER SAIR?”

    Essa é a pergunta de ouro que todos estão se fazendo. Teoricamente, o ideal é estar com pelo menos 75% da população de um país vacinada. Tomando o Brasil como exemplo, temos uma população de aproximadamente 212 milhões de habitantes. Assim, poderia haver uma reabertura segura do país quando no mínimo 159 milhões de brasileiros estivessem completamente vacinados (que é o equivalente a população maior de 18 anos).

    E completamente vacinado significa duas semanas após a segunda dose (ou um mês depois da dose única, no caso da Janssen) no braço.

    Não é só com uma dose. Assim como não é no intervalo de doses. Ademais, não é com ambas as doses. 

    Novamente, o esquema completo é: duas semanas após ter recebido a segunda dose. 

    Contudo, não é isso que temos visto em alguns lugares. Tomando São Paulo como exemplo, tem se visto vários anúncios falando sobre a reabertura total do comércio e outros estabelecimentos, divulgando uma retomada à “normalidade” após o término da vacinação da população adulta do estado em 16/08 (última segunda-feira). Mas como comentado à exaustão em um outro texto recente aqui do Especial, falar em “população vacinada” quando boa parte dessa recebeu só a primeira dose não é realmente verdade. E nem correto. 

    É nessa falsa sensação de segurança que os problemas começam a surgir.

    VAMOS COMEÇAR OLHANDO OUTROS PAÍSES

    Reino Unido:

    com 68% da população tendo recebido pelo menos a primeira dose da vacina, e 52% terem recebido as duas, e com um relaxamento de quase todas as medidas de restrição, os britânicos voltam a ver uma subida rápida dos casos de infecção da Covid-19 após a chegada da variante Delta.

    Holanda:

    em 26 de junho promoveu a reabertura total do comércio, e tirou a obrigatoriedade do uso de máscaras. Duas semanas depois, revogou ambas as medidas e voltou a restringir as atividades quando os casos de Covid-19 explodiram com a variante Delta.

    Estados Unidos:

    com quase 50% da população vacinadas com as duas doses, o CDC (Centro de Controle de Doenças) suspendeu a necessidade do uso de máscaras e permitiu a reabertura de bares e restaurantes em todo o país, mesmo com estados em que a taxa de vacinação completa ficava por volta dos 35%. Dito e feito: os casos voltaram a aumentar, variante delta tomou o país, e no final de julho o CDC recorreu a decisão tomada.

    Vários outros países, com altos índices de vacinação completa (+50%), estão vendo os casos voltarem a subir, mesmo com boa parte da população vacinada: Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália e mesmo Israel, que foi modelo de vacinação há alguns meses atrás.

    Em grande parte deles, a história foi parecida: com um grande número de pessoas se vacinando, as autoridades começaram a diminuir e enfraquecer as medidas de restrição, permitindo que as pessoas circulassem mais, estabelecimentos ficassem abertos sem restrição de tempo ou lotação e retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras. E os resultados também são bem parecidos: uma explosão de novos número de casos, principalmente, entre os não vacinados. E isto  resultou em novos fechamentos e retomada das restrições. 

    Contudo, agora há uma questão nova que tem dificultado o controle da pandemia, mesmo nesses países com altos índices de vacinação: a variante Delta. 

    “O QUE QUE TEM DE TÃO ESPECIAL NESSA VARIANTE DELTA QUE OS JORNAIS NÃO PARAM DE FALAR? ANTIGAMENTE NÃO ERA A GAMA (OU P1) A PROBLEMÁTICA?”

    Pois é, a variante Gama AINDA é problemática. Contudo, há poucos meses surgiu a variante Delta na Índia, que vem tomando conta do cenário viral em todo o globo, já sendo a mais prevalente em boa parte do mundo. No Brasil, a variante Gama ainda é a mais prevalente e os pesquisadores têm tentado entender o motivo do avanço da variante Delta estar sendo mais lento aqui. 

    Veja nas duas figuras abaixo como a Delta está presente em vários países nas últimas duas semanas (Figura 1) e em São Paulo como a predominância das variantes foi mudando ao longo do tempo (Figura 2)

    Figura 1: Variantes predominantes em cada país, analisada a partir de sequenciamento genético nas últimas duas semanas. Isto pode não representar completamente a situação do país, em função de apenas uma fração dos casos serem sequenciados. Fonte da Imagem: CoVariants.org e GISAID.
    Figura 2: variantes relevantes em São Paulo ao longo dos meses. Fonte da imagem: Fiocruz (disponível em: http://www.genomahcov.fiocruz.br/dashboard/)

    Entretanto, esse não é o ponto deste texto.

    Todo o problema ao redor da variante Delta é a sua alta capacidade de transmissão. Além disso, soma-se a várias mutações que podem levar a um escape da imunidade. Mas para tranquilizar os corações: a proteção gerada pelas vacinas ainda permanece contra essa variante, assim como foi observado para outras. No entanto, há sim uma redução na quantidade de anticorpos neutralizantes.

    De acordo com alguns artigos recentes, o que se sabe até agora é que pessoas que tiveram uma infecção natural de Covid-19 com a variante Gama (de Manaus) ou a variante Beta (da África do Sul) têm uma fraca proteção contra a variante Delta. Em outras palavras, os anticorpos gerados pela infecção natural dessas variantes pouco protegem. Ademais, não garantem que, se essas pessoas não se vacinarem e pegarem a variante Delta, elas terão uma doença menos severa ou leve caso se reinfectem. 

    Claro que aqui precisamos fazer uma pequena ressalva: os pesquisadores olharam somente para uma parte da resposta imune, que são os anticorpos. Nosso sistema imune tem diversas outras ferramentas capazes de nos proteger, como a resposta imune celular. Pouco se sabe se esse escape do vírus também afeta os linfócitos, principais atores da resposta celular.

    Mas aqui também fica nosso apelo: NÃO caia nessa de “tive Covid-19 então não preciso me vacinar”.

    TODOS precisam ser vacinados.

    Muito provavelmente se você teve a Covid-19 no passado, foi com alguma das antigas variantes que não protegem (ou protegem fracamente) contra essa nova variante Delta. Você PODE sim ter Covid-19 novamente, tanto a forma leve com grave e transmitir para parentes, conhecidos e amigos.

    Voltando aos estudos, os pesquisadores também viram uma redução da efetividade das vacinas (isso é, a eficiência em reduzir os casos de Covid-19 com sintomas) e da eficiência dos anticorpos neutralizantes gerados em pessoas vacinadas. Entretanto, essa redução é parecida com a que foi vista em outras variantes (Alfa, Beta e Gama). 

    Trocando em miúdos

    Colocando em termos numéricos para exemplificar: a efetividade da vacina da Pfizer (com 2 doses) contra a variante Alfa foi de 93%, enquanto  contra a Variante Delta foi de 88%. Isso é, a cada 100 pessoas que tomaram ambas as doses da vacina da Pfizer, somente 7 (=100-93) tiveram sintomas de Covid-19 após a infecção pela variante Alfa, e somente 12 (=100-88) tiveram sintomas de Covid-19 pela variante Delta. 

    Já para a vacina da AstraZeneca, a efetividade das duas doses contra a variante Alfa foi de 74% e contra a variante Delta foi de 67%. Sim, um pouco menor do que a Pfizer. Mas isso não quer dizer que quem tomou a vacina da AstraZeneca tem mais riscos de ter Covid-19 e morrer. Esses números são só relativos aos casos sintomáticos, aqueles que a pessoa desenvolve um sintoma da doença. Ambas as vacinas continuam com uma efetividade bem alta contra casos graves. 

    Sim, são boas notícias, mas…

    Apesar dessas boas notícias das vacinas continuarem nos protegendo, nem tudo é um mar de rosas. Esses valores que dissemos são referentes a efetividade de AMBAS as doses de vacinas em uma pessoa. Os pesquisadores viram que em pessoas que só tomaram a primeira dose (seja de Pfizer ou AstraZeneca) a eficiência das vacinas era muitíssimo baixa. Em outras palavras: somente a primeira dose NÃO PROTEGE uma pessoa. Esse indivíduo NÃO TÊM uma chance menor de contrair a forma leve da Covid-19 e assim, pode morrer, além é claro de poder transmitir para outras pessoas. 

    Essa redução da efetividade das vacinas indicou aos cientistas que mesmo com a variante Delta não escapando totalmente da proteção garantida pelos anticorpos após a vacinação, é bem preocupante esse cenário em que surgem novas variantes que conseguem escapar, por exemplo, de uma imunidade “natural”, como foi visto no caso das pessoas que tiveram Covid-19 naturalmente com a variante Beta e Gama, e que produzem anticorpos pouco eficiente contra a variante Delta.

    Em suma…

    Sabemos que a variante Delta é muito mais transmissível, escapa da imunidade natural causada por outras variantes, e reduz a eficácia das vacinas (mesmo que essas ainda nos protejam). 

    Sabemos também que muitos países com vacinações MUITO mais avançadas do que as nossas reabriram. Isto é, voltaram à “normalidade” e tiveram que fechar os estabelecimentos novamente. Mas porquê? Ora, tudo porque a variante Delta chegou nesses países e NENHUM deles havia atingido ainda uma imunidade coletiva. 

    Vimos o número de casos e internações aumentando nesses países, com a grande maioria das pessoas não vacinadas sendo os infectados da vez. 

    E mesmo assim, com todos esses exemplos do que não funcionou, ouvimos pessoas em nosso país, estado e/ou cidade falando sobre a retomada à normalidade e abertura dos estabelecimentos. Isso com somente 20% da população inteiramente vacinada (isto é, com duas doses). Dessa forma, a mensagem final que queremos passar é: continuem se cuidando. Tomem as vacinas (ambas as doses!!!) se na sua cidade já é possível. E principalmente, continuem usando máscaras e evitando aglomerações. Pois no caminho que estamos, o futuro que nos aguarda não é nada bom. 

