Tag: ensino remoto

  • Pesamentos sobre a formação de professores no pós pandemia

    Texto escrito por Jonathan Cardoso e Pedro Leal

    Quando decidimos escrever este texto, gostaríamos de poder trazer diferentes visões das consequências que a pandemia pode trazer para a formação de professores de biologia, a respeito das nossas vivências como alunos de graduação em licenciatura biologia. Como nossa formação pode ser afetada no futuro pela pandemia? Então através desse pensamento desenvolvemos o texto a seguir

    Um acervo pro futuro, existe um lado positivo?

    O ensino remoto vem sendo pauta de muitos debates nesse ano que passou, seja na educação infantil, no ensino fundamental, médio ou superior. Como aluno de graduação em Biologia tenho mais propriedade para falar sobre como o ensino remoto vem acontecendo na universidade ou no curso. Assim, me pego pensando sobre como será a educação pós pandemia. Me deparo com a ideia dos acervos digitais criados, tais como, os vídeos gravados por professores que não imaginavam que um dia fariam tal projeto.

    Por que imagine só: Uma professora que tem mais de 20 anos de docência em Biologia molecular, e de um ano para cá passa a produzir artefatos culturais que serão eternos dali pra frente, e que poderão servir de auxílio para seus alunos no futuro. Quem sabe  para interessados na área que não tiveram a oportunidade de ter uma informação aprofundada em um assunto tão específico.

    Percebam que falo aqui sobre alguns professores, mas se pensarmos em nível mundial, o quanto esse acervo não deve ser imenso no futuro?

    O que poderia nos trazer de produtivo?

    Me enche os olhos de alegria toda a vez que penso nessa possibilidade. É evidente, que existem muitos assuntos que podemos abordar que não são tão otimistas em relação à educação pós pandemia. Porém trago esse pensamento porque acho importante também pensar o que pode nos trazer de produtivo esse momento tão difícil. Pessoas que nunca nem imaginavam lidar com essas ferramentas da tecnologia estão se reinventando e criando conteúdos através por meio dela. Isso é muito interessante. Imaginar que daqui pra frente esses professores, após suas aulas presenciais, poderão disponibilizar esses conteúdos para o auxílio no entendimento de seus estudantes.

    Através disso, é possível sim ter uma visão de que acontecimentos positivos podem estar presentes no período pós pandemia para alunos de licenciatura em biologia. Contudo é inevitável perceber que existem receios em relação a como iremos nos formar neste período remoto, como aqueles que estão no fim do curso. Como vamos administrar os estágios docentes? E os Trabalhos de conclusão de curso?

    Os receios da formação à distância

    Em um curso de graduação de licenciatura, é importante pensarmos nesse que é um dos pontos chaves da formação dos professores: os estágios de docência. É estranho pensar em como um professor seria capaz de se formar sem nunca ter entrado em sala de aula, por isso os estágios são componentes fundamentais na maioria dos cursos de formação de professores. Porém, com a situação da pandemia, isso se torna um tanto quanto inviável. Algumas disciplinas da graduação estão sendo realizadas de maneira online, mas o estágio não. O impasse é o seguinte: Mesmo ciente da situação das escolas, que ainda tentam realizar as aulas de maneira remota, com vários estudantes que não possuem acesso à essas aulas, como manteremos os estágios dos futuros professores?

    Por um lado, podemos pensar que alguns dos conhecimentos adquiridos podem ser aproveitados, já que não sabemos como será o pós-pandemia. Será que alguns dos modelos de aulas que estamos utilizando agora serão mantidos? Por que nesse caso, seria interessante que os futuros professores vivenciassem um pouco dessa experiência. Mas por outro lado, será que vale a pena trocar um momento tão importante da graduação do licenciando, que é o contato com a realidade escolar e com a sala de aula, pelo ensino remoto com pouco ou nenhum contato com os alunos? Para mim, que estou no último ano da minha graduação sempre me pego pensando: Quero fazer esses estágios de uma vez e me formar logo, mas será que para a minha formação, vale a pena “perder” essa experiência ou troca-la por um período de aulas remotas? É uma situação bem complicada…

    “Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade?”

    Pensando ainda nessa questão do “último ano de graduação”, me coloco no lugar dos que estão entrando agora nesse contexto do Ensino Superior. A entrada na universidade traz tantas mudanças na nossa vida, mudanças que na maioria das vezes nos fazem crescer, seja nas perspectivas, ou até mesmo na forma que encaramos as nossas responsabilidades (pelo menos eu senti essas e diversas outras mudanças). Mas será que os alunos que estão ingressando agora na Universidade, durante esse período de ensino remoto, conseguirão sentir essas mudanças também? Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade? Acredito que ainda não conseguimos inventar nada capaz de substituir as experiências presenciais.

    Certas incertezas durante a formação

    Sendo assim, penso que apesar desse período em que precisamos repensar o ensino ter trazido diversas coisas positivas para nossa prática docente, algumas outras atividades não conseguem ser realizadas de forma remota ou online, elas precisam que isso tudo se resolva e as coisas voltem “ao normal”. Penso que para alguns casos, os novos recursos que aprendemos e desenvolvemos durante esse período de pandemia podem acrescentar sim na nossa prática pós-pandemia.

    No entanto nos estágios de docência muito pouco sera aproveitado, pois as atividades precisam acontecer da maneira “tradicional”, precisamos do contato humano, da experiência presencial, olho no olho, cara a cara, e não há espaço para o “tela a tela”.


    Para mais textos acesse o Blog.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A pandemia decretou o fim definitivo do ensino remoto?

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Engana-se quem pensa que o ensino remoto entrou na mídia e nas discussões escolares apenas após a pandemia da COVID-19. Esse assunto já permeava as instituições de ensino bem antes, passando do ensino básico ao superior, do público ao privado. O desejo de modernização, avanço tecnológico e aproximar a escola do mundo digital já estava nos planos escolares. Contudo, a pandemia tomou o mundo e forçou as instituições a utilizar o ensino remoto como único modelo de ensino. Agora, quase dois anos após a obrigação de se adaptar remotamente, conseguimos ver alguns resultados da sua implementação e questionar: o ensino remoto vai continuar nas instituições após (se existir um após) a pandemia da COVID-19?

    O que conseguimos observar…

    No primeiro momento, o que todos os envolvidos no ensino brasileiro apontaram seria a dificuldade de adaptação ao ensino remoto. A estrutura precária da maioria das escolas públicas brasileiras dificultaria a produção de material para os estudantes e a comunicação entre estudantes e corpo docente. O debate também apontava a situação de muitos estudantes que não possuíam os equipamentos necessários para o acesso às aulas, como computador e internet. Os relatos dessa situação podem ser lidos aqui em outro texto do blog. Essa situação, apesar de extremamente óbvia, não contou com a organização e apoio das autoridades competentes, aumentando ainda mais a carga de trabalho dos professores do ensino público.

    Os estudantes, sem a estrutura básica necessária em suas residências para o acompanhamento das aulas, pararam de frequentar as atividades remotas. Essa nova forma de evasão escolar, consequentemente, já tem surtido efeito nos parâmetros governamentais de medição da aprendizagem. Esses dados mostram principalmente a problemática para as escolas públicas, e que vai acentuar ainda mais o abismo educacional existente entre o ensino público e privado. E apesar de estarem em uma situação mais privilegiada e conseguindo se adaptar melhor às possibilidades remotas, o ensino privado também sofreu problemáticas no desenvolvimento educacional. 

    A observação da realidade escolar brasileira mostra, de forma enfática, que o ensino remoto tem múltiplos problemas. Estudantes, professores, gestão escolar, todos estão exaustos do modelo e possuem ainda mais críticas à essa estrutura do que coloquei aqui nesse texto. Portanto, essa realidade decreta a morte do ensino remoto como possibilidade para as escolas?

    É o fim da aventura do ensino remoto no Brasil?

    Dificilmente esse assunto vai deixar de vez o debate no meio educacional brasileiro. Principalmente quando consideramos a lógica neoliberal que rege as escolas, tanto no meio público, mas principalmente no meio privado. As faculdades de ensino à distância já consolidaram muito bem o modelo remoto e mostram claramente o grande motivo que o ensino remoto vai permanecer. A manutenção da estrutura escolar, das salas, e principalmente o pagamento dos professores são custos muito altos para as instituições.

    Baixar os custos de estrutura, não precisar de sala de aula, funcionários e gestão escolar.  Essa lógica focada no lucro em instituições escolares vão continuar pois algumas delas são empresas que buscam esse fim. Mas essa lógica não se prende apenas para o meio privado. As instituições públicas também podem ser vítimas desse modelo, e criar um sucateamento ainda maior para o ensino público brasileiro. E um dos sujeitos principais da educação acaba sofrendo ainda mais: o professor.

    A possibilidade de pagar uma única vez o professor para gravar uma aula, e repetir esse conteúdo diversas vezes ao decorrer dos anos se mostra financeiramente muito mais vantajoso para as instituições. Essa forma de relação com o professor, considerando não mais quem acompanha cotidianamente o desenvolvimento do professor, mas o torna um funcionário freelance, que presta um serviço e depois deixa de ter vinculo com a instituição, é de extrema preocupação para o desenvolvimento educacional brasileiro. 

    O que é possível que a pandemia tenha feito com esse cenário do ensino remoto brasileiro é frear a sua instauração por completo. Como os estudantes, professores e gestores escolares viveram essa forma de ensino, que claramente mostrou-se ineficaz e problemático, a sua implementação por completo deve gerar uma resposta contundente contrária por parte desses sujeitos.

    O que vai continuar então?

    O debate, que sempre foi pautado em uma modernização que seguisse a lógica neoliberal, vai mudar de forma. Antes, era uma tentativa de implementação do ensino remoto considerando o avanço tecnológico escolar. Agora, tudo indica que o debate vai ser focado no ensino híbrido, que faça uma mescla entre o ensino remoto e o presencial. 

    O ensino híbrido, por ser uma forma de organização do ensino, não é necessariamente de todo o mal. Existem possibilidades educacionais interessantes em se implementar novos instrumentos, técnicas e relações no ensino. Mas o ensino híbrido não será implementado em um sistema escolar perfeito. As problemáticas vivenciadas pelas escolas públicas durante esse período pandêmico continuarão. O debate da implementação do ensino híbrido está considerando esse aspecto? Ou apenas uma lógica financeira de redução de custos?

    Além disso, vale os questionamentos: o quanto o distanciamento entre as pessoas afetou o rendimento escolar e a saúde mental? Qual a parcela de culpa do ensino remoto para a defasagem escolar? Ao implementar um sistema hibrido, quais problemas seriam herdados do ensino remoto? Desvincular completamente o ensino remoto do hibrido pode ser perigoso também, pois alguns de seus problemas advém justamente da sua estrutura de afastamento entre as pessoas. 

    Mas todos os aspectos de sua estruturação e implementação precisam considerar o professor como peça fundamental. Sem a figura e a ação do professor, nenhuma organização escolar consegue garantir o desenvolvimento intelectual e social dos estudantes.

    As novas formas de organização escolar vão surgir e entrar no debate público e acadêmico. Colocar como essencial a participação ativa dos professores e da realidade do ensino público brasileiro é essencial. Não teremos desenvolvimento educacional de qualidade se a lógica neoliberal de foco financeiro imperar nos debates que estruturam o ensino brasileiro. 

    Para saber mais…

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências no ensino público

    Blog PEMCIE (2021) Ensino Fundamental e a pandemia de COVID-19: Realidades e vivências (parte II)

    G1 (2021) Percentual alto de alunos não tem acompanhado as aulas pela internet durante a pandemia

    Folha de São Paulo (2020) Estudantes tiveram regressão na aprendizagem durante a pandemia.

    O autor

    Matheus Naville Gutierrez é mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ensino Fundamental e a pandemia de Covid-19: realidades e vivências (parte II)

    Texto escrito por Tanise Flores, Peterson Kepps e Mélany Santos

    Janeiro de 2021, em plena pandemia da COVID-19 a autora deste texto recebe a notícia mais improvável (ao menos para ela) por toda situação caótica que, ainda, vivemos. Recém-formada em Biologia Licenciatura, acabava de ser contratada para preencher uma vaga de professora substituta da disciplina de Ciências em uma pequena escola privada de Ensino Fundamental situada na cidade do Rio Grande/RS.

    A partir dessa experiência, dividirei algumas de minhas vivências atuando no ensino emergencial remoto e híbrido com o olhar de quem atua na rede privada. De antemão, gostaria de comentar o quanto me sinto privilegiada em comparação com professores da rede púbica. Escrevo isso por perceber que os estudantes com os quais atuei possuem melhores condições de acesso à internet, assim como um ambiente, na maioria das vezes, calmo e tranquilo para a participação das aulas remotas.

    A escola no qual estava vinculada não deixou seus estudantes uma semana sequer afastados por completo. Alguns estudantes relataram que já na primeira semana em que as escolas foram fechadas tiveram acesso a atividades enviadas pelo Facebook. Nesse sentido, pelo relato dos estudantes, não demorou muito para a escola organizar uma plataforma para que ocorressem as aulas on-line.

    Porém não vivenciei este período inicial e o que gostaria de dividir por aqui são alguns dos momentos nos quais atuei como professora nos cômodos da minha casa. Preciso comentar que muito provavelmente pelo meu desejo forte em começar a atuar como professora, eu possa relatar experiências mais positivas do que negativas, pois foram essas que me tocaram. Me tocaram no sentido de Larrosa, que nos sugere pensar a educação a partir da experiência vivida.

    Assim, minhas primeiras lembranças deste período são dos momentos de ensino remoto com os estudantes, visto que no segundo bimestre atuei na escola no formato do ensino híbrido.

    Confesso que me adaptei rápido a este novo estilo de sala de aula, claro que ao comparar as vivências do ensino remoto (mediado pela utilização da internet) com as vivências do ensino híbrido (ensino mesclado, onde parte da turma se encontra de forma presencial com a professora e parte da turma acompanha a aula em tempo real, através de plataformas digitais, em casa) percebi com clareza o quanto é mais proveitoso para nós professores e para os estudantes quando todos conseguimos nos encontramos de forma totalmente presencial.

    Vivenciando o ensino remoto

    Tive a oportunidade de trabalhar com os 6º, 7º e 8º anos e pude perceber o quanto cada turma é única e responde de forma bem diferente ao ensino remoto. Pude perceber nos mais pequenos a animação em conhecer a professora nova, o entusiasmo com algumas atividades realizadas em aula dentre tantas outras questões que imagino se aproximarem muito de uma sala de aula presencial.

    Alguns estudantes levantavam a mão para falar, pediam para ir ao banheiro, avisavam que iam sair da aula on-line, por algum motivo, e que já retornariam. Entendo que em muito disso estava a escola que incentivava e reforçava atitudes comportamentais como estas, mas não posso deixar de pensar, com as lentes de Michel Foucault, em todo disciplinamento de muito antes da pandemia que estes estudantes receberam ao longo dos anos dentro dos muros da escola e que não foram esquecidos agora que a mesma está em suas casas.

    O celular como parte do material escolar

    Outro ponto interessante a pensar, que a vivência remota proporcionou para as escolas privadas, é a inclusão do celular como parte do material escolar. Percebi que alguns de nós professores conseguimos adaptar de forma muito positiva jogos e atividades on-line de modo que estas envolvessem os conteúdos trabalhados aproximando os estudantes de sua realidade.

    Trago como exemplo o jogo “Minecraft”, comentado com frequência pelos estudantes na sala de aula. A partir dele, consegui trabalhar conteúdos relacionados como, por exemplo, aos tipos de solo e de rochas.

    Os estudantes se entusiasmaram muito com a ideia da aula, foram participativos e inclusive atuaram como protagonistas. Um dos estudantes, de forma voluntária, compartilhou sua tela e acessou o jogo a partir de sua conta privada. Eu, enquanto professora, apenas guiava e orientava para que ele apresentasse para turma os minerais presentes no solo, as diferentes rochas e assim por diante.

    Outro jogo aplicado em sala de aula e adaptado ao conteúdo de ciências (também por sugestão dos estudantes) foi o Gartic. Este, consiste em uma espécie de Imagem e Ação on-line. Caso você nunca tenha jogado, o jogo tem como objetivo adivinhar o desenho ou mimica que está sendo realizada por um dos participantes. Claro que precisei de tempo, que talvez não tinha, para adaptar ao conteúdo de ciências (aqui caberia mais uma boa discussão).

    Assim, tentando fazer do limão uma bela limonada utilizei o tal do Gartic como forma de revisar os conteúdos trabalhados no bimestre. Para isso, modifiquei as palavras sugeridas no jogo para conceitos que estudamos em aula e um estudante por vez realizava o desenho on-line sorteado pelo próprio site do jogo. Para conseguir desenhar e/ou adivinhar o que estava sendo desenhado era preciso domínio do conteúdo.  

    Outra ferramenta muito utilizada, nesse período, foi o Jamboard (quadro interativo desenvolvido pelo Google) através dele conseguimos adaptar atividades virtuais em grupos, pois os estudantes conseguiam acessar o mesmo quadro/mural acrescentando informações em tempo real.

    A tal das câmeras desligadas

    Para não dizer que só encontrei pontos positivos no ensino remoto (longe disso), um dos pontos negativos que poderia listar foi a questão da câmera desligada por alguns estudantes, seja por falta de motivação ou alguma impossibilidade. Alguns destes interagiam pelo microfone ou chat, mas aqueles que permaneciam em total silêncio não era possível ter ideia se estavam por ali ou não. Se fazia sentido o que estava sendo trabalhado em sala ou não.

    Já os que estavam com suas câmeras abertas, por mais que nem sempre participassem de forma oral, era possível perceber pelos gestos de cabeça ou expressões faciais se estavam um pouco mais envolvidos com a aula ou não.

    A avaliação em tempos remotos

    Outro fator que me incomodou bastante e que não poderia deixar de comentar, pois me fez refletir sobre a prática docente é a questão das avaliações. Sabemos que alguns dos estudantes copiam as questões da internet (como nos trouxe o Matheus em “A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira”) e sequer pesquisam nas páginas indicadas, pelos professores, dos livros didáticos ou da web.

    Sinto como se fosse muito mais prático (e talvez seja), para eles, jogar no google (ou no Brainly) e copiar a primeira resposta encontrada, que por vezes possuem termos muito avançados e que sequer foram trabalhados nas aulas, do que dedicar um tempo para realizar uma busca significativa.

    Nesse sentido, percebo que os estudantes talvez não estejam familiarizados com a pesquisa, pois para responder uma prova com consulta (o que se tornaram as avaliações em tempos de ensino remoto) é preciso ao menos que se consulte mais de uma fonte, reflita sobre o que encontrou e elabore uma resposta mais próximo do que acredita ser a correta, fugindo da decoreba.

    Assim, acredito que cabe a nós docentes, dar espaço em nossa sala de aula para que sejam ensinadas, por exemplo, como usar ferramentas de busca online e como referenciar um trabalho incentivando que o estudante tenha um contato maior com a pesquisa científica já no ensino básico.


    Para saber mais…

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

    FOUCAULT, Michel (2007) A arqueologia do Saber.

    Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público

    A plataforma Brainly e as exposições da educação brasileira

    Este texto foi escrito originalmente para o blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • O estágio de docência na educação a distância: desafios encontrados

    Um texto escrito por Mélany Santos e Peterson Kepps

    No texto de hoje, vamos falar de educação. Abordaremos uma experiência de estágio de docência na graduação EAD em Pedagogia segunda licenciatura. Isso significa, claro, que nós somos licenciados e, além disso, ainda atuamos como professores em sala de aula. 

    Em função de já termos uma formação inicial e vivenciado na primeira licenciatura os estágios de modo presencial, buscamos, nas linhas a seguir, apontar nossas percepções no que concerne a esta vivência de estágio na modalidade a distância.

    Neste contexto, entendemos a importância do estágio nos cursos de licenciatura, enquanto um momento fundamental para a formação, experiência e vivência do professor. Assim, acreditamos que o estágio “[…] possibilita o contato com elementos indispensáveis para a construção da identidade profissional docente”.

    Deste modo, o texto está organizado em dois momentos. Isso se deu porque nós, autores, embora tenhamos vivenciado o estágio nesta modalidade e na mesma universidade, realizamos em momentos diferentes da pandemia de Covid-19. O que acarretou num formato diferente de desenvolvimento do estágio docência. 

    Primeiras reflexões

    Antes de começar esse relato, é necessário que eu me apresente a vocês. Meu nome é Mélany Santos, sou professora de matemática das séries finais do Ensino Fundamental, da rede municipal de Pelotas/RS. Sempre tive o desejo de fazer uma licenciatura em Pedagogia, e iniciei em 2020.

    No curso EAD em Pedagogia segunda licenciatura, os estágios de regência eram de forma presencial nas escolas. Contudo, devido ao início da pandemia do coronavírus, os estágios tiveram que  ser modificados.

    No início de 2021, mais especificamente em março, tive que realizar os meus estágios de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. A forma encontrada pela Universidade foi desenvolver um plano de estágio que pudesse ser apresentado em forma de vídeo aos alunos e publicado no youtube. 

    Organização das aulas e atividades

    Criei então dois planos de aula, um para cada nível. Em seguida, gravei essas aulas, de no máximo 10 minutos. Que ficaram organizadas em: um momento de apresentação enquanto professora deles; vídeo para o momento da história; outro vídeo para que eles pudessem cantar uma música; depois tiveram que manipular massinha de modelar; posteriormente fariam desenhos e teriam que pintar.

    Por fim, a última atividade consistia em que eles gravassem um vídeo e me devolvessem,  respondendo algumas perguntas. Dentre elas, como estava sendo para eles o período de aula online, o que eles sentiam mais falta da escola e perguntas relacionadas a atividade. 

    Postamos essas duas aulas no youtube, já que não teríamos como aplicar em sala de aula, em função das escolas estarem fechadas. Quando postadas, encaminhei o link para que conhecidos pudessem ver e mostrassem aos seus filhos. 

    Em uma semana o vídeo “A Dona Aranha” teve 30 visualizações, e o vídeo “A Lenda do Saci-Pererê” teve 31 visualizações. Assim, realizei o relatório de dados de repercussão, apresentando o alcance que os vídeos tiveram. E por fim, os relatórios de estágios. 

    Estágio simulação

    Inicio esse subtítulo um tanto provocador, mas foi assim que me senti ao final dos estágios, estando em uma “simulação”. Desde o planejamento eu sabia que não teria nenhuma interação com os alunos, com o ambiente escolar. 

    Formular essas aulas foi uma experiência muito estranha, já estou acostumada a trabalhar em sala de aula, tendo o contato com os alunos, e receber esse retorno deles. Esses pontos são fundamentais para nos formar enquanto professores. 

    Tive que simular que estava falando com os alunos, e ficar imaginando nas respostas e nos questionamentos que eles iriam propor em aula. Além de ter que pensar em recursos que fossem atrativos e divertidos para ensinar.

    Contatos de corredor 

    Não ter este contato com os alunos, não experienciar isso em sala de aula, e não ver a reação de cada um deles é bastante difícil, pois todos esses momentos são fundamentais em um estágio. 

    Na aula (fictícia) pedi no final que os alunos gravassem um vídeo e me retornassem com as respostas das perguntas, contudo esse retorno não existiu, dado que ele não foi aplicado diretamente aos alunos. Em decorrência disso, vejo o quanto isso se torna prejudicial para a (re)elaboração dos planos de aula, e reflexão das atividades que deram certo ou não. 

    Neste modelo de estágio não pude vivenciar o contato com a realidade escolar, com os outros professores, nem promover discussões ou ideias para atividades em sala de aula. Essas são situações vivenciadas no estágio presencial, e que contribuem muito para o desenvolvimento e formação pessoal.

    Penso o quanto toda essa readaptação dos estágios foi prejudicial para nossa formação enquanto pedagogos, pois o que é o estágio sem o retorno e experiência dos alunos? Como refletimos as nossas práticas enquanto professores?

    Outras reflexões…

    Antes de iniciar o relato da minha experiência, preciso me apresentar. Me chamo Peterson e sou professor de Ciências da educação básica. Diferentemente do estágio da Mélany, o meu se deu por meio do ambiente escolar. Isto é, pude estagiar em uma turma de 1° ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do município de Pelotas/RS, neste ano, 2021. 

    Embora com essa possibilidade de atuação mais direta com alunos, professora regente e coordenadora pedagógica da escola, os trâmites que envolvem o processo de estágio foram extremamente comprometidos. Digo isso por alguns motivos que vou apontar a seguir.

    Destaco, ainda, que as aulas para os alunos, nesta escola em que realizei o estágio, se deram através do whatsapp. Em meio a isso, eu tinha de enviar em formato de imagem a aula do dia.

    Acessos ao material

    Nesta situação, a interação com os alunos passou a ser inexistente, tendo em vista que estava atuando numa turma de 1° ano, com alunos ainda não alfabetizados e, muitos, sem acesso a celular ou computador.

    Foi então por intermédio apenas da família que busquei estabelecer alguma relação com os alunos. O envio de vídeos poderia ser uma possibilidade de interação com eles. Entretanto, a coordenação da escola informou que o uso destes deveria ser evitado. Isso se justifica porque o pacote de internet de muitas famílias não comportaria acessar todas as aulas.

    Diante de uma situação como essa é impossível, ao menos para mim, não pensar no caos que estamos vivendo. Não pensar na falta de acesso a serviços que, em 2021, acredito que já teríamos de ter superado/avançado.

    Sei que aqui o texto vai por um caminho espinhoso, que pode nos desassossegar e provocar sentimentos e reações não tão boas. A frase “a pandemia de coronavírus escancara desigualdades brasileiras” para muitos de nós, pode ter se tornado repetitiva ou até mesmo naturalizada. Mas vivenciar esta falta de acesso, a incapacidade de desenvolver um trabalho minimamente razoável é extremamente desanimador e revoltante.

    Interrogações

    Em meio a tudo isso, outra questão que surge é o feedback dos alunos. Há, no grupo de whatsapp da turma, quase que diariamente uma chamada da professora titular com mensagens e animações/figuras que buscam estimular o envio das tarefas solicitadas nas aulas. O retorno é escasso. E o que fazer?

    Além disso, pensemos na própria elaboração dos planos de aula. Os professores que aqui nos leem sabem que nossos planos são sempre reajustados de acordo com as potencialidades e dificuldades da turma. Com baixo número de responsáveis que retornam as atividades dos alunos, o que podemos fazer para, ao menos, suprimir estes impactos?

    Por fim

    Para fechar, questiono, também, a formação de professores neste período. Que professores, o que de certa maneira também me inclui, serão formados diante de um estágio docência em que não há troca com os alunos? Que professores se constituirão sem ter a experiência de readaptar, (re)planejar, reinventar suas metodologias de ensino e atuação de acordo com os acontecimentos diários de sala de aula?

    O estágio de docência não pode ser tomado como a cereja do bolo, o momento que vai apenas coroar o estudante de licenciatura enquanto professor. Assim, o estágio é muito mais que um trabalho final, é aprendizado na prática, na vivência do espaço escolar, que perpassa desde a sala de aula com os alunos até a sala de café com a conversa com outros colegas professores.

    É no estágio que vemos entrar em operação aquelas teorias fortemente faladas na seara acadêmica, discutidas nos trabalhos e cobradas nas provas de graduação. Tomando a escola como local onde professores aprendem a ser professores, concluo, claro, repetindo esta indagação: que professores estão sendo formados?

    Para saber mais…

    Ester Maria de Figueiredo Souza & Lúcia Gracia Ferreira. Ensino remoto emergencial e o estágio supervisionado nos cursos de licenciatura no cenário da Pandemia COVID 19. Disponível em: https://doi.org/10.20952/revtee.v13i32.14290.

    Mélany Silva dos Santos. A Dona Aranha. Disponível em: https://youtu.be/orvQy4T9fuE. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Mélany Silva dos Santos. A Lenda do Saci-Pererê. Disponível em: https://youtu.be/mpD27Z8Fkrw. Acesso em: 10 jul. 2021.

    Os autores

    Olá! Meu nome é Mélany Santos. Sou licenciada em Matemática. Mestre em Educação Matemática. Doutoranda em Educação em Ciências. Graduanda no curso de Pedagogia; e professora de Matemática da Educação Básica.

    Olá! Meu nome é Peterson. Sou graduado em Ciências Biológicas licenciatura. Graduando no curso de Pedagogia. Doutor em Educação em Ciências e professor de Ciências da Educação Básica.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • O ensino remoto e pesquisa no pós-graduação sob olhar das mestrandas

    Texto escrito por Priscila Ayres Wonghon e Roseana Passos

    Para falar do assunto que nos propomos neste texto, o ensino remoto e a pesquisa no pós-graduação, é preciso primeiramente dizer como entendemos o ensino, a ideia que entendemos em relação a experiência docente e discente. Entendemos que a experiência formativa de cada um é subjetiva e muitas coisas vão nos subjetivando ao longo da nossa vida.

    Como nos relacionamos com os espaços físicos, que valor atribuímos a ele, como nos relacionamos com os docentes, com os colegas, e com nossos objetos de estudo. Somos tocados, atravessados por discursos, e experiências diversas. E assim como Larrosa acreditamos que a experiência formativa se dá também em voltar-se a si mesmo, uma viagem ao interior.

    Em específico este texto da série envolve esta viagem ao interior, buscando nossas reflexões com o ensino e a pesquisa remotos na pós-graduação. Escrevem aqui uma mestranda  do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências (PPGEC) que trabalha em sua pesquisa desde antes da entrada do ensino remoto e outra mestranda também do PPGEC que já entrou no curso de pós-graduação  na forma de ensino remoto, e até a sua seleção de entrada no programa de pós foi de forma remota. Cada uma de nós tem visto de forma diferente esse modo de ensinar, aprender, estudar e se comunicar.

    Ensino no pós: do presencial ao remoto

    Seguimos aqui nosso texto sobre o ensino remoto, com a minha escrita. Me apresento primeiro. Sou Priscila, estudante de pós graduação, e este momento pandêmico tem me atravessado enquanto sujeita de diversas maneiras. Eu poderia citar o quanto este momento me atravessa enquanto profissional da área da Educação Infantil, mas, no entanto, não posso fazê-lo, pois com as escolas fechadas e com poucas oportunidades de emprego na área, me encontro afastada de tais atividades.

    É importante marcar aqui que quando cito as escolas fechadas, cito no intuito de contextualização de meu momento profissional, e não com um intuito de crítica ao fechamento das mesmas. Entendo que neste momento pandêmico o fechamento das escolas significa preservar vidas, as vidas das crianças, seus responsáveis e profissionais da Educação, pois muitos podem ser assintomáticos e mesmo assim contaminar outros, levar para a escola o vírus ou da escola para suas casas.

    Hoje já com a vacinação de professores e profissionais da Educação já é possível ver algumas escolas em funcionamento, atendendo de forma reduzida ou em Ensino Hibrido. Ainda é um processo de adaptação na retomada das atividades, mas estamos trilhando o caminho de volta a normalidade.

    O ensino remoto e alguns questionamentos

    Mesmo afastada de minhas atividades, tenho me questionado muito sobre o ensino remoto para a Educação Infantil, como tem se dado as interações com crianças tão pequenas em meio uma tela de computador? Como adaptar as metodologias, como prender a atenção deles em meio aos estímulos de casa? São perguntas que me faço pois também sou aluna, aluna do mestrado num programa de pós-graduação, e a falta dos espaços físicos da universidade tem me tocado muito, mesmo sendo uma pessoa já adulta.

    Pode parecer bobagem para muitos, mas para mim estar dentro dos espaços da universidade sempre foi meu ponto de equilíbrio, de resgate de forças e energia. Minha terapia, assim como também a concretização de um sonho! Por algum tempo depois do término do Ensino Médio, almejar estar dentro da universidade foi o que me deu forças para seguir. Assim, após esta conquista, os espaços físicos se tornaram para mim algo a mais do que apenas paredes de concreto, estes espaços são repletos de significados para mim.

    Estudos sozinha e trocas de experiência

    Estudar, sozinha, no silêncio da biblioteca, e, ao mesmo tempo, ver muita gente, gente diversa. E essa diversidade toda, naquele espaço em comum, naquele momento em silêncio, todos estavam buscando o mesmo: conhecimento, formação. Sem contar o fato da biblioteca ser pública e de imensa qualidade, poder ter a sensação do livro físico em mãos (mesmo que por um tempo curto), livros estes que muitos inclusive eu não poderiam (ou ainda não podem)  adquirir, saber que após minha leitura outros terão a possibilidade de os ler, e assim ter acesso a conhecimentos diversos, tudo isso no ensino remoto perdemos, pois a ida a biblioteca em seu espaço físico já não pode mais ser feita.

    As trocas de experiência nas salas de aula, as conversas com os professores(as) e com os colegas, aquilo que dá sentido à prática, ao debate, à troca de ideias, à circulação de discursos. A partilha do mate, do conhecimento e do afeto. Do café no Centro de Convivência, a janta do Restaurante Universitário em meio a inúmeras aulas diárias, estágio e horas complementares.

    Desafios diários

    O ensino remoto tem sido desafiador, pois dentro das demandas diárias de uma casa, é muito difícil dissociar o espaço, a casa, e seus afazeres, para prestar atenção somente na aula que está sendo dada, ou somente na escrita de minha pesquisa. Este espaço que antes era o do lar, agora se mescla ao do trabalho… São diversos os estímulos que temos que lidar, o cachorro que late, a vizinha que escuta música alta, o marido que chama. Esses são apenas alguns dos exemplos. Sem contar a constante falta das interações e relações humanas.

    O Ensino Remoto tem nos trazido diversos desafios como os ditos no parágrafo acima, e como cita Saraiva, Traversini e Lockmann, tanto para docentes quanto para discentes a insegurança do que há por vir, a ansiedade que nos assola frente as condições sanitárias e econômicas do nosso país tem sido motivos de exaustão.

    Na minha opinião, o que ficará de aprendizado do ensino remoto em meio a pandemia, é a valorização das relações. Destaco, também, o entendimento de que podemos utilizar sim a tecnologia a nosso favor, como por exemplo, no meu caso de estudante de pós-graduação, reuniões e orientações, caso não haja a possibilidade de deslocamento, as próprias reuniões de grupo de pesquisa que passaram a ser virtuais e tem funcionado de forma bastante satisfatória, disciplina como a de seminários onde assistimos aos trabalhos de pesquisa dos colegas do Programa de Pós Graduação e interagimos com os mesmos. Trazendo equilíbrio dentre as metodologias de ensino como formas de estímulo para os estudantes independente da etapa e grau educacional.

    Ensino remoto na pós-graduação: sob o olhar de uma mestranda

    Lendo as observações que a Priscila trouxe ao debate, percebo que há alguns pontos que concordo com ela, pois afinal já fui aluna de aulas presenciais minha vida toda… Bom, mas especificamente agora, na pós-graduação, eu, Roseana, formada em biologia licenciatura, tenho vivido uma infinidade de novos sentimentos e aí vai um pouco deles pra vocês.

    Tentar aprovação em um programa de mestrado é sempre desafiador, mas com uma pandemia acredito que seja um pouco mais complicado…

    Depois de 6 anos parada da vida acadêmica, após muita reflexão e confesso que com muito medo, pensei a hora de voltar a correr atrás dos meus sonhos e fazer meu mestrado, algo que sempre quis desde que saí da graduação (mas a vida me levou a outros caminhos). Obviamente a primeira coisa que me veio à cabeça: Como vou estudar tudo que preciso para entrar no mestrado sem poder pegar um livrinho? Tá, mas peraí, felizmente tudo pode ser online. Ok, lá fui eu: filho pequeno (check), pandemia (check), anos sem escrever (check). Alguns momentos pensei que ia dar uma enlouquecida básica (que todos devem ter quase ou dado) desde abril em isolamento, e, ainda, inventei mais este desafio.

    Enfim, alguns fios de cabelos a menos, muitas lágrimas (muitas mesmo). Um pré-projeto feito, entrevista, lattes e SIMMMMMMMMM! Estou dentro! Agora é comemorar (sem poder aglomerar – que tristeza, mas ok).

    Hoje, quase 6 meses depois da aprovação, penso que entrei num grupo de pesquisa INCRÍVEL, onde conheço pessoalmente apenas duas pessoas, os outros 6 nunca vi pessoalmente. Meu tema de dissertação mudou, a vida mudou, tudo mudou (e a vacina ainda não chegou para minha faixa etária, mas FINALMENTE parece bem próxima), mas me sinto realizada.

    Toda semana temos uma reunião online, onde debatemos sobre alguma leitura realizada pelo grupo. Às vezes é a única interação que tenho com pessoas que não moram comigo, então sempre é um momento alegre e de muito aprendizado. Ainda temos aulas e orientação, tudo online, muitas vezes isso é um desafio. Internet que não funciona, cachorro que late, gato miando, filho chorando. Mas é isso, esse é o nosso novo normal, então nos resta ‘seguir o baile’.

    Parece que conheço meus colegas pessoalmente e somos amigos faz tempo, nesses 6 meses não foram poucas às vezes que surtamos juntas (sempre online, obviamente) e pensamos ‘pelo menos temos umas às outras’.

    Good vibes?

    Não consigo ser ‘good vibes’ e ver o ‘lado bom’ do que estamos vivendo. Isto é, ter um presidente negacionista e ignorante que atrasou a compra da vacina tantas vezes é desesperador. Mesclo o sentimento de esperança e desesperança o tempo todo. Ver mais de 500 mil pessoas morrendo por falta de vacina e muita gente ainda negando a gravidade da situação dá um vazio enorme, todos os dias sabemos de alguma notícia triste e cada vez mais perto de nós.

    Obviamente, consigo enxergar o privilégio de fazer home-office. Bem como, conseguir me manter segura todos esses meses. Além disso, também tive a sorte de encontrar pelo meu caminho pessoas maravilhosas, que dão luz a dias tão escuros. Mas não vejo a hora de conhecer pessoalmente meus colegas, abraçar, conversar e obviamente tomar um chopinho bem gelado, em segurança, sem máscaras, onde todos possamos ver sorrisos novamente.


    Para saber mais…

    SARAIVA, K.; TRAVERSINI, C.; LOCKMANN, K. A educação em tempos de COVID-19: ensino remoto e exaustão docente. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-24, ago. 2020. ISSN 1809-4031. Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/16289. Acesso em: 9 out. 2020.

    Diretor da Pfizer escancara atraso letal do Governo Bolsonaro na compra de vacinas. Jornal EL PAÍS, Brasília 13 de maio de 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/diretor-da-pfizer-escancara-atraso-letal-do-governo-bolsonaro-na-compra-de-vacinas.html Acesso em: 3 junho de 2021.

    LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998.

    As autoras

    Olá! Meu nome é Priscila, sou Pedagoga. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente sou mestranda em Educação em Ciências e faço parte do grupo de Pesquisa PemCie.

    Olá! Meu nome é Roseana, sou Bióloga. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande – RG. Também sou mestranda em Educação em Ciências e faço parte do grupo PemCie.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, o texto foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • O que muda no pós-graduação com o ensino remoto?

    Antes de falar sobre o ensino remoto e a pós-graduação. Antes de mais nada, eu, professora Lavínia, gostaria de me apresentar para as inquietações e discussões que eu trouxer terem sentido para vocês. Sou professora há 21 anos! Aham, maioridade já! E posso dizer que se tem uma coisa que me inspira no trabalho como professora – no Ensino Médio, na graduação ou no pós-graduação – é o contato direto com os estudantes. Aquele cotidiano de sala de aula que nenhum outro tipo de interação é capaz de substituir. Nós enxergarmos aquele grupo à nossa frente, “olho no olho”. Os gestos feitos, as posições corporais tomadas e as frases ditas durante o processo de ensinar e de aprender não tem qualquer mecanismo tecnológico que substitua.

    Sim! Estou muito insatisfeita com o rumo que tivemos que tomar durante essa pandemia. Ouvíamos falar de gripe espanhola, de outras pestes que acometeram a população mundial ao longo da história e jamais, nem nos piores pesadelos, pensávamos passar por isso. Ainda mais ter no distanciamento social, uma das principais formas de prevenção a essa doença. Nem vamos falar nas vacinas, a segunda possibilidade de prevenção que o governo brasileiro também – assim como o distanciamento – não soube organizar nem possibilitar para a população.

    Esse ensino remoto é igual pra qualquer professor? E vale para qualquer nível de ensino?

    Vamos falar disso nos próximos textos. Mas hoje o assunto é pós graduação e, em relação ao ensino de pós-graduação – um dos níveis de ensino que trabalho atualmente – temos a possibilidade de continuidade pelo trabalho remoto, em nossas casas, com auxílio da internet. É a internet que nos une aos estudantes, aos colegas de trabalho e aos nossos grupos de pesquisa.

    Em termos de quantitativo de trabalho, em meu caso, não houve mudança. Isto é, continuo com as mesmas atividades que já divulgamos em outros textos aqui e aqui também neste blog. Inclusive, me sinto um pouco mais sobrecarregada! Isto porque os horários, no trabalho remoto, se ampliam e se mesclam aos afazeres de manutenção de uma casa. Ou seja, muitas vezes, quando me dou conta, ultrapasso o trabalho de 40h semanais, avançando a noite à frente do computador.

    Nessas horas, dá uma saudade do sinal sonoro da escola! Aquele marcador disciplinar que ditava o início e o fim das aulas. Ele marcava o momento em que eu veria outros rostos em uma turma diferente ou que avisava que era a hora de saída do trabalho! Tudo bem, vocês podem dizer que na graduação ou no pós-graduação não tem sinal.

    É… Não tem! Mas os marcadores do que este sinal representa dentro do contexto educacional persistem dentro de nós. Estão introjetados! Assim como a forma de nos acomodarmos em sala de aula, sejamos estudantes ou professores. E assim também, como as tarefas que temos de entregar e os objetivos que temos de alcançar, sejamos alunos ou professores. Essas tarefas e objetivos permanecem, mesmo no trabalho remoto.

    Marcadores na escola e na sociedade: os mecanismos disciplinares…

    Estamos falando aqui de mecanismos disciplinares! Desde que nascemos somos interpelados por eles. E claro que eles nos ajudam a nos tornar o que somos. Assim, vamos sendo disciplinados pela organização familiar, pelos tempos definidos para cada ação ou atividade dentro dela. Também pelo espaço que ocupamos dentro de nossa casa tanto corporalmente, quanto nas funções que assumimos nessa instituição familiar.

    Depois, conforme vamos nos desenvolvendo, outros tipos destes mecanismos de disciplina corporal, de tempo, do espaço, ou funcional nos produzem dentro da escola, e de outras instituições que vivenciamos. Aprendemos, nessas vivências, que há modos de falar e se portar em determinados contextos. Aprendemos que não se pode falar ou fazer qualquer coisa a qualquer hora! Assim, os mecanismos disciplinares são aqueles que agem sobre nossos corpos para torná-los produtivos e parte da nossa sociedade (FOUCAULT, 2002).

    Voltando ao nosso tema sobre o ensino remoto na pós-graduação, percebo que não temos tantas dificuldades em relação ao desenvolvimento das aulas, pois os estudantes do nível de pós-graduação já estão muito bem disciplinados. Foram, no mínimo, 16 anos de escola, incluindo Educação Básica e Ensino Superior.

    E é por isso que estes pós-graduandos abrem suas câmeras, sem receio de mostrar o rosto. Eles participam abertamente das aulas, têm muito menos vergonha de se expor, e fazem todas as tarefas disponibilizadas a eles. Neste futuro pesquisador que está se formando, os mecanismos disciplinares já estão bem internalizados no corpo e na mente.

    Mecanismos disciplinares são produtivos, qual é o problema no ensino remoto?

    Então, professora, se parece que está tudo bem ao nível de pós-graduação, o que a incomoda tanto? Aí, eu posso dizer que nem só de disciplina vive o humano… hehe!

    Como professora, não tenho queixas ou problematizações acerca do trabalho no pós-graduação em relação ao comprometimento dos estudantes. No entanto, assim como todos nós que estamos nessa “bolha” profissional daqueles que podem desenvolver trabalho remoto, a falta da convivência direta com o outro que nos abate! Essa ausência de contato físico, o “olho no olho” que comentei no início atrapalha bastante o andamento das atividades. Assim, essa ausência é sentida pelos professores – e também pelos alunos, como vocês verão na sequência da série – em qualquer nível de ensino.

    O que nos move é o contato! O contato com os espaços físicos da universidade, com os colegas no cafezinho no Centro de Convivência. Aquele papo aleatório no corredor com o colega que não via há um tempo, ou apenas a conversa que trocamos com o/a porteiro/a do prédio! É isto que a pandemia tem tirado dos professores!!!

    O que vem agora no ensinar e aprender?

    Aqueles que já vivenciaram as duas formas de ensino: presencial e remota, entendem o que tenho dito. Dessa forma, fico me perguntando se criaremos um novo modo de entender e produzir a educação nas escolas? Penso naquelas crianças que nunca vivenciaram outra forma de ensino a não ser esta mediada por tarefas impressas ou por tarefas postadas em plataformas digitais. Ou ainda, quando possível, por conversas mediadas via computadores e acesso à internet.

    Em suma, elas estão tendo um outro tipo de disciplinamento. E aquilo que há pouco me referi como o que mais move o professor em sua sala de aula, talvez possa não existir para elas. Um novo de ensinar, de aprender e de disciplinar os sujeitos vem sendo desenhado. Quais os resultados disso? Outras pesquisas e textos nos dirão.

    Para saber mais sobre o que foi trazido aqui…

    Foucault e a educação: entre o poder disciplinar e as técnicas de si (é possível educar para a liberdade?). Artigo de Fábio Antonio Gabriel e Ana Lucia Pereira, publicado na Educação em revista. V19. 2018.

    O texto clássico de Michel Foucault sobre o poder disciplinar é do livro Vigiar e Punir, cuja 12ª edição é da Editora Vozes. 2002.

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog Pemcie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Reflexões sobre o Ensino Remoto: da escola à universidade!

    Vocês já pararam para pensar como nos formamos e de que modo nos inserimos dentro de determinados grupos sociais?

    Pois esta é uma das linhas que analisamos e pesquisamos: “como nos tornamos quem somos”. Dessa forma, em tempos de pandemia, este debate tem sido frequente no PEmCie. Assim como somos todos professores, também temos estudado sobre estas formações que tivemos – e temos ainda – a partir do ensino remoto.

    Resolvemos compartilhar com vocês um pouco destes nossos estudos e reflexões, a partir desta semana!

    Em nossas discussões semanais no grupo de pesquisa PEmCie, percebemos que estamos em constante formação desde que nascemos. A partir das leituras que fazemos, sabemos que mesmo algumas características pessoais, que parecem ser nossas desde a nascença, não são tão naturais assim. 

    Após nascermos, conforme vamos crescendo, passamos a conviver com pessoas diferentes de nossos núcleos familiares, de locais diversificados, em situações inesperadas, com outros modos de ver e pensar o mundo. Então, vamos nos constituindo enquanto sujeitos de uma época, de um local, de uma família conforme vamos crescendo e outros discursos vão nos interpelando.

    A pandemia e o tempo de docência

    Em especial, nesse Brasil de 2020 e 2021, o que mais tem mexido com nossas subjetividades de professores e pesquisadores – lembrem que somos múltiplas facetas – é este momento pandêmico. As pequenas atitudes ou as ações diárias que fazíamos se modificaram com: o trabalho remoto (ou a ausência dele), as dificuldades de grande parte da população em conseguir obter uma renda para se manter, com os preços de alimentos subindo, as restrições de saída para “arejar a cabeça” num barzinho, numa festa (ou numa reunião de amigos), o uso constante de máscaras e álcool gel; entre outros. 

    O nosso grupo, como vocês já sabem aqui pelos textos do blog, discute questões que envolvem educação, ciência, cultura e política e produz pesquisas em educação e, mais especificamente, educação em ciências. Mas não é só isso, nós Somos pesquisadores de diferentes graduações como Matemática, Pedagogia, Biologia. Além disso, somos todos professores ou quase lá. 

    Assim,  o que vamos falar nessa série de textos a partir de hoje é o que mudou com o ensino remoto.

    Já de início, destacamos que a série que passamos a produzir agora será feita de reflexões, pensamentos, questionamentos… Dessa forma, colocaremos aqui o que esse contexto pandêmico tem causado neste grupo de professores pesquisadores no sul do país.

    Logo que começou o ensino remoto, este tema frequentemente surgia em nossas reuniões de pesquisa. Larrosa sempre nos ensinou que aquilo que nos toca de alguma maneira, nos constitui e assim passamos a pensar em divulgar o que temos pensado sobre este assunto. E é isso que vais encontrar nas próximas postagens!

    Série Reflexões sobre o Ensino remoto: da escola à universidade! 

    Os dois primeiros textos desta série envolvem as nossas reflexões com o ensino e a pesquisa remotos na pós-graduação. Assim, Lavínia inicia essa discussão, apontando seu olhar como professora no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências (PPGEC). 

    Depois deste primeiro texto, Priscila, que entrou no mestrado ainda no modo presencial antes da pandemia em 2019, e traz para nossa discussão sua visão da Pós-Graduação antes da pandemia e do momento presente. E Roseana entrou na seleção de novembro de 2020, quando todas as etapas foram feitas de forma online e continuam assim até hoje. Por isso, ela trará para nós algumas reflexões sobre esse processo.

    A formação docente via EAD na graduação

    O quarto texto consiste na visão de dois alunos de graduação, bolsistas no grupo PemCie: o Pedro Leal, que participa do  grupo há dois anos e o Jonathan Cardoso que participa do grupo há um ano, ambos perto da conclusão do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Assim, nesses textos, os dois falam sobre a suas vivências durante uma formação em ensino remoto, articulando lados positivos e negativos de estar inseridos neste contexto.

    Seguindo a série, os autores Mélany Santos e Peterson Keeps cursam a segunda licenciatura em Pedagogia no modo EAD, contudo já ingressaram no curso durante o período de pandemia. No quinto texto, eles apontam suas vivências, e falam como tem sido essa adaptação com as atividades que seriam de modo presencial, como, por exemplo, os estágios,  no modo remoto. 

    A educação escolar e o Ensino Remoto

    Já no penúltimo texto da série, vamos trazer inquietações e vivências sobre a educação escolar no Ensino Fundamental. Assim, novamente, Mélany e Peterson escrevem, agora como professores que atuam na rede pública de ensino. E, a partir disso, relatam de forma mais específica certos acontecimentos do chamado ensino emergencial. Além disso, apontam críticas ao modo como a Secretaria de Educação Municipal conduziu o processo; apresentando as dificuldades encontradas neste período, bem como os desafios superados.

    Por fim, em continuidade à postagem sobre a educação básica, Tanise irá abordar algumas  experiências vividas por ela como professora recém formada que atuou no ensino híbrido em uma escola privada de Ensino Fundamental.

    Finalizando

    Em suma, com essa apresentação de todos textos e autores da série, convidamos a seguir atento às postagens e a trocar conosco ideias sobre o ensino remoto em tempos de pandemia!

    Por fim, organizamos uma tabela abaixo é para você não perder nenhuma postagem dos olhares sobre o ensino remoto em diferentes níveis educacionais, desde a Educação Básica até o Ensino Superior.

    Texto 1Reflexões sobre o ensino remoto na educação: da escola à Universidade!
    Texto 2 O que muda na pós-graduação com ensino remoto?
    Texto 3 O ensino e a pesquisa remotos no pós-graduação sob olhar das mestrandas
    Texto 4Aprendizagens e defasagens com o ensino remoto numa licenciatura
    Texto 5E a licenciatura em ead? mudou muito?
    Texto 6 Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19: realidades e vivências no ensino público
    Texto 7Ensino Fundamental e a pandemia de covid-19 II: realidades e vivências no ensino privado

    Para saber mais sobre a formação de como nos tornamos o que somos…

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência.

    Gostou deste texto? Pois vocês podem gostar também de:

    Disciplina e escola: que sujeitos queremos formar?

    Identidade, cultura e música em dias de sol

    Como pensamos? Os sistemas de pensamento na história

    Este texto foi elaborado originalmente no Blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Não há ensino híbrido em período de pandemia

    Destaco nesse texto a ideia de que o blended learning ou o ensino híbrido perpassa uma construção histórica que surge a partir das discussões a respeito de como associar abordagens de ensino de modo a promover métodos, metodologias e estratégias adequadas a um objetivo educacional específico. Dessas discussões e com a chegada dos primeiros computadores (e posteriormente outras tecnologias), o ensino híbrido se vincula de forma indissociável ao conceito tecnológico e a ideia de ensino realizado em espaços diferentes e por meios diferentes. Esta ideia, que à época e até os dias de hoje parece promissora. Mas ganha distorções e, por razões mercadológicas, o ensino híbrido passa a ser confundido com uma proposta de simples ensino a distância com o auxílio de recursos tecnológicos.

    Em artigo de 1996, denominado “Constructivism: implications for the design and delivery of instruction”, Thomas Duffy e Donald Cunningham trazem diferentes críticas ao construtivismo discutido na época. Algumas destas críticas podem ser consideradas bastante infundadas e outras nem tanto. Os autores apresentam uma proposta própria de interpretação do construtivismo e justificar a abordagem denominada “Problem-based learning”1. Apesar de bastante duros em suas críticas, que por vezes generalizaram estudiosos do construtivismo colocando-os como padronizados, o texto ilustra uma característica emergente da época. A discussão de abordagens para o ensino diferentes daquelas pautadas na reprodução.

    Realize uma busca nas bases de dados de periódicos com o termo Science learning ou mathematics learning. Se você filtrar para a década de 1990, um conjunto de trabalhos será encontrado fazendo referência John Dewey, Vigotsky, Piaget. Vocês estarão vendo referências que propõem estudos sobre as formas de aprender. Também encontramos termos como: student-centered learning; alternatives approachs; pratical instruction; os quais associam as bases das teorias da aprendizagem a estratégias didáticas utilizadas. 

    É nessa época que a ideia de metodologia ativa emerge. Por exemplo, Eric Mazur (o dito criador da “peer intruction”) tem seu livro proposto em 1997 (Peer Instruction: User’s Manual). É nesse período que surgem as primeiras associações a aprendizagem híbrida. E esta é compreendida como uma proposta que visava que o estudante buscasse as informações por meio de diferentes caminhos e fontes. Além disso, mediado pelo professor, construísse sua aprendizagem. 

    Nesse sentido, incorporando as bases pedagógicas, a intenção é o surgimento de propostas de ensino em que conteúdos não sejam organizados da mesma forma para todos os aprendizes; a rota de aprendizagem é construída considerando as individualidades e as necessidades, valorizam-se atitudes e não conhecimentos; o processo de avaliação pode ser acompanhado podendo ser individualizado. Com a chegada das primeiras tecnologias, os vídeos e seguido dos computadores surge o termo delivery-learning. A partir daí a blended learning passa a ser conhecida como blended e-learning. 

    No entanto, toda a proposta não é inicialmente pensada para a escola. Toda a “beleza” começa a ser aplicada a cursos de treinamento empresarial. Pois com o ensino “delivery” é possível  ensinar administradores e (trabalhadores de modo geral) em larga escala. Dessa forma, avalia-se cada profissional de forma individual. Isto é, observa-se o rendimento, a capacidade de aprender sozinho e a forma de linkar o aprendizado com as questões da “firma / empresa”. Como consequência, reconhecer quem deve ou não ser mantido. Quem é ou não melhor.

    Na escola, uma mescla dos dois sentidos começa a emergir. Com isso, a apropriação da tecnologia, o blended e-learning não pode mais existir (ou seria mais raro sua existência) dissociado de qualquer forma de tecnologia. Nesse cenário, a ideia de uma educação híbrida inicia-se com uma proposta de mudança dos objetivos educacionais. Isto com bases nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e incorpora recursos diversos. Dentre eles a tecnologia, sendo este último, por conta do caráter de nossa sociedade, indissociável da ideia de educação híbrida atualmente.

    Apesar de antiga, usarei termos de um dos autores mais referenciados sobre educação híbrida. No livro The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs, Graham cita que há três definições comuns para o BL: “Combining Instrucional modalities”; Combining instructional methods” e “Combining online and face-to-face instructional”. Não apenas como Graham. Mas diversos outros autores e divulgadores da BL se apropriaram da última definição a qual ficou, deste modo, sendo a mais difundida e utilizada ao redor do mundo. 

    Portanto, nos dias atuais é possível definir a educação híbrida como sendo a junção entre a educação presencial e a educação não presencial mediada por tecnologias. O erro que, ao meu ver se comete, é esquecer das bases de desenvolvimento do conceito. Com isto, diminui-se a proposta ao uso de recursos tecnológicos sem que se pense no objetivo deste uso. 

    Este erro acarreta, como consequência, pelo menos dois aspectos preocupantes. Primeiramente, não se pensam nos objetivos de ensino para uma proposta híbrida, fazendo com que a transposição de um ensino presencial para o ensino mediado por tecnologias seja visto como proposta híbrida. Aulas online são o exemplo clássico. Há uma exposição do conceito, com uma avaliação no formato de prova ao final de um conjunto de aulas mas, o fato de ser no computador ou no celular faz com que seja híbrido? Obviamente que não. 

    O segundo aspecto preocupante faz com que, uma vez considerando essa possibilidade fajuta de ensino híbrido, a mesma se propague como proposta a ser oferecida em diferentes cenários educacionais. Isto faz com que empresas e fundações privadas produzam materiais do chamado “ensino híbrido” para redes de ensino públicas e privadas. Como algum dos pontos mais marcantes da venda desses materiais aparece o jargão da educação personalizada. Este é outro termo bastante frutífero do ponto de vista dos estudos educacionais. Principalmente na alfabetização! Mas que é distorcido para uma ideia de que não é mais necessário gastos com a presença física ou profissionais específicos como professores.

    De fato, num período em que buscamos suprir necessidades básicas de estudantes por meio de recursos bastante limitados, dizer que aprimoramos os objetivos educacionais para uma proposta híbrida é simplesmente absurdo. Não estamos fazendo ensino híbrido, estamos adaptando propostas para em ensino emergencial. 

    Divulgar este ensino emergencial como proposta híbrida gera uma distorção, prejudica pesquisas a respeito e potencialidades. Num futuro, quando não estivermos em pandemia, falar em ensino híbrido poderá ser algo extremamente ruim pelo simples fato de estarmos usando a terminologia de forma inadequada. Os mais de 20 anos de pesquisas a respeito do ensino híbrido estão sendo negligenciados.

    Para saber mais

    1. Foundations for Research in Educational Communications and Technology Chapter 7. Constructivism: implications for the design and delivery of instruction . Thomas M. Duffy Donald J. Cunningham 

    2. Blended learning design: five key ingredients. Jared M. Carman.

    3. A White Paper: Achieving Success with Blended Learning Harvi Singh and Chris Reed, Centra Software

    4. Mudando a Educação com metodologias ativas. José Moran

    5. Aprender e ensinar com foco na educação híbrida Lilian Bacich; José Moran 

    6. The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs Por Curtis J. Bonk, Charles R. Graham

    7. Blended Learning:

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Natália De Nadai

    Entre as inúmeras mudanças ocasionadas pela pandemia da COVID-19, a situação do ensino talvez seja um dos assuntos mais urgentes a serem debatidos. O Ciência Pelos Olhos Delas adentrou tal problemática por meio de interessantes conversas com profissionais do ensino fundamental/médio e superior.

    Hoje trazemos mais um diálogo, agora com a educadora Natália De Nadai, que atua na criação de conteúdo de uma ferramenta de aprendizagem remota, a Khan Academy Brasil. A Khan Academy é uma organização estadunidense sem fins lucrativos, mas hoje possui representações em diversos países – dentre eles o Brasil. O objetivo da organização é criar um conjunto de ferramentas online (incluindo exercícios práticos e aulas curtas em vídeo) para ajudar na educação de estudantes de forma gratuita.

    A Natália foi uma das colaboradoras do Ciência pelos Olhos Delas no período de 2019/2020 e é uma honra para nós trazermos suas experiências e visões sobre o ensino remoto e o uso de novas tecnologias nesse momento. A seguir apresentamos o conteúdo na íntegra das respostas fornecidas por ela.

    Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência com educação/ensino?

    Sou formada em Física, Matemática, Pedagogia e tenho especialização em Design Instrucional. Durante uns 10 anos dei aula de matemática em instituições de ensino privado, na maior parte desse tempo para alunos do Ensino Fundamental II. Atualmente trabalho com produção de conteúdos de matemática para a Khan Academy Brasil.

    Essa faixa etária é muito ativa e muitas vezes perdem o foco com facilidade, ainda mais com 6 aulas de matemática em uma semana, então sempre achei interessante usar diferentes estratégias para trabalhar conteúdos.

    Como você conheceu a Khan Academy?

    Foi nesse período, em que dava aulas, que um colega professor me apresentou a Khan e logo me encantei, pois era possível, na verdade ainda é, criar turmas e fazer recomendações específicas para cada um de seus alunos.

    A Khan me ajudou muito nessa época, pois eu tinha turma de reforço, e normalmente todos os alunos ficavam juntos (de 6º ao 9º anos) e isso impossibilitava que eu fizesse uma aula tradicional na lousa, mas com a Khan cada um dos meus alunos recebia a atividade que eles precisavam e eu podia fazer um acompanhamento mais individual.

    Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Com a pandemia, o nosso número de usuários aumentou e, além disso, criamos cursos preparatórios de matemática (Prepare-se) para os alunos de 3º ao EM. A ideia desses cursos é trabalhar as habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que são consideradas habilidades essenciais, permitindo que o aluno estude o conteúdo do ano letivo de 2020 em que ele estava, juntamente com o conteúdo que ele aprenderá em 2021.

    Como a Khan Academy pode ajudar no ensino remoto?

    Atualmente temos conteúdos do Ensino Fundamental I e II alinhados à BNCC de matemática, ciências e português; essas atividades podem ajudar alunos e professores de diversas formas, desde a revisar conteúdos de anos anteriores até o uso completo de lições para o ensino a distância.

    O fato do professor criar suas turmas e poder fazer recomendações individuais ou para a turma e acompanhar os relatórios de progresso dos alunos (por exemplo, ver quais itens de um exercício o aluno errou) é o que faz com que a Khan Academy seja tão completa.

    Um fato super importante é que todo o conteúdo disponível na Khan é gratuito, a única coisa necessária é que o professor e os alunos tenham uma conta de e-mail e criem uma conta na plataforma.

    Como os professores podem utilizar as ferramentas da Khan Academy para avaliar seus alunos?

    Pelo relatório de progresso, o professor tem acesso a todas as tentativas e todos os erros e acertos dos seus alunos para cada exercício que ele recomendou, logo ele pode utilizar isso como forma de avaliação.

    Como você acha que essa experiência coletiva de ensino remoto/híbrido vivida durante a pandemia vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Atualmente minha maior preocupação é que nem todos têm acesso a internet; muitas crianças e adolescentes não estudaram em 2020 e isso é muito complexo, pois gera uma evasão nas escolas, então um exercício que deverá ser feito é o de manter esses alunos nas escolas. Lógico que o modelo de 2020 provavelmente trará outras dificuldades para alunos e professores, e acredito que esse déficit todo será sentido nos próximos anos.

    Agradecemos novamente a Natália por disponibilizar seu tempo para compartilhar um pouco mais sobre seu trabalho na Khan Academy e suas percepções sobre o ensino remoto na atual conjuntura.

    Este foi escrito originalmente no blog Ciência Pelos Olhos Delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • O ensino remoto durante a pandemia pelos olhos da Profa. Rogéria Veronezi

    Profa. Rogéria Veronezi (à esq.) e a colaboradora Giovana Veronezi (à dir.), mãe e filha. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Muitos têm sido os desafios que a pandemia da COVID-19 e as políticas de isolamento e distanciamento social vêm provocando no setor educacional. Devido a esse contexto, nós do Ciência Pelos Olhos Delas preparamos uma série especial com relatos e reflexões de profissionais da área sobre suas experiências. 

    O primeiro post da série contou com a participação da Profa. Dra. Michelle Rocha Parise, farmacêutica e professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Em entrevista à colaboradora Carolina Francelin, a Dra. Michele compartilhou sua visão de como esta nova realidade tem afetado o ensino superior.

    Hoje a colaboradora Giovana Veronezi traz a segunda e última parte deste especial com o relato da Profa. Rogéria Veronezi sobre sua atuação no ensino fundamental e médio. O resultado você pode conferir na íntegra abaixo.


    Todas as experiências escrevendo para o Ciência Pelos Olhos Delas são especiais à sua maneira, mas não há como comparar a oportunidade de realizar uma entrevista com a nossa própria mãe. Após compartilharmos nossos relatos pessoais em relação à pandemia aqui no blog, surgiu a ideia de trazermos também uma abordagem do ponto de vista educacional, e eu imediatamente já sabia quem gostaria de entrevistar.

    Ao longo dos anos eu pude acompanhar a trajetória da Profa. Rogéria não só no papel de filha mas também como sua aluna ao longo de todo o meu ensino fundamental. Quando a pandemia da COVID-19 resultou na interrupção das aulas presenciais e no estabelecimento do ensino remoto, acompanhei de perto também como as incertezas e adaptações afetaram sua rotina profissional.

     Atualmente Professora de Língua Portuguesa e Literatura no SESI e Coordenadora Pedagógica na EMEB Prof. José Barreto Coelho, em Mococa (SP), a Profa. Rogéria conta em detalhes quais foram tais adaptações e como estas afetaram as relações aluno-professor, professor-professor e o planejamento escolar como um todo.

    1. Conte-nos um pouco sobre a sua formação e sobre a sua experiência como docente/professora.

    Minha formação inicial é em Letras. Minha primeira Pós Graduação foi na área de Psicopedagogia Institucional. Depois senti necessidade de cursar Pedagogia e, atualmente, estou cursando uma Pós em Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 

    Minha experiência com a docência permeia desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Na Educação Infantil, fui professora de Língua Inglesa para crianças a partir de 4 anos de idade, experiência também compartilhada no Ensino Fundamental I. Nos segmentos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio minha experiência maior é na área de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. 

    Além de trabalhar como docente, atuo na área de formação de professores como Coordenadora Pedagógica, função que acumulo à de professora há, aproximadamente, dezoito anos.

    2. Como a pandemia da COVID-19 afetou as atividades da instituição de ensino em que você trabalha?

    Atualmente trabalho em duas instituições de ensino: uma da rede particular e outra da rede municipal. Na primeira, sou professora; na segunda, Coordenadora Pedagógica, o que me oportunizou experienciar a situação sob as duas vertentes. 

    A pandemia afetou fortemente o modelo de educação que conhecemos, o que exigiu que as pessoas envolvidas – gestores, professores, estudantes – ressignificassem suas concepções sobre função social da escola. O problema é que tudo aconteceu de uma forma muito inesperada, e a mudança precisou ser feita num ritmo muito acelerado e num contexto de muitas incertezas. 

    O fato de estar na sala de aula muito colaborou com o meu trabalho de Coordenação Pedagógica, pois conseguia enxergar na prática as dificuldades apresentadas pelos professores que coordeno. As incertezas e as muitas novidades ocorridas no início do trabalho com o Ensino Remoto foram, aos poucos, dando lugar ao sentimento de ser necessário encarar os desafios um a um, o que significava controlar a ansiedade e reestruturar a forma como o trabalho vinha sendo desenvolvido até então.  

    A meu ver, o que mais impactou nas atividades, em ambas escolas, foi a necessidade de o professor distanciar-se de seus estudantes, uma vez que o nosso trabalho se apoia no vínculo criado diariamente na sala de aula. Além disso, a maioria dos professores e dos estudantes não estavam preparados para lidar com esse novo formato, em que a tecnologia passou a ser uma das protagonistas do sistema educacional. Interessante foi ter notado que os adolescentes, tidos como “digitais”, também tiveram dificuldades para se adaptar à tecnologia como ferramenta no seu processo de ensino-aprendizagem.

    3. Você já tinha experiência com ensino remoto anteriormente?

    Embora tenha 26 anos de experiência docente, ainda não tinha tido a oportunidade de trabalhar integralmente em um sistema de Ensino Remoto. De alguma forma, a tecnologia já fazia parte da minha rotina de trabalho, mas num sistema híbrido.

    Aprender a lidar com as aulas síncronas talvez tenha sido o meu maior desafio, pois é como se você fosse abduzido da sua zona de conforto – a sala de aula – e teletransportado para a frente de uma tela de computador, com quem passa a conversar. O diálogo passa a ser, então, um monólogo, pois geralmente os adolescentes têm resistência em abrir as câmeras e interagir com o professor.

    É diferente de um curso on-line em que você se matricula por vontade própria, como estudante, e sabe que seu contato presencial com o professor será limitado ou, dependendo do curso, inexistente. No Ensino Remoto, ninguém teve a chance de optar.  

    4. Quais foram as adaptações necessárias para passar do ensino presencial para o remoto?

    As incertezas trazidas pela pandemia da COVID-19 fizeram com que as adaptações fossem acontecendo de forma gradual, pois no início não havia como mensurar o tempo em que ficaríamos afastados do ensino presencial. Nas escolas em que trabalho, por exemplo, uma das primeiras adaptações foi com relação ao Calendário, com a antecipação das férias de julho para abril. 

    Depois vieram as adaptações referentes à organização dos estudantes para trabalharem em um novo modelo, distantes dos seus colegas e professores;

    à disponibilização de plataformas educacionais para acesso a aulas síncronas, se possível;

    à postagem e ao acesso das atividades;

    ao investimento na formação de professores quanto a novas tecnologias;

    à reorganização do planejamento;

    à garantia de feedbacks, tanto do professor para o aluno quanto o contrário;

    ao como garantir o cumprimento das atividades pelos alunos;

    ao como auxiliar o estudante que sentisse dificuldades com as atividades propostas.

    Digo que as adaptações foram, e estão sendo feitas, de forma gradual porque muitas questões novas aparecem cotidianamente. O que fazer, por exemplo, com um estudante que, de repente, deixa de cumprir as atividades propostas mesmo tendo condições favoráveis ao acesso? Nesse momento é necessário um processo de adaptação, no sentido de se pensar em uma estratégia que possa ser transformada em uma ação eficiente, principalmente para o aluno.  

    5. Como foi a reciprocidade dos alunos no início? E a assiduidade? Todos os alunos conseguiram aderir ao ensino à distância?

    É preciso ser realista com a situação que estamos vivendo: os estudantes não têm experiência com esse sistema de ensino e, mesmo após seis meses de trabalho, podemos dizer que muitos ainda estão em fase de adaptação. Analisar a reciprocidade dos alunos implica analisar outros fatores que interferem nesse processo, como o fato de o Ensino Remoto não ser adequado para todos os tipos de estudantes, principalmente para aqueles que apresentam algum tipo de dificuldade. 

    Penso que a idade também interfere nesse processo: quanto mais novo o estudante, mais difícil lidar com o ensino remoto. Como já disse anteriormente, Ensino Remoto não é sinônimo de Ensino à Distância, embora em ambos o contato entre professor e aluno não aconteça como no ensino presencial. No Ensino à Distância o estudante, geralmente já na fase adulta, está consciente de sua escolha quando opta por um pós-graduação, por exemplo. 

    Em ambos os modelos, estudar exige uma disciplina muito maior que estudar em uma sala de aula, principalmente porque o aluno tem que aprender a gerir o seu próprio tempo. Imagine quão complicado isso pode ser para adolescentes cujos pais precisam sair para trabalhar de manhã e deixá-los sozinhos em casa…  No ensino presencial, os estudantes encontram um espaço pensado e organizado para o propósito da aprendizagem. No Ensino Remoto, o estudante perdeu essa referência e precisou se reorganizar. Obviamente, a reciprocidade e participação não têm sido 100%, e muitos são os fatores que podem justificar esse resultado, desde a dificuldade de acesso à falta de autonomia dos estudantes.  

    6. Você alterou a forma de avaliar o desenvolvimento/aquisição de conteúdo, a forma de aplicar provas e trabalhos?

    Nesse modelo, tudo mudou, inclusive a forma de avaliar o desenvolvimento e aquisição de conhecimentos. Sou consciente de que muitos alunos, durante a prova, resolvem as questões a partir de consultas na internet, conversas com colegas pelo WhatsApp… Não há como evitar isso. Então é preciso mudar o olhar sobre como avaliar, assim como o paradigma de que o aluno deve fazer essa ou aquela atividade para “ganhar nota”. Quando meus alunos me fazem a fatídica pergunta “Vale nota, professora?”, eu respondo “Vale conhecimento!”. 

    Acredito ser importante eles se convencerem de que a prova que fazem na escola é equivalente a qualquer outro processo avaliativo: a habilitação para dirigir, por exemplo. No momento da prova, o “candidato a motorista” não deve mostrar ao avaliador o resultado de tudo aquilo que aprendeu durante as aulas com o instrutor da autoescola? Tento convencer meus alunos de que na escola o processo deve ser o mesmo. 

    Outra problemática presente é o fato de o distanciamento entre professor e aluno impossibilitar a mediação do professor, tão necessária ao processo de ensino-aprendizagem. Quando estamos em sala de aula, há como percebermos a evolução do estudante através da observação durante a realização dos exercícios, a participação nas aulas, o envolvimento com as atividades propostas… No presencial, é possível fazer, como nós costumamos dizer, um trabalho “corpo a corpo”: se o aluno tem dificuldade, o professor senta com ele e o ajuda a resolver o exercício, por exemplo. No formato remoto isso inexiste, por mais que se tenha contato com o aluno nas aulas síncronas, em que, vale lembrar, há ainda um grande dificultador: o fato do aluno não interagir com o professor.

    7. Quais você acredita que são os maiores desafios neste sistema? 

    São muitos os desafios neste momento, mas um dos maiores, na minha visão, é garantir que todos os estudantes tenham acesso às atividades propostas, consigam organizar-se, tornar-se autônomos e, consequentemente, desenvolver as competências e habilidades necessárias à sua aprendizagem. Outro grande desafio é o professor conseguir lidar com as mudanças inerentes ao contexto atual e reconhecer a urgência de a necessidade de rever o seu papel como profissional do conhecimento.

    8. Você pretende continuar com alguma atividade online após o retorno às aulas presenciais?

    Não há como nos desvencilhar das novas estratégias que passaram a fazer parte do nosso planejamento. O ensino híbrido, que já não era novidade em educação, ganhou seu espaço e, efetivamente, permanecerá nos planejamentos pós-pandemia, como a “aula invertida”, que dá aos alunos a oportunidade vir à aula presencial repertoriados sobre o assunto que será discutido. 

    Não se trata de descartar todas as estratégias utilizadas antes da pandemia, mas, sim, de renová-las. Acredito que nós, professores, descobrimos novas formas de ensinar, de tornar nossas propostas muito mais significativas para os estudantes e não podemos abrir mão disso. Coordeno professores que foram meus professores e que, apesar da vasta experiência como docentes, estão se redescobrindo, aprendendo a ensinar através de meios tecnológicos. Não foi fácil no começo, mas já comemoram suas conquistas.

    9. Como você acha que essa experiência coletiva vai impactar o futuro da educação no pós-pandemia?

    Espero que essa experiência coletiva mude a nossa forma de pensar a educação. Que os alunos entendam que a escola é um lugar onde vão para compartilhar experiências, aprender, se divertir, criar vínculos, descobrir suas competências e habilidades. Que os professores se assumam como professores, como profissionais do conhecimento, que se preocupem em estar sempre se preparando para formar esses jovens que, diariamente, estão sob nossa responsabilidade. Talvez alguns, ao ler essa resposta, pensem que eu esteja sendo utópica, mas se não idealizarmos uma mudança ela nunca será realidade.


    Obrigada, mãe, por aceitar o convite e pelas valiosas reflexões. Acredito que muitas instituições de ensino compartilham desta realidade de ainda vivenciarem uma fase de adaptação em adequar este novo modelo de ensino às necessidades dos alunos e preparação dos professores, mesmo após meses de ensino remoto. Adicione diferenças socioeconômicas que limitam o acesso de muitos à esse formato digital e o desafio se torna ainda maior. Neste caminho, que cada vez mais as vozes de professores e profissionais da educação sejam reconhecidas e amplificadas.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Ciência pelos olhos delas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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