Tag: distanciamento social

  • Que medidas preventivas são necessárias neste momento contra a COVID-19 em nosso país?

    Nós sabemos da chegada da variante Delta em todo o território Nacional. Sabemos também que são necessárias duas doses da vacina, e que precisamos esperar o tempo de imunização da segunda dose – o chamado esquema vacinal completo – para nos protegermos de fato do agravamento da doença causada pelo coronavírus. Muito tem se falado também sobre as medidas não farmacológicas, e aí fica o questionamento:

    – “Mas só a vacinação basta?”

    Não!

    Temos dito, desde o ano passado, que estas vacinas de primeira geração seriam fundamentais para diminuir a quantidade de mortes e a circulação do vírus. Assim como também temos falado continuamente que a vacinação precisaria ser um processo rápido e populacional, aliado às medidas públicas de saúde. As tais “medidas não farmacológicas”.

    Estas medidas não farmacológicas têm sido uma das grandes pautas da divulgação científica desde os primórdios da pandemia. É claro, as recomendações variaram um pouco dos primeiros meses (entre março e junho de 2020) para cá. 

    Atualmente enfatizamos continuamente que a COVID-19 é transmitida pelo AR. Isto quer dizer que a higienização não é importante? Não. Quer dizer que a higienização não é o ato em que precisamos nos concentrar. Até porque higienização é importante para prevenir várias infecções ( sempre bom lembrar…).

    A grande questão reside em dois pontos: o que podemos fazer como medidas individuais de proteção (medidas que são limitadas) e quais deveriam ser medidas de política pública de saúde? Falei sobre isso neste post aqui, recentemente. Vou retomar alguns pontos e lançar outros para pensarmos juntos…

    Inicialmente, vou defender novamente que não deveríamos ter retomado todas as atividades, sem qualquer restrição de horários, rodízios de trabalhadores ou outras precauções. A partir disto, o que eu tenho escutado?

    – “Mas têm que voltar, não adianta, os serviços têm que retornar sim!”

    Realmente, em um país em que governantes tiveram dificuldade para adotar medidas que diminuíssem os números de casos de forma responsável durante o enfrentamento da pandemia, tem sido cada vez mais difícil permanecer em casa

    Temos, todavia, banalizado situações que são absolutamente dispensáveis agora.Em especial frente a transmissão da variante Delta, que segue avançando no país em um panorama de cerca de 700 óbitos diários (o que nos dá cerca de 5.000 mortes semanais).  

    Mas, quais são as medidas não farmacológicas que nós deveríamos prestar a atenção e deveriam ser uma prioridade nas políticas públicas?

    Uso de máscaras

    Preferencialmente PFF2, especialmente em espaços de trabalho, em ambientes fechados e pouco ventilados, ou nos ambientes abertos, mas com muitas pessoas. As PFF2 têm um Projeto de Lei 1054/21 desde março deste ano no legislativo federal para que sejam consideradas Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A aprovação dessa lei garantiria aos trabalhadores que as próprias empresas e empregadores fornecessem esse tipo de máscara, como medida MÍNIMA para retornos mais seguros ao trabalho presencial.

    Porém, mesmo no setor público isso não tem sido feito. O Estado, por exemplo, tem oferecido máscaras de pano para os docentes voltando às escolas públicas. Lembrando que máscaras de pano não são consideradas EPI, e não sendo indicados como proteção individual em espaços fechados, mesmo que ventilados.

    Distanciamento social ou físico

    Há um grande debate sobre o termo correto: físico ou social. Todavia, a nós importa que: em ambientes abertos, deveríamos ter um distanciamento adequado entre pessoas. Já em ambientes fechados com pouca ou muita ventilação, além do distanciamento entre as pessoas, deveríamos ter a menor permanência possível.

    O espaçamento entre pessoas, nessas retomadas, vem sendo sugerida como  “1 metro”. O que contraria medidas debatidas pela ciência desde meados de 2020 (que aponta cerca de 2 metros).

    Espaços ventilados

    Atividades conduzidas nestes ambientes deveriam ser prioridade em tempos como estes. Dessa forma, algumas perguntas são relevantes aqui também: Há condições de o espaço fechado ter ventilação adequada? Constantemente? Com qual lotação/ocupação? Qual o tempo de permanência máxima?

    Este item é fundamental, considerando que grande parte de nossos serviços desenvolvidos atualmente acontecem em ambientes encerrados entre paredes com poucas (ou mesmo nenhuma) janelas.

    Testagem e rastreio

    Parece um absurdo falar em teste e rastreio em pleno 2021. Mas é isto… O Brasil segue em segundo lugar no mundo em número de mortes por COVID-19. Todavia, quando falamos em quantidade de testes por milhão de habitantes, estamos em 124º lugar no mundo. A subnotificação passou a ser um tema tão banal que a ignoramos absolutamente enquanto informação básica no debate sobre COVID-19.

    Entretanto, considerando que agora as últimas barreiras de cuidados sanitários (fora o uso de máscaras) foram derrubadas, este é um tema que deveria ser (finalmente?) levado à sério. É necessário testar! Também é necessário ter protocolo de testes constantes, por grupos, por amostragem, de forma rotineira nas empresas. É urgente a indicação de isolamento de pessoas que testaram positivo e análise de quem teve contato com elas também.

    Isto é testagem e rastreio. O protocolo do estado de São Paulo, por exemplo, não indica como deve ser feito, quem analisa e quem paga por tais testes. Apenas aponta a necessidade de o poder público ser notificado dos resultados. Nas indicações de testes constantes, há recomendação de teste sorológico e não um teste de detecção do vírus.

    Em um país em que o trabalhador está em alta vulnerabilidade, os testes e rastreamentos acabam ficando sob o encargo de quem?

    Este questionamento serve também para o setor público, que têm realizado testes para a retomada, como se ela fosse segura apenas por termos o resultado negativo em mãos. Não. Não é.

    A testagem que temos debatido e enfatizado não é isolada, individual e pontual. É uma estratégia constante, periódica, para monitoramento seguro dos espaços coletivos de trabalho. E é realmente lastimável que, como política pública, estejamos debatendo isto neste momento, novamente.

    A dificuldade de implementação de testes não deveria ser uma questão, após 18 meses de pandemia. Não deveríamos, com a quantidade de casos diários notificados, estarmos fazendo tão poucos testes ainda. Testagem e rastreio em ambientes coletivos de trabalho deveria ser, há muito tempo, uma realidade.

    Não deveríamos, com tão pouca gente com o esquema vacinal completo, estar brincando de indicar testes ao aparecimento de sintomas, quando a doença tem transmissão iniciada antes desses sintomas surgirem. E aqui, nem alarmista, nem intransigente: estamos falando de indicações científicas que estão sendo feitas há meses e meses.

    – “Ah, mas e o home office, segue válido como opção”?

    Outra questão que seria importante é reforçar para empresas que têm condições de manter seus funcionários em home office, continuaram assim. Mesmo com duas doses de vacina!

    Por quê? Ora, em uma pandemia respiratória, com a circulação de novas variantes, sem o controle de transmissão, a diminuição da mobilidade urbana ainda é uma das ferramentas mais fundamentais para estancar o quanto for possível a circulação do vírus.