    Para Saber Mais

    Reportagens

    Europa aprova plano de abertura de fronteiras para vacinados, mas lista de países habilitados só será definida depois

    O que acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?

    Países com vacinação acelerada veem aumento de casos de Covid e queda de mortes.

    Se reabertura em SP virar vale-tudo, pode haver repique de Covid, dizem especialistas

    Entenda a alta de casos de Covid-19 em países com vacinação avançada.

    Israel restringe viagens e indica novo lockdown para conter casos de  covid-19. Covid: os primeiros resultados da reabertura em seis países.

    Artigos

    Liu, C, Ginn, HM, Dejnirattisai, W, Supasa, P, Wang, B, Tuekprakhon, A, … & Screaton, GR (2021) Reduced neutralization of SARS-CoV-2 B. 1.617 by vaccine and convalescent serum Cell

    Planas, D, Veyer, D, Baidaliuk, A, Staropoli, I, Guivel-Benhassine, F, Rajah, M M, … & Schwartz, O (2021) Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization Nature, 1-7. 

    Lopez Bernal, J, Andrews, N, Gower, C, Gallagher, E, Simmons, R, Thelwall, S, … & Ramsay, M (2021) Effectiveness of Covid-19 vaccines against the B. 1.617. 2 (delta) variant New England Journal of Medicine.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Ensino Fundamental e a pandemia de Covid-19: realidades e vivências (parte II)

    Texto escrito por Tanise Flores, Peterson Kepps e Mélany Santos

    Janeiro de 2021, em plena pandemia da COVID-19 a autora deste texto recebe a notícia mais improvável (ao menos para ela) por toda situação caótica que, ainda, vivemos. Recém-formada em Biologia Licenciatura, acabava de ser contratada para preencher uma vaga de professora substituta da disciplina de Ciências em uma pequena escola privada de Ensino Fundamental situada na cidade do Rio Grande/RS.

    A partir dessa experiência, dividirei algumas de minhas vivências atuando no ensino emergencial remoto e híbrido com o olhar de quem atua na rede privada. De antemão, gostaria de comentar o quanto me sinto privilegiada em comparação com professores da rede púbica. Escrevo isso por perceber que os estudantes com os quais atuei possuem melhores condições de acesso à internet, assim como um ambiente, na maioria das vezes, calmo e tranquilo para a participação das aulas remotas.

    A escola no qual estava vinculada não deixou seus estudantes uma semana sequer afastados por completo. Alguns estudantes relataram que já na primeira semana em que as escolas foram fechadas tiveram acesso a atividades enviadas pelo Facebook. Nesse sentido, pelo relato dos estudantes, não demorou muito para a escola organizar uma plataforma para que ocorressem as aulas on-line.

    Porém não vivenciei este período inicial e o que gostaria de dividir por aqui são alguns dos momentos nos quais atuei como professora nos cômodos da minha casa. Preciso comentar que muito provavelmente pelo meu desejo forte em começar a atuar como professora, eu possa relatar experiências mais positivas do que negativas, pois foram essas que me tocaram. Me tocaram no sentido de Larrosa, que nos sugere pensar a educação a partir da experiência vivida.

    Assim, minhas primeiras lembranças deste período são dos momentos de ensino remoto com os estudantes, visto que no segundo bimestre atuei na escola no formato do ensino híbrido.

    Confesso que me adaptei rápido a este novo estilo de sala de aula, claro que ao comparar as vivências do ensino remoto (mediado pela utilização da internet) com as vivências do ensino híbrido (ensino mesclado, onde parte da turma se encontra de forma presencial com a professora e parte da turma acompanha a aula em tempo real, através de plataformas digitais, em casa) percebi com clareza o quanto é mais proveitoso para nós professores e para os estudantes quando todos conseguimos nos encontramos de forma totalmente presencial.

    Vivenciando o ensino remoto

    Tive a oportunidade de trabalhar com os 6º, 7º e 8º anos e pude perceber o quanto cada turma é única e responde de forma bem diferente ao ensino remoto. Pude perceber nos mais pequenos a animação em conhecer a professora nova, o entusiasmo com algumas atividades realizadas em aula dentre tantas outras questões que imagino se aproximarem muito de uma sala de aula presencial.

    Alguns estudantes levantavam a mão para falar, pediam para ir ao banheiro, avisavam que iam sair da aula on-line, por algum motivo, e que já retornariam. Entendo que em muito disso estava a escola que incentivava e reforçava atitudes comportamentais como estas, mas não posso deixar de pensar, com as lentes de Michel Foucault, em todo disciplinamento de muito antes da pandemia que estes estudantes receberam ao longo dos anos dentro dos muros da escola e que não foram esquecidos agora que a mesma está em suas casas.

    O celular como parte do material escolar

    Outro ponto interessante a pensar, que a vivência remota proporcionou para as escolas privadas, é a inclusão do celular como parte do material escolar. Percebi que alguns de nós professores conseguimos adaptar de forma muito positiva jogos e atividades on-line de modo que estas envolvessem os conteúdos trabalhados aproximando os estudantes de sua realidade.

    Trago como exemplo o jogo “Minecraft”, comentado com frequência pelos estudantes na sala de aula. A partir dele, consegui trabalhar conteúdos relacionados como, por exemplo, aos tipos de solo e de rochas.

    Os estudantes se entusiasmaram muito com a ideia da aula, foram participativos e inclusive atuaram como protagonistas. Um dos estudantes, de forma voluntária, compartilhou sua tela e acessou o jogo a partir de sua conta privada. Eu, enquanto professora, apenas guiava e orientava para que ele apresentasse para turma os minerais presentes no solo, as diferentes rochas e assim por diante.

    Outro jogo aplicado em sala de aula e adaptado ao conteúdo de ciências (também por sugestão dos estudantes) foi o Gartic. Este, consiste em uma espécie de Imagem e Ação on-line. Caso você nunca tenha jogado, o jogo tem como objetivo adivinhar o desenho ou mimica que está sendo realizada por um dos participantes. Claro que precisei de tempo, que talvez não tinha, para adaptar ao conteúdo de ciências (aqui caberia mais uma boa discussão).

    Assim, tentando fazer do limão uma bela limonada utilizei o tal do Gartic como forma de revisar os conteúdos trabalhados no bimestre. Para isso, modifiquei as palavras sugeridas no jogo para conceitos que estudamos em aula e um estudante por vez realizava o desenho on-line sorteado pelo próprio site do jogo. Para conseguir desenhar e/ou adivinhar o que estava sendo desenhado era preciso domínio do conteúdo.  

    Outra ferramenta muito utilizada, nesse período, foi o Jamboard (quadro interativo desenvolvido pelo Google) através dele conseguimos adaptar atividades virtuais em grupos, pois os estudantes conseguiam acessar o mesmo quadro/mural acrescentando informações em tempo real.

    A tal das câmeras desligadas

    Para não dizer que só encontrei pontos positivos no ensino remoto (longe disso), um dos pontos negativos que poderia listar foi a questão da câmera desligada por alguns estudantes, seja por falta de motivação ou alguma impossibilidade. Alguns destes interagiam pelo microfone ou chat, mas aqueles que permaneciam em total silêncio não era possível ter ideia se estavam por ali ou não. Se fazia sentido o que estava sendo trabalhado em sala ou não.

    Já os que estavam com suas câmeras abertas, por mais que nem sempre participassem de forma oral, era possível perceber pelos gestos de cabeça ou expressões faciais se estavam um pouco mais envolvidos com a aula ou não.

    A avaliação em tempos remotos

    Outro fator que me incomodou bastante e que não poderia deixar de comentar, pois me fez refletir sobre a prática docente é a questão das avaliações. Sabemos que alguns dos estudantes copiam as questões da internet (como nos trouxe o Matheus em “A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira”) e sequer pesquisam nas páginas indicadas, pelos professores, dos livros didáticos ou da web.

    Sinto como se fosse muito mais prático (e talvez seja), para eles, jogar no google (ou no Brainly) e copiar a primeira resposta encontrada, que por vezes possuem termos muito avançados e que sequer foram trabalhados nas aulas, do que dedicar um tempo para realizar uma busca significativa.

    Nesse sentido, percebo que os estudantes talvez não estejam familiarizados com a pesquisa, pois para responder uma prova com consulta (o que se tornaram as avaliações em tempos de ensino remoto) é preciso ao menos que se consulte mais de uma fonte, reflita sobre o que encontrou e elabore uma resposta mais próximo do que acredita ser a correta, fugindo da decoreba.

    Assim, acredito que cabe a nós docentes, dar espaço em nossa sala de aula para que sejam ensinadas, por exemplo, como usar ferramentas de busca online e como referenciar um trabalho incentivando que o estudante tenha um contato maior com a pesquisa científica já no ensino básico.


    Para saber mais…

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

    FOUCAULT, Michel (2007) A arqueologia do Saber.

    Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público

    A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

    Este texto foi escrito originalmente para o blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacinação e Pandemia de Covid-19: desencontros narrativos

    Texto escrito por Marina Fontolan e Dayane Machado

    No texto anterior, falamos sobre a história da vacinação e a criação do Zé Gotinha, hoje nós vamos falar sobre a vacinação no Brasil no cenário da pandemia de COVID-19 especificamente.

    Como a vacinação no país, embora avançando, ainda está mais lenta do que gostaríamos e ainda não possuímos doses suficientes para toda a população, fizemos um recorte histórico.

    Assim, no texto de hoje, começaremos abordando o anúncio dos testes da Coronavac em território nacional e até o final do ano de 2020. Ainda que seja um recorte histórico muito breve, ele deixa claro como o governo federal reagiu à vacina e como foi mudando seu discurso ao longo do tempo, estratégia essa que continua sendo empregada ainda hoje.

