Tag: dexametasona

  • 1 Ano sem encontrar o tratamento de COVID-19

    Um ano atrás a OMS declarou que a COVID-19 passou ao status de pandemia. Desde então, cientistas ao redor do mundo estão em busca de um tratamento específico para essa doença, sem muito sucesso até o momento. 

    No começo, a principal estratégia de busca utilizada foi o reposicionamento de fármacos. Assim, essa alternativa utiliza remédios já aprovados para uso em certas doenças, e tenta tratar novas doenças com o mesmo remédio. Por serem remédios conhecidos, já existem diversos estudos de como agem no corpo, e quais doses são seguras de serem tomadas. Dessa forma, eles necessitam de menos investimento de tempo e dinheiro para as pesquisas com as novas doenças, como a COVID-19. Contudo, a “pressa” para encontrar uma resposta contra a pandemia provocou a disseminação de algumas informações equivocadas que acabaram sendo adotadas como verdade absoluta por parte da população. 

    Testes in vitro

    Boa parte dos experimentos iniciais realizados com esses remédios foram feitos em um sistema in vitro. Ou seja, isso significa que os cientistas cultivaram células em pequenas placas, e fizeram os testes. Em situações normais, depois que os testes in vitro são feitos, os remédios acabam em uma etapa de testes em animais. Esses testes se fazem necessários. Pois, diferente de um sistema in vivo, ou seja, em um animal, os experimentos em culturas de células são muito controlados e não representam toda a complexidade que um corpo possui. Assim, muitas coisas podem apresentar resultados promissores nos testes com células, mas falham quando testados para os animais.

    No contexto da Pandemia, esses remédios de testes de reposicionamento podem pular a etapa de segurança e acabam nos estudos clínicos com humanos. Afinal já conhecia-se a relação de segurança do remédio. Só não sabíamos se ele funcionava para COVID-19. Dois grandes estudos clínicos foram realizados, o SOLIDARITY, organizado pela OMS e o RECOVERY, organizado pela Universidade de Oxford. Entretanto, foram nesses estudos clínicos, realizados com milhares de pessoas, que os resultados mostraram que a maioria dos remédios falharam. 

    Um pouco de calma, antes de sair tomando remédio nunca fez mal a ninguém…

    Mas por que não podemos tomar esses remédios, ao passo que eles constam na bula como seguros, mesmo sem um efeito comprovado? Primeiro que ser seguro, não quer dizer “de qualquer jeito” e “tomando enquanto eu estiver com vontade ou a pandemia durar” (o que acabar primeiro).

    Segundo, que mesmo aqueles aprovados e vendidos em farmácias possuem uma dose e um tempo certo de administração. Por exemplo, você já reparou que todo remédio possui uma bula que relata efeitos adversos que podem ser simples, ou até mesmo muito graves? 

    Já existem relatos de pessoas que tiveram problemas de saúde decorrente do uso profilático de remédios sem prescrição médica, como por exemplo ivermectina e cloroquina. Em uma entrevista dada ao Jornal “O Globo”, o médico hepatologista Paulo Bittencourt informou que 27% das hepatites agudas graves ou fulminantes são de origem de medicamentos. 

    Além disso, outros problemas podem surgir, como por exemplo a falta desses remédios para quem realmente precisa tomar. Assim, cria-se uma falsa sensação de segurança, e as pessoas param de adotar medidas que realmente funcionam para o enfrentamento da pandemia, como uso de máscaras e distanciamento social. E também, investir em um remédio que não funciona significa que o dinheiro disponível para o combate a pandemia está sendo mal gasto

    Abaixo, preparamos uma lista com as principais tentativas de tratamento utilizadas durante esse primeiro ano de pandemia. 

    Hidroxicloroquina e Cloroquina

    A dupla de remédios mais comentada em 2020, e também uma das mais pesquisadas. São remédios desenvolvidos para o tratamento de malária e algumas doenças inflamatórias, como artrite reumatóide e lupus. Tudo começou com um estudo in vitro na China e um estudo clínico na França, que indicavam que o remédio reduzia a carga viral e também sintomas graves em pacientes com COVID-19. Esses estudos deram esperança para que outras pessoas pesquisassem mais.