    Isto quer dizer que mesmo com pessoas tendo sintomas menos severos e lotando menos UTIS – e até falecendo menos – ainda temos uma transmissão alta em nosso país. Lembrando que não estamos mais vivendo o caos que vimos entre janeiro e abril de 2021. Entretanto, o “falecendo menos” mencionado antes está longe de “falecendo pouco ou próximo de zero”. Além disso, estamos transmitindo muito, contaminando muito e, apesar de as UTIs do país estarem em uma aparente tranquilidade, a nossa taxa de óbitos ainda segue muito alta, com cerca de 700 pessoas morrendo por dia

    Em que momento passamos a aceitar como tranquilo este fato?

    Hoje, dia 6 de setembro, foi noticiado que cerca de 2 milhões de testes para COVID-19 estão vencidos e serão incinerados. Não é a primeira vez que vemos este tipo de situação sendo noticiada em nosso país. O teste, monitoramento de sintomas e rastreio de contatos ainda não é levado a sério, quando se trata de possibilitar aos trabalhadores a permanência em suas residências para que se recuperem dos sintomas.

    Em protocolos oficiais, ainda existe como recomendação o monitoramento e teste de acordo com os sintomas aparentes, conforme designação no posto de saúde – aqui em São Paulo, ao menos. É importante termos em mente que um teste de antígeno (ou seja, que indica a presença do vírus ou de partículas do vírus) nos indica a contaminação entre 3 a 7 dias após o início dos sintomas. Considerando que os sintomas podem acontecer a partir do 2º até o 14º dia após o contágio – mas é mais frequente após o 5º dia, temos um tempo entre a contaminação e o início dos sintomas. E nestes dias já podemos estar contaminando pessoas.

    Por isso, o monitoramento, rastreio e testes são fundamentais. Além disso, seria importante (no mínimo) testes por amostragem em grupos, especialmente em situações de muito contato entre os trabalhadores ou destes com o público (como escolas e algumas empresas de serviços de atendimento).

    Finalizando

    Nós ainda lidamos com monitoramento, rastreios e testes como um luxo e uma estratégia de dificuldade logística, após 18 meses de pandemia. Mesmo considerando que esta estratégia nos possibilita diminuir a circulação do vírus exatamente por isolarmos casos e contatos dentro dos setores de serviço.

    Em todo o tempo da pandemia, nunca foi sobre manter todos os serviços fechados por tempo indeterminado: mas sobre planejar estruturalmente retornos seguros para pessoas não adoecerem, não morrerem e para diminuirmos a circulação do vírus.

    Nenhuma medida deveria constar como uma opção recomendável se acarreta em uma falta de segurança mínima para seres humanos de nosso país.

    Para saber mais

    BRASIL (2021) Projeto de Lei 1054/21

    BRASIL (2021) Ficha de Tramitação do Projeto de Lei 1054/21

    CONSTANZA, R, LOPES, R, VARGAS, M Governo Bolsonaro deixa vencer R$ 243 mi em vacinas, testes e remédios Folha de São Paulo 6 de setembro de 2021 

    Jones N R, Qureshi Z U, Temple R J, Larwood J P J, Greenhalgh T, Bourouiba L et al (2020) Two metres or one: what is the evidence for physical distancing in covid-19? BMJ 2020; 370: m3223 

    Documentos oficiais de São Paulo (2020):

    Protocolo de acompanhamento das condições de saúde para organizações privadas

    Resolução SS – 85 de 10-06-2020

    Protocolos Sanitários Educação – Segundo Semestre 2021

    Retomada Consciente (2021)

    Protocolo Sanitário Intersetorial

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Calma Pitágoras… a gente resolve

    Com a atual pandemia a necessidade de distanciamento dentro dos estabelecimentos públicos fez com que vários materiais propondo essa distância segura fossem criados… entre elas, temos a imagem de capa desse post que virou um meme envolvendo o Matemático Grego Pitágoras (570 – 495 a.C.) sendo detido por outros colegas das Ciências para não surtar diante dessa imagem.

    O motivo de Pitágoras estar surtando diante isso, é que vemos a proposta de que 4 pessoas fiquem equidistantes 1,5 m cada uma no plano. O erro dessa representação pode ser percebido facilmente ao desenharmos um triângulo retângulo como na figura abaixo. Temos nele que os dois catetos valem 1,5 m e a hipotenusa também vale 1,5 m.

    Mas se os três lados são iguais, então não é um triângulo retângulo, e sim equilátero. Sim, 3 pessoas podem ficar equidistantes no plano a 1,5 m cada, mas na figura temos 4 pessoas, e isso complica a coisa. Vamos fazer algumas contas e ver qual valor podemos manter e qual é melhor trocar.

    Se a informação dos catetos estiver certa, teremos:

    Se a informação da hipotenusa estiver certa, teremos:

    Assim, como desejamos um distanciamento maior entre as pessoas, é melhor adotarmos que os catetos estivessem certos (valeriam 1,5 m) enquanto a hipotenusa estava errada, e neste caso valerá 2,12 m (melhor prevenir do que remediar).

    Mas o post não termina aqui… e se na verdade a imagem estivesse certa? É possível 4 pessoas ficarem equidistantes cada uma 1,5 m? Como disse antes, no plano não é possível… mas no espaço sim! No caso, para considerar a imagem inicial correta, precisaríamos imaginar que as 4 pessoas estivessem cada uma em um vértice de um tetraedro regular (uma pirâmide de base triângular na qual todos os seus lados ou faces, tem a mesma medida).

    Assim, se o aviso foi feito para uma loja na qual os clientes se distribuem por vértices de tetraedros regulares, ele está correto.

    Viu Pitágoras, no fim a gente resolve 😀

    (E resolve mais ainda se, além da conta do distanciamento, lembrarmos que é preciso respeitar a distância por nós e pelos outros. Cumpra o distanciamento social, use máscara, lave as mãos com frequência e, se possível, não se exponha)

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Pelos olhos delas: relatos e reflexões durante a quarentena – parte 1

    Startup Stock Photos via Pexels. Creative Commons.

    A pandemia da COVID-19 afetou profundamente a forma como a sociedade se organiza e teve reflexos agudos no universo do trabalho. No meio acadêmico, já há dados iniciais que mostram que as mulheres estão sendo desproporcionalmente afetadas: as cientistas e pesquisadoras estão submetendo menos artigos durante a quarentena; em contrapartida, os periódicos observaram um aumento do número de envios de trabalhos realizados por homens.

    Nós, do Ciência Pelos Olhos Delas, temos conversado muito sobre esse contexto de isolamento social e como ele impacta a produtividade de todas as pessoas que atuam na área acadêmica – desde discentes de graduação até professores universitários. Por isso, elaboramos um questionário em português e em inglês para mensurar esse impacto e comparar as respostas de quem faz pesquisa no Brasil e em outras partes do mundo.

    Os resultados parciais de nossa pesquisa podem ser conferidos na reportagem escrita por Nayara Fernandes e publicada no Portal R7 em 25 de agosto de 2020. Além dessa iniciativa, também temos pensado a respeito das repercussões da quarentena em nosso dia a dia, o que nos fez chegar à proposta deste post: relatar nossas vivências ao longo dos últimos meses e também refletir sobre o momento atual e sobre o que vem depois dessa experiência coletiva. Confira abaixo a primeira parte.

