Tag: Ensino Híbrido

  • A pandemia decretou o fim definitivo do ensino remoto?

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Engana-se quem pensa que o ensino remoto entrou na mídia e nas discussões escolares apenas após a pandemia da COVID-19. Esse assunto já permeava as instituições de ensino bem antes, passando do ensino básico ao superior, do público ao privado. O desejo de modernização, avanço tecnológico e aproximar a escola do mundo digital já estava nos planos escolares. Contudo, a pandemia tomou o mundo e forçou as instituições a utilizar o ensino remoto como único modelo de ensino. Agora, quase dois anos após a obrigação de se adaptar remotamente, conseguimos ver alguns resultados da sua implementação e questionar: o ensino remoto vai continuar nas instituições após (se existir um após) a pandemia da COVID-19?

    O que conseguimos observar…

    No primeiro momento, o que todos os envolvidos no ensino brasileiro apontaram seria a dificuldade de adaptação ao ensino remoto. A estrutura precária da maioria das escolas públicas brasileiras dificultaria a produção de material para os estudantes e a comunicação entre estudantes e corpo docente. O debate também apontava a situação de muitos estudantes que não possuíam os equipamentos necessários para o acesso às aulas, como computador e internet. Os relatos dessa situação podem ser lidos aqui em outro texto do blog. Essa situação, apesar de extremamente óbvia, não contou com a organização e apoio das autoridades competentes, aumentando ainda mais a carga de trabalho dos professores do ensino público.

    Os estudantes, sem a estrutura básica necessária em suas residências para o acompanhamento das aulas, pararam de frequentar as atividades remotas. Essa nova forma de evasão escolar, consequentemente, já tem surtido efeito nos parâmetros governamentais de medição da aprendizagem. Esses dados mostram principalmente a problemática para as escolas públicas, e que vai acentuar ainda mais o abismo educacional existente entre o ensino público e privado. E apesar de estarem em uma situação mais privilegiada e conseguindo se adaptar melhor às possibilidades remotas, o ensino privado também sofreu problemáticas no desenvolvimento educacional. 

    A observação da realidade escolar brasileira mostra, de forma enfática, que o ensino remoto tem múltiplos problemas. Estudantes, professores, gestão escolar, todos estão exaustos do modelo e possuem ainda mais críticas à essa estrutura do que coloquei aqui nesse texto. Portanto, essa realidade decreta a morte do ensino remoto como possibilidade para as escolas?

    É o fim da aventura do ensino remoto no Brasil?

    Dificilmente esse assunto vai deixar de vez o debate no meio educacional brasileiro. Principalmente quando consideramos a lógica neoliberal que rege as escolas, tanto no meio público, mas principalmente no meio privado. As faculdades de ensino à distância já consolidaram muito bem o modelo remoto e mostram claramente o grande motivo que o ensino remoto vai permanecer. A manutenção da estrutura escolar, das salas, e principalmente o pagamento dos professores são custos muito altos para as instituições.

    Baixar os custos de estrutura, não precisar de sala de aula, funcionários e gestão escolar.  Essa lógica focada no lucro em instituições escolares vão continuar pois algumas delas são empresas que buscam esse fim. Mas essa lógica não se prende apenas para o meio privado. As instituições públicas também podem ser vítimas desse modelo, e criar um sucateamento ainda maior para o ensino público brasileiro. E um dos sujeitos principais da educação acaba sofrendo ainda mais: o professor.

    A possibilidade de pagar uma única vez o professor para gravar uma aula, e repetir esse conteúdo diversas vezes ao decorrer dos anos se mostra financeiramente muito mais vantajoso para as instituições. Essa forma de relação com o professor, considerando não mais quem acompanha cotidianamente o desenvolvimento do professor, mas o torna um funcionário freelance, que presta um serviço e depois deixa de ter vinculo com a instituição, é de extrema preocupação para o desenvolvimento educacional brasileiro. 

    O que é possível que a pandemia tenha feito com esse cenário do ensino remoto brasileiro é frear a sua instauração por completo. Como os estudantes, professores e gestores escolares viveram essa forma de ensino, que claramente mostrou-se ineficaz e problemático, a sua implementação por completo deve gerar uma resposta contundente contrária por parte desses sujeitos.

    O que vai continuar então?

    O debate, que sempre foi pautado em uma modernização que seguisse a lógica neoliberal, vai mudar de forma. Antes, era uma tentativa de implementação do ensino remoto considerando o avanço tecnológico escolar. Agora, tudo indica que o debate vai ser focado no ensino híbrido, que faça uma mescla entre o ensino remoto e o presencial. 

    O ensino híbrido, por ser uma forma de organização do ensino, não é necessariamente de todo o mal. Existem possibilidades educacionais interessantes em se implementar novos instrumentos, técnicas e relações no ensino. Mas o ensino híbrido não será implementado em um sistema escolar perfeito. As problemáticas vivenciadas pelas escolas públicas durante esse período pandêmico continuarão. O debate da implementação do ensino híbrido está considerando esse aspecto? Ou apenas uma lógica financeira de redução de custos?

    Além disso, vale os questionamentos: o quanto o distanciamento entre as pessoas afetou o rendimento escolar e a saúde mental? Qual a parcela de culpa do ensino remoto para a defasagem escolar? Ao implementar um sistema hibrido, quais problemas seriam herdados do ensino remoto? Desvincular completamente o ensino remoto do hibrido pode ser perigoso também, pois alguns de seus problemas advém justamente da sua estrutura de afastamento entre as pessoas. 

    Mas todos os aspectos de sua estruturação e implementação precisam considerar o professor como peça fundamental. Sem a figura e a ação do professor, nenhuma organização escolar consegue garantir o desenvolvimento intelectual e social dos estudantes.

    As novas formas de organização escolar vão surgir e entrar no debate público e acadêmico. Colocar como essencial a participação ativa dos professores e da realidade do ensino público brasileiro é essencial. Não teremos desenvolvimento educacional de qualidade se a lógica neoliberal de foco financeiro imperar nos debates que estruturam o ensino brasileiro. 

    Para saber mais…

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências no ensino público

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências (parte II)

    G1 (2021) Percentual alto de alunos não tem acompanhado as aulas pela internet durante a pandemia

    Folha de São Paulo (2020) Estudantes tiveram regressão na aprendizagem durante a pandemia.

    O autor

    Matheus Naville Gutierrez é mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Não há ensino híbrido em período de pandemia

    Destaco nesse texto a ideia de que o blended learning ou o ensino híbrido perpassa uma construção histórica que surge a partir das discussões a respeito de como associar abordagens de ensino de modo a promover métodos, metodologias e estratégias adequadas a um objetivo educacional específico. Dessas discussões e com a chegada dos primeiros computadores (e posteriormente outras tecnologias), o ensino híbrido se vincula de forma indissociável ao conceito tecnológico e a ideia de ensino realizado em espaços diferentes e por meios diferentes. Esta ideia, que à época e até os dias de hoje parece promissora. Mas ganha distorções e, por razões mercadológicas, o ensino híbrido passa a ser confundido com uma proposta de simples ensino a distância com o auxílio de recursos tecnológicos.

    Em artigo de 1996, denominado “Constructivism: implications for the design and delivery of instruction”, Thomas Duffy e Donald Cunningham trazem diferentes críticas ao construtivismo discutido na época. Algumas destas críticas podem ser consideradas bastante infundadas e outras nem tanto. Os autores apresentam uma proposta própria de interpretação do construtivismo e justificar a abordagem denominada “Problem-based learning”1. Apesar de bastante duros em suas críticas, que por vezes generalizaram estudiosos do construtivismo colocando-os como padronizados, o texto ilustra uma característica emergente da época. A discussão de abordagens para o ensino diferentes daquelas pautadas na reprodução.

    Realize uma busca nas bases de dados de periódicos com o termo Science learning ou mathematics learning. Se você filtrar para a década de 1990, um conjunto de trabalhos será encontrado fazendo referência John Dewey, Vigotsky, Piaget. Vocês estarão vendo referências que propõem estudos sobre as formas de aprender. Também encontramos termos como: student-centered learning; alternatives approachs; pratical instruction; os quais associam as bases das teorias da aprendizagem a estratégias didáticas utilizadas. 

    É nessa época que a ideia de metodologia ativa emerge. Por exemplo, Eric Mazur (o dito criador da “peer intruction”) tem seu livro proposto em 1997 (Peer Instruction: User’s Manual). É nesse período que surgem as primeiras associações a aprendizagem híbrida. E esta é compreendida como uma proposta que visava que o estudante buscasse as informações por meio de diferentes caminhos e fontes. Além disso, mediado pelo professor, construísse sua aprendizagem. 

    Nesse sentido, incorporando as bases pedagógicas, a intenção é o surgimento de propostas de ensino em que conteúdos não sejam organizados da mesma forma para todos os aprendizes; a rota de aprendizagem é construída considerando as individualidades e as necessidades, valorizam-se atitudes e não conhecimentos; o processo de avaliação pode ser acompanhado podendo ser individualizado. Com a chegada das primeiras tecnologias, os vídeos e seguido dos computadores surge o termo delivery-learning. A partir daí a blended learning passa a ser conhecida como blended e-learning. 

    No entanto, toda a proposta não é inicialmente pensada para a escola. Toda a “beleza” começa a ser aplicada a cursos de treinamento empresarial. Pois com o ensino “delivery” é possível  ensinar administradores e (trabalhadores de modo geral) em larga escala. Dessa forma, avalia-se cada profissional de forma individual. Isto é, observa-se o rendimento, a capacidade de aprender sozinho e a forma de linkar o aprendizado com as questões da “firma / empresa”. Como consequência, reconhecer quem deve ou não ser mantido. Quem é ou não melhor.

    Na escola, uma mescla dos dois sentidos começa a emergir. Com isso, a apropriação da tecnologia, o blended e-learning não pode mais existir (ou seria mais raro sua existência) dissociado de qualquer forma de tecnologia. Nesse cenário, a ideia de uma educação híbrida inicia-se com uma proposta de mudança dos objetivos educacionais. Isto com bases nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e incorpora recursos diversos. Dentre eles a tecnologia, sendo este último, por conta do caráter de nossa sociedade, indissociável da ideia de educação híbrida atualmente.

    Apesar de antiga, usarei termos de um dos autores mais referenciados sobre educação híbrida. No livro The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs, Graham cita que há três definições comuns para o BL: “Combining Instrucional modalities”; Combining instructional methods” e “Combining online and face-to-face instructional”. Não apenas como Graham. Mas diversos outros autores e divulgadores da BL se apropriaram da última definição a qual ficou, deste modo, sendo a mais difundida e utilizada ao redor do mundo. 

    Portanto, nos dias atuais é possível definir a educação híbrida como sendo a junção entre a educação presencial e a educação não presencial mediada por tecnologias. O erro que, ao meu ver se comete, é esquecer das bases de desenvolvimento do conceito. Com isto, diminui-se a proposta ao uso de recursos tecnológicos sem que se pense no objetivo deste uso. 

    Este erro acarreta, como consequência, pelo menos dois aspectos preocupantes. Primeiramente, não se pensam nos objetivos de ensino para uma proposta híbrida, fazendo com que a transposição de um ensino presencial para o ensino mediado por tecnologias seja visto como proposta híbrida. Aulas online são o exemplo clássico. Há uma exposição do conceito, com uma avaliação no formato de prova ao final de um conjunto de aulas mas, o fato de ser no computador ou no celular faz com que seja híbrido? Obviamente que não. 

    O segundo aspecto preocupante faz com que, uma vez considerando essa possibilidade fajuta de ensino híbrido, a mesma se propague como proposta a ser oferecida em diferentes cenários educacionais. Isto faz com que empresas e fundações privadas produzam materiais do chamado “ensino híbrido” para redes de ensino públicas e privadas. Como algum dos pontos mais marcantes da venda desses materiais aparece o jargão da educação personalizada. Este é outro termo bastante frutífero do ponto de vista dos estudos educacionais. Principalmente na alfabetização! Mas que é distorcido para uma ideia de que não é mais necessário gastos com a presença física ou profissionais específicos como professores.

    De fato, num período em que buscamos suprir necessidades básicas de estudantes por meio de recursos bastante limitados, dizer que aprimoramos os objetivos educacionais para uma proposta híbrida é simplesmente absurdo. Não estamos fazendo ensino híbrido, estamos adaptando propostas para em ensino emergencial. 

    Divulgar este ensino emergencial como proposta híbrida gera uma distorção, prejudica pesquisas a respeito e potencialidades. Num futuro, quando não estivermos em pandemia, falar em ensino híbrido poderá ser algo extremamente ruim pelo simples fato de estarmos usando a terminologia de forma inadequada. Os mais de 20 anos de pesquisas a respeito do ensino híbrido estão sendo negligenciados.

    Para saber mais

    1. Foundations for Research in Educational Communications and Technology Chapter 7. Constructivism: implications for the design and delivery of instruction . Thomas M. Duffy Donald J. Cunningham 

    2. Blended learning design: five key ingredients. Jared M. Carman.

    3. A White Paper: Achieving Success with Blended Learning Harvi Singh and Chris Reed, Centra Software

    4. Mudando a Educação com metodologias ativas. José Moran

    5. Aprender e ensinar com foco na educação híbrida Lilian Bacich; José Moran 

    6. The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs Por Curtis J. Bonk, Charles R. Graham

    7. Blended Learning:

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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