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  • A pandemia decretou o fim definitivo do ensino remoto?

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Engana-se quem pensa que o ensino remoto entrou na mídia e nas discussões escolares apenas após a pandemia da COVID-19. Esse assunto já permeava as instituições de ensino bem antes, passando do ensino básico ao superior, do público ao privado. O desejo de modernização, avanço tecnológico e aproximar a escola do mundo digital já estava nos planos escolares. Contudo, a pandemia tomou o mundo e forçou as instituições a utilizar o ensino remoto como único modelo de ensino. Agora, quase dois anos após a obrigação de se adaptar remotamente, conseguimos ver alguns resultados da sua implementação e questionar: o ensino remoto vai continuar nas instituições após (se existir um após) a pandemia da COVID-19?

    O que conseguimos observar…

    No primeiro momento, o que todos os envolvidos no ensino brasileiro apontaram seria a dificuldade de adaptação ao ensino remoto. A estrutura precária da maioria das escolas públicas brasileiras dificultaria a produção de material para os estudantes e a comunicação entre estudantes e corpo docente. O debate também apontava a situação de muitos estudantes que não possuíam os equipamentos necessários para o acesso às aulas, como computador e internet. Os relatos dessa situação podem ser lidos aqui em outro texto do blog. Essa situação, apesar de extremamente óbvia, não contou com a organização e apoio das autoridades competentes, aumentando ainda mais a carga de trabalho dos professores do ensino público.

    Os estudantes, sem a estrutura básica necessária em suas residências para o acompanhamento das aulas, pararam de frequentar as atividades remotas. Essa nova forma de evasão escolar, consequentemente, já tem surtido efeito nos parâmetros governamentais de medição da aprendizagem. Esses dados mostram principalmente a problemática para as escolas públicas, e que vai acentuar ainda mais o abismo educacional existente entre o ensino público e privado. E apesar de estarem em uma situação mais privilegiada e conseguindo se adaptar melhor às possibilidades remotas, o ensino privado também sofreu problemáticas no desenvolvimento educacional. 

    A observação da realidade escolar brasileira mostra, de forma enfática, que o ensino remoto tem múltiplos problemas. Estudantes, professores, gestão escolar, todos estão exaustos do modelo e possuem ainda mais críticas à essa estrutura do que coloquei aqui nesse texto. Portanto, essa realidade decreta a morte do ensino remoto como possibilidade para as escolas?

    É o fim da aventura do ensino remoto no Brasil?

    Dificilmente esse assunto vai deixar de vez o debate no meio educacional brasileiro. Principalmente quando consideramos a lógica neoliberal que rege as escolas, tanto no meio público, mas principalmente no meio privado. As faculdades de ensino à distância já consolidaram muito bem o modelo remoto e mostram claramente o grande motivo que o ensino remoto vai permanecer. A manutenção da estrutura escolar, das salas, e principalmente o pagamento dos professores são custos muito altos para as instituições.

    Baixar os custos de estrutura, não precisar de sala de aula, funcionários e gestão escolar.  Essa lógica focada no lucro em instituições escolares vão continuar pois algumas delas são empresas que buscam esse fim. Mas essa lógica não se prende apenas para o meio privado. As instituições públicas também podem ser vítimas desse modelo, e criar um sucateamento ainda maior para o ensino público brasileiro. E um dos sujeitos principais da educação acaba sofrendo ainda mais: o professor.

    A possibilidade de pagar uma única vez o professor para gravar uma aula, e repetir esse conteúdo diversas vezes ao decorrer dos anos se mostra financeiramente muito mais vantajoso para as instituições. Essa forma de relação com o professor, considerando não mais quem acompanha cotidianamente o desenvolvimento do professor, mas o torna um funcionário freelance, que presta um serviço e depois deixa de ter vinculo com a instituição, é de extrema preocupação para o desenvolvimento educacional brasileiro. 