    Relatos e reflexões da equipe do Ciência Pelos Olhos Delas durante a quarentena

    Bruna Bertol

    A Bruna é mestre em Ciências com ênfase em Imunologia Básica e Aplicada e está terminando seu doutorado na mesma área pela USP de Ribeirão Preto (SP). Em 2019, fez estágio na Universidade do Colorado, em Denver (EUA), onde conheceu a Marina e a Giovana, integrantes do blog.

    Ela trabalha com câncer de tireoide e sua relação com fatores genéticos e imunológicos, buscando avanços no seu diagnóstico/prognóstico e tratamento, e também tem interesse nas discussões relacionadas às áreas de política, história e ciências sociais.

    Bruna apresentando seu trabalho de doutorado em um congresso científico internacional em Amsterdam (2018). Arquivo pessoal.

    Natural de Joinville (SC), Bruna voltou dos EUA em janeiro de 2020 para iniciar o último ano do doutorado. Tinha planos de fazer viagens internacionais e de passar mais tempo com sua família em Santa Catarina este ano. Com a chegada da pandemia no Brasil, todo o seu planejamento foi afetado. Ela conta mais abaixo:

    “Eu optei por ficar em Ribeirão Preto pois eu sempre lidei bem com a minha própria companhia, mas a verdade é que a combinação de 1) me adaptar ao Brasil novamente, 2) morar sozinha a mais 800 km de distância da minha família, 3) escrever uma tese de doutorado, 4) medo da pandemia e 5) isolamento social absoluto em casa, tem sido um grande desafio emocional para mim.

    No início, queria muito ler e entender sobre o novo coronavírus para me manter informada, e acabei deixando minha tese em segundo plano, mas, com o avanço da pandemia, chegou o ponto em que sinto que o esgotamento mental tem afetado minha produtividade científica. No início, acreditei que até o mês de agosto as coisas estariam melhores, mas a verdade é que não sabemos como serão os próximos meses no país. 

    Ribeirão Preto tomou medidas de isolamento social que foram cumpridas no início, porém, como a maioria das cidades brasileiras, passou a afrouxá-las, principalmente em virtude da pressão econômica, antes de haver uma redução significativa dos casos diários.”

    Para a Bru, a pandemia expõe de forma escancarada no Brasil a desigualdade social, a precarização do trabalho e a violação constante de direitos fundamentais (como o acesso a um serviço de saúde público e de qualidade). 

    Ela destaca ainda que as mulheres são particularmente afetadas durante a quarentena: ficam mais expostas à violência doméstica e mais sobrecarregadas com os cuidados com a casa e com as atividades de reprodução social¹, além de serem a grande maioria dos profissionais na linha de frente nos hospitais e nos serviços de saúde. 

    A verdade é que é difícil prever nossa vida pós-pandemia, mas certamente o momento em que vivemos nos exige repensar nossa vida individual e em sociedade, bem como ressignificar nossas prioridades, nossos direitos e nosso trabalho.”

    Carolina Francelin

    A Carolina é mestre e doutora pela UNICAMP em Genética e Biologia Molecular com ênfase em Imunologia. Logo após sua defesa de doutorado, no final de 2014, engravidou de sua filha Anna, hoje com 5 anos. 

    Em 2018, mudou-se com sua família para Birmingham (EUA), onde trabalha atualmente como pesquisadora na Universidade do Alabama. Além da pesquisa científica, ela tem interesse em acompanhar a produção intelectual sobre maternidade, criação e desenvolvimento infantil, e também adora fazer experimentos culinários acompanhada pela Anna.

    Carolina no laboratório onde trabalha na Universidade do Alabama em Birmingham (EUA). Arquivo pessoal.

    A Carol, que já conhecia a Marina e o blog antes de se juntar à nossa equipe no começo de 2019, nos conta como foi o início das medidas de quarentena na Universidade do Alabama e na cidade onde vive:

    Foi em uma reunião do laboratório, numa segunda-feira de manhã, que recebi o aviso sobre o fechamento da Universidade. Eu passei esse dia ‘fechando’ experimentos, congelando as células e me certificando que tudo ficaria seguro durante a quarentena – período esse que ninguém sabia dizer a duração. 

    Na quarta-feira da mesma semana as escolas fecharam. Meu esposo também foi enviado de quarentena para casa, sem previsão de volta ao trabalho. No fim daquela semana éramos eu em home office e eles (meu esposo e filha) de férias num apartamento fora da nossa terra natal. 

    Passei pelo desespero de produzir nesse período, o de manter o homeschooling, o de estudar, o de organizar a vida e por aí vai. Foi um processo de resiliência e auto-conhecimento diário, tentando manter os lemas ‘um dia de cada vez’ e ‘antes feito que perfeito’. 

    Voltamos para a rotina (quase) normal no meio de maio. Minha filha só tem aula porque frequenta escola particular, os colégios públicos continuaram fechados e reabriram agora em setembro. 

    Para o retorno ao laboratório, preparamos documentos de conduta de segurança, mantemos distância social, usamos máscaras e somos orientados a fazer de casa tudo o que for possível. As cafeterias estão fechadas, os restaurantes do campus foram abertos somente para a retirada de refeições e as aulas presenciais retornaram cheias de protocolo de segurança.”

    Para a Carol, a pandemia trouxe à tona importantes discussões, como as diferenças de classe, raça e gênero, o quanto grupos específicos são afetados de formas diferentes e o que pode ser feito para melhorar a sociedade como um todo:

    “As pessoas postam nas redes sociais que esperam pelo retorno à vida após a pandemia, e eu realmente espero que não seja um retorno. Eu espero que os processos tenham sido reavaliados e que, de alguma forma, a humanidade tenha mudado a forma de como tem construído o mundo.”

    Gabriela Mendes

    A Gabriela é biomédica e mestre em Biologia Celular pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atualmente, ela realiza seu doutorado no Programa Interdisciplinar de Genética na Texas A&M University, em College Station, no Texas, onde trabalha desde 2016 com biomateriais.

    O objetivo principal do projeto da Gabi é utilizar esses biomateriais para promover a formação de novos vasos sanguíneos para acelerar a cicatrização local, visando o tratamento de doenças como diabetes e doenças cardiovasculares.

    Interessada em contribuir e aprender mais sobre a divulgação científica e o papel das mulheres nas diferentes áreas da ciência, ela integra o blog desde o início de 2019.

    Gabriela em 2019 no laboratório onde exerce sua pesquisa de doutorado, na Universidade Texas A&M em College Station (EUA). Arquivo pessoal.

    No final de fevereiro deste ano, durante uma reunião de laboratório, a Gabi foi alertada por sua orientadora sobre a possibilidade de passarem a trabalhar remotamente se o número de casos de COVID-19 aumentasse nos EUA e, mais especificamente, no Texas. No mês seguinte, essa possibilidade se concretizou, como ela nos conta a seguir:

    “Dia 13 de março foi o último dia que fui trabalhar no laboratório, antes que a universidade paralisasse todas as atividades de pesquisa que não fossem relacionadas ao novo coronavírus. A partir desse dia comecei a trabalhar em casa pelo computador e só saía para fazer compras de itens básicos. 