    Todavia, o problema é que em outras células, o vírus realiza a infecção e a entrada por um sistema diferente daquele que foi observado na China. No corpo humano, o vírus pode usar ambas as formas de infecção e entrada nas células, e por isso esses remédios não funcionam!
    Atualmente, esses remédios são contra indicados pela Organização Mundial da Saúde.

    Ivermectina

    Esta segue polêmica! A ivermectina é remédio aprovado para uso no tratamento de parasitas em humanos, e dependendo da dose ela é dada até para pets. A história da ivermectina e a COVID-19 começou com um estudo realizado na Austrália em meados de abril de 2020, que demonstrou que a ivermectina tinha ação em culturas de células. Depois, esse estudo foi refutado por outros, já que as doses necessárias eram mais altas que a faixa de segurança do remédio para o tratamento no corpo humano. 

    Remdesivir

    Remédio criado para o tratamento de Ebola e de Hepatite C. Ele é um antiviral que age no processo de produção de novos vírus, se ligando a molécula de RNA que está sendo produzida nas células infectadas. Em outubro de 2020 a FDA (organização americana de administração de remédios e comidas) aprovou seu uso emergencial em adultos e crianças com mais de 12 anos que estão internadas com COVID-19. Os resultados de estudos clínicos mostram que ele pode reduzir o tempo de internação dessas pessoas. 

    Mas esse não é aquele que a Anvisa liberou ontem mesmo? Sim, No dia 12 de março de 2021 a ANVISA aprovou o uso de Remdesivir em pacientes hospitalizados acima de 12 anos com necessidade de oxigênio. Logo mais teremos atualização sobre este tópico.

    Lopinavir e Ritonavir

    Essa dupla de remédios foi aprovada como tratamento para HIV, e algumas pesquisas mostraram que eles também poderiam agir atrapalhando a multiplicação do coronavírus dentro de células. No entanto, os estudos clínicos foram desanimadores e a OMS suspendeu novos estudos com esses remédios em Julho de 2020. Todavia, ainda está sendo pesquisado se a combinação desses remédios com outros, algo como um coquetel, podem ajudar a reduzir a gravidade da doença. Mas, o NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA) não recomenda o uso desses medicamentos. 

    Azitromicina

    Azitromicina é um antibiótico utilizado para tratar doenças causadas por bactérias. Por possuir uma ação anti inflamatória, ele passou a ser considerado como um candidato para estudos clínicos que observavam se como esse remédio poderia reduzir os sintomas dos pacientes. Contudo, em dezembro de 2020 comprovou-se que pacientes que usaram esse remédio não tiveram nenhuma melhora significativa em relação a pacientes que não tomaram esse remédio. Além disso, vale lembrar que o uso descontrolado de antibióticos pode ocasionar o surgimento de bactérias super resistentes a tratamentos, e ninguém quer sair de uma pandemia de vírus e entrar numa era de superbactérias, não é mesmo? 

    Dexametasona

    Umas das principais formas de minimizar o quadro de gravidade de um paciente é através da minimização dos sintomas. Assim, os corticosteróides estão sendo utilizados como remédios para reduzir a resposta do sistema imune ao vírus, que chamamos de “tempestade de citocinas”. As citocinas são pequenas moléculas do nosso próprio corpo, e que aumentam a resposta do sistema imune. Todavia, quando temos uma quantidade muito grande dessas moléculas, como uma tempestade, elas podem acionar uma resposta tão grande do nosso sistema imune que resultam na danificação de diversos órgãos, dentre eles o pulmão.

    A dexametasona é um desses remédios capazes de reduzir a inflamação e a resposta do sistema imune, além de ser um remédio barato. No entanto, sempre importante ressaltar que o NIH recomenda o uso de dexametasona em pacientes hospitalizados. Essa recomendação se dá a partir dos resultados obtidos no estudo RECOVERY, em que 6 mil pacientes hospitalizados foram divididos no grupo tratado com procedimentos “padrão” ou com dexametasona, e aqueles que receberam dexametasona tiveram uma melhora maior do que a do grupo “padrão”. 

    Interferon

    Os interferons são proteínas que nosso sistema imune produz naturalmente. Ao encontrar um vírus, o corpo produz Interferons do tipo beta. Além da produção natural, também existem tratamentos em que os médicos receitam a administração dessas proteínas aos pacientes. O tratamento com essas moléculas procura estimular uma resposta do sistema imune, ativando as células para que elas combatam a infecção, e dessa forma reduzam as chances de agravamento da doença.