    O que é possível que a pandemia tenha feito com esse cenário do ensino remoto brasileiro é frear a sua instauração por completo. Como os estudantes, professores e gestores escolares viveram essa forma de ensino, que claramente mostrou-se ineficaz e problemático, a sua implementação por completo deve gerar uma resposta contundente contrária por parte desses sujeitos.

    O que vai continuar então?

    O debate, que sempre foi pautado em uma modernização que seguisse a lógica neoliberal, vai mudar de forma. Antes, era uma tentativa de implementação do ensino remoto considerando o avanço tecnológico escolar. Agora, tudo indica que o debate vai ser focado no ensino híbrido, que faça uma mescla entre o ensino remoto e o presencial. 

    O ensino híbrido, por ser uma forma de organização do ensino, não é necessariamente de todo o mal. Existem possibilidades educacionais interessantes em se implementar novos instrumentos, técnicas e relações no ensino. Mas o ensino híbrido não será implementado em um sistema escolar perfeito. As problemáticas vivenciadas pelas escolas públicas durante esse período pandêmico continuarão. O debate da implementação do ensino híbrido está considerando esse aspecto? Ou apenas uma lógica financeira de redução de custos?

    Além disso, vale os questionamentos: o quanto o distanciamento entre as pessoas afetou o rendimento escolar e a saúde mental? Qual a parcela de culpa do ensino remoto para a defasagem escolar? Ao implementar um sistema hibrido, quais problemas seriam herdados do ensino remoto? Desvincular completamente o ensino remoto do hibrido pode ser perigoso também, pois alguns de seus problemas advém justamente da sua estrutura de afastamento entre as pessoas. 

    Mas todos os aspectos de sua estruturação e implementação precisam considerar o professor como peça fundamental. Sem a figura e a ação do professor, nenhuma organização escolar consegue garantir o desenvolvimento intelectual e social dos estudantes.

    As novas formas de organização escolar vão surgir e entrar no debate público e acadêmico. Colocar como essencial a participação ativa dos professores e da realidade do ensino público brasileiro é essencial. Não teremos desenvolvimento educacional de qualidade se a lógica neoliberal de foco financeiro imperar nos debates que estruturam o ensino brasileiro. 

    Para saber mais…

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências no ensino público

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências (parte II)

    G1 (2021) Percentual alto de alunos não tem acompanhado as aulas pela internet durante a pandemia

    Folha de São Paulo (2020) Estudantes tiveram regressão na aprendizagem durante a pandemia.

    O autor

    Matheus Naville Gutierrez é mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Rogéria Veronezi

    Profa. Rogéria Veronezi (à esq.) e a colaboradora Giovana Veronezi (à dir.), mãe e filha. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Muitos têm sido os desafios que a pandemia da COVID-19 e as políticas de isolamento e distanciamento social vêm provocando no setor educacional. Devido a esse contexto, nós do Ciência Pelos Olhos Delas preparamos uma série especial com relatos e reflexões de profissionais da área sobre suas experiências. 

    O primeiro post da série contou com a participação da Profa. Dra. Michelle Rocha Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Em entrevista à colaboradora Carolina Francelin, a Dra. Michele compartilhou sua visão de como esta nova realidade tem afetado o ensino superior.

    Hoje a colaboradora Giovana Veronezi traz a segunda e última parte deste especial com o relato da Profa. Rogéria Veronezi sobre sua atuação no ensino fundamental e médio. O resultado você pode conferir na íntegra abaixo.


    Todas as experiências escrevendo para o Ciência Pelos Olhos Delas são especiais à sua maneira, mas não há como comparar a oportunidade de realizar uma entrevista com a nossa própria mãe. Após compartilharmos nossos relatos pessoais em relação à pandemia aqui no blog, surgiu a ideia de trazermos também uma abordagem do ponto de vista educacional, e eu imediatamente já sabia quem gostaria de entrevistar.