    Por mais de 2 meses somente pessoas consideradas essenciais tinham acesso aos laboratórios – aquelas pessoas que estavam trabalhando com o novo coronavírus e/ou que tivessem que cuidar de células e animais de laboratório. A universidade reabriu para as outras pesquisas no dia 1o de junho e foi quando pude retomar meus experimentos no laboratório seguindo as novas regras de segurança: uso obrigatório de máscaras dentro do prédio, somente 2 pessoas por laboratório no mesmo horário, distanciamento social, higiene das mãos com maior frequência, entre outras medidas. 

    Atualmente, o uso de máscaras continua sendo obrigatório em qualquer local público e no campus. As aulas presenciais na universidade recomeçaram em agosto, mas parte da carga horária de aulas continua sendo online. Os casos de COVID-19 continuam aumentando na cidade e no estado, ao mesmo tempo em que as pessoas tentam voltar às suas rotinas de atividades. Já são seis meses trabalhando de casa sempre que possível e convivendo somente com colegas do lab, além do meu marido. Nessa nova rotina, continuamos saindo de casa somente para fazer compras de mercado e algumas vezes vamos caminhar num parque.”

    A Gabi defenderia sua tese de doutorado em agosto, mas, devido à pandemia, a  defesa foi adiada para dezembro. Em meio ao estresse da finalização do doutorado e o fato de estar longe da família durante a quarentena imposta pela pandemia, ela ressalta a importância de continuar seguindo as recomendações de cientistas e de especialistas e continua:

    “Cada vez mais defendo a ciência e confio nela, e espero que com o nosso trabalho no blog a gente consiga conscientizar mais pessoas sobre a importância da pesquisa e do método científico. Além disso, acho que as desigualdades sociais e de gênero foram escancaradas no mundo todo com a pandemia, quando vemos que pessoas em situação de maior vulnerabilidade morrem mais de COVID-19, e que as mulheres têm acumulado afazeres domésticos e produzido menos no trabalho. Ao mesmo tempo, estes são problemas que tem sido bastante discutidos durante a pandemia e espero que essas reflexões tragam melhorias daqui pra frente.” 

    A parte 2, com os relatos das demais integrantes do Ciência Pelos Olhos Delas, será publicada no blog em 25 de setembro.

    Os relatos acima, escritos pelas integrantes do Ciência Pelos Olhos Delas, foram condensados e editados por Gabriela Mendes e Juliana Lobo. Este post passou pela revisão de toda a equipe do blog antes de ser publicado.

    Nota

    ¹ Para saber mais sobre reprodução social, recomendamos a videoaula “Divisão Sexual do Trabalho”, ministrada pela cientista política Flávia Biroli (UnB).

    Este texto publicado no Especial Covid-19 foi escrito originalmente no Blog Ciência Pelos Olhos Dela

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O cérebro em quarentena

    Como ajudar nosso cérebro a driblar a ansiedade e lidar melhor com o estado de isolamento?

    [Esta é uma versão expandida de um texto escrito para a edição de maio de 2020 da revista Ciência Hoje, por André L. Souza e Lucas Miranda]

    O corpo humano é um organismo altamente complexo, cheio de segredos ainda não descobertos e com habilidades que você provavelmente nem sabe que existe. É estranho imaginar que a gente não conhece o próprio corpo e muito menos o controlamos por completo. Mas isso é normal! Aprender mais sobre como nós funcionamos é essencial para mantermos um estado de bem-estar e de saúde mental. E é sobre isso que vamos conversar.

    Nosso cérebro é uma máquina feita para buscar respostas e perceber padrões. O tempo todo, esse órgão que controla tudo que você faz e pensa, está analisando o mundo e as coisas ao seu redor na tentativa de encontrar esses padrões e, com isso, prever o que vai acontecer.

    cérebro jogando bola
    Ilustração do Vitor Hugo de Oliveira (@myFairy_King) feita com exclusividade para esse texto

    Imagine, por exemplo, uma partida de futebol. Neymar está com a bola e um adversário, bem na sua frente, aguarda o momento de dar o bote. Para o atacante decidir o que fazer, o cérebro dele vai analisar um monte de coisas: a distância que o adversário está, o quão bem o adversário joga, a presença de outros jogadores do seu time, a distância que ele está do gol, o seu nível de cansaço, etc. Essas informações vão ajudar o cérebro do Neymar a prever o que pode acontecer em cada uma das suas possíveis escolhas. E é com essas previsões que uma decisão será tomada.

    Esse processamento de informações ocorre no cérebro o tempo todo e em frações de segundo! Você poderia pensar: então, quanto mais informações o meu cérebro processa mais bem fundamentadas serão as minhas decisões, certo? Não exatamente. Imagine se o cérebro do Neymar decidisse analisar também a cor do cabelo do adversário, a vaia de alguém que está na torcida, uma borboleta que passou voando… Essas informações não serão nada úteis para a previsão específica da sua próxima jogada. Elas só irão dar mais trabalho para o cérebro e dificultar a tomada de uma decisão.

    Em momentos de incertezas, como é o caso de uma pandemia e de isolamento, não é fácil para o nosso cérebro saber quais informações são relevantes para fazer as suas previsões: “devo prestar atenção nas notícias de saúde? Ou devo me preocupar mais com as notícias da economia? Será que preciso saber como o coronavírus funciona? Ou posso mesmo só entender que lavar as mãos ajuda?”. Todo esse excesso de informação vai deixando o nosso cérebro perdidinho, sem saber como fazer suas previsões.

    Quando isso acontece e o cérebro não consegue mais montar padrões, ele aciona uma espécie de alarme interno para te avisar que tem algo errado e que alguma coisa precisa ser feita. É como se dissesse: “Ei, estou sendo sobrecarregado aqui. Precisamos fazer alguma coisa”. Esse sentimento, que chamamos de ansiedade, nos paralisa, porque exige toda a nossa atenção e energia voltadas para resolver o que precisa ser resolvido no cérebro para que ele volte a se sentir bem e a encontrar suas respostas e padrões.

    Por isso, é uma boa ideia adotar estratégias que tragam uma maior sensação de controle para o seu cérebro, para evitar que esse alarme seja acionado.

    Tudo sob controle

    Você acabou de chegar de uma atividade e tudo que você quer é um delicioso suco de frutas. Se você decidir jogar no liquidificador 300 tipos de frutas, de vários tamanhos e formatos, o que vai acontecer quando você o ligar? Obviamente, ele não vai conseguir triturar tudo e ainda vai transbordar e fazer a maior bagunça.

    Assim é o nosso cérebro com as informações. Não adianta jogar lá um tanto de informação de diferentes fontes e formatos e esperar que o cérebro faça um suco legal com elas. Se para fazer um bom suco é importante escolher poucas frutas, de preferência as que você gosta e que te deixam bem, e cortá-las em pedaços pequenos, o mesmo deve ser feito com nosso cérebro. Escolha um número pequeno de informações essenciais e de fontes que sejam confiáveis e se exponha apenas a elas. Dessa forma, seu cérebro vai conseguir digerir essas informações com calma e formar os padrões que ele precisa sem se sentir bombardeado.

