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    Magma fora do vulcão? Conheça o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia do interior paulista

    Autor

    Vinicius Nunes Alves

    A ciência é dinâmica, mas tem coisa que não mudou até hoje. Ainda está valendo aquela definição que se aprende na escola sobre magma, como sendo uma camada de rochas fundidas, derretidas e extremamente quentes que ficam abaixo da superfície da Terra. Às vezes, o magma sobe por vulcões ativos em erupção e quando entra em contato com a atmosfera e se resfria, já chamamos de lava. Mas no interior paulista, existe um museu que se chama magma por outros motivos, é o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia – MAGMA, que se localiza na Rodovia Gastão Dal Farra, Km 4, Botucatu-SP. O MAGMA é um dos poucos museus do Brasil que dispõe de uma coleção com mais de 2 mil peças moldadas pela história da Terra, contando com rochas, minerais e fósseis de milhões de anos da cuesta de Botucatu e outras regiões do mundo.  

    Uma persona em foco que compartilha uma história de experiências com o MAGMA, bem como suas fases e planos futuros é Berenice Balsalobre. Ela é advogada por formação (Direito-USP), depois, por influência do museu, também se graduou em Geografia (Universidade de Brasília) e fez outras especializações na área. Até hoje Berenice é atuante dessas áreas e compõe a diretoria do MAGMA, exercendo funções de curadora e tesoureira. 

    Nesta entrevista exclusiva (originalmente publicada no blog Natureza Crítica), conheça uma pitada desse distinto e belo museu do interior paulista, que é bastante ativo e longe de se estagnar.

     

    Arquivo pessoal: Berenice Balsalobre

     

    Em 2006, o Museu de Mineralogia Aitiara foi fundado pelo alemão Erich Otto Blaich, que teve uma trajetória de vida como artista, pintor, escultor, mineralogista e educador por vocação e formação. Pouco depois, em 2008, veio o estatuto da Associação Museu de Mineralogia Aitiara. A elaboração do Estatuto foi um processo feito a várias mãos e atores?

    Foi feito a várias mãos, sim, porque essa coleção do professor Blaich já era muito antiga e o desejo dele sempre foi de proteger essa coleção passando adiante para mais pessoas. Inicialmente, ele achou que a escola Aitiara poderia ficar com a coleção para cuidar e explorar sozinha, mas passados alguns anos, ele viu que isso era uma tarefa difícil para ficar só com a escola. Um museu tem necessidades particulares e uma escola também. Por isso Blaich decidiu fundar uma Associação para proteger melhor o acervo e foi quando, formalmente, o museu ganhou uma pessoa jurídica. Mas esse estatuto, desde sua concepção, foi elaborado junto com um professor da escola, além de uma equipe bem reduzida que já ajudava no museu. Eu atuei nesse processo como advogada e, então, nós criamos essa pessoa jurídica para responder pelo museu e também para ter uma administração plural. Nesse momento, o acervo não era só do Erick Blaich, mas da Associação Museu de Mineralogia.

    A equipe que fundou essa Associação era composta por um mantenedor, um professor da escola, eu como advogada e a geóloga Valéria Teixeira. Ela foi cofundadora da escola Aitiara e se tornou professora da pedagogia Waldorf. O tempo que essa geóloga atuou foi muito importante para começar a expor toda a coleção, pois era quem tinha bastante conhecimento por formação e sempre teve muito amor pelas peças do Blaich. Em 2006, o acordo que o professor Blaich fez com a escola para fundar o Museu foi que ele pudesse ocupar uma das salas de aula da escola para estudar, cuidar e expor minerais. Esse acordo que ele fez com a escola entrou como uma doação de um fundo financeiro que essa iniciativa tinha para construir um museu.  A escola cedeu uma sala para ele e todo o acervo dele, que estava guardado em muitas caixas em sua casa, começou a sair e preencher o museu. No começo era bem precário e muitas peças ficavam em mesas improvisadas. Para deixar mais bonito, a gente colocava um pano azul sobre as mesas e em cima dispunha os minerais. A primeira exposição foi assim e depois, devagarzinho, foram sendo construídas prateleiras, daí os minerais deixaram as mesas e começaram a ir para as prateleiras.

     

    Desde a sua concepção, Erich vinculou o museu à Aitiara Escola Waldorf. Pensando em uma explicação para o público amplo, como basicamente a Pedagogia Waldorf potencializa a proposta do museu?

    Blaich, entre outras coisas, era um professor e sempre foi muito querido e carismático pelas escolas da pedagogia Waldorf que ele visitava. No início, o acervo dele ficou em uma escola Rudolf Steiner/SP que segue a pedagogia Waldorf e fica em São Paulo. Mas lá também não conseguiram ter um museu na escola e, quando o professor se mudou para Botucatu, a ideia foi vincular com a escola Aitiara, mas não com a escola tomando a frente, pois uma escola já tem o tempo ocupado por várias atividades. Então o museu passou a ser mais ligado à área da cultura, embora um museu de mineralogia seja transversal passando pelas áreas de meio ambiente, educação e artes. Dentro da grade curricular das escolas Waldorf tem uma época dedicada à mineralogia, principalmente no sexto ano. As escolas Waldorf abordam o assunto por épocas, então quando tem a época da mineralogia, os estudantes passam cerca de quatro semanas imersos em aulas desse assunto. São aulas estendidas de uma hora e meia só trabalhando mineralogia. O mesmo acontece quando é uma outra época da grade curricular, por exemplo, cultura grega é a época que as turmas só trabalham questões que envolvem direta ou indiretamente essa temática. A época da mineralogia é bastante importante dentro do currículo do ensino fundamental e os estudantes realizam inclusive uma viagem de quatro dias explorando minerais do ambiente. Uma viagem de campo leva as turmas até o Pico de Itatiaia, no Parque Nacional do Itatiaia. E por aqui na nossa região também tem visitas de campo para estudar o arenito e o basalto. Por exemplo, nessa época de mineralogia as turmas vão atrás de quartzos que ocorrem no basalto da cuesta. Todas essas atividades da época de mineralogia fazem muito sucesso dentro do ensino fundamental e é uma época muito esperada pelos alunos, então foi quase que natural essa extensão do museu para escola.

    Cada dia o museu apresenta minerais diferentes com objetivo de despertar e manter o encantamento dos alunos. A pedagogia Waldorf busca muito o encantamento para o aprendizado e quando os estudantes veem beleza, aprendem junto com o encanto. Sabemos que a Geociências tem o potencial de mostrar muitas belezas da Terra, né? A natureza já tem muitas joias naturalmente e Erick Blaich sempre teve esse olhar, não só como professor, mas também como artista plástico. Os minerais que ele queria mostrar para os estudantes tinham que ser sempre lindos. Blaich nunca se acomodava, quando ele alcançava aquele mineral lindo, ele achava que aquele era bom, mas devia ter um mais lindo que aquele. Então o que a gente tem no acervo é uma seleção de peças realmente muito bonitas. Se a gente considerar o grande museu que tem no estado de São Paulo que é o de Geociências da USP, não acho que deixamos nada a dever para ele em termos de beleza de acervo. A gente tem quartzos maravilhosos de ametista no museu que fazem sucesso entre os alunos, inclusive um quartzo verde que é uma grande drusa verde que conseguimos depois. É importante dizer também que a gente faz isso sempre respeitando as questões do meio ambiente, pois hoje a sociedade e a educação estão muito preocupadas com a sustentabilidade para não agirmos de forma predatória. Sabemos e rastreamos de onde veio aquele mineral e como foi feito aquele garimpo. É importante que a gente admire os minerais, sem deixar devastação para trás.

     

    A ideia do nome do espaço ser Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia – MAGMA contempla a interdisciplinaridade. Pode comentar sobre isso?

    De alguma forma, temos essas três áreas aqui. Estamos em um espaço de apenas 90 metros quadrados, mas também fazemos exposições itinerantes como a do Aquífero Guarani. A gente percebeu que a equipe fala muito mais do que só sobre os minerais e vai além de Geociências. A divulgação científica também ocorre de diversas formas pelo museu, por exemplo, colocamos placas educativas e explicativas sobre o Morro de São Cristóvão na escadaria da prefeitura de Botucatu. A própria Geociências é um campo aberto para outras áreas, como meio ambiente e astronomia. A formação da Terra conta muitas histórias e nosso planeta interage com o espaço, objetos como meteoritos são buscados para nosso acervo. Na escola quando chega a época da Mineralogia que comentei, os alunos não deixam de passar por Astronomia, pois acabam estudando o céu. Lembramos que os elementos químicos que estão aqui na Terra e no nosso corpo também estão no Cosmos. Já o nome “aberto” é porque o museu conversa com áreas culturais e artísticas, além de receber exposições e trabalhar para ampliar a acessibilidade. Eu sempre falo para jovens, e não só alunos da Aitiara, que o museu aos sábados é aberto à visitação pública. Nós estamos em processo de mudança para outro espaço maior na Demétria e lá nós teremos mais horários para visitação. Nesse novo espaço também teremos um pequeno observatório astronômico que será coordenado pelo geólogo e astrônomo Paulo Varela. Aliás, ele foi quem fez a feliz sugestão para do nome MAGMA para o museu.

     

     

    Qual o parentesco de Han Jorg Blaich, atual presidente do MAGMA, com o saudoso Erich Blaich? Ele também herdou a admiração pelas pequenas coisas da natureza, como uma pedra, uma flor ou um inseto?

    Filho e pai. A gente chama o Hans Jorg de “Jorge”, é como ele ficou conhecido por aqui. O Jorge veio para a Demétria nos anos 70. Nessa época havia atividades na Estância Demétria, que era uma fazenda e era o núcleo do bairro. Quando a fazenda começou aumentar de trabalhadores, foi quando a escola começou a ser pensada para os filhos dos trabalhadores. Cada ano escolar foi criado aos poucos e, com a escola, também começaram a nascer os condomínios. O pai do Jorge, Erich Blaich, veio depois que se aposentou em São Paulo. Ele foi professor lá há muitos anos e se mudou para cá depois de aposentado. Aqui ele não era mais professor de alunos, mas sim de professores. Dava aula de artes e mineralogia. Mas gostava de chamar os alunos da escola para visitar a sua casa e conhecer sua coleção de minerais. Na casa do Erich, a gente “tropeçava” em minerais e ele ensinava muitas histórias. Como a escola que estava nascendo é particular, havia também uma preocupação com a integração social de boa parte das crianças dos trabalhadores que não tinham condição financeira para pagar a mensalidade. Erich vendia parte dos seus minerais para Alemanha e com o dinheiro ele ajudava a construir salas de aula e bazares.  Ele construiu muitas salas de aula, inclusive no Chile e na Argentina pediram para ele fazer um bazar para arrecadar dinheiro e construir sala de aula.

    O Jorge sempre teve muita ligação com o pai e a casa onde nasceu e cresceu já era praticamente um museu. Erich sempre gostou de minerais e Jorge herdou isso do pai. As pequenas coisas da natureza estão no coração do Jorge. Ele adora minerais, mas o coração dele bate mais forte pelas plantas e ele foi um dos pioneiros na construção da fazenda Estância Demétria. Uma grande parte das árvores que existe aqui, Jorge que plantou porque quando eles chegaram aqui já era uma área não vegetada e com terra pobre, já usada por sucessivas monoculturas. Jorge tem formação na área de Agronomia. Até ano passado, ele fazia consultoria para Centro Flora nas áreas de cultivo de abelhas, de plantação de ervas e de extração de óleos orgânicos. Então sua ligação com a natureza é imensa.

     

    Você, Berenice Balsalobre, é a curadora e a tesoureira do MAGMA, além de geógrafa por formação. Na sua história, quais são as principais motivações e circunstâncias que levaram você a trabalhar com Geologia?