    Colchicina

    Remédio utilizado no tratamento de gota, e testado por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e por pesquisadores da Inglaterra. Ela demonstrou resultados promissores em reduzir a quantidade de pessoas que precisam ir para hospitais, mas ainda não se sabe como ela ajuda no tempo, no controle da gravidade da doença e na redução de sintomas. 

    Os pesquisadores da USP acreditam que ela ajuda principalmente a reduzir a inflamação do pulmão, e que isso está relacionado com a redução no tempo de sintomas de pacientes com as formas moderada e grave da doença. Na Inglaterra, um novo estudo clínico será feito com pacientes no início da infecção por COVID-19. 

    Terapia com soro e plasma convalescente

    O sangue de pacientes que já tiveram COVID-19 está repleto de anticorpos que o sistema imune dessa pessoa produziu como resposta à doença. O soro é a parte do sangue em que ficam esses anticorpos, e é possível coletar essa parte e dar para pacientes que ainda estão em tratamento. Isso acontece também quando alguém precisa tomar um soro para a picada de uma cobra, por exemplo. 

    Um estudo, publicado em Janeiro de 2021, mostra que pacientes que receberam o soro em até 3 dias depois de começar a sentir os sintomas tiveram uma chance 48% menor de desenvolver um quadro severo de COVID, quando comparado com pacientes que não receberam soro. 

    Dessa forma, o FDA autorizou de forma emergencial o uso de soro de pacientes para tratamento de COVID-19 em Agosto de 2020. Aqui no Brasil, o Instituto Butantan já pediu a autorização da ANVISA para começar a disponibilizar soro e plasma para o tratamento da COVID-19 no país.

    Por fim, e o desenvolvimento de novos remédios?

    E porque não começar a falar sobre o desenvolvimento de novos remédios, que sejam específicos para a COVID-19? Graças à ciência de base, que estudou os mecanismos de infecção e a biologia do vírus, agora podemos desenvolver remédios que funcionem efetivamente contra a COVID-19. Em suma, nos resta esperar os resultados de várias pesquisas que ainda estão sendo desenvolvidas! 

    Para saber mais:

    Notícias sobre tratamentos e reposicionamento: 

    Estudo sugere que pessoas em “tratamento precoce” tiveram taxas mais altas de infecção por covid-19 em Manaus

    SARS-CoV-2 Seroprevalence and Associated Factors in Manaus, Brazil: Baseline Results from the DETECTCoV-19 Cohort Study – Abstract

    46 entidades médicas brasileiras emitem manifesto e reforçam uso de máscara

    OMS: Hidroxicloroquina não funciona contra Covid-19 e pode causar efeito adverso

    Médicos alertam sobre uso de ivermectina contra Covid-19, após suspeita de paciente com hepatite aguda

    Harvard Health: Treatments for COVID-19

    Coronavirus cure: What progress are we making on treatments?

    Coronavirus Drug and Treatment Tracker

    Ensaio Clínico Mundial da OMS

    Repurposed antiviral drugs for COVID-19 –interim WHO SOLIDARITY trial results

    Hidroxicloroquina e Cloroquina

    Chloroquine or Hydroxychloroquine | COVID-19 Treatment Guidelines

    4 July 2020 News release WHO discontinues hydroxychloroquine and lopinavir/ritonavir treatment arms for COVID-19

    Notícia: Jamil Chade – OMS: cloroquina não funciona e orçamento investido deve ser redirecionado

    Chloroquine does not inhibit infection of human lung cells with SARS-CoV-2

    Antiviral Therapy | COVID-19 Treatment Guidelines

    Ivermectina 

    The FDA-approved drug ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro

    Remdesivir

    Mechanism of SARS-CoV-2 polymerase stalling by remdesivir

    Remdesivir for the Treatment of Covid-19 — Final Report | NEJM

    Anvisa aprova uso de remdesivir contra covid-19 e diz que remédio reduz tempo de hospitalização

    Lopinavir e Ritonavir

    Lopinavir/Ritonavir and Other HIV Protease Inhibitors | COVID-19 Treatment Guidelines

    Azitromicina

    Azithromycin in Hospitalised Patients with COVID-19 (RECOVERY): a randomised, controlled, open-label, platform trial

    RECOVERY trial finds no benefit from azithromycin in patients hospitalised with COVID-19 — RECOVERY Trial

    Dexametasona

    Potential health and economic impacts of dexamethasone treatment for patients with COVID-19

    Colchicina

    Estudo avalia eficácia da colchicina contra a covid-19 e hidroxicloroquina não faz parte da análise

    Second UK trial to study gout drug colchicine as COVID-19 treatment

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • É DEXA!!