    Mas como saber que fruta escolher, ou melhor, como saber que informação devo consumir? Basta você pensar o seguinte: a maioria de nós não vai descobrir sozinho a vacina do coronavírus e nem a melhor política pública para lidar com essa pandemia. Essas soluções virão através do esforço coletivo de especialistas das diversas esferas da nossa sociedade. Assim, você não precisa ficar consumindo toda e qualquer informação que apareça, isso só vai adicionar “mais frutas” e deixar o seu sistema cognitivo sobrecarregado. Foque em informações que dizem respeito diretamente a você, e foque nas fontes seguras e que te fornecem informações corretas, precisas e que não te deixem em pânico.

    Ficar em casa é um ato heroico

    Existem várias coisas que não estão sob nosso controle: a composição genética do vírus, a sua letalidade, a maneira como ele ataca as nossas células. E isso é um tanto ruim para o nosso cérebro, porque, como você deve ter percebido, ele é um pouco controlador. Mas que tal focarmos mais em coisas que estão sob nosso controle?

    Você deve saber que o coronavírus não tem asas e nem sabe se teletransportar. Isso significa que para ele chegar no nosso sistema nosso sistema respiratório e alcançar outras pessoas ele precisa de uma carona. Carona das nossas mãos, do nosso corpo, da nossa saliva, do nosso espirro. E essa carona é uma das coisas que podemos controlar. Como garantem os cientistas em todo o mundo, o ato de se isolar fisicamente é uma ótima forma não dar carona para o vírus.

    Pode ser difícil perceber o ato de ficar em casa como uma ação que está sob nosso controle. Afinal, muitos pensam que estamos apenas “esperando o tempo passar”. Mas não encare dessa forma. O ato de ficar em casa é uma ação que dificulta o trabalho do coronavírus de se espalhar e de chegar nas pessoas mais vulneráveis. E, nesse sentido, ficar em casa (para as pessoas que podem) é um ato heroico, principalmente para o nosso cérebro, que não encara muito bem essa história de isolamento físico.

    Ajudando o cérebro a lidar com o isolamento

    Nosso cérebro é, por natureza, um órgão que precisa das interações sociais. Como ajudá-lo a se acostumar com um estado de isolamento físico? A resposta é: através da criação de hábitos e rotina.

    A gente está o tempo inteiro criando hábitos e rotinas no nosso dia-a-dia. E isso é bom. Hábito é uma forma que o nosso cérebro encontra de economizar energia nas coisas que faz. É como se ele colocasse certas ações no piloto automático e usasse a energia que sobra pra fazer outras coisas. Só tem um problema: uma vez que um comportamento entra no piloto automático, é muito difícil o interromper. Se você tem o hábito de entrar no Twitter a cada 5 minutos, quebrar esse hábito será extremamente difícil. Mas como nosso cérebro sabe criar novos hábitos com facilidade, a melhor forma de acabar com um hábito é criar um outro em seu lugar.

    Ao invés de falar: “não vou entrar no Twitter”, você deve falar “vou fazer outra coisa ao invés de entrar no Twitter”. Crie hábitos bons que substituam hábitos que te fazem mal. Modificar seu ambiente para facilitar que esse novo hábito seja criado também é uma boa ideia. Não adianta querer diminuir o acesso a alguma rede social se ela fica a um clique de distância de você.

    E para contribuir para a sensação de controle, que é tão importante para o nosso cérebro, você pode criar pequenas rotinas no seu dia-a-dia. Ficar em casa o dia todo sem hora definida para nenhuma atividade é como estar em um barquinho no meio do oceano, você vai acabar se perdendo e não indo para lado nenhum.

    Se você precisa estudar durante a quarentena, é importante avisar seu cérebro da hora de estudar. Para isso, você pode criar uma rotina que envolva se arrumar como se estivesse indo pra escola, definir um lugar para estudar e se sentar sempre lá, como se fosse o seu lugar na sala de aula, e se comportar nesse lugar como você se comportaria na escola (de preferência sem pegar o celular a cada 5 minutos).

    Estabeleça a hora de começar, a hora de fazer um intervalo e a hora de acabar. A criação de uma rotina como essa faz com que seu cérebro entenda e se prepare para esse momento. Isso não apenas vai dar a ele uma sensação de controle, como vai te ajudar a se organizar e separar um tempo do seu dia para fazer as coisas que são importantes para você.

    Isolamento físico vs. Isolamento social

    É importante ter em mente que o isolamento necessário para conter a pandemia é um isolamento físico, não social. E há uma diferença muito grande entre essas duas coisas!

    O nosso cérebro é cheio de neurônios, que são células que estão o tempo todo se comunicando umas com as outras. Um neurônio “fala” com outro que fala com outro que fala com outro, e é com esse bate-papo que as informações são processadas. Essa comunicação dos neurônios é estimulada por várias coisas, mas a principal delas é a estimulação social. Como estamos o tempo todo conversando uns com os outros, trocando ideias, emoções e experiências, os nossos neurônios ficam em constante contato para processar todas essas informações que estão recebendo.

    Quando nos isolamos socialmente, nós perdemos esses estímulos e os neurônios vão parando de se comunicar uns com os outros. Sem essas conexões entre os neurônios, todo o nosso processamento cognitivo fica pior. Imagine isso acontecendo com o cérebro do Neymar, por exemplo. Ele vai levar muito mais tempo para decidir o que fazer com a bola (e talvez nem consiga chegar facilmente a uma boa decisão).

    Por isso, precisamos manter o contato social constante, mesmo com o distanciamento físico, conversando com os amigos, rindo, brincando, e explorando novas ideias e emoções. Isso vai manter seu cérebro ativo e fazendo o que ele faz de melhor: processar informações, montar padrões, prever o que vai acontecer e, no caso do Neymar, ajudá-lo a fazer gols.


    André L. Souza
    Neurocientista e divulgador de ciências
    https://twitter.com/andrelesouza

    Lucas Miranda
    Físico e divulgador de ciências
    Colunista na Ciência Hoje e Editor do Ciência Nerd

    Agradecimento especial ao Vitor Hugo de Oliveira (https://www.instagram.com/myfairy_king/), que nos presenteou com sua ilustração do cérebro jogando bola, e à Ciência Hoje, pela publicação do texto e pela parceria de sempre!


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
    Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Covid-19, SRAG e quantidade de testes diagnósticos no Brasil

    Temos visto muitas discussões sobre a reabertura do comércio em várias cidades que tinham optado pelo distanciamento social. Também tem aparecido dados de que a previsão que tínhamos de sobrecarga hospitalar não se efetivou (pelo efeito do distanciamento social, mesmo que parcial). 