    Vacinação no Brasil

    No Brasil, a vacinação para a Covid-19 já possui um histórico ”longo”. Ele começa em 2020, quando o governador do estado de São Paulo, João Dória, anunciou em meados de junho que o instituto Butantan produziria a vacina. Um mês depois, afirmou que a vacina poderia estar disponível à população em Janeiro de 2021. Um discurso problemático que já estava sendo adotado por outros países: Estados Unidos e Rússia, por exemplo, já estavam anunciando o lançamento de possíveis vacinas para agosto daquele ano.

    No entanto, o final de Agosto de 2020 marcou o início de uma grande discussão acerca da vacinação de Covid-19 no país. O Ministério da Saúde tentava negociar a compra de vacinas da Oxford (hoje conhecidas como AstraZeneca).

    Alguns poréns

    Enquanto isso, o presidente da república, Jair Bolsonaro, dizia a apoiadores que “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Ao mesmo tempo, João Dória começou a defender a vacinação obrigatória. A partir deste momento, tivemos um embate de narrativas, que politizou o debate em torno da vacinação e de possíveis tratamentos para a Covid-19.

    Em Outubro de 2020, Dória declarou que a vacinação seria obrigatória no estado de São Paulo, sendo rebatido por Bolsonaro no mesmo dia. Este afirmou que o governo federal não obrigaria a vacinação, mesmo tendo assinado uma lei que permitia aos estados tornar a vacinação compulsória.

    Ainda no mês de Outubro, o Ministério da Saúde anunciou a compra da vacina chinesa da Sinovac, a Coronavac, por meio de um acordo com o governo do estado de São Paulo. O presidente reagiu no dia seguinte, falando em traição do Ministério da Saúde e disse que seu governo não compraria a “vacina chinesa”. Esta fala foi contrariada pelo então vice-presidente da república, o general Hamilton Mourão, que afirmou que o governo federal compraria a vacina chinesa sim. Fala esta que veio acompanhada da estimativa do presidente da Anvisa de que o Brasil teria vacinas disponíveis no 1º semestre de 2021, momento em que o país já tinha mais de 150 mil mortes pela Covid-19.

    Protestos e intenções de se vacinar: as contradições brasileiras

    As falas do presidente da república em relação à vacina geraram reação da população brasileira, sobretudo aquela que apóia o presidente. Um grupo a favor dele chegou a realizar um protesto na Avenida Paulista no início de novembro de 2020, criticando Doria e a obrigatoriedade da vacina de Covid-19 em SP.

    Nessa época, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 72% da população tomaria a vacina da Covid-19, 57% aceitariam o imunizante de origem chinesa e 58% aceitavam a obrigatoriedade. Em outras palavras, as falas do presidente já estavam possivelmente contribuindo para a confusão da população em relação às vacinas e em relação às políticas públicas em torno da vacinação. Por exemplo, a obrigatoriedade que o presidente dava a entender que seria implementada, era aquela da Revolta da Vacina, algo muito distante da realidade.

    Da suspensão temporária de testes às mudanças de narrativas

        Ao constatar a morte de um participante dos testes da Coronavac no estado de São Paulo em meados de novembro de 2020, a Anvisa pediu a suspensão dos testes. Isto acontece para que as circunstâncias da morte fossem melhor analisadas, e os testes foram retomados dois dias depois. A notícia fez com que Bolsonaro comemorasse “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

    Esse ponto marcou uma certa mudança de discurso vindo do governo federal em relação às vacinas. Isto é, Dória anunciou que a vacina poderia ser aplicada no Brasil sem a autorização da Anvisa, a Anvisa rebateu a fala. Além disso, Bolsonaro afirmou que o Brasil iria fornecer a vacina, desde que a Anvisa a aprovasse. Este mês terminou com o Ministério da Saúde descartando a possibilidade de acesso à vacina para toda a população em 2021 e com a Anvisa fazendo inspeções na China relacionadas à produção da Coronavac. 

    Já o mês de Dezembro de 2020 iniciou com o Ministério da Saúde afirmando que a vacina da PFizer não atendia ao perfil desejado pelo Brasil e a Anvisa definindo requisitos para uso emergencial de vacinas. Além disso, o então presidente da câmara, Rodrigo Maia, tentou definir um plano de vacinação e uma discussão acerca de quanto tempo a Anvisa teria para avaliar os pedidos de uso emergencial das vacinas.

    Termo de responsabilidade e movimento antivacina

    Em meados de dezembro, Bolsonaro pediu a divulgação de dados sobre periculosidade das vacinas contra Covid-19. Neste momento, ele afirmava que exigiria das pessoas que tomassem vacina a assinatura de um termo de responsabilidade e, também, afirmou que ele próprio não tomaria.

    Neste discurso, Bolsonaro juntou algumas táticas usadas pelos movimentos antivacina. Quais? Ora, o questionamento gratuito dos processos de desenvolvimento das vacinas. Como a suposição de que elas não são seguras, independente do volume de evidências indicando o contrário. Além disso, também apontou a suposta relação de  liberdade de escolha. Para tanto, ele (e todos adeptos a este discurso) ignoram o fato de que as vacinas são uma política de saúde pública coletiva e que a perspectiva individualizada não faz o menor sentido nessa discussão.

    O Superior Tribunal Federal reagiu a esta fala, autorizando medidas restritivas às pessoas que não tomassem vacina e rejeitando o recurso que desobrigava os pais a vacinarem os filhos. Bolsonaro respondeu, dizendo que não haveria vacina para todos. Outra fala é que não havia razão para ter pressa pra comprar vacinas (discurso que mudou no dia 28/12). Por fim, que não ligava para o fato do Brasil estar atrasado na vacinação e nas negociações de compras de vacinas e que era responsabilidade dos laboratórios negociar as doses com o Brasil. Fundamental lembrar que tal fato chegou a ser feito pela Pfizer insistentemente, mas ela continuou sendo ignorada).

    Análise de dados: qual o resultado disso?

        Há uma clara confusão gerada acerca das vacinas, direcionando a circulação de desinformação à população. Quais?

    Por exemplo, a falta de uma campanha em defesa da vacinação por parte do governo federal (uma marco negativo na história da vacinação no Brasil, considerando a trajetória do PNI). Além disso, temos as suspeitas sobre as vacinas, desde a segurança até a eficácia, levantadas constantemente pelo presidente. Por fim, podemos citar também as informações desencontradas divulgadas por diferentes instituições (imprensa, instituições de pesquisa e diferentes setores do governo).

    Reforçamos estes exemplos com a popularidade de boatos de que as vacinas não seriam seguras, de que poderiam causar doenças e de que não protegeriam contra a Covid-19. Em entrevista ao Jornal Valor Econômico, Aurélio Tenharim, um líder indígena no Amazonas, afirmou o seguinte: “Muitos parentes não querem tomar a vacina (…) Os parentes dizem: ‘Se o presidente diz que não vai tomar a vacina porque diz que não precisa, porque eu vou tomar?”. Parentes se referem às pessoas que se identificam como indígenas – independente da etnia. 

    Mas isto não se deu de forma isolada

    Os discursos nada consistentes vindos do governo federal, sobretudo a partir da figura do presidente da república, não alimentaram a hesitação vacinal só entre os povos tradicionais no Brasil. Como visto, a pesquisa do Datafolha do ano passado já indicava a possibilidade de hesitação e, de acordo com os pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, a falta de vacinas também contribuiu para a população hesitar em se vacinar. Essa hesitação vacinal está chegando a ponto de sobrarem vacinas em algumas unidades básicas de saúde e de pessoas morrerem de Covid-19 por não terem tomado a vacina, como este caso reportado pelo Youtuber Felipe Neto.

        Essa hesitação vacinal se torna um problema cada vez maior no país. Afinal, a falta de vacinas de um lado e a hesitação de outro, fazem com que a pandemia não consiga ser controlada. Isso resulta no país permitindo que mais pessoas morram e levando mais tempo para conseguir retomar suas atividades econômicas – alerta dado inclusive pela OCDE

    Como lidar com essa situação?

        Quando estamos diante de uma pessoa espalhando desinformação, sendo essa relacionada à vacinas ou não, podemos seguir alguns passos. Primeiro: identificar o público: quem é essa pessoa? De onde ela tirou esta desinformação? A maior parte das pessoas acaba espalhando desinformação sem saber que se trata de desinformação. É importante lembrar que todos estão suscetíveis a desinformação e podem cair nelas.

    O segundo passo é conversar com a pessoa no privado e evitar ataques, sem fazer um estardalhaço em grupo, pois isso pode travar o diálogo.

    O terceiro passo é ouvir a pessoa de verdade e fazer muitas perguntas: de onde ela recebeu aquele dado? Quem enviou? Por que isso faz sentido pra ela?, faça isso reconhecendo os sentimentos das pessoas. Lembrem-se: estamos numa pandemia e é normal as pessoas sentirem medo. Isso faz com que as pessoas acreditem nas maiores bobagens sem pensar.

    O quarto passo é encontrar pontos em comum entre o que a pessoa fala e o dado que você tem, mas cuidado! Evite usar jargões e inundar a pessoa com dados e muitas informações, isso tende a fazê-la se fechar e passar a te ignorar. Por fim, repita os fatos sempre que possível

        Você percebeu que a pessoa está com muito contato com redes de desinformação? Além dos passos que já dissemos, é legal você mostrar para ela redes sérias de divulgação científica. Abaixo indicamos alguns destes locais:

    InfoVid – Twitter; Instagram e Facebook

    Especial COVID-19 

    Todos Pelas Vacinas

    Observatório COVID-19

    Rede Análise COVID-19

    Agência Lupa

    Organização Mundial da Saúde

    Associação Brasileira de Saúde Coletiva

    Central of Disease Control and Prevention

    Para Saber Mais

    Eve Dubé, Maryline Vivion & Noni E MacDonald (2015) Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications, Expert Review of Vaccines, 14:1, 99-117.