    Texto de autoria da Olguitcha na Pands publicado no Facebook no perfil pessoal dela, com a devida autorização e convite do blogs Tubo de Ensaio.

    Oi, pessoal. Olguitcha na pands aqui. Senta que lá vem história da DEXA.

    Então, como vocês sabem, eu não tenho limites. Vou começar dizendo que a Oxford mais uma vez está sambando na cara das universidades de vocês sabem onde… [a piada é interna, mas eu to rindo]. Mas isso é para outro post. hihihi

    Os dados obtidos para a dexametasona são bem-vindos sim, esse grande estudo demonstrou que a dexametasona melhora a sobrevida de pacientes mais graves da COVID-19 que necessitam de ventilação. No entanto, o estudo ainda não foi publicado ou submetido ao escrutínio científico.

    Isso não impede a polvorosa do galerê, e os trocentos posts que já devem ter saído… Êêêê todos ama ciência agoraaaaaaa. SEUS CARA DE CONCHA.

    https://giphy.com/gifs/w5FTwwiweGqDm

    Desde fevereiro/março, uma iniciativa de ensaios clínicos denominada RECOVERY* está avaliando o potencial uso de um monte de medicamentos para COVID-19 (RECOVERY: Randomised Evaluation of COVid-19 thERapY; é cafona, sim, o que você espera de um monte de nerds recebendo atenção…rsrs). Eles estão revisitando drogas já conhecidas dada a emergência da pandemia, além de intervenções médicas outras. A rede RECOVERY conta com 175 hospitais da rede pública do Reino Unido (NHS-UK), logo tudo mais bem integrado do que a maioria dos trials que vemos.

    Dizem os responsáveis pelo RECOVERY que mais de 10 mil pacientes já participaram de ensaios por lá.

    Digamos com bondade no coração então que tudo isso sugere maior consistência entre os dados observados e, provavelmente, dados melhor/mais bem coletados para a análise. Digo isso porque quem manja de estatística na área clínica sabe, você faz o que quiser com um monte de números… mas se a fonte deles não é padronizada e confiável, esqueça, é xaxixo. Pode ser um xaxixo lindo, mas na beira do leito, não dá pra brincar e dizer que foi uma escolha difícil com ente amado alheio. 😉 Também não adianta ter um número infinito de amostras, para superar a variabilidade natural entre pacientes, se todas foram adquiridas de qualquer jeito e sem coerência.

    No final das contas, as interpretações na ciência dependem e se baseiam em ética e confiabilidade metodológica (percebam que essa é uma crítica razoável que posso fazer a estudos multicêntricos independentes, como aquele que foi retratado na The Lancet, que ganham em randomicidade pelo grande número de amostras/pacientes, mas perdem em robustez e padronização.

    É uma faca de dois legumes, dependendo da droga ou pergunta a ser testada, eu poderia dizer que chega a ser um universo amostral viciado o do RECOVERY, ou seja, um estudo bem britânico, imagine vários Príncipes Charles tomando chá com sorinho no braço… hahaha zoei. A tendência é o resultado ser ótimo para pessoas da família real. Sacaram? Mas não sejamos assim chatonildos e pessimistas, a população de UK que usa o NHS é mais variada, se formos pensar em diversidade, UK toda não é royal assim faz muito tempo.

    Enfim, no RECOVERY não só a dexametasona tem sido avaliada, mas outras drogas como antivirais usados no HIV e anticorpos provenientes do plasma de pacientes convalescentes também, incluindo a aminoquinolona que mais desperta paixões no planeta -hidroxicloroquina – (a qual já foi descartada por esse grupo de Oxford por não ter mostrado benefício *oh shoot*).

    Pois bem, vamos à dexametasona:

    A dexametasona é um antiinflamatório esteroidal bem conhecido, com diversas aplicações, dosagens e formulações farmacêuticas (comprimido, injetável, pomada e o escambau), o que pode mudar completamente sua efetividade e propósito.

    A DEXA (para os íntimos) é vastamente utilizada em inúmeras patologias e intervenções medicamentosas combinadas. A DEXA é mais comumente usada para tratar condições como inflamação, alergias graves, problemas adrenais, artrite, asma, problemas de sangue ou medula óssea, problemas renais, condições da pele e crises de esclerose múltipla.

    Barata e de fácil produção. Espero que ainda a DEXA só possa ser aviada com receita médica e não por live presidencial. Portanto, tem efeitos colaterais que muitos de vocês já talvez até tenham experimentado… vou listar uns que eu lembro de cabeça: retenção de líquidos (danos na circulação e rins), disfunção dos níveis glicêmicos tendendo a hiperglicemia (diabetes), fraqueza muscular, fragilidade de vasos sanguíneos, hipersensibilidade, refluxo gástrico, dificuldade de cicatrização… e tem mais uma cacetada se for uso bem crônico, até distúrbios psicológicos e catarata, e outros que nem citei aqui porque eu tô com preguiça real e oficial.

    E tem um que eu quero destacar: DEXA é imunossupressor, ou seja, deprime o sistema imunológico, reduz nossas defesas. Tem seus vieses se pensarmos em pessoas hospitalizadas utilizando, uma vez que diminuir a inflamação é o objetivo para evitar o progresso do quadro clínico da COVID-19, contudo a DEXA pode tornar o paciente mais suscetível a outras infecções secundárias. Todos sabem que um dos maiores problemas em hospitais são as mortes por infecções hospitalares secundárias à causa que levou o paciente à internação. E tascar um monte de antimicrobianos espartanos no paciente não ajuda muito não…

    Ou seja, DEXA não é bala Xaxá. NADA DE SAIR COMPRANDO ANTIINFLAMATORIO ESTEROIDAL PARA POR NA RECEITA DE BROWNIE. Caray. Já tô braba aqui.

    Pois bem, vamos aos resultados obtidos no ensaio com doses consideradas baixas de dexametasona no RECOVERY.

    Dois grupos de pacientes foram randomizados, ou seja, aleatoriamente selecionados e comparados:

    1 – 2104 pacientes com um tratamento convencional paliativo de COVID-19 com adição de dexametasona 6 mg uma vez por dia (por via oral ou por injeção intravenosa) por 10 dias.

    2- 4321 pacientes apenas para os cuidados habituais.

    Entre os pacientes que receberam os cuidados usuais isoladamente (grupo 2 sem droga), a mortalidade em 28 dias foi mais alta naqueles que necessitaram de ventilação (41%), intermediária nos pacientes que precisaram apenas de oxigênio (25%) e menor entre aqueles que não necessitaram de intervenção respiratória (13%).

    A DEXA reduziu aproximadamente 33% das mortes nos pacientes ventilados (razão de taxa 0,65 [intervalo de confiança de 95% 0,48 a 0,88]; p = 0,0003) e reduziu um quinto em outros pacientes recebendo apenas oxigênio (0,80 [0,67 a 0,96]; p = 0,0021). Não houve benefício entre os pacientes que não necessitaram de suporte respiratório (1,22 [0,86 a 1,75]; p = 0,14).

    Em geral, no grupo 1 com droga, os pacientes que receberam a DEXA, houve redução de 17% a taxa de mortalidade em 28 dias (0,83 [0,74 a 0,92]; P = 0,0007), com uma tendência significativamente alta mostrando maior benefício entre os pacientes que necessitam de ventilação (teste para tendência p <0,001).

    https://giphy.com/gifs/memecandy-ZECL3vwoHHkMrvVEca

    📍📍📍 Os autores do ensaio dizem que é importante reconhecer que não encontraram evidências de benefício para pacientes que não precisavam de oxigênio e que não estudaram pacientes fora do ambiente hospitalar. O acompanhamento está completo para mais de 94% dos participantes.

    PAUSA PIADISTICA 1: não fiquem brabos comigo, estou me estendendo e colocando até os dados estatísticos de valor de p e tudo, porque estão muito lindos demais… se não foram manipulados. hahaha Mas é o que está lá no RECOVERY e os caras colocaram disponíveis só isso aí. 🤘

    PAUSA PIADISTICA 2: pessoal por aí deu uma confundida na tradução. Tá escrito lá: “Dexamethasone reduced deaths by one-third in ventilated patients”, o que em português significa dizer que antes morriam 10 e agora morreriam 6 ou 7 usando DEXA. Redução de um terço. Não a um terço. Teve gente que achou que era milagre. “Reduced by” é pegadinha.

    https://giphy.com/gifs/thegoodfilms-thegoodfilms-lost-in-translation-scarlett-johansson-Tb7jwA6p1sEo0

    Com base nesses resultados, dizem eles, que 1 morte seria evitada pelo tratamento com DEXA a cada 8 pacientes ventilados ou a cada 25 pacientes que necessitavam apenas de oxigênio. Dada a importância desses resultados para a saúde pública, dizem eles “agora estamos trabalhando para publicar todos os detalhes o mais rápido possível.”

    POIS. Não é o feijão mágico ainda, mas bem animador mesmo. YAY 🤘🤘🤘

    Queremos o artigo publicado sim. Mais detalhes. Já tenho uma lista de comentários e perguntas:

    Os pacientes que necessitam de oxigênio ou ventilação geralmente apresentam pneumonia e desenvolvem falta de ar, insuficiência respiratória e síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA, do inglês, ou SRAG, sindrome respiratoria aguda grave no português) – quando os pacientes não conseguem respirar porque há inflamação e fluido preenchendo alvéolos de ar nos pulmões. Uma vez que a SRGA se desenvolve, a taxa de mortalidade aumenta significativamente e a necessidade de cuidados intensivos e suporte à vida aumenta.

    Recomenda-se sempre cautela e mais dados antes de introduzir a dexametasona na prática atual.

    Mas, de fato, uso de esteroidais é realmente algo esperado já vendo outros trabalhos: Em março, pessoal de Wuhan na China liberou um estudo no JAMA** – “O tratamento com metilprednisolona pode ser benéfico para pacientes que desenvolvem SRAG.”

    Precisamos dos dados para descobrir o que havia de diferente nos pacientes estudados na China e no tratamento habitual combinado em UK (ou seja, uso de antibióticos empíricos?) O que determinou diferenças de outros grupos? Os dados de UK também nos ajudarão a selecionar melhor os pacientes que mais se beneficiariam.

    O estudo não mostrou nenhum benefício em pacientes que não precisavam de ajuda para respirar. Apenas uma minoria de pacientes com COVID-19 precisa de oxigênio ou ventilação mecânica – este é o único grupo que pode se beneficiar da dexametasona? Não sei.

    Diversidade na população, comentei isso um pouquito, a baixa dose de DEXA pode ser nada eficaz pra alguns grupos étnicos… é algo a se analisar.

    Agora fica a minha crítica PESSOAL. Depois de todas as retrações e PALHAÇADAS nessa pandemia, é inaceitável divulgar os resultados de estudo por meio do comunicado à imprensa sem liberar todos os dados em revistas científicas minimamente sérias antes. Qual o motivo pra isso? Vocês listem aí.

    Era isso, pessoal, se ficar alguma dúvida de entendimento ou técnica, faz um mimimi carinhoso que eu respondo.✌️

    Edit.: esqueci de dizer sobre a quantidade de verba PÚBLICA que financiou esse estudo em hospitais PÚBLICOS. Muitas libras esterlinas. Muitas. 🤑

    Aqui fica o link do press release do Recovery: https://www.recoverytrial.net/news/low-cost-dexamethasone-reduces-death-by-up-to-one-third-in-hospitalised-patients-with-severe-respiratory-complications-of-covid-19

    O paper de Wuhan em março: https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2763184

    Olguitcha na Pands é project scientist na Farmacologia da School of Medicine na Universidade da Califórnia (EUA). Professora Associada da UFPR (tá de licença sem salário, antes que perguntem). “Vim pra cá convidada pra trabalhar num projeto de glioblastoma. Tenho anos de experiência em Toxinologia (venenos de animais peçonhentos), sou Doutora em Ciências com ênfase em Biomol pela UNIFESP e Mestre em BioCel pela UFPR. Farmacêutica Bioquímica.”

    Este post foi escrito originalmente no blog Tubo de Ensaio, do Blogs de Ciência da Unicamp

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

plugins premium WordPress