    No post de hoje, vamos falar sobre alguns dados do Ministério da Saúde, de casos confirmados e óbitos por COVID-19 e, também, um outro registro que têm despontado – muito embora tenha sido pouco discutido – que deveria ser levado em consideração ao pensarmos nas ações individuais e coletivas para este momento em que vivemos…

    Então, antes de nos animarmos e sairmos (literalmente) comemorando os dados, é importante compreender um pouco sobre o que tem sido noticiado e alguns dados oficiais para pensarmos se já é hora de deixarmos o isolamento de lado ou, pelo contrário, se não seria hora de buscarmos medidas mais severas de isolamento para evitar que a sobrecarga chegue logo ali ao dobrar a esquina.

    Os dados do dia 21 de abril indicavam que no Brasil tínhamos 43.079 casos de COVID-19 confirmados, com 2.741 mortos confirmados. As projeções, no entanto,  se mostravam muito mais assustadoras. Para se ter uma ideia, em São Paulo por exemplo, o governo anunciou no dia 12 de março a projeção de 1% da população infectada em alguns poucos meses (cerca de 460 mil pessoas) em um cenário otimista, chegando a 10% da população do estado infectada em uma projeção pessimista (4,6 milhões de pessoas). Hoje, dia 21 de abril, temos a confirmação, no Estado de São Paulo, de 14.580 casos e 1037 óbitos.

    Então, será que podemos dizer que tudo anda bem?

    Vários estudos nos mostram muitos cenários possíveis para compreender os dados confirmados que temos sobre a COVID-19 e a infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2). Primeiro, é fundamental lembrar que o Brasil tem a marca de uma das menores quantidades de testes para a confirmação ou não da  infecção pelo novo coronavírus por número de habitantes, no mundo. Comparado com dados de países como Itália, esse número é irrisório, pois lá tem-se 27,164 testes para cada 1 milhão de habitantes, segundo a Worldometers

    Também precisamos registrar aqui que os testes estão sendo feitos em doentes que apresentam sintomas mais severos. Isso O que não pode ser considerado uma “testagem maciça da população” , tal como preconizado pela OMS para direcionar políticas mais seguras no país.

    Tendo dito isso, como podemos analisar qual a quantidade de pessoas infectadas e óbitos em nosso país e região de fato? Existem alguns dados que nos ajudam a ver isto. 

    O Ministério da Saúde publica rotineiramente Boletins Epidemiológicos, que são documentos públicos técnico-científicos periódicos (mensais e semanais), de doenças variadas, para controle e monitoramento. Pois bem, o BE13 – Boletim COE Coronavírus, publicado no dia 20 de abril, Semana Epidemiológica 17 (19-25/04/2020), apresenta a situação epidemiológica dessa infecção no mundo e, também, no Brasil.

    Ao analisarmos este boletim, vemos que além dos casos de COVID-19, há outros dados que nos ajudam a perceber monitoramentos de outras patologias que que têm relação com os sintomas causados pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2).

    Os coronavírus causam infecções respiratórias, também chamadas Síndromes Gripais e em casos mais graves Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). A Síndrome Gripal se caracteriza por: febre, tosse e/ou dor de garganta e ao menos um dos seguintes sintomas: mialgia, cefaléia, artralgia, dispnéia conjuntivite, mal estar geral e perda do apetite. Já a Síndrome Respiratória Aguda Grave, além dos sintomas anteriormente citados, apresenta-se também dispnéia ou saturação de oxigênio menor que 95% em ar ambiente ou sinais de desconforto respiratório.

    Ambas as síndromes podem ter causas diversas, incluindo uma variedade de vírus Influenza, conhecido como vírus da gripe. Em humanos, tivemos a epidemia da SARS em 2003 m Hong Kong (China), cuja letalidade atingiu a marca de 10% e, também, a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), que ocorreu na Arábia Saudita em 2012, com uma letalidade de 30%. 

    E por que é importante entender isto para debatermos os casos de COVID-19?

    Voltando ao BE 13 – Boletim COE Coronavírus, na página 14 há um gráfico que mostra os registros de casos e óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave, comparativamente em 2019 e em 2020. A imagem abaixo foi retirada na íntegra do Boletim BE 13, citado anteriormente (página 14).

    Fonte: Ministério da Saúde, Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública, Boletim Epidemiológico 02.

    Ao somarmos a quantidade de casos de SRAG, de cada uma das 16 primeiras Semanas Epidemiológicas de 2019, observamos 12.017 casos de internação por SRAG. Neste mesmo período de 2020, foram registradas 55.980 internações com este diagnóstico. Deste total de casos de 2020, 8.318 (15%) foram de casos confirmados para COVID-19 e outros 42.817 estão em investigação (77%).

    Até a Semana Epidemiológica 49 de 2019, foram notificados 39.190 casos de SRAG, com 4.939 óbitos, sendo diferentes vírus Influenza (vírus da gripe) os principais responsáveis pelas internações e óbitos.

    O que estes dados nos dizem?

    O Ministério da Saúde indica um aumento de 366% de internações por SRAG. Do total de internações, 77% ainda não apresentam um resultado conclusivo sobre suas causas. Se considerarmos um cenário pessimista ao olhar este número, em que todos estas internações fossem confirmadas para COVID-19, praticamente dobraríamos a quantidade de casos confirmados no país.
    No entanto, sabemos que até a liberação desses dados os testes estão sendo feitos apenas em casos suspeitos que apresentam severidade de sintomas. A maioria das pessoas infectadas pelo novo coronavírus apresenta apenas sintomas brandos, ou até mesmo não apresentam sintomas (assintomáticos). E isto não seria um problema, a princípio! Afinal, não parece ruim que um vírus que nos infecte não cause danos a grande parte da população, não é mesmo? A questão, portanto, é: estas pessoas que não desenvolvem a doença com sintomas graves são infecciosas. Isto é: contagiam outras pessoas, mesmo não adoecendo gravemente da COVID-19. 

    Os testes diagnósticos não são importantes somente para termos noção se nós fomos infectados, individualmente. Mais do que isto, são uma ferramenta fundamental para gerar políticas públicas que embasem como agiremos no país, regiões, estados, municípios e bairros. Ao termos grande parte das infecções por SARS-CoV-2 não documentadas, acabamos por não reconhecer a dimensão do problema e um cenário fiel do espalhamento do vírus, o que pode levar a uma exposição ainda maior da população à doença.

    Em um estudo sobre a infecção não documentada de COVID-19 em Wuhan (China), apresenta dados que indicam que o isolamento destes casos é a medida mais eficaz para contenção da doença. É importante ressaltar aqui que o conceito de não documentados difere de assintomáticos. Isto é: infectados não documentados são aqueles sintomáticos ou assintomáticos que não foram testados e, portanto, não entram nas estatísticas mais precisas para o monitoramento da doença e seu contágio.

    Considerando que os sintomas (mesmo os mais brandos), aparecem em média no 5º dia após a infecção (mesmo os mais brandos), mas que há registros de estarmos na fase infecciosa de forma pré-sintomática (ou seja: contaminamos outras pessoas, mesmo antes dos primeiros sintomas aparecerem), não há como prever quem foi contaminado e quando essa contaminação aconteceu enquanto não minimizarmos o contato social – próximo (amigos e parentes) ou não (espaços de trabalho e comércio não essencial, por exemplo). 