    Lazarus, J.V., Ratzan, S.C., Palayew, A. et al. A global survey of potential acceptance of a COVID-19 vaccine. Nat Med 27, 225–228 (2021).

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • O estágio de docência na educação a distância: desafios encontrados

    Um texto escrito por Mélany Santos e Peterson Kepps

    No texto de hoje, vamos falar de educação. Abordaremos uma experiência de estágio de docência na graduação EAD em Pedagogia segunda licenciatura. Isso significa, claro, que nós somos licenciados e, além disso, ainda atuamos como professores em sala de aula. 

    Em função de já termos uma formação inicial e vivenciado na primeira licenciatura os estágios de modo presencial, buscamos, nas linhas a seguir, apontar nossas percepções no que concerne a esta vivência de estágio na modalidade a distância.

    Neste contexto, entendemos a importância do estágio nos cursos de licenciatura, enquanto um momento fundamental para a formação, experiência e vivência do professor. Assim, acreditamos que o estágio “[…] possibilita o contato com elementos indispensáveis para a construção da identidade profissional docente”.

    Deste modo, o texto está organizado em dois momentos. Isso se deu porque nós, autores, embora tenhamos vivenciado o estágio nesta modalidade e na mesma universidade, realizamos em momentos diferentes da pandemia de Covid-19. O que acarretou num formato diferente de desenvolvimento do estágio docência. 

    Primeiras reflexões

    Antes de começar esse relato, é necessário que eu me apresente a vocês. Meu nome é Mélany Santos, sou professora de matemática das séries finais do Ensino Fundamental, da rede municipal de Pelotas/RS. Sempre tive o desejo de fazer uma licenciatura em Pedagogia, e iniciei em 2020.

    No curso EAD em Pedagogia segunda licenciatura, os estágios de regência eram de forma presencial nas escolas. Contudo, devido ao início da pandemia do coronavírus, os estágios tiveram que  ser modificados.

    No início de 2021, mais especificamente em março, tive que realizar os meus estágios de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. A forma encontrada pela Universidade foi desenvolver um plano de estágio que pudesse ser apresentado em forma de vídeo aos alunos e publicado no youtube. 

    Organização das aulas e atividades

    Criei então dois planos de aula, um para cada nível. Em seguida, gravei essas aulas, de no máximo 10 minutos. Que ficaram organizadas em: um momento de apresentação enquanto professora deles; vídeo para o momento da história; outro vídeo para que eles pudessem cantar uma música; depois tiveram que manipular massinha de modelar; posteriormente fariam desenhos e teriam que pintar.

    Por fim, a última atividade consistia em que eles gravassem um vídeo e me devolvessem,  respondendo algumas perguntas. Dentre elas, como estava sendo para eles o período de aula online, o que eles sentiam mais falta da escola e perguntas relacionadas a atividade. 

    Postamos essas duas aulas no youtube, já que não teríamos como aplicar em sala de aula, em função das escolas estarem fechadas. Quando postadas, encaminhei o link para que conhecidos pudessem ver e mostrassem aos seus filhos. 

    Em uma semana o vídeo “A Dona Aranha” teve 30 visualizações, e o vídeo “A Lenda do Saci-Pererê” teve 31 visualizações. Assim, realizei o relatório de dados de repercussão, apresentando o alcance que os vídeos tiveram. E por fim, os relatórios de estágios. 

    Estágio simulação

    Inicio esse subtítulo um tanto provocador, mas foi assim que me senti ao final dos estágios, estando em uma “simulação”. Desde o planejamento eu sabia que não teria nenhuma interação com os alunos, com o ambiente escolar. 

    Formular essas aulas foi uma experiência muito estranha, já estou acostumada a trabalhar em sala de aula, tendo o contato com os alunos, e receber esse retorno deles. Esses pontos são fundamentais para nos formar enquanto professores. 

    Tive que simular que estava falando com os alunos, e ficar imaginando nas respostas e nos questionamentos que eles iriam propor em aula. Além de ter que pensar em recursos que fossem atrativos e divertidos para ensinar.

    Contatos de corredor 

    Não ter este contato com os alunos, não experienciar isso em sala de aula, e não ver a reação de cada um deles é bastante difícil, pois todos esses momentos são fundamentais em um estágio. 

    Na aula (fictícia) pedi no final que os alunos gravassem um vídeo e me retornassem com as respostas das perguntas, contudo esse retorno não existiu, dado que ele não foi aplicado diretamente aos alunos. Em decorrência disso, vejo o quanto isso se torna prejudicial para a (re)elaboração dos planos de aula, e reflexão das atividades que deram certo ou não. 

    Neste modelo de estágio não pude vivenciar o contato com a realidade escolar, com os outros professores, nem promover discussões ou ideias para atividades em sala de aula. Essas são situações vivenciadas no estágio presencial, e que contribuem muito para o desenvolvimento e formação pessoal.

    Penso o quanto toda essa readaptação dos estágios foi prejudicial para nossa formação enquanto pedagogos, pois o que é o estágio sem o retorno e experiência dos alunos? Como refletimos as nossas práticas enquanto professores?

    Outras reflexões…

    Antes de iniciar o relato da minha experiência, preciso me apresentar. Me chamo Peterson e sou professor de Ciências da educação básica. Diferentemente do estágio da Mélany, o meu se deu por meio do ambiente escolar. Isto é, pude estagiar em uma turma de 1° ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do município de Pelotas/RS, neste ano, 2021. 

    Embora com essa possibilidade de atuação mais direta com alunos, professora regente e coordenadora pedagógica da escola, os trâmites que envolvem o processo de estágio foram extremamente comprometidos. Digo isso por alguns motivos que vou apontar a seguir.

    Destaco, ainda, que as aulas para os alunos, nesta escola em que realizei o estágio, se deram através do whatsapp. Em meio a isso, eu tinha de enviar em formato de imagem a aula do dia.

    Acessos ao material

    Nesta situação, a interação com os alunos passou a ser inexistente, tendo em vista que estava atuando numa turma de 1° ano, com alunos ainda não alfabetizados e, muitos, sem acesso a celular ou computador.

    Foi então por intermédio apenas da família que busquei estabelecer alguma relação com os alunos. O envio de vídeos poderia ser uma possibilidade de interação com eles. Entretanto, a coordenação da escola informou que o uso destes deveria ser evitado. Isso se justifica porque o pacote de internet de muitas famílias não comportaria acessar todas as aulas.

    Diante de uma situação como essa é impossível, ao menos para mim, não pensar no caos que estamos vivendo. Não pensar na falta de acesso a serviços que, em 2021, acredito que já teríamos de ter superado/avançado.

    Sei que aqui o texto vai por um caminho espinhoso, que pode nos desassossegar e provocar sentimentos e reações não tão boas. A frase “a pandemia de coronavírus escancara desigualdades brasileiras” para muitos de nós, pode ter se tornado repetitiva ou até mesmo naturalizada. Mas vivenciar esta falta de acesso, a incapacidade de desenvolver um trabalho minimamente razoável é extremamente desanimador e revoltante.

    Interrogações

    Em meio a tudo isso, outra questão que surge é o feedback dos alunos. Há, no grupo de whatsapp da turma, quase que diariamente uma chamada da professora titular com mensagens e animações/figuras que buscam estimular o envio das tarefas solicitadas nas aulas. O retorno é escasso. E o que fazer?

    Além disso, pensemos na própria elaboração dos planos de aula. Os professores que aqui nos leem sabem que nossos planos são sempre reajustados de acordo com as potencialidades e dificuldades da turma. Com baixo número de responsáveis que retornam as atividades dos alunos, o que podemos fazer para, ao menos, suprimir estes impactos?

    Por fim

    Para fechar, questiono, também, a formação de professores neste período. Que professores, o que de certa maneira também me inclui, serão formados diante de um estágio docência em que não há troca com os alunos? Que professores se constituirão sem ter a experiência de readaptar, (re)planejar, reinventar suas metodologias de ensino e atuação de acordo com os acontecimentos diários de sala de aula?

    O estágio de docência não pode ser tomado como a cereja do bolo, o momento que vai apenas coroar o estudante de licenciatura enquanto professor. Assim, o estágio é muito mais que um trabalho final, é aprendizado na prática, na vivência do espaço escolar, que perpassa desde a sala de aula com os alunos até a sala de café com a conversa com outros colegas professores.

    É no estágio que vemos entrar em operação aquelas teorias fortemente faladas na seara acadêmica, discutidas nos trabalhos e cobradas nas provas de graduação. Tomando a escola como local onde professores aprendem a ser professores, concluo, claro, repetindo esta indagação: que professores estão sendo formados?

    Para saber mais…

    Ester Maria de Figueiredo Souza & Lúcia Gracia Ferreira. Ensino remoto emergencial e o estágio supervisionado nos cursos de licenciatura no cenário da Pandemia COVID 19. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.14290.

    Mélany Silva dos Santos. A Dona Aranha. Disponível em: https://youtu.be/orvQy4T9fuE. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Mélany Silva dos Santos. A Lenda do Saci-Pererê. Disponível em: https://youtu.be/mpD27Z8Fkrw. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Os autores

    Olá! Meu nome é Mélany Santos. Sou licenciada em Matemática. Mestre em Educação Matemática. Doutoranda em Educação em Ciências. Graduanda no curso de Pedagogia; e professora de Matemática da Educação Básica.

    Olá! Meu nome é Peterson. Sou graduado em Ciências Biológicas licenciatura. Graduando no curso de Pedagogia. Doutor em Educação em Ciências e professor de Ciências da Educação Básica.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • As informações e a responsabilidade dos dados em nossas mãos: o caso das vacinas vencidas

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Beatriz Ramos, Erica Mariosa Carneiro, Flávia Ferrari, Marina Fontolan, Mellanie Fontes-Dutra

    A cada notificação viralizam informações e tudo acontece em uma velocidade maior do que conseguimos processar. São tempos delicados e, além da sobrecarga de trabalho que muitos de nós temos enfrentado, acompanhamos os calendários de vacinação, avisamos amigos, familiares e conhecidos. Organizamos documentos, textos, vídeos, postagens e – no meio de tudo isto – respondemos às notificações que pipocam em nossas redes sociais.

    A cada dia que se passa, em nossos coletivos de divulgação científica, temos debatido estas informações. Assim, antes de publicar qualquer coisa, buscamos alguma consulta – mesmo que seja mais um “calma lá, vamos pensar juntos” do que a precisão da informação ou conhecimento técnico em si. O tempo da informação que sobrecarrega nossos espaços é maior do que o tempo que temos para averiguar tudo. É sempre preciso parar, ponderar e analisar como aferir estas notícias que nos chegam. Isto para conseguir responder as perguntas que começam a aparecer direcionadas em nossas redes.

    Hoje foi um destes dias: logo no início da tarde começaram a chegar mensagens sobre vacinas vencidas sendo aplicadas. Começamos a debater sobre como isto seria possível (vencer vacinas em um cenário em que faltam doses nos pareceu assustador). Dessa forma, resolvemos que era uma boa hora para conversarmos sobre responsabilidade com os dados que recebemos e como agir frente às avalanches de mensagens.

    Vale a pressa da notícia?

        Entre a pressa por termos algo não apenas importante – mas que sobressalta nos tempos que estamos vivendo – e os impactos que isto pode gerar (previstos ou não), há um limbo em que residem as ponderações. Algumas das perguntas que sempre são boas de serem feitas:

    • Eu preciso publicar AGORA este material?
    • Têm como aferir mais uma vez estes dados?
    • Existe outro modo de eu chegar a esta informação, para uma segunda, terceira ou quarta conferência das fontes?
    • Vale a pena esperar ou isto requer uma urgência em que estas questões não devem nem ser cogitadas?

    Bom, supondo que nós conferimos tudo e realmente consideramos que é importante publicar a informação: como fazê-la? Click-baits, ou seja, manchetes criadas de forma sensacionalista, podem criar pânico, medo e confusão desnecessários numa população.

    Não estou entendendo onde vocês querem chegar…

    A notícia de pessoas sendo vacinadas com vacinas vencidas foi exatamente este caso: um dado publicado às pressas e com uma manchete estilo click-bait. O resultado? Uma parcela da população com acesso já restrito à vacinação e à informação de qualidade entra em pânico. Outra parcela que já tomou a vacina e não sabe acessar dados com precisão, mais pânico ainda.

    Assim, o cuidado com a forma como a notícia é escrita e veiculada é de grande relevância para que a população possa tomar decisões racionais com quais atitudes tomar. É claro que um jornal precisa chamar a atenção para suas matérias. É óbvio que se há desencontro entre as informações de registro de vacina e datas de validade, é fundamental que isto seja averiguado (e com urgência!). Mas qual o limiar entre a notícia e a geração de pânico? 

    Tendo em vista os comunicados publicados logo após a reportagem, há vários indícios de que pode, sim, ter havido desencontro de registros de vacinações e datas de vencimento – o que, sim, precisa ser averiguado e investigado. Mas definitivamente é passível de ser solucionado e conferido.

    Mas teve mesmo pânico?

    Só ontem, entre nossos grupos de divulgação científica, grupos de amigos/familiares/colegas e mensagens particulares nossas e das redes sociais, foram mais de 10 horas buscando informações e respondendo perguntas. Alguns colegas que trabalham tanto em bancos de dados, quanto em centros e postos de saúde também nos ajudaram a entender melhor o que podia estar acontecendo.

    Isso tudo para elaborar respostas que, simultaneamente, atendessem ao que estava sendo perguntado e acalmassem os ânimos antivacina ou de dúvida sobre como tudo vem acontecendo. Sim, reportagens como estas causam insegurança em todo o processo vacinal e não apenas na vacina aplicada individualmente. Vamos explicar como procedemos quando este tipo de notícia chega nestas nossas redes sociais (particulares ou dos coletivos).

    Um breve relato

    Um de nossos colegas que atua diretamente com estes procedimentos, inclusive, foi verificar os bancos de dados e conferir as doses de seu município. O que encontrou? Incongruências entre o dia de aplicação das vacinas e o registro dos dados. Ao entrar em contato com as pessoas vacinadas, solicitando as datas de vacinação percebeu-se que não a aplicação das vacinas aconteceram antes da data de validade vencer. A data de registro que foi ao sistema era a que aparecia no banco de dados – e não a data de aplicação da vacina. 

    Algumas destas vacinas foram aplicadas dias após chegarem ao nosso país, em fevereiro. Mas os registros no sistema aconteceram algumas semanas depois. Isto é, alguns postos repassam os dados de vacinação com atraso. Mas calma, coletam-se todos os dados no dia de vacinação, mas não necessariamente em planilhas já unificadas. É preciso que manualmente sejam inseridos no sistema final que alimenta o banco de dados do Ministério da Saúde. E é neste ponto que alguns erros acontecem.

    É importante averiguar isto? Sim! É preciso que melhoremos o sistema inteiro de registro de dados? Também. É nosso papel invalidar o trabalho de quem está lá na ponta atendendo mil demandas simultâneas e tentando fazer tudo da maneira mais ágil possível? Não, definitivamente não.  

    Nosso papel hoje ao longo do dia

    Após a publicação, sobre a aplicação de quase 26 mil doses de vacinas vencidas, muitos de nós, que trabalham com divulgação científica sobre COVID-19, começamos a receber a reportagem perguntando como proceder. Neste caso, antes de mais nada, nossa postura sempre foi de acalmar as pessoas, tentar entender o que estava sendo noticiado e buscar dar um passo a passo básico.

    Parece bobeira, mas as pessoas, antes de averiguar seus próprios dados, saem enviando as notícias e perguntando o que vai acontecer – como se 26 mil doses, em um universo de milhões de doses – fosse o maior fim do mundo desta história recente. Não, não é. Precisa ser averiguado SIM, mas há passos fundamentais para compreendermos melhor como proceder, sem se exasperar. Então fizemos o quê? 

    Além disso, sempre a informação que vai junto nestas ocasiões segue sendo:

    • É importante lembrar que a vacinação é um ato que não apenas ajuda a te proteger, mas ajuda a proteger outros à sua volta. Assim, além de tomar a vacina quando chegar a sua vez e voltar para tomar a segunda dose confira as informações do teu cartão, peça ajuda dos funcionários que estão te atendendo, se tiver dúvida: pergunta.
    • Não tenha receio de pedir as informações, seja respeitoso com quem está te atendendo nos postos de saúde e ajude sempre quem tem mais dificuldade de acessar informações sobre calendários, cronogramas e agendamentos de doses!

    Nosso posicionamento

    Respeitamos as pessoas que organizaram os dados e publicaram a reportagem, consideramos que sua postura ao longo deste ano no combate à pandemia, buscando informações técnicas e oficiais seja fundamental. Nosso posicionamento aqui não invalida, em nada, seu trabalho. Dessa maneira, nosso texto hoje, dentre tantos temas abordados, aponta que nosso posicionamento ao comunicar ciência inicia-se no levantamento de dados, aferição de conteúdo e organização das informações. Mas também se faz desde a escolha do título, até cada palavra escolhida para organizar nossas frases e parágrafos. Como apontamos anteriormente.

    Entretanto, ressaltamos que esta não é a primeira vez que esta discussão vem à tona, embora não tenha acontecido uma repercussão grande na primeira publicação de outro veículo de notícias. Apontamos que tudo o que mencionamos no texto hoje, sobre os cuidados e responsabilidades com a comunicação, valem para os dois casos.

    Inclusive, relembramos que em casos assim, existe uma responsabilidade em cascata de aferição de lotes, dados de sistema, registro no sistema e conferências de vacinas e datas de validades desde a base (quem está aplicando nos postos) até o Ministério da Saúde, passando por secretarias municipais e estaduais.

    Sobre os cuidados em cada etapa

    Devemos cuidar, também, sempre em quem recaem as culpabilizações nestes casos e como isto fragiliza, muitas vezes, os trabalhadores da saúde que estão na ponta atendendo à população, sobrecarregados e executando muitas tarefas simultâneas sem que, muitas vezes, tenham o suporte necessário para isto. E essa questão, ressaltamos enfaticamente, não costuma ser pauta. Mas precisa ser levada em consideração. Os tons acusatórios podem ajudar a termos cliques na reportagem, mas não ajudam a encaminhar soluções para as situações denunciadas. 

    Assim, dito isto, consideramos também é fundamental sempre olhar para os dados e se perguntar: existe outra explicação para isto que eu possa ter deixado passar? Este é um tema sensível e é fundamental termos esse cuidado.

    Sobre a Comunicação e a agressividade em rede

    Por fim, rechaçamos todo e qualquer ato de desrespeito às pessoas que escreveram a matéria e compreendemos que um veículo de comunicação não tem uma notícia produzida por uma ou duas pessoas apenas. Além disso, atos de cancelamento e falas agressivas e de ataques pessoais nunca fazem parte de um debate democrático e que busca compreender os dados científicos e acontecimentos cotidianos, especialmente quando envolvem COVID-19 e vacinação.

    *Atualização em 04/07/2021: Após a publicação deste texto a reportagem “Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles” abriu para leitura sem restrições.

    * Atualização em 07/07/2021: A Folha publicou o seguinte texto aberto: ” Folha errou ao não afirmar que dados sobre vacinas vencidas poderiam decorrer de falhas do sistema; texto foi alterado – Reportagem apontou problemas no processo de vacinação e registro de informações; quem recebeu AstraZeneca deve conferir lote e validade no cartão”

    Para saber mais

    CONASS, CONASEMS (2021) Nota Conjunta Conass e Conasems sobre a aplicação de doses vencidas da vacina Astrazeneca/Fiocruz

    GAMBA, E, RIGHETTI, S (2021) Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles Folha de São Paulo, 2 de julho de 2021

    MARQUESINI, L, VELEDA, R (2021) Dados da Saúde mostram aplicação de 1,2 mil doses vencidas da AstraZeneca em 23 estados Metrópoles 24 de abril de 2021

    PARANÁ (2021) NOTA – Estado do Paraná não recebeu e não distribuiu vacinas contra a Covid-19 fora do prazo de validade

    VIVA BEM, UOL (2021) Municípios negam ter aplicado vacina vencida e culpam sistema de dados

    G1 SÃO PAULO (2021) Prefeitura de São Paulo nega aplicação de vacinas com validade vencida G1 SÃO PAULO, 02 de julho de 2021

    As Autoras

    As autoras são pesquisadoras e divulgadoras científicas da rede Todos Pelas Vacinas e organizaram em conjunto este texto posicionando-se em seus nomes e pelo Todos Pelas Vacinas também.

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 junto com o movimento Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Reflexões sobre o Ensino Remoto: da escola à universidade!

    Vocês já pararam para pensar como nos formamos e de que modo nos inserimos dentro de determinados grupos sociais?

    Pois esta é uma das linhas que analisamos e pesquisamos: “como nos tornamos quem somos”. Dessa forma, em tempos de pandemia, este debate tem sido frequente no PEmCie. Assim como somos todos professores, também temos estudado sobre estas formações que tivemos – e temos ainda – a partir do ensino remoto.

    Resolvemos compartilhar com vocês um pouco destes nossos estudos e reflexões, a partir desta semana!

    Em nossas discussões semanais no grupo de pesquisa PEmCie, percebemos que estamos em constante formação desde que nascemos. A partir das leituras que fazemos, sabemos que mesmo algumas características pessoais, que parecem ser nossas desde a nascença, não são tão naturais assim. 

    Após nascermos, conforme vamos crescendo, passamos a conviver com pessoas diferentes de nossos núcleos familiares, de locais diversificados, em situações inesperadas, com outros modos de ver e pensar o mundo. Então, vamos nos constituindo enquanto sujeitos de uma época, de um local, de uma família conforme vamos crescendo e outros discursos vão nos interpelando.

    A pandemia e o tempo de docência

    Em especial, nesse Brasil de 2020 e 2021, o que mais tem mexido com nossas subjetividades de professores e pesquisadores – lembrem que somos múltiplas facetas – é este momento pandêmico. As pequenas atitudes ou as ações diárias que fazíamos se modificaram com: o trabalho remoto (ou a ausência dele), as dificuldades de grande parte da população em conseguir obter uma renda para se manter, com os preços de alimentos subindo, as restrições de saída para “arejar a cabeça” num barzinho, numa festa (ou numa reunião de amigos), o uso constante de máscaras e álcool gel; entre outros. 

    O nosso grupo, como vocês já sabem aqui pelos textos do blog, discute questões que envolvem educação, ciência, cultura e política e produz pesquisas em educação e, mais especificamente, educação em ciências. Mas não é só isso, nós Somos pesquisadores de diferentes graduações como Matemática, Pedagogia, Biologia. Além disso, somos todos professores ou quase lá. 

    Assim,  o que vamos falar nessa série de textos a partir de hoje é o que mudou com o ensino remoto.

    Já de início, destacamos que a série que passamos a produzir agora será feita de reflexões, pensamentos, questionamentos… Dessa forma, colocaremos aqui o que esse contexto pandêmico tem causado neste grupo de professores pesquisadores no sul do país.

    Logo que começou o ensino remoto, este tema frequentemente surgia em nossas reuniões de pesquisa. Larrosa sempre nos ensinou que aquilo que nos toca de alguma maneira, nos constitui e assim passamos a pensar em divulgar o que temos pensado sobre este assunto. E é isso que vais encontrar nas próximas postagens!

    Série Reflexões sobre o Ensino remoto: da escola à universidade! 

    Os dois primeiros textos desta série envolvem as nossas reflexões com o ensino e a pesquisa remotos na pós-graduação. Assim, Lavínia inicia essa discussão, apontando seu olhar como professora no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências (PPGEC). 

    Depois deste primeiro texto, Priscila, que entrou no mestrado ainda no modo presencial antes da pandemia em 2019, e traz para nossa discussão sua visão da Pós-Graduação antes da pandemia e do momento presente. E Roseana entrou na seleção de novembro de 2020, quando todas as etapas foram feitas de forma online e continuam assim até hoje. Por isso, ela trará para nós algumas reflexões sobre esse processo.

    A formação docente via EAD na graduação

    O quarto texto consiste na visão de dois alunos de graduação, bolsistas no grupo PemCie: o Pedro Leal, que participa do  grupo há dois anos e o Jonathan Cardoso que participa do grupo há um ano, ambos perto da conclusão do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Assim, nesses textos, os dois falam sobre a suas vivências durante uma formação em ensino remoto, articulando lados positivos e negativos de estar inseridos neste contexto.

    Seguindo a série, os autores Mélany Santos e Peterson Keeps cursam a segunda licenciatura em Pedagogia no modo EAD, contudo já ingressaram no curso durante o período de pandemia. No quinto texto, eles apontam suas vivências, e falam como tem sido essa adaptação com as atividades que seriam de modo presencial, como, por exemplo, os estágios,  no modo remoto. 

    A educação escolar e o Ensino Remoto

    Já no penúltimo texto da série, vamos trazer inquietações e vivências sobre a educação escolar no Ensino Fundamental. Assim, novamente, Mélany e Peterson escrevem, agora como professores que atuam na rede pública de ensino. E, a partir disso, relatam de forma mais específica certos acontecimentos do chamado ensino emergencial. Além disso, apontam críticas ao modo como a Secretaria de Educação Municipal conduziu o processo; apresentando as dificuldades encontradas neste período, bem como os desafios superados.

    Por fim, em continuidade à postagem sobre a educação básica, Tanise irá abordar algumas  experiências vividas por ela como professora recém formada que atuou no ensino híbrido em uma escola privada de Ensino Fundamental.

    Finalizando

    Em suma, com essa apresentação de todos textos e autores da série, convidamos a seguir atento às postagens e a trocar conosco ideias sobre o ensino remoto em tempos de pandemia!

    Por fim, organizamos uma tabela abaixo é para você não perder nenhuma postagem dos olhares sobre o ensino remoto em diferentes níveis educacionais, desde a Educação Básica até o Ensino Superior.

    Texto 1Reflexões sobre o ensino remoto na educação: da escola à Universidade!
    Texto 2 O que muda na pós-graduação com ensino remoto?
    Texto 3 O ensino e a pesquisa remotos no pós-graduação sob olhar das mestrandas
    Texto 4Aprendizagens e defasagens com o ensino remoto numa licenciatura
    Texto 5E a licenciatura em ead? mudou muito?
    Texto 6 Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público
    Texto 7Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19 II: realidades e vivências no ensino privado

    Para saber mais sobre a formação de como nos tornamos o que somos…

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

    Gostou deste texto? Pois vocês podem gostar também de:

    Disciplina e escola: que sujeitos queremos formar?

    Identidade, cultura e música em dias de sol

    Como pensamos? Os sistemas de pensamento na história

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Marina Fontolan

    Faz sentido restringir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Recentemente aprovado, o Projeto de Lei 1674/2021 trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). O que você sabe sobre isso?

    O referido PL acabou de ser aprovado no senado e agora será apreciado na Câmara dos Deputados. Ele criou o PSS, que seria um documento para pessoas que estão imunizadas contra a COVID-19 para que tenhamos políticas públicas de suspensão ou abrandamento de medidas restritivas. Tais condições são relativas às informações de vacinação e/ou imunização das pessoas em relação a doenças específicas.

     A premissa para esta lei é exercer um controle de possíveis epidemias e pandemias futuras – além da própria COVID-19 – mas mantendo a liberdade de ir e vir, dentro de parâmetros de segurança previamente estabelecidos.

    Dessa maneira, a lei parte do pressuposto que podemos adotar determinados critérios para diminuir ou suspender medidas que restrinjam nossos movimentos em situações de crise sanitária.

    A pergunta que talvez seja importante se fazer para esta lei é: faz sentido dividir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Há diferentes questões que envolvem este debate. Vamos destrinchar alguns deles aqui

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! Não compreendemos a vacinação, mesmo sendo obrigatória, como uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. Assim, a vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos punitivos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos públicos ou serviços públicos específicos, por meio de lei.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar – mas aquelas que consideram-se obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Por exemplo, direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Exato, os testes de detecção feitos isoladamente, sem continuidade – especialmente em doenças em que a reinfecção pode ocorrer – são sempre um retrato do passado (que se relacionam à janela imunológica). Por isso, se estamos circulando, em um país com a nossa taxa de transmissão como está, os testes são fundamentais – mas eles são certificações temporárias, com validade de curtíssimo prazo. Em todo o caso, “teste negativo” sempre tem validade relacionada à janela imunológica – que é o tempo em que nós nos infectamos até o tempo do teste conseguir detectar os vírus. No caso da COVID-19, nossa janela é de no mínimo 5 dias. Assim, o resultado obtido hoje diz respeito ao tempo transcorrido entre a coleta, somados 5 dias de uma possível infecção.

    Mas o Projeto de Lei ainda abrange outras questões delicadas

    Este PL não se trata apenas da COVID-19, especificamente. É um projeto que se propõe a pensar futuramente a gestão de crises sanitárias, com outras epidemias e/ou pandemias.

    Na Justificação (páginas 8-12), há alguns pontos preocupantes para firmar a possibilidade de suspendermos medidas restritivas, como dado científico.

    Trecho da Justificação do Projeto de Lei

    Inicialmente, é exatamente por termos poucas pessoas imunizadas com a vacina que, ainda, as pessoas não estão em plena condição de retomarem suas “atividades normais”. Novamente, a vacinação é um processo de massa – não individual.

    Além disso, pensar que temos poucas pessoas infectadas é um grande risco. Primeiro, temos os casos das pessoas assintomáticas, que estão infectadas, transmitem o vírus (que pode matar outras pessoas) e não são testadas.

    Em segundo lugar, o Brasil não está fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Especialmente se levarmos em consideração o andamento da pandemia no Brasil e a quantidade de mortes ainda crescente (e a transmissão, literalmente, correndo solta).

    Isso faz com que não tenhamos a dimensão real de quantas pessoas já se infectaram e aquelas que estão infectadas. Por fim, o argumento de ‘imunidade de rebanho’ criado por meio das pessoas infectadas naturalmente não existe. A cidade de Manaus foi um exemplo disso! A maior parte da população foi infectada e isso não gerou imunidade. A vacinação é um ato coletivo e precisamos que ela seja feita o mais rápido possível.

    Mas já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Por fim, na justificação, a ideia de que “muita gente não está infectada e portanto pode circular” em uma doença que ao infectar uma pessoa, pode passar despercebida em formas brandas ou até assintomáticas, transmitindo sem que percebamos, é um risco que temos debatido desde o início da pandemia. O controle tem que ser via diminuição de contatos, enquanto não tivermos uma cobertura vacinal adequada em nossa população!

    Nosso posicionamento segue termos políticas públicas efetivas, rápidas e seguras para estancarmos a transmissão da doença: vacinação em massa, uso de máscaras, distanciamento social (isolamento social quando possível) e auxílio para populações vulneráveis.

    Não existe mágica para vencermos o vírus, não existe passaporte de segurança, fora medidas não farmacológicas aplicadas à risca, com vacinação em massa.

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt, Bióloga, Doutora em Educação, Professora de Biologia do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Marina Fontolan, Historiadore, Doutorande no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, divulga ciência no Grupo Infovid e no Todos Pelas Vacinas

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 e para o Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Microfluídica: a pequena e bela tecnologia escondida ao nosso redor

    Quando você pensa em micro ou nanotecnologia, provavelmente pensa em pequenos componentes eletrônicos como o seu telefone, um pequeno robô ou um microchip.

    Mas os testes COVID-19 – que provaram ser fundamentais para controlar a pandemia – também são uma forma de tecnologia miniaturizada. Muitos testes de COVID-19 podem dar resultados em horas sem a necessidade de enviar uma amostra a um laboratório, e a maioria desses testes usa a tecnologia Microfluídica, como você pode ver aqui.

    Diversos produtos já no mercado, desde testes de gravidez a tiras medidores de glicose, impressoras a jato de tinta e testes genéticos, depende da microfluídica.

    Essa tecnologia, sem o conhecimento de muitas pessoas, está em toda parte e é crítica para muitas das coisas que fazem o mundo moderno girar.

    Revisando o conceito de Microfluídica?

    Os sistemas microfluídicos são qualquer dispositivo que processe quantidades reduzidas de líquidos. Os fluidos viajam através de canais mais finos do que um fio de cabelo, e válvulas minúsculas podem ligar e desligar o fluxo. Esses canais são feitos de materiais como vidro, polímeros, papel ou géis.

    Uma maneira de mover os fluidos é com uma bomba mecânica; outra maneira é usar as cargas superficiais de certos materiais; e ainda outra é usar a chamada ação capilar – mais comumente conhecida como absorção.

    A absorção é o processo pelo qual a energia armazenada dentro do líquido o impulsiona através de espaços estreitos.

    Chip Microfluidico – Crédito: Spanky Speed

    Em pequenas escalas, os fluidos se comportam de maneiras não intuitivas.

    Não imagine o fluxo turbulento e caótico saindo de uma mangueira de jardim ou de seu chuveiro. Em vez disso, nos volumes reduzidos de um microcanal, os fluxos são extremamente estáveis. Os fluidos descem pelo canal em fluxos paralelos organizados – chamados de fluxo laminar.

    O fluxo laminar é uma das grandes maravilhas dos sistemas microfluídicos. Os fluidos e partículas no fluxo laminar seguem caminhos que são matematicamente previsíveis – uma necessidade para engenharia de precisão e design de dispositivos médicos.

    Natureza, o grande exemplo de uso da Microfluídica

    Esses processos – inspiradores para pesquisadores – existem na natureza há eras. As plantas transportam nutrientes de suas raízes até os ramos mais altos usando a capilaridade, a inspiração para circuitos microfluídicos que são alimentados de forma autônoma.

    Sistema capilar. Fonte: Wikimedia Commons

    Imitando as propriedades físicas das gotas de chuva, os químicos desenvolveram dispositivos que quebram uma amostra em milhões de gotas e as analisam em velocidades vertiginosas.

    Cada gota é essencialmente um minúsculo laboratório químico que permite aos químicos estudar a evolução das biomoléculas e realizar análises genéticas ultrarrápidas, entre outras coisas.

    E, finalmente, todos os cantos do corpo humano são microfluídicos. Não poderíamos nascer ou funcionar sem intrincados capilares sanguíneos que levam alimentos, oxigênio e moléculas de sinalização para todas as células.

    Os benefícios da tecnologia Microfluídica

    Assim como a microeletrônica, o tamanho é fundamental na microfluídica.

    À medida que os componentes ficam menores, os dispositivos podem contar com as propriedades estranhas de líquidos em escalas micrométrica, e operar com mais rapidez e eficiência e são mais baratos de fabricar. A revolução da microfluídica foi silenciosamente pegando carona em sua contraparte eletrônica.

    Outro grande benefício dos dispositivos microfluídicos é que eles requerem apenas pequenas quantidades de líquido e, portanto, podem ter um tamanho minúsculo. A NASA vem considerando analisadores microfluídicos para seus rovers de Marte há muito tempo.

    A análise de fluidos preciosos – como sangue humano – também se beneficia da capacidade de usar pequenas quantidades de amostras. Por exemplo, medidores de glicose são instrumentos microfluídicos que requerem apenas uma gota de sangue para medir o açúcar no sangue de um diabético.

    Microfluídica em tecnologia, biologia e medicina

    Provavelmente, você usa microfluídica com bastante frequência em sua vida. Por exemplo:

    • As impressoras a jato de tinta emitem pequenas gotas de tinta.
    • As impressoras 3D espremem o polímero fundido através de um bico microfluídico.
    • A tinta em canetas-tinteiro e canetas esferográficas flui através de princípios microfluídicos.
    • Nebulizadores para pacientes asmáticos borrifam uma névoa de gotículas microscópicas de drogas.
    • Um teste de gravidez depende do fluxo de urina dentro de uma tira de papel microfluídica.

    Na pesquisa científica, a microfluídica pode direcionar drogas, nutrientes ou qualquer fluido para partes muito específicas dos organismos para simular com mais precisão os processos biológicos.

    Por exemplo, pesquisadores prenderam vermes em canais e os estimularam com odores para aprender sobre os circuitos neurais. Outra equipe direcionou nutrientes para áreas específicas da raiz de uma planta para observar diferentes reações aos produtos químicos de crescimento.

    Outros grupos criaram armadilhas microfluídicas que capturam fisicamente células tumorais raras do sangue. Sistemas de chips genéticos microfluídicos fornecem o poder de sequenciar rapidamente o genoma humano e tornar realidade os testes de DNA personalizados, como a 23andMe.

    Nada disso teria sido possível sem a Microfluídica.

    Microrreator de 3 entradas.

    O futuro da Microfluídica

    A microfluídica será crítica para conduzir a medicina a uma nova era de ritmo acelerado e acessível. Dispositivos vestíveis que medem as substâncias no suor para monitoramento de exercícios e dispositivos implantáveis ​​que administram medicamentos contra o câncer localmente ao tumor de um paciente são algumas das próximas fronteiras da microfluídica biomédica.

    Os pesquisadores estão desenvolvendo sistemas microfluídicos complexos e fascinantes, chamados de órgãos-em-chip, que têm como objetivo simular vários aspectos da fisiologia humana.

    Se você quer saber mais sobre órgãos-em-chip acesse o nosso artigo que explica um pouco mais do assunto aqui

    Diversos laboratórios em todo o mundo estão desenvolvendo plataformas tumor-on-a-chip para testar medicamentos contra o câncer com mais eficiência.

    Esses “avatares” de pacientes permitirão aos cientistas testar novos tratamentos de uma forma que não acarrete custos, sofrimento e questões éticas associadas aos testes em animais ou humanos.

    Imagine ir ao médico, extrair uma biópsia e, em menos de uma semana, usando um dispositivo microfluídico, o médico pode descobrir qual coquetel de drogas funciona melhor para remover o tumor.

    Isso ainda está no futuro, mas o que sabemos é que o futuro será microfluídico.

    Por Albert Folch, via The Conversation 

    Este texto foi escrito originalmente no blog Microfluídica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Comunicação comandada e a exaustão de quem debate

    Ana de Medeiros Arnt e Erica Mariosa Moreira Carneiro | Imagens por Carolina Frandsen

    O presidente da república nos deu uma aula sobre como a comunicação, ao longo de toda a sua gestão, vem sendo absolutamente eficiente e tem pautado uma corrida desesperada de cientistas, jornalistas e divulgadores da ciência em redes sociais e veículos de comunicação.

    Se por um lado, há quem ainda considere pesado usar o termo “genocida” associada à figura do presidente. Por outro lado, no entanto, se ainda há alguma dúvida, fica cada vez mais difícil passar desapercebido, a falta de medidas efetivas para nos defender da pandemia e poupar vidas da população.

    Entretanto, nossa questão hoje foi: é preciso nos atentarmos, quando em eventos como os de ontem, de que não estamos lidando com falas aleatórias do senhor que ocupa o posto máximo de comando do nosso país. Não são metáforas que precisam ser traduzidas e explicadas posteriormente por outros cargos do executivo em entrevistas. As falas de ontem foram, literalmente, para que as pessoas da população adotem comportamentos específicos.

    Assim, ter acesso aos conhecimentos científicos, ter condições de um amparo técnico qualificado, ter nas mãos a maquinaria que possibilita tomar decisões para poupar vidas, e não fazê-lo é, sim, um ato que se aproxima do conceito que temos de genocídio intencional e responsabilizável por não evitar mortes. Ou seja, é ter condições técnicas, científicas e econômicas para tomar decisões que evitam mortes e seguir em uma linha diretiva diametralmente oposta.

    Muitos tem falado sobre o conceito de necropolítica na condução do governo. Mas hoje, só hoje, não é sobre isto que vamos abordar aqui. Nós queríamos trazer ao debate o quanto a cada verso proferido, não existe incompetência e rompantes de ideias que passam pela cabeça “na hora”, como um furor do momento.

    “Olha a matéria para a imprensa amanhã, vou dar matéria para vocês aqui” *

    *Fala proferida pelo atual presidente da república em evento oficial do governo federal na tarde de quinta-feira (10/06/2021) em Brasília-DF

    Há uma declaração que indica intencionalidade, objetivo e pleno domínio dos acontecimentos que se sucederão a seguir. E nós? Nós choramos, corremos para nos posicionar indignados nas redes sociais, vamos à exaustão e, eventualmente, desistimos.

    Todos os dias desde o início da pandemia temos sucumbido e nos erguido novamente. Tudo isso para no dia seguinte continuar falando de ciência, dos cuidados básicos, lendo artigos, debatendo melhores saídas para minimizar contágios, circulação do vírus, conscientização de pequenos hábitos que podem salvar vidas.

    Enquanto isso, em lives ou coletivas de imprensa, o presidente tem pautado a imprensa, tem pautado a divulgação científica. E temos caído, sistematicamente, em sua linha de ação e direcionamento de falas.

    Ah, mas a divulgação científica cresceu muito neste tempo sabe?

    Embora tenhamos crescido em quantidade seguidores, nos debates propostos, como comunidade. Mesmo que tenhamos SIM ganhado espaço na grande mídia, por exemplo, é absolutamente insuficiente para nos estabelecermos como discurso.

    Quando eu falo em discurso é por, exatamente, não sermos a ordem do dia. Isto é, não é nossa a pauta e, muito menos, a narrativa. Mas o que pode uma fala? O que podem estas palavras pronunciadas, dentro de um enunciado, do presidente? Discurso é mais do que um conjunto de palavras proferidas. Discursos são falas que definem modos de pensar e (mais do que pensamento) modos de agir socialmente.

    Os discursos são mais do que palavras, exatamente, por gerarem ações. Neste caso específico, as ações são tanto do descaso com medidas protetivas, quanto de todos nós que temos atuado na comunicação científica correndo atrás da narrativa, buscando minimizar impactos. Será que temos conseguido?

    Um dia desses comentamos sobre um canal que tinha mais de 400 mil seguidores no Youtube. Tratava-se de vídeos com mais de 1 milhão de visualizações. Os vídeos são longos, repletos de jargões, cheios de “cientificamente comprovados” ao longo da fala. Também nos chamou a atenção, claro, que seguiam na linha da presidência e do negacionismo científico. Ou seja, a questão aqui é que os vídeos eram também cheios de esperança em medicamentos que trariam a resposta rápida, indolor e muito, muito simplesmente.

    Então temos que rebater AGORA!

    E temos reiterado que não é possível termos respostas rápidas quando trabalhamos com conhecimento. Conhecimento verificável precisa de etapas ao longo da produção. Conferências entre pares, diálogo, debate, questionamento. Este tem sido um dos pontos que temos debatido, aqui no Especial Covid-19, sobre não fazer “pautas quentes”. Isto é, não sair correndo publicando a cada acontecimento estrondoroso (para o bem ou para o mal). Exatamente para conseguirmos agir com a cautela e o rigor que o conhecimento científico e a comunicação científica precisam.

    E nem estamos nos vangloriando – há dias que sucumbimos (e sucumbimos muito!). Nos deixamos levar pelo embalo do momento. Mas, é preciso este tempo (e discutimos isso há meses atrás) exatamente para cair cada vez menos. E o trabalho coletivo tem ajudado nisso, certamente.

    Não é novidade o que diremos aqui

    Tem sido MUITO difícil para todos nós e, cada vez, vemos um (ou vários) caindo, tristes e exauridos. Enquanto isso, vemos aberturas nos municípios e estados, falta de condições da população, e pessoas que SIM acreditam no governo – acreditam mesmo, tem fé na presidência…

    Ontem, algumas horas antes da coletiva do presidente, nós e alguns colegas negamos entrevistas a uma rede de notícias, que tem articuladores absolutamente alinhados à presidência. Temos tido uma imprensa omissa nos posicionamentos e críticas – no sentido real. E é um embate bem duro: dar entrevista e, talvez, furar bolhas, alçar voos maiores, ou ponderar e tentar produzir e dialogar de outras formas, como temos nos proposto? Decidimos, ontem, não falar.

    Mais sobre isso: Divulgação na Pandemia

    Sobre os posicionamentos em geral da mídia e da comunicação, temos pontuado entre nós e hoje faremos algo que não fazemos muito por aqui. Todavia, tendo em vista a situação deste momento exato, resolvemos escrever…

    Não adianta falar mal do presidente e fazer vista grossa para as políticas econômicas de Paulo Guedes (que reforçam as falas do presidente e dão força ao discurso e medidas diárias). Não basta falar mal da condução do governo na pandemia e apontar que temos escolhas difíceis pela frente. Assim, de nada importa proferirmos tempos de “despiora” do governo, sem apontar com força e ênfase as lutas das ruas, das favelas, das periferias, da população na miséria, ignorando que as trajetórias da rua são maiores do que as faltas de pauta deste ou daquele lado. Por fim, não adianta falar mal do presidente e romantizar população comprando ovo e mudando sua dieta, quando na verdade não há condições de consumir carne.

    Também não é de bom tom romantizar professor fazendo busca ativa de alunos, quando na verdade o ensino foi abandonado e os ideários de retorno não fazem sentido por seus protocolos e falta de cuidado com crianças, adolescentes, docentes e todos os funcionários do ensino.

    e mais…

    Acusar pessoas de conseguir atestado falso, sem qualquer investigação, em tom condenatório e vago, sendo fiscal de PNI também é uma cobertura triste de nossa miséria humana, pois a questão é que não compramos vacinas suficientes em tempo hábil para salvar a todos – e todos nós deveríamos estar vacinados. Assim, não deveríamos estar com “inveja” por um ou outro ter sua vez garantida antes de nós. Bem como deveríamos ter garantido um PNI bem coordenado, cientificamente embasado e bem implementado, com diretrizes claras e objetivas.

    Não adianta descrever o quanto as instâncias federais tem feito conduções que nos levam à morte em massa, mas fazer vista grossa para os governantes dos estados e municípios – que também tem ações bem fortes no descaso com a população, pedindo seu sacrifício vital, alinhando-se com a exposição em massa, em teores de abandono e genocídio.

    Em suma, temos, sistematicamente, caído nas armadilhas.

    Vamos caindo aqui nos discursos e sucumbindo às pautas apressadas. Sim, nós estamos muito tristes. Todos os dias é um “81 x 1” na nossa vida e de milhões de brasileiros.

    Nós perdemos pessoas que poderiam ter sido vacinadas antes de contraírem a doença. Que deveriam ter sido vacinadas antes de contraírem a doença. Perdemos amigos, professores, companheiros, parentes. Vemos o luto e sofrimento diário de pessoas próximas adoecendo, na compreensão de que se precisassem, não encontrariam vagas no hospital para resguardar sua vida.

    Conhecemos profissionais exauridos pelo dia a dia. Acompanhamos pessoas que, mesmo vacinadas, seguem com receio e têm seguido as recomendações de uso de máscara, isolamento social quando possível e distanciamento social sempre. Dessa maneira, temos medo, sim, dos pequenos descuidos diários que podem nos levar à contaminação.

    Há dias de raiva raiva, ódio, choros engasgados na garganta que não tem nem nome mais, só pesar. E não conseguem sair, com medo da ressaca do pranto.

    Todavia, nós realmente tínhamos que aprender as dinâmicas e conseguir não cair nas armadilhas cotidianas. “Olha a matéria para amanhã”, na avidez de nossa gana, pranto, desespero, saiu hoje. Na imediatez fugaz de nosso caos, zapearam em segundos.

    No pesar dos nossos dias, não existe amanhã. Tem que ser dito agora, instantaneamente.

    Quem não aguenta mais, não aguenta por estar vivo. E quem está vivo e lutando, segue em uma relação aversiva entre a empatia e o ódio. Não podemos desistir, mas não deveríamos mais cair nas armadilhas.

    E, sim, temos voz. Mas ela ainda é pouca (e não por falta de grito).

    Com isso, encerramos, com nosso desejo de que hoje: fiquem bem, queridos. Só mais hoje. Nós estamos fazendo tudo o que nos está ao alcance, de verdade.

    Fiquem vivos, mais um dia. Respirem fundo, pois o ar (ainda) nos está permitido, a quem está permitido.

    Amanhã teremos mais gritos presos com nós (em rede).

    #redescontracovid

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    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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