    Minha formação original é em Direito e foi depois de muito tempo que cursei Geografia. Eu também fiz mestrado na Unicamp na área de Geociências, mas devido algumas circunstâncias pessoais, acabei não defendendo. Mas em toda a minha vida me dediquei à área jurídica como advogada. Eu me formei em Direito na USP em 1981 e antes mesmo de me formar eu já exercia a profissão de alguma forma. Entre 2004 e 2005, fui presidente da mantenedora da escola Aitiara na época que estava construindo o ensino médio, então eu estava bastante envolvida com a gestão da escola. Foi quando fizemos o acordo com o professor Blaich sobre o museu junto com a escola. Na época faltava um pouco de dinheiro para acabar as obras e Blaich tinha um fundo de doações de campanhas. No acordo, ele doou esse dinheiro para terminar a escola, enquanto a escola doou uma sala para ele expor os minerais até construir o museu. Aí vieram as mesas de cavalete onde ele expunha suas caixas de minerais. Nessa época, em 2006, ele já tinha uns 86 anos e, às vezes, ele me chamava para ajudar a limpar os minerais. Ele era uma pessoa bem-humorada e super agradável de ficar junto. Foi em um desses dias de limpeza e arrumação, que ele e eu pensamos em abrir o museu todo sábado para quem quisesse visitar. Depois de um tempo, ele até me deu uma chave da porta do museu e assim meu envolvimento com esse espaço e com essa área de conhecimento foi crescendo. Daí após cinco anos, ele morreu, o museu ficou órfão e eu também fiquei órfã junto.

    Começou então um outro momento no museu que foi chamar uma museóloga para catalogar todo o acervo. Fui percebendo que o museu é um espaço não só lindo e que as pessoas olham e querem voltar, mas também um espaço social e de questionamento. Questionar a partir daquilo que está vendo, por exemplo, qual função tem isso na natureza? Como isso foi retirado da natureza? Tem muito ou pouco disso na natureza? Então o museu foi nascendo e eu fui gostando muito dessa área, por isso decidi fazer Geografia. Fiz o curso de bacharelado pela Universidade de Brasília, que tinha um polo à distância em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Mas fiz muitas aulas presenciais também que foram muito ricas. Assim, eu descobri uma nova profissão, mas a minha profissão de origem e onde eu me sustento é como advogada. Como curadora do Magma, meu trabalho é quase totalmente voluntário, mas eu gosto muito do que faço, pois considero um engrandecimento espiritual trabalhar com a natureza, além de ser muito prazeroso.

     

    O Erich, em corpo e alma, deixou a Terra em 2011, mas a sua coleção ficou para educação e sociedade. Desde então, o quanto o acervo cresceu e por quais meios vocês buscam arrecadar verba e ampliar a coleção? E como está o Plano Museológico do Magma?

    Depois do Erich, acho que a gente comprou mais de 200 peças, pois a gente fez um amigo em Marrocos que é comerciante e nos ajuda bastante com doações para o acervo. Com ele e em feiras a gente já adquiriu materiais muito lindos. A gente também pede um subsídio com visitas de escolas não públicas. Todo ano a gente recebe escolas de São Paulo e de Bauru, principalmente da Pedagogia Waldorf. Pedimos uma colaboração por cada criança e temos também uma lojinha no museu. E todo fim de ano, a gente tem o bazar de Natal da escola Aitiara que ajuda também. Outra verba vem de oficinas ligadas ao nosso acervo e que servem para capacitação museológica. Todos esses valores nós vamos juntando e o museu tem pouca despesa fixa, por isso conseguimos aumentar o acervo devagar e sempre. Às vezes, aparece alguma peça que a gente fica com muita vontade de comprar como meteorito palacito que é bastante raro, daí lançamos uma campanha pública para doações até conseguir comprar. Mas os projetos que escrevemos e enviamos para editais, como os do Programa de Ação Cultural do governo do estado de São Paulo, não são para manter o museu nem para aumentar o acervo, mas sim destinados para desenvolver projetos educativos e culturais. Projetos para financiar a estrutura do museu precisam ser projetos formatados, como o que fizemos para mudar o mobiliário do museu. Nesse caso, a gente uniformizou toda a marcenaria, construímos a estante de vidro e tudo vem de dinheiro carimbado que a gente fala. O maior projeto que temos no momento é o que ganhamos para fazer o nosso plano museológico, disponível em nosso site, que contou com uma série de especialistas e questionários. Estamos saindo de 90 metros quadrados e indo para 500 metros quadrados. Então é muita mudança, um verdadeiro desafio. A gente vai para um prédio doado em comodato pela Associação Cambará que ficou mais de 15 anos fechado. Ele também fica no bairro Demétria e precisa de reformas estruturais. Estamos com metade do espaço pronto, onde já realizamos algumas oficinas com experimentações têxteis e arqueológicas. 

     

    Em 2021, eu tive o prazer de receber com minhas turmas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio de escolas estaduais onde trabalhei as visitas didáticas da equipe do MAGMA com o Projeto Proteção das águas: Aquífero Guarani, apoiado pelo Programa de Ação Cultural São Paulo – PROAC. O que você destaca dessa experiência?  

    Esse projeto era para ser presencial e foi transformado em online por causa da pandemia e depois ele também teve o formato híbrido como foi com suas turmas. Por exemplo, a parte do trailer contando a história da transformação do deserto em cuesta foi por vídeo e não com a apresentação do trailer. Mas as suas turmas já tiveram a oficina de pintura com terra presencialmente. Para mim, esse projeto serve como uma mosquinha que pica o aluno para ele perceber que essa área é legal e, então, o olhar dele se abre. Eu percebo isso quando acompanho turmas que ficam três dias conhecendo a Cuesta, entrando em contato com a paisagem e colhendo cristais de quartzo da região. Esse tipo de experiência descortina o olhar dos alunos que percebem que o mundo físico é muito interessante. Uma visita pode mostrar que um simples barranco tem muita memória que pode ser interessante. Quando você só fala sobre um fato aos alunos é uma coisa, quando você fala mostrando uma pegada é outra coisa. Nesse exemplo você coloca os alunos para imaginar um animal que andou numa areia fresca, deixou a pegada, o vento cobriu e hoje a gente está vendo a pegada desse dinossaurinho ou desse mamífero. Acho que o potencial da Geologia é subestimado dentro das escolas que também precisam de mais formas de estímulo.

     

    Trailer de projeto itinerante sobre a Cuesta e o Aquífero Guarani. Uma das atividades do Programa Guarani, realizado pelo MAGMA em escolas e praças públicas de Botucatu e região, com apoio do ProAC

     

    Visitas didáticas como a dos meus sétimos anos da Emef Profª Elda Moscogliato ao Magma é uma forma de estímulo?

    Certamente, e de escola municipal acho que foi a primeira que recebemos como visita guiada. Eu estou conversando com a Secretária da Educação para mais alunos visitarem o museu. Isso é importante e está no plano municipal de educação a recomendação de aproveitar os instrumentos educacionais e culturais do município. Falar que existem minerais lindos é uma coisa, ir ao museu e ver esses materiais lindos é outra coisa. A partir desse contato podemos buscar mais diálogo com os alunos, inclusive o museu é um lugar de perguntas, não só de observar. É importante, por exemplo, a pergunta de onde e como são conseguidos esses minerais, pois precisa ser de modo sustentável, respeitando as leis e os limites da natureza. Todo material adquirido para o museu deve ter rastreabilidade. 

     

    Visita do sétimo da Emef Profª Elda Moscogliato ao MAGMA como atividade do componente de Ciências

     

    Para Carlos Vogt, os museus são espaços fundamentais do ensino para a ciência e contribuem para compor a espiral da cultura científica. Além dos horários de visitação aberta aos sábados, vocês têm objetivos e projetos de receberem jovens com visitas guiadas?

    A nossa coluna vertebral hoje ainda é o conjunto de projetos que fazemos com as escolas. A gente recebe as escolas e faz monitoria, falando da formação da crosta terrestre, o seu tempo geológico e os tipos de rochas. O planeta Terra faz esse grande palco estruturado da crosta terrestre, a gente mostra os minerais mais bonitos, os mais importantes e os mais abundantes. Então é uma visita que, dependendo do grupo, às vezes as turmas ficam duas horas dentro do museu porque a gente convida os alunos para escolherem o mineral e desenharem. Com as crianças, esses projetos acabam sendo de sensibilização e de observação. A primeira coisa que eu falo quando entram no museu, deixem os celulares no bolso. Olhem antes de tirar foto, a ideia é desenvolver o olhar e, nesse sentido, a gente tem acumulado experiências prazerosas e formativas. Para o ensino de ciências, também temos textos de congresso de geologia falando sobre o Aquífero Guarani da nossa região que também podem ser aproveitados em aulas.  

     

    No site do MAGMA consta o projeto “Caminhos Geológicos / SP” que tem parceria com Departamento de Recursos Minerais (DRM) do RJ, da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e outras instituições. Em que pé está?

    Esse projeto foi inspirado em outro projeto parecido que é o “Caminhos Geológicos-RJ”. Nós queremos replicar o que esse projeto realiza há anos e já tem mais de 150 placas no estado do Rio de Janeiro, buscando despertar interesse geológico de forma dirigida através de placas rodoviárias. A nossa ideia é instalar painéis com informações do Sistema Aquífero Guarani (SAG) em toda a Rodovia Castelo Branco, começando pelo KM 166. A gente propôs uma placa nesse ponto para anunciar o começo do Aquífero Guarani e também outras placas de conscientização sobre esse importante e enorme aquífero na Rodovia Marechal Rondon. Nós escrevemos esse projeto e enviamos para a ARTESP, foram feitas algumas reuniões com os coordenadores, mas ainda não tivemos sucesso com esse projeto. Nós não desistimos e já conseguimos instalar duas placas no Morro de São Cristóvão, que fica às margens da R. Marechal Rondon, que trazem informações sobre o Aquífero Guarani. Lá é um ótimo lugar para aulas práticas sobre a geologia da região. Na Prefeitura de Botucatu, nós instalamos uma placa informando que o piso da escadaria é de mármore estromatolítico datado de 2,2 bilhões de anos. E também no gabinete do prefeito, existe uma grande placa com informações sobre a Cuesta que o MAGMA ofereceu. Queremos instalar muito mais placas educativas sobre pontos geológicos.

     

    Em 15 anos de funcionamento do MAGMA com a Escola Aitiara, alguns jovens já se inspiraram em vocês e embarcaram em áreas científicas relacionadas?

    Em geral, os alunos da escola gostam e aproveitam bastante o museu. Conheço muitos que saíram do ensino médio e foram cursar Geografia. Mas geólogos eu conheço poucos e não sei exatamente o porquê. Eu ainda não conheço nenhum ex-aluno nosso que se tornou geólogo. Mas a gente segue semeando e a colheita virá.

     

    Sobre o autor

    Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp-IBB, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU-Inbio e especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp-Labjor. É ex-professor substituto em Filosofia da Ciência na Unesp-IBB, atua como professor de Ciências na Prefeitura de Botucatu e como colunista no jornal Notícias Botucatu.

    Como citar:  

    Alves, Vinicius Nunes. (2023). Magma fora do vulcão? Conheça o Museu Aberto de Geociências, Mineralogia e Astronomia do interior paulista. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2.
    Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/26/magma-fora-do-vulcao-conheca-o-museu-aberto-de-geociencias-mineralogia-e-astronomia-do-interior-paulista/. Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Fotos de Tess AI

  • Divulgação científica em trajetórias aleatórias da vida (ou “qual o caminho eu devo tomar?”)

    Divulgação científica em trajetórias aleatórias da vida (ou “qual o caminho eu devo tomar?”)

    Recentemente, eu escrevi um texto, a partir de algumas frases comuns de estudantes da Unicamp, ou outros espaços, que eu acompanho. Eu finalizei este texto perguntando para onde gostaríamos de ir com nosso trabalho. Parece-me que é uma pergunta importante em tempos de divulgação científica, especialmente em redes sociais, em que parte da nossa rotina…

    Como citar este texto:

    Ana de Medeiros Arnt

    Divulgação científica em trajetórias aleatórias da vida (ou “qual o caminho eu devo tomar?”)

    Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas

    V.8, N. 12, 2022

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt no blog PEMCIE.

    Como citar: 

    Ana de Medeiros Arnt

    Divulgação científica em trajetórias aleatórias da vida (ou “qual o caminho eu devo tomar?”)

    Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas

    V.8, N. 12, 2022

     

    Sobre a imagem destacada:

    Foto disponibilizada pelo Canva Pro. Arte por Clorofreela.

  • O Spoiler como discurso

     Texto por Erica Mariosa Carneiro

    Sobre as estratégias de marketing na Divulgação Científica – Spoiler e seu uso político

    “Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” (FOUCAULT, 1996 p.08)

    Durante o trabalho de divulgação científica sobre a COVID-19 que realizamos no Blogs de Ciência da Unicamp, por diversos momentos, me peguei refletindo sobre essas mesmas duas perguntas que Foucault faz no início de A Ordem do Discurso

    É claro que lá em 1970, época em que essa pergunta foi refletida por Foucault, a internet ainda era um projeto de conhecimento de pouquíssimos cientistas e a ideia de um mundo conectado a discursos eternizados em redes sociais não fazia parte desta discussão. Contudo, ao ler Foucault não pude deixar de relacionar esses dizeres a este momento em que lidamos com discursos ditos de forma estratégica, travestidas de acidentais e com o objetivo claro de confundir e invisibilizar toda uma população.

    Spoiler como Discurso

    “Foucault (2012) afirma que o discurso não é uma cópia exata da realidade, mas uma representação culturalmente construída, visto que o poder circula pela sociedade. A partir da desconstrução histórica de sistemas ou regimes formadores de opinião, pode-se analisar o significado e alcance de um discurso, verificando o porquê certas categorias, linhas de pensamento e argumentos tomam um caráter mais verdadeiro do que outros. Frente a este cenário, o próprio discurso acaba posicionando o sujeito, definindo seu papel diante da prática discursiva.” (DE MELLO e VALENTIM, 2021 p. 35)

    Muito antes da internet, o ato de revelar pequenas partes de uma história para atrair a atenção do público já era um recurso muito usado pelo marketing. Essas estratégias têm como objetivo aguçar a curiosidade de seu público, provocando ações que garantam o sucesso da obra (quando digo “obra” leia-se qualquer produção ou produto ou pessoa ou ideia que pretende-se divulgar), como o aumento de compras de ingresso para o lançamento de um filme, por exemplo.

    As estratégias de escape (como aprendi na minha graduação) ou como é mais conhecida hoje em dia a “estratégia de spoilerconsiste em vazar uma informação importante e reveladora de forma proposital mas com aparência de acidente à veículos de comunicação, seu objetivo principal é conseguir mais espaço na mídia do que o inicialmente contratado e, por consequência, mais visibilidade. 

    Através de uma pequena frase que “escapa” em uma entrevista, uma imagem ou frase que dá margem a especulação, o envio de um produto antes do lançamento ou até uma informação falsa já é possível conseguir a atenção da imprensa, dos veículos de comunicação especializados e de sua base de fãs.

    O exemplo Marvel

    É claro que a Marvel não foi a primeira empresa a apostar na estratégia de Spoiler como forma de divulgar seus produtos, e quando digo produtos não resumo isto aos seus filmes, mas toda a franquia Marvel, como quadrinhos, camisetas, parque de diversões, personagens e até ideias.

    É possível identificar este planejamento desde a sua fase 1 ao adotar cenas pós-créditos (isso mesmo, no plural) que antecipam informações e provoca no espectador o desejo de continuar acompanhando a história independente do custo ou tempo que isso gere. Mas não só o aumento de cenas pós créditos, a Marvel mantém toda uma maquinaria de incentivo massivo de teorias.

    Teorias, na cultura pop, se trata de produções de materiais por fãs que antecipam, apresentam fatos e discutem possíveis futuros para suas franquias favoritas. Essas produções giram em torno de textos, vídeos e comentários, mas também podem ser vistos em memes, artes, Fanfics e até filmes completos.

    E como isso funciona na prática?

    Com o incentivo financeiro que as redes sociais proporcionam aos seus usuários em troca de visibilidade (curtidas, compartilhamentos, etc) a estratégia de escape ou spoiler ganha uma nova camada, os comentários.

    Segundo (FOUCAULT, 1996 p.25) 

    “o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Deve, conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa nunca, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito.”

    Assim, além do aumento de tempo na cobertura da obra, a Marvel viu no comentário um upgrade na estratégia original: a de prever a satisfação do público. Basta entregar o spoiler a um grupo de influenciadores, e monitorar os comentários do público para prever se é necessário alterações no conteúdo da obra ou na estratégia escolhida para divulgação de suas produções.

    Ou seja, a estratégia de spoiler contribui não só para o retorno em visibilidade para as produções da Marvel ela também possibilita a economia em dinheiro ao oportunizar correções estratégicas a partir da reação da sua base de fãs.

    “O comentário conjura o acaso do discurso fazendo – lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado. A multiplicidade aberta, o acaso são transferidos, pelo princípio do comentário, daquilo que arriscaria de ser dito, para o número, a forma, a máscara, a circunstância da repetição. O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCAULT, 1996 p.25 e 26) 

    Sendo assim, todas as escolhas da Marvel tem como objetivo a geração de comentários e a geração de conteúdos novos, as teorias. Desde, a escolha do elenco, do cenário, do comportamento do atores nas entrevistas e nas redes sociais, até a negociação com outras empresas detentora de direitos autorais, são apresentadas a imprensa, influenciadores e fãs como escape, descuido, verdade que não deveria ter sido revelada ainda.

    Assim a imprensa, influenciadores e sua base de fãs foram se acostumando a buscarem nas produções da Marvel qualquer vislumbre de uma nova informação e a partir disso gerar novos conteúdos. E apesar desses profissionais estarem cientes das estratégias utilizadas pela Marvel, ainda sim, continuam gerando conteúdo a partir do ideal de “aproveitamento” da visibilidade da Marvel para o crescimento de suas próprias plataformas digitais. (Falo mais sobre isso no O Influencer como Corpo Dócil). 

    Já para a Marvel a estratégia de spoiler serve não só para movimentar milhões de conteúdos novos e, por consequência, milhões de dólares para a empresa em vendas de seus produtos, só para se ter uma ideia em valores, em 2019 esta empresa já valia US$ 18 bilhões de dólares. Mas também para manter sua base de fãs em constante crescimento, atuante, pagante e fidelizado. Se considerarmos apenas as produções cinematográficas o uso dessa estratégia é um sucesso a 13 anos. Para saber mais sobre a história do Universo Marvel).

    Você se lembra quando – oh. Você pode não ter estado lá naquele dia.

    Oh eu não posso falar sobre isso.
    Seguindo em frente, em frente! Meu sentido de aranha estava indo, O que —- é você!

    Fonte da imagens

    Qualquer semelhança não é mera coincidência – Spoilers que testam enunciados e sua função política

    “O enunciado é, pois, concebido por Foucault como função enunciativa que define textos como acontecimentos discursivos produzidos por um sujeito, em um lugar institucional, determinado por regras sócio-históricas que definem e possibilitam a emergência dos discursos na sociedade”. (SOUSA e CUTRIM, 2016 p. 49)

    Foi em 19 abril de 2016 durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff que notei, pela primeira vez, a estratégia do spoiler sendo usada como função política. 

    “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”. 

    A fala do então deputado Jair Bolsonaro e hoje presidente do Brasil exaltava o coronel Brilhante Ustra, o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador durante o regime militar (1970 e 1974). Sob o comando de Ustra ao menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade.

    Ao pronunciar o nome de um conhecido torturador ao vivo e em rede nacional era possível vislumbrar a estratégia de escape sendo aplicada, ao monitorar a reação pública sobre sua fala em um momento tão perturbador para o país, percebeu-se até que ponto a população brasileira (através das redes sociais) e a imprensa era sensível às questões comuns à extrema direita que apoiou massivamente o regime militar e posteriormente a candidatura de Jair Bolsonaro a presidente em 2018. Consequentemente, essa estratégia tornou-se um poderoso instrumento durante seu mandato como presidente da república.

    Conforme a pandemia da Covid-19 avançava a estratégia de escape tornou-se tão comum que o próprio presidente a anuncia:

    “Olha a matéria para a imprensa amanhã, vou dar matéria para vocês aqui. Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é. Nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados para tirar este símbolo que, obviamente, tem a sua utilidade para quem está infectado”.

    Fala foi proferida pelo presidente durante um evento oficial do governo federal em 10/06/2021

    Falo mais sobre isso no Comunicação comandada e a exaustão de quem debate 

    Através de falas que vão contra a prevenção da contaminação da Covid-19, o presidente testa seu discurso junto aos seus apoiadores, monitorando seu prestígio e aceitação, ao mesmo tempo que provoca a reação exacerbada da imprensa e influenciadores contrários ao seu governo.

    A cada  “Está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”, “Para 90% da população, isso vai ser uma gripezinha ou nada”, “Se você virar um jacaré, é problema seu.” que o presidente vaza na mídia, uma avalanche de postagens, reportagens, entradas ao vivo, tweets são feitos na intenção de desfazer os desentendimentos (leia-se infectados e mortes) que estas falas causam.

    Imagem – Publicação do jornal Estado de Minas que destaca a reação do presidente diante do número de vítimas do novo coronavírus no Brasil esteve entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil – 29/04/2020

    “O presidente da república nos deu uma aula sobre como a comunicação, ao longo de toda a sua gestão, vem sendo absolutamente eficiente e tem pautado uma corrida desesperada de cientistas, jornalistas e divulgadores da ciência em redes sociais e veículos de comunicação.” (ARNT e CARNEIRO, 2021 p.01)

    Assim como prevê a estratégia de spoiler as falas do presidente não são levianas, mas pensadas estrategicamente para serem ditas em momentos e para veículos de comunicação que possam reverberara-las de forma exaustiva e para além dos “furos de reportagem” as falas contam com o funcionamento das redes sociais que premiam a visibilidade de influenciadores.

    Através de infinitos comentários, a internet garante que o discurso chegue a mais e mais pessoas, e por consequência, garanta que a obra esteja sempre em evidência. Resta saber até quando os influenciadores e a imprensa continuará dando palco para esse tipo de estratégia.

    Referências

    ARNT , Ana de Medeiros; CARNEIRO, Erica Mariosa Moreira. Comunicação comandada e a exaustão de quem debate. 1. ed. Campinas-SP, 11 jun. 2021. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/comunicacao-comandada/. Acesso em: 4 set. 2021.

    FOUCAULT, Michel. Ordem do discurso (A). Edições Loyola, 1996.

    DE MELLO, Mariana Rodrigues Gomes; VALENTIM, Marta Lígia Pomim. Análise do discurso. Logeion: Filosofia da Informação, v. 7, n. 2, p. 35, 2021.

    SOUSA, Claudemir; CUTRIM, Ilza Galvão. Práticas discursivas e função enunciativa na constituição do sujeito quilombola. MOARA–Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras ISSN: 0104-0944, v. 2, n. 40, p. 49, 2016.

  • [PRESS RELEASE] Todos pelas Vacinas reúne organizações de divulgação científica e entidades científicas em ações pró vacinação contra a Covid-19 para adolescentes

    Com o avanço do Programa Nacional de Imunização  contra a Covid-19, uma campanha liderada pelo Observatório COVID-19 BR reúne organizações ligadas à divulgação científica, entidades científicas, artistas e personalidades públicas para lançar a campanha de vacinação dos jovens maiores de 12 anos – marcado para 15 de setembro (quarta-feira). A campanha contará com diversas ações nas redes sociais com as hashtags #VacinanoGrau e #TodosPelasVacinas terá por objetivo estimular a vacinação em jovens na faixa-etária entre 12 e 17 anos e conscientização da necessidade de manter os protocolos de segurança. 

    A campanha #VacinanoGrau e #TodosPelasVacinas é organizada por ABRASCO, Blogs Unicamp, COSEMS/SP, Equipe Halo,  Instituto Questão de Ciência, Observatório COVID-19 BR, Rede Análise COVID-19, Sociedade Brasileira de Imunologia, União Pró-Vacina, Projeto Divulgar e Grupo InfoVid tem como objetivo criar um espaço para diálogo com a população por meio de conteúdo preparado por especialistas, assim como um ambiente virtual para envio de dúvidas sobre a imunização contra a COVID-19. Um portal (www.todospelasvacinas.info) agrega um conteúdo em vários formatos, textos, áudio, imagens e vídeos para serem compartilhados em todas as redes sociais.

    Rafael Lopes, físico, membro do Observatório Covid-19 BR, lembra que “A história das vacinas no Brasil é centenária, fomos um dos primeiros países a adotar a vacinação como uma política extensiva de saúde pública. Nos conscientizar que vacinar é essencial para salvar vidas é nos reencontrarmos com nossa linda história na saúde pública, efetivar a segunda dose é a oportunidade de fazer parte desta história” 

    No Portal estão disponíveis podcasts criados pelas organizações parceiras, além de outros materiais, como o e-book “Guia Prático sobre as Vacinas” e uma coletânea de artes no espaço VacinArte. A campanha visa convidar a participação do público por envio de dúvidas e engajamento nas redes sociais, como uso de filtros criados para Facebook e Instagram disponibilizados no site. O internauta consegue baixar, também, logo e artes da campanha para espalhar a mensagem e participar da grande mobilização do dia 15 com as hashtags #VacinanoGrau e #TodosPelasVacinas nas redes sociais.

    Flávia Ferrari do Observatório Covid-19 BR ressalta a importância da iniciativa com a união entre cientistas e sociedade civil em prol da vacinação contra a COVID-19, “uma atitude capaz de salvar vidas”. 

    A lista com todas as atividades da campanha podem ser encontradas no site do evento www.todospelasvacinas.info

    Contato:

    Flávia Ferrari – Observatório Covid-19 BR (11) 991116455 obscovid19br@gmail.com

    Beatriz Ramos – Projeto Divulgar (21) 998879227 proj.divulgar@gmail.com

    Ana de Medeiros Arnt – Blogs de Ciência da Unicamp (19) 98364-0054 blogs@unicamp.br

    Texto produzido pelo coletivo Todos Pelas Vacinas

  • Comunicação de ciência – público e comunicadores

    Unir diferentes agentes no processo de comunicação, como pesquisadores, comunicadores de ciência, figuras públicas e público, é uma boa estratégia para a divulgação científica e democratização do conhecimento.

    Planejando a estratégia de divulgação científica

    O público seleciona a informação que vai consumir de acordo com o que lhe parecer mais útil para a sua vida profissional e pessoal de forma a selecionar o que lhe parece mais conveniente para cada situação de sua vida (Torquato, 2015). 

    Pensar o público é um dos primeiros passos para uma boa estratégia de divulgação científica. Preparar uma comunicação baseada apenas no que queremos comunicar em um processo unidirecional pode fadar sua divulgação ao fracasso e mesmo criar ruído. 

    Uma boa estratégia para desenvolver o seu conteúdo de divulgação científica é a criação de uma Persona, uma personagem ideal, alvo da sua comunicação. Para saber mais sobre a criação da Persona acesse o post Comunicação sobre ciência – Pensando o público

    Com a publicação dos primeiros conteúdos é possível acompanhar como o material está sendo recebido/consumido (ou não) pelo público. Isso pode ser feito de maneiras diferentes, como por exemplo, através da quantidade de acessos, compartilhamentos, curtidas e comentários. Alguns programas e empresas de marketing também incluem a pesquisa de opinião ao longo do processo. 

    Por que avaliar o processo de divulgação científica é importante? 

    A comunicação é um processo que só existe dentro de um contexto. Ela faz parte de um tempo, espaço (virtual ou não) e pessoas. Ela é um processo social de produção e compartilhamento de sentido por meio da materialização de formas simbólicas (França, 2001). Isso quer dizer que uma estratégia de comunicação que hoje funcionou bem para um determinado público pode não funcionar um tempo depois.  

    Dessa maneira, é importante para qualquer projeto de divulgação científica, que o(a) comunicador(a) consiga entender os processos e discursos da ciência, da comunicação e do seu público/grupo social que se quer alcançar. 

    Recentemente, duas formas audiovisuais distintas sobre uma mesma instituição, o Instituto Butantan, deixou isso evidente. Ambas falaram sobre a instituição, a primeira, um vídeo institucional e a segunda, uma adaptação da música do MC Fioti que remetia à vacina e ao Instituto Butantan. 

    Vídeo Institucional:

    Vídeo MC Fioti:

    Enquanto o vídeo institucional foi visualizado um pouco mais de 7,4 mil vezes em 5 meses, o clipe do MC Fioti obteve mais de 13,6 milhões de visualizações em 6 meses. Mas vale lembrar, que além de analisar o alcance, é importante lembrar que os públicos foram distintos. 

    Então, começamos a ter alguns elementos para se pensar a divulgação científica: Além da pesquisa desenvolvida, ou conteúdo que se quer divulgar, há o seu público. Além disso, há outro elemento importante, que em muitos casos é esquecido: Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação? 

    A intencionalidade da divulgação científica: Comunicação como um Direito Humano

    Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano fundamental, mas esse conceito ainda está em construção (GOMES, 2007).O debate sobre o direito de comunicar foi inaugurado pela UNESCO em 1970. No Brasil, só foi reconhecido pelo Estado mais tarde por meio do decreto nº 7.037 de 2009, que instituiu a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (Vanucchi, 2018). 

    Entender e participar dos processos relacionados à ciência e tecnologia, como as decisões associadas às políticas públicas, assim como os processos comunicativos constituem também elementos importantes para a cidadania. Nesse sentido, a divulgação científica tem relação direta com o direito à comunicação, e por conseguinte, com os direitos humanos. 

    Pesquisadores e Comunicadores de Ciências

    As tensões entre os comunicadores de ciência e pesquisadores não são recentes. Por exemplo, a relação entre cientistas e jornalistas é marcada, em algumas ocasiões, pela falta de acesso do jornalista ao cientista para as entrevistas em tempo hábil para veiculação da notícia, como fonte de reportagem. Em outras ocasiões, a relação é marcada pela desconfiança de cientistas sobre jornalistas na divulgação das suas pesquisas. Alguns cientistas temem que suas pesquisas sejam veiculadas sem exatidão ou mesmo deturpadas.

    Outro campo de tensão entre pesquisadores e comunicadores de ciência é o da divulgação científica.  As críticas e discussões sobre “quem pode falar” de ciência não são recentes. De um lado, alguns pesquisadores afirmam que esse papel deve ser destinado aos próprios cientistas, especialistas em um determinado assunto. Do outro lado, comunicadores de ciência que vem conseguindo conquistar cada vez mais espaço entre os diferentes públicos, “furando as bolhas”.. 

    Em busca de um processo conjunto

    O processo de divulgação científica precisa do conhecimento não apenas da área específica sobre a qual está comunicando, mas também do conhecimento da área de comunicação. Há a necessidade de se começar a pensar o processo de divulgação científica a partir do trabalho conjunto que envolve pesquisadores, comunicadores de ciência e o(s) público(s) alvo. 

    Aqui voltamos para a pergunta feita anteriormente “Qual o objetivo ou intenção da sua comunicação?”, mas agora de uma outra forma  “Qual a intenção do seu fazer divulgação científica?”

    Há uma relação intrínseca entre ciência e poder  (Caldas).  O conhecimento científico é essencial para a resolução de problemas e tomada de decisões e tem relação direta com processos democráticos e cidadania. O agente no processo de divulgação científica, seja ele pesquisador ou não, precisa passar de relação vertical, como a do educador-salvador, que leva o conhecimento aos menos esclarecidos, para o de comunicadores envolvidos com processos mais democráticos e participativos, aberto ao diálogo  – estabelecendo processos de interação e comunicação. 

    Formiguinhas, uni-vos!

    Diante da desinformação e da infodemia que se tornou mais evidente frente à pandemia, uma outra preocupação ganha destaque entre os divulgadores de ciência e jornalistas: Como furar a bolha, cada vez mais delimitada pelos algoritmos, e alcançar o seu público? Nesse sentido, há um aumento das discussões sobre como fazer divulgação científica e atuar em conjunto para alcançar um número maior de pessoas em diferentes grupos sociais. 

    No período de pandemia, aconteceram vários cursos online voltados tanto para o jornalismo científico, quanto para a divulgação científica, incluindo alguns realizados pelo Blogs Unicamp. 

    Tensões, embates, preocupação conjunta com soluções para o processo de divulgação científica, promoção de cursos e profissionalização do divulgador científico e comunicador de ciência, todos esses fenômenos podem indicar o fortalecimento de um campo de pesquisa/atuação ainda em desenvolvimento.

    É comum o uso do termo “trabalho de formiguinha” para exprimir o trabalho do divulgador científico em conquistar o seu público. No entanto, a divulgação científica vem agregando mais pessoas e transformando em um trabalho de um coletivo de formigas, um  trabalho de correição. 

    Pensando juntos desde o início

    Algumas iniciativas de divulgação científica vem pensando em conjunto para desenvolver processos de divulgação científica:

    O blogs de Ciência da Unicamp é uma iniciativa de divulgação científica que inclui pesquisadores de diversas áreas e comunicadores de ciência. No processo, os pesquisadores participam de um treinamento voltado para a divulgação científica por meio de blogs, a Integração. Além disso, o Blogs Unicamp fomenta o diálogo com o seu público. A Erica Mariosa fala um pouco sobre o processo de divulgação científica no Blogs Unicamp em seu post Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?

    Outro exemplo de atuação conjunta entre pesquisadores, comunicadores de ciência, artistas e personalidades públicas foi a iniciativa do Todos Pelas Vacinas.  

    Para conhecer a iniciativa e os conteúdos preparados para os diversos públicos acesse o site do Todos Pelas Vacinas

    Saiba mais

    Caldas, Graças, DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA, RELAÇÕES DE PODER E CIDADANIA, Labjor- Unicamp

    França, Vera Veiga (2015) O objeto da comunicação/A comunicação como objeto, In Hohfeldt, Antonio, Martino, Luiz C, França, Vera Veiga (Org) Teorias da Comunicação: Conceitos, escolas e tendências, Petrópolis, RJ: Vozes.

    Gomes, Raimunda Aline Lucena (2007) A COMUNICAÇÃO COMO DIREITO HUMANO:

    Um Conceito em Construção Universidade Federal de Pernambuco, Dissertação

    Vannuchi, Camilo (2018) O direito à comunicação e os desafios da regulação dos meios no Brasil, Galáxia

    Torquato, Gaudêncio (s/d) Comunicação nas organizações. 

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog CdF

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Diários de pandemia, sobre as parcerias do caminho

    O Blogs de Ciência da Unicamp está em parceria com o Consulado Geral da França em São Paulo, a Unesco Brasil e o Nexo Jornal. 

    Desde meados de fevereiro deste ano, temos pensado em ações de divulgação científica juntos. O marco do início desta parceria é o ciclo de palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses. Dessa forma, neste ciclo, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento vão apresentar dados e debates fundamentais para pensarmos a pandemia da COVID-19 em muitos aspectos nos dois países que sediam as instâncias desta parceria. 

    Dia 08 de abril aconteceu a terceira palestra. Maurílio Bonora Junior, nosso blogueiro na área de imunologia e vacinas, era a grande figura da tarde.

    Durante o dia anterior, 7 de abril, e a manhã do dia 8, tivemos acesso às notícias (como fazemos habitualmente para nos manter a par dos acontecimentos diários sobre a pandemia). Assim, neste momento de leitura, eu achei que era preciso trazer alguns apontamentos importantes na abertura da palestra, relacionadas ao tema. Daquela apresentação, percebi que também saíram elementos deste desabafo-diário-dados que eu trago aqui, com as devidas atualizações de datas e dados.

    Quem eu sou?

    Hoje eu resolvi me apresentar e falar um pouco dos bastidores desta ação como um diário em que eu anoto o que vou observando, enquanto trabalho, pesquiso e vivencio estes tempos e quarentena na divulgação científica. Eu sou Ana Arnt. Sou bióloga, professora e pesquisadora da Unicamp na área de Educação em Ciências e Divulgação Científica. Atualmente coordeno o projeto Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19 deste veículo de divulgação.

    O Especial Covid-19

    Toda a equipe técnica, científica e administrativa da coordenação do Blogs de Ciência da Unicamp têm trabalhado nos últimos 390 dias intensivamente com conteúdos sobre a COVID-19 em todas as áreas de conhecimento.

    Somos mais de 90 autores publicando sobre o tema, com suporte e revisão de conteúdos, pensando, lendo, estudando e produzindo conhecimento para um público externo à academia.

    Nosso intuito é democratizar o conhecimento acadêmico, técnico e científico produzido no Brasil e no mundo. Ao escrevermos textos de divulgação científica, temos outras etapas de nossa rotina que incluem idealizarmos estes textos escritos em estruturas como cards, memes, desenhos, vídeos, que irão se multiplicar em nossas redes sociais. Além disso, vocês também podem ver alguns de nossos trabalhos em lives, entrevistas e eventos sobre o tema.

    Neste último ano, reforçamos uma de nossas premissas mais fortes e que temos buscado trabalhar desde o início do projeto: a produção coletiva de conteúdo. Nossos esforços, como equipe administrativa, é trabalhar a partir de expertises de cada indivíduo do grupo, mas de maneira articulada e com respaldo coletivo. A COVID-19 acentuou isto ainda mais.

    Transformamos o que era idealização, em prática cotidiana.

    Além disso, esta premissa de que o trabalho coletivo vale a pena nos trouxe novas perspectivas. Inicialmente, a visão de que não estamos competindo por espaço, frente ao trabalho de outros colegas deste campo de atuação. Dessa forma, observávamos outros grupos e percebíamos que existem possibilidades de crescermos juntos – dentro de um espaço democrático de decisões e que se constróem respeitando os modos de ação de colegas. Assim, nesta direção, aprofundamos laços com outros grupos de Divulgação Científica, que também pensam a partir da importância de colaborações e ações conjuntas, parcerias, para todos enfrentarmos juntos as problemáticas atuais. Isto é, compreendemos que o acesso ao conhecimento científico é um direito humano e parte dos deveres da ciência e dos cientistas.

    As vacinas e a divulgação científica

    Nos últimos meses, como não poderia deixar de ser, nossos esforços voltaram-se para divulgar sobre as vacinas, as novidades, o sistema imune, as relações de produção, estratégias de vacinação, fundamentos de saúde pública, história, combate à desinformação, etc. 

    Nos juntamos em Janeiro de 2021 ao movimento Todos Pelas Vacinas, que têm produzido campanhas e organizado conteúdos para divulgar mais e mais informações seguras e científicas sobre as vacinas, além de juntarmos esforços para que a vacina chegue a todos – como é tradição brasileira.

    As vacinas no Brasil e na França

    Na França, a notícia que nos chegou foi de ações de lockdown por 3 semanas (a partir do dia 3 de abril) para frear o avanço da doença. Até o dia 07 de Abril, o país vacinou 10 milhões de pessoas, o que significa 14% de sua população.

    Enquanto que no Brasil, há um ano nós esperamos ações que nos possibilitem frear o que já vem sendo diariamente avassalador para todos e todas nós. Esperamos também ações no que sempre fomos referência: fazer a vacina chegar a todos os cidadãos brasileiros. Todavia, tínhamos, até o dia 07 de abril, 2,5% de nossa população com as 2 doses de vacinas, o que representa menos de 6 milhões de brasileiros.

    No dia 07 de abril, recebemos a notícia de que interromperíamos a produção de vacinas com extrema preocupação, pois já estamos fazendo esta ação de modo extremamente lento. Às notícias somam-se a falta de adesão à segunda dose da vacina, o que agrava ainda mais a situação. Simultaneamente a isso, a falta de incentivo para lockdown, o que inclui a condição financeira para as pessoas permanecerem em suas casas.

    No dia seguinte, 8 de abril, foi reforçada a notícia de que apesar da suspensão da produção, haveria entrega das IFAs que manteriam a quantidade de vacinas produzidas e entregues, conforme acordado entre Instituto Butantan e o Ministério da Saúde. Todavia, também foi noticiada a possibilidade de compra de vacinas pelo setor empresarial brasileiro, com anuência do Governo Federal.

    [pausa para notícias de duas cidades]

    A cidade Araraquara apresentou dados efetivos com seu lockdown, sendo a única cidade brasileira sem óbitos por covid-19 por dias consecutivos, no pior cenário brasileiro desde o início da pandemia. Além disso, ⅓ das internações hospitalares são de cidades vizinhas, que possuem estrutura hospitalar e não têm feito lockdown. Isto é, Araraquara não apenas não têm apresentado mortes, como têm abarcado a necessidade de internação de cidades próximas.

    Além desta notícia, nós também temos as informações sobre a cidade de Serrana, em São Paulo, município escolhido para mostrar que a vacinação é a nossa ferramenta mais efetiva contra o coronavírus. Serrana, com 90% da população adulta vacinada, zerou casos de intubação com a vacinação.

    [fim da pausa das notícias de duas cidades]

    E agora?

    Estas duas cidades nos apresentam caminhos importantes para a contenção da doença, parte do que temos batalhado para informar e produzir de conteúdos que gerassem ações efetivas de políticas públicas. Ações estas que salvam vidas, que se baseiam em dados técnicos e geram resultados positivos.

    Ao contrário disto, temos acompanhado pesarosos, “retornos” a fases em que a maior circulação é permitida – sem indícios científicos de que temos controlado a doença. As UTIs seguem lotadas e há filas de espera. A vacinação segue a passos lentos, sem que prioridades sejam estabelecidas a partir de critérios científicos rigorosos. Por fim, há falta de normatizações que nos possibilitem agir com maior precisão.

    Seguimos não defendendo a abertura de escolas neste momento. Também seguimos não defendendo a abertura de bares e comércio não essencial. Seguimos, ainda, defendendo a vacinação em massa, prioritária, de grupos que estão em risco – especialmente, após o grupo de idosos, os trabalhadores de serviços essenciais que estão em contato direto com o público, como transporte e alimentação (supermercados e lojas de conveniência), por exemplo.

    Em suma, não estamos em um cenário de “queda de óbitos”, se estamos falando em um cenário de mais de 3 mil brasileiros, todos os dias. São 3 mil pessoas, cidadãos, amores de alguém, com nome, sobrenome, laços afetivos: vidas. Não existe sacrifício de vida que justifique a defesa da economia, que não existe sem vidas humanas.

    Por fim

    É com este panorama, em 390 dias de trabalho desde o lançamento do Especial Covid-19, que o primeiro texto vinculado às palestras COVID-19 na mira de pesquisadores brasileiros e franceses se produz. Com preocupação, mas ainda aqui, presente. Ao lado daqueles que seguem percebendo que o acesso à informação científica é fundamental a uma sociedade democrática e saudável.

    Para aprofundar estas questões que descrevi a vocês hoje aponto os links relacionados às ações desta parceria com o Consulado Geral da França de São Paulo, com a Unesco Brasil e o Nexo Jornal.

    A palestra do dia 08 de Abril, As Vacinas Contra a Covid-19. A palestra foi proferida por Maurílio Bonora Junior. Ele é nosso principal pesquisador e divulgador científico no campo da imunologia e vacinas. As publicações são para o Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e, que também Todos Pelas Vacinas. Além disso, convidamos como mediadora desta fala a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociências pela UFRGS, divulgadora científica na Rede Análise COVID-19, equipe Halo da ONU, Grupo InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina, e nossa parceira, colega e amiga, no Blogs de Ciência da Unicamp.

    Além disso, Maurílio foi entrevistado pelo Nexo Jornal, ‘No ritmo atual, vacinaremos o último brasileiro em 2024’

    Próximas etapas

    Há dois textos atrasados, neste diário, fruto desta parceria. Quem não está atrasado nas escritas, atualmente, está vivendo errado – eu digo constantemente a quem me pede desculpas pelos atrasos… Vou me permitir usar esta fala para mim, desta vez.

    A próxima palestra do ciclo será em francês, La rhétorique de la Grande Guerre dans la crise française du Covid-19, com a pesquisadora Stéphane Audoin-Rouzeau (EHESS), dia 27 de Abril, às 14:30.

    A programação completa vocês podem encontrar aqui.

    Para Saber Mais

    Alegretti, Laís (2021) Araraquara X Bauru: dois retratos do Brasil com e sem lockdown contra a covid-19

    EPTV (2021) Araraquara faz testagem de Covid por amostragem em funcionários de vários setores econômicos

    Estadão Saúde (2021) Serrana está há 13 dias sem intubar; vacinação em massa contra o coronavírus termina hoje

    G1 (2021) Araraquara tem terceiro dia sem mortes por Covid-19 nesta semana

    G1 (2021) França entra em 3° lockdown nacional para frear alta de casos de Covid

    Jornal Zero Hora (2021) Para ministro da Saúde, compra de vacinas por empresas pode “beneficiar mais brasileiros”

    Revista Veja (2021) Butantan suspende envase da vacina CoronaVac após atraso de insumos

    Valor Econômico (2021) Fiocruz e Butantan prometem IFA nacional este ano, mas especialistas falam em 2022

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Preprints: o que são e como fazer sua divulgação científica

    Em janeiro do ano passado, um grupo de pesquisadores da Escola de Ciências Biológicas Kusuma, na Índia, publicou um manuscrito em que apontava uma “misteriosa semelhança” entre o novo Coronavírus e o (Vírus da Imunodeficiência Humana, em inglês, Human Immunodeficiency Virus) HIV, vírus causador da Aids.

    No texto, os autores especulavam que essa coincidência dificilmente teria ocorrido ao acaso, abrindo espaço para teorias conspiratórias que afirmavam que partes do código genético do vírus foram inseridas intencionalmente.  

    O manuscrito continha falhas metodológicas grosseiras e, após receber críticas generalizadas da comunidade científica, foi retirado do repositório onde havia sido publicado, o bioRxiv. Mas o estrago já havia sido feito, e perfis nas redes sociais, veículos de imprensa e até um Nobel de medicina divulgaram amplamente que o coronavírus havia sido criado em laboratório por cientistas chineses. 

    Como um estudo com tão pouca qualidade conseguiu ser publicado? Isso aconteceu porque se tratava de um preprint, um relato de pesquisa que não passou pela avaliação dos pares e que é compartilhado em um servidor público antes de ir para um periódico científico. O principal objetivo dos preprints é acelerar o processo de comunicação das pesquisas entre os especialistas, uma vez que a divulgação em revistas acadêmicas pode demorar meses ou até mesmo anos, o que faz deles uma boa opção para as áreas que costumam ter urgência na publicação de seus resultados, como é o caso da saúde. 

    Desvantagens dos preprints

    Por ser um trabalho que ainda não passou pela avaliação por pares, os preprints também apresentam desvantagens, como a possibilidade de publicação de pesquisas com erros metodológicos, pouco confiáveis ou até mesmo fraudulentas. Embora os repositórios (atualmente existem mais de 60) possuam seus sistemas de triagem, estes ocorrem de forma superficial e são concluídos em poucos dias. Em geral, as avaliações buscam detectar apenas se há plágio, conteúdo ofensivo ou não científico e risco à saúde da população, sem verificar os métodos, conclusões ou qualidade do artigo. 

    A principal forma de controle de qualidade desses trabalhos ocorre por meio do feedback dos leitores – que são, na maior parte das vezes, cientistas – como um mecanismo de autocorreção. No entanto, ainda existem poucos estudos que indiquem a frequência com que esses preprints são examinados ou como os autores lidam com as críticas recebidas. O que se sabe é que os principais servidores ou não moderam a seção de comentários ou controlam apenas aqueles que são ofensivos e não pertinentes, além de ser um recurso pouco utilizado, com apenas 10% de todos os preprints recebendo algum tipo de comentário.  

    Por todos esses fatores, é preciso ter cautela ao fazer a divulgação científica de um preprint, para não correr o risco de dar como fato estabelecido um conhecimento que ainda está em construção ou uma conclusão enganosa. 

    Abaixo, apresento cinco dicas de cuidados que podem ser tomados ao escrever uma reportagem sobre esses estudos. Embora essas dicas tenham sido pensadas com o intuito de auxiliar jornalistas em suas matérias, elas podem ser aplicadas por qualquer divulgador científico e são interessantes mesmo para o caso de pesquisas que já passaram pela avaliação dos pares.

    1) Seja claro 

    Informe aos seu públicos-alvo que o estudo que está sendo divulgado é um preprint, que os resultados ainda são preliminares e podem ser contestados no futuro. Se possível, explique como ocorre o processo científico e a avaliação por pares e lembre-se que o sensacionalismo pode criar falsas expectativas em seu público, especialmente no caso de tratamento para doenças graves como a Covid. Tome cuidado para não apresentar como cura algo que é apenas o primeiro de vários passos ou, pior, algo que não é eficaz. 

    2) Verifique a reputação dos autores

    Qual é a formação desses cientistas? Eles são especialistas no assunto sobre o qual estão escrevendo? Em qual instituição eles trabalham? Há algum conflito de interesses que possa trazer desconfiança para os resultados? Eles já estiveram envolvidos em alguma polêmica ética, como acusações de fraude ou plágio? Já publicaram trabalhos em periódicos renomados? 

    Tenha em mente que dentro de uma área mais ampla existem várias subcategorias e que um biólogo não vai necessariamente entender de microbiologia, da mesma forma que um microbiologista nem sempre será especialista em virologia. 

    Se o pesquisador for brasileiro, é possível encontrar o currículo dele na plataforma Lattes, disponibilizada pelo CNPq. Se for um autor estrangeiro, esses dados podem ser procurados em locais como o ResearchGate, o ORCID ou o perfil deles no Google Scholar. 

    3) Busque a avaliação de especialistas independentes 

    É muito comum que os veículos de mídia entrevistem apenas os autores do estudo em suas reportagens. Embora essa consulta seja importante para entender como foi feita a pesquisa, é preciso ter em mente que existe um conflito de interesses e que nenhum cientista irá apresentar as limitações do próprio estudo ou confessar que errou nas conclusões. 

    Procure especialistas (idealmente, mais de um) na área do preprint e peça a opinião dele sobre o estudo. Pergunte sobre as metodologias, conclusões e cálculos estatísticos e verifique se é algo que realmente vale a pena publicar ou se é melhor esperar a publicação oficial em um periódico. 

    4) Desconfie de tudo   

    As conclusões da pesquisa se opõem ao atual conhecimento sobre o assunto, são muito sensacionalistas ou abrem espaço para teorias da conspiração? Nem sempre um jornalista sem formação em ciência será capaz de identificar falhas na metodologia – por isso a importância do tópico anterior –, mas tenha cautela com cientistas e pesquisas que afirmem ter respostas para tudo. 

    Dê preferência a fontes honestas, que reconheçam as próprias limitações e não tenham medo de dizer quando não sabem de alguma coisa. A ciência é construída por meio do trabalho coletivo de indivíduos, grupos e instituições ao redor do mundo, então olhe para o volume de opiniões e não para o que apenas uma pessoa diz. 

    5) Se errar, corrija! 

    Você divulgou um preprint muito interessante, mas que foi retratado algum tempo depois. O que fazer agora? Seguir o exemplo da comunicação entre pares e publicar uma errata que tenha o mesmo destaque da publicação original. Ninguém gosta de admitir que errou, mas estudos apontam que o público tende a ser mais benevolente e a avaliar a integridade de autores que cometem erros de forma mais positiva quando eles corrigem a informação.  

    Isso se torna ainda mais importante na atual epidemia de fake news e desinformações, em que grupos tentam deliberadamente confundir e manipular pessoas por meio de informações desonestas, como ocorreu no caso que abre este texto. Embora os autores daquele preprint pareçam ter cometido um erro honesto, ele foi amplamente utilizado por teóricos da conspiração para influenciar um comportamento xenófobo e ainda hoje, mais de um ano depois, existem pessoas que acreditam que o coronavírus foi criado em laboratório. 

    Nesse contexto, dar à correção a mesma visibilidade concedida ao preprint torna mais fácil o processo de verificação. Mas, tome cuidado para não reforçar a informação errônea quando for refutá-la, efeito conhecido como “tiro pela culatra”. 

    Aqui, você pode ler um texto bastante interessante do Roberto Takata sobre como evitar cair nessa armadilha.

    Referências

    BARATA, Germana. Pandemia acelera produção e acesso a preprints. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/pandemia-acelera-producao-e-acesso-a-preprints/ 

    FORSTER, Victoria. No, the coronavirus was not genetically engineered to put pieces of HIV in It. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/victoriaforster/2020/02/02/no-coronavirus-was-not-bioengineered-to-put-pieces-of-hiv-in-it/?sh=e8d59a356cbc 

    MAKRI, Anita. What do journalists say about covering Science during COVID-19 pandemic? Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41591-020-01207-3  

    MARIOSA, Erica. Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/mindflow/?p=634 

    MARQUES, Fabrício. Correção veloz de erros: Produção científica sobre o novo coronavírus tem trabalhos cancelados por equívocos e falhas metodológicas, na maioria cometidos de boa-fé. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/correcao-veloz-de-erros/ 

    ORDWAY, Denise-Marie. Covering biomedical research preprints amid the coronavirus: 6 things to know. Disponível em: https://journalistsresource.org/health/medical-research-preprints-coronavirus/ 

    SANT’ANA, Fabiano. Entenda o que são e como funcionam os preprints. Disponível em: https://galoa.com.br/blog/entenda-o-que-sao-e-como-funcionam-os-preprints 

    SPINAK, Ernesto. Acelerando a comunicação científica via preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/10/04/acelerando-a-comunicacao-cientifica-via-preprints/#.YGtkvOhKhPY 

    TAKATA, Roberto. Errei. E agora? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/blog/errei-e-agora/ 

    TIJDINK, Joeri; MALICKI, Mario; GOPALAKRISHNA, Gowri; BOUTER, Lex. Preprints são um problema? Cinco formas de melhorar a qualidade e credibilidade dos preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2020/10/15/preprints-sao-um-problema-cinco-formas-de-melhorar-a-qualidade-e-credibilidade-dos-preprints/#.YGtj2uhKhPZ 

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A importância e os desafios de se comunicar ciência no Brasil em tempos de COVID-19

    Desde março de 2020, quando a OMS decretou a Covid-19 como uma pandemia, mudamos completamente nossa forma de viver. Ficamos perdidos com o a grande quantidade de informações conflituosas que nos chegam pela TV, redes sociais e grupos de whatsapp. Nesse contexto, diversas iniciativas, surgiram para contribuir para a conscientização da população. Eu tive uma pequena participação nisso também, mas não chega nem perto do trabalho que grandes divulgadores/comunicadores estão fazendo. Esse texto é uma forma de agradecer e reforçar a importância de cada uma dessas iniciativas (que foram muitas). Obrigado! Vocês estão salvando vidas!

    *Esse post é a versão completa do miniensaio que apresentei para processo seletivo do Amerek – Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência, da UFMG, que teve como tema: “Como a pandemia afetou a relação entre ciência e sociedade e qual o papel da comunicação da ciência nisso?”

    A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E SOCIEDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19

    A pandemia da Covid-19 promoveu uma grande mudança social: nunca se falou tanto sobre ciência, nunca se observou tão de perto os processos científicos e nunca houve tanta gente opinando sobre os resultados de artigos. Isso é importante, mas, também, é um grande desafio para a comunicação pública da ciência, uma vez que estamos sendo expostos de forma muito rápida a uma quantidade excessiva de informações (independentemente de sua acurácia) – chamamos essa situação de infodemia (uma epidemia de informações).

    Neste momento torna-se, portanto, importante e necessário fornecer meios para que o público consiga analisar e encontrar informações acuradas, atualizadas e confiáveis, em meio a abundância de outras incorretas e negacionistas. Esperamos que, assim, possamos permitir que a população tenha participação e protagonismo na cultura científica e nas decisões públicas de forma efetiva. Esse grande desafio da comunicação pública da ciência no Brasil é, também, um desafio em todo o mundo.

    Costuma-se falar que os brasileiros e a ciência não têm uma relação das mais amistosas, mas pesquisas sobre a percepção pública da ciência nos mostram que os brasileiros confiam nos cientistas e nos profissionais da saúde e, também, que há interesse desse mesmo público em temas científicos. Observamos que 79% da população acredita nos benefícios da ciência – somo um dos povos mais otimistas em relação à ciência no mundo!

    Mas, então, como poderíamos explicar o negacionismo científico que estamos presenciando atualmente no nosso país?

    Talvez a explicação que nos ajude a entender esse momento esteja no distanciamento entre a população e o modus operandi da ciência (que é lento e produzido “às escondidas” nas universidades) e, também, no fato de estarmos vivendo na era da pós-verdade.

    COMO O DISTANCIAMENTO DA CIÊNCIA E A ERA DA PÓS-VERDADE PODEM EXPLICAR O QUE OBSERVAMOS NO BRASIL

    O distanciamento entre a população e a produção do conhecimento científico é observado quando vemos que a grande maioria dos brasileiros não sabe nomear um cientista (90%) ou uma instituição de pesquisa (88%) — veja que 90% da ciência nacional é feita em universidades públicas. Nesse ponto, ressaltamos que, a pandemia, de uma hora para outra, trouxe o processo científico para o cotidiano, sem que a população a entendesse adequadamente. Produzir ciência é um processo que demanda tempo, envolve diversas etapas e é dinâmico, atualizando-se a medida em que novos estudos são realizados e novas evidências são acumuladas. Mostrar isso à população não é descrédito ou demérito e é necessário.

    A pós-verdade é um termo que busca resumir esse momento no qual as experiências individuais/pessoais e o apelo às emoções e às crenças influenciam mais do que os fatos objetivos e as evidências. Há, assim, uma desvalorização do conhecimento bem estabelecido e baseado na razão e na ciência.

    Feitas essas considerações, precisamos entender o consumo de conteúdo pelos brasileiros. Das pessoas com mais de 10 anos de idade, 74% utilizam a internet de alguma forma e, talvez por causa disso, observa-se que o consumo de conteúdo pela TV (66%) equivale ao das mídias sociais (67%). Dentre as mídias mais utilizadas, estão o Facebook (54%), WhatsApp (48%) e Instagram (45%) – o Twitter tem um alcance de apenas 17%. As pessoas usam as mídias sociais para consumir, mas, também, para compartilhar conteúdo, coletar notícias, informações e opiniões e, também, para participarem de discussões sociais.

    Quando falamos de compartilhamento de informação/conteúdo, observamos um ponto muito problemático: com frequência ocorre a recirculação das informações recebidas sem que tenha havido seu efetivo consumo – ou seja: o compartilhamento de notícias sem que o remetente tenha lido o seu conteúdo – contribuindo assim, com a infodemia. Isso acontece porque as pessoas confiam que seu círculo de contatos compartilha informações corretas e, assim, ocorre a disseminação de informações falsas, ainda que de forma não intencional – situação agravada por situações pandêmicas que, sabidamente, são acompanhadas por um aumento de informações sensacionalistas, rumores, distorções e boatos.

    No Brasil essa situação se agrava ainda mais pelas tensões político-ideológicas/partidárias que são observadas. Essas abordagens polarizadas desviam o foco original e afastam grupos inteiros de discussões relevantes, reduzindo a possibilidade de diálogo a disputas intensas por valores e identidades.

    O presidente Jair Bolsonaro incentiva essa tensão ao usar em suas lives semanais uma retórica baseada em argumentos de autoridade, experiências individuais (evidências anedóticas), emoção e desconhecimento da metodologia científica. Assim, objetiva: 1) defender convicções desprovidas de embasamento técnico, formal e objetivo (p.ex., tratamentos e medicamentos comprovadamente ineficazes); 2) expressar o ceticismo na ciência; 3) criticar a velocidade e flexibilidade do processo científico; e 4) enfatizar a liberdade individual de escolha (do paciente e do médico) para o tratamento, ainda que possa ter consequências prejudiciais. O presidente adotou uma estratégia na qual ele culpa todos à sua volta pela situação do país, exceto a ele mesmo, que sempre tem a solução apropriada – mas é ignorado por todos. É assustador ver que o discurso iniciado em março de 2020 continua, mesmo depois de mais de um ano de pandemia, e traz consigo mais de 300 mil mortes.

    O Conselho Federal de Medicina (CFM), adota uma posição semelhante, ao se isentar de omitir um posicionamento formal conta o uso dos medicamentos do chamado “kit-covid” (ivermectina, cloroquina, zitromicina, nitazoxanida) – mesmo com todas as evidências de sua ineficácia e o posicionamento contrário de associações, sociedades e órgãos médicos importantes nacionais e internacionais (AMB, SBI, OMS, NIH, FDA, dentre outros).

    Desinformação, negacionismo e ideologias político-partidárias estão colocando pessoas em risco. (Sim, pessoas estão morrendo por isso!). Este cenário está aí para desafiar ainda mais Comunicação Pública da Ciência no Brasil. E os comunicadores decidiram aceitar o desafio!

    COMO A COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA ENFRENTA ESSES DESAFIOS

    A comunicação pública da ciência é um processo plural que acontece em várias mídias e possui diferentes objetivos; mas entendo que o comunicador deve ter em mente a responsabilidade em divulgar informações precisas e acessíveis a seu público-alvo, permitindo que este participe do debate público e social com informações baseadas em evidências. Para conseguirmos fazer isso de forma eficaz, temos que considerar que a divulgação é uma via de múltiplas mãos e que envolve o diálogo e a participação entre academia, cientistas, jornalistas, instituições científicas, ONGs, indústria e a própria população.

    Isso está sendo feito! Observamos, neste último ano, o surgimento ou o incremento de diversas iniciativas individuais ou coletivas que se mobilizam para estimular e estabelecer o diálogo sobre ciência, saúde, mídia, cultura e sociedade e atuam na produção de conteúdo, formação e atualização de profissionais e checagem de fatos. É uma mobilização gigantesca na área da comunicação pública da ciência, com aumento de produção de conteúdo e ocupação das diferentes mídias.

    Para citar algumas iniciativas coletivas: Especial covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp; Coletivos como Observatório Covid-19, Todos pelas vacinas, Covid-19 DivulgAção Científica, União Pró-vacina, Rede Análise Covid-19, Força Tarefa Amerek; a criação do consórcio de imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL); o fomento de ações pelo Instituto Serrapilheira; e a atuação das Agências Bori e Lupa. Entre as iniciativas individuais, vou citar as lives do Átila Iamarino, mas temos muitas outras que dariam uma lista imensa (e tem gente em blog, no Twitter, no Facebook, no TikTok, no Instagram, no YouTube – opção não falta, é só procurar direitinho – por exemplo, seguindo indicações feitas pelas iniciativas coletivas)!

    Entender a dispersão do conteúdo produzido por essas ações é necessário para o direcionamento eficaz dos nossos esforços. Temos que entender quem e como atingimos nosso público quando divulgamos em redes sociais (Twitter, Facebook, TikTok), plataformas de streaming (Spotify, YouTube) ou em aplicativos de mensagens (Whatsapp). Mas, também, é precisamos saber como é a concorrência pela atenção do público entre conteúdos incorretos e os divulgados pelos agentes da divulgação científica.

    É importante saber que conteúdos incorretos são publicados em menor quantidade, mas geram mais engajamento do que conteúdos acurados – o que mostra que aquele tipo de conteúdo tem uma dispersão mais rápida nas mídias sociais. E, tendo isso em mente, temos que considerar que não basta divulgar conteúdo correto em grande quantidade, mas estratégias devem ser pensadas para engajamento e, para isso, os conteúdos precisam ser envolventes e direcionados à audiência em seus canais favoritos.

    O surgimento de novas informações é muito rápido, contudo, corrigir informações falsas parece não funcionar muito bem. Assim, os comunicadores também devem atuar rapidamente, de forma a prever e agir contra a desinformação. Combater o negacionismo e valorizar a ciência devem ser estratégias realizadas com narrativas efetivas, precisas e que forneçam ao público (população e governantes) condições de tomarem decisões e participarem de debates.

    DIVULGAR CIÊNCIA É SIM UM ATO POLÍTICO!

    O conteúdo midiático afeta a opinião pública. É por isso que divulgar ciência é um ato político – o que não implica ser partidário ou ideológico –, e a decisão dos conteúdos e da forma de abordagem escolhidos pelo divulgador também o é.

    Por fim, nesse momento crítico de saúde pública, temos que ter em mente que divulgar ciências envolve responsabilidade, clareza, precisão e credibilidade. E que ela contribui para salvar vidas, pois tem participação na percepção de risco pela população estimulando, assim, o engajamento público. Divulgar ciência é defender a saúde pública e a ciência… Divulgar ciência é defender a democracia.

    Agora, se essas mudanças serão permanentes? Teremos que esperar mais um pouco para saber. Tem gente achando que não, mas a gente espera que sim!

    REFERÊNCIAS

    Agência Bori. (2021). Disponível em: <https://abori.com.br/>

    Agência Lupa. (2021). Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/>

    Arnt A. (2021). Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos? Especial Covid-19 – Blogs de Ciência da Unicamp. Publicado em 03/03/2021.

    CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. (2019). Percepção Pública da C&T no Brasil – 2019. Resumo executivo. Brasília, DF: 24p.

    Consórcio de Imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL). (2020). Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19.

    COST – European Cooperantion in Science & Technology. (2021). Communicanting Science in times of Covid-19Ç a selective overview of good practices.

    Covid-19 DivulgAção Científica. (2021). Disponível em: <http://coronavirusdc.com.br/>

    Força Tarefa Amerek. (2021). Disponível em: <https://amerek.com.br/>

    Instituto Serrapilheira. (2021). Disponível em: <https://serrapilheira.org/>

    Massarani L, Waltz I, Leal T. (2020). A COVID-19 no Brasil: uma análise sobre o consumo de informação em redes sociais. Journal of Science Communication, 19(07).

    Monari AC, Santos A, Sacramento I. (2020). COVID-19 and (hydroxy)chloroquine: a dispute over scientific truth during Bolsonaro’s Weekly Facebook live streams. Journal of Science Communication, 19(07).

    Observatório Covid-19. (2021). Disponível em: <https://covid19br.github.io/>

    OECD – The Organisation for Economic Co-operation and Development. (2020). Transparency, communication and trust: The role of public communication in responding to the wave of disinformation about the new Coronavirus. Publicado em 03/07/2020.

    Rede Análise Covid-19. (2021). Disponível em: <https://imef.furg.br/pesquisa-sobre-covid-19?view=article&id=1362&catid=52>

    Todos pelas vacinas. (2021). Disponível em: <https://www.todospelasvacinas.info/>

    União Pró-vacina. (2021). Disponível em: <https://sites.usp.br/iearp/uniao-pro-vacina/>

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    Este texto publicado no Especial Covid-19 foi escrito originalmente no Blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos?

    Talvez vocês se perguntem sobre o processo de fazer divulgação científica em canais virtuais. Bem como lidamos com a desinformação, os artigos publicados, preprints… Talvez ainda como avaliamos se nós deveríamos postar tudo o que nos chega assim naquele último minuto?

    A primeira questão é que não: nós não saímos publicando tudo o que vemos pela frente!

    Em geral, o trabalho de divulgação envolve várias etapas que são importantes. Ao ler um capítulo do livro “Pedagogia Profana” para nosso encontro do Grupo de Pesquisa, achei que era importante falarmos sobre isso…

    “A verdade é a verdade”.

    Esse é o trecho de abertura, analisado no capítulo “Agamenon e seu porqueiro”, por Jorge Larrosa. Em um primeiro momento, o porqueiro pode parecer um típico negacionista. Todavia, conforme vamos percorrendo a leitura deste capítulo, vemos que Larrosa aponta sobre a impossibilidade de sabermos quem é que afirma o que é “a verdade”. Além disso, o porqueiro impõe exatamente esta questão – eu não preciso aceitar a verdade, caso não saiba de onde ela vem.

    Como assim?

    O porqueiro de Agamenon é alguém que não toma a verdade como algo desconectado de quem está falando. Ele também não se desconecta da racionalidade vinculada à “verdade” – para tanto, quer saber de onde ela vem e onde se ampara…

    A partir daí, inicia-se um debate sobre o que é ou não real. Isso em função das narrativas criadas em diversas instâncias (educacionais, mídia de massa, governamentais, etc.). É interessante que este texto é escrito em 1998 e provoca desconforto ao trazer a problemática da “existência” da realidade.

    E o que isto tem a ver com o ritmo de postagens da Divulgação Científica? Ou com como postamos e que tipo de conteúdo em tempos de pandemia?

    Bom, dentro do trabalho da divulgação científica, temos várias análises acontecendo simultaneamente. E temos algumas etapas possíveis para realizarmos nosso trabalho no dia a dia. Hoje eu resolvi trazer um pouco sobre 4 etapas. Vamos a elas?

    1º nossa área de formação propriamente dita!

    Esta nos dá condições de não apenas fazer um fio sobre um artigo qualquer. Assim como cards explicativos no instagram, ou textões no facebook, vídeos no youtube, etc.

    Ela nos dá, antes disso, condições para termos CONHECIMENTO TÉCNICO E CIENTÍFICO para entendermos um artigo, pois temos uma bagagem de conhecimento prévio. Isto é: conhecemos os jargões, os símbolos a linguagem específica, etc.

    Isto quer dizer que quem não tem formação científica – ou não é cientista não pode trabalhar com Divulgação Científica? Não! Não é este o ponto. Portanto, a questão é: precisa, sim adentrar no mundo da linguagem científica. É fundamental aprender os jargões das áreas, compreender as etapas de método científico. Assim como, reconhecer os modos de fazer ciência – e compreender que existem diferenças significativas entre áreas bem próximas. E uma área de formação técnica científica te ajuda nisso (e muito).

    2º estudar comunicação e o veículo utilizado

    Isto é algo que vemos cada vez mais cientistas se dando conta. Como assim? Não basta ter o conhecimento técnico, eu tenho que APRENDER a falar com as pessoas, usando ferramentas e linguagens específicas. Aqui no Blogs, por exemplo, além das postagens de texto, nós temos uma equipe inteira que estuda as redes sociais. Esta equipe busca organizar os conteúdos das postagens para as redes sociais. E cada rede têm uma atenção especial e materiais em formatos específicos! A Erica Mariosa vem produzindo conteúdo específico sobre isto e, recentemente, falou da nossa equipe das redes sociais e as etapas de trabalho desenvolvidas!

    3º ler, ler muito, mas ler até ficar zonzo – e aprender a organizar as ideias 

    Parece meio besta falar isto. Mas é verdade: parte da divulgação científica não é apenas ter formação técnica, nem só compreender os veículos de comunicação. Nosso cotidiano passa longe de ficar só nisso.

    Dessa forma, aprender a se organizar nas leituras é estabelecer diálogos entre vários fatores. Por exemplo:

    – os jargões prévios da nossa área;
    – novos conhecimentos de artigos recém publicados e
    – pensar em modos de esquadrinhar isto em ideias para uma população específica.

    Tudo isto sem perder o foco de que em “tempos de covid” que saem muitas publicações todos os dias.

    Então temos os artigos técnicos e científicos – e eventualmente trabalhos de colegas da Divulgação Científica que são publicados cotidianamente. Mas nós também estamos sempre atentos à jornais, revistas, informações em geral. Isto para ver se existe algum ponto que está nos escapando, ou se existem questões sociais urgentes para trabalharmos!

    Assim, aqui chegamos onde eu queria chegar! É fundamental neste esquadrinhamento nós selecionarmos conteúdos. Com isto realizamos recortes para divulgarmos o conteúdo da maneira mais acessível possível a quem acompanha nosso material – seja no veículo que for.

    E que tipo de ação é esta?

    Comecemos pelo o que nosso conteúdo não é!

    – Isto não é uma “tradução” de conteúdo. Ou seja: nós não traduzimos de um suposto idioma científico para um idioma das ruas

    – Também não é “transposição” didática. Isto é, transformações adaptativas para o conteúdo

    – Muito menos “simplificação” ou (a pior de todas na minha percepção) um “conteúdo pouco aprofundado”. Ou seja, pessoas não especialistas não são rasas para precisarem de um conteúdo “pouco aprofundado”. Tampouco são incapazes de compreender ciência a ponto de precisarmos de uma simplificação.

    Assim, a Divulgação Científica trabalha com a produção de conteúdos e conhecimentos técnicos e científicos acessíveis. Quando eu falo “produção de conteúdos”, estou me referindo, como diz Larrosa, a esta construção de sentidos, significados, simbologias através da linguagem. É, portanto, uma escrita completamente nova e diferente de um artigo científico – seja ele avaliado por pares ou preprint.

    Os conteúdos de Divulgação Científica articulam conhecimento técnico científico a outros elementos da cultura. Bem como, vinculam-se a diferentes valores sociais e como todo processo comunicativo – são interessados e endereçados (no nosso caso: interessantes também!). 

    E escrevemos por quê?

    Muitas vezes, estes conteúdos que produzimos é instigado por artigos incríveis que chegam em nossas mãos. Outras vezes, por perguntas de quem nos acompanha! (Sim!!! Isso é absolutamente comum e o diálogo é motor de pesquisa e estudo!).

    Também acontece de lermos conteúdos que estão espalhando desinformação. Neste caso, eles podem causar risco potencial para a população – o que em tempos de Covid-19 e negacionismo, sempre gera um alerta imenso! E nós já falamos sobre isto no Blogs e consideramos cada ponto deste toda a vez!

    O que me faz chegar no 4º e último ponto:

    4º A responsabilidade sobre o que produzimos.

    É claro que cientistas erram e divulgadores erram. E é claro que reavaliamos constantemente nossas ações. Estamos em grupos e mais grupos (e mais grupos e outros grupos ainda mais) com outros comunicadores, debatendo o quê, quando e onde publicarmos.

    Discutimos artigos, debatemos se determinado preprint é bem organizado, escrito e robusto. Também pensamos conjuntamente e – de maneira geral – podemos dizer que existe bastante apoio entre comunicadores.

    Bueno, mas e aí?

    Temos debatido também outras estratégias para analisarmos a desinformação e quando devemos intervir e falar sobre algum dado recente. Tudo isto mexe com algo muito delicado acerca da responsabilidade com a informação, que diz respeito à ética!

    Isto é: como decidir falar sobre dados, quando eles podem não ser satisfatórios?

    Veja, trabalhar com comunicação responsável é se dar conta que estamos sempre selecionando conhecimentos, fazendo recortes e produzindo novos textos, novas informações, novos conhecimentos.

    É isso a que Larrosa se refere quando fala da “produção, dissolução e uso da realidade”. Isto é, significa mais do que manipular informação (e evitamos usar esta palavra pela conotação negativa). Estamos:

    – Esmiuçando a informação inteira, destrinchando-a (dissolução)
    – Escrevendo outro tipo de informação (produção) quando
    – Divulgamos conhecimento técnico científico (uso).

    Ter noção destas etapas é fundamental para estabelecermos uma relação ética com o conhecimento e com quem têm acesso a este conhecimento pela divulgação. E é por isso que, muitas vezes, decidimos apresentar dados que ainda são incipientes. Nós analisamos e assumimos o conhecimento técnico da leitura que fazemos, sim. Ressalto aqui que isto passa a milhas e milhas de distância da arrogância. É análise mesmo do material, passando por estas etapas que eu fui mencionando no texto!

    Mas é mais do que isso

    Por termos analisado de que maneira ele está sendo divulgado, em que tipo de “bolhas”, quem nos faz perguntas, como chegam as perguntas, tomamos decisão. Por exemplo, elaboramos o risco de, ao ver tudo isto, não falar nada sobre…

    São decisões importantes que não se restringem ao saber técnico, mas são uma junção destes 4 pontos que tocam nosso trabalho na divulgação.

    Além disso, é fundamental apresentarmos a ciência também a partir de suas contradições, seus erros e percalços. A ciência não é linear, não se faz só por acúmulo de ideias e conhecimentos. Ela é um campo de debates – é e deve ser sempre.

    O porqueiro de Agamenon…

    Assim o porqueiro de Agamenon, que contesta a frase “a verdade é a verdade”, o faz não por ser negacionista ou birrento. Talvez ele esteja à espera de um debate mais aprofundado acerca do que fundamenta esta verdade e onde ela se ancora – dados, debates, ideias.

    Também não é apenas reiterar uma postura crítica “só porque sim” e contestar tudo. Pois é uma busca pelos tempos de pensar, analisar e buscar mais conhecimento para tomar decisões.

    Assim, se partimos do pressuposto (e defendemos) que o acesso ao conhecimento faz parte de um processo fundamental da democratização da ciência. E se assumimos que isto tem que ser a base de nosso trabalho – não estamos aqui para apenas divulgar notícias maravilhosas. 

    Nem resolvemos trabalhar com divulgação científica para dizer que tudo vai dar certo. Quando nos chegam materiais (artigos, vídeos, perguntas) que apresentam riscos de aumentar a desinformação, nós vamos SIM elaborar um conteúdo. Vamos apontar suas limitações, vamos destrinchar suas potencialidades. E, tal como o porqueiro de Agamenon, diremos “não me convence”, se assim acharmos pertinente!

    O estabelecimento das enunciações científicas é, ou deveria ser, a partir do diálogo por possíveis “não convencimentos”. E isto mais do que por aceitação em silêncio, sem contrapontos a serem analisados.

    A verdade é a verdade” – dita por uma voz que não sabemos de quem é, mas temos que aceitar, só indica crença metafísica e inquestionável. Não é assim que a divulgação científica deveria trabalhar. Nem é assim que nos dirigimos a quaisquer pessoas que nos acompanham e/ou que buscam dialogar para compreender mais, tirar dúvidas, apontar falhas.

    Não é assim que a ciência deveria se fundamentar.

    E não é assim que um trabalho que se supõe construção coletiva de conhecimento deve atuar. Especialmente, tendo em vista que ninguém sabe tudo e que aprendemos uns com os outros.

    A Divulgação Científica é (e tem que ser) maior que a soberba do suposto saber. Ela tem que ser ponte, ciente, responsável e ética – entre pares e extra pares. E calcada no diálogo que constrói mais do que nas assertivas que seguem, tal como a oculta personagem de Agamenon, apontando a verdade como a verdade. Ou seja, sem possibilidade de questionamento.

    A todos nossos colegas que, mesmo exaustos, seguem se abrindo para o diálogo. Àqueles que seguem apontando para as trajetórias da ciência com ética e responsabilidade. Aos que assumem isto como rumo e lembrando sempre que a ciência, sem questionamento e diálogo, é só outra religião dogmática. A todas as divulgadoras científicas e divulgadores científicos incansáveis: dedico este texto de hoje. Por construções mais saudáveis e caminhos mais suaves.

    Para saber mais:

    Gouvêa, G. (2015) A divulgação da ciência, da técnica e cidadania e a sala de aula. In: Giordan, M., Cunha, M.B. (org) Divulgação Científica na sala de aula. Ijuí: Editora Unijuí. pp.13-42.

    Larrosa, Jorge (2003) Pedagogia Profana

    Mariosa, Erica (2021) Como fazemos a divulgação da divulgação científica no Blogs de Ciência da Unicamp?

    Machado, Dayane (2021) Corrigindo boatos de forma estratégica

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Corrigindo boatos de forma estratégica

    Postagem por Dayane Machado (@DayftMachado) e Minéya Fantim (@mifantim)

    Você não aguenta mais receber “fake news” no grupo da família? Já cansou de corrigir os mesmos boatos toda semana?

    Rã Zinza AntiFakenews de 1 De Novembro De 2018 Por Rafael Marçal https://vacilandia.com/ra-zinza-antifakenews/

    Pois você não está sozinho. Desde que os primeiros casos de Covid-19 começaram a ser registrados, os potenciais riscos das desinformações deixaram de ser assunto para pequenos grupos de cientistas e invadiram o dia-a-dia de boa parte da sociedade.

    Nesses últimos meses, muita gente teve que aprender a checar informações. Além disso, tem ajudado colegas e familiares a filtrar o conteúdo que anda circulando por aí.

    Mas, apesar disso, o resultado desse tipo de interação nem sempre é o esperado e, como consequência, muita gente tem ficado frustrada e sem entender por que parece que certas correções não funcionam.

    Numa tentativa de popularizar o que a gente já sabe a partir das pesquisas sobre desinformação, um grupo de mais de 20 especialistas no tema se reuniu para publicar:

    O Manual da Desmistificação 2020. (BAIXE AQUI)

    O documento resume os resultados dos principais trabalhos da área e transforma tudo isso em um conjunto de recomendações simples e diretas para você aplicar na sua rotina.

    Assim, a proposta é que cada vez mais pessoas entendam o problema e que a partir daí, possam ajudar no enfrentamento da desinformação de forma estratégica.

    Por exemplo, você sabia que nem sempre vale a pena corrigir um boato?

    Se ele tiver pouca visibilidade, a correção pode até sair pela culatra, tornando o boato mais popular em vez de realmente combatê-lo (veja mais detalhes na figura abaixo).

    O pessoal mal-intencionado, especialmente quem já faz parte de movimentos negacionistas, sabe disso e tenta surfar na popularidade de jornalistas e celebridades para alcançar um público maior.

    Infelizmente, muita gente vem mordendo a isca. Dessa forma, vemos veículos jornalísticos validando desde teorias da conspiração sobre o resultado das eleições norte-americanas a questionamentos sobre a segurança das vacinas contra a Covid-19.

    O panorama estratégico da desmistificação

    Entretanto, através do manual, você também vai entender por que certos boatos continuam “grudando” na cabeça das pessoas, independente de quantas vezes eles sejam corrigidos, vai aprender a evitar que isso aconteça e, quando não for possível prevenir, vai saber como corrigir os boatos de forma efetiva, aumentando as chances de que a correção realmente funcione.

    O Manual da Desmistificação 2020 chega poucos meses depois da publicação do Manual das Teorias da Conspiração e é produzido pelos pesquisadores Stephan Lewandowsky e John Cook e também disponível em português.

    Em suma, você encontra os dois documentos, além de outros recursos para combater o negacionismo e a desinformação na página do Centro para a Comunicação das Mudanças Climáticas da Universidade George Mason e na página do Skeptical Science.

    Sobre o Manual da Desmistificação 2020

    Outras informações: https://skepticalscience.com/translationblog.php?n=4886&l=10

    Para baixar: https://skepticalscience.com/docs/DebunkingHandbook2020-Portuguese.pdf

    Para saber mais:

    Este texto foi escrito originalmente no blog Mindflow

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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