    Estas análises citadas nos mostram que diferentes estratégias provavelmente foram responsáveis pela alteração das características epidemiológicas após o surto de 23 de janeiro, na China. Quais medidas? Inicialmente, aquilo que têm sido apontado em qualquer caso relacionado à COVID-19: medidas de restrição de circulação interna nas cidades com grande quantidade de casos confirmados e externa entre as cidades (o que chamamos de bloqueio total ou lockdown). Além disso, e que é o foco de debate aqui neste post de hoje, o aumento de casos diagnosticados (aumento de testes na população, saindo da estatística de “não documentados” para “confirmados”). Estes dados também são corroborados por outra pesquisa, também usando como modelo a COVID-19 na China. 

    Ao observar os dados da transmissão na China e todo o cenário brasileiro – que inclui aparentemente uma enorme quantidade de dados não documentados, pode parecer repetitivo o que seguimos afirmando, embora essencial. A letalidade da COVID-19, embora seja menor do que grande parte de outras doenças que acometem nossa sociedade, nos acarreta problemáticas que se vinculam à quantidade de pessoas infectadas. Isto é, um número aparentemente baixo, representando letalidade (2% ou menos dos casos infectados, ao que vários estudos vêm indicando), representam muitas pessoas no mundo inteiro quando percebemos que temos 2.831.513 de pessoas infectadas (casos confirmados no mundo inteiro, no dia 24 de abril de 2020).

    Todavia, temos também outra questão importantíssima: a quantidade de pessoas infectadas ao mesmo tempo e que precisam de internações e cuidados intensivos ao mesmo tempo. É exatamente por se alastrar muito, rapidamente e muito facilmente, que esta doença tem sido central em como vivemos os últimos meses e como viveremos nos próximos meses. Ter uma dimensão exata do número de infectados é, portanto, fundamental para sabermos os próximos passos de como vamos agir em nosso país/estado/município/bairro. 

    Projeções e estimativas

    Há alguns estudos que buscam realizar uma estimativa mais precisa do número de infectados no Brasil. Um grupo de pesquisadores da USP elaborou uma análise para avaliar a subnotificação, a partir de modelos epidemiológicos da COVID-19 em diferentes países (em que os testes diagnósticos foram realizados em uma proporção da população muito maior) e chegaram no valor de 93,45% de subnotificação, no dia 11 de Abril, Isto equivaleria dizer que tínhamos cerca de 313 mil pessoas infectadas com o coronavírus (repetindo: dia 11 de abril). Vocês podem conferir a projeção deste estudo aqui.

    Tomando como base estes dados todos elencados acima, considerando o número de óbitos da COVID-19, mas também as mortes por SRAG que não foram investigadas, há muito o que se pensar sobre a subnotificação e seu impacto em uma aparente “tranquilidade” na transmissão da doença, que provavelmente não condiz com o cenário real no Brasil.

    “Em suma”: o que tudo isto nos indica?

    Tem sido discutida a possibilidade relaxamento nas medidas de distanciamento social hoje adotadas por alguns municípios, de forma controlada. Não debateremos aqui, hoje, sobre a questão da economia – o que já foi apresentado em uma postagem específica no especial. Mas tendo em vista as pesquisas apresentadas e os dados brasileiros, com a possível subnotificação sem que haja uma discussão mais ampla publicamente, talvez seja muito cedo para pensarmos em um afrouxamento do distanciamento social e espacial…

    Em um próximo post (em breve), discutiremos de modo mais específico sobre o isolamento, no Brasil e em outros países do mundo…  

    Para saber mais:

    BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2013) Síndrome Gripal/Síndrome Respiratória Aguda Grave. Classificação de Risco e Manejo do Paciente.

    BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA (COE). (2020). BE 13 – Boletim COE Coronavírus.

    BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (2019). Boletim Epidemiológico 38. Influenza: Monitoramento até a Semana Epidemiológica 49 de 2019.

    GODOY. D. (2020). Brasil é o segundo país com mais pacientes graves do novo coronavírus. Revista Exame, 21 de abril de 2020.

    LANA, R.M.; COELHO, F.C.; GOMES, M.F.da C.; CRUZ, O.G.; BASTOS, L.S.; VILLELA, D.A.M.; CODEÇO, C.T. (2020) Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva. Cad. Saúde Pública [online]. vol.36, n.3.

    PARANÁ. SECRETARIA DE SAÚDE. (s/d). Fluxograma de Síndrome Respiratória Aguda Grave.

    ROCHA, C. (2020). A dificuldade do Brasil de aplicar testes em massa na pandemia. Nexo Jornal, 10 de abr de 2020.

    TIAN, H; LIU, Y; LI, Y; WU, C-H; CHEN, B; KRAEMER, M.U.G; LI, B; CAI, J; SU, B; YANG, Q; WANG, B; YANG, P; CUI, Y; SONG, Y; ZHENG, P; WANG, Q; BJORNSTAD, ON; YANG, R; GRENFELL, B.T; PYBYS, O.G; DYE, C. (2020). An investigation of transmission control measures during the first 50 days of the COVID-19 epidemic in China. Science, 31 de Março. DOI: 10.1126/science.abb6105

    YANG, P., WANG, X. (2020). COVID-19: a new challenge for human beings. Cell Mol Immunol. https://doi.org/10.1038/s41423-020-0407-x

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
    Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Da pandemia à solidão: a distância física entre nós

    A pandemia causada pelo COVID-19 impôs estado de calamidade pública. A medida comprovadamente mais eficaz para frear o espalhamento do vírus é o isolamento físico. Confinados nos lares, nos sentimos sós. Nesta reportagem conversamos com Paulo Sérgio Boggio, professor e pesquisador em neuropsicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, sobre a diferença entre estar só e sentir-se só, os efeitos negativos do isolamento e como transpor a solidão caso ela bata à porta.

    A pandemia de COVID-19 começou em Wuhan, China, em 12 de dezembro de 2019. A partir daí o espalhamento do vírus foi rápido. Em abril de 2020, a doença já é realidade para 179 países. A infecção de quase um milhão de pessoas ao redor do mundo vem lotando hospitais que sofrem com a falta de insumos, equipamentos e pessoal, mesmo nas nações mais ricas e desenvolvidas. Na falta de alternativas tecno-científicas para combater a doença, resta a população se resguardar, lavando as mãos com água e sabão frequentemente e evitando o contato físico através do isolamento.

    Estabelecimentos antes lotados, agora fechados; ruas dominadas por carros e transeuntes, esvaziadas; escolas e universidades presenciais, agora em modo digital para os mais privilegiados; conhecidos tratados como desconhecidos, sem as cortesias do contato físico; e o silêncio dominical invadindo os dias da semana representam grandes mudanças no cotidiano. Confinados dentro dos lares e ilhados por informação (de qualidade ou não), as emoções negativas podem dominar, entre elas confusão, ansiedade e, principalmente, solidão.

    Diante de um inimigo invisível, muitas pessoas buscam por explicações que julgam estar à altura da calamidade pública. Muitas vezes, o refúgio para o medo está nas desinformações, notícias falsas (fake news) e teorias conspiratórias. Ficamos vulneráveis ao espalhamento das notícias negativas, tão contagiosas quanto o próprio vírus, e os temores se amplificam. Nessa hora, o distanciamento social pode exacerbar a alienação, desumanização, discriminação e violência subjacentes à vida contemporânea na era da informação (ou digital).  