    Ao longo dos anos eu pude acompanhar a trajetória da Profa. Rogéria não só no papel de filha mas também como sua aluna ao longo de todo o meu ensino fundamental. Quando a pandemia da COVID-19 resultou na interrupção das aulas presenciais e no estabelecimento do ensino remoto, acompanhei de perto também como as incertezas e adaptações afetaram sua rotina profissional.

     Atualmente Professora de Língua Portuguesa e Literatura no SESI e Coordenadora Pedagógica na EMEB Prof. José Barreto Coelho, em Mococa (SP), a Profa. Rogéria conta em detalhes quais foram tais adaptações e como estas afetaram as relações aluno-professor, professor-professor e o planejamento escolar como um todo.

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Minha formação inicial é em Letras. Minha primeira Pós Graduação foi na área de Psicopedagogia Institucional. Depois senti necessidade de cursar Pedagogia e, atualmente, estou cursando uma Pós em Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 

    Minha experiência com a docência permeia desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Na Educação Infantil, fui professora de Língua Inglesa para crianças a partir de 4 anos de idade, experiência também compartilhada no Ensino Fundamental I. Nos segmentos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio minha experiência maior é na área de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. 

    Além de trabalhar como docente, atuo na área de formação de professores como Coordenadora Pedagógica, função que acumulo à de professora há, aproximadamente, dezoito anos.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Atualmente trabalho em duas instituições de ensino: uma da rede particular e outra da rede municipal. Na primeira, sou professora; na segunda, Coordenadora Pedagógica, o que me oportunizou experienciar a situação sob as duas vertentes. 

    A pandemia afetou fortemente o modelo de educação que conhecemos, o que exigiu que as pessoas envolvidas – gestores, professores, estudantes – ressignificassem suas concepções sobre função social da escola. O problema é que tudo aconteceu de uma forma muito inesperada, e a mudança precisou ser feita num ritmo muito acelerado e num contexto de muitas incertezas. 

    O fato de estar na sala de aula muito colaborou com o meu trabalho de Coordenação Pedagógica, pois conseguia enxergar na prática as dificuldades apresentadas pelos professores que coordeno. As incertezas e as muitas novidades ocorridas no início do trabalho com o Ensino Remoto foram, aos poucos, dando lugar ao sentimento de ser necessário encarar os desafios um a um, o que significava controlar a ansiedade e reestruturar a forma como o trabalho vinha sendo desenvolvido até então.  

    A meu ver, o que mais impactou nas atividades, em ambas escolas, foi a necessidade de o professor distanciar-se de seus estudantes, uma vez que o nosso trabalho se apoia no vínculo criado diariamente na sala de aula. Além disso, a maioria dos professores e dos estudantes não estavam preparados para lidar com esse novo formato, em que a tecnologia passou a ser uma das protagonistas do sistema educacional. Interessante foi ter notado que os adolescentes, tidos como “digitais”, também tiveram dificuldades para se adaptar à tecnologia como ferramenta no seu processo de ensino-aprendizagem.

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Embora tenha 26 anos de experiência docente, ainda não tinha tido a oportunidade de trabalhar integralmente em um sistema de Ensino Remoto. De alguma forma, a tecnologia já fazia parte da minha rotina de trabalho, mas num sistema híbrido.

    Aprender a lidar com as aulas síncronas talvez tenha sido o meu maior desafio, pois é como se você fosse abduzido da sua zona de conforto – a sala de aula – e teletransportado para a frente de uma tela de computador, com quem passa a conversar. O diálogo passa a ser, então, um monólogo, pois geralmente os adolescentes têm resistência em abrir as câmeras e interagir com o professor.

    É diferente de um curso on-line em que você se matricula por vontade própria, como estudante, e sabe que seu contato presencial com o professor será limitado ou, dependendo do curso, inexistente. No Ensino Remoto, ninguém teve a chance de optar.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As incertezas trazidas pela pandemia da COVID-19 fizeram com que as adaptações fossem acontecendo de forma gradual, pois no início não havia como mensurar o tempo em que ficaríamos afastados do ensino presencial. Nas escolas em que trabalho, por exemplo, uma das primeiras adaptações foi com relação ao Calendário, com a antecipação das férias de julho para abril. 

    Depois vieram as adaptações referentes à organização dos estudantes para trabalharem em um novo modelo, distantes dos seus colegas e professores;

    à disponibilização de plataformas educacionais para acesso a aulas síncronas, se possível;

    à postagem e ao acesso das atividades;

    ao investimento na formação de professores quanto a novas tecnologias;

    à reorganização do planejamento;

    à garantia de feedbacks, tanto do professor para o aluno quanto o contrário;

    ao como garantir o cumprimento das atividades pelos alunos;

    ao como auxiliar o estudante que sentisse dificuldades com as atividades propostas.

    Digo que as adaptações foram, e estão sendo feitas, de forma gradual porque muitas questões novas aparecem cotidianamente. O que fazer, por exemplo, com um estudante que, de repente, deixa de cumprir as atividades propostas mesmo tendo condições favoráveis ao acesso? Nesse momento é necessário um processo de adaptação, no sentido de se pensar em uma estratégia que possa ser transformada em uma ação eficiente, principalmente para o aluno.  

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    É preciso ser realista com a situação que estamos vivendo: os estudantes não têm experiência com esse sistema de ensino e, mesmo após seis meses de trabalho, podemos dizer que muitos ainda estão em fase de adaptação. Analisar a reciprocidade dos alunos implica analisar outros fatores que interferem nesse processo, como o fato de o Ensino Remoto não ser adequado para todos os tipos de estudantes, principalmente para aqueles que apresentam algum tipo de dificuldade. 

    Penso que a idade também interfere nesse processo: quanto mais novo o estudante, mais difícil lidar com o ensino remoto. Como já disse anteriormente, Ensino Remoto não é sinônimo de Ensino à Distância, embora em ambos o contato entre professor e aluno não aconteça como no ensino presencial. No Ensino à Distância o estudante, geralmente já na fase adulta, está consciente de sua escolha quando opta por um pós-graduação, por exemplo. 

    Em ambos os modelos, estudar exige uma disciplina muito maior que estudar em uma sala de aula, principalmente porque o aluno tem que aprender a gerir o seu próprio tempo. Imagine quão complicado isso pode ser para adolescentes cujos pais precisam sair para trabalhar de manhã e deixá-los sozinhos em casa…  No ensino presencial, os estudantes encontram um espaço pensado e organizado para o propósito da aprendizagem. No Ensino Remoto, o estudante perdeu essa referência e precisou se reorganizar. Obviamente, a reciprocidade e participação não têm sido 100%, e muitos são os fatores que podem justificar esse resultado, desde a dificuldade de acesso à falta de autonomia dos estudantes.  

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos?

    Nesse modelo, tudo mudou, inclusive a forma de avaliar o desenvolvimento e aquisição de conhecimentos. Sou consciente de que muitos alunos, durante a prova, resolvem as questões a partir de consultas na internet, conversas com colegas pelo WhatsApp… Não há como evitar isso. Então é preciso mudar o olhar sobre como avaliar, assim como o paradigma de que o aluno deve fazer essa ou aquela atividade para “ganhar nota”. Quando meus alunos me fazem a fatídica pergunta “Vale nota, professora?”, eu respondo “Vale conhecimento!”. 

    Acredito ser importante eles se convencerem de que a prova que fazem na escola é equivalente a qualquer outro processo avaliativo: a habilitação para dirigir, por exemplo. No momento da prova, o “candidato a motorista” não deve mostrar ao avaliador o resultado de tudo aquilo que aprendeu durante as aulas com o instrutor da autoescola? Tento convencer meus alunos de que na escola o processo deve ser o mesmo. 

    Outra problemática presente é o fato de o distanciamento entre professor e aluno impossibilitar a mediação do professor, tão necessária ao processo de ensino-aprendizagem. Quando estamos em sala de aula, há como percebermos a evolução do estudante através da observação durante a realização dos exercícios, a participação nas aulas, o envolvimento com as atividades propostas… No presencial, é possível fazer, como nós costumamos dizer, um trabalho “corpo a corpo”: se o aluno tem dificuldade, o professor senta com ele e o ajuda a resolver o exercício, por exemplo. No formato remoto isso inexiste, por mais que se tenha contato com o aluno nas aulas síncronas, em que, vale lembrar, há ainda um grande dificultador: o fato do aluno não interagir com o professor.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    São muitos os desafios neste momento, mas um dos maiores, na minha visão, é garantir que todos os estudantes tenham acesso às atividades propostas, consigam organizar-se, tornar-se autônomos e, consequentemente, desenvolver as competências e habilidades necessárias à sua aprendizagem. Outro grande desafio é o professor conseguir lidar com as mudanças inerentes ao contexto atual e reconhecer a urgência de a necessidade de rever o seu papel como profissional do conhecimento.

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Não há como nos desvencilhar das novas estratégias que passaram a fazer parte do nosso planejamento. O ensino híbrido, que já não era novidade em educação, ganhou seu espaço e, efetivamente, permanecerá nos planejamentos pós-pandemia, como a “aula invertida”, que dá aos alunos a oportunidade vir à aula presencial repertoriados sobre o assunto que será discutido. 

    Não se trata de descartar todas as estratégias utilizadas antes da pandemia, mas, sim, de renová-las. Acredito que nós, professores, descobrimos novas formas de ensinar, de tornar nossas propostas muito mais significativas para os estudantes e não podemos abrir mão disso. Coordeno professores que foram meus professores e que, apesar da vasta experiência como docentes, estão se redescobrindo, aprendendo a ensinar através de meios tecnológicos. Não foi fácil no começo, mas já comemoram suas conquistas.

    9. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Espero que essa experiência coletiva mude a nossa forma de pensar a educação. Que os alunos entendam que a escola é um lugar onde vão para compartilhar experiências, aprender, se divertir, criar vínculos, descobrir suas competências e habilidades. Que os professores se assumam como professores, como profissionais do conhecimento, que se preocupem em estar sempre se preparando para formar esses jovens que, diariamente, estão sob nossa responsabilidade. Talvez alguns, ao ler essa resposta, pensem que eu esteja sendo utópica, mas se não idealizarmos uma mudança ela nunca será realidade.


    Obrigada, mãe, por aceitar o convite e pelas valiosas reflexões. Acredito que muitas instituições de ensino compartilham desta realidade de ainda vivenciarem uma fase de adaptação em adequar este novo modelo de ensino às necessidades dos alunos e preparação dos professores, mesmo após meses de ensino remoto. Adicione diferenças socioeconômicas que limitam o acesso de muitos à esse formato digital e o desafio se torna ainda maior. Neste caminho, que cada vez mais as vozes de professores e profissionais da educação sejam reconhecidas e amplificadas.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise

    Michelle Rocha-Parise. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Das alterações provocadas pela pandemia da COVID-19, o setor educacional foi um dos mais afetados e o retorno às aulas está sendo bastante complexo de se resolver. Pensando nisso, nós do Ciência Pelos Olhos Delas desejamos trazer um olhar por dentro da problemática do ensino remoto por meio de conversas com profissionais do ensino fundamental/médio e superior.

    Mundialmente, o primeiro decreto de quarentena levantou discussões sobre o bem e/ou mal que o isolamento de crianças e jovens adultos poderia causar no desenvolvimento intelectual e social daqueles que ficaram em casa.

    Conforme o isolamento social foi se estendendo, o ensino foi reinventado para ser apresentado por meio de uma plataforma digital – aquela que pode ser feita à distância. Acreditamos que ela foi criada com o intuito de reduzir os impactos na progressão acadêmica dos alunos e também auxiliar economicamente as instituições. Contudo, essa alteração requer estudo e ações que viabilizem o andamento das aulas de forma igualitária a todos. 

    Aqui trazemos dois relatos de experiência, um hoje e um na semana que vem, para compartilhar um pouco a realidade do ensino remoto, a fim de enriquecer discussões acerca desse assunto.  

    ****

    Hoje, eu trago a primeira parte desse material: o relato da experiência da Profa. Dra. Michelle Rocha-Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). A Michelle é uma amiga que fiz na Unicamp, quando realizamos pós-doutorado em Neuroimunologia no Instituto de Biologia. Na UFJ, suas linhas de pesquisa apresentam projetos nos quais ela busca alternativas terapêuticas para doenças, especialmente aquelas de caráter autoimune, assim como o entendimento das alterações imunológicas causadas pelos agentes ambientais, ou seja, exposições ocupacionais de indivíduos que trabalham com substâncias deletérias (agrotóxicos). 

    Como aconteceu com grande parte dos cientistas no mundo todo, a quarentena provocou atrasos em sua pesquisa científica e alterou sua forma de lecionar. No caso dela, o isolamento social afetou não só o ir e vir dos alunos como também afetou a coleta de amostras humanas. 

    Diante da nova realidade, Michelle manteve as reuniões administrativas, orientações e aulas em diferentes plataformas digitais. Para ela, o deslocamento das aulas presenciais para o sistema de ensino remoto foi novidade, apresentou desafios e trouxe diferentes propostas de ensino. Leia a nossa conversa a seguir: 

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Eu sou farmacêutica com habilitação em análises clínicas e pós graduação lato sensu em análises clínicas na subárea Imunologia. Sou Mestre em Imunologia, Doutora em Farmacologia, e Pós Doutora em Neuroimunologia.

    Minha experiência como docente começou quando eu defendi o Mestrado e comecei a dar aula de Cosmetologia no Senac em um período que fiquei sem bolsa (financiamento para pesquisa). Já quando terminei o Doutorado, eu lecionei Farmacologia e Imunologia para uma Universidade privada. Quando eu estava no primeiro ano do Pós Doutorado eu ingressei na UFJ, onde eu leciono Farmacologia.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    A pandemia afetou de uma forma bastante expressiva as atividades da Universidade onde eu atuo, principalmente no que tange à parte da graduação. 

    Na parte administrativa houve uma comoção geral para nos adaptarmos com as tecnologias disponíveis para reunião remota e assim tudo foi sendo realizado de uma forma bastante satisfatória. Isso também porque a Universidade conta com um sistema eletrônico de informações, onde todas as assinaturas são eletrônicas, então essa parte não foi um problema. 

    Em relação às aulas houve muita discussão principalmente referente ao acesso dos discentes à tecnologias: acesso à internet e condições de ter um computador e/ou celular. Isso para que os alunos pudessem acompanhar as atividades de maneira satisfatória. Então, baseado nessa problemática, a Universidade suspendeu as atividades.

    O único curso que voltou às atividades de forma remota foi o que eu sou responsável, que é o curso de Medicina. Isso também porque fizemos um estudo e menos de 3% dos alunos não teriam como acompanhar as aulas remotas, o que foi suprido pelo curso/instituição. Esse retorno foi, muito provavelmente, possível devido à condição socioeconômica dos alunos desse curso, que têm uma posição mais privilegiada. Já os demais cursos ainda não retornaram e estão analisando os questionários para avaliar a possibilidade da volta às aulas remotamente.  

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Eu não tinha nenhuma experiência com ensino remoto, nunca havia feito nada nesse sentido. Inclusive, senti bastante dificuldade no início, o que foi sanado com a capacitação oferecida pela Universidade e a rotina do uso dos sistemas disponíveis para as reuniões. 

    Já por parte dos alunos, eles mesmos se organizaram e ofereceram uma semana de capacitação para manusear as diferentes plataformas e ferramentas. 

    Aqui não estamos fazendo o ensino à distância e sim o ensino remoto, onde oferecemos aulas síncronas e assíncronas, essa última é quando gravamos a aula e enviamos para o aluno previamente para que durante a aula possamos trabalhar melhor a discussão do assunto. Isso visando tentar manter a característica ativa da metodologia de ensino, utilizada pela Universidade.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As adaptações ocorreram na readequação do plano de ensino, sendo que as aulas práticas não passíveis de adaptação para vídeo serão ministradas no retorno das aulas presenciais. 

    A bibliografia também foi revista e somente textos e livros disponíveis online foram mantidos, também incluímos alguns artigos e livros de domínio público. Tudo foi adaptado de uma forma que o aluno consiga, através do acesso à biblioteca virtual da universidade ou pela rede em geral, ter acesso ao material didático proposto. 

    Já da minha parte, eu acho que tudo isso fez com que eu tornasse minhas aulas menos conteudistas e percebi agora que dá para otimizar a aula para o aluno absorver o conteúdo base. E aquilo que é adicional eu posso trabalhar com o aluno fora do horário de aula, com exercício por exemplo, tornando a hora aula mais produtiva. 

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    Em relação à adesão dos alunos como um todo foi muito bom, e vem sendo. Nosso retorno é muito recente, aconteceu dia 5 de outubro, e foi de maneira satisfatória. Eu tive alta adesão dos alunos com muitas perguntas durante a aula, mesmo ela sendo gravada. 

    Bom lembrar que a instituição deu um respaldo muito bom através de uma normativa para os docentes sobre como agir em relação ao registro e disponibilização da gravação das aulas. De toda forma tem sido bem proveitoso, os alunos têm participado.

    Eu controlo a frequência no início e no fim da aula, peço para que liguem câmera/microfone e tenho tido 100% de adesão. A única diferença é que tenho adaptado algumas das minhas aulas para um conteúdo mais otimizado e depois disponibilizo material complementar. Isso porque na aula virtual extensa é mais difícil manter o foco do aluno por muito tempo, tenho restringido minha aula entre 1h30 e no máximo 2 horas sem intervalo. 

    Ainda devo mencionar que o WhatsApp se tornou uma boa ferramenta durante o ensino remoto, pois virou nosso melhor meio rápido de comunicação, substituindo o email, que não olhamos durante o andamento das aulas remotas. 

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos? 

    Considerando que agora os alunos conseguem ter acesso à consulta, eu deixei as atividades complementares (que complementam a nota do semestre) com um grau de dificuldade maior, fazendo com que o aluno tenha que raciocinar e não somente copiar a resposta do texto de referência. 

    Também exigi que as respostas sejam manuscritas e escaneadas para carregamento na plataforma online, para que mesmo que o aluno tenha copiado as respostas ele pelo menos tenha o trabalho da cópia em próprio punho.

    Em relação às avaliações oficiais (provas finais) essas serão ministradas por meio da plataforma com tempo para resposta e uma prova com questões também mais de raciocínio, que dificulta a cópia entre colegas.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    Acho que o maior desafio desse sistema remoto é contar com a maturidade do discente, para que ele entenda que ele é o principal responsável pelo seu conhecimento. E que aquilo que se esconde hoje, por exemplo copiando o exercício ou logando na aula sem participar, será evidenciado mais adiante com o retorno das aulas presenciais e práticas. 

    Assim, o aluno de alguma forma vai demonstrar se ele foi fiel ao conhecimento ou não durante esse período de aula remota.Dessa forma, eu acho que na realidade o desafio do ensino remoto é realmente conscientizar os alunos que os responsáveis pelo conhecimento são eles mesmos, e que os docentes estão ali para instruir e direcionar. 

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Sim, eu pensei em continuar com algumas atividades online talvez em um canal no YouTube ou algo similar para os conteúdos que eu não consiga contemplar em sala de aula de forma satisfatória ou assuntos adicionais que não estão presentes no plano de ensino, mas que eu ache pertinente para a formação do aluno. 

    Eu acho que tem muita coisa útil no ensino remoto, as turmas virtuais por exemplo, mesmo quando as aulas voltarem eu farei mais uso visando a sistematização da informação. 

    9. O que você achou dos congressos/encontros realizados online através das plataformas?

    Em relação à participação em eventos, eu tenho sentido falta da proximidade que nos permite criar parcerias, que são estabelecidas primordialmente pelo contato social direto.

    A apresentação de trabalho de forma remota teve redução de tempo, de uma forma que não é possível exprimir a essência do trabalho de uma maneira adequada. 

    No geral, eu acredito que os eventos que aconteceram de forma remota não tiveram bons aproveitamentos. Isso porque fez com que os alunos prezassem pela quantidade de participação e não qualidade, já que é possível entrar em várias salas ao mesmo tempo. 

    O que eu acho é que algumas apresentações, principalmente os posters, podem continuar de forma virtual (nos livrando dos posters impressos), mas os encontros devem voltar sim para a forma presencial assim que possível. 

    10. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Eu acho que irá impactar de forma positiva desde que a gente tenha medidas de inclusão digital para a grande maioria dos alunos que têm uma vulnerabilidade socioeconômica muito grande. Mas eu acho que isso agora será uma tendência mundial: ter muitas coisas acontecendo de forma remota. Até mesmo as reuniões são mais produtivas, boa parte das questões administrativas podem continuar de forma remota. 

    Mas para o ensino dar certo, as ferramentas de ensino remoto precisam ser bem empregadas: treinamento, preparo e condições mínimas para uso. Desde a educação básica até o ensino superior, tudo teria que ser muito bem analisado para verificar quais seriam as principais adequações.

    Ainda, questões estruturais precisam ser revistas. Aqui mesmo na Universidade, por ser uma cidade pequena, a rede de internet Wi-Fi é ruim e dificulta o acesso dos alunos todos ao mesmo tempo. Quando voltarem às aulas presenciais, os alunos ainda utilizarão o sistema remoto e congestionarão a rede. Problemas assim precisam ser sanados.

    Outra coisa que também deve ser considerada é que o docente não recebe nenhum tipo de incentivo para o trabalho remoto. Os docentes arcam com as despesas da internet, da energia elétrica, e o computador utilizado para o trabalho é o de uso particular. Então esse é um ponto a ser considerado principalmente para os professores da educação básica que têm um salário menor e precisam de mais respaldo nessa parte. Também, os docentes mais antigos e com dificuldades para lidar com a tecnologia precisam ter algum tipo de atenção e preparo diferenciados por não terem familiaridade com os recursos tecnológicos. 

    ****

    O relato da Michelle é singular na sua atuação como docente do curso de Medicina da UFJ. Como ela cita, o ensino remoto nesse curso foi possível devido a uma posição socioeconômica favorável da maioria dos alunos; já os demais cursos de graduação ainda estão no processo de iniciar o ensino remoto. Assim, acredito que a realidade de outros Centros Universitários, públicos ou particulares, seja bastante diversa. Ainda, espero que este relato traga outras discussões entre seus pares sobre a instalação de um ensino remoto eficiente e igualitário

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Como criar um curso de geociências online?

    A oferta de cursos online é cada vez maior na internet. Ao mesmo tempo, professores de todos os níveis de ensino são desafiados a frequentar o ciberespaço. A grande oferta de cursos online na internet já é suficiente para olhar com certa desconfiança essa modalidade de ensino. Recomendo a leitura do post “Um começo de crítica à EaD no Ensino Superior Brasileiro”, disponível em nossa rede de blogs . O autor faz um alerta sobre a busca por lucros que muitas vezes empobrece o processo de ensino e aprendizagem na oferta de cursos de graduação a distância.Gostaria de abordar a discussão voltada para os desafios enfrentados pelo professor na hora de criar um curso on line.

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