    Felizmente, fatos e realidade se impõem e o combate à pandemia com medidas drásticas, como os full lockdowns (bloqueios ou fechamento total de regiões), deletérias economicamente, se mostram eficazes para salvar vidas. O contato social remoto nessa hora é estratégico para promover a coesão e a cooperação entre pessoas e estimular proatividade e resiliência exigidas de cada um de nós. 

    Crédito imagem: Sofia Garza no Pexels

    Como espécie, humanos são seres sociais e, em boa medida, sociáveis. Recorremos aos afetos para aliviar as tensões e dividir angústias. Definidos pela nossa rede de relacionamentos, afastados ficamos fracos e opacos. A imposição do afastamento físico é, por isso, um martírio frente à tantas incertezas. A grande pergunta agora é como lidar com uma situação física e mentalmente extenuante?

    “O isolamento social ou a quarentena podem ter efeitos psicológicos importantes, caso esse isolamento signifique solidão. Apesar de parecerem a mesma coisa, estar só não necessariamente significa sentir-se só. Em vez de usarmos o termo isolamento social, deveríamos usar isolamento físico ou distanciamento físico”, explica Paulo Sérgio Boggio, professor e pesquisador em neuropsicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em entrevista concedida para esta reportagem.

    Estar só não é sentir-se só

    A frase pode parecer um contra-senso. No entanto, na psicologia a regulação emocional da solidão é complexa e subjetiva, atrelada a forma individual como percebemos e julgamos nossas interações com os outros.

    “Recentemente, publicamos um estudo mostrando que o toque humano afetivo (tocar as mãos dos outros) tem um efeito positivo na percepção de cenários negativos. Ser tocado por outras pessoas ajuda a diminuir a percepção negativa de situações negativas. Veja então o tamanho do problema: temos um isolamento das pessoas e uma recomendação para diminuirmos o toque físico”, alerta Boggio.

    Apesar do toque físico ser uma balsamo para a alma, a conexão em rede usando a tecnologia garante que as relações se mantenham com certa normalidade e regularidade, sejam elas pessoais ou profissionais. Conversar cara a cara e partilhar atividades e interesses mútuos, mesmo quando distante fisicamente, ajuda a manter o bem-estar do corpo e da mente.

    “Outros estudos têm mostrado que o simples fato de você saber que alguém está simultaneamente assistindo ou acompanhando algum evento faz com que as pessoas percebam os estímulos como mais positivos. Temos visto nesse momento várias ações coordenadas com características semelhantes à desses estudos: desde pessoas nas janelas em um mesmo horário para cantar, bater panelas, aplaudir equipes médicas até ações como a da Netflix de promover sessões conjuntas entre assinantes. Essas atividades aumentam o nosso senso de conexão com os outros, nos ajudando a cruzar esse momento de crise”, comenta o pesquisador.

    Crédito imagem: Matthias Zomer no Pexels

    A solidão durante a quarentena parece ser mais uma opção do que uma imposição. Infelizmente, não para todos, como explica Boggio. “Vários grupos são mais vulneráveis nesse momento e merecem maior acompanhamento como, por exemplo, pacientes com quadros depressivos. Daí a importância do uso da tecnologia para atendimentos psicológicos e médicos a distância. Os efeitos da solidão também podem agravar outros aspectos além da saúde mental, como o sistema imunológico e cardiovascular. Estar isolado e não receber contato de outros (algo semelhante ao ostracismo ou exclusão) impacta as chamadas necessidades básicas: autoestima, significado de existência, noção de pertencimento e de controle. Fizemos no laboratório um experimento sobre isso anos atrás e mostramos que uma simples sala de bate-papo na qual alguém é excluído da conversa seguidas vezes abala essas necessidades básicas.”

    Como evitar a solidão?

    “Para lidar com a solidão é importante usar as várias tecnologias de conexão de duas vias, que permitam encontros simultâneos entre as pessoas. A forma como interagimos tem origem na sincronização de movimentos, de sons, etc. Nesse momento, muito disso está restrito pelo isolamento. Mas o velho e bom telefone assim como as salas de conversa, como Zoom e Google Hangouts, podem ajudar bastante”, enfatiza Boggio e acrescenta, “A solidão também pode ser combatida com atividades em que as pessoas se sintam coletivamente engajadas tanto em ambientes virtuais (por exemplo, aulas de meditação online, clubes de leitura e conversa, apresentações musicais), quanto por atividades reais (por exemplo, rodízio de pessoas entregando medicamentos e alimentos àquelas que fazem parte dos principais grupos de risco).”

    Belos exemplos de solidariedade, cooperação, altruísmo, empatia e compaixão também transbordam mundo afora seja entre familiares, vizinhos ou desconhecidos. Simples atitudes como ajudar com compras, entregar correspondências e falar ao telefone ganham novos contornos e significados em uma sociedade antes magnetizada e hibernada pelos smartphones, mesmo em meio ao convívio social intenso.

    Crédito imagem: Andrea Piacquadio no Pexels

    No entanto, o uso da tecnologia digital pode ser um desafio para os idosos, mais suscetíveis aos sentimentos de solidão e desconexão com o mundo. O isolamento, físico e/ou social, pode ser ainda mais danoso em tempos de pandemia, por elevar os níveis de estresse e afetar negativamente o sistema imune e cardiovascular.

    “A situação dos idosos é preocupante. Muitos já estavam isolados socialmente por diferentes motivos. Para eles, as alternativas tecnológicas não necessariamente serão fáceis de implementação. Nesses casos, os familiares terão um papel fundamental para auxiliá-los a usar esses recursos. Mas esse papel deve se estender inclusive para além dos contatos sociais; a preocupação deve estar em garantir alimentação, cuidados com a casa e com a saúde, dando condições para que os mais idosos de fato fiquem protegidos em casa”, finaliza o pesquisador.

    Hoje é imperativo a manutenção dos afetos e da sensação de pertencimento à um grupo para o enfrentamento do COVID-19. A distância física entre nós pode ser uma barreira, mas pontes são facilmente erguidas com auxílio da tecnologia da comunicação disponível. Cuidar dos mais vulneráveis nesse momento é um ato de amor imensurável.

    Referências

    Dong, E.; Du, H.; Gardner, L. An interactive web-based dashboard to track COVID-19 in real time. The Lancet Infectious Disease, 2020. doi: 10.1016/S1473-3099(20)30120-1

    Van Bavel, J. J. et al. Using social and behavioural science to support COVID-19 pandemic response. PsyArXiv Preprints, 2020. Disponível em: https://psyarxiv.com/y38m9 Acesso em 31 mar. 2020. doi: 10.31234/osf.io/y38m9

    Wingenbach, T. S. H. et al. Evaluations of affective stimuli modulated by another person’s presence and affiliative touch. Emotion, 2019. doi: 10.1037/emo0000700

    Donate, A. P. G. et al. Ostracism via virtual chat room – effects on basic needs, anger and pain. PLoS ONE, v. 12, n. 9, p. E0184215, 2017. doi: 10.1371/journal.pone.0184